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Para Além do Fim

O melro canta na calada da noite


Tome estas asas partidas e aprenda a voar

O sol descia atrás das montanhas, como o planejado. Meu primeiro vislumbre de
Dublin através das janelas embaçadas revelou o verde esmeralda que cobria o solo onde quer
que eu olhasse. Verde e neve nunca foram minhas coisas favoritas, mas, com o tempo, aprendi
a valorizar a liberdade advinda de lugares como este. O fim do verão irlandês era diferente do
que estávamos habituados a lidar, era mais agradável e um pouco restritivo.
Lizzie moveu-se ao meu lado, apertou sua bochecha um pouco mais contra meu
ombro. Algumas mechas caíram escondendo seu rosto e sobre seus lábios, ela apenas grunhiu
em seu sono. Ela fazia isso com frequência, mesmo acordada. Lizzie ainda não era totalmente
uma adolescente, mas aos 14 anos ela já era tão temperamental quanto uma. Clarence me
responsabilizava por sua personalidade precoce, eu culpava Clarence por sua teimosia e
Charlie assegurava que sua neta era apenas tão persistente quanto ambos os pais.
Clarence inclinou-se, acariciando as mechas cor de mogno para longe da pele
porcelana de Lizzie; deixou um beijo sobre sua tez e tornou a checar o relógio. Estendi minha
mão através da poltrona de Lizzie e agarrei a mão de minha esposa. Os olhos dourados
correram para mim e ela sorriu, grata por meu apoio. Ela odiava voos, ainda mais quando
Lizzie estava conosco. Nós corremos o mundo ao longo dos últimos anos, mas ela nunca
deixou de estar nervosa dentro de um avião.
Por sorte, logo em seguida o piloto anunciou o pouso e em sete minutos estávamos
sobre terra firme.
– Onde ela disse que estaria nos esperando? – perguntou-me Clarence, avançando
através de algumas famílias no saguão de desembarque do aeroporto.
– Ela disse que estaria aqui – eu disse dando de ombros.
Lizzie esticou seu pescoço, os olhos sonolentos apertados enquanto tentava localizar
sua tia entre os estranhos. Deixei que ela seguisse sua mãe, mas mantive meus olhos sobre as
duas enquanto levava seguiam através do portão de desembarque.
Se eu pudesse escolher um lugar para passar nossas férias, Irlanda não estaria nem
mesmo entre as cinco primeiras opções. Eu preferia voltar à Ilha de Esme, ou qualquer outro
lugar de clima tropical desde que tivéssemos privacidade. Como eu disse, nunca fui fã da neve
ou do verde esmeralda espalhado por todo o país. Mas Bella esteve fora por três anos agora e
Lizzie iria enlouquecer-nos se tivesse de passar mais um ano inteiro longe de sua tia preferida
que – para horror e tristeza de Rosalie Hale – continuava sendo Bella.
Então, aqui estávamos nós. E vendo o sorriso no rosto de minhas garotas, eu estava
feliz por ter embarcado nesta viagem.
– Ali, mãe! – ouvi Lizzie gritar antes de correr para o meio do saguão, evitando por
pouco um carrinho abarrotado e dispensando as reclamações aturdidas de um irritado irlandês
com um sorriso gentil e um “Minhas mais sinceras desculpas” lançando por sobre seus ombros.
Ela herdou o sorriso da mãe, então o jovem irlandês não teve qualquer chance. Sua
fúria desinflou instantaneamente e ele seguiu seu caminho sem brigas.
– Você está tão encrencado – riu Clarence, pensando em todo o trabalho que eu teria
em manter os rapazes longe de Lizzie.
– Estou tentando não pensar nisto – lamentei.
Nós assistimos de longe quando Lizzie lançou-se nos braços abertos de Bella. O
modo como as duas se entendiam. Bella checou-a ansiosa, como se Lizzie ainda tivesse cinco
anos e houvesse tropeçado pelo jardim a tarde inteira brincando com Brendan e Seth.
– Tia, eu estou bem – Lizzie garantiu com tédio fingido. – Eu só estou com saudades.
A senhora nunca mais veio nos visitar – apontou com uma nota de mágoa.
– Eu sinto muito, querida. As coisas ficaram um pouco loucas na Universidade – disse
Bella. – Mas prometo tentar visitá-los com mais frequência no futuro – prometeu.
Clarence lançou-me um olhar triste e conhecedor. Nós dois sabíamos que Bella não
retornaria. Um dos motivos de nossa visita era descobrir o que a manteve distante dos Cullen,
e eu não tinha de ler a mente de Bella para saber que ela soube de nossas razões escusas no
momento em que anunciamos a viagem.
Ela desviou seu olhar da sobrinha e finalmente voltou-se para nós dois com um
sorriso gentil, mas eu pude ler em seu rosto; Bella estar feliz em nos ver, não significava que
ela estava disposta a expor os motivos que a fizeram ficar longe por tanto tempo.
Clarence suspirou abatida. Ela se sentia culpada. Por mais que eu repetisse
constantemente que nosso casamento não quebrara a ligação entre Bella e os Cullen,
Clarence não deixava de atribuir a culpa a si mesma. Ela acreditava que era a única culpada
pela vida solitária a que Bella fora relegada. Mas eu conhecia Bella, eu vira o quanto ela era
ligada aos seus pais, ela não os deixaria por mim ou por qualquer outro. Se os Cullen nos
adotaram e ajudaram ao longo da gestação de Clarence fora por Bella, porque eles a amavam
e por isso cuidavam de mim. Clarence era uma Cullen e Bella a tratava com a mesma
deferência com que tratava suas outras duas irmãs.
E havia Elizabeth. A cada vez que Bella a via, ela tinha esse olhar em seu rosto,
como se o mundo inteiro estivesse bem ali diante dela.
– Vou pegar as malas, encontro vocês em dois minutos – eu disse à Clarence, com
um aperto em sua mão procurando encorajá-la.
Só a deixei ir quando me certifiquei de que ela ficaria bem, então fui para as esteiras
onde eu sabia que nossas malas estariam.
Eu as encontrei exatamente no lugar onde as deixei. Lizzie estava bocejando, ainda
sonolenta da viagem e Clarence estava dobrando o sobretudo amarelo canário que nossa filha
usara durante o voo, perguntando numa voz calma se Lizzie precisava de água ou comida.
Bella estava ali, apenas observando as duas. Ela estava diferente. Ela não
envelheceu sequer um único dia desde sua transformação, mas parecia mais madura agora.
– Olá, Eremita – provoquei-a, estudando atentamente enquanto seus olhos dourados
se voltavam para mim e qualquer traço de emoção era ocultado de seu rosto.
Foi como um golpe. Nós costumávamos ser completamente honestos um com o outro
e agora ela sentia necessidade de esconder-se de mim. Eu precisava descobrir o que mudara.
– Edward. Como vão as coisas em St. Agatha? Correu tudo bem com a mudança?
St. Agatha era uma minúscula cidade no Condado de Aroostook, no norte do Maine.
Conseguia ser menor do que Forks, nevava tanto quanto, talvez até um pouco mais e Elizabeth
por algum motivo se apaixonara pelo lugar desde a primeira imagem. Ela só detestava estar
tão longe de Charlie e dos Quileutes, mas compreendia a necessidade de ter alguma distância.
– Sim. Todos têm se adaptado muito bem. Carlisle calcula que só precisaremos sair
em quatro ou cinco anos – garanti.
– Como tem sido o colégio, Picles?
Lizzie bufou para o apelido, mas nem tentou esconder o sorriso.
– Eles foram legais no antigo colégio. Mas não faço ideia de como será no Ensino
Médio, no próximo semestre.
– Não fique nervosa, querida – disse-lhe Bella –, você não estará sozinha por lá.
Mas Bella ainda não percebera que era exatamente isto que deixava Lizzie nervosa.
Ela estaria conosco, frequentando o mesmo colégio que os Cullen. Ela sentia que estava
perdendo a pequena fração de liberdade que ainda possuía. Eu era um filho da puta feliz por
poder frequentar as mesmas aulas que a minha filha.
Clarence e eu trocamos um olhar e eu tive de engolir meu sorriso.
– Vamos lá, vou levá-los para casa. Esta conversa será mais proveitosa quando eu
puser um chocolate quente em suas mãos – Bella concluiu, puxando Lizzie por sua cintura
estreita e liderando nosso caminho para seu carro.
Era estranho porque Bella era quase tão minúscula quanto Lizzie. Dentro de um ou
dois anos, Lizzie provavelmente a ultrapassaria em altura, mesmo agora elas poderiam
facilmente se passar por irmãs. Eu estava completamente ciente das três garotas sob minha
supervisão e de cada marmanjo embasbacado pela rara beleza em cada uma delas.
Puxei Clarence para junto de mim, mantendo sua cintura no círculo de meu braço,
enquanto controlava o carrinho com apenas um braço e acompanhava Bella e Lizzie
mantendo-as sempre à nossa frente. Eu estava segurando rosnados e, até que alcançássemos
o Opel de Bella, fantasiei assassinar cerca de cinco ou seis caras, ou ao menos gritar em alto e
bom som: “Ela tem catorze anos, Filho da Puta!”
Coloquei as malas no carro e deixei que Lizzie se senta ao lado de Bella, mantendo
Clarence o mais próximo de mim dentro dos limites do respeitável, embora o meu desejo fosse
puxá-la para meu colo.
Elizabeth tagarelou por toda a viagem até Claregalway, que levou pouco menos de
quarenta minutos. Ela ficou encantada com os campos, o clima ameno e o sotaque dos
irlandeses, imaginando quanto custaria para convencer a mim e sua mãe a permitir que ela
concluísse o Ensino Médio aqui.
Por mais que os Cullen apoiassem qualquer escolha que fizéssemos, e por mais que
Clarence também estivesse tentada a viver algum tempo na Irlanda e apenas não gostasse da
ideia de afastar-se de Charlie ou Leah, eu sabia que o que nossa filha realmente estava
procurando era uma maneira de ter alguma liberdade. Eu poderia lidar com alguma distância,
mas não estava disposto a ter um Oceano inteiro entre nós e a nossa pequena Lizzie.
Eu podia compreender sua necessidade de liberdade, mas ela era apenas uma
criança ainda e ainda que ela tivesse quarenta anos, mesmo assim nem Clarence, muito
menos eu seríamos capazes de deixá-la à própria sorte. Não conhecendo este mundo de
sangue dos vampiros.
A fachada de pedras da casa de Bella me fez deixar as considerações a cerca do
futuro para outro momento. Concentrei-me em estudar a elegante casa em que Bella se
escondia por todo esse tempo.
O imóvel ficava na ponta mais distante da cidade, às margens do Lago Corrib, tinha
uma fachada alta e jardins coloridos com exuberantes begônias, orquídeas e prímulas. Bella
estacionou seu Mokka junto à porta e ajudou-nos com a bagagem porta adentro.
Nós recebemos um rápido tour através dos dois andares. À Lizzie foi atribuído o
quarto do meio, as paredes eram de um escuro tom de cobre, preenchidas com pôsteres dos
Queens, Pink Floyd e “Piada Mortal”, cartazes de “Watchmen”, “Harry Potter e a Pedra
Filosofal” e a capa original de “O Hobbit”. Portas francesas levavam à sacada, as cortinas de
camurça cor de musgo com franjas brancas estavam recolhidas deixando que o doce vento do
lago preenchesse o ambiente. Toda a parede ao lado da porta que levava ao corredor era
tomada por livros e mais livros, desde os grossos em suas capas de couro reformadas, até os
mais recentes lançamentos de Samantha Young, por quem, para minha aflição, Lizzie
começava a desenvolver profunda admiração.
Lizzie estava em êxtase. Pulou sobre a enorme cama cheia de almofadas cor de
perolada, espalhando-se sobre os lençóis de algodão egípcio e suspirando pesadamente. Ela
deu o tour por encerrado, saltando para cama e aventurando-se em seu enorme banheiro.
Clarence e eu tomamos o quarto na extremidade norte. O nosso quarto era ainda
maior que o de Lizzie, as prateleiras ocupadas por livros, também continham filmes e as
paredes eram de um tom perolado morno, contendo apenas quatro quadros, dois continham
fotografias, uma panorâmica tirada do topo do London Eye sobre a cama – que fez com que
Clarence recordasse do beijo que roubei-lhe no alto da cidade –, a segunda era um pouco
menor e estava no centro das prateleiras de livros e DVDs. Era uma fotografia de La Push, o
sol ofuscando todo o topo da imagem, e as bordas desfocadas.
Os outros dois quadros eram retratos. O primeiro e menor de Lizzie, sentada sobre
um balcão; seu pequeno rostinho inocente tomado por um sorriso sujo de bolo de veludo
vermelho. Ela tinha seis anos e cada um dos Cullen atados em seu dedo mindinho.
A segunda era um retrato do meu aniversário de dez anos de casamento. Clarence e
eu sorríamos um para o outro nosso sorriso secreto. Ela usava um longo vestido lilás e o
cabelo em coque; estava linda e eu, tão obviamente apaixonado.
Bella sequer pestanejou ao observar o último retrato. Até mesmo sorriu para a
imagem, assim como sorriu para o retrato de Lizzie. Clarence também percebeu isto e naquele
momento, quando minha esposa finalmente compreendeu que Bella estava feliz por nós, eu
não poderia expressar o tamanho de minha gratidão por Isabella Cullen.
Nós nos instalamos rapidamente, então reencontramos Bella em sua sala de estar.
Estava sentada sobre uma poltrona próxima à lareira, digitando rapidamente na tela do seu
Iphone e obviamente desconfortável por ter de afastar-se do aparelho.
– Como vão as coisas na Universidade? – Clarence arriscou, mantendo seu olhar
sobre o rosto sereno de Bella.
– Excitantes – admitiu e tive um vislumbre de um sorriso secreto que desapareceu tão
rápido quanto surgiu. – Eu tenho trabalhado com os manuscritos na língua original do Lebor
Gabála Érenn, em especial a História dos Gaélicos. Minha tese propõe uma reflexão sobre
quão profundamente o Cristianismo alterou os contos celtas originais.
– Uau! Isso é profundo – suspirou Clarence. – Imagino que deve despertar também
alguma polêmica, considerando o quanto os irlandeses parecem ligados à cultura deles.
– Você tem razão, existe alguma polêmica. Mas estamos tentando ser respeitosos, na
medida do possível – apontou, o uso do plural fez-me franzir o cenho e acabou por despertar
também a curiosidade de Clarence. – Mas a proposta da minha tese é resgatar a cultura pagã,
e o tempo todo deixo claro que meu objetivo maior é respeitar esta cultura e não maculá-la.
Qualquer um poderia ver a paixão com que Isabella expunha seus estudos. Ela até
mesmo descuidou-se por um momento de seus segredos, mas vê-la falar com tanto
entusiasmo sobre seu trabalho só me fez perceber o quanto ela vinha contendo-se diante de
todos nós.
Tentei imaginar o que poderia ser tão grave que a mantinha tão defensiva, mas
depois de horas contando anedotas dos Cullen e escutando atentamente o que ela já
alcançara em suas pesquisas, eu continuava sem qualquer pista do que ela poderia estar
escondendo.
Na manhã seguinte, tão logo Lizzie desceu para o café da manhã, Bella nos convidou
para um passeio pelo lago. Ela tinha uma pequena lancha que mantinha em funcionamento e
nós preparamos alguns mantimentos, Clarence enfiou algumas roupas numa bolsa de praia,
alguns livros e cremes para Lizzie, então seguimos Bella ao longo da varanda dos fundos,
escada abaixo e os dez metros até o Cais.
– Isto é perfeito – sorriu Lizzie, erguendo seu rosto para aproveitar os raios de sol,
enquanto eu me repetidamente me certificava de que não havia ninguém nas cercanias.
“Nós vamos ficar bem, Amor”, Clarence garantiu-me mentalmente.
Voltei-me para encontrar seu sorriso sereno em sua face que resplandecia à luz do
sol e apertei sua mão na minha em concordância. Mas nós dois sabíamos que eu não
conseguiria baixar a guarda.
Bella apenas seguia o caminho, respondendo alegremente as questões que Lizzie lhe
lançava. A casa era isolada e ela estava habituada a aproveitar os dias de sol no Lago ou em
seus terrenos. Ninguém jamais a vira. Ela se sempre se certificara disso.
A lancha era pequena, o suficiente para nós quatro. Era branca, com detalhes em
vermelho rubi, incluindo o nome na lateral “Isabella”.
Fitei as letras em escrita rebuscada, imaginando quem realmente decidira nomeá-la
assim, porque eu estava certo de que não era uma ideia de Bella.
Ela nos guiou à bordo, indicando onde cada coisa estava, apresentando-os o enorme
espaço interno, a cama espaçosa e os balcões de madeira. Os armários continham o suficiente
para uma refeição improvisada, apenas o necessário. Havia um vaso de tulipas conectado à
bancada junto à pia e uma longa vidraça ao lado da cama, oculta por cortinas de veludo azul
Royal.
Lizzie logo instalou-se numa espreguiçadeira sob o sol, distraída com sua leitura das
Eddas que ela estava decidida a terminar durante estas férias. Ela lembrava-se de várias
histórias as quais Clarence e eu lhe contávamos quando ela ainda não conseguia ler. Nós
sempre fizemos questão de ler até que ela caísse no sono.
Eu só estava feliz que ela não estivesse lendo um de seus romances. Eu não
acreditava que ela tivesse idade para esse tipo de leitura, mas Clarence e eu concordávamos
em não limitá-la. E Sue sempre nos aconselhou a jamais criar proibições rígidas, porque este
era o caminho mais rápido para o desastre. Então se Lizzie queria um pouco de educação
sexual, eu só poderia evitar estar ao seu redor quando estava concentrada em seus romances.
Confiava em minha filha para tomar suas decisões e sabia que ela não faria nada de que
pudesse se arrepender.
Além disso, Clarence sempre falava sobre estas coisas. Até o ponto em que as duas
liam as mesmas histórias de modo que Clarence pudesse sanar as dúvidas de Lizzie. O tipo de
coisa que eu preferia não pensar.
Grato por sua escolha de leitura, tomei meu tempo apreciando a visão de minha
esposa em seus shorts e biquíni. Nós nadamos juntos, enquanto Bella permanecia à bordo
com Lizzie.
Clarence e eu nadamos até o fundo do lago e nos divertimos, por um momento
esquecidos do mundo lá fora. Eu a beijei, puxando-a contra mim, e dediquei algum tempo para
demonstrar o quanto aprovara sua escolha de vestuário, mas quando voltamos à superfície,
por um curto espaço de tempo, longe da lancha e a algumas milhas da casa; apavorei-me
quando não fui capaz de ouvir a mente de Lizzie.
– É Bella, Amor – Clarence apressou-se em recordar-me. – Nós estamos fora do
escudo dela.
– Mas porque Bella ergueria seu escudo? – questionei intrigado.

Tome estes olhos cavados e aprenda a enxergar


Os dias passaram tranquilamente. Bella permanecia mantendo seus escudos
erguidos; na maior parte do tempo, ela me mantinha dentro, mas em alguns raros e dispersos
momentos notei-a discretamente excluir-me.
Por mais que eu quisesse questioná-la, não era como se fosse justo esperar que ela
não usasse tudo a seu alcance para proteger seus segredos. Já me sentia constrangido de
impor minha presença, Bella era a única capaz de proteger-se do meu talento invasivo, eu não
poderia exigir que ela nega-se a própria privacidade e não estava disposto a questioná-la sobre
suas rotinas.
Assim, Clarence e eu nunca comentamos o ocorrido no lago. Não queríamos que
Bella soubesse que estávamos cientes de sua escolha de manter o próprio escudo. Mas nos
tornamos mais atentos. Temi que houvesse algum perigo do qual Bella pretendia poupar-nos
ao longo destes anos. Cheguei ao ponto de discutir com Clarence a possibilidade de os Volturi
estarem monitorando-a, mas nós sabíamos que ela jamais permitiria que Lizzie viesse à
Claregalway se houvesse a menor chance de que os Volturi a descobrissem.
Ainda assim, quando Bella tirou uma manhã para pegar alguns livros na Biblioteca da
NUI Galway, não pensei duas vezes antes de segui-la.
Clarence garantiu que ficaria bem com Lizzie, que ainda estava adormecida às nove
da manhã e eu corri por todo o caminho até o Campus, aproveitando a manhã nublada que
manteve o sol encoberto.
A viagem não foi particularmente difícil. Segui sempre a uma boa distância da
autoestrada e fiz o trecho em menos de meia hora. Chequei várias vezes a região antes de
aproximar-me do Campus. Eu tinha alguma desculpa para estar ali, mas Bella estaria no
mínimo desconfiada e eu não queria colocá-la ainda mais na defensiva. Ela viera até aqui e
lutara para construir um lar, ainda que esta fosse uma vida solitária; eu não queria ser o
responsável por torná-la desconfortável em seu próprio terreno. Eu deveria respeitar o seu
espaço.
O problema é que nós todos levamos anos respeitando suas escolhas, mas todos
estávamos preocupados agora. E vendo como ela mantinha esse escudo sempre em guarda,
eu sabia que tínhamos motivo para estar.
Segui pelo caminho mais longo até a biblioteca, buscando entre as mentes qualquer
pista do paradeiro de Bella.
Eu tive o primeiro vislumbre através de um pensamento bastante infame que eu
decidi ignorar. A maioria dos estudantes naquele lugar estava muito ocupada com suas
próprias crises ou focada em suas pesquisas para sequer notar qualquer um a sua volta. Mas
Bella não era o tipo de garota que poderia passar despercebida, não era agradável vê-la
através das mentes hormonais de calouros ou estudantes que apenas estavam ali para gastar
o tempo do intervalo entre aulas, mas era alguma coisa.
Havia uma senhora, sentada atrás de seu computador e espiando metodicamente as
mesas em torno do balcão. Sua mente era limpa e tranquila, quase silenciosa. Ela reconheceu
o professor de Linguagem Gaélica franzindo o cenho num típico ataque de mau humor com
sua aluna preferida que acabava por ser Bella. A bibliotecária manteve-se discretamente atenta
à discussão dos dois, certificando-se de que Bella estava firme, tudo aquilo era estranho
porque Dr. O’Donoughue sempre parecia de bom humor em torno de Bella. A pobre coitada era
uma das únicas pessoas em toda a NUI capaz de realmente aturá-lo.
Bella parecia desconfortável com toda a situação, mas o que me deixou em alerta foi
o modo como ela manteve seu escudo sobre a mente de seu professor. Mesmo sondando as
mentes dos estudantes mais próximos, não consegui ouvir muito além da risada de cristais de
Bella ou ver o sorriso quase discreto do Sr. O’Donoghue.
Os dois passaram horas conversando. Em algum ponto, finalmente começaram a
discutir sobre a tese e Bella passou a fazer algumas anotações e correções, mas ainda
pareciam tão íntimos, mesmo com toda a discrição zelosa dela e o curioso humor soturno dele.
Felizmente para mim, os dois ainda despertavam a curiosidade da Sra. Hawks, a silenciosa e
pouco sociável bibliotecária.
Não foi até muito depois das três que os dois se despediram. Bella saiu
imediatamente do Campus, provavelmente voltando para casa. Enquanto Dr. O’Donoghue
seguiu para o que parecia ser o caminho até sua sala.
Enviei uma mensagem para Clarence pedindo que ela mentisse quando Bella
chegasse.
“Eu direi que você saiu em busca de um lugar seguro para caçar”, Clarence
respondeu.
Bella continuou resguardando a mente de seu professor até que estivesse longe
demais para mantê-la sob seu escudo. Ainda assim, foi extremamente difícil localizá-lo, quase
parecia que ele não queria ser achado. Sua mente era um estranho carrossel de ideias, cheia
de reflexões sobre a tese de Bella ou lembranças de trechos antigos em sânscrito, galês e
latim e outras linguagens que eu nem mesmo poderia reconhecer. Ele era peculiar.
Esperei até que Clarence avisasse que Bella estava em casa, só então pude baixar a
guarda e deixar de rastrear as redondezas, e quando me concentrei completamente no Dr.
O’Donoghue descobri que sua mente não era apenas peculiar, ele era sem dúvida um vampiro.
O’Donoghue prezava por sua discrição e tinha um domínio perfeito sobre os próprios
pensamentos, deixando a superfície de sua mente abarrotada de imagens e sons simplórios.
Estava sentado em sua poltrona, checando as frequências e dando atenção à papelada
acadêmica, mas não podia evitar um ou outro pensamento sobre Bella. Ele sabia sobre a
natureza de Bella; e o modo como a via, ele estava completamente apaixonado.
A coisa certa a fazer seria voltar para casa, mas não conseguiria partir antes de me
certificar de que Bella estaria segura, então aguardei pacientemente até que decidisse
abandonar o Campus.
O’Donoghue não era exatamente como os Cullen, mas como nós, aperfeiçoara-se na
Arte de Manter-se Oculto. Assim, mantive distância enquanto acompanhava seu trajeto até o
sua vaga no estacionamento e captava cada flash de sua Mercedes branca correndo para fora
do Campus da NUI.
Não foi difícil segui-lo, ele precisava caçar. Eu soube, então, que no fim do dia
teria cumprido meu papel e poderíamos apenas aproveitar a hospitalidade de Bella sem
qualquer nuvem sobre nossas cabeças. Desde que ela não nos expulsasse, ou talvez ela
pudesse permitir que ao menos Lizzie e Clarence ficassem pelo resto das férias.
Segui-o para fora da cidade, e por toda o tempo em que seguiu a estrada até o
ponto onde tinha por hábito deixar sua Mercedes estacionada, alguns quilômetros floresta
adentro. Esperei até que estivesse longe o suficiente para vasculhar o carro e não
encontrei nada excepcionalmente significativo, exceto sua carta de direção em nome de
Terence Andrew O'Donoghue, um endereço em Dublin e a idade de 55 anos.
Havia uma foto de Bella escondida em sua carteira. Ela estava sorrindo como
costumava sorrir quando ainda estávamos juntos. Usava uma bela gargantilha com uma
imensa ametista em sua garganta e tinha os olhos dourados e quentes. Ela parecia feliz.
Em retrospectiva, desde a nossa chegada ela estava quase sempre tensa por algum
motivo. Não conseguia entender porque esconderia este romance por todo esse tempo, talvez
fosse a escolha de Terence, porque não era do feitio de Bella esconder algo tão grande de sua
própria família.
Esperei por ele, inclinado contra sua Mercedes e em campo aberto. O sol beijava
o solo quando finalmente voltou. Mas ele já não era o velho professor. Seu talento era
desconcertante. Sua pele antes enrugada agora assumira a macia e perfeita textura de sua
face real. Seu tom era de um rico bronze, ainda faiscando sob a fraca luz do sol. Ele tinha os
olhos castanho ouro alongados como os de um gato e seus longos cabelos eram lisos e de um
tom negro azulado. Tinha traços asiáticos e era quase tão alto quanto eu. Se antes ele parecia
ter 60 anos, agora não deveria passar dos trinta.
. Ele era uma criatura marcante. Eu podia entender o que Bella vira, embora
fôssemos tão distintos; eu com o meu cabelo flamejante, e ele som seus longos cabelos
escuros azulados.
– Edward Swan – disse ele, com um sorriso deslumbrado em seu rosto.
Era difícil acreditar que ele já não soubesse da minha presença ali. Entre os Cullen,
nunca fui conhecido por minha discrição. Emmett costumava dizer que eu fazia mais ruídos
que uma manada de hipopótamos, e mais alarde que um estouro de búfalos.
– Quem é você? Algo me diz que O'Donoghue não é realmente o seu nome.
Poderia dizer que esta era sua forma real; também poderia ver o que atraíra Bella, e
imaginei que ela pudesse ver sua real aparência, e não a ilusão que ele projetava a todos
os outros no Campus.
– Bells disse que você poderia descobrir-me, mas fui um tolo, acreditando que
todos estes séculos tornaram-me algo como irrastreável.
Ele sabia que eu o estava seguindo. Ansiava por isto. Eu só não poderia entender
seus motivos, mas não havia qualquer malícia em sua mente.
– Quem é você? – insisti.
Vendo-o aproximar-se confiante fez-me retornar à defensiva.
– Yul Nieper – disse-me. – E Bella é a única pessoa ainda viva que conhece
minha história. Desde o início de nossa relação temos sido completamente honestos,
exceto quando a questão são os Cullen – acrescentou ressentido. – Bella é leal à família e
estes são os únicos segredos que ela jamais irá compartilhar comigo.
Não era uma surpresa que Bella resguardasse os Cullen. Quando estávamos
juntos, tudo o que soube foi graças ao consentimento da família. Todos estes anos em que
Bella se manteve distante, esteve equilibrando sua lealdade. Estávamos em dívida com
ela agora.
– Então Bella sabe sobre tudo isso – deduzi.
– Bella é imune ao meu talento – admitiu com um sorriso sonhador.
– Por que ela nunca o apresentou? – pedi confuso.
– Mea culpa – disse envergonhado. – Veja, Sr. Swan, estive me escondendo por
tanto tempo que o segredo está arraigado em mim. Confesso que deveria ter ido à
América conhecer sua família e pedir a mão de Bella a esta altura; mas ao fim e ao cabo
tenho estado tão habituado a tê-la apenas para mim, sem qualquer ameaça de que
pudessem descobrir-me, que acabei convencendo-a de que seria melhor para todos nós
manter as coisas como estavam. Mas não mais.
– Você a ama – concluí.
Yul apenas assentiu, aproximando-se com um andar confiante.
– Bem, isto acaba agora.
Com um aceno tranquilo, Yul ofereceu-me uma carona e voltamos juntos para a casa
de Bella.
Depois de tudo dito e feito, Yul não era tão difícil de ler. Provavelmente nosso
encontro o deixara menos ressabiado, mas sua mente transbordava lembranças.
– Ela parece feliz – eu disse.
– É minha prioridade. Mataria qualquer um que tentasse mudar isso.
Soou como uma ameaça, mas não era. Yul sabia o suficiente dos Cullen para
acreditar que só poderíamos desejar o melhor para Bella.
Nieper era um homem silencioso. Não havia música no carro ou qualquer outra
pista que ajudasse a desvendar sua personalidade. Além, é claro, de seus pensamentos
que começavam a trilhar por caminhos íntimos.
Por um momento, experimentei realmente perder-me em sua mente. Tanto
quanto ele, esperava sentir alguma dose de ciúme, por tudo o que Bella e eu tivemos. Por
mais estranho que fosse ter a imagem de Bella em êxtase na mente de outro homem, a
lembrança não despertava nada exceto desconforto. Porque agora a via como uma amiga
querida a quem devia respeito e por quem me sentia um tanto quanto superprotetor.
– Você se importaria de parar de encher sua mente com besteiras? Eu ainda
posso ouvir seus pensamentos – tentei, depois de mais uma boa dose de silêncio
desconfortável.
“Você pode me culpar por tentar?”, pensou bufando.
– Não mesmo. Mas é realmente estressante para mim. É como ter uma TV no
volume máximo dentro do meu cérebro – esclareci.
– Sinto muito – mentiu.
– Olha, sei que você me odeia por minha história com Bella e pelo modo como
terminamos.
Ele tornou a bufar; um pequeno sorriso de escárnio surgindo em seus lábios.
Bem, ele não poderia odiar como as coisas terminaram porque ele era suficientemente
egoísta para ser grato por ter a oportunidade de ter Bella; mas também a amava o
bastante para desejar minha morte lenta e dolorosa.
– Fico feliz que ela o tenha encontrado – admiti.
E bem ali, quando já podíamos sentir o cheiro do Lago Corrib, Yul Nieper deixou
escapar uma valiosa lembrança. Ele estava correndo de volta para sua Mercedes quando
avistou Bella inclinada contra o carro exatamente como eu estive pouco mais de uma hora
atrás, mas em sua lembrança, era noite e Bella era uma visão muito mais gloriosa.
Ela tinha um sorriso satisfeito em seus lábios, sem saber que ele a atraíra o
tempo todo. Eles provocou-a por semanas, esperando que ela o confrontasse, evitando-a
e perseguindo-a; ela se tornara uma obsessão e ele finalmente conseguiria tê-la.
– Eu também – sorriu Yul.
Então Bella surgiu diante de nós, parada no meio da estrada. Yul teve tempo
suficiente para parar o carro antes de a alcançarmos, mas o olhar em seu rosto tinha tanta
dor que bem poderíamos tê-la atingido.
– Como você pode, Edward? – sussurrou e o alívio me tomou quando percebi
que havia mais fúria do que mágoa em seu tom.
– Pequena – interpelou Yul, saindo do carro num instante e colocando-se entre
nós dois. – Deixe-o explicar...
– E envolver Clarence em suas mentiras.
Seu tom fez com que eu me encolhesse. Desci cabisbaixo, não estava pronto
para enfrentá-la, mas se fosse honesto comigo, nunca estaria. Yul continuou tentando
fazê-la parar para escutar minhas explicações, mas eu não estava nem mesmo tentando.
Esperei até que ela dissesse tudo o que precisava, só então aproximei-me e
puxei-a para um abraço. Ela esperneou e, acredite em mim, foi difícil contê-la, mas no fim
ela deixou que eu apertasse um pouco mais.
– Eu sinto muito – sussurrei. – Eu tinha de fazer. Você sabe que não foi mal
intencionado, eu só tinha de fazer isto, Bella.
Ela assentiu acalmando-se. Quando a liberei, Yul puxou-a para si imediatamente.
Ele era possessivo sobre ela, mas não há ponto de torná-la infeliz, por sorte. Na verdade,
pude até ver um sorriso traquina no rosto dela.
– Bobo – ela resmungou num tom íntimo.
Os dois trocaram alguns sussurros rápidos, enquanto ele acariciava suas costas
e o tempo todo a mantinha cativa. Nos poucos instantes em que pude observá-los neste
primeiro momento, percebi o quanto Nieper era atencioso e terno e como a tornava
brincalhona e sorridente. Clarence tinha de ver isto, porque, assim como eu agora estava
convencido, ela logo notaria que Bella encontrara sua verdadeira felicidade aqui.
– Yul e eu decidimos que vocês virão conosco quando voltarmos à América – eu
disse, sem mais delongas.
Bella sorriu satisfeita, seu rosto levemente corado pela excitação e Nieper apenas
assentiu para mim.
Deixei-os a sós e voltei para minha mulher e filha.
Clarence estava à minha espera, impacientemente circulando pela sala. Eu podia
ouvir os sonhos de Lizzie, e ter as duas sob minhas vistas acalmou-me sobremaneira.
– Ouvi tudo o que foi dito lá fora – confessou Clarence, parando do outro lado da
sala. – Então Bella tem um namorado secreto – sorriu aliviada.
Cruzei o espaço entre nós e tomei-a em meus braços, roubando-lhe um longo e
quente beijo, destes que nós raramente podíamos trocar deste que Lizzie crescera.
– Eu a amo tanto, meu anjo – sussurrei em seus lábios.
Clarence piscou ainda embriagada e eu precisei contar mentalmente para não
carregá-la até nosso quarto e tê-la nua sob mim.
Os saltos de Bella clicaram sobre o piso e eu me forcei a apagar a selvageria em
meu rosto, antes de girar para encará-los. Mantive um braço em torno da cintura de
Clarence e seu corpo colado ao meu, o que poderia parecer possessivo, mas na verdade
era apenas um modo de controlar minha necessidade.
– Yul, esta é Clarence Swan – apontou Bella, – a esposa de Edward.
Yul aproximou-se com um olhar gentil, um sorriso satisfeito em seus lábios. A
verdade é que Yul era grato à minha Clarence; conhecendo nossa história, ele acreditava
que ela era a única responsável por sua chance de ter Bella.
– É um prazer conhecê-la, Clarence – ele disse, estendendo a mão para
cumprimentá-la.
Clarence deixou que ele apertasse sua mão e observou confusa e curiosa o olhar
de gratidão no rosto de Yul.
– Obrigada por cuidar de Bella por todo esse tempo – ela disse.
Ele puxou Bella para o círculo dos seus braços e enfiou o nariz em seu cabelo,
inspirando o seu aroma com intimidade, como se precisasse confirmar sua existência.
– Sou o único quem deveria agradecer à sua família por cuidarem dela por todos
esses anos – disse ele.
Clarence apenas sorriu, finalmente compreendendo a felicidade dos dois.
“Eles são tão lindos juntos”, disse-me mentalmente, atenta a cada pequeno
detalhe da cena. Sua pele em tons de cobre contra a pele porcelana de Bella, os longos
cabelos escuros caindo junto ao mogno dos dela; e seu enorme corpo engolindo a
pequenez do de Bella que era ainda menor que Clarence. Qualquer um poderia ver a
beleza do quadro.
“Pai”, Lizzie chamou do andar de cima. “Temos visita?”
– Se me derem licença, minha filha acordou e devo alertá-la sobre Yul – eu disse,
então deixei um beijo sobre o ombro de Clarence e ela ficou na sala, enquanto subia as
escadas até o quarto de Elizabeth.
Dois toques rápidos na porta do quarto e ouvi sua permissão numa voz
sonolenta.
Lizzie estava sentada no centro da cama, as pernas cruzadas e um livro em suas
mãos.
– Sua mãe disse que estava dormindo.
– Acabei de acordar – admitiu, fechando o livro com um marcador sobre a página
em que estava. – Quem está aí?
– Descobri, esta tarde, que sua tia Bella tem um namorado. Seu nome é Yul
Nieper e Bella finalmente irá apresentá-lo à família.
– Um namorado? – questionou intrigada.
“Ele é humano?”, acrescentou mentalmente.
Neguei em silêncio ao que ela assentiu em compreensão.
“Pai, ele é confiável?”
Crescer entre os Cullen não fez de Lizzie menos cautelosa sobre vampiros
desconhecidos.
Assenti com um sorriso pacificador.
“Ela está feliz”, ela compreendeu.
– Imensamente.
Lizzie saltou para fora da cama e agitou-se pelo quarto procurando algo para
vestir no lugar dos pijamas de “Star Wars” que ela ainda usava.
– Estamos na sala de estar – disse-lhe antes de fechar a porta e voltar para
Clarence.
Nós nos reunimos em torno da lareira, Clarence aconchegada em meus braços e
Bella cercada pelos braços de Yul. Descobriu-se que Nieper era tão fascinado pelas
pesquisas de Bella quanto ela mesma, e os dois pretendiam dedicar-se pelo tempo
necessário para que tudo fosse desvendado.
Lizzie surgiu pelas escadas apenas dez minutos depois que a deixei em seu
quarto. Tinha um olhar curioso sobre as costas do sofá em que o topo da cabeleira negra
azulada de Yul surgia.
Fitou-o fascinada, dispensando um rápido sorriso amedrontado para Clarence e
eu.
– Venha cá, filha – chamou-lhe Clarence.
Yul esperou até que ela caminhasse pelo tapete e diante da lareira, para sentar-
se ao lado de Clarence e cruzasse as pernas, mexendo em seu cabelo nervosamente.
– Yul, esta é Elizabeth, nossa filha – apresentou-lhe Clarence.
– É um prazer finalmente dar um rosto ao nome, querida – disse Yul. – Bella fala
muito sobre você.
– O prazer é meu – respondeu-lhe timidamente. – Fico feliz por finalmente
descobrirmos o segredo de minha tia. Eu estava começando a acreditar que a
encontraríamos aqui com um monte de gatos e soterrada em seus livros. Porque tudo o
que ela tem falado é sobre esta pesquisa. E o tempo todo ela estava, na verdade, aqui
com você.
A sutileza de Lizzie era algo legendário. Ainda assim, Yul compreendeu a dose
de mágoa em sua declaração. Ele assentiu, esperando ser capaz de conquistá-la em
algum momento, mas, embora Lizzie estivesse feliz por Bella, ela já entendera que Yul
fosse o único culpado pelo longo período de silêncio de Bella. E Lizzie também sabia o
quanto isto custara à Clarence.
Minha filha era sempre bondosa, amável e leal, mas ela também poderia ser
rancorosa.
Bella engoliu um suspiro, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, Lizzie
tornou a falar.
– Quando nós vamos voltar, papai?
– Assim que Bella e Yul estiverem prontos para ir.
Ela assentiu, então observou calada enquanto Clarence apressadamente falava
sobre os encantos de St. Agatha.

Toda a sua vida


Você somente aguardou o momento de ser livre
Permanecemos em Claregalway por mais uma longa semana. No primeiro dia,
mesmo alguém de fora poderia notar o ressentimento de Lizzie, mas Clarence sentou-se com
ela e tiveram uma longa conversa ao fim da qual ela comprometeu-se a tentar superar o que
ela considerava uma profunda traição.
Ela tentou duramente, mas já não tagarelava sobre a beleza da Irlanda e quanto
adoraria estudar ali.
Por outro lado, Rose ficou feliz ao saber que se tornara a tia preferida. Ela e Emmett
dirigiram as três horas até Quebec para buscar-nos no YQB.
Lizzie saltitou para seus braços como se não a visse em anos e Emmett estudou Yul
calmamente, esperando até que Bella fosse ao seu encontro para finalmente dar-lhe seu
famoso abraço de urso.
– Menina, você não faça mais uma coisa dessas, certo? – ordenou-lhe num sussurro.
Ele chegara à mesma conclusão de Lizzie, mas fora simpático e acolhera Yul o mais
gentilmente possível, porque o considerava uma extensão de Bella. Os dois carregaram a
Mercedes de Carlisle com a bagagem de Bella e Yul, enquanto Clarence e Rose ajudaram-me
a acomodar o que restara em nossa picape.
Embora Emmett fosse um amante da velocidade, a Mercedes seguiu nossa picape
por todo o retorno, respeitando nosso ritmo. Quando Lizzie estava em jogo, nenhum de nós
passava dos 100 Km/h na autoestrada.
Nosso avião pousou ao meio dia, mas só chegamos à propriedade em St. Agatha às
cinco da tarde. Esme, Alice, Carlisle e Jasper nos encontraram na garagem. Alice nem mesmo
esperou até que Bella saísse do carro antes de esmagá-la num abraço.
– Eu não acredito que você finalmente está aqui – disse animada. – Sentimos tanto
sua falta.
– Eu também – respondeu-lhe uma apologética Bella.
Emmett assistiu quando Esme e Carlisle mimavam sua filha pródiga, recordando-se
da última vez que eu a trouxera de volta e desejando que esta fosse a última vez que alguém
teria de arrastá-la para casa. As circunstâncias não poderiam ser mais adversas, mas
compreendia o raciocínio de Emmett. Felizmente, Yul estava muito mais do que disposto a
viver entre os Cullen, do contrário seria difícil para todos nós vermos Bella colocar todo um
oceano entre nós.
Quando toda a família teve um pouco de Bella, a atenção recaiu sobre Yul. Ele estava
ali, parado sob os raios pálidos do sol. Seu cabelo brilhando azulado e a mão cercando a mão
direita de Bella, mas não o bastante para que Emmett não fosse capaz de enxergar o enorme
rubi adornando o anelar de Isabella.
Clarence pigarreou e pus-me a fazer as apresentações. Yul cumprimentou a todos
com respeito, admirando a ligação entre Bella e a família. Lamentou tê-la mantido presa por
tanto tempo, e prometeu a si mesmo jamais afastá-la novamente.
Jasper e Carlisle o aceitaram imediatamente, Esme já ansiava este encontro desde o
momento em que soube sobre o romance entre Bella e Yul. Mas Rose foi ainda mais difícil que
Lizzie. As duas uniram-se e fofocaram pela maior parte daquela noite até que Elizabeth se
recolhesse em seu quarto.
Mas mesmo as duas admitiam que Nieper e Bella pareciam felizes juntos.
Felizmente, depois de alguns dias, Bella e Yul decidiram ficar. Esme projetou uma
casa para os dois, e Nieper, Jasper e eu a erguemos em alguns dias. Era feita de alvenaria e
por si só falava muito mais sobre a personalidade de Nieper do que eu jamais fora capaz de
notar apenas por seus pensamentos. Ele era um homem apegado às pequenas coisas,
entretido com a beleza oculta nos pequenos gestos. Ele era perfeito para Bella.
O talento peculiar de Yul foi fruto da curiosidade da família por algum tempo, e ficou
decidido que, pelo tempo que vivêssemos aqui, ele assumiria uma identidade muito mais
jovem, o suficiente para que fosse matriculado nas mesmas classes que Bella frequentaria,
apenas um ano acima das classes de Lizzie. Ele também poderia envelhecer ao longo dos
anos, o que endossaria nosso disfarce.
E fico feliz em dizer, que depois de um casamento feito às pressas, que arrancou
lágrimas de Lizzie, os dois viveram o tipo de felicidade que só é vista nos livros. Mas, de novo,
segundo Clarence todos nós vivíamos num romance afinal.

Voe, melro!
No clarão da noite escura...
Toda a sua vida você só aguardou o momento de alçar voo

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