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TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO – ARTIGO CIENTÍFICO

Guerra Fiscal: uma Análise Comparativa da Renúncia Fiscal Praticada


pelos Estados Brasileiros
Ricardo da Silveira Coelho – ricardoscoelho@gmail.com – UFF/ICHS
Rodrigo Guedes Maia – rodrigogm@id.uff.br – UFF/ICHS

Resumo

O Sistema Tributário Nacional, apesar dos aperfeiçoamentos introduzidos pela Constituição


Federal de 1988, permitiu que os estados-membros da federação entrassem na chamada
Guerra Fiscal. A Guerra Fiscal se reflete na concessão de benefícios fiscais por um ente em
detrimento de outros. O presente artigo objetiva analisar a renúncia fiscal praticada pelos
entes federativos, seus desdobramentos e as alternativas de solução para o problema. Para
tanto, foi feita uma pesquisa exploratória quantitativa da renúncia fiscal declarada pelos
estados e Distrito Federal e seu peso em relação à receita tributária. Os resultados permitem
concluir que a renúncia fiscal tem se acelerado nos últimos anos, subindo mais rapidamente
do que o aumento da receita em quase todo o país.

Palavras-chave: Guerra Fiscal; ICMS; Renúncia Fiscal.

1 – Introdução

A Constituição Federal de 1988 instituiu o Sistema Tributário Nacional e buscou a


uniformização dos tributos e a distribuição da competência tributária entre os entes da
federação, ampliando a autonomia tributária dos estados e municípios.
A forma federativa implica autonomia recíproca entre os entes. A autonomia dos
governos estaduais e municipais está a salvo das incursões do Poder Legislativo federal. Em
outras palavras, as leis ordinárias editadas pela União não podem retirar a autonomia dos
estados-membros, que é garantida pela própria Constituição Federal. (SILVA, 2013, p.7).
Aos estados e municípios, é

“[...] permitido exercitar suas competências tributárias, com ampla liberdade. Assim,
dependendo da decisão política que vierem a tomar, podem, ou não, criar os tributos
que lhes são afetos. Se entenderem de criá-los, poderão fazê-lo de modo mais ou
menos intenso, bastando apenas que respeitem os direitos constitucionais dos
contribuintes e a regra que veda o confisco.” (CARRAZA, 2007, p. 141 apud
SILVA, 2013, p. 7).

No caso dos estados, os impostos de sua competência são o Imposto sobre a


Transmissão Causa Mortis e Doação – ITCMD, o Imposto sobre Operações relativas à
Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e
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Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, e o Imposto sobre a Propriedade de Veículos


Automotores – IPVA. (BRASIL, 1988).
A guerra fiscal nos estados e Distrito Federal se configura com o uso dessa autonomia
para atrair investimentos, principalmente através da concessão de benefícios fiscais em
relação aos tributos de sua competência. Trata-se de concorrência tributária desleal através da
prática de políticas fiscais ilegais com o intuito de atrair investimentos. (MARTINS;
CARVALHO, 2014, p. 14).
Os benefícios ilegais concedidos acarretam prejuízo a outros entes. Um exemplo que
pode ser citado são as operações de débito e crédito entre empresas de diferentes estados, em
que o benefício é concedido por um estado à custa financeira de outro. (MARTINS;
CARVALHO, 2014, p. 14).
Os entes da Federação reconhecem que a guerra fiscal traz prejuízo a toda a sociedade.
Nada obstante, são raros os casos em que não se põem à luta, atacando seus parceiros
federativos com o argumento de que estão apenas se protegendo da guerra fiscal já
generalizada, que assola todo o território nacional. (MENDES; CAMPOS, 2013).
O tributo em que a guerra fiscal mais se reflete é o ICMS. Esse imposto, de
competência estadual, tem suas alíquotas máximas fixadas pelo Senado Federal. (BRASIL,
1988). Os estados possuem margens no estabelecimento de alíquotas até o limite máximo e na
concessão de benefícios, como isenção ou redução do imposto.
Nem toda renúncia decorre da guerra fiscal, mas não há como se ter uma ideia de seu
impacto nos cofres públicos sem conhecer sua magnitude e por isso, e com o intuito de se
compreender melhor como essa liberdade na fixação de alíquotas e concessão de benefícios
leva à guerra fiscal, levantou-se a seguinte questão de pesquisa: qual a dimensão da renúncia
fiscal praticada pelos estados?
Como objetivo geral, o presente artigo buscará analisar a guerra fiscal e as propostas
mais recentes para sua solução. Os objetivos específicos concentram-se em propor um
entendimento de seu estágio e dimensão atuais, através da demonstração dos volumes
renunciados pelos estados e seu crescimento diante da receita tributária nos últimos anos.
Para tanto, será apresentado um estudo detalhado da renúncia fiscal, através de dados
dos anos de 2010 e 2015 referentes às previsões de renúncia fiscal e de receita tributária dos
estados e do Distrito Federal.

2 – Referencial Teórico

A principal fonte de arrecadação no Sistema Tributário Brasileiro advém dos


chamados Impostos de Valor Agregado – IVA, ou Value Added Tax, em inglês. Esses
impostos são chamados indiretos por não incidirem sobre o sujeito (a pessoa) e sim sobre o
objeto (a mercadoria ou serviço). A característica de valor agregado significa que a cada vez
que o fato gerador ocorre, sua incidência recai somente sobre o valor agregado ao objeto em
relação à operação anterior e não sobre a cadeia completa. Como o fato gerador ocorre várias
vezes durante a cadeia de produção e distribuição, essa não-cumulatividade é fundamental
para não gerar efeito confiscatório, o que inviabilizaria o tributo, já que tal prática é proibida
pela Constituição em seu Art. 150, inciso IV.

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Na maioria dos países do mundo existe apenas um IVA, que é de competência federal.
No Brasil, no entanto, o legislador constituinte, numa tentativa atécnica de dividir a renda,
optou por dividí-lo em três partes: o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), de
competência da União, o ICMS (Imposto sobre Operações relativas à Circulação de
Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de
Comunicação), de competência estadual, e o ISS (Imposto sobre Serviços de Qualquer
Natureza), de competência municipal. A CF/88 determinou a não-cumulatividade do IPI e
ICMS, que são os tributos que incidem sobre produtos e mercadorias. (ALEXANDRE, 2016,
ps. 547 e 548).
Com essa divisão estabelecida na CF/88, os estados receberam competência para
legislar sobre o ICMS e como este é o imposto de maior arrecadação no sistema tributário
nacional, os estados ganharam um importante instrumento para atrair investimentos para suas
regiões através da concessão de benefícios fiscais relacionados a ele, instalando-se a guerra
fiscal no Brasil.

2.1 – A Característica de Não-cumulatividade do IVA

A não-cumulatividade implica que a cada etapa da cadeia, a incidência do tributo


ocorrerá apenas sobre o valor adicionado nela. Essa característica foi determinada como
aplicável ao ICMS no Art. 155, § 2º, inciso I, da Constituição Federal, que tem a seguinte
redação: “será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à
circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores
pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal”. (BRASIL, 1988).
A forma adotada no Brasil para atender a não-cumulatividade foi o sistema de débitos
e créditos. Nesse sistema, “A cada aquisição tributada de insumo, o adquirente registra como
crédito o valor do tributo incidente na operação. [...] A cada alienação tributada de produto, o
alienante registra como débito o valor do tributo incidente na operação” (ALEXANDRE, 2016,
ps. 548). O recolhimento se dará, então, pela diferença entre os débitos e os créditos.
A não-cumulatividade, embora fundamental para evitar que o ICMS apresentasse
efeito confiscatório, situa-se no centro da guerra fiscal.

2.2 – A Guerra Fiscal e o ICMS

Conforme detalhado anteriormente, o ICMS é uma espécie de IVA e por isso, possui
característica de não-cumulatividade. De acordo com a Constituição Federal, a não-
cumulatividade permite a compensação do que for devido em cada operação subsequente com
o valor cobrado nas operações anteriores. (BRASIL, 1988).
Os efeitos da guerra fiscal no âmbito desse tributo podem ser percebidos,
principalmente, em operações entre estados. Para ficar claro, cita-se como exemplo concreto o
caso dos frigoríficos. Para atrair ou manter a criação de gado em seu território, determinado
estado concede redução do ICMS. Essa redução, se concedida à revelia do CONFAZ –
Conselho de Administração Fazendária – que analisaremos posteriormente, é inconstitucional.
Nada obstante, utilizando de autonomia legislativa, o estado a concede. Na emissão da Nota
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Fiscal para a venda do gado, o benefício não é discriminado e o alienante declara a alíquota
cheia do ICMS. O comprador, então, situado em outro estado, se apropria do valor total do
crédito e o compensa na venda da carne, recolhendo valor menor ao estado de destino. Caso
semelhante foi denunciado recentemente pelo Sindicato dos Agentes Fiscais de Rendas do
Estado de São Paulo (Sinafresp), em reportagem do jornal Valor Econômico de 21/03/2016.
(MENDES, 2016).
Esse exemplo deixa claro que o estado de destino se tornou financiador de um
benefício não concedido por ele, sem qualquer chance de se defender, a não ser que descubra
o benefício irregular concedido e o denuncie ao Supremo Tribunal Federal em uma Ação
Direta de Inconstitucionalidade. Descobrir benefícios concedidos, no entanto, não é tarefa
fácil, pois, como visto no exemplo, o alienante não o aponta na Nota Fiscal.
Certo nível de concorrência entre os estados é até saudável como meio de diminuir a
pressão fiscal e gerar eficiência administrativa. O que se tem visto, no entanto, é uma
competição desleal e predatória, que causa prejuízos para toda a sociedade.
Nas palavras de Mendonça, Murta e Gasse, o que ocorre é uma

“[...] concorrência fiscal predatória entre os Estados, que, utilizando-se de leis,


decretos ou termos de acordo concedem favores fiscais diversos, gerando uma
plêiade de consequências negativas pela prática que costumeiramente é denominada
de guerra fiscal, que pode ser sintetizada na ideia de busca irrefreável e implacável
de redução da carga tributária nos Estados com o escopo de fomentar a atração de
investimentos e capital para o respectivo território, em prejuízo do federalismo fiscal
e da ordem jurídica, dando vazão a um fenômeno autofágico.” (MENDONÇA;
MURTA; GASSEN, 2015, p. 26).

Em diversos países federados como o Brasil, a exemplo de Alemanha e Austrália, esse


problema não ocorre porque as alíquotas dos IVA são estabelecidas de maneira uniforme pelo
governo federal (SWISTAK, 2015, p. 7). O Brasil, no entanto, devido à liberdade concedida
aos entes, acabou se transformando em uma federação de inimigos. (MARTINS;
CARVALHO, 2014, p. 14).

2.3 – O Confaz e a Posição do Supremo Tribunal Federal

Antevendo o problema e na tentativa de impedí-lo, o legislador constituinte


estabeleceu a recepção parcial pela CF/88 em seu art. 155, XII, alínea g, da Lei
Complementar nº 24, de 1975, que criou o CONFAZ – Conselho de Administração
Fazendária. Esse conselho reúne os 27 secretários da fazenda dos estados e Distrito Federal,
além do Ministro da Fazenda, para que discutam e acordem unanimemente a respeito dos
incentivos a serem concedidos. A LC 24/1975 determinou em seu Art. 2º, § 2º que a
“concessão de benefícios dependerá sempre de decisão unânime dos Estados representados; a
sua revogação total ou parcial dependerá de aprovação de quatro quintos, pelo menos, dos
representantes presentes.”. (BRASIL, 1975).
Nada obstante, os estados, exercendo sua autonomia legislativa, que pelo princípio
federativo constitui-se em cláusula pétrea da Carta Magna, editam leis e decretos que
concedem benefícios unilateralmente e ficam vigentes até serem declarados, caso a caso,

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inconstitucionais. Declarada a inconstitucionalidade, editam novos diplomas legais,


concedendo benefícios parecidos.
Essas incursões contra a ordem legal somente agravam a guerra fiscal e são
inadmissíveis por serem ilegais, afetarem a livre concorrência das empresas – já que apenas os
agraciados pelas concessões são beneficiados – e patrocinarem a ineficiência econômica.
(MARTINS; CARVALHO, 2014, p. 27).
Nas palavras do Ministro do Supremo Tribunal Federal - STF, Gilmar Mendes, “A
guerra fiscal entre estados já atingiu o nível fratricida [...]”, pois implica concessão de
benesses que “[...] abrangem vasta gama de agrados – desde áreas para instalação de fábricas
ao perdão de dívidas. O mecanismo mais usual, porém, é a redução de impostos por vastos
períodos, inclusive por meio de mecanismos financeiros [...]”, que causam “[...] nefastos
efeitos econômicos, administrativos e políticos”. (MENDES; CAMPOS, 2013, p. 13).
Quando instado em ADI – Ações Diretas de Inconstitucionalidade – que denunciam
práticas de concessão unilateral de benefícios, o STF tem se pronunciado contra a guerra
fiscal, declarando inconstitucionais os diplomas legislativos que concedem os benefícios
ilegais. As decisões, no entanto, têm sido relativamente inócuas, já que os estados beligerantes
editam novos diplomas legais para concederem benefícios parecidos. O STF editou, por isso,
a proposta de súmula vinculante nº 69, segundo a qual: “Qualquer isenção, incentivo, redução
de alíquota ou de base de cálculo, crédito presumido, dispensa de pagamento ou outro
benefício fiscal relativo ao ICMS, concedido sem prévia aprovação em convênio celebrado no
âmbito do Confaz, é inconstitucional”. (STF, 2012)
A publicação dessa súmula encerraria de forma drástica e traumática a guerra fiscal e,
por isso, na esperança de uma solução legislativa de consenso, o STF ainda não a publicou.

3 – Procedimentos Metodológicos

Com o objetivo de demonstrar a dimensão atual da guerra fiscal, foram coletados e


analisados os dados da renúncia fiscal e da receita tributária dos estados da federação e do
Distrito Federal referente aos anos de 2010 e 2015. O período escolhido se deveu à
disponibilidade dos dados, que foram coletados da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e
da Lei Orçamentária Anual (LOA) de cada ente.
A Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000) obriga o
Administrador Público a incluir o Demonstrativo da Estimativa e Compensação da Renúncia
no Anexo de Metas Fiscais na LDO.
Nem todos os estados respeitam essa determinação e por isso não foi possível
encontrar suas estimativas de renúncia. Esse foi o caso dos estados do Paraná, Mato Grosso
do Sul, Rio Grande do Sul e Sergipe. Para os demais, os dados foram coletados, tabulados e
representam a base desse estudo. Da LOA, foi coletada a estimativa da receita tributária de
cada ano de cada estado. No total, em conjunto com a LDO, foram pesquisados mais de 270
documentos.
O presente trabalho se classifica como uma pesquisa exploratória quantitativa. O
método exploratório objetiva “proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas
a torná-lo mais explícito [...]”. (GERHARDT; SILVEIRA, 2009, p. 35). A abordagem

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quantitativa se dá pela exploração dos dados brutos, padronizados e neutros, que no caso
desse artigo, representam o volume de receitas renunciado pelos estados.

4 – Resultados e discussões

A tabela 1 apresenta uma compilação de parte dos dados coletados na pesquisa, base
da análise. A coleta de dados se baseou nas estimativas de Receita Tributária, obtidas da LDO
e nas Previsões de Renúncia Fiscal, obtidas da LOA de cada ano de cada ente federado.

Tabela 1: Renúncia Fiscal versus Receita Tributária em milhões de reais.

2010 2015
Receita Tributária Renúncia Receita Tributária Renúncia
Acre 641,39 16,82 1.164,73 58,68
Alagoas 2.100,35 154,00 3.749,32 579,18
Amapá 441,48 85,51 1.057,73 122,27
Amazonas 6.312,16 4.115,51 9.190,67 6.816,07
Bahia 11.246,41 1.785,30 21.433,96 3.213,36
Ceará 5.594,19 967,26 10.860,11 967,26
Distrito Federal 8.747,99 892,32 14.255,60 2.198,00
Espírito Santo 7.480,87 836,42 10.474,08 1.011,29
Goiás 8.802,75 4.555,60 16.503,98 8.177,09
Maranhão 3.059,83 276,70 5.925,53 802,40
Mato Grosso 5.150,54 1.537,80 7.906,57 932,14
Minas Gerais 29.223,38 2.280,98 51.141,61 4.255,06
Pará 5.614,73 759,71 11.095,07 1.029,57
Paraíba 2.671,04 441,17 5.244,86 1.301,03
Pernambuco 8.636,46 80,99 16.003,46 251,14
Piauí 1.799,89 171,49 3.696,52 355,97
Rio de Janeiro 26.867,01 2.417,19 49.403,97 6.460,92
Rio Grande do Norte 3.188,67 232,44 5.882,97 397,97
Rondônia 2.609,01 787,61 3.505,21 160,20
Roraima 333,40 42,88 704,52 63,61
Santa Catarina 11.452,05 3.006,15 20.773,64 5.179,88
São Paulo 91.948,90 4.685,60 148.797,92 15.014,90
Tocantins 1.504,22 245,05 2.608,94 907,40
Totais 245.426,72 30.374,50 421.380,97 60.255,39
Fonte: LOA e LDO de cada estado e Distrito Federal obtidas dos sites das Secretarias de Estado
de Planejamento (SEPLAN, SEPLAG), Secretarias da Fazenda (SEFAZ, SEF), Assembleias
Legislativas e Diários Oficiais respectivos.

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4.1 – Renúncia Fiscal Absoluta e Relativa

Os dados da tabela 1 demonstram que a renúncia total estimada pelos estados e


Distrito Federal (excluindo-se Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Sul e Sergipe) para
o ano de 2015, totalizou 60,2 bilhões de reais.
Excluindo-se São Paulo, esse valor é maior que a receita tributária de qualquer um dos
estados da federação e ultrapassa 1,02% do Produto Interno Bruto brasileiro, que foi de 5,9
trilhões de reais em 2015, segundo o Instituto Brasileiro de Pesquisa e Estatística, (IBGE,
2015).
Para efeitos de comparação, o ajuste fiscal determinado pelo governo federal
inicialmente para o ano de 2015 previa a obtenção de um superávit primário da ordem de
1,19% do PIB. O esforço necessário em diminuição de despesas e aumento de receitas foi de
tal sorte elevado, que o governo central decidiu por reduzir a meta para 0,15% do PIB e, mais
tarde, por estimar um resultado negativo. (CRUZ; ALVARENGA, 2015).
Os dados da tabela 1 demonstram, ainda, que a receita tributária total estimada pelos
estados e Distrito Federal (excluindo-se Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Sul e
Sergipe) para o ano de 2015, totaliza 421,3 bilhões de reais.
Considerando a renúncia de 60,2 bilhões de reais estimada para 2015, a renúncia total
equivale a 14,3% de toda a arrecadação tributária prevista, de 421,3 bilhões de reais em 2015.
Esse dado alarmante demonstra que a sétima parte de toda a receita tributária potencial
é simplesmente renunciada, ou que a cada sete reais previstos em tributos, um real é
renunciado, não entra nos cofres públicos e não retorna diretamente em bens e serviços para a
população.
É possível ainda inferir, com base na análise, que se não houvesse renúncia, poderia
haver redução de mais de 14% na carga tributária para que a receita tributária continuasse a
mesma.

4.2 – Crescimento da Renúncia contra o Crescimento da Receita Tributária

Se no ano de 2015 a renúncia fiscal estimada totalizou 60,2 bilhões de reais, em 2010
a estimativa contida na LDO dos estados e do Distrito Federal somou 30,3 bilhões, o que
implica um crescimento da ordem de 98% da renúncia de tributos.
Já a receita tributária, que em 2015 foi estimada em 421,3 bilhões de reais, totalizava
245,4 bilhões de reais em 2010, implicando um crescimento de 71% em seis anos. Esse dado
indica que a renúncia fiscal cresceu em velocidade 38% superior à arrecadação em apenas seis
anos.
O gráfico 1 demonstra a relação entre a Renúncia Fiscal e a Receita Tributária de cada
estado e do Distrito Federal. Nota-se que a renúncia relativa (em percentagem) é acentuada
em alguns estados.

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Gráfico 1: Relação Renúncia/Receita em 2015.

80%
75%
70%
65%
60%
55%
50%
45%
40%
35%
30%
25%
20%
15%
10%
5%
0%

Fonte: LOA e LDO de cada estado e Distrito Federal obtidas dos sites das Secretarias de Estado
de Planejamento (SEPLAN, SEPLAG), Secretarias da Fazenda (SEFAZ, SEF), Assembleias
Legislativas e Diários Oficiais respectivos.

É possível observar pelo gráfico acima que a renúncia fiscal em 2015 na maioria dos
estados se situa entre 10% e 14% da receita. Em alguns estados, no entanto, a relação é muito
maior, chegando, por exemplo, a quase 75% no Amazonas, 50% em Goiás, 35% no Tocantins
e 25% nos estados da Paraíba e de Santa Catarina.
O gráfico 2 demonstra o crescimento da Renúncia Fiscal e também o crescimento da
Receita Tributária de cada estado e do Distrito Federal considerando os anos de 2010 e 2015.

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Gráfico 2: Crescimento Renúncia e Receita de 2010 e 2015.

280%

260%

240%

220%

200%

180%

160%

140%

120%

100%

80%

60%

40%

20%

0%

-20%

-40%

-60%

-80%

Crescimento Renúncia Fiscal de 2010 a 2015


Crescimento Receita Tributária de 2010 a 2015

Fonte: LOA e LDO de cada estado e Distrito Federal obtidas dos sites das Secretarias de Estado
de Planejamento (SEPLAN, SEPLAG), Secretarias da Fazenda (SEFAZ, SEF), Assembleias
Legislativas e Diários Oficiais respectivos.

Analisando os dados do estado de Alagoas, por exemplo, podemos ver que,


considerando os anos de 2010 e 2015, a receita tributária aumentou em quase 80%. Já a
renúncia cresceu quase 280% no mesmo período.
O mesmo acontece com o estado do Tocantins, cuja receita tributária cresceu também
por volta de 80% e a renúncia aproximadamente 270%.
Na outra ponta, temos alguns estados em que a renúncia fiscal cresceu menos que a
receita e em alguns casos, como Mato Grosso e Rondônia, os benefícios fiscais oferecidos
diminuíram ao longo dos últimos seis anos.
Não obstante a estabilização ou até mesmo a diminuição da renúncia fiscal em alguns
estados, os dados deixam claro que o crescimento da renúncia é prática comum e seu
crescimento chega a ser expressivo em vários outros pelo salto observado em relação ao
crescimento da receita tributária.
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A renúncia implica menos dinheiro entrando nos cofres estaduais e, além de ser muitas
vezes injusta, já que beneficia apenas algumas empresas, faz com que a população seja
penalizada e o desenvolvimento do país não ocorra de forma coordenada e igualitária,
afrontando diretamente o pacto federativo.
Resta comprovado que a guerra fiscal precisa ser amplamente debatida e solucionada o
mais brevemente possível, pois seus efeitos são sentidos em todas as regiões do país.

4.3 – As propostas de solução do problema

Segundo Ricardo Alexandre, “a criação de um IVA federal, com a extinção do ICMS,


do IPI e do ISS resolveria todos esses problemas. [...] Mas a solução tecnicamente perfeita é
politicamente impossível, pois mesmo que se garanta o integral repasse dos recursos
arrecadados [...], os Estados e o Distrito Federal não vão assentir na perda do poder político
que o tributo representa [...]”. (ALEXANDRE, 2016, p. 575).
Outras tentativas já foram feitas para solucionar o problema. Uma delas foi a da
Comissão de Notáveis, uma comissão de treze especialistas – dentre eles o jurista Ives Gandra
Martins – nomeados pelo então presidente do Senado José Sarney para propor uma solução
para a guerra fiscal. O grupo não chegou a propor uma alteração radical nos princípios do
ICMS, de forma a aproximá-lo do IVA dos países desenvolvidos, mas elaborou o Projeto de
Lei Complementar 2012, que oferece alternativas de solução para o problema. A proposta
adota como pressuposto central que “a unanimidade é o quórum mais adequado para decisões
que envolvam isenções, incentivos e benefícios fiscais do ICMS.” (MARTINS; CARVALHO,
2014, p. 28). A legislação atual já determina que a unanimidade seja obrigatória para a
concessão de benefícios, mas peca em não determinar sanções para os estados que a
descumprem. O PLC preenche essa lacuna, determinando sanções pelo descumprimento da
regra tanto para os particulares como para o poder público. Essas sanções vão desde a
obrigação de recolher os impostos não pagos até a punição das entidades federativas e de seus
servidores. O referido PLC ainda encontra-se em tramitação no congresso.
Há também a proposta de Eliminação das Operações Interestaduais. Um dos principais
pontos de concentração da guerra fiscal são essas operações. É exatamente nelas que estados
oferecem benefícios à custa de outros, conforme detalhado em tópico anterior deste artigo.
Por esse motivo, alguns estudiosos sugerem a eliminação do ICMS nas operações
interestaduais argumentando que “não havendo imposto a ser pago nas operações
interestaduais, o fator tributário certamente diminui de importância no momento da escolha do
local de instalação das indústrias.” (BRITO, 2010, p.6).
Outra vertente da proposta anterior seria a cobrança total do ICMS no estado de
origem e transferência da receita para o destinatário. Essa proposta eliminaria o conflito de
alíquotas, inibindo sua utilização para o estímulo da guerra fiscal. (BRITO, 2010, p.6).
Há ainda a proposta de aproximar o ICMS do IVA Europeu. Mesmo não concentrando
todos os tributos (ICMS, IPI e ISS) em um único IVA, essa proposta implica uma reforma
ampla do ICMS. A base da proposta seria a homogeneização das alíquotas interestaduais e a
cobrança do ICMS no destino, retirando a possibilidade dos estados concederem benefícios
unilateralmente. Essa proposta é defendida pelo Senador Walter Pinheiro com a PEC 14/2014
que fixa as alíquotas do ICMS, nas operações e prestações interestaduais, institui
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compensação financeira para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e cria o Fundo de


Desenvolvimento Regional – FDR. O ex-ministro da Fazenda Antonio Delfin Netto também
defende essa tese, de que uma maneira de reduzir drasticamente a guerra fiscal e abrir
caminho para uma reforma tributária mais ampla é a criação de uma alíquota única para
transações interestaduais e a cobrança do ICMS no destino. (NETTO, 2015). A principal
dificuldade enfrentada, no entanto, é a obtenção de recursos para compensar os estados pelas
perdas decorrentes da unificação de alíquotas, que se tornariam menores que as praticadas por
muitos estados atualmente. Uma possibilidade seria utilizar a renda obtida da repatriação de
recursos lícitos de brasileiros no exterior que não foram declarados à Receita Federal. A
repatriação de recursos pode render multas e recolhimento do imposto, que totalizam até 35%
sobre os valores regularizados. Os montantes arrecadados poderiam servir de fontes de
recursos para a compensação dos estados. (PEDUZZI, 2016).

5 – Conclusão

O presente trabalho procurou demonstrar a temática da guerra fiscal, principalmente


no âmbito do ICMS, e trouxe um estudo abrangente da renúncia fiscal praticada pelos estados
e Distrito Federal.
Os resultados da pesquisa demonstraram, claramente, que há um descompasso
razoável entre o crescimento da receita tributária e o crescimento da renúncia, que no último
caso tem ocorrido de forma muito mais acelerada que o anterior. Esse descompasso implica
menos recursos tributários entrando nos cofres públicos e que não podem ser retornados como
bens e serviços para a população.
Os dados demonstraram que a dimensão da renúncia fiscal praticada pelos estados,
principal questão de pesquisa nesse artigo, representa mais de 1% do PIB brasileiro. Isso
implica um esforço muito grande da sociedade, que, em última instância, é quem arca com a
renúncia fiscal através de impostos mais elevados ou serviços e bens públicos não recebidos.
Foram discutidas algumas propostas de solução em tramitação nas esferas políticas e o
estudo em questão buscou contribuir com elas através da abrangência dos dados coletados e
analisados, demonstrando que a guerra fiscal não se restringe a algumas regiões do país. Ao
contrário, vê-se um nível muito grande de renúncia fiscal em praticamente todos os entes
federados, o que reafirma a urgência que deve ser dada à busca de uma solução definitiva para
o problema.
Para desenvolvimento futuro do assunto, sugere-se exploração do mérito dos
benefícios e das isenções concedidas, o que resultaria em uma análise qualitativa da renúncia
fiscal praticada.

6 – Referências Bibliográficas

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