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Notas Sobre o Projeto de Novo Código de Processo Civil
Notas Sobre o Projeto de Novo Código de Processo Civil
Processo Civil
Arruda Alvim
Resumo: O texto aborda o Projeto de Novo Código de Processo Civil brasileiro, com
enfoque nos seguintes aspectos: estrutura; princípios gerais; inovações referentes ao
procedimento; tratamento dedicado à atuação das partes e do juiz; a nova disciplina dos
recursos; o julgamento das questões repetitivas em primeiro grau e em sede recursal.
Buscou-se descrever as regras numa perspectiva comparada com o sistema do Código
de Processo Civil brasileiro vigente, de molde a apontar em que medida o Projeto
pretende manter ou aprimorar as normas vigentes e em quais são as propostas realmente
inovadoras. Além disso, conteúdo das normas propostas no Projeto de Novo Código de
Processo Civil foi analisado à luz das tendências contemporâneas do direito processual
de adequação dos instrumentos processuais às modalidades de conflitos existentes.
Abstract:
The text addresses the Project of the New Brazilian Code of Civil Procedure and
focuses on the following aspects: structure; general principles; procedural innovations;
treatment given to performance of parties and the judge; the new discipline of remedies;
judgment of similar cases in the lower and appellate courts. We sought to describe the
rules in comparison with the current Brazilian Code of Civil Procedure so as to indicate
the extent that the Project intends to maintain or improve current procedures and which
proposals are innovative. Moreover, the content of the procedures proposed for the
Code of Civil Procedure was reviewed in the light of contemporary trends in procedures
for adequacy of procedural instruments in existing conflict models.
A filosofia do PLS 166/2010 , nas suas linhas mais gerais, é a seguinte: não se
pretendeu fazer uma mudança radical ou brusca, até porque as mudanças radicais em
direito geralmente não se justificam, e, se feitas, não geram resultados satisfatórios.
Procurou-se manter o que seria aproveitável do Código vigente, e incorporar novidades
tendo em vista uma resposta mais atual aos problemas que afligem os operadores do
direito.
Desde o art. 1º, o Projeto enfatiza o valor fundamental da Constituição, o que representa
um enfoque contemporâneo da temática do direito. Valeu-se, portanto, da concepção de
que os Códigos devem ser iluminados pelas Constituições.
Como se sabe, o Código de Processo Civil brasileiro vigente tem cinco livros.
Permite-se a utilização do processo eletrônico, que deverá ser objeto de leis específicas,
que atribuam competência regulatória aos tribunais, com sistemática unificada no
Conselho Nacional de Justiça (art. 163, §§ 1º, 2º, 3º e 4º do PLS 166/2010, na redação
do substitutivo aprovado pelo Senado Federal em dezembro de 2010).
Muitos procedimentos especiais são extintos pelo Projeto, ficando estabelecido o uso do
processo de conhecimento como processo padrão, com muito mais intensidade do que
no atual Código.
Nesse sentido, a redação primitiva do art. 151, § 1º do PLS 166/2010 autorizava o juiz a
promover o necessário ajuste ao procedimento ou aos atos processuais, quando estes se
revelassem inadequados às peculiaridades da causa e desde que ouvidas as partes e
observados o contraditório e a ampla defesa. Tratava-se de disposição muito semelhante
àquela que consta do art. 265-A do Código de Processo Civil Português, que instituiu o
denominado “Princípio da Adequação Formal”.
De outra parte, o art. 166 da redação originária do PLS 166/2010 previa, no inciso V, a
possibilidade de o juiz “adequar as fases e atos processuais às especificações do
conflito, de modo a conferir maior efetividade à tutela do bem jurídico, respeitando
sempre o contraditório e a ampla defesa”; já o inciso IX do dispositivo permitia que juiz
determinasse o suprimento de pressupostos processuais e o saneamento de outras
nulidades.
Por outro lado, se da análise que feita pelas partes sobre a prova produzida
antecipadamente não resultar que se evite o processo judicial, é bem possível que a
produção antecipada proporcione ao autor e ao réu melhor desempenho na defesa de
seus direitos, uma vez que suas alegações já estarão amparadas nos elementos
probatórios colhidos. Sob esse prisma, concretiza-se o objetivo jurídico do processo de,
por meio do contraditório e da busca da verdade, possibilitar a prolação de uma
sentença justa e consentânea com a realidade dos fatos.
Este sistema, com espectro mais amplo para a modificação causa petendi e do pedido,
visava evidentemente à instrumentalidade e economia processuais, com vistas a
aproveitar o processo nas hipóteses em que o interessado decidisse reformular o pedido
ou causa de pedir. A proposição, entretanto, foi alvo de críticas que motivaram a
manutenção da regra atualmente vigente: a alteração do pedido e da causa de pedir é
possível até o saneamento do processo. Dentre os argumentos contrários à redação
original do art. 314 do PLS 166/2010, destacou-se que a previsão da possibilidade de
alteração do pedido e da causa de pedir até a sentença – e não mais até a citação ou até a
decisão saneadora (arts. 294 e 264 do CPC) – somente retardaria a prestação
jurisdicional.
Quanto à regra atual do artigo 296 do Código de Processo Civil, que permite ao juiz
reconsiderar a sentença de indeferimento da inicial no prazo de 48 (quarenta e oito
horas) horas, esta é bastante ampliada no § 5º do art. 472 do PLS 166/2010, fixando-se
o prazo de três dias para reconsideração e bastante ampliada, estendendo-a a qualquer
das hipóteses de extinção do processo sem resolução de mérito.
O inciso I do art. 278 do PLS 166/2010 corresponde ao inciso II do art. 273 do Código
de Processo Civil, e, o inciso II encontra correspondência no § 6º, do atual art. 273 do
CPC. O denominador comum que enlaça estas duas hipóteses, diferentes da tutela de
urgência (tutela antecipada, propriamente dita), justificou esse tratamento em separado.
Será, pois, no bojo desta ação que se poderá alterar a tutela concedida. Preceitua o §2º
do art. 284 do PLS 166/2010 que a decisão que concede a tutela não produz coisa
julgada, ressalvada a “estabilidade dos respectivos efeitos”, que somente pode ser
afastada por decisão que a revogar.
Outro grande desafio a ser enfrentado pelo PLS 166/2010 é o problema da justiça de
massa. Não é possível exigir do magistrado um trabalho de artesão para enfrentar a
enormidade de ações repetitivas, com objetos semelhantes ou praticamente idênticos.
Diante disso, a Comissão buscou uma solução para resolver esse problema, ou, ao
menos, encaminhar rumos para uma solução. Nela reside a grande novidade do Projeto
de Novo Código de Processo.
O que fez o Projeto foi estabelecer, para as demandas repetitivas, uma disciplina
análoga àquela referente aos procedimentos da repercussão geral nos recursos
extraordinários e do julgamento de “recursos repetitivos” no Superior Tribunal de
Justiça. Solucionam-se, a um só tempo, as questões pertinentes ao afogamento do Poder
Judiciário e à uniformização das decisões judiciais.
Em relação à sentença, o PLS 166/2010 mantém a disciplina vigente (art. 459, caput, do
Código de Processo Civil), no seu art. 477, ao determinar que: “O juiz proferirá a
sentença de mérito acolhendo ou rejeitando, no todo ou em parte, os pedidos formulados
pelo autor. Nos casos de sentença sem resolução de mérito, o juiz decidirá de forma
concisa”.
Outro problema que de certa maneira ficou resolvido pela jurisprudência do STJ é o
relacionado ao art. 268 do Código de Processo Civil, no sentido de que se o julgamento
for extinto sem julgamento de mérito a demanda pode ser reproposta, pois não terá
ocorrido coisa julgada. Enfrentou o PLS 166/2010, a questão relativa à possibilidade de
se repropor ação idêntica àquela em que tenha sido extinta sem resolução de mérito,
ainda que sem a correção do vício declarado na sentença terminativa, cuja parte
dispositiva não se submete à coisa julgada material, o que decorreria de um
interpretação literal de uma interpretação desse art. 268, do Código de Processo Civil.
Com efeito, segundo uma concepção tradicional, transitada em julgado a sentença que
extingue o processo sem resolução de mérito formando-se apenas coisa julgada formal,
de sorte que, nos termos do art. 268 do Código de Processo Civil, é/seria possível que a
ação viesse a ser proposta, em idênticos termos, o que, sob certas circunstâncias, pode
ocasionar o exercício abusivo do direito de ação. Como o art. 268 do Código de
Processo Civil não menciona a necessidade de correção do vício que motivou a sentença
terminativa como requisito para a repropositura da ação, e para obstar a persistência da
propositura de ação em que uma das partes padecia de ilegitimidade ad causam, o
Superior Tribunal de Justiça chegou a afirmar que a ilegitimidade é tema que se
confunde com o mérito.
Embora divirja da redação literal do art. 268 do Código de Processo Civil, bem como
das concepções tradicionais sobre o direito de ação, esse entendimento pareceu-nos
mais consentâneo com as exigências éticas do processo.
No que concerne à coisa julgada, houve uma simplificação no tratamento das questões
prejudiciais, que, uma vez decididas, passam a ser incluídas pela abrangência da coisa
julgada. Atualmente, a solução das questões prejudiciais não é objeto de coisa julgada
(art. 469, III, do Código de Processo Civil), salvo quando, nos termos do artigo 470 do
Código de Processo Civil, tais questões constituam objeto de sentença proferida em
ação declaratória incidental. O Projeto suprime a ação declaratória incidental, mas
determina que a sentença que julgar total ou parcialmente a lide tem força de lei nos
limites do pedido e das questões prejudiciais expressamente decididas (art. 490 do PLS
166/2010). Adota-se, nesse ponto, uma antiga posição de Savigny, e que teria sido
introduzida entre nós por João Monteiro, no sentido de que valerá a coisa julgada sobre
o pedido e as questões prejudiciais que antecedam à lide principal/prejudicada; essa
coisa julgada abrangerá ambas as lides.
O agravo de instrumento, de que no início das grandes reformas nasceu sob os auspícios
de ser uma alteração positiva no sentido da efetividade processual , revelou, nas
reformas subsequentes, a tendência à gradativa diminuição das hipóteses de cabimento
dessa modalidade recursal. Isso ocorreu em virtude do grande número de agravos
interpostos contra decisões interlocutórias, que acabou por transformar, na prática, os
tribunais de apelação em verdadeiros “tribunais de agravo”.
Por outro lado, permitir-se-á sustentação oral nas decisões interlocutórias que
tangenciam o mérito (art. 892 do PLS 166/2010), as chamadas decisões interlocutórias
mistas, como, por exemplo, no caso da rejeição de prescrição. Essa medida tem em vista
o propósito, expresso na Exposição de Motivos do Anteprojeto que redundou no PLS
166/2010, de “alcançar resultado do processo mais rente à realidade dos fatos”.
Atualmente, como sabido, o Código de Processo Civil não autoriza a sustentação oral
nos recursos de agravo de instrumento (art. 554 do Código de Processo Civil).
9. Conclusão
Procurou-se oferecer uma visão do projeto, mas seria impossível considerar nesta sede
todos os seus aspectos. Para terminar, diríamos que o projeto é bastante bom, bem
ordenado, impecavelmente bem redigido, sintonizado rigorosamente com as
necessidades contemporâneas, especialmente com o problema da justiça de massa, com
a simplificação do processo; ademais, a sociedade está sendo ouvida, ocorreram
audiências públicas antes da entrega ao Presidente do Senado, e, sucedem-se outras
audiências públicas, amplamente divulgadas e concorridas. Faço votos que esse projeto
seja bem sucedido com a colaboração da sociedade e do congresso nacional.
No mais, deve ser ressaltado que os inumeráveis caminhos possíveis de soluções que se
encontram no Projeto decorrem dos problemas atuais, que assolam a Justiça brasileira.
A promulgação de um novo Código de Processo Civil – conquanto haja problemas
paralelos outros, atinentes à estrutura do Judiciário, tais como aprimoramento
profissional de servidores e magistrados, adequação dos rendimentos, instalações
melhores, uso acentuado da informática – é um dos elementos que podem auxiliar na
melhoria da distribuição da Justiça e na aplicação do direito.
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