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Pastoral Urbana Hoje
Pastoral Urbana Hoje
1. Introdução
Esse processo requer assumir os valores presentes na luta dos pobres. Exige
assumir os conflitos culturais a partir da ótica dos pobres. Não compete à Igreja
construir uma cidade nova, mas ser sinal do Reino. E para tanto, ela deve ser
fiel ao núcleo central da mensagem de Jesus que anuncia a revelação aos
pobres: “Pai, eu te agradeço, porque escondestes estas coisas aos sábios e
entendidos e as revelastes aos pequeninos, porque assim foi do teu agrado”
(Mt 11,25-26).
Sem dúvida, pensar a cidade a partir dos pobres exige uma verdadeira
conversão da Igreja[29]. É isso que está acontecendo, a partir de Medellín, na
Igreja da América Latina. Ao fazer opção pelos pobres, Medellín levou a sério a
realidade do ser humano latino-americano, na sua maioria marginalizado,
explorado, oprimido. É a partir dessa realidade de dor e de sofrimento que a
pastoral urbana deve dizer sua palavra ao conjunto da cidade. Eis algumas
exigências que decorrem dessa postura.
Encarar a luta das classes populares como luta pela justiça. Tentar
implementar os valores que forjam a convivência humana não mais a partir das
classes dominantes, mas a partir das classes populares. Isso requer apostar na
construção de uma cidade a partir “dos debaixo”: “Viver e pensar a fé a partir
dos ausentes da história implica em recolocar o modo de se entender a
mensagem salvífica do evangelho. Situar-se plenamente no mundo da
opressão e partilhar das lutas populares pela libertação levam a uma releitura
da fé. Mas essa releitura pressupõe uma localização na história diversa
daquela em que se colocam os setores dominantes da sociedade”[30].
Tudo o que colabora com as estruturas de pecado deve ser transformado para
estar a serviço dos pobres. A Igreja não pode mais legitimar o abismo que
separa ricos e pobres, sobretudo porque os ricos são cada vez mais ricos às
custas de pobres cada vez mais pobres[31]. Fazer opção pelos pobres significa
assumir o projeto político que surge no bojo das lutas populares. Não basta
mais realizar obras assistenciais ou mesmo promocionais[32], mas importa sim
uma colaboração ativa com os movimentos populares de libertação[33]. A
Igreja deve descer do plano idealista das palavras e dos sentimentos para o
plano prático e realista do agir na sociedade[34].
A presença dos pobres na Igreja tem marcado a sua trajetória nessas últimas
décadas, sobretudo na América Latina, mas com repercussão ao nível dos
documentos do magistério universal a partir do papa João XXIII. Como ele
próprio afirmava em 1959: “A Igreja sempre foi a Igreja de todos, mas
ultimamente ela quer ser, sobretudo, a Igreja dos pobres!”. João Paulo II entra
também nessa tradição ao falar da solidariedade para com os trabalhadores
explorados e vítimas da miséria e da fome: “A Igreja acha-se vivamente
empenhada nesta causa, porque a considera como sua missão, seu serviço e
como uma comprovação da sua fidelidade a Cristo, para assim ser
verdadeiramente a ‘Igreja dos pobres’”[39].
Falar, hoje, das “CEBs como um novo modo de toda a Igreja ser” é um grande
desafio para toda a Igreja e para a pastoral da cidade. Isso significa pensar
toda a Igreja a partir dos pobres. Pensar a cidade a partir dos pobres. Tomar a
Igreja-Comunidade, a Igreja-rede-de-comunidades como modelo hegemônico.
Sabemos que ainda não é. Mas deve ficar claro sua legitimidade, pois como
afirma L. Boff: “É por este modelo que os pobres e marginalizados se sentem
Igreja”[40]. Tentar deslegitimar tal modelo é impedir que os pobres tenham
acesso aos meios de salvação. Além disso, seria ir contra um dos sinais mais
vibrantes do evangelho: os pobres, os destinatários primeiros da Boa-Nova do
Reino (cf. Lc 4,14-30; Mt 11,2-6.25-26)[41].
Quem constrói a cidade tem o direito de dirigir a cidade. Quem produz, tem o
direito de usufruir do produto de seu trabalho. É um preceito bíblico (cf. Is
65,17-25; Mt 10,10; 1Cor 9,7-14). A pastoral urbana deve estar atenta à
participação efetiva do povo nas decisões referentes às diretrizes da ação
pastoral da Igreja e deve articular-se com todas as lutas populares que abrem
espaço para que o povo aceda aos canais de decisão. O exercício da
democracia na sociedade incentiva o exercício da democracia na Igreja e vice-
versa. Eis aí um dos grandes desafios para a Igreja, onde o poder é
hierarquizado e centralizado na figura dos ministros-homens-machos! Como
abrir canais de participação para os(as) leigos(as), sobretudo pobres em sua
grande maioria? Como conciliar a luta pela democracia na sociedade com a
democracia na Igreja?
4º) Enraizamento da proposta do novo modelo social e eclesial na massa e
formação de quadros
O grande desafio de uma pastoral urbana a partir dos pobres é como enraizar
a proposta de mudança na massa inorgânica que não é atingida pelas CEBs,
nem pelo movimento popular, nem pelo sindicato e nem pelo partido. Mas tal
massa é influenciada pelos meios de comunicação social, sobretudo a TV, que,
por terem o controle da classe dominante, acabam passando o projeto dos
grandes.
Para se atingir a massa é necessário trabalhar a formação de quadros saídos
da base, enraizados e articulados com as lutas populares, para poderem captar
as aspirações e necessidades do povo e poder transformá-las em propostas,
projetos viáveis. Sem a massa, o povão, não haverá transformação nem da
sociedade, nem da Igreja!
Mas para que a pastoral urbana possa ter força e fôlego, é necessário que haja
cristãos e cristãs formados(as) com clareza do projeto de sociedade e de Igreja
que se quer implementar. Nesse sentido, os quadros saídos das CEBs, do
meio popular, devem saber trabalhar criativamente as diferenças ideológicas,
devem ter adequada formação político-econômica e saber qual seu papel no
mundo de hoje. Necessitam de uma profunda mística de libertação, além de
uma sólida formação teológica.
5.2. A mística das CEBs como energia do Espírito no processo de libertação
Sabemos que as CEBs são ainda minoria. Os cristãos e cristãs saídos(as) das
CEBs e engajados(as) nas lutas populares também são minoria. A grande
massa ainda tem medo do compromisso e da luta. A espiritualidade da
libertação vai se tornando a grande reativadora dos valores escondidos no
meio popular. É o Espírito do Ressuscitado que está devagarinho fermentando
a massa, para que ela se torne a propulsora do projeto libertador. Ninguém
conseguirá matar este sopro do Espírito, que vai fazendo seu caminho entre
luzes e sombras da caminhada da Igreja e da sociedade. Esta mística está
alicerçada na vida dos pobres e no sangue dos mártires. Ela sonha alto, pois
seu sonho é em mutirão. Pensa alto, pois seu horizonte é o Reino!
5.3. CEBs e o respeito à alteridade
Não se funda a “nova cidade”, a “civilização do amor” (Paulo VI), se não houver
respeito aos valores culturais. A inculturação é, hoje, o grande desafio da
evangelização no mundo e, sobretudo, na cidade. As CEBs estão fazendo tal
caminho. Recebem em seu seio negros e índios. Estão se exercitando na
convivência com os irmãos e irmãs evangélicos. Abrem-se para a convivência
com os irmãos-ateus-marxistas que lutam pela justiça (cf. Mc 9,38-40; LG 9).
Essa experiência pode ter futuro, pois está fincada na base, no meio do povo
mais lascado de nossas periferias urbanas, onde o que conta é a luta pela vida.
É um bom começo! Mas há muito caminho a se fazer!
5.4. CEBs e a conjuntura eclesial de hoje