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Experiências práticas, de contextualização e leitura em uma aula de Arte:


abordando Melodrama e Naturalismo a partir da telenovela

Diogo Ramon da Silva Costa


diogoramonoficial@gmail.com
UEA

Caroline Caregnato
carolinecaregnato@gmail.com
UEA

Resumo: Este artigo apresenta o relato de uma experiência docente em Arte, mais especificamente voltada para
ensino de Teatro, que se baseou nos preceitos de arte-educação da Proposta Triangular e do Multiculturalismo. A
proposta foi desenvolvida com jovens e adultos de um projeto social que já realizam atividades teatrais, como a
montagem de espetáculos. O tema escolhido para o trabalho foi “melodrama e naturalismo”. Esse tema foi
abordado a partir da análise de cenas de telenovela, dialogando com o que propõe o multiculturalismo. As
atividades realizadas foram construídas a partir da Proposta Triangular, envolvendo as ações Ler, Fazer e
Contextualizar. Conclui-se que a experiência realizada contribuiu para a construção de conhecimentos
pedagógicos, possibilitando a revisão de falhas e a elaboração de uma prática própria de ensino, embasada em
conteúdos teóricos, relativos à arte-educação.

Palavras-chave: Proposta Triangular. Multiculturalismo. Melodrama e Naturalismo.

Abstract: This paper presents a pedagogical experience report, accomplished in Arts or, more specifically, in
Theatre teaching, using precepts of Art Education such as Triangular Proposal (a Brazilian proposition for Art
Education) and Multiculturalism. The pedagogical experience was accomplished with adolescents and adults,
participants of a social project, used to Theatre practice. The chosen theme was “melodrama and naturalism”,
and it was addressed through soap opera scene analysis, in consonance with multiculturalism. The activities
accomplished were build considering the Triangular Proposal, evolving the actions of Reading, Artistic Practice
and Contextualization. I concluded that the pedagogical experience contributed to the construction of
pedagogical knowledge, making possible revising faults and elaborating a personal pedagogical practice based on
theoretical concepts of Art Education.

Keywords: Triangular Proposal. Multiculturalism. Melodrama and Naturalism.

1. Introdução

Este artigo tem o objetivo de relatar uma experiência de prática docente em relação ao ensino da
Arte, mais especificamente voltada para o Teatro, levando em conta preceitos da arte-educação. Entre eles
apresentaremos aqui a Proposta Triangular e o Multiculturalismo, já que estes se fazem necessários na atualidade,
em virtude das demandas por um ensino de Arte que não seja baseado apenas na prática, sem reflexão sobre a
diversidade da produção artística e cultural, e também em função do contexto no qual ocorreu a prática docente
que iremos apresentar.

A experiência de ensino, exposta neste artigo, foi desenvolvida dentro do contexto da disciplina
Fundamentos do Ensino da Arte, do curso de Licenciatura em Teatro da UEA – Universidade do Estado do
Amazonas. Essa disciplina é ministrada para alunos do primeiro período do referido curso que, de acordo com o

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que propõem as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica (2002),
têm contato não apenas com conhecimentos teóricos, mas também com a prática docente desde as etapas iniciais
de sua formação graduada, portanto, antes mesmo do início das atividades de Estágio Supervisionado. Assim,
após estudarem conceitos relativos à arte-educação na pós-modernidade, durante a disciplina de Fundamentos
do Ensino da Arte, os alunos planejam e executam uma aula, destinada a um público e contexto de seu interesse.
O objetivo dessa atividade é promover a transposição dos conteúdos teóricos, discutidos ao longo da disciplina,
para a prática pedagógica, visando a formação de educadores aptos a realizarem práticas conscientes, bem
fundamentadas e críticas.

De acordo com a opinião do estudante que assina este artigo, a prática durante o período da
graduação se faz necessária, já que, através dela, se pode perceber a pertinência e a necessidade das abordagens
teóricas estudadas ao longo da formação. A prática também nos leva, aos poucos, a ir percebendo os
acontecimentos em sala de aula, ações e reações dos estudantes e a partir destes ir criando, pensando e
desenvolvendo nossa própria prática profissional de arte-educador. É por meio da prática que percebemos
melhor os desafios presentes na área do ensino de Arte. Por meio dela também se desenvolve a pesquisa no
ramo da arte-educação.

Este artigo se dividirá em partes, nas quais serão aprofundadas algumas propostas metodológicas,
sendo ressaltadas suas importâncias no atual cenário no que diz respeito ao ensino da Arte. O artigo iniciará
discutindo a Proposta Triangular de Ana Mae Barbosa e o Multiculturalismo, levando em conta sua presença na
prática realizada e que aqui será relatada. A última parte do artigo será voltada ao relato da experiência prática
realizada pelo autor, levando em conta os fundamentos a partir dos quais a aula foi planejada e nos quais foi
baseada, sendo aprofundada a presença das duas propostas já citadas e comentadas anteriormente. Ainda iremos
observar os desafios encontrados, as preocupações profissionais e as soluções buscadas no desenrolar da prática,
bem como as reflexões que foram provocadas após a ação pedagógica. A exposição sobre a prática começará
pelo processo de preparação para a aula, passando para sua execução e por fim para as reflexões suscitadas após
a sua realização.

2. Proposta Triangular

No decorrer da história da educação, as linguagens artísticas sempre sofreram grande preconceito e


limitações quanto a seus métodos pedagógicos. Quando pensamos no Brasil, podemos perceber que a Arte
enquanto ensino foi bastante utilizada como ferramenta em prol de um ensino considerado maior (envolvendo
matérias tais como matemática e língua portuguesa), desde a colonização até a atual estrutura de ensino
(BIASOLI, 1999). Dessa forma ela vem sendo compreendida como ensino menor e não obrigatório em
determinados momentos. Pensando nessas problemáticas, ao longo do tempo foi que os pesquisadores da arte
educação começaram a elaborar uma proposta de ensino diferente para a abordagem das linguagens artísticas.
Foi a partir daí que apareceram organizações e pessoas que se destacam nas propostas metodológicas do ensino
da arte até os dias atuais.

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A arte, em toda sua dimensão epistemológica, ao contrário do que a maioria influenciada pelo senso
comum acredita, não é apenas instrumento ou ferramenta, mas é uma área do saber, uma linguagem pronta a ser
estudada em todos seus desdobramentos. Foi levando em conta o ensinamento raso e limitado no que diz
respeito à Arte na educação que surgiu nos Estados Unidos o DBAE (Discipline Based Art Educacion), que
propunha um entendimento da Arte como disciplina séria, com conteúdos específicos a serem aprendidos.

O DBAE é uma proposta de ensino desenvolvida por pesquisadores relacionados à Arte-Educação,


que foi sistematizada com o objetivo de enriquecer a educação em Arte. O DBAE se coloca contra todo o
ensinamento raso, “repassado” por décadas de influência da pedagogia nova. Ele vai contra os clichês que
explicam e limitam a Arte a mero sentimentalismo, emoção ou expressão e criatividade. Deve-se levar em conta
esses pontos importantes para o ensino de Arte, mas não podemos mais ficar acorrentados a entender as
linguagens artísticas somente como isso.

O DBAE propõe o abandono do “fazer por fazer” e preocupa-se com a “cognição”, com o
entendimento objetivo da arte e dos produtos culturais. Levando em conta todos os pontos esquecidos
historicamente que deviam ser estudados nas artes, o DBAE propõe o “pensar a respeito” e “ter conhecimento
sobre” arte, que são ideias contrárias ao apenas produzir, pois envolvem questionar a produção e seu processo
(RIZZI, 2012). É pensando nisso que ele sistematiza áreas de conhecimento para o estudo em arte. São essas a
Produção de Arte, a Crítica de Arte, a Estética da Arte e por fim sua História. Barbosa (2012) afirma que essa
postura estabelece “um paradigma diferente daquela da autoexpressão criativa que dominou o universo do
ensino da Arte no pós-guerra, anos 40 e 50”.

Se nos Estados Unidos o DBAE mostra um novo caminho ao ensino da Arte, no Brasil quem se
destaca é a figura de Ana Mae Barbosa (2012) que traz consigo uma proposta semelhante ao ensino proposto
pelo DBAE. Sua proposição ganha o título de Metodologia Triangular de início, mas logo essa terminologia vem
a ser criticada pela autora:

[...] a Triangulação Pós-Colonialista do Ensino da Arte no Brasil foi apelidada de


“metodologia” pelos professores. Culpo-me por ter aceitado o apelido e usado a expressão
Metodologia Triangular em meu livro A Imagem no Ensino da Arte. Hoje, depois de anos de
experimentação, estou convencida de que metodologia é construção de cada professor em sua
sala de aula e gostaria de ver a expressão Proposta Triangular substituir a prepotente
designação Metodologia Triangular. Em arte e em educação, problemas semânticos nunca são
apenas semânticos, mas envolvem conceituação. (BARBOSA, 1998, p. 33)

Barbosa (2012) prefere, portanto, a denominação Proposta Triangular, e sugere três ações para o
ensino de Arte: o “Ler”, o “Fazer” e o “Contextualizar”. Esses pontos se assemelham com as quatro áreas
mencionadas no DBAE. O Ler, segundo Barbosa (2012), se assemelha com a “Crítica de Arte” e a “Estética da
Arte” do DBAE. Tanto num, quanto no outro, se trabalha o questionamento sobre a obra que se busca
compreender. Como a arte não é passível da redução certo/errado, os critérios adotados para a leitura são:
“pertinência, coerência, possibilidade, esclarecimento, abrangência, inclusividade, entre outros” (BARBOSA,
2012, p. 73).

O Fazer é a própria fabricação de Arte, a “Produção de Arte” no DBAE. Torna-se bastante natural
falar em produção no ensino de Arte, pois até a chegada destas propostas (DBAE e Proposta Triangular), as

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aulas dessa disciplina se limitavam a “fazer por fazer”. Barbosa (2012) nos lembra que “Fazer” não é o mesmo
que copiar, pois a cópia leva ao desenvolvimento da técnica, que deve ser aprimorada para a fabricação da obra,
mas que não permite necessariamente a compreensão da obra de arte.

Por fim, é citado o Contextualizar. Aqui se lembra da “História da Arte” proposta pelo DABE. Neste
“pilar” da Proposta Triangular, a estética e os elementos da obra são postos em um contexto que pode ser
histórico, sociológico, geográfico, psicológico, etc. Dessa forma, a obra pode ser considerada atemporal ou não,
enriquecendo-se sua leitura.

A Proposta Triangular recebe este nome justamente por firmar um triângulo com as três ações
citadas, triângulo no qual não existe início nem fim. Logo, as ações Ler, Fazer e Contextualizar sempre deverão
estar presentes nas aulas de Artes, mas, como nos lembra Barbosa (1936), estas ações não necessitam ser
seguidas nesta ordem, podendo ser realizadas de diversas formas, em função dos objetivos traçados pelo
professor. Aqui se percebe a importância do plano metodológico de cada professor.

Essa Proposta de Barbosa (2012) recebeu muitas críticas como, por exemplo, a acusação de ser
limitada somente às Artes Plásticas, por conta de sua autora ser dessa área. Porém é preciso lembrar que todos os
fundamentos dessa proposta podem muito bem ser aplicados a todas as linguagens artísticas. Podemos ler um
quadro do Da Vinci, tanto quanto uma Sinfonia de Beethoven, ou mesmo um espetáculo de Shakespeare.
Podemos fazer arte levando em conta o Barroco que se encontra nas Artes Visuais, tanto quanto na Música e
dessa forma perceber a época das “atuações exageradas” no Teatro. Por fim, podemos contextualizar obras
visuais, musicais e teatrais, percebendo seu momento histórico, seu autor diante do seu tempo, suas críticas, suas
influências... Logo, a Proposta Triangular se encaixa em todas as linguagens artísticas.

Cabe aos arte-educadores serem uma voz forte diante da Proposta Triangular, construindo suas próprias
metodologias, fazendo com que, aos poucos, desapareça o ensino da arte conduzido por profissionais não
capacitados. É a partir daí que poderemos criar espectadores, leitores, consumidores e até mesmo artistas
conhecedores do que é a Arte em si.

3. Multiculturalismo

O que se conhece sobre arte e cultura, atualmente, varia desde a arte erudita, até a arte popular e os
produtos de consumo da indústria de entretenimento. É necessário lembrar que mesmo que todas essas
manifestações não sejam, necessariamente, consideradas como Arte, ainda assim elas envolvem aspectos
estéticos que podem ser alvo de reflexões e críticas. Sabendo de sua importância para a população em geral e de
sua presença no cotidiano das pessoas, as formas estéticas não consideradas como Arte também precisam acabar
virando assunto da aula de Arte pois, em vez de prejudicar o andamento da disciplina, isso enriquecido os
conteúdos abordados e a visão crítica dos alunos acerca de sua realidade.

O Multiculturalismo é uma proposta pedagógica de inserção da cultura popular, das manifestações


não necessariamente consideradas como arte e dos trabalhos produzidos por grupos socialmente excluídos nos
programas escolares, dando a devida importância a essas linhas estéticas, retirando a hegemonia da arte erudita, já

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oficializada no ensino. Agirre (2005) afirma que o Multiculturalismo busca desconstruir uma educação elitista,
promovendo dessa forma uma educação democrática e aberta à diversidade.

O Multiculturalismo não vem, necessariamente, jogar fora todas as teses, tradições e conhecimentos
construídos durante os anos de consolidação da arte erudita. Porém, ele tem o intuito de resgatar as culturas
marginalizadas de seu estado de desvalorização, ou mesmo de estereotipia, pela falta de aprofundamento nos
estudos acerca desse assunto dentro do ambiente escolar.

Agirre (2005) nos mostra diversas formas de se praticar o Multiculturalismo. Entre elas destacam-se a
aproximação aditiva, a aproximação das relações humanas, o estudo de grupo, a aproximação multicultural e a
aproximação reconstrutiva. Para entender cada uma destas propostas, podemos observar seus objetivos e suas
formas de ação.

A aproximação aditiva implica em inserir a cultura marginalizada nos estudos de Arte, de forma a
levar o estudante a perceber semelhanças desta com a cultura erudita. Desta forma, a cultura marginalizada acaba
sendo entendida como um estágio, ou um passo, para se chegar à arte erudita, que continua ocupando o foco
principal.

A aproximação das relações humanas baseia-se em apresentar culturas diferentes, aproximando


características semelhantes entre elas, de forma a inserir as culturas menos valorizadas nas aulas. Ainda assim,
essa forma evita trazer à discussão temas fortes e polêmicos, como tabus e preconceitos, que não são tão
conhecidos e podem gerar um afastamento da proposta de encontro de semelhanças culturais ou uma rejeição.

O estudo de grupo é uma forma de Multiculturalismo que tem como objetivo focar o estudo de Arte
em um grupo específico, e apenas a ele se dedicar nos estudos e pesquisas. Ainda que considerada uma forma
Multiculturalista, o “estudo de grupo” não se dedica a estudar várias vertentes culturais. Ele limita-se a uma
vertente ou grupo cultural.

A aproximação cultural baseia-se no estudo de diversas culturas após a designação de um tema que
possa ser abordado por todas elas. O tema é o foco principal que leva ao estudo das diferentes manifestações, e
de suas diferentes características culturais.

Por fim, chegamos à forma chamada, por Agirre (2005), de “aproximação construtiva”. Esta tem o
objetivo de não apenas propor um estudo da diversidade cultural, mas realmente provocar a intervenção e
transformação social, levando à construção de uma sociedade igualitária dentro da própria cultura do estudante.

Descentralizar a aula de Arte da arte europeia, e torná-la universal, é realmente um desafio


pedagógico – e artístico, mas que precisa ser enfrentado pelos professores (arte-educadores), uma vez que o
multiculturalismo só tem a enriquecer o processo e aprendizagem do aluno, levando-a a se abrir diante novas
possibilidades e caminhos artísticos e sociais.

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4. Experiência prática

A experiência que será relatada ocorreu no mês de julho do ano de 2016, como parte das atividades
da disciplina de Fundamentos do Ensino da Arte do curso de graduação em Licenciatura em Teatro da UEA –
Universidade do Estado do Amazonas. Os acadêmicos dessa disciplina deviam ministrar uma aula, levando à
prática propostas estudadas.

Depois de muitos debates dos alunos da disciplina junto à professora orientadora, discutindo-se as
escolhas de temas, os objetivos das aulas, as práticas metodológicas a serem executadas em aula, entre outras
questões, tomei a iniciativa de escolher o tema “Melodrama e Naturalismo”. Tal tema poderia me ajudar a
desenvolver o Multiculturalismo. Vou aos poucos explicando o porquê desta escolha.

Cada acadêmico deveria escolher algum lugar para trabalhar e convidar pessoas para participarem de
uma aula de Teatro, cujo tema seria de livre escolha do licenciando que a ministraria. Como eu já desenvolvia um
trabalho social no bairro em que resido, com jovens e adultos, ministrando aulas e montando espetáculos para o
próprio bairro, ficaria mais fácil atuar nesse local do que encontrar um novo espaço e novas pessoas, tanto
quanto criar uma intimidade com elas.

Para minha aula levei em conta a proposta do Multiculturalismo que nos lembra que, ainda que
alguma produção não seja considerada/classificada como obra de arte, se ela tiver um conteúdo estético
podemos abordá-la nas aulas. Decidi, então, abordar vários elementos do mercado televisivo, criados com o
objetivo de entreter os telespectadores e que apresentam as estéticas melodramáticas e naturalistas.

Segundo minha compreensão inicial, seria mais fácil, a princípio, levar telenovelas aos alunos do que
espetáculos teatrais. Pois, levando elementos estéticos, presentes no cotidiano dos estudantes, se tornaria mais
fácil a introdução de assuntos ligados à obra de arte erudita que, muitas vezes, encontram-se longe do contexto
social dos estudantes.

Foi a partir destas reflexões que comecei a montar meu plano de aula, bem como a escolher as
“metodologias”, ou melhor, as propostas a serem executadas. Logo, decidi trabalhar com a Proposta Triangular
de Barbosa (1936) e, como já mencionado, com o Multiculturalismo.

5. Preparação da aula

O objetivo de minha aula era ampliar a compreensão dos alunos acerca das duas estéticas:
“Melodrama e Naturalismo”. Como a proposta estaria ligada ao Multiculturalismo, eu iniciaria a aula mostrando
as diferenças entre essas duas estéticas, por meio das telenovelas. Então percebi que, primeiramente, antes de
explicar aos alunos sobre as características individuais dessas duas estéticas - o Melodrama e o Naturalismo - eu
deveria evitar que os estudantes misturassem “telenovela” e “teatro” num só conceito e, ainda mais, que eles
limitassem a arte teatral aos elementos dramáticos presentes no seu cotidiano, no caso, a televisão. Foi a partir
daí que defini iniciar a aula deixando claro o conceito de Teatro e de Dramaturgia, ainda que estes assuntos
tenham uma profundidade epistemológica grande que impeça uma abordagem completa em uma única aula.

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Resolvi inserir na minha aula a ação de entregar aos alunos uma folha em branco, para que eles
próprios escrevessem o que entendem e como conceituam as palavras “Arte” e “Teatro”. Depois de provocá-los
a registrarem o que pensavam, seria mais confortável ampliar seus conceitos por meio da Contextualização.

Após deixar claro as particularidades do Teatro e de outras artes como o Cinema, que também
apresentam Dramaturgia, e após explanar sobre a história do Teatro (Contextualização), resolvi colocar no plano
a exibição de vídeos de telenovelas com as estéticas propostas como o tema da aula. Logo, após os estudantes
entenderem os conceitos de Teatro e Dramaturgia, a leitura dos elementos estéticos ficaria mais compreensível.

Segundo o plano, a aula devia durar em torno de quatro horas, logo, seria ideal um momento de
intervalo para os alunos, com cerca de quinze minutos, e que se realizaria assim que se atingissem as primeiras
duas horas de duração da aula. Retornando do intervalo, os alunos deveriam assistir a vídeos com exibição de
cenas de novelas. Seriam cenas de novelas mexicanas e brasileiras, a partir das quais seria realizada a leitura para a
compreensão das estéticas naturalistas e melodramáticas.

Após a contextualização, os alunos deveriam criar cenas com as estéticas estudadas, porém não
deviam copiar a dramaturgia das novelas, mas, sim, recriar novas situações, que envolvessem o Melodrama e o
Naturalismo de forma apropriada. Dessa forma se finalizaria a aula, pois, assim que os estudantes apresentassem
as cenas, todos nos sentaríamos para um breve comentário acerca das encenações, procurando evidenciar as
características das estéticas estudadas e outros quesitos relevantes para a análise da apresentação.

6. Execução da aula

No dia de realização da experiência pedagógica, já estava tudo pronto para a execução da aula. Todos
os materiais necessários já se encontravam no ambiente definido, e os conteúdos da aula já haviam sido
estudados e reconsultados pelo professor ministrante.

A aula foi marcada para as dezesseis horas da tarde de um domingo. Um breve atraso ocorreu da
parte do professor, tanto quanto dos alunos. A princípio fora algo natural, já que havia sido combinada a
ocorrência de atrasos. O que realmente dificultou foi a preparação dos materiais (data show, caixa de som,
notebook e papéis de ofício junto de lápis/canetas/pincéis). Os materiais não me pertenciam, todos foram
arranjados com a ajuda das pessoas que participam do projeto do bairro, bem como foram organizados muito
antes por mim para que não houvessem situações inesperadas. Porém, ainda assim, a falta de intimidade com os
materiais foi que me fez perder muito tempo tentando montá-los para o início das atividades.

A aula se iniciou com a proposta de que cada aluno registrasse numa folha de papel ofício o que
entende por Arte e Teatro. Os alunos puderam se manifestar da forma que mais lhes agradava. Alguns se
apropriaram de desenhos, outros de poesia, outros de redação ou síntese. Todo o processo durou cerca de dez
minutos.

A aula então prosseguiu de forma expositiva, sendo realizada a atividade de Contextualização


envolvendo a exposição dos conceitos de Arte e Teatro, que contou com imagens e curiosidades acerca da
história do Teatro, e que foi estudada da forma mais sintética possível. Os alunos gostaram tanto do momento

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que foram levados pela curiosidade a questionarem e perguntarem diversos fatos e dúvidas em relação à história
teatral mundial. Esse momento estendeu-se de tal forma que fez com que os dois próximos, incluídos no
planejamento, fossem impedidos de se realizarem.

O intervalo foi realizado, já que os alunos já apresentavam certa apatia por conta do momento
expositivo. A aula retornou com a exibição de cenas de novelas brasileiras e mexicanas, com o objetivo de
provocar a leitura de elementos estéticos. Depois de os alunos perceberem a diferença entre o Teatro e as demais
linguagens existentes (no primeiro tempo de aula), nada melhor que provocá-los a perceberem quais as
características melodramáticas e naturalistas nos vídeos exibidos.

Após a exibição, os alunos participaram da Contextualização que contou com a presença dos fatores
históricos, sociais (morais) e culturais que caracterizam as estéticas melodramáticas e naturalistas. Após toda a
exposição, os alunos foram convidados outra vez a registrarem ideias, porém, desta vez, eles registraram ideias já
ampliadas acerca das estéticas estudadas.

Foi a partir destas estéticas que se montaram cenas criadas pelos alunos, que se dividiram em dois
grupos. Os registros elaborados ajudariam cada um a compor sua cena e personagem. Após a elaboração das
cenas, os dois grupos apresentaram três vezes, de modo que cada um apresentou duas vezes a estética
melodramática e naturalista e, na terceira vez, eles inverteram a estética repetindo a cena do outro grupo. Após
todas as apresentações de cenas, a aula encerrou com os comentários a respeito das mesmas.

7. Reflexão pós prática

Após a prática é evidente que aparece um turbilhão de ideias a serem colocadas em prática e nos
próximos planos de aula, porém, o mais importante nos primeiros instantes, após a execução da aula, é pensar de
forma reflexiva sobre as ações realizadas.

Começo a reflexão pela escolha dos materiais utilizados para a aula. O planejamento feito mostrava
que se necessitava de aparelhos eletrônicos bem distintos, que foram utilizados, levando em conta o ambiente em
que a aula foi ministrada. Aqui deixo a reflexão acerca do “ensaiar” a montagem dos aparelhos, já que isso requer
uma prática e intimidade com os mesmos para que o processo seja agilizado, pois no meu caso a montagem
acabou tomando muito do tempo proposto para a aula. Também é possível refletir sobre a importância real de
cada aparelho para determinada aula.

Outra situação que merece ser analisada é a escolha de temas muito profundos, dentre os quais a
história do Teatro, que apresentam uma dimensão incansável de pesquisa e suscitam dúvidas. Colocar um tema
assim para ser exposto em menos de trinta minutos é um tanto desafiador. Isso foi realmente comprovado, por
parte dos alunos, que apresentaram muitas dúvidas a respeito do conteúdo, o que acabou eliminando dois passos
futuros, planejados para a aula. Tais escolhas podem acabar gerando nos alunos conceitos baseados no senso
comum e mal definidos ou aprofundados.

Também coloco em reflexão o ensino formal tradicional que se encontra tão presente nas escolas,
que acabou refletindo na preparação e organização dos alunos. Ao iniciar a aula, os alunos todos se posicionaram

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de forma tradicional, como que em fileiras quadradas. A minha atitude de formar uma roda, logo em seguida,
ainda causou um pouco de estranhamento, mesmo que estes alunos já tivessem certa intimidade comigo, por
fazerem parte de espetáculos que montamos juntos. Um diretor teatral, com certeza é diferente de um professor,
muito mais diferente ainda na visão dos alunos.

Percebo que aos poucos os alunos foram ampliando o seu conhecimento acerca do Teatro, ainda que
eles já houvessem passado por várias apresentações e experiências teatrais. Em reflexão, entendi que a busca pelo
produto final acabou deixando de lado um processo de amadurecimento acerca do assunto que eles colocavam
em prática. Tanto é que foi perceptível o estranhamento dos estudantes com a cena, pela falta de exercícios e
jogos teatrais e dramáticos, com os quais os alunos já tinham intimidade, ainda que sem entenderem seus reais
objetivos. Acabo entendendo que muito além do fazer, o grande desafio é ampliar o conhecimento do aluno
quanto às estéticas artísticas.

8. Conclusões

É importante, levando em conta toda a experiência prática vivenciada, deixar em questão a


importância da Proposta Triangular, do “Ler”, “Fazer”, e “Contextualizar” de Barbosa (1936) e do
Multiculturalismo. Afirmo que, dessas práticas, não abriria mão em outra experiência, pois a intimidade com as
obras analisadas (telenovelas) tornou mais fácil o entendimento dos elementos estéticos proposto como tema da
aula (Melodrama e Naturalismo), levando os estudantes a compreenderem seu cotidiano, colocando-o em
paralelo com uma linguagem artística (o Teatro) talvez não tão presente em seu contexto de apreciadores e
consumidores de produtos estéticos e culturais. As novelas abriram espaço para a leitura. Em vez de limitar o
universo dos alunos, nesse caso elas abriram espaço para o estudo das obras consideradas eruditas, que se
tornam mais fáceis de serem lidas e analisadas em outros momentos pelos alunos.

Deixaria de lado os conteúdos mais profundos que foram colocados no plano de aula de forma muita
sintética, em vez de ensiná-los de forma rápida, pois isso pode acabar provocando equívocos de entendimento.
Portanto, para uma próxima oportunidade tomaria o cuidado de optar por conteúdos “menores” no quesito
dimensão.

Finalizo as reflexões deixando em questão as situações do “aqui e agora” que firmam a arte teatral,
em sua existência. Esse “aqui e agora” também se faz presente no momento em que o professor realiza sua aula.
Ele ocorre nos momentos de dificuldades que surgem nos instantes de aula, em que diversas situações tem de ser
resolvidas. Também ocorre quando algumas questões e propostas estudadas só podem chegar a ser entendidas
por meio da prática. Assim, incansavelmente, as metodologias individuais que surgirão ao longo da
profissionalização do arte-educador só tomarão forma e força através do “aqui e agora” da sala de aula, diante do
principal ator (jamais espectador passivo!) do conhecimento, que é o aluno.

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Referências

AGIRRE, Imanol. La educación artística multicultural. In: AGIRRE, Imanol. Teorías y prácticas em
educación artística: ideias para una revisión pragmatista de la experiencia estética. Barcelona: Octaedro, 2005.
p. 298-305.

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Mae. Tópicos Utópicos. Belo Horizonte: C/Arte, 1998. p. 30-51.

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CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Resolução CNE/CP nº 1, de 18 de Fevereiro de 2002, que


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http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/res1_2.pdf. Acesso em: 28/07/2016.

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