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VOCÊ SABE VENDER?

Eis o vendedor disputado a tapas pelas empresas: bem formado, capaz de negociar
parcerias e de gerar lucro para o cliente

Por Maria Tereza Gomes

Uma mãe aflita com o filho desempregado aborda o diretor de uma empresa, conhecido da
família:
- Eu tenho um filho alto, bonito e conversador. O senhor não pode arranjar um emprego para
ele?
- A senhora sabe, a situação está ruim... - esquiva-se o diretor.
- Qualquer coisa, nem que seja de vendedor...

A piada é famosa entre os vendedores. Mas não deveria causar risos. Ela revela o mais perverso dos
preconceitos contra qualquer profissão - denota desdém, menosprezo, referência a algo menor. O pior:
a piada mostra claramente como o pessoal de vendas foi visto durante décadas no país. Vendedor era
sinônimo de uma pessoa que "vende dor", a que aparece para arrancar coisas do cliente. Não era o cara
da solução. Era o cara a ser evitado ou, quando inevitável, o cara que devia ser colocado em seu devido
lugar - na cadeira de plástico da sala de espera.

"Vendas nunca teve o glamour do marketing", diz Carlos Eduardo Jardim, vice-presidente de assuntos
corporativos da Kaiser. Com todo respeito ao pessoal de marketing, o que Jardim quer dizer é o
seguinte: vendas sempre foi, na maioria das empresas, o primo pobre do marketing. Uns têm verba para
filmar comerciais em Itaparica, Recife ou seja lá onde a campanha publicitária exija. Outros passam seus
dias dentro de um Gol 1.0, sem ar-condicionado, correndo de um cliente para outro. O vendedor, na
maioria das vezes, era uma figura desprezada dentro da empresa, com pouco ou nenhum treinamento.

Essa imagem é coisa do passado? Sim, em muitas empresas - especialmente nas maiores e mais
competitivas. Essas empresas perceberam que nenhum outro cargo está ligado de maneira tão direta à
produção de faturamento quanto o de vendedor. Por isso, elas estão, de um lado, prestigiando cada vez
mais o vendedor. E de outro, creiam, não querem mais saber do vendedor. Pelo menos, não do velho
vendedor descrito na piada. Os novos vendedores, em muitos casos, precisam ter curso superior,
fluência numa segunda língua, serem letrados em informática. Em contrapartida ao trabalho
temporário, as empresas agora estão oferecendo uma profissão. Uma profissão, diga-se, que paga
muito bem. Um novato com essas qualificações pode sair ganhando 4 000 reais por mês. É bastante
para quem está começando. Mas, antes que os seus olhinhos comecem a brilhar, saiba que não basta
preencher os requisitos técnicos de formação acadêmica. "O bom vendedor do começo de milênio é o
profissional que tem uma visão financeira da venda", diz Laís Passarelli, headhunter de São Paulo.
Opa! A vida de vendedor ficou mais complexa? Sim, sim, sim. Tão complexa quanto a de qualquer outro
profissional que ganha a vida no mundo corporativo nesta era de pós-reengenharia, pós-downsizings e,
no caso específico do Brasil, pós-inflação. "A vida do vendedor era muito fácil na época da inflação.
Bastava acenar com uma nova tabela de preços para tirar o pedido", diz Eduardo Botelho, ex-vendedor
com quatro décadas de experiência e dono da Treinamento Eficaz, empresa de consultoria com sede em
São Paulo. Botelho acaba de lançar o livro Como Gerar Lucros Para Seus Clientes e Vencer em Vendas
(Editora Gente), no qual compara o velho e o novo vendedor.

Resultado: comprador e vendedor mantiveram-se em lados opostos do balcão por décadas e décadas.
Um tentava tirar o máximo do outro. Valia a lei do mais forte, ou a do mais esperto. O Plano Real, por
ter desnudado a ineficiência das empresas, jogou um balde de água fria sobre essa rede de intrigas. As
empresas não conseguiam mais viver da ciranda financeira. O vendedor não podia mais só tirar pedidos.
Assim, finalmente vendas passou a ser vista como deve ser: o setor que leva dinheiro para dentro da
empresa. "Não adianta ter um ótimo produto, um controle de qualidade nota 10, a produção impecável.
Se a área de vendas não estiver tinindo, não há empresa de sucesso", diz Roberto Bogus, diretor
comercial da Mercedes-Benz. Pode parecer que Bogus esteja puxando a sardinha para o seu lado - afinal
ele é um dos executivos de vendas mais respeitados (e caros) do país. Mas veja o que diz, na mesma
linha, o consultor americano Robert Tucker no livro Agregando Valor ao Seu Negócio (Makron Books):
"O cenário econômico mudou e está mudando. E em nenhum lugar isso é mais presente do que em
vendas".

Antes de seguir em frente, uma explicação: essa não é uma reportagem apenas para vendedores. O
assunto "vendas" interessa a todo mundo. Pense bem: todos nós estamos sempre vendendo alguma
coisa. Se não é um produto, é uma idéia, um serviço, um projeto, um contrato. Saber vender é, hoje em
dia, uma qualidade valorizada em qualquer profissão. "Quando estava defendendo uma causa (eu
atuava como advogado), tinha a nítida sensação de que estava vendendo a defesa do meu cliente para
os jurados", diz Jardim, da Kaiser. "Hoje sou um vendedor de idéias. Vendo a imagem da minha empresa
para o mercado." O menor cargo executivo na hierarquia da Kaiser é o de coordenador de vendas.
Jardim acha que essa deveria ser a descrição a ser colocada por todos os presidentes de empresas em
seus cartões de visita. "É a função primordial de qualquer empresa", diz Jardim.

O que de fato vai fazer de você uma estrela de vendas neste finalzinho de milênio, começo do próximo?
A primeira coisa a lembrar é o que dissemos acima: vender hoje é uma profissão complexa e exigente. O
vendedor não vive mais de um sorriso ou de um sapato brilhante. Até bem pouco tempo atrás, o pessoal
vendia sem considerar seriamente as necessidades dos clientes. A abordagem envolvia frases
desgastadas, apresentações decoradas, técnicas manipuladoras e estratégias capengas para fechar
negócios difíceis. Esses métodos não funcionam mais. Depender deles é uma receita infalível para um
desastre em vendas. Outra pedra no meio do caminho dos vendedores: na economia globalizada,
interligada e competitiva, não há mais produtos que se vendem sozinhos. "Os métodos tradicionais de
venda eram baseados unicamente na reputação do produto", diz Tucker. "Hoje o mercado exige um
time de vendas que se concentre no atendimento das necessidades específicas de cada cliente."
Para ser uma estrela de vendas você vai precisar de:

Aptidão para vender - Sim, continua sendo fundamental. Você tem que ser o cara que produz receita
para a empresa. E não vai conseguir isso reclamando do tempo, da crise, do trânsito e da alta do dólar
não vende nem mel para abelha. Lembre-se: mais do que um produto, você vende um sonho, uma
solução.

Conhecer bem o produto - O seu e também o dos concorrentes. Terá de saber quais as vantagens e
desvantagens de cada um, a ponto de poder discorrer sobre suas particularidades e tendências do setor.
Assim, você se torna uma peça valiosa, um consultor do cliente na tomada de decisões.

Conhecer o cliente - Coloque-se no lugar dele. Arregace as mangas por ele. Saiba o que dá lucro e o
que pode agregar valor. Para isso, você precisa saber quais são as reais necessidades de quem compra.

Ser parceiro do cliente - Faça um teste com cada transação: se o negócio for bom para você e para o
cliente, esse é um bom negócio. Se não for bom para um dos dois, esqueça. Fazer a coisa certa, mesmo
quando isso se traduz em perder vendas, significa preocupar-se mais com o relacionamento do que com
a venda. O resultado disso é que você ganhará a confiança do cliente, e portanto o terá como parceiro
no longo prazo.

Facilitar a vida do cliente - Como? Seja parte da solução e não dos problemas dele. Cumpra os
prazos prometidos, apareça na hora marcada, tenha sempre um novo produto que agregue valor ao
negócio do cliente.

Vender valores - Mais do que vender apenas um valor, é preciso vender um conjunto de qualidades.
Para isso, o vendedor tem de agir com honestidade, com responsabilidade, com boa educação. Não se
comporte como alguém que deseja fechar o negócio o mais rápido possível. Esse comportamento é
inimigo da honestidade. Fale a verdade sempre. A estrutura da casa está corroída pelo cupim? O motor
do carro está engasgando? É melhor falar já. "Se sinto que meu cliente quer um produto que eu não
tenho, digo claramente", diz João Henrique Figueiredo, diretor executivo da Fiori Veículos, em Recife, o
maior revendedor Fiat do país. "Perco a venda, mas crio uma relação profunda. Toda vez que quiser um
carro novo, ele virá até minha empresa."

Não é difícil entender por que o perfil do vendedor mudou. Os varejistas, de um lado, e as indústrias, de
outro, mudaram antes. Vejamos da ótica do varejo. Até o início do Plano Real, vender produtos era uma
atividade menor dos varejistas. Os ganhos financeiros jogavam para debaixo do tapete todas as suas
ineficiências. Só que em 1994 o Real chegou. E com ele chegaram também grandes redes
multinacionais, como Wal-Mart, dos Estados Unidos, e Sonae, de Portugal. Essas redes trouxeram para o
Brasil uma metodologia de gestão do varejo conhecida como ECR, sigla em inglês para Resposta
Eficiente ao Consumidor. O ECR, um substituto do just-in-time, pressupõe a utilização de um software
batizado com outra sigla, EDI. O EDI faz o seguinte: cada vez que você vai ao supermercado e compra
um molho de tomate de uma marca X, o sistema avisa ao fabricante que há uma unidade a menos no
estoque do cliente. Resultado: a reposição do estoque do supermercado é automática. O que isso
significa? Que um simples software está substituindo uma legião de tiradores de pedidos que
trabalhavam para as indústrias. A novidade é ótima para as indústrias: em vez de tirarem pedidos
semanais, elas conseguem fechar parcerias de longo prazo.

Não foi exatamente um software que fez surgir o novo vendedor. Mas adotar esse sistema de gestão
pressupõe, para os fabricantes, ter profissionais mais preparados na sua ligação direta com o cliente. O
vendedor clássico está sendo substituído por executivos capazes de costurar parcerias com os clientes.
Até mesmo os termos vendedor, vendedora ou pessoal de venda estão cada vez mais em desuso. Em
seu lugar estão surgindo gerente de contas, consultor de vendas, e assim por diante. Os nomes
mudaram porque a natureza da função mudou.

Sidney Domingues de Oliveira tem 25 anos, um curso universitário incompleto e uma vitória: negociou,
e sobreviveu, durante 20 meses com os mais difíceis e temidos compradores deste país: os franceses da
rede de supermercados Carrefour. Se deu tão bem que se tornou uma estrela de vendas na sua
empresa, a Parmalat. "Lidar com pessoas é muito difícil. Tem de ter paciência", diz Oliveira, agora
responsável por parte da conta da Parmalat com o grupo Pão de Açúcar. "É preciso entender as
dificuldades do gerente. Ele também está sob pressão." Oliveira começa o dia às 7 horas da manhã
numa reunião com a equipe de vendas da Parmalat. A jornada não tem hora para acabar e não respeita
os dias úteis. Oliveira já passou um sábado inteiro numa loja do hipermercado Extra ajudando a
distribuir os famosos bichinhos da Parmalat. "O meu trabalho não é medido pela quantidade vendida. A
Parmalat reconhece a qualidade da venda e valoriza as parcerias de longo prazo", diz.

Oliveira trabalha para o setor de produtos de consumo, o que mais avançou até agora na modernização
da imagem do vendedor. Em alguns setores industriais, é bom que se diga, o vendedor que tira pedidos
dificilmente vai acabar. Um exemplo são as indústrias de cigarro. Esse setor tem uma distribuição
altamente pulverizada - bancas de jornais, botecos, padarias etc. O boteco da esquina não tem
condições financeiras de implantar um EDI. Para vender para ele, a Souza Cruz e a Philip Morris precisam
enviar o vendedor até lá periodicamente. Mas, mesmo nesses setores, o vendedor mudou. Em vez da
pastinha e do bloco, anda hoje com equipamento eletrônico: palm top, celular, rádio e bip. De posse
disso tudo, ele se torna uma filial da empresa.

Pense em empresários como Girz Aronson, da G. Aronson, Samuel Klein, das Casas Bahia, e Adelino
Colombo, da Colombo. Eles começaram do zero. Fizeram fortuna com seu talento para vender. O que
eles têm em comum? Uma grande paixão (traduzida em motivação) para vender. Colombo, hoje dono
de 250 lojas no sul do país, enchia sua caminhonete de televisores, geladeiras e rádios e ia vender no
interior do Rio Grande do Sul. Para vender TV, Colombo usava a seguinte técnica: instalava o aparelho
na casa dos possíveis compradores. Deixava-o lá por uma semana. Raramente alguém devolvia. "O
melhor vendedor é o que demonstra um real desejo de vender, apresenta o produto em todos os
detalhes e se comunica direito", diz Colombo. É preciso também, lembra ele, conhecer o cliente. "Não
dá para vender um Mercedes-Benz para quem ganha salário mínimo."

Nos tempos em que Colombo começou a vida como vendedor, ainda não existiam os supermercados, os
shopping centers e as redes de varejo. Predominavam no país profissionais como ele, que enchiam o
carro de mercadoria e saíam sem rumo certo em busca de consumidor. De alguns anos para cá, com a
queda da inflação tendo distorcido os conceitos de vendas, três mitos associados ao vendedor foram
caindo por terra:

1. O vendedor que é amigo do cliente - Durante muito tempo cultivou-se a idéia de que um
chopinho e um futebol após o expediente podiam gerar negócios. É claro que os relacionamentos
continuam importantes e podem abrir portas com o cliente. Mas não vendem mais. "O cliente pode ser
amigo, mas não esquece da rentabilidade", diz Bogus, da Mercedes. "No período inflacionário, ninguém
se preocupava com custos. Naquela época, sim, a amizade resolvia", diz Bogus. Homem de vendas da
Fiat durante cerca de dez anos, Bogus sabe do que está falando. Ele acumula histórias em que usou seu
bom humor e criatividade para ganhar amigos e clientes. Eis uma delas:

Durante certo tempo, Bogus teve uma casa na praia para onde levava amigos, clientes e fornecedores.
Cada um dos seus convidados, logo ao chegar, espantava-se com uma placa estrategicamente colocada
na pracinha em frente à varanda: "Praça José da Silva". José da Silva era o nome do convidado. Diante
da pergunta inevitável, Bogus respondia:

- Eu não poderia dar outro nome a essa praça... Eu sou seu fã.

A história prosseguia até o momento em que Bogus levava o convidado a uma sala onde dezenas de
placas iguais, com nomes de outras pessoas, estavam empilhadas no canto. A brincadeira terminava em
gargalhadas. "É preciso tocar a vida com bom humor. O vendedor não pode ser um sofredor
profissional", diz Bogus.

2. Vender a mãe e não entregar - Nenhuma profissão está livre de ter integrantes de caráter
duvidoso. Mas, como a de vendas, ainda está para surgir. Isso se deve, em muito, a um mau hábito dos
vendedores: tratar o cliente como se nunca mais fosse precisar dele. Quando você olha o cliente dessa
maneira, comporta-se como Tom, o gato que enxerga no rato Jerry uma suculenta refeição. Por isso,
vale o ensinamento de um tipo especial de vendedor: o propagandista de laboratório. Ele é proibido por
lei de tirar pedidos, entretanto, são suas visitas aos médicos que resultam em vendas do laboratório
numa determinada região.

Como eles fazem? Em primeiro lugar, devem estar sempre muito bem informados sobre todos os
medicamentos. Também conhecem as doenças e são capazes de discutir com os médicos sobre elas. Em
cada visita levam uma novidade - uma pesquisa, dados científicos e, claro, novos lançamentos. Mas eis o
fundamental: os propagandistas são responsáveis por uma única região. Só visitam os consultórios
inseridos nela. As visitas são periódicas e agendadas. "O médico não é um cliente de uma vez só. Por
isso o propagandista não pode falsear. Precisa manter um padrão de conduta", diz Adalmiro Dellape
Baptista, presidente do Aché, maior laboratório de capital nacional. Baptista começou a vida como
propagandista. Seus três sócios, também. Toda a diretoria do Aché, idem. "Bom vendedor não é o que
vende muito de uma vez. É o que vende sempre", diz Baptista.

3. Vender só é alternativa para quem não sabe fazer outra coisa na vida - Foi assim por
muito tempo. Mas a desqualificação profissional nessa área está com os dias contados. Vendas deixou
de ser um "último recurso" para se transformar numa profissão. Não acredita? Veja o caso da rede
Riachuelo. A empresa colocou recentemente um anúncio em jornais à procura de gerentes para suas
lojas. Eis as qualificações: curso superior, inglês e espanhol, ser amigo dos computadores e, se possível,
pós-graduado. Sabe o que isso significa? Que acabou aquela história de entrar como vendedor e virar
gerente. A regra também vale para quem vende da indústria para o varejo. "O que se espera desse novo
vendedor é que saiba negociar parcerias e que seja capaz de sentar com o cliente e fazer as contas de
quanto ele vai lucrar comprando seu produto", diz Maria Paula Sampaio, dona de uma empresa de
recrutamento de executivos em São Paulo.

Maria Paula tem sido contratada com freqüência para procurar profissionais para cargos de gerência em
vendas. Está difícil preencher as vagas. "A maioria dos profissionais com esse perfil está sendo formada
dentro das próprias empresas. Não há ninguém pronto no mercado", diz Maria Paula. Por excesso de
demanda e escassez de oferta, paga-se muito bem para os que aceitam mudar de lugar. Um gerente de
vendas está ganhando entre 8 000 e 12 000 reais por mês. O diretor chega a 18 000 fixos. Sem contar o
variável. "As estrelas de vendas podem triplicar seus ganhos anuais com os bônus", diz Laís Passarelli,
outra headhunter com bastante trabalho nessa área.

Para preencher as vagas, as empresas estão contratando jovens recém-formados nas portas das
faculdades de administração e de marketing. "Ao buscar jovens profissionais, as empresas demonstram
que não querem pessoas com os vícios do velho vendedor", diz Eduardo Terra, coordenador do grupo
de recursos humanos do Provar, programa da USP que estuda o varejo. Há chances de esse novo
modelo ser apenas um modismo? Nenhuma. "As novas tecnologias deram agilidade e geraram
economia de espaço para o varejo. Isso se traduz em redução de custos", diz Terra. "O varejo hoje
trabalha com margens apertadíssimas e não pode mais prescindir de vantagens como essas."

Apesar das teorias e dos modismos de gestão, das reestruturações e de todas as complicações que
inventaram, ainda não se conseguiu mudar uma simples verdade: vendas continua sendo básico para
qualquer empresa. É o oxigênio. Se você é um vendedor que traz dinheiro todo dia, você é essencial. Se
traz mais do que os outros, é indispensável. E como trazer mais do que os outros? Grandes estrelas de
vendas consultadas por VOCÊ S.A. resumem suas características pessoais (não esqueça das exigências
ligadas à formação acadêmica e profissional) na seguinte receita:

1. Saiba fazer relacionamentos. Goste de pessoas, de estar com elas, de conhecê-las.


2. Ame o desafio, seja movido por metas. Não volte para casa antes de cumprir sua meta do dia.
3. Admire, goste e tenha paixão pelo seu produto.
4. Seja fiel ao seu cliente. Não atrase na entrega e, quando possível, não deixe de agradá-lo.
5. Considere-se o dono do negócio.
6. Mantenha-se antenado e disponível 24 horas por dia. O vendedor não tem expediente fixo.
7. Tenha visão do negócio. Saiba o que gera lucro para sua empresa.

Essas receitinhas parecem velhas? Sim, parecem. Mas, por mais que surjam novas teorias, novas
técnicas e novos equipamentos de venda, todas elas, sem exceção, continuam valendo. Segui-las - segui-
las de verdade - significa fazer diferença, destacar-se na multidão, galgar postos rapidamente. São
características intangíveis, que não conseguem ser expressas num currículo convencional. Muitas
dependem da personalidade e do comportamento de cada um.

Há uma outra característica que permanece comum a vendedores de todos os quilates: as comissões e
os programas de incentivo. É com eles que as estrelas de venda multiplicam seus salários fixos, muitas
vezes irrisórios. "O vendedor é movido por comissões", diz o consultor Botelho. Entretanto, ele discorda
do modelo tradicional dos programas de incentivo, que usa metas coletivas. "Vendas é um processo
individual. As metas também devem ser", diz. A conta que ele faz é a seguinte: cerca de 70% das vendas
de uma empresa são feitas por 30% dos vendedores. "Quando lança um programa de incentivos, a
empresa está motivando apenas os 30% que sabem que têm chances de atingir as metas. Os demais
sabem que não vão ganhar. Por isso, ignoram o programa e continuam levando a vidinha de sempre",
conclui Botelho. A solução: estabelecer metas individuais diárias.

E o que dizer para quem não vende produtos, mas idéias, projetos, mudanças? O cliente não consegue
apalpar, ver ou cheirar uma idéia. "Para vender um projeto é preciso conhecê-lo profundamente", diz o
executivo Gilmar Caldeira, 46 anos, presidente da Incentive House, empresa do grupo Accor. Caldeira já
vendeu seguros, espaço de jornal e madeira. Hoje se classifica como um vendedor de idéias. Eis um
exemplo recente de como Caldeira desempenha sua função de "vendedor de idéias". No final de janeiro
passado, o Brasil em crise, o dólar a 2 reais, um desespero só na economia. Caldeira reuniu todos os
funcionários da empresa e disse:

- Não quero entrar no próximo século de cara feia e baixo-astral. Se alguém está comprando o que a
gente faz, que compre de nós, não do concorrente.

Resultado: o primeiro trimestre de 1999 da Incentive House está despontando como o melhor dos
últimos cinco anos. Uma outra história de Caldeira: há 15 anos ele foi vender um programa de incentivos
para o grupo Accor. Saiu-se tão bem que vendeu a própria empresa aos franceses. "Para vender é
preciso acreditar profundamente no seu produto, projeto ou idéia", diz Caldeira.

Alguém discorda dele?

Uma venda de
U$100 milhões

"Eu vendo projetos de milhões de dólares. No ano passado liderei nossa equipe no Projeto Itagarabi, a
conexão elétrica entre Brasil e Argentina, cuja licitação foi ganha pela Eselsa. A ABB foi chamada para
realizar o estudo de engenharia e execução do projeto. Foram dez meses de negociações que
envolveram pessoas de oito nacionalidades diferentes, três idiomas e as leis de três países. A ABB
chegou a ter 35 pessoas envolvidas. No final, assinamos um contrato de 100 milhões de dólares. Numa
operação dessas, você precisa conhecer muito bem o projeto. Honestidade, sinceridade e coerência são
indispensáveis. Eu sou contra a esperteza. Quando o outro lado está numa posição vulnerável, muitos
são tentados a se aproveitar da situação. Mas é preciso ser magnânimo para ser um negociador de
respeito. Não significa ser bonzinho e entregar tudo pelo menor preço.
Uma grande negociação é dividida em centenas de itens. Buscamos o consenso para cada um deles e,
quando o alcançamos, nos abraçamos e saímos juntos para comemorar. No dia seguinte, recomeçamos
no próximo item da lista. Você tem de estar preparado para suspender a negociação quando se sentir
pressionado. Em geral, eu peço dois dias para pensar e conversar com meus chefes. Não se pode fazer
uma negociação pensando em levar vantagem. Se uma das partes for prejudicada, tenha certeza de que
vai apresentar a conta lá na frente."

Vendedor tem
de ser camaleão

"Aos 34 anos, eu nunca tinha vendido nada na vida. Até então me dedicava exclusivamente a jogar vôlei.
Tive uma carreira que me deu vários títulos, mas não poderia continuar jogando para sempre. Hoje eu
vendo planos de previdência privada e seguros de vida. Antes eu achava que havia perdido 20 anos da
minha vida jogando vôlei e que eles de nada me ajudariam na nova profissão. Eu estava errada. Os meus
colegas de quadra, como Jaqueline, Giovani, Bernardinho e Virna, são hoje grandes clientes. O esporte
me deu disciplina - na adolescência, eu deixava de sair com os amigos porque tinha jogo no dia seguinte.
Também me deu o desejo de sempre me superar, de achar que não há limites, de correr atrás até
conseguir alcançar um sonho. E isso tudo tem muito a ver com vender bem.

O vendedor precisa ter ambição, ser movido por objetivos. Outra característica que aprendi foi a de ser
camaleão. O vendedor precisa ter uma abordagem diferente para cada tipo de cliente. O discurso que
comove um executivo é diferente do que comove um funcionário público. Se o vendedor for papagaio e
só repetir, não consegue transmitir confiança - eu tenho consciência de que vendo basicamente
confiança. Tudo isso eu aprendi na prática e nos cursos que tenho freqüentado. Já fiz dois cursos de
vendas, um fora do Brasil e outro na Fundação Getúlio Vargas. Também estudei marketing na Escola
Superior de Propaganda e Marketing. Os cursos dão embasamento teórico ao aprendizado da rua."

Dois carros no mesmo dia

"Aos 17 anos eu queria ser freira. Mas conheci meu marido, casei, virei dona de casa, tive filhos. Em
1983, por acaso, comecei a revender os produtos da Avon. Só então descobri que tinha o dom para
vendas. Eu sempre fui movida por desafios. Eu determinava minha meta diária de vendas e não voltava
para casa sem atingi-la. Em pouco tempo montei um grupo de mulheres para revender em meu nome.
Poucos anos depois, a Avon me entregou 120 revendedoras para coordenar na Zona Norte de São Paulo.
No ano passado, quando fui promovida a gerente, entreguei a mesma região com 1 070 revendedoras.

Hoje eu ensino técnicas de vendas. Procuro transmitir às consultoras da Avon coisas que aprendi
sozinha. São vários os segredos para brilhar em vendas. Poder de persuasão, gostar de pessoas, admirar
seu produto e sua empresa e ser fiel aos clientes são alguns deles. Eu sempre me esforcei para agradar
minhas clientes. Investia parte do meu lucro em amostras para elas - com isso ganhava sua fidelidade.
Eu também sou muito persistente. Quando quero alguma coisa, escrevo meu desejo num papel e o
coloco no espelho do banheiro. Foi assim que já ganhei 100 000 reais em prêmios de programas de
incentivos da Avon. São três carros (em 1995, ganhei dois num único dia), viagens para o exterior, jogos
de porcelana, dólares e jóias."

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