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“Threnody for the Victims of Hiroshima”, de Krzysztof

Penderecki: contextualização, impacto e elementos de vanguarda


numa das peças mais marcantes da segunda metade do séc. XX.

Lisboa, 28 de dezembro de 2020


1.º ano de Licenciatura em Música, vertente de Composição

Trabalho elaborado por: João Miguel Rodrigues Santos, nº 2020096


Disciplina: História da Música do Séc. XX/XXI
Professor: Sérgio Azevedo
Índice

Vida e obra do compositor ..................................................................................................................... 3


“Threnody for the Victims of Hiroshima” – A História no Antes e Depois .......................................... 5
“Threnody for the Victims of Hiroshima” – Breve Análise Geral ........................................................ 7
Conclusão ............................................................................................................................................. 10
Bibliografia .......................................................................................................................................... 11
Video-Bibliografia ............................................................................................................................... 11
Vida e obra do compositor
Krzysztof Eugeniusz Penderecki, nascido a 23 de novembro de 1933, em Debica – cidade situada no
sudeste Polaco –, foi um aclamado, prolífico e importantíssimo compositor e maestro.
Provindo de uma família de raízes multiculturais, nas veias de Penderecki corria sangue alemão,
arménio, polaco e ucraniano, tendo sido graças ao violino do pai que, ainda muito precoce na sua
juventude, começou a verdadeiramente desenvolver interesse por música, atraído pelas dificuldades
inerentes à prática do instrumento e motivado pelo forte desejo de vir a tornar-se num virtuoso
violinista. Anos mais tarde, no ensino secundário, Penderecki formara uma pequena ensemble com
colegas e amigos, contribuindo para o florescimento da cena musical de Debica.
Porém, tempos depois, relocaliza-se para a Cracóvia, com o propósito de estudar Composição na
Escola Superior de Música de Cracóvia (“State High School of Music in Cracow” – Daley, 1986).
Neste instituto, estuda sob orientação de Stanislaw Wiechowicz e Artur Malewski.
Acabada a sua formação académica, a singularidade do compositor começara a brotar aos olhos da sua
contemporaneidade quando os resultados da 2ª edição do Concurso de Jovens Compositores da Polónia
(“Poland's Second Young Composer's Competition” – Daley, 1986) revelaram que, Penderecki, após
submeter três peças (“Strophes”, para piano, voz recitativa e dez instrumentos; “Emanations”, para
duas orquestras de cordas; e “Psalms of David”, para coro misto, instrumentos de corda e percussão)
sob três diferentes pseudónimos (escondendo a sua identidade), ganhou os primeiros três prémios do
concurso. Na altura, ou seja, em 1959, Penderecki era apenas um desconhecido professor de
Composição no mesmo conservatório onde tinha estudado (acima mencionado), tendo sido esta
marcante vitória a sua fisga para o sucesso.
A partir daí, a carreira do compositor começa a erguer-se do chão: recebe comissões de universidades,
coros, ensembles, orquestras e instituições, vence concursos, recebe prémios [entre os quais o Lifetime
Achievement Award, da WSA – World Summit Awards –, na Film Fest Ghent (Butstraen, 2020), o
Prémio Westphalia, o Prémio da União de Compositores Polacos e o Doutoramento Honoris Causa da
Universidade de Rochester, Nova Iorque (Daley, 1986), para mencionar alguns] e ainda tem a sua
música utilizada em filmes, séries de televisão e peças de teatro. Chegou até mesmo a escrever para
estes meios, mas, segundo o próprio Penderecki, a prática era-lhe frequentemente inconveniente, uma
vez que, o compositor, afogado na sua agenda, não conseguia compatibilizar os seus múltiplos projetos
com a escrita de música cinematográfica ou teatral. Portanto, quando proposto com algo do género,
caso a ocasião se revelasse inoportuna, Penderecki guiava o realizador/diretor artístico em questão para
uma das suas peças, na esperança que fosse elegível para servir o propósito musical requerido.
Ainda assim, apesar das dificuldades, a música do compositor chegou a ser bastante utilizada em vários
blockbusters de Hollywood, como, por exemplo, no conhecido mote para material de pesadelo: “The
Exorcist”, 1973, de William Friedkin, que utilizou a peça “Polymorphia” (para orquestra de cordas);
no êxito aterrador de Stanley Kubrick: “The Shining”, estreado em 1980 e protagonizado por Jack
Nicholson, o qual conta, também, com “Polymorphia” e “Utrenja” (para coro e orquestra com
percussão); no surrealista “Inland Empire”, 2006, do excêntrico David Lynch – também, aqui, a
“Polymorphia” foi empregue; no complexo thriller psicológico “Shutter Island”, de 2009, com
Leonardo DiCaprio e realizado pelo veterano Martin Scorsese, que utilizou um excerto do 4º
andamento, “Passacaglia, Allegro Moderato”, da “Symphony Nº3”, numa das cenas iniciais; entre
muitos outros.

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Quanto à estética: textos descritivos relativamente ao estilo composicional de Penderecki visam,
essencialmente, realçar a qualidade eclética e diversa da sua música. Muitas vezes, utilizando até
vocábulos e expressões que a caracterizam como pertencendo ao “serialismo pós-Webern”, elevam o
seu carácter quase “aleatório” e apontam para uma certa digestão da herança dissonante de Ives e
Bartók (Daley, 1986).
Não obstante, a maior parte dos académicos considera antes a exploração “nua e crua” do som como
primordial elemento por de trás da escrita singular de Penderecki. No fundo, a mesma apoia-se num
seguimento das ideias de Edgard Varèse, comummente referido como o primeiro compositor a
conceptualizar o fenómeno físico do som à semelhança de um objeto completamente configurável,
quer nas suas qualidades estruturais, como na sua organização no espaço. Idealmente, sem os limites
físicos e corporais impostos por instrumentos acústicos tocados por seres humanos – e isto muito antes
da tradição eletroacústica, que começou nos anos ’50. A conhecida “Ionisation” (1929-1931), para 13
músicos (os quais tocam 35 instrumentos de percussão e um piano) é, discutivelmente, a melhor
manifestação desta sua filosofia.
Posto isto, ao contextualizar, torna-se evidente compreender como o raciocínio de Varèse foi a
catapulta que levou muitos compositores a desenvolver uma nova abordagem face ao ato da criação
musical. A ideia de poder trabalhar o som e todas as suas capacidades expressivas isento(a) de
quaisquer barreiras ou restrições, torna-se, sem margem de dúvida, muito sedutora. Felizmente, quando
os desenvolvimentos tecnológicos na indústria da gravação de áudio abrem as portas para o mundo da
música concreta (Musique Concrète – como explorada por Pierre Schaeffer e Pierre Henry) e
eletronicamente sintetizada (Elektronische Musique, à la Karlheinz Stockhausen), esta ambição
concretiza-se. Ou seja, agora, os compositores têm à sua disposição uma plenitude de possibilidades
sonoras com que trabalhar, i.e, a totalidade de todo o som que pudesse ser gravado e/ou imaginado e,
por sua vez, sintetizado.
Consequentemente, aquilo que, a meu ver, tão bem descreve o cerne estilístico da música de
Penderecki, foi o facto de que, apesar do mesmo também ter demonstrado interesse pela música
eletroacústica e todas as suas vantagens (se bem que pouco aprofundadamente – “Psalmus”, 1961,
para fita magnética e “Canon”, 1962 para orquestra e fita magnética), decidiu antes levar esta filosofia
para a sua escrita acústica tradicional pura (e, com “tradicional”, refiro-me à tradição da música erudita
ocidental, não à musica folclórica polaca; por “pura”, entenda-se como o que é acústico e não
eletronicamente criado). O resultado: uma estética assente no desejo de, à semelhança da música
eletrónica, poder explorar livremente o som e a totalidade das suas possibilidades expressivas como
uma massa, de trabalhar a sua imensa densidade como um objeto em constante permutação… mas,
desta vez, sem abdicar do elemento humano e puro dos mais diversos conjuntos instrumentais e vocais.
Isto leva ao que mais tarde fica conhecido por “sonorismo” (Maslowiec, 2009), uma corrente estilística
emergente na Polónia pós-2.ª Guerra Mundial, graças a compositores como Penderecki e Górecki, onde
novas e pouco ortodoxas técnicas instrumentais e/ou vocais são empregues na busca dos mais variados
timbres, cores e texturas. Desta forma, o critério da “qualidade sonora” – de tornar a apreciação geral
de uma dada parede de som – passa para primeiro plano no moldar da estrutura musical, como depois
perseguido por Ligeti e já antes abordado por Xenakis (Maslowiec, 2009).
Infelizmente, Penderecki deixou-nos no dia 23 de março de 2020, deixando uma marca indelével na
História da Música a partir da segunda metade do séc. XX e nos nossos corações como uma das figuras
mais representativas da escrita composicional avant-garde dos tempos modernos.

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“Threnody for the Victims of Hiroshima” – A História no Antes e Depois
Por volta das oito da manhã do dia 6 de agosto de 1945, um Boeing B-29, conhecido por “Enola Gay”
(Hubbard e Hasian Jr., 1998), sobrevoa os céus de Hiroshima sob ordens do presidente norte-americano
Harry S. Truman. O seu objetivo: largar perante a metrópole japonesa uma bomba nuclear. Na verdade,
a primeira desta casta de armas a alguma vez ser utilizada contra outra nação num manifesto de
hostilidade.

O relógio aponta para as 8h15. A aeronave militar abre uma escotilha e, dos céus, a 31 060 pés de
altitude (sensivelmente 9 Km), um dispositivo de 3 metros de comprimento, 71 centímetro de diâmetro
e quatro mil toneladas e meia abate-se sobre a cidade depois de uma queda de 43 segundos, detonando
a 600 metros do chão. Após todos os procedimentos químicos e físicos ocorridos no seu interior –
entre os quais fissão e fusão nuclear, cuja complexa explicação não abrange as dimensões nem,
tampouco, o objetivo primordial deste documento – provocarem uma crítica reação em cadeia, a
temperatura sobe para níveis ultrassolares, à medida que massivas libertações de energia (originárias
nos processos supra mencionados) são libertadas no romper do invólucro de metal.
No seguimento, em menos de um segundo forma-se uma enorme bola de fogo, a qual evapora qualquer
forma de vida biológica – pessoas, animais, plantas – incluída num raio de 180 metros do hipocentro.
Estátuas de bronze derretem, postes de madeira carbonizam… A consequente onde de choque – i.e, ar
quente a viajar a velocidades ultrassónicas – colapsa as típicas infraestruturas habitacionais como um
baralho de cartas, fazendo do cimento e tijolo que as constitui uma pequena piada. Isto, a cerca de 1.67
Km do hipocentro.
Como se não bastasse, acrescenta-se ainda o fator radioativo, o silencioso agente mortífero que, no
espaço de 2 Km do local de impacto, provoca queimaduras de 3º grau, indolores na sua essência, uma
vez que trespassam as várias camadas da pele e destroem os nociceptores – terminações nervosas
responsáveis pelo fenómeno sensorial da dor. Além disso, um outro leque de patologias aguarda o
futuro daqueles presos neste perímetro… na verdade, não só o seu, mas também de quaisquer
descendência que, caso sobrevivam, venham a procriar – inclui desde os mais variados tumores, a
doenças respiratórias, cardiovasculares, dificuldades cognitivas, deficiências físicas, etc.
Ironicamente, o aparelho responsável por tudo isto chamava-se “Little Boy” (Perkins e Wargowski,
2016) – “rapazinho” –, apesar do seu poder destrutivo se assemelhar à ignição de 15 Kilotoneladas (15
000 Toneladas) de TNT.
Por conseguinte, no espaço de uma semana após a explosão, a União Soviética declara Guerra ao Japão
e os Estados Unidos largam uma segunda bomba em Nagasaki, deixando nenhuma outra opção ao país
do continente Asiático se não render-se.
Esta decisão, controversa na sua natureza e ao mesmo tempo por muitos considerada como o elemento
fundamental por de trás do fim do episódio Pacífico da 2ª Guerra Mundial, ceifou a vida de mais de
trezentas e cinquenta mil pessoas: uma metade no impacto inicial das bombas e a outra tempos mais
tarde (dias, semanas e meses), devido a complicações de saúde causadas pela radiação.
Com isto, proponho a seguinte experiência: Alex Wellerstein, um historiador nuclear e atualmente
membro do Stevens Institute of Technology, desenvolveu um site chamado NukeMap, o qual permite
ao utilizador simular e observar os efeitos de uma explosão nuclear, podendo controlar os mais diversos
parâmetros, desde força explosiva, localização, altura de detonação, etc.

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Sendo assim, deixo aqui, neste documento, uma hipotética realidade do que aconteceria caso a bomba
de Hiroshima fosse largada em cima da Escola Superior de Música de Lisboa, tendo em conta as suas
15 Kilotoneladas de poder destrutivo e detonação a 600 metros de altura.

Imagem 1: Simulação de uma detonação da bomba de Hiroshima na Escola Superior de Música de Lisboa, através do
site NukeMap, de Alex Wellerstein (https://nuclearsecrecy.com/nukemap/)

Continuando: em 1960, ou seja, quinze anos após o bombardeamento e o fim da Guerra, Penderecki é
premiado num concurso de Composição em Katowice, na Polónia, com uma nova peça para orquestra
de cordas. Na altura, a peça, à maneira de John Cage, chamava-se 8'37", e apenas vivia na imaginação
abstrata do compositor. Só quando a gravação do maestro Jan Krenz com a Great Polish Radio
Symphony Orchestra é transmitida na rádio que o polaco tem a oportunidade de a ouvir pela primeira
vez, transcendendo a barreira entre o que teria concebido e a respetiva realidade sonora da peça.
Atónito com a carga emocional do que ouvira, Penderecki rejeita a ideia de condenar a obra a um título
tão anónimo e insípido, prosseguindo na procura de possíveis associações com a sua sonoridade.
Ora, tendo o próprio, em criança, testemunhado os eventos terríveis que se desenrolaram na 2ª Guerra
– como é de conhecimento geral, a Polónia foi um dos muitos países invadidos e destruídos pela
Alemanha sob regência de Hitler –, no final, acaba por dedicar a sua criação às vítimas da bomba de
Hiroshima (Maslowiec, 2009), numa eterna demonstração de compaixão para com os horrores vividos
pelo povo japonês durante a fatídica época (a palavra “threnody” traduz-se, sensivelmente, para
“treno”, i.e, um “canto fúnebre e lamentoso” – Dicionário Priberam, 2020).
Mais tarde, tem-na reconhecida pela Tribuna Internacional de Compositores da UNESCO, em Paris.
À sua semelhança, muitos outros artistas aplicaram os seus dotes criativos na conceção de obras de
arte relacionadas com este tema. Um exemplo muito conhecido e por muitos pouco levado a sério é a
canção “Enola Gay”, de 1980, da banda pop britânica Orchestral Manoeuvres In The Dark, um
clássico da altura que ainda nos dias de hoje inunda as estações de rádio comercial portuguesas.

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“Threnody for the Victims of Hiroshima” – Breve Análise Geral
Como dito antes, Penderecki foi um dos compositores pioneiros do movimento sonorista, caracterizado
pela criação de massas sonoras timbricamente ricas, as quais formam e estruturam o discurso musical.
Na verdade, a peça foco central deste documento foi, não só, das primeiras, como, também,
discutivelmente, das mais simbólicas manifestações deste estilo composicional.
A “Threnody for the Victims of Hiroshima” está escrita para orquestra de cordas, precisando um
número exato de divisis para cada naipe (como observável na próxima imagem), totalizando na
necessidade de disponibilizar, pelo menos, 52 músicos para subir ao palco.

Imagem 2: Compassos iniciais da “Threnody for the Victims of Hiroshima”. Note-se a divisão de cada naipe: 24
violinos, divididos em 4 grupos; 10 violas, dividas em 2 grupos; 10 violoncelos divididos em 2 grupos; e contrabaixos
divididos em 2 grupos (totalizando em 52 instrumentistas).

Aproveitando a imagem de cima, a análise continua com especial atenção virada para a notação sui
generis de Penderecki, a qual aparece explicada com mais detalhe nas notas de performance,
localizadas no prefácio da partitura.

Imagem 3: Simbologia referente às técnicas instrumentais empregues por Penderecki nesta peça.

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Com isto, atente-se na legenda da figura, a qual passo a explicar e traduzir:

• “ord.” – ordinario, tocar normalmente (i.e, friccionar as cordas com o arco da forma
tradicional);
• “s.p” – sul ponticello, ou seja, friccionar as cordas com o arco perto do cavalete, originando
um som mais estridente e brilhante;
• “s.t” – sul tasto, o contrário de sul ponticello, onde se toca antes perto do braço do instrumento,
na busca de um timbre mais redondo, basso, claro…;
• “c.l” – col legno tratto (apesar de não estar especificado, chega-se a esta conclusão tendo em
conta o efeito logo abaixo), onde as cordas são friccionadas, tipicamente, na zona intermédia
entre o braço e o cavalete, com a parte de madeira do arco;
• “l, batt.” – col legno batutto, um efeito percussivo onde um golpe é aferido nas cordas, também
geralmente, entre o braço e o cavalete, com a parte de madeira do arco;
• “raised by ¼ tone” – meio sustenido, ou seja, sobe-se a nota um quarto de tom (25 cents);
• “raised by ¾ tone” – três quartos de sustenido, ou seja, sobe-se a nota três quartos de tom (75
cents);
• “lowered by ¼ tone” – meio bemol, ou seja, baixa-se a nota um quarto de tom (-25 cents);
• “lowered by ¾ tone” – três quartos de bemol, ou seja, baixa-se a nota três quartos de tom (-75
cents);
• “highest note of the instrument (indefinite pitch)” – tocar a nota mais aguda possível (aqui, o
compositor não prioriza nenhuma altura em específico);
• “play between bridge and tailpiece” – tocar entre o cavalete e estandarte;
• “arpeggio on 4 strings behind the bridge” – arpegar as quatro cordas do instrumento na zona
acima referida, i.e, entre o cavalete e estandarte;
• “play on tailpiece (arco)” – talvez das técnicas mais incomuns aqui empregue por Penderecki,
que pede ao músicos que, com o arco, friccionem o estandarte;
• “play on bridge” – tocar exatamente em cima do cavalete;
• “percussion effect: strike the upper sounding board of the violin with the nut or the fingertips”
– com os dedos ou com a pega do arco golpear o próprio corpo de madeira do instrumento
(mais especificamente, nas zonas superiores);
• “several irregular changes of bow” – descoordenação de arcadas entre membros do mesmo
naipe, feitas individualmente, por cada músico;
• “molto vibrato” – imenso vibrato;
• “very slow vibrato with a ¼ tone frequency difference produced by sliding the finger” – vibrato
com diferença de um quarto de tom (+25 cents e -25 cents) em relação à altura original,
conseguido através de um deslize do dedo que pressiona a corda na mão esquerda;
• “very rapid not rhytmicized tremolo” – tremolo extremamente rápido, não regular;

Visto que muitas das técnicas acima descritas estão intimamente relacionadas com a anatomia dos
instrumentos de corda friccionada, a próxima imagem visa apenas servir como guia para uma melhor
compreensão do que é pedido (mostro somente um violino porque as diversas componentes destes
instrumentos partilham denominações).

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Imagem 4: Anatomia de um violino (retirado de Adler, 2002)

Para terminar, debruço-me sobre duas outras características muito interessantes desta peça, as quais se
expressam na ausência das típicas indicações musicais relacionadas com o tempo (ou seja, o andamento
e o compasso) e a vasta utilização de clusters.
Na sua essência, em primeiro lugar, Penderecki desconstrói a barra de compasso e a sua importância,
indicando apenas uma duração aproximada, em segundos, que deseja para cada passagem. Em
segundo, harmonicamente falando, o compositor, para atingir o tal efeito da massa de som – atributo
musical preponderante que dá à luz ao movimento sonorista, como já estabelecido – especifica uma
nota para cada membro do naipe, pedindo que as mesmas, as quais se encontram separadas por
intervalos muito curtos, sejam tocadas ao mesmo tempo, originando uma densa e extremamente
dissonante parede de som (esta é a técnica que Ligeti, mais tarde, viria depois a aplicar numa das suas
mais conhecidas composições: “Atmosphères”).

Imagem 5: Excerto de “Threnody for the Victims of Hiroshima” onde os princípios acima são observáveis.

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Conclusão
Em suma, a “Threnody for the Victims of Hiroshima”, de Krzysztof Eugeniusz Penderecki, permanece,
na minha humilde opinião, como uma das melhores obras de arte desde o início daquilo a que se pode
considerar como sendo o “avant-garde”.
Não só lidamos com uma peça extremamente inventiva na sua execução técnica, como, também, com
um contexto histórico extremamente trágico na sua natureza.
O poder evocativo da obra é de tal ordem poderoso que quase nos transporta para as 8h16 do dia 6 de
agosto de 1945, em Hiroshima. A sua sonoridade é tão representativa que, por pouco, não
experienciamos o genuíno terror por que o povo japonês viveu quando, de repente, tudo o que conhece
está reduzido a cinzas, morto ou gravemente ferido por entre destroços. E tudo sem qualquer
justificação onde se consolar…
Mais ainda: a “trenódia”, por si só, do ponto de vista meramente composicional, atinge o feito de ajudar
a criar um movimento estético na História da Música. Todavia, livra-se de permanecer uma mera
demonstração intelectual – de criatividade e inventividade de escrita. Antes pelo contrário. A partir do
momento em que cumpre um propósito reflexivo e emocional enquanto manifestação sonora, a peça
alcança dimensões muito além do típico repertório moderno, o qual, apesar de respeitável na sua
essência, parece muitas vezes desprovido de qualquer tipo de peso expressivo e mais se assemelha ao
quadro rabiscado de um matemático ou cientista. Claramente, o génio por de trás daquilo é imenso,
mas, na música, acredito que devemos procurar algo mais do que uma mera e friamente calculada
organização de sons. É preciso proporcionar ao ouvinte uma experiências auditiva relativamente
intensa. Algo que o mude depois de exposto à peça…
E é com este ponto tão importante que Penderecki atinge a imortalidade enquanto compositor: ao criar
uma obra de arte não só intelectualmente impressionante na sua conceção técnica, como
emocionalmente carregada na sua realidade sonora.

“Às vezes, a música contemporânea é vista como só sendo interessante se utilizar técnicas ‘assim e
assado’ […]. Mas, acima de tudo, o que é fundamental na Composição é produzir boa música. O facto
de ser mais tradicional ou menos tradicional […] é menos importante. O fundamental […] é conseguir
criar música que afete a sensibilidade das pessoas que estão a ouvir.”
– Prof. Christopher Bochman, 2020.

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Bibliografia
S. Adler, (2002) - The Study of Orchestration
A. F. Bohlman, (2016) – Krzysztof
Penderecki:https://www.oxfordbibliographies.com/view/document/obo-9780199757824/obo-
97801997578240176.xml
R. Butstraen, (2020) – Krzysztof Penderecki, the composer that crossed many boundaries:
https://www.worldsoundtrackawards.com/en/news/krzysztof-penderecki-the-composer-that-
crossedmany-boundaries/23-04-2020/2284
Culture.pl, (2020) – Krzysztof Penderecki: https://culture.pl/en/artist/krzysztof-penderecki
P. Daley, (1986) – An Investigation of Textural Activity and Its Hierarchical Structures in Selected
Works by Krzysztof Penderecki: https://digital.library.unt.edu/ark:/67531/metadc500894
R. Wingfield-Hayes, (2020) – Hiroshima bomb: Japan marks 75 years since nuclear attack:
https://www.bbc.com/news/world-asia-53660059
B. Hubbard, M. A. Hasian Jr., (1998) – Atomic Memories of the "Enola Gay": Strategies of
Remembrance at the National Air and Space Museum (preview):
https://www.jstor.org/stable/41939459?seq=1
James M. Keller, (2017) – Penderecki, Krzysztof: Threnody for the Victims of Hiroshima:
https://www.sfsymphony.org/Data/Event-Data/Program-Notes/P/Penderecki-Threnody-for-
theVictims-of-Hiroshima
A. Maslowiec, (2009) – Sonorism and the Polish A vant-Garde 1958-1966, Volume 1:
https://ses.library.usyd.edu.au/handle/2123/8205
C. Perkins, D. Wargowski, (2016) – Hiroshima and Nagasaki Bombing Timeline:
https://www.atomicheritage.org/history/hiroshima-and-nagasaki-bombing-timeline
Dicionário Priberam (2020) – Definição de “treno”: https://dicionario.priberam.org/treno (consultado
dia 21 de janeiro, às 17:04)
A. Żuławski, (2020) – Not Just 'The Shining':
13 Soundtracks Featuring
Krzysztof Penderecki: https://culture.pl/en/article/not-just-the-shining-13-soundtracks-
featuringkrzysztof-penderecki
A. Swanson, (2016) - What it would look like if the Hiroshima bomb hit your city:
https://www.washingtonpost.com/news/wonk/wp/2015/08/05/what-it-would-look-like-if-
thehiroshima-bomb-hit-your-city/

Video-Bibliografia

Facebook – Stream DME #2 - Christopher Bochmann + Ana Telles:


https://www.facebook.com/213420952077204/videos/687295518701449/

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