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4.

O fenômenos das crises econômicas segundo diferentes


correntes do pensamento econômico
CRISE EM MARX

*Netto e Braz (2006)

“As crises são inevitáveis sob o capitalismo. mas é perfeitamente possível e viável uma
organização da economia estruturalmente diferente da organização capitalista, capaz de
suprimir as causas da crise.

“A característica das crises pré-capitalistas reside no fato de elas resultarem da


destruição dos produtores diretos ou dos meios de produção, ocasionada por desastres
naturais, epidemias ou catástrofes sociais. A consequência imediata dessas crises é uma
carência generalizada dos bens necessários à vida social; mais exatamente tais crises
indicam uma insuficiência na produção de valores de uso e, por isso, podem ser
designadas como crises de subprodução de valores de uso.

“Se nas crises pré-capitalistas é a diminuição da força de trabalho que ocasiona a


redução da produção, na crise capitalista ocorre exatamente o contrário, é a redução
da produção que ocasiona a redução da força de trabalho utilizada (isto é, o
desemprego) – o que numa é a causa, na outra é o efeito.

“E há, sobretudo, uma diferença essencial: a crise capitalista aparece como uma
superprodução de valores de uso, mais precisamente: não há insuficiência na produção
de bens, não há carência de valores de uso; o que ocorre é que os valores de uso não
encontram escoamento, não encontram consumidores que possam pagar seu valor de
troca e, quando isto se evidencia, os capitalistas tendem a travar a produção; na crise
capitalista, a oferta de mercadorias torna-se excessiva em relação a procura e,
então, restringe-se ao limite a produção.”

Crise como interrupção do movimento do capital D-M-D’ – o movimento do capital fica


em suspenso, e a reprodução ampliada, a acumulação, não pode prosseguir: “A crise é
assim a expressão do caráter particularmente contraditório assumido pela acumulação
do capital. Contraditório porque os interesses do capitalista entram em frequente
oposição, mais ou menos aguda, com seus interesses enquanto integrante da classe
capitalista. Vejamos um exemplo: se o capitalista A vê cair sua taxa de lucro, ele pode
inicialmente dispensar trabalhadores e aumentar a intensidade do trabalho, esperando
assim diminuir os custos e reencontrar suas margens. Mas, se muitos capitalistas
fizerem o mesmo, a meta buscada não é alcançada. Longe de se reestabelecer, a taxa
de lucro cai e a crise se generaliza (...) O crescimento do desemprego significa menos
dispêndio de salários e, portanto, menos possibilidades de escoar as mercadorias.”

Causas das crises:

a) a anarquia da produção: mercado é inundado por mercadorias cuja destinação é


incerta, uma vez que sua produção é comandada por cada capitalista, tendo em vista
apenas a obtenção do lucro, com a frequente desproporcionalidade entre os vários ramos
e setores da produção;
b) a queda da taxa de lucro: a resultante da resposta da maioria dos capitalistas a essa
tendência contraria a intencionalidade de cada um deles e seu efeito, enfim, acaba por
efetivamente contribuir para a eclosão da crise;

c) o subconsumo das massas trabalhadoras: enquanto os capitalistas inundam o


mercado com suas mercadorias, a capacidade de consumir dos trabalhadores permanece
limitada; esse descompasso entre a magnitude da produção de mercadorias e a
possibilidade de sua realização deve-se ao fato de as massas trabalhadoras não disporem
de meios de compra-las;

As contradições do capitalismo

Nas crises, trabalhadores e pequenos e médios capitalistas são sempre mais onerados
pela crise. Por outro lado, setores se beneficiam das crises, que têm por efeito favorecer
os mecanismos de concentração e centralização.

As crises são inelimináveis porque expressam o caráter contraditório do modo de


produção capitalista (modo de produção que é constituído e dinamizado por
contradições e só se desenvolve com a reprodução e a ampliação dessas mesmas
contradições.

“Essas e outras contradições derivam daquela que podemos considerar a contradição


fundamental do capitalismo: a contradição entre a produção socializada e a
apropriação privada. A produção torna-se socializada mas a apropriação
permanece privada – o conjunto dos produtores diretos (os trabalhadores) cria um
enorme excedente que é apropriado pelos donos dos meios de produção (os
capitalistas) (...) As relações sociais de produção decorrem do regime de propriedade e
este determina a repartição (ou distribuição) do excedente – e tal regime, no
capitalismo, é o da propriedade privada dos meios de produção. Então, por mais
socializada que esteja a produção, a apropriação dos excedentes permanece intocada;
assim, estabelece-se a contradição que, substantivamente, conduz àquela que faz colidir
as relações sociais de produção com o desenvolvimento das forças produtivas.”

*Mazzucchelli

“As crises, portanto, exteriorizam e resolvem de modo momentâneo as contradições


imanentes da produção capitalista; mas não as suprimem. E é exatamente por não serem
suprimíveis que tais contradições indicam a natureza limitada deste regime de produção.
Limitada porque o capitalismo contém limites que são próprios, aos quais não pode se
subtrair, apesar de seu impulso desenfreado em fazê-lo. Por essa razão, trata-se de um
regime de produção não absoluto, e sim historicamente determinado, que cria, ao
mesmo tempo, as condições de sua superação.”

- Tendência a superprodução

“O primeiro aspecto a ser considerado é que o capital contém, por sua própria natureza,
a tendência a superprodução. Desde logo, não se trata ainda de ‘analisar a
superprodução em seu caráter determinado, senão somente a predisposição a ela, tal
como está posta primitivamente na relação do capital”
“A tendência a superprodução pode ser colocada nos seguintes termos: na medida em
que a socialidade em uma economia mercantil não se dá no processo imediato de
produção, mas sim é dada pela troca, o produto do trabalho assume uma dupla
determinação: uma determinação natural, útil, material (valor de uso), referida à sua
‘aptidão para satisfazer necessidades humanas’, e uma determinação social (valor)
referida à sua conexão com a troca. Como, entretanto, o valor só existe de um modo
relativo, como valor de troca, ‘a antítese interna de valor de uso e valor que se
alberga na mercadoria toma corpo em uma antítese externa, ou seja, na relação entre
duas mercadorias (...)’

“Este externalização se completa com a substantivação do valor do dinheiro, com o que


‘se produz um desdobramento da mercadoria em mercadoria e dinheiro, antítese
mecânica em que as mercadorias revelam sua antítese de valor de uso e valor’. A
interposição do dinheiro e a constituição de um processo de circulação de
mercadorias determinam, assim, a fratura do intercâmbio nos atos de compra e
venda, com o que a unidade existente na troca direta se desdobra na antítese dos atos
M-D e D-M. Deste modo, ‘a unidade interna reveste exteriormente a forma de uma
antítese’

“Isto significa que a circulação mercantil contém, em si mesma, ‘um marco para as
crises’: na medida em que compra e venda, produção e circulação, produção e
consumo, constituem pares complementares, porém não idênticos, instaura-se a
possibilidade da não coincidência entre estes distintos momentos, daí sobrevindo as
crises. Vale dizer: uma economia mercantil, ao contrário do intercâmbio baseado
na troca direta, é necessariamente uma economia monetária, estando a produção
necessariamente referida ao dinheiro, e apenas realizada socialmente, quando
convertida no dinheiro. E não há, aí, nenhuma garantia de que esta conversão se
realize, já que compra e venda, produção e consumo, apesar de unidos
interiormente, mantém em seu movimento, uma independência recíproca.

“A crise, portanto, surge como o estabelecimento forçado da unidade entre compra


e venda, produção e circulação, produção e consumo (...) E aí, a contraposição a
Say e Ricardo é evidente: se se reduz a circulação mercantil à troca direta, se se
admite que ‘as produção sempre se compram por produções, ou por serviços, e o
dinheiro é somente o meio com o qual se efetua todo o intercâmbio”, suprime-se,
então, a contradição valor de uso/valor subjacente à mercadoria, com o que esta
passa a se confundir diretamente com ‘o produto’, passando o dinheiro a se
converter num mero intermediário do intercâmbio de produtos. Negam-se, assim,
as determinações mais simples da produção capitalista, enquanto produção
mercantil”

“(...) ‘o desenvolvimento absoluto das forças produtivas’ e a ‘produção pela produção’


tendem a se autonomizar a um ponto tal que o capital, em seu movimento expansivo,
ultrapassa, de modo recorrente, suas possibilidades de realização como valor-capital.
Faz parte, portanto, da natureza da produção capitalista ‘produzir sem tem em conta os
limites do mercado’: ‘a contradição, expressa em termos gerais, consiste em que, de
uma parte, o regime capitalista de produção tende ao desenvolvimento absoluto das
forças produtivas, prescindindo também das condições sociais dentro das quais se
desenvolve a produção capitalista, enquanto, por outra parte, tem como objetivo a
conservação do valor-capital existente e sua máxima valorização’. A acumulação e a
busca fanática do lucro se chocam, assim, de modo reiterado, com as condições de
realização dos produtos como valores, de maneira que o capital revela uma
tendência recorrente a ‘sobrepassar suas possibilidades de realização e reprodução
ampliadas’. A superprodução se torna uma característica intrínseca a esse regime de
produção, já que ‘está condicionada de modo específico pela lei geral da produção do
capital: produzir até o limite estabelecido pelas forças produtivas (...) sem ter em conta
os limites reais do mercado ou das necessidades respaldadas com capacidade de
pagamento’

- sobre a “superacumulação de capital”, cf. p. 28-9;

- A redundância do trabalho vivo e a lei da tendência decrescente da taxa de lucro

“Mas a natureza contraditória do capital não se revela apenas na tendência a


superprodução que lhe é característica. A ‘produção pela produção’, a acumulação
desenfreada, a concentração e a centralização, ao implicarem a contínua
ampliação das escalas, a crescente automação do processo produtivo e a recorrente
elevação da composição técnica, determinam a progressiva redundância do
trabalho vivo. O capital, assim, através da realização de seu caráter progressivo, tende
a negar suas determinações mais simples através da própria negação do trabalho: ‘o
capital mesmo é a contradição, já que constantemente procura suprimir o tempo de
trabalho necessário, porém o tempo todo de trabalho excedente só existe
antiteticamente, só em antítese com o tempo de trabalho necessário, como necessário
para a condição de sua reprodução e valorização”

“A tendência à negação do trabalho se ajusta, portanto, ao próprio conceito de capital e


remete, naturalmente, à lei da tendência decrescente da taxa de lucro. Na verdade, a
progressiva redundância do trabalho vivo está posta no próprio enunciado da lei
da tendência que, como veremos, condensa as contradições imanentes da produção
capitalista. Mais ainda, na mesma medida em que a lei se exterioriza nas crises, é
nas crises que são recompostas as condições de valorização do capital, o que
significa dizer que é através das crises que o capital reafirma sua unidade
originária com o trabalho.

- Lei de tendência: condensação das contradições imanentes da produção


capitalista

“A natureza contraditória da produção capitalista encontra sua expressão teórica mais


acabada, em Marx, na formulação da lei da tendência decrescente da taxa de lucro.
Assim, a ‘tendência progressiva da taxa de lucro a cair só é, pois, uma expressão
característica do regime capitalista de produção do desenvolvimento ascendente da
força produtiva social do trabalho.” Isto porque o desenvolvimento das forças
produtivas, ao incluir a elevação da composição orgânica do capital, determina um
estreitamento da base sobre a qual se apoia o próprio processo de valorização.
Vale dizer, cada parte alíquota do capital coloca em movimento uma massa de
trabalho vivo cada vez menor, que redunda, mesmo com a progressiva elevação da
taxa de mais-valia, numa contração da taxa de lucro. Taxa de mais valia-crescente
e taxa de lucro decrescente são, pois, dois resultados de um mesmo processo.
“A lei de tendência confirma, portanto, todos os resultados relativos à tendência
progressiva da acumulação capitalista: a elevação da produtividade, o incremento
do capital total posto em movimento, quer como massa de valor-capital quer, em
proporção maior ainda, como massa de valores de uso em que se materializa o
capital, a ampliação das escalas, a tendência a concentração e a centralização dos
capitais, o crescimento da massa total de lucros, a expansão quantitativa do total
do capital constante e do total do capital variável, a elevação da taxa de mais-valia,
o incremento da acumulação, o acréscimo da população trabalhadora ‘sobrante’,
são resultados que se combinam, através do crescimento da composição técnica e
orgânica do capital, com a queda da taxa de lucro para o conjunto do capital (...)”

“Esses resultados se produzem concomitantemente, com o que se explicita de modo


contundente a natureza contraditória da acumulação capitalista: o mesmo
processo que induz sua aceleração contínua (barateamento do capital constante,
elevação da taxa de mais-valia, etc.), determina uma alteração na estrutura interna
do capital, que redunda na tendência à queda da taxa de lucro. Assim, ‘o capital é
a própria contradição em processo, na medida em que a mesma lei que o compele a
uma valorização progressiva acaba determinando um estreitamento da base sobre
a qual se apoia esse processo de valorização’

CRISE EM KALECKI – focar no investimento, como em Keynes?

*Uma das principais preocupações de Keynes e Kalecki é a respeito da não utilização


plena do capital instalado e da força de trabalho. Ambos concluem que pela
insuficiência da demanda efetiva para absorver toda a produção que poderia ser criada
se os recursos disponíveis fossem plenamente utilizados: “O principal problema de uma
economia capitalista desenvolvida é a adequação da demanda efetiva. Tal economia
possui um equipamento de capital que mais ou menos se equipara à força de trabalho
existente e, portanto, poderia gerar uma bem mais elevada renda per capita se seus
recursos fossem plenamente utilizados. Isso, todavia, não é necessariamente o caso. De
fato, é claro para nós hoje em dia que o problema da subutilização de recursos é, em
certo sentido, inerente a uma economia capitalista desenvolvida.”

Além disso, em ambos autores, não há nenhum mecanismo que leve economias em
depressão à plena utilização da capacidade. Ou seja, é possível que economias
passem longos períodos em situações de baixo crescimento.

Mas, em Kalecki, por que não existe mercado, ou por que o nível da demanda não é
suficiente para absorver toda a produção que se poderia? A resposta está na despesa
dos capitalistas: seus gastos em consumo e em investimento são insuficientes, estão
aquém do nível da capacidade produtiva de que eles mesmos dispõem. Assim, esses
gastos assumem um papel fundamental na dinâmica das economias capitalistas,
principalmente em economias nas quais os governos são forçados a serem
superavitários.

Pelas equações da renda nacional, a partir do esquema de três departamentos de


Kalecki, tem-se que

P + W = I + Cc + Cw,
e se os trabalhadores usam toda sua renda para consumir, então

P = I + Cc.

Conforme Kalecki, “Considerada nesse contexto geral, a equação (1) permite afirmar
que – dada a distribuição da renda entre lucros e salários nos três departamentos – o
investimento e o consumo capitalista determinam o lucro e a renda nacional (...) Assim,
a renda (ou produto) nacional que se pode vender e os lucros P que se podem realizar
são determinados, em qualquer circunstância, pelo nível de investimento I e pelo
consumo Cc dos capitalistas (dada a distribuição de renda).

A função de investimento mais conhecida de Kalecki é

I = aS + b.deltaP – c.deltaK + B,

sendo S a poupança pessoal dos grupos que detém o controle das firmas, deltaP é a
variação do lucro (associado ao financiamento e ao risco crescente, ou seja, quanto
maior o empréstimo em relação ao capital da empresa, maior é o risco que ela corre de
ter prejuízos, na hipótese de haver uma queda na taxa de lucro) e deltaK é o estoque de
capital, variável que representa o princípio do ajustamento do estoque de capital”,
desenvolvimento do “princípio da aceleração”.

CRISE EM KEYNES

Conforme foi dito acima, uma das principais preocupações de Keynes era mostrar a
possibilidade do desemprego involuntário, em contraposição a teoria neoclássica, que
excluía essa possibilidade (Chick, p. 82). No esquema teórico de Keynes (na Teoria
Geral), o investimento também desempenha papel fundamental na explicação dos ciclos
econômicos – Keynes afirma que em um sistema complexo é comum se considerar
como causa causans o fator com maior propensão a flutuações repentinas e longas1.
Conforme ele explica no capítulo 22 (Notas sobre o ciclo econômico): “para explicar a
‘crise’, temos enfatizado que a taxa de juros tende a subir sob o efeito de maior
demanda de moeda, tanto para fins de transações correntes como para fins
especulativos. Algumas vezes este fator pode, certamente, representar um papel de
agravamento e talvez, ocasionalmente, de desencadeamento. Creio que a explicação
mais normal, e por vezes a essencial, da crise não é primordialmente uma alta taxa de
juros, mas um repentino colapso da eficiência marginal do capital”.

Keynes define a eficiência marginal do capital como “a renda esperada de um bem de


capital e seu preço de oferta ou custo de reposição, isto é, a relação entre a renda
esperada de uma unidade adicional daquele tipo de capital e seu custo de produção”.
Posteriormente, Keynes afirma: “Mais precisamente, defino a eficiência marginal do
capital como sendo a taxa de desconto que tornaria o valor presente do fluxo de
1
“More comprehensively, aggregate output depends on the propensity to hoard, on the policy of the
monetary authority as it affects the quantity of money, on the state of confidence concerning the
prospective yield of capital-assets, on the propensity to spend and on the social factors which influence
the level of the money-wage. But of these several factors it is those which determine the rate of
investment which are most unreliable, since it is they which are influenced by our views of the future
about which we know so little” (Keynes, 1937).
anuidades das rendas esperadas desse capital, durante toda a sua existência,
exatamente igual ao seu preço de oferta. Isto nos dá as eficiências marginais dos
diferentes tipos de bens de capital. A mais alta destas eficiências marginais pode,
então, ser considerada a eficiência marginal do capital em geral (...) O investimento
vai variar até aquele ponto da curva da demanda de investimento em que a eficiência
marginal do capital em geral é igual à taxa de juros do mercado”.

Assim, os principais determinantes da eficiência marginal do capital são a renda


esperada (determinada pelas expectativas de longo prazo, sujeitas a variações – isso
“que torna a eficiência marginal do capital sujeita a certas flutuações violentas que
explicam o ciclo econômico” e pelo estoque de capital existente) e pela taxa de juros
(determinada pela preferência pela liquidez), que traz os valores futuros a valores
presentes.

Para Keynes, a crise (cíclica) se explica por conta da queda da eficiência marginal do
capital causada pela queda da confiança dos empresários. A queda da confiança
aumentaria a preferência pela liquidez dos agentes, aumentando a taxa de juros. Nesse
cenário, os empresários teriam poucos motivos para continuar aumentando seus
investimentos, impactando negativamente a renda e o emprego.

Para Kalecki, a retórica do “estado de confiança” seria apenas uma forma de evitar que
o Estado incorresse em déficits orçamentários (sob justificativa da doutrina da “finança
sadia”) em períodos de desemprego, o que impediria que os trabalhadores ganhassem
poder de barganha, mantendo o chão de fábrica controlado.

Ademais, Keynes põe grande ênfase na confiança e nas expectativas para explicar um
eventual colapso da eficiência marginal do capital. No entanto, na medida em que esses
fatores são exógenos, no arcabouço teórico da Teoria Geral as crises seriam, em alguma
medida, fenômenos exógenos ao sistema capitalista.

CRISE EM MINSKY

*Pedrosa

“Hyman Minsky contribuiu para a elaboração de uma teoria dos ciclos econômicos, ao
chamar a atenção para o impacto que as decisões de financiamento das posições ativas
dos agentes têm para a dinâmica econômica. O principal legado de Minsky é a
construção de um aparato teórico em que a moeda e as finanças encontram-se no
centro da dinâmica e do ciclo da economia capitalista (LAVOIE; SECCARECCIA,
2001), lançando luz sobre como se dão as inter-relações entre os aspectos reais e
financeiros da economia capitalista (MINSKY, 1982, p. 4). Minsky não só coloca as
finanças no centro da sua teoria sobre a dinâmica capitalista, mas, ao construir o
chamado paradigma de Wall Street, busca mostrar o caráter endógeno das crises
financeiras, ressaltando que a instabilidade surge das condições de estabilidade.

“O paradigma de Wall Street de Minsky depende de uma formulação que se apoia em


três aspectos (amplos) cruciais de Keynes: a existência de incerteza fundamental; a
teoria da preferência pela liquidez; e o princípio da demanda efetiva. A existência de
incerteza fundamental contribui para a instabilidade do sistema. O fato de que os
agentes compram ativos no presente para auferir rendimentos (muitas vezes incertos)
futuros torna a dimensão do tempo essencial. Além disso, a preferência pela liquidez,
que aparece como uma teoria da alocação da riqueza financeira, condiciona e
constrange amplamente a esfera dos fluxos (atividade econômica) e do financiamento.

“O avanço de Minsky em relação a Keynes deve-se à ampliação da análise da teoria


do investimento e da preferência pela liquidez para a forma como os agentes
financiam suas posições ativas (MINSKY, 1975). Em sua teoria, os esquemas de
financiamento e o endividamento assumem papel fulcral. É o financiamento com
capital de terceiros que possibilita que as firmas invistam mais do que retêm de lucro,
permitindo, assim, um nível de investimento maior – e, assim, uma acumulação de
capital mais acelerada. Por outro lado, como o financiamento envolve um
compromisso contratual com outro agente, amplia-se a interconexão do sistema e
torna-se necessário ao tomador dos fundos comprometer parte do seu futuro fluxo de
caixa (incerto) para pagar ao emprestador, contribuindo para a existência de mais
uma fonte para distúrbios no sistema.

“A famosa hipótese de instabilidade financeira (HIF) de Minsky decorre da teoria do


investimento formulada por ele, que depende da interação dos fluxos de caixa
esperados, dos dois preços do investimento (de oferta e de demanda), dos riscos do
tomador e do emprestador. A partir dos desenvolvimentos dessa teoria de investimento
que culmina na HIF, gera-se uma teoria de ciclos financeiros endógenos, com fases
de crescimento econômico (decorrente do aumento do investimento), às custas de
crescente fragilidade financeira, estreitando em cada etapa do boom as condições
para que o sistema se mantenha estável” (Pedrosa).

*Lavoie

“For Minsky, instability and the rising fragility of the financial system are inherent
features of an unregulated capitalist economy. Part of this destabilizing stability is tied
to financial innovations, which will be introduced or expanded when things go well”

*Crotty sobre investimento

“In neoclassical theories such as Tobin's theory ‘q’ and in Minsky's theory of financial
fragility, a lower profit rate and higher leverage are associated with less
investment, not more. However, the description of firms investing in response to
severe competitive pressure reminded me of Marx's references in Capital to
"coerced" investment and his explanation of how competitive pressure
"compelled" firms to ‘Accumulate, Accumulate!’ (…) Unfortunately, most
formulations of Marx's theory of accumulation accept the proposition that a falling
profit rate inevitably lowers investment. What was needed, it seemed to me, was a
reformulation of Marx's theory of competition which could address the question of
whether ‘Accumulate, Accumulate!’ is indeed a universal imperative and, if not, to
establish the conditions under which competitive pressure can simultaneously reduce
the profit rate and raise cost-cutting investment.”
“These assumptions (crescimento das firmas como objetivo primordial, irreversibilidade
do investimento e da acumulação de dívida, e expectativas) provide the foundation for
the Keynesian-Minskian components of Marxian investment theory. Given Keynesian
financial markets and the managerial firm's growth-safety objectives, it is the
combination of the assumptions of illiquid capital and the unknowability of the
future that profoundly affects the character of investment theory.

“The core ideas of the growth-safety tradeoff investment model can be expressed
succinctly. Management seeks growth (best thought of as a composite variable
positively influenced by firm size or market share and expected profits) and safety (a
variable inversely related to the likelihood that management's autonomy and/or the
firm's survival will be threatened by shareholders or creditors). Both growth and safety
are functions of investment. Growth requires capital accumulation but investment
spending must be financed. Internal funding and stock floatation create implicit future
cash-flow commitments to shareholders while debt funding creates explicit cash-flow
commitments to creditors. If these commitments cannot be met out of the future
operating profits generated by the invested capital, management's autonomy will be
threatened. However, while financing commitments, especially to creditors, are
relatively certain, expected profits are not: investment in illiquid capital is both
necessary for growth and dangerous to management and the firm. At the margin (as is
formally demonstrated in Crotty and Goldstein 1989), higher growth is associated
with decreased safety, and vice-versa: there is a growth-safety tradeoff.

“Firms will seek a level of investment that achieves an "optimal" balance between
growth and safety. Therefore, investment will be affected by: (1) management's
preference for growth versus safety and (2) those variables, objective and
subjective, that affect the relation between expected growth and safety and the
investment decision. For example, the expected profit rate has a powerful influence on
investment because a higher profit rate will, by increasing profits per unit of investment
(growth) and by raising expected profit flows relative to cash flow commitments to
owners and creditors (safety), simultaneously raise both the growth and safety levels
associated with every prospective level of investment. On the other hand, increased
leverage and higher interest rates will depress investment because they make every level
of investment more dangerous. Ceteris paribus, a managerial preference for growth
relative to safety, a high profit rate, financial robustness, low interest rates and minimal
uncertainty stimulate investment, and conversely. Note in particular that, ceteris paribus,
a rise in competitive pressure will decrease investment by lowering the profit rate and
increasing uncertainty.

“But it must be stressed that a Marxian financial oversensitivity theory, as reflected


in the growth-safety tradeoff model, must be an integral component of a Marxian
theory of investment. Optimistic expectations, confidence in the meaningfulness of
forecasts, managerial stress on growth rather than safety, and a robust financial structure
contribute to a rapid rate of accumulation, while financial fragility, pessimistic
expectations, shattered confidence in the ability to forecast, and an obsession with safety
will severely depress investment. And for Marx, the effect of these variables on
accumulation is conditioned by the mode and intensity of competition.
“Two distinct competitive regimes are defined: a corespective regime characterized by
fraternal competition and an anarchic regime characterized by uncontrolled, fratricidal
competition. In a corespective regime the basic growth-safety model operates and the
investment decision is not ‘coerced’. Anarchic competition, on the other hand, severely
limits firm choice: here the firm is coerced into adopting investment policies that would
never be adopted in a corespective regime.”

a) Investment theory in a corespective competitive regime: “Corespective


competition is orderly and limited to those actions that do not threaten total industry
profits (…)

“In a corespective regime, firms will have high profits (compared to fratricidal
competition) and reasonable protection from dysfunctional (as opposed to profit-
augmenting) technical change. With competition held within well understood
guidelines, uncertainty will be minimized. Thus, corespective relations permit the
firm a wide range of choice of strategies and bureaucratic structures: this is not a
coercive environment. In particular, the firm has the resources and the security
needed to adopt an efficient long-term strategy.

“In a corespective world, investment theory is adequately represented by an


unrestricted growth-safety tradeoff model. Management will select an investment
trajectory designed to produce high expected growth while preserving firm safety and
managerial autonomy. Thus, in a corespective regime Marxian investment theory
will reflect the insights of Keynes and Minsky.

“More intense competition within a corespective regime will, by lowering expected


profits and raising uncertainty, cause a deterioration in the growth-safety combinations
available to the firm. Ceteris paribus, more intense competition means less
investment. However, should the intensity of competition reach a point where the firm
cannot generate even minimally acceptable growth-safety results under its current
structures and strategy, it will force a strategy change and thereby cause a shift in
the investment function. Once anarchic competition erupts, the unconstrained growth-
safety tradeoff model is no longer applicable.”

b) Investment in an Anarchic Regime: Regime Shifts and Strategic Change: “An


outbreak of fratricidal competition will dramatically alter the firm's environment. With
no collective industry structure to control them, the stronger firms will try to destroy the
weaker firms and then, perhaps, each other. New capital-embodied technology may be
adopted it even if it creates or reinforces a tendency toward uncontrolled technological
competition and financial chaos in the industry. Fratricidal competition generates a
capital deepening mode of accumulation.

“An outbreak of anarchic competition, therefore, will dramatically worsen the


growth-safety tradeoff. Investment will have a lower expected return, while
decreased cash flows will raise the level of financial insecurity for any given degree
of leverage. Moreover, with competition uncontrolled, there will be a dramatic
increase in uncertainty which may cause management to lower the degree of leverage
it is willing to tolerate just as leverage is, in fact, rising. With lower profits, higher
uncertainty, greater financial fragility, and increased managerial emphasis on safety,
investment spending would collapse in a Keynes-Minsky model because the firm is
permitted an unconstrained or uncoerced growth-safety ‘choice’. When the growth-
safety tradeoff is unattractive, the firm will choose to shrink or even go out of business.

“When the eruption of fratricidal competition threatens decline or death under


its current strategy, the Marxian firm will be forced to change it, no matter how risky
this might be in the long run. (…) Thus, a change in the mode of competition from
corespective to anarchic will coerce the firm into a strategy shift. And a change in
strategy means a shift in the investment function: a coercive invest-or-die model
replaces the ‘free choice’ of the unconstrained growth-safety tradeoff.

c) Coerced investment in an anarchic regime: invest or die once again: “Since the
qualitative increase in competitive pressure associated with the regime shift causes
the destruction of the corespective model, we can no longer automatically assert that
more competition means less investment. Of course, it may. The firm may judge
that the environment is so bleak that marginalization or bankruptcy is inevitable; selling
the enterprise as a whole or in pieces may be the best strategy available.
But then again it may not. Faced with the possibility of disaster under a status quo
strategy, management may decide to seek reproduction by becoming more
aggressive, by undertaking strategies and investment policies that it previously rejected
as too disruptive and risky.

“The strategic options available depend on industry conditions at the time of the regime
shift. They all involve substantial investment spending that must be debt financed
because profits are shrinking.

“More to the point, the firm may also undertake major new investment projects
designed to lower costs of production through labor substitution and enhanced
labor productivity, projects that must be debt financed because of low or even
negative profits. The assault on labor and the increase in cost-cutting investment are
complementary. Weak unions and frightened workers may be necessary
preconditions for the implementation of labor-saving, job-reorganizing investment
projects. Management may have to establish a new set of labor relations in order to
create cost-reducing investment opportunities that did not exist under the capital-labor
relations of the previous strategy. In accordance with Marx's theory of the reserve
army, the conditions that give rise to this shift in strategy also raise the likelihood
of its success. As many firms undertake labor-saving investment, unemployment will
rise, workers will become less militant, and unions will weaken.”

“Thus, a rise in competitive intensity in an era of stagnant growth that triggers a


switch in strategy can induce ‘coercive’, capital-deepening investment spending.
Faced, in the extreme case, with an ‘invest or die’ situation, some firms will invest
aggressively. The composition of investment will shift dramatically: capital
deepening investment will rise while capital widening investment, which responds
positively to expected profits and market growth, will decline.”

“Abstract analysis alone cannot tell us whether total investment will rise or fall.
But it can tell us that neoclassical and Keynesian theories are blind to one of the most
powerful influences on investment spending in an era of fratricidal competitive
struggle. Since the neoclassical firm in particular was already optimizing, already cost-
minimizing before the rise in competitive intensity, it has no other strategy to turn to.”

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