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Macroeconomia

Material Teórico
A Teoria Kaleckiana

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Esp. Valdécio Silvério Bezerra

Revisão Textual:
Profa. Ms. Fátima Furlan
A Teoria Kaleckiana

• Contextualização da sua Obra


• O Modelo Básico de Kalecki
• A Estratégia de Crescimento da Economia
• O Princípio da Demanda Efetiva
• O Ciclo de Negócios na Macroeconomia
• Diferenças e Semelhanças entre Kalecki e Keynes
• Pontos Problemáticos no Modelo Kaleckiano

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Expor ao aluno os fatores que propiciaram o desenvolvimento
teórico elaborado por Kalecki e qual o seu modelo básico. Assegurar
ao aluno o entendimento do conceito de demanda efetiva, ciclo de
negócios e outros conceitos deste autor. Mostrar ao aluno quais são
as diferenças e semelhanças teóricas entre Kalecki e Keynes, assim
como os pontos problemáticos, destacados por alguns autores, do
modelo kaleckiano.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como o seu “momento do estudo”.

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo.

No material de cada Unidade, há leituras indicadas, dentre elas: artigos científicos, livros, vídeos e
sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também
encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados.

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão,
pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato
com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem.
UNIDADE A Teoria Kaleckiana

Contextualização
A contribuição de Kalecki é importante e transcende o fato que antecipou
Keynes em alguns aspectos, o que é superdimensionado por seus admiradores.
Para os dois, a determinação do nível de demanda efetiva depende do nível
de investimento.

A diferença reside nos estímulos ao investimento. Um aspecto interessante em


alguns modelos de Kalecki é que ele introduz, explicitamente, a distribuição de
renda, como fizeram Malthus, Ricardo, Stuart Mill e Marx.

Mas, afinal, o que separa Keynes de Kalecki? Nada mais simples: Keynes trabalhou
para salvar o capitalismo; Kalecki, para provar que ele não pode ser salvo!

O realmente importante é que, para ambos, o maior pecado de uma organização


social é ser incapaz de proporcionar emprego para todos que querem e podem
trabalhar, oferecendo-lhes salários decentes proporcionais às suas habilidades e
bastante para dar-lhes identidade e recepcioná-los na cidadania.

Ambos sabiam que o nível de atividade da economia, enquanto existem fatores


de produção disponíveis, é função da demanda efetiva, cujo nível, por sua vez,
depende, fundamentalmente, do volume do investimento (público + privado).

Para Keynes, o investimento privado é função do “espírito animal” do empresário.


Se estiver desativado, o governo pode emitir dívida pública, capturar a poupança
privada e investi-la em projetos de infraestrutura que terão efeitos duradouros sobre
a produtividade do sistema. Acabarão modificando a “expectativa” dos empresários
e levando-os a voltar a investir, recuperando a renda e o emprego.

Num famoso e revelador artigo de 1943, “Political aspects of full employment”,


Kalecki, implicitamente, considerou ingênuo o argumento anterior. Afirma que a
“hipótese de que um governo manterá o pleno emprego numa economia capitalista,
mesmo se soubesse como fazê-lo, é uma falácia”, por três motivos.

Os empresários: 1. “Se oporão ao pleno emprego produzido pelo governo,


porque isso amplia a área de sua intervenção”. 2. “Não apreciam os investimentos
públicos e são contra os subsídios ao consumo” e, principalmente, 3. “Não gostam
das consequências do pleno emprego, porque ele destrói o instrumento que
disciplina o trabalhador: o desemprego”.

Logo, pleno emprego e capitalismo se excluem. Se desejarmos o primeiro, temos


de acabar com o segundo. O fato é que Kalecki, no auge do seu prestígio intelectual e
poder (1955-1965), e seus modelos não produziram o desenvolvimento da Polônia.

Apenas o mesmo “pleno emprego” com baixa produtividade que parasitou todo
o socialismo “real” e custou a liberdade de duas gerações de poloneses.
Explor

Delfim Netto — https://goo.gl/rnOO9F

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Contextualização da sua obra
Michal Kalecki nasceu em Lodz, Polônia,
em 22 de junho de 1899. Estudou na Escola
Politécnica de Varsóvia e depois na de
Gdanski, mas não chegou a graduar-se. Seu
primeiro título acadêmico foi obtido aos 57
anos de idade, já era internacionalmente re-
conhecido, quando o governo polonês o no-
meou professor universitário; e em 1964 a
Universidade de Varsóvia lhe conferiu o títu-
lo de doutor honoris causa. Foi um autodi-
data. Em sua formação como economista,
recebeu profunda influência das obras de
Marx e de outros autores marxistas.

Seu primeiro emprego como economista


foi no Instituto de Pesquisa de Conjuntura e
Preços, de Varsóvia, em 1927. Em 1935,
quando já tinha publicado seu estudo
Michal Kalecki (1899 – 1970)
inovador em teoria dos ciclos econômicos,
Fonte: Commons.Wikimedia.org
viajou para a Suécia com uma bolsa de
estudos. No ano seguinte, mudou-se para a Inglaterra, onde trabalhou na Escola
de Economia de Londres e depois na Universidade de Cambridge (1937/39) e no
Instituto de Estatística da Universidade de Oxford (1940/45). Terminada a Segunda
Guerra Mundial, Kalecki prestou serviços durante algum tempo para a Organização
Internacional do Trabalho e para o Governo polonês. Daí foi para o departamento
econômico do Secretariado da ONU, onde ficou até 1954. Retornando à
Polônia, ocupou diversos cargos: diretor de pesquisas no departamento de
ciências econômicas da Academia Polonesa de Ciências (1955/56), presidente
da Comissão de Planejamento de Longo Prazo (1957/60), vice-presidente do
Conselho Econômico do Estado (1957/63), e também, ao longo de todo esse
tempo (isto é, de 1956 a 1969), professor na Escola Central de Planificação e
Estatística. Kalecki morreu em Varsóvia no dia 17 de abril de 1970.

Seus trabalhos podem ser separados em três grupos: os que tratam sobre as
economias capitalistas desenvolvidas; sobre as economias subdesenvolvidas e sobre
as economias socialistas.

Antes de surgir a Teoria Geral de Keynes, Kalecki já havia publicado, em


polonês, três estudos que constituíram, em conjunto, a primeira formulação precisa
e sistemática do papel da demanda efetiva no processo de reprodução capitalista.
Nesses estudos pode-se constatar claramente a influência de Marx, Tugan-
Baranovski e Rosa Luxemburgo, como o próprio Kalecki o reconhece. E a partir
deles Kalecki foi ampliando e aprimorando suas concepções, que culminaram com
a publicação de sua Teoria da Dinâmica Econômica em 1954.

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UNIDADE A Teoria Kaleckiana

Apesar de sua formação marxista e da originalidade de suas concepções, que


precederam o aparecimento da Teoria Geral de Keynes, durante muito tempo
Kalecki foi identificado como um “keynesiano”. Na verdade, aconteceu o contrário:
foi ele quem introduziu diversas ideias que depois foram adotadas pela chamada
“Economia Keynesiana”; como escreveu Joan Robinson: “Poucos da atual geração
de ‘keynesianos’ param para indagar quanto eles devem a Kalecki e quanto
realmente a Keynes”. A partir da segunda metade da década de 1950 — e graças
à divulgação feita, entre outros, por Joan Robinson, Paul Baran, Paul Sweezy e
Lawrence Klein — a originalidade das ideias de Kalecki e sua formação marxista
começaram a ser mais conhecidas.

Muitos economistas marxistas passaram a perceber que a obra de Kalecki sobre


as economias capitalistas, embora desprovida do vocabulário marxista tradicional
e com todo o estilo formal e as expressões matemáticas, constituía um desenvolvi-
mento do velho “problema da realização”.

Problema da realização: se relacionava a necessidade de vender o produto produzido para


Explor

transformar a mais valia de sua forma trabalho, por meio de forma mercadoria, em lucro,
sua forma dinheiro.

“A grande crise econômica de 1929/33 exerceu uma influência decisiva


sobre as preocupações teóricas de Kalecki. Em 1933 ele publicou ‘Esboço
de uma Teoria do Ciclo Econômico’, que se tornou um dos seus trabalhos
mais famosos, e dessa época até o fim de sua vida ele se empenhou
em estudar os problemas da dinâmica (flutuações cíclicas e mudanças de
longo prazo) das economias capitalistas.” (KALECKI, p. 7, 1977).

O Modelo Básico de Kalecki


O início das análises da Kalecki tem como base os esquemas de reprodução
de Marx. No entanto, enquanto Marx divide o sistema econômico em dois
departamentos: um de bens de produção (bens de capital) e um de bens de
consumo. Kalecki divide o sistema em três, isso porque o departamento de bens
de consumo é dividido em bens de consumo dos trabalhadores e bens de consumo
dos capitalistas. Assim temos:

Departamento I  produtor de bens de capital;

Departamento II  produtor de bens de consumo para os capitalistas; e

Departamento III  produtor de bens de consumo para os trabalhadores.

A segunda diferença entre os esquemas de Marx e Kalecki está no fato de que


para Marx a produção é vista como valor, dividindo-se em capital constante, capital

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variável e mais-valia, para Kalecki o esquema de produção de cada departamento é
avaliado em termos de preço e não de valor. Distribuindo-se nas categorias de lucros
e salários. O produto final de cada departamento já é o próprio valor adicionado de
cada departamento.

Vejamos esse modelo supondo uma economia fechada e sem governo:

Y=P+W

Y = renda bruta; P = lucros e W = salários.


Como o produto bruto é decomposto na produção dos departamentos?
O Departamento I (DI) corresponde ao investimento (I) da economia;
O Departamento II (DII) corresponde ao consumo dos capitalistas (CK).
O Departamento III (DIII) corresponde ao consumo dos trabalhadores (CW)

Em cada departamento o valor da produção divide-se em lucros e salários


pagos, veja:

I = P1 + W1

CK = P2 + W2

CW = P3 + W3

Podemos escrever então:

Y = I + CK + CW ou Y = P + W ( 1 )

Para Kalecki, a hipótese é que os trabalhadores gastam tudo o que recebem,


dessa forma a poupança dos trabalhadores é igual a zero.

W – CW = SW ou seja, SW = 0, assim W = CW

Já a poupança dos capitalistas (SK) é obtida subtraindo-se o total de lucro do


consumo dos capitalistas.

SK = P – CK

Como a poupança total (S) é igual a SW + SK, e a poupança dos trabalhadores é


igual a zero, concluímos que:

S = SK

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UNIDADE A Teoria Kaleckiana

Reproduzindo a equação (1) temos:

Y + W + P = I + CK + CW

Como os trabalhadores gastam todo o salário com consumo, ou seja: W = CW,


deduzimos então que:

CW + P = I + CK + CW, portanto: P = I + CK

Subtraindo-se CK de ambos os lados chegamos a seguinte conclusão:

P – CK = I

Então:

S=I

Da mesma forma que no caso keynesiano, a poupança não representa um en-


trave ao investimento. Isso porque a qualquer investimento realizado corresponde-
rá uma poupança de igual valor, o que isso quer dizer?

Que o investimento gerará poupança para financiá-lo:

Importante! Importante!

A teoria kaleckiana, ao mesmo tempo que é uma teoria de determinação da renda, é


uma teoria de distribuição, diferentemente de Keynes

A Estratégia de Crescimento da Economia


Estudaremos agora como Kalecki imaginava uma estratégia de crescimento para
uma economia em desenvolvimento. É um exercício mais ou menos especulativo,
pois o autor nunca formulou uma proposta específica. Apesar disso, quando
discutiu os problemas das economias em desenvolvimento, e mais ainda quando
atuou como consultor convidado, ele forneceu muitas pistas de como imaginava
uma estratégia econômica.

Dessa forma priorizaremos uma economia subdesenvolvida semi-industrializada,


isso porque nos possibilitará combinar três linhas teóricas desenvolvidas por Kalecki,
que são: a dinâmica do capitalismo monopolista, o crescimento sob o socialismo
e a teoria e prática do planejamento do desenvolvimento em economias
mistas (economias de mercado onde participam tanto o setor privado como o
setor público).

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Kalecki deu mais atenção aos estudos teóricos e aplicados às economias
semi-industrializadas justamente por ocuparem um lugar intermediário entre as
economias de capitalismo avançado e as economias realmente subdesenvolvidas.

Duas características destacam-se nas economias subdesenvolvidas:

Primeiro: não é possível eliminar o desemprego no curto e médio prazo, mesmo


que estas utilizem plenamente todos os seus bens de capital.

Segundo: nessas economias a elasticidade renda da demanda por alimentos é


alta, por outro lado a elasticidade oferta agrícola é baixa, provocados pelos fatores
técnicos e institucionais. Essa relação provoca fortes pressões inflacionárias ou
déficits externos ou ambos quando a renda per capita aumenta.

O que viabilizaria uma taxa elevada e sustentada de crescimento da produção


para as economias mistas? Para Kalecki três condições precisavam ser preenchidas:
a) controle do comércio exterior e do financiamento externo,
b) controle dos investimentos privados a fim de evitar projetos indesejáveis e
prontidão do Estado para levar a efeito projetos prioritários, e
c) estabilidade de preços, exceto para correções de alterações nas relações
de troca.

Em decorrência da existência de capacidade ociosa, no curto prazo supõe-


se que nas economias semi-industrializadas o produto final poderia crescer
significativamente. Para que isso ocorresse, em primeiro lugar a demanda efetiva
precisaria crescer.

Kalecki destacou três maneiras de se obter o crescimento suficiente da demanda


(interna) para assegurar o pleno emprego, tanto da força de trabalho como dos
bens de capital, isso para as economias capitalistas avançadas:
· Através de gastos governamentais em investimento público ou subsídios
para o consumo de massa desde que esses gastos sejam financiados pelo
déficit orçamentário;
· Estimulando os investimentos privados;
· Redistribuindo renda das classes altas para as classes de baixa renda.

Em suma, podemos concluir que, na visão de Kalecki, a demanda efetiva deveria


ser estimulada com base em uma elevação dos gastos públicos, financiada por
impostos sobre os lucros. Além disso, o investimento público deveria ser planejado
de tal modo que sempre que faltassem os investimentos privados, o governo viesse
em socorro, para que o investimento total pudesse alcançar o nível desejável.
Simultaneamente, os gastos governamentais deveriam subsidiar os grupos de
baixa renda.

Quanto ao crescimento de longo prazo, segundo Kalecki, o problema crucial


para a economia subdesenvolvida era aumentar a taxa de acumulação.

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UNIDADE A Teoria Kaleckiana

Kalecki tinha como referência economias com abundância de mão de obra,


sua referência era uma economia socialista, mas sua visão pode ser aplicada às
economias mistas.

O modelo proposto por Kalecki é bem simples: digamos que i seja a taxa
(bruta) de investimento e k a relação técnica capital-produto (ou seja, o número de
unidades de capital efetivamente em uso, necessário para produzir uma unidade
de produto final). A taxa de depreciação seria d e u a taxa extra de crescimento
da produção anual que o país poderia obter se aperfeiçoasse os bens de capital
existentes (expressamos i, u e d como proporções do PIB).

Representamos por r a taxa de crescimento da capacidade produtiva, o modelo


de crescimento de longo prazo seria representado como segue:

i
r= +u−d
k

Com base nessa equação, deduzimos que a capacidade produtiva crescerá


somente se a parcela de investimentos aumentar, dados k, u e d. parâmetros, que
segundo Kalecki, um país pode modificar com medidas de política econômica.
Assim, é possível aumentar u usando mais (e melhor) os bens de capital. Além
disso, é possível reduzir d alongando a vida útil dos bens de capital. Finalmente, é
possível reduzir a relação capital-produto k recorrendo a técnicas mais intensivas
de mão-de-obra.

Podemos deduzir que para Kalecki, canalizar adequadamente os investimentos


ou realizá-los com tecnologias apropriadas pode ser tão importante quanto acelerar
seu crescimento.

O Princípio da Demanda Efetiva


Trata-se de um princípio da demanda efetiva (PDE), justamente por antecipar,
ser anterior à formulação de teorias macroeconômicas, tanto por sua generalidade
(uma crítica à “Lei de Say”), quanto por sua essencialidade (por estabelecer as
relações básicas de determinação da Macroeconomia).

A proposta de demanda efetiva de Kalecki é essencialmente idêntica a de


Keynes. Sendo que Kalecki destaca sua preocupação com a distribuição de renda
sobre a demanda agregada.
Na teoria da demanda efetiva parte-se da premissa de que em uma
economia mercantil, como a capitalista, se produz com o propósito de
realizar as mercadorias – isto é, vende-las pelo seu preço de produção –
e com isso obter o lucro que elas contêm. Por essa razão é o mercado
quem determina os níveis de atividade econômica (produto, emprego,
lucros e salários). O limite último de tais níveis, obviamente, está fixado no

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curto prazo, pela amplitude das capacidades produtivas existentes. O que
importa, entretanto, é que o nível concreto de atividade econômica [...] é
definido pelo mercado, isto é, pela demanda efetiva. Há que considerar,
ademais, que no capitalismo desenvolvido a demanda é normalmente,
inferior ao produto que, potencialmente, ´poderia gerar-se. Assim o
comum é que exista sempre uma capacidade produtiva ociosa, o que
permite que a oferta tenha alguma elasticidade mesmo no curto prazo. Em
outras palavras, quando a demanda excede a oferta, a produção aumenta;
por outro lado, quando a demanda é inferior à oferta, a produção diminui.
(GALLARDO, p. 59, 1986)

Em síntese, numa dada economia mercantil — e, portanto monetária, onde


o dinheiro cumpre todas as suas funções (meio de circulação, unidade de conta,
meio de pagamento) —, em toda transação de compra e venda existe apenas
uma decisão autônoma: a de gastar. Em consequência, todo gasto determina uma
receita de igual magnitude. Por agregação, o total do gasto em um dado período
contábil é sempre igual e determina o total da receita.

Para Kalecki, a determinação do consumo diretamente pela distribuição de


renda é a primeira diferença importante em relação ao Keynes dominante na
Teoria Geral.

A segunda diferença relevante diz respeito à concepção dos mercados e, a


partir daí, aos tipos de retornos vigentes e ao processo de formação de preços.
Enquanto Keynes mantém os pressupostos neoclássicos da concorrência perfeita
e dos retornos decrescentes, Kalecki trabalha com a hipótese de diversidade das
estruturas produtivas, contemplando aquelas caracterizadas pela concorrência
imperfeita e, desse modo, pela formação de estruturas monopolistas e oligopolistas.

POSSAS, Mário Luiz. Demanda Efetiva, investimento e dinâmica: a atualidade de Kalecki


Explor

para a teoria macroeconômica. Revista de Economia Contemporânea, Rio de Janeiro,


Brasil, v. 3, n.2, p. 17-46, 1999
Demanda efetiva, investimento e dinâmica a atualidade de kalecki para a teoria
macroeconômica
https://goo.gl/69tCNK

O Ciclo de Negócios na Macroeconomia


As crises cíclicas têm sido um fenômeno comum na economia capitalista e são
muitas as tentativas de explicar e identificar esses ciclos.

Kalecki foi um dos principais colaboradores na busca de análise dinâmica


da macroeconomia, onde diferentes variáveis em um modelo são definidas em
períodos distintos.

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UNIDADE A Teoria Kaleckiana

Contrariando a ortodoxia econômica de seu tempo, que usava modelos estáticos


para buscar soluções de equilíbrio, Kalecki primava pelos modelos dinâmicos.

Mesmo hoje, o conceito de ciclo de negócios Kaleckiano é uma das teorias


mais negligenciadas pelas escolas do pensamento econômico porque sintetiza uma
instabilidade dinâmica intrínseca da economia mundial, em longo prazo, como
resultado do que denominou duplo caráter de investimento.

Kalecki e Schumpeter abordam o fenômeno dos ciclos de negócios de forma


diferente, mas tem no cerne algo em comum: Na visão de Kalecki, a inovação
tecnológica é um dos fatores determinantes para a decisão de investimento e o
investimento é a chave para justificar os ciclos de negócios.

Tendo como base estudos econométricos sobre o comportamento da taxa de


juros norte americana, Kalecki concluiu que as taxas de juros no curto prazo são
voláteis, no entanto, no longo prazo tem pouca oscilação, podendo assim ser
considerada estável ou constante.

Apesar de atribuir o ciclo de negócios a causas distintas, a visão de Kalecki e de


Schumpeter é muito próxima quanto ao entendimento que as inovações e rupturas
tecnológicas são os fatores relevantes para a formação do ciclo de negócios.

Para conhecer melhor Schumpeter leia o Livro:


Explor

SCHUMPETER, Joseph Alois. A Teoria do Desenvolvimento Econômico. São Paulo: Abril


Cultural, 1997.

Para Kalecki, o estimulo ao investimento é provocado pela concorrência entre


os capitalistas, cada um é levado a introduzir inovações tecnológicas e com isso
estimulado a investir. As inovações estão embutidas nos novos equipamentos
de capital.

Kalecki, em sua obra Teoria da Dinâmica Econômica, responde uma pergunta


que ele mesmo formulou, ou seja. “O que causa as crises periódicas? Poderia ser
respondida brevemente: É o fato de que o investimento não apenas é produzido,
mas também é produtor. O investimento considerado como despesa é a fonte de
prosperidade, e cada aumento dele melhoram os negócios e estimula uma posterior
elevação do investimento.”

Outro conceito importante elaborado por Kalecki é o que ele denominou de


princípio do risco crescente.

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Segundo esse princípio, quanto maior for o capital da empresa e seu tamanho,
mais facilidade esta terá de obter empréstimos, isso porque tem como oferecer
uma quantidade maior de garantias ao emprestador. Por dedução concluímos
que o tamanho da firma limita o tamanho dos investimentos que pode realizar.
Entretanto, dado o capital da empresa, o risco inerente a dado investimento será
tanto maior quanto maior o recurso a empréstimos, isto porque estes envolvem
pagamentos fixos (principal e juros) por parte das empresas. Assim, quanto maior
a alavancagem da empresa, maior o seu risco.

Alavancagem: termo usado no mercado financeiro para designar a obtenção de recursos


Explor

para realizar determinadas operações. Num sentido mais preciso, significa a relação entre
endividamento de longo prazo e o capital empregado por uma empresa. Assim, o quociente
Endividamento de Longo Prazo/Capital Total Empregado reflete o grau de alavancagem
aplicado. Quanto maior for o quociente, maior será o grau de alavancagem. SANDRONI, 1999

Diferenças e Semelhanças entre


Kalecki e Keynes
Vamos pontuar algumas discussões conceituais procurando relacionar aproxi-
mações e afastamentos entre esses dois grandes teóricos da economia, contempo-
râneos, mas separados pela linha ideológica com que elaboraram suas teorias que
tanto contribuíram e nos auxiliam nos estudos macroeconômicos.

John Maynard Keynes e Michal Kalecki, considerados os fundadores da teoria


da demanda efetiva, foram os primeiros a enfatizar o papel central do investimento
na determinação de demanda e do produto agregado, assim como do curso do
ciclo econômico.

Tanto Keynes quanto Kalecki notaram que as quedas dos salários nominais
provavelmente seriam acompanhadas de preços decrescentes.

No entanto, Kalecki criticou a teoria do investimento de Keynes alegando que


não levou em consideração a dinâmica necessária à determinação do investimento.

Em sua crítica à Teoria Geral, Kalecki escreveu:


O conceito de Keynes, que nos diz somente quão elevado deve ser o
investimento para que um certo desequilíbrio possa converter-se em
equilíbrio, encontra também uma séria dificuldade ao longo dessa trajetória.
De fato, o crescimento do investimento não resulta, de maneira nenhuma,
em um processo que leva o sistema na direção do equilíbrio. Assim, é

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UNIDADE A Teoria Kaleckiana

difícil considerar satisfatória a solução de Keynes para o problema do


investimento. A razão para esse fracasso encontra-se em uma abordagem
basicamente estática para uma questão dinâmica por natureza. (LIMA;
SICSÚ. p. 231, 2003)

Kalecki concorda com Keynes que o investimento somente ocorre se a taxa de


juros for menor do que a taxa de retorno. No entanto, para Keynes, a taxa de juros
representa o segundo fator decisivo e Kalecki simplesmente atribui-lhe um papel
secundário, por considerar que a taxa realmente relevante é de longo prazo, que
é relativamente estável por ser definida pela média das taxas de juros, recentes, de
curto prazo.

Embora Kalecki não tenha chegado a elaborar uma teoria do investimento tão
completa e sofisticada como a de Keynes, inclusive pela abrangência monetária e
financeira deste último, teve ao menos o mérito de formulá-la de modo diretamente
voltado para os seus efeitos dinâmicos. Em contrapartida, seu maior defeito em
comparação com Keynes é a ausência de um tratamento explícito das expectativas.
(POSSAS, p. 32, 1999)

Em comparação com a teoria de Keynes, as principais lacunas do modelo


de Kalecki seriam a ausência de tratamento da taxa de juros e da formação de
expectativas de longo prazo.

No modelo kaleckiano, a função consumo não tem importância, uma vez que
os investimentos determinam a atividade econômica, diferentemente de Keynes.

A determinação do consumo diretamente pela distribuição de renda é a primeira


diferença importante do que defende Kalecki em relação ao que é dominante na
Teoria Geral de Keynes.

Outra diferença relevante diz respeito à concepção dos mercados e, a partir daí,
aos tipos de retornos vigentes e ao processo de formação de preços. Enquanto
Keynes mantém os pressupostos neoclássicos da concorrência perfeita e dos
retornos decrescentes, Kalecki trabalha com a hipótese de diversidade das estruturas
produtivas, contemplando aquelas caracterizadas pela concorrência imperfeita e,
desse modo, pela formação de estruturas monopolistas e oligopolistas.

Podemos destacar também como distinção importante entre Keynes e Kalecki


a observação do fato de que o primeiro defende que a maneira fundamental de
estimular o emprego se resume em realizar maior volume de investimento. Pois
o modelo kaleckiano demonstra que a renda, antes de responder a qualquer lei
psicológica, é influenciada pela distribuição de renda. Com isso, surge a possibilidade
de se observar o aumento no volume de emprego envolvido na produção destinada
a atender um certo volume de gastos.

Segundo essa teoria, quanto maior a participação da remuneração do trabalho


na renda, maior será o multiplicador e maior a variação do produto dado o
investimento. Kalecki mostra a importância da distribuição no comportamento
dinâmico da economia.

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Pontos Problemáticos no
Modelo Kaleckiano
É indiscutivelmente valioso o legado teórico deixado pelos estudos desenvolvidos
por Kalecki como forma de consolidar a macroeconomia como um segmento da
economia de fundamental importância no contexto da compreensão estrutural das
diversas economias.

No entanto, alguns pontos defendidos ou não abordados em seus estudos têm


sido objeto de críticas e precisam passar por revisão. Vamos procurar destacar
alguns desses pontos passíveis de análises mais específicas, assim como um
incentivo a reflexão e estímulo ao seu posicionamento a respeito.

Procurando fomentar a reflexão e aprofundamento de pesquisa, vamos destacar


algumas críticas ao modelo kaleckiano que são mais recorrentes e importantes:
a) a ausência de tendências; b) o duplo papel atribuído às inversões de capital;
c) a ruptura confusa da poupança como elemento influenciador no processo
decisório do investimento e d) a falta de uma clara distinção entre taxa de juros e
taxa de lucro. Claro que existem outras críticas, mas vamos nos limitar a discutir
essas principais.

a) ausência de tendências
Em toda a sua obra, Kalecki não integra uma tendência às flutuações. Sua obra
se caracteriza pelo estudo das flutuações cíclicas e de seus determinantes. Não
discutir a tendência (crescimento) destas flutuações (ciclo), implica em aceitar que
independentemente do comportamento das flutuações, tem-se uma coisa dada que
é o retorno ao estágio original (o ciclo puro despreza a fase de expansão do ciclo).
Este raciocínio implica, por outro lado, em não admitir que a reprodução ampliada
seja tão inerente ao capitalismo quanto as flutuações o são. A reprodução ampliada
é vista pelo autor como resultado único do problema de demanda efetiva e como
um dos tantos casos possíveis.

b) o duplo papel atribuído às inversões de capital


O duplo papel que o autor atribui à inversão de capital (o princípio de
ajustamento do estoque de capital), no qual este gera lucros e amplia a massa de
capital pelo qual se define a taxa de lucros, é duvidosa e resulta da compreensão de
que o ciclo não comporta a expansão (CASTRO, 1979). Além disso, uma ampliação
do estoque de capital não necessariamente representa uma reação negativa, pode
também significar um estímulo quando investir ou não se torna uma questão
de sobrevivência.

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UNIDADE A Teoria Kaleckiana

c) a ruptura confusa da poupança como elemento influenciador no processo


decisório do investimento
A confusão teórica sobre a poupança atribui-se à necessidade de transparecer
uma ruptura teórica definitiva com os clássicos, que afirmavam ser a poupança
o único limite ao investimento. Esta ruptura procura enfatizar que o capitalista
(individual), no curto prazo, não precisa de poupança, mas de crédito. Contudo,
Kalecki tinha consciência de que a empresa não poderia investir infinitamente
baseado em capital de terceiros e conclui que no longo prazo a poupança
é fundamental.

A poupança (S) no modelo kaleckiano é só a poupança privada. Mas para um


modelo macroeconômico é necessário a poupança nacional que inclui a poupança
pública. No caso, se esta for negativa (G > T), a poupança macroeconômica se
diminui com a consequência que a formação de capital se diminui.

d) a falta de uma clara distinção entre taxa de juros e taxa de lucro. Claro
que existem outras críticas, mas vamos nos limitar a discutir essas principais.
Kalecki não faz distinção nítida entre a taxa de juros e taxa de lucros. Portanto,
não estabelece a diferença entre capital financeiro e capital industrial, o que leva a
pensar que o movimento relativo da taxa de juros e da taxa de lucros seja irrelevante
na determinação das flutuações econômicas (CASTRO,1979).

O retorno a Kalecki não deve ser, portanto, um simples aceno de reconhecimento


e justiça a um grande pensador econômico pouco difundido e precocemente
esquecido; mas um gesto de sobrevivência crítica, e, portanto científica, de uma
disciplina essencial para a vida social e para a ação pública no capitalismo, mas que
se esvai em perda de substância científica e falta de rumo ao mesmo tempo em que
se infla de saber convencional. (POSSAS, p. 23, 1999)

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Livros
O Capitalismo ainda é aquele
CASTRO, Antonio Barros de O capitalismo ainda é aquele. Rio de Janeiro:
Forense, 1979.
Michal Kalecki e a Teoria da Demanda Efetiva
GALLARDO. Julio López. Michal Kalecki e a teoria da demanda efetiva. São
Paulo: Revista de Economia Política v. 6, nº 3, jul/set, 1986
Macroeconomia do Emprego e da Renda: Keynes e o Keynesianismo
LIMA, Gilberto Tadeu; SICSÚ, João (orgs.). Macroeconomia do emprego e da
renda: Keynes e o keynesianismo, Barueri, SP: Manole, 2003.
Demanda Efetiva, Investimento e Dinâmica: a Atualidade de Kalecki para a Teoria Macroeconômica
POSSAS, Mário Luiz. Demanda Efetiva, investimento e dinâmica: a atualidade de
Kalecki para a teoria macroeconômica. Revista de Economia Contemporânea,
Rio de Janeiro, Brasil, v. 3, n.2, p. 17-46, 1999.
Novíssimo Dicionário de Economia
SANDRONI, Paulo. Novíssimo Dicionário de Economia. São Paulo: Ed. Best
Seller, 1999.
A Teoria do Desenvolvimento Econômico
SCHUMPETER, Joseph Alois. A Teoria do Desenvolvimento Econômico.
São Paulo: Abril Cultural, 1997.

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UNIDADE A Teoria Kaleckiana

Referências
LOPES, L. M.; VASCONCELLOS, M. A. S. Manual De Macroeconomia: Nível
Básico e Nível Intermediário. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2000

KALECKI, Michal. Teoria da dinâmica econômica: ensaio sobre as mudanças


cíclicas e a longo prazo da economia capitalista. São Paulo: Nova Cultural, 1977.

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