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Documentos de identidade: Uma introdução às teorias do currículo

A obra "Documentos de Identidade - Uma introdução as teorias do currículo"


escrita pelo autor Tomaz Tadeu da Silva e publicada em 2002, tem por objetivo
apresentar as teorias do currículo, refletindo a respeito delas no perpassar histórico
do desenvolvimento da educação.

A presente síntese da obra Documentos de Identidade - Uma introdução as


teorias do currículo" irá apontar as principais ideias do autor Tomaz Tadeu expostas
na Introdução - Teorias do currículo: O que é isto?, no capítulo II - Das Teorias
Tradicionais às Teorias Críticas e no IV capítulo - Depois das Teorias críticas e pós-
críticas.

Nesta introdução, Silva convida o leitor para reflexão e questionamento do


que pode ser considerado uma teoria e tem por objeto de estudo, o currículo. O
autor inicia com seguintes questionamentos do que seria uma teoria do currículo:

[...] "O que é uma teoria do currículo? Quando se pode dizer que se tem uma
"teoria do currículo"? Onde começa e como se desenvolve a história das teorias
do currículo? O que distingue uma "teoria do currículo" da teoria tradicional mais
ampla? Quais são as principais teorias do currículo? O que distingue as teorias
tradicionais das teorias críticas do currículo? E o que distingue as teorias críticas
do currículo? E o que distingue as teorias críticas do currículo das teorias pós-
críticas?" SILVA (2002, p. 11)

Tomaz inicia realizando definições simplificados do que poderia ser definido


por teoria, o autor diz que através da noção de teoria, cria-se suposições e por meio
delas é descoberto o real. De acordo com Silva (2002, p. 11), "A teoria é uma
representação, uma imagem, um reflexo, um signo de uma realidade que -
cronologicamente, ontologicamente - a precede." Partindo da premissa do tema
principal desta obra, o currículo é compreendido como um objeto que antecederia a
teoria, da qual entraria para explica-lo e descrevê-lo.

A partir da perspectiva do pós-estruturalismo, a teoria não pode ser vista


como algo separado da realidade, pois não seria o suficiente apenas uma descrição,
uma explicação da realidade, sem que seja refletido o contexto da qual está inserido.
Dessa forma, o autor constata que não faria sentido falar em teorias, mas sim em
discursos ou textos que irão possibilitar a construção sobre conceitos e não apenas
a representação de algo que já existe e que precisa ser descoberto e descrito.

Segundo Tomaz (2002, p. 12), “provavelmente o currículo aparece pela


primeira vez como um objeto específico de estudo e pesquisa nos Estados Unidos
dos anos vinte”, o autor ainda diz que os primeiros movimentos para este estudo e
pesquisa sofreram influência do desenvolvimento industrial e do Taylorismo, pois
necessitava-se a construção de um currículo tradicional, baseado nos meios de
produção e na dinâmica das fábricas.

Estas ideais iam de encontro ao livro de Bobbitt, The Curriculum, nele o


currículo é visto como um meio para um fim, que deve ser cuidadosamente e
rigorosamente elaborado, medido para um fim específico, neste caso em especial
um currículo criado para atender a fábrica.

Para Bobbitt, o currículo é supostamente isso, especificar objetivos,


procedimentos e métodos para alcançar resultados. Nesse sentido, é importante
frisar que nesta obra, o autor preocupou-se em demonstrar que existem diferentes
definições para o que vem a ser “currículo”, mas sim uma abrangência de definições
que irão depender da forma como é definido pelos diferentes autores.

Portanto, para Tomaz “o currículo sempre é resultado de uma seleção: de um


universo mais amplo de conhecimentos e saberes seleciona-se aquela parte que vai
constituir, precisamente o currículo.” Ou seja, o currículo e “o quê ensinar” é
definido através dos objetivos e em que tipo de ser humano diante do contexto no
qual está inserido desejo para sociedade?

Isso nos leva a refletir sobre a relação de poder que o currículo possui, pois
através dele existe a formação de seres, por isso no fundo das teorias do currículo,
existe um caráter subjetivo, pois ele acaba por formar ou revelar aquilo nos
tornaremos ou somos, a nossa identidade.

A partir disso, irão se distinguir as teorias tradicionais das teorias críticas e


pós-críticas do currículo. As teorias tradicionais são vistas como neutras, entretanto,
as teorias críticas e pós-críticas argumentam contra isto, já que uma teoria não pode
ser neutra, diante do fato que ela sempre possui uma relação com o poder.

O autor concluí sintetizando que a teoria tradicional envolve ensino,


aprendizagem, avaliação, metodologia, didática, organização, planejamento,
eficiência e objetivos. As teorias críticas permeiam a ideologia, reprodução cultural e
social, poder, classe social, capitalismo, relações de produção, conscientização,
emancipação e libertação, currículo oculto e resistência, já as terias pós críticas
prezam a identidade, alteridade, diferença, subjetivo significação e discurso saber-
poder, representação, cultura, gênero, raça, etnia, sexualidade e multiculturalismo.

II. Das Teorias tradicionais às teorias críticas

Neste capítulo, Tomaz inicia explicando que a existência sobre as teorias do


currículo surgiu como a emergência de formar profissionais especializados no
estudo do “currículo”, palavra que até aquele momento não existia, entretanto sua
essência em si já existia através de diferentes filosofias educacionais e pedagógicas,
um exemplo seria a Didacta magna, onde Comenius também se preocupava-se com
a organização da atividade educacional.

Contudo, o termo “currriculum” passou a ser utilizado nos países europeus,


por influência da literatura educacional americana, pois é exatamente nesta literatura
que este termo surge para formação de um campo de estudo especializado no
currículo. Para Tomaz (2002, p.22)

“[...] foram talvez as condições associadas com a institucionalização da


educação de massas que permitiram que o campo de estudos do currículo
surgisse, nos Estados Unidos, como um campo profissional especializado.
Estão entre essas condições: a formação de uma burocracia estatal
encarregada dos negócios ligados à educação; o estabelecimento da
educação como um objeto próprio de estudo científico; a extensão da
educação escolarizada em níveis cada vez mais altos e segmentados cada
vez maiores da população; as preocupações com a manutenção de uma
identidade nacional, como resultado das sucessivas ondas de imigração; o
processo de crescente industrialização e urbanização.”

Em 1918, num momento crucial da educação estadunidense, Bobbit escreve


a obra que ficou conhecida como um marco do estabelecimento do estudo do
currículo, pois foi justamente no momento que diferentes forças econômicas,
políticas e culturais procuravam construir formas sobre como ensinar, para que
ensinar e o que ensinar para as massas, de acordo com as diferentes e particulares
demandas.

Nesse momento, começou-se a pensar mais em racionalização do processo


de construção, desenvolvimento e testagem de currículos. O currículo passou a ser
visto como meio para um fim, ou seja, um meio para atingir os resultados específicos
e medidos, onde Bobbit se embasa no modelo de fabrico de Fredrick Taylor.

Tomaz nos diz que a palavra chave do modelo educacional de Bobbit era
“eficiência”, onde “o sistema educacional deverão ser tão eficiente quanto qualquer
outra empresa econômica.” (SILVA, 2002. p. 23), claramente Bobbit propunha que a
escola funcionasse da mesma forma que uma fábrica, seguindo os princípios da
administração científicas de Taylor, onde a formação educacional tem por objetivo
atender as demandas das classes dominantes.

Entretanto, apesar do modelo de Bobbit ter dominado a educação pelo


restante do século XX, aconteceram movimentos contrários, chamados de vertentes
mais progressistas, estes movimento eram liderados por John Dewey que enxergava
como importante a construção da democracia do que o funcionamento da
econômica, ao contrário do que Bobbit pensava, o autor do livro “The Child and the
curriculum”, John Dewey considerava importante um currículo que levasse em
consideração os interesses e as experiencias das crianças e jovens.

John Dewey afirmava ainda que “a educação não era tanto uma preparação
para vida ocupacional adulta, como um local de vivência e prática direta de
princípios democráticos.” (SILVA, 2002. p. 23). Contudo, o modelo proposto por
Dewey não refletiu da mesma forma que a de Bobbit na constituição do currículo
como campo de estudo.
De acordo com Bobbit, “a educação, tal como a usina de fabricação de aço, é
um processo de moldagem”. Sendo assim, no modelo de currículo de Bobbit é
importante de padrões para que seja funcional. Este modelo consolida-se
definitivamente com a publicação do livro de Ralph Tyler em 1949, onde estabeleceu
um paradigma que influenciou diversos países centrando na organização e no
desenvolvimento.

As ideias de Tyler levam a divisão tradicional da atividade educação:


currículo, ensino e instrução e avaliação, segundo ele os objetivos devem ser
claramente definidos e estabelecidos, podendo ser visualizados através da análise
comportamental, é neste período que acontece o surgimento do tecnicismo.

O autor ressalta que tanto os modelos mais tecnocráticos, como os de Bobbit


e Tyler, assim como os modelos progressistas de currículo de Dewey, surgiram
como forma de responder ao currículo humanista que era o único utilizado naquela
época e que possuía como principal objetivo introduzir o repertório das obras
literárias e artísticas gregas e latinas.

No entanto, o currículo humanista não atendia as necessidades que a


sociedade possuía e veio ter seu fim com a democratização da escola secundária.
Esses modelos tradicionais, de acordo com Tomaz, somente foram contestador nos
anos 70, através do movimento de “reconceptualização do currículo”, o autor
ressalta que uma das características importantes na concepção tradicional de
currículo é que ela enfatiza os conceitos pedagógicos de ensino e aprendizagem e
neutralidade neste processo que envolvem a avaliação, metodologia didática,
planejamento e objetivos.

Já nos anos 60 acontece grandes agitações e transformações a nível


mundial, as teorias críticas do currículo contrariam todos os fundamentos das teorias
tradicionais, elas negam essa neutralidade e afirmam que os conceitos de ideologia,
capitalismo e relações de poder. Neste período, os termos mais utilizados são
ideologia, reprodução cultural e social, poder, classe social, capitalismo, relações
sociais de produção, emancipação e libertação, currículo oculto e resistência.

As teorias críticas contaram com vários percursores que foram contra às


teorias tradicionais, como Paulo Freire, Althusser, Bordie e Passeron, Michael Apple.
Todos eles criticavam de alguma forma o sistema atual, que seria o capitalismo, a
dominação de classes e desigualdades, partindo do principio de que a escola estava
sendo um utilizada como arma reprodutora de ideologias da classe dominante
através do currículo, seja de forma direta ou indireta, por meio da seleção de
conteúdo. Sendo assim, a escola atua além de reprodutora de ideologias, mas
também como reprodutora das relações sociais de trabalho, poder e da cultura
dominante.

Para Tomaz, "A seleção que constitui o currículo é o resultado de um processo que
reflete os interesses particulares das classes e grupos dominantes." (SILVA, 2002. p.
46), o que nos remete a visão marxista de Michael Apple da ligação entre a
educação e a economia, onde as duas são organizadas por mediação humana para
atender as necessidades capitalistas.

Estas seleção para o currículo se dá através de importantes questionamentos


que devem ser feitas antes da elaboração de um conteúdo curricular que são:

“... por que esse conhecimento e não outros? Por que esse conhecimento é
considerado importante e não outros? Quais os interesses guiaram a seleção desse
conhecimento particular? Quais são as relações de poder envolvidas no processo de
seleção que resultou nesse currículo particular? (p. 47)

Para ele, o currículo não pode ser entendido se não fizermos perguntas sobre suas conexões
com as relações de poder.
Giroux traz sua contribuição, apontando a questão do currículo como uma política cultural.
Para ele, “o currículo envolve a construção de significados e valores culturais.” (p.55) O
currículo é um lugar onde se produzem e se criam significados sociais, que estariam presentes
no nível da consciência individual ou pessoal, estando estreitamente ligados à relações sociais
de poder e desigualdade.
O autor Tomaz Tadeu traz ainda as contribuições de Paulo Freire, embora ele não tenha
desenvolvido uma teorização específica sobre currículo. Suas ideias estão associadas às
críticas sobre “o que ensinar?”, questão essa indissociável de currículo. A crítica que Freire
desenvolveu em seus livros iniciais (“Educação como prática da liberdade” - 1967, e
“Pedagogia do Oprimido” - 1970) vem atingir ao modelo de “educação bancária”, termo este
difundido pelo autor e modelo vigente na época, onde o currículo era explicitado a partir de
conhecimentos tidos como informações e fatos, transmitidos de professor para aluno, de
forma impositiva, como num ato de “depósito” bancário. Estando esse conhecimento muito
distante da realidade das pessoas, que o recebem de forma passiva, sem reflexão alguma.
Freire, com sua pedagogia libertadora, antecipou-se, de certa forma, à definição que iria
caracterizar depois a influência dos Estudos Culturais sobre os estudos curriculares, e ainda
traz muito presente a ligação entre educação e política, dizendo que toda educação é um ato
político.
Trazendo outras questões ainda presentes no que se refere às teorias críticas do currículo,
posso ressaltar que o autor Tomaz Tadeu contextualiza o nascimento da nova sociologia da
educação, que contribuiu e muito pra que se pensasse em construir “um currículo que
refletisse as tradições culturais e epistemológicas dos grupos subordinados e não apenas dos
grupos dominantes.” (p.69) Que abriu um leque de novas discussões acerca de temas como
raça, gênero, etnia. Sua idéia central, representada através da noção de “construção social”,
continua a influenciar fortemente na atualidade nas análises do currículo que hoje são feitas
com inspiração nos Estudos Culturais e no Pós-estruturalismo.
Tomaz Tadeu ainda traz contribuições de Bernstein, a partir de uma teoria sociológica do
currículo, sob um outro enfoque: as relações estruturais entre os diferentes tipos de
conhecimento que constituem o currículo, e também fazendo uma importante distinção entre
poder e controle:
“O poder está essencialmente ligado à classificação (o que é legítimo ou ilegítimo incluir no
currículo)..por outro lado, o controle diz respeito essencialmente à forma de transmissão. O
controle está associado ao enquadramento, ao ritmo, ao tempo, ao espaço da transmissão.”
( p.73)

O currículo oculto, outra questão importante ressaltada por Tomaz Tadeu, não aparece
enquanto uma teoria. Porém, ele já vinha sendo estudado de forma implícita pelos autores
desse período, estando relacionado à ideologias:
“O currículo oculto é constituído por todos aqueles aspectos do ambiente escolar que, sem
fazer parte do currículo oficial, explícito, contribuem, de forma implícita, para aprendizagens
sócias relevantes.” (p.78)

Entre tantas coisas o currículo oculto, numa perspectiva crítica, ensina o conformismo, a
obediência, o individualismo (subordinação). Aprendem-se também atitudes e valores
próprios de outras esferas sócias... Nas análises que consideram também as dimensões de
gênero, de sexualidade ou de raça, aprende-se a como ser homem ou mulher, como ser
heterossexual ou homossexual, assim como a identificação com determinada raça ou etnia.
O importante a ser considerado quando nos deparamos com elementos do currículo oculto é
tornar esses elementos conscientes, explicitá-los. Essa foi uma importante contribuição das
teorias críticas do currículo. Analisar esse elemento é expressar uma operação fundamental da
análise sociológica, que interferem nos processos sociais que moldam a subjetividade do ser
humano, de maneira inconsciente.
Para finalizar essa parte que abordou o período das teorias tradicionais às teorias críticas,
ressalto as principais tensões da teoria crítica sobre currículo, fundamentadas no marxismo:
• Questionou os arranjos sociais e educacionais;
• Desconfiou do statos quo;
• Propôs uma teoria de desconfiança;
• Propôs questionamentos e transformações radicais;
• Procurou compreender o que o currículo faz;
• Centrou seu pensamento na crítica à sociedade capitalista;
• Afirmou que a escola seria o aparelho reprodutor do Estado capitalista.

AS TEORIAS PÓS-CRÍTICAS

As teorias pós-críticas têm sua ênfase centrada no conceito de discurso e nas representações
como determinantes no processo curricular. Algumas expressões que traduzem um pouco
dessa concepção são: identidade, alteridade, diferença, subjetividade, imaginário, significação
e discurso, multiculturalismo, (representação, cultura, gênero, raça e etnia).
Elas são mais recentes e são visões ampliadas, com algumas modificações, das teorias
críticas.
O currículo, numa perspectiva crítica, era visto como um aparelho ideológico do Estado, um
território político; na visão pós-crítica, ele é parte inerente do poder, o mapa do poder é
ampliado e passa a incluir os processos de dominação centrados na raça, na etnia, no gênero e
na sexualidade.
Algumas disjunções existentes entre a teoria crítica e a teoria pós-crítica, ambas
fundamentadas no marxismo:

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