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Disciplina – Abordagens críticas do texto literário.

Professora: Dra. Claudia Nigro

Discente: Jaqueline Gomes de Souza

O que é gênero?
Segundo Scott (1995) o "gênero é um elemento constitutivo das relações sociais
baseado nas diferenças percebidas entre os sexos " (SCOTT, 1995, p.86). Para Scott
(1995), esta definição tem que ser percebida dentro de outros elementos que se
correlacionam e se dividem em várias camadas sociais, pois o “gênero é uma forma
primária de dar significado às relações de poder" (SCOTT ,1995, p.86).
Nesse sentido, percebe-se que o conceito de gênero compreende a formação social
de identidades sexuais e dos papéis de gêneros impostos pelas representações simbólicas,
muitas vezes delineado pelo binarismo “feminino e masculino”.
Scott (1995) ainda salienta que dentro das relações de poder, a educação, a igreja,
a política e a instituição jurídica, expressam conceitos normativos simbólicos que
afirmam de uma “maneira categórica e inequívoca o significado do homem e da mulher,
do masculino e do feminino"(SCOTT, 1995, p. 87).
Em vista disso, é importante observarmos como essas relações de poder que são
diluídas nas instituições sociais, tornam-se determinantes nas identificações sexuais. No
que se refere a escola, o aluno ainda na condição de criança é levado a se comportar de
acordo com seu sexo biológico, implicando diversas vezes a exercer sua identidade
amarrado ao construto social em que seu sexo biológico representa.
A título de exemplo, na “Escola Municipal de Educação Infantil Deborah Sayão”,
no Rio Grande (RS), Isabela de 4 anos de idade1, diz que tem um sonho de construir uma
grande máquina que a transforme em menino, pois assim ela poderia correr livremente e
jogar bola com eles. “Se hoje a Isabela acha que não pode jogar futebol, amanhã talvez
ache que não possa ser cientista”, diz a professora de Isabela, Vânia Oliveira.
Deste modo, é importante reconhecermos que a escola como instituição de poder
muitas vezes é propagadora da desigualdade entre os gêneros. Isto de uma certa forma,
faz-nos compreender que o gênero além de uma construção biológica e social, também é
constituído culturalmente.

1
Fonte: https://educacaointegral.org.br/reportagens/por-que-a-escola-brasileira-precisa-discutir-genero-e-
orientacao-sexual/
A este respeito, Butler (2003) propõe uma outra via, alegando que o gênero além
de compor aspectos culturais, biológicos e sociais, também é performativo, ou seja:

[....] a performatividade deve ser compreendida não como um ato singular ou


deliberado, mas, ao invés disso, como a prática reiterativa e situacional pela
qual o discurso produz os discursos que ele nomeia. [...] as normas regulatórias
do sexo trabalham de uma forma performativa para constituir a materialidade
dos corpos e, mais especificamente, para materializar a diferença sexual a
serviço da consolidação do imperativo heterossexual. (BUTLER, 2003, p.154-
156).

Assim, Butler (2003) afirma que para nos sustentarmos em um lugar onde nos são
atribuídas as posições de gêneros, temos que nos comportar de uma certa maneira, realizar
determinados gestos, nos vestir de um certo modo, em outra palavras; temos que realizar
uma performance. Desta maneira, logo compreendemos que a escola é também um espaço
que exige muita performatividade.
O gênero segundo Butler (2003), é uma imitação, ou melhor, uma imitação da
imitação. Assim sendo, trazendo para o plano educativo, essa imitação é percebida e
reproduzida nos livros didáticos e nos contos infantojuvenis ou nos contos de fadas, quase
sempre no lugar comum, fomentando ações e gestos que indicam que o gênero, são
“fabricações, que se configuram por meio da repetição” (BUTLER, 1999, p.170). Nesta
perspectiva, somos ensinados a imitarmos os costumes, ações e condutas relacionadas ao
nosso sexo biológico, realizados por outros no passado.
No entanto, como a educação nunca é neutra, houve também em um curto período,
um curso do qual se tentou viabilizar as questões pertinentes ao gênero dentro das escolas.
Em 2006, o Ministério da Educação disponibilizou o curso de formação de professores
intitulado “Gênero e Diversidade na Escola”. O principal objetivo do curso foi de
oferecer, de modo continuado, uma formação sobre as temáticas de gênero, diversidade
na escola, relações étnico-raciais, sexualidade e orientação sexual.
Contudo, o curso teve apenas três edições e em 2016 foi finalizado. Nos últimos
anos, sob o prisma da “ideologia de gênero” políticas publicas como o curso citado, foram
censurados ou completamente extintos. Há também um amparo legal para promoção da
desigualdade de gênero nas escolas, uma vez que na BNCC e nos Planos Municipais e
Estaduais de Educação, foram suprimidos os termos “gênero” e “sexualidade” destes
documentos.
Vale mencionar também que na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Básica
(LDB) atual, não há nenhuma menção direta que garanta os direitos de pessoas
LGBTQIA+ na educação. Entretanto, a LDB coloca entre os princípios básicos da
Educação, o respeito à liberdade e o apreço à tolerância.
Apesar de estar longe de ser o ideal, a partir deste princípio é possível trabalhar
com a diversidade sexual em sala de aula. Trata-se, pois, de realizar projetos ou reflexões
que sejam capazes de desfazer essas normativas pré-estabelecidas e determinadas,
possibilitando mudanças sociais e comportamentais entre os alunos e professores.
Cabe ressaltar que essas mudanças não precisam necessariamente serem abruptas,
mudanças discretas nas atitudes dos educadores e gestores, como não classificar cores,
comportamentos e condutas por gênero binário do feminino/masculino entre os alunados,
pode significar quebras de paradigmas.
A literatura também é um outro meio de questionar as estruturas determinantes
entre os gêneros. Assim como dar espaço a textos e contos literários que rechaçam os
estereótipos dos gêneros binários e as orientações e identidades sexuais. Ou ainda,
incentivar a produção de fanfictions para observar qual é o posicionamento social e
político dos aprendizes frente as questões de gênero, e a partir daí, trabalhar o que for
necessário.
Portanto, como assevera Butler (2003), temos que criar possibilidades dentro dos
domínios culturais já existentes, “a coexistência ou a convergência dessas injunções
discursivas produz a possibilidade de uma reconfiguração e um reposicionamento”
(BUTLER, 2003, p. 209), e isso também pode ser levado as esferas educacionais. Afinal,
a escola como um lugar em que transitam alunos heterogêneos, deve ser um local de
reflexões e de comprometimento com a subjetividade humana.

Referências:
BUTLER, J. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Tradução de
Renato Aguiar. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
BUTLER, J. On Speech, Race and Melancholia. Entrevista concedida à Vicky Bell.
Theory, Culture & Society, Vol. 16(2): pp. 163-174, 1999.
FREIRE, Nilcéa; SANTOS, Edson; HADDAD, Fernando. “Apresentação”. In:
BARRETO, Andreia; ARAÚJO, Leila; PEREIRA, Maria Elisabete (Org.). Gênero e
Diversidade na Escola: formação de professores em Gênero, orientação sexual e
relações étnico-raciais. Caderno de Atividades Rio de Janeiro: CEPESC, 2012. p. 9-10.
SCOTT, Joan. Gênero: uma Categoria Útil de Análise Histórica. Educação e Realidade.
20 (2), p.71-99, 1995

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