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Antropoceno, Parte 3/3, artigo de Roberto Naime

by Redação - 30/06/20160

[EcoDebate] A questão do tecnógeno ou antropoceno é mais bem compreendido


quando se parte das premissas da moderna biologia, de Lynn Margulis e James
E. Lovelock, criadores da hipótese Gaia, que a partir dos conceitos de entropia
e processos, imaginam a vida como fluxos dinâmicos de matéria e energia, não
mensuráveis por equações matemáticas simples.
São processos que guardam em si a tendência natural da energia e da matéria
em caminharem inexoravelmente para a situação de maior entropia, de caos.
Mas e a vida? E a complexidade de cada célula viva? Nada mais que um
pequeno recipiente de organização capaz de causar um arranjo muito mais alto
ao seu redor em sua curta existência do que um agente abiótico seria capaz
em toda a escala geológica.

Nós seres vivos somos um trampolim, um lançador de foguetes para o caos, a


obra máxima da natureza, não por nossa beleza e pela maravilhosa sensação
do amor, de estarmos vivos, mas por que somos a expressão máxima da fome
de natureza, de autodestruir e reinventar.

Para Margulis e Lovelock, as condições necessárias para a vida são criadas e


mantidas pela própria vida num processo auto-mantenedor de retroalimentação
dinâmica, caótico. Um bom exemplo é a versão mais simples da analogia da
margarida. As margaridas brancas refletem a luz, tornando o planeta mais frio.
As margaridas pretas absorvem a luz, reduzindo o albedo ou refletividade e
com isto tornando o planeta mais quente.

As margaridas brancas querem um planeta mais frio, significando que


florescem preferencialmente quando as temperaturas se reduzem. As
margaridas pretas querem um clima mais quente. Estas características podem
ser descritas em uma série de equações não lineares e o mundo das
margaridas pode ser movimentado, formando um equilíbrio dinâmico
(homeostase).

A preocupação com o meio ambiente em sua concepção mai atual nasceu na


década de 50, na pequena cidade de Minamata no litoral do Japão, um lugar
pequeno e tranquilo, em que boa parte da população vivia da pesca.

Em 1932 se instalou nesta localidade japonesa, a indústria Chisso, que


fabricava acetaldeído, que é usado na produção de plásticos. Seus resíduos
eram despejados no mar, sem qualquer tratamento e continham grande carga
de mercúrio.
O mercúrio é um metal pesado, teratogênico (causa problemas na formação
dos fetos durante a gravidez). Em 1953, depois de várias observações de
animais com comportamento estranho (gatos realizando estranhos
movimentos, com sinais de comprometimento das funções do sistema
nervoso), também começaram a se identificar vários problemas de
coordenação motora na população humana, além dos problemas dos
nascituros.

Na cidade japonesa de Minamata houve mais um desdobramento trágico que


hoje se repete de uma forma muito comum. A indústria Chisso empregava boa
parte da população e se fechasse as pessoas ficariam sem trabalho. Foi o
primeiro e clássico caso de conflito entre a sobrevivência e a qualidade de vida.

Com o tempo se tornou um consenso que para solucionar os problemas


ambientais é necessário antes resolver o problema da sustentabilidade
econômica das populações humanas. Não tem como pedir para uma pessoa
remediada, que sustenta sua família através da renda de uma atividade
predatória que pare de fazer isto por consciência ambiental, sem que se dê uma
alternativa econômica para estas pessoas.

A segunda fase do chamado Antropoceno, vai de 1950 a 2000 ou 2015 e vem


sendo chamada de “a grande aceleração”. Entre 1950 e 2000, a população
humana dobrou de 3 para 6 bilhões de pessoas e o número de automóveis
passou de 40 para 800 milhões.

O consumo dos mais ricos se destacou do restante da Humanidade, alimentado


pela disponibilidade geográfica de petróleo abundante e barato no contexto do
pós-Segunda Guerra e pela difusão de tecnologias inovadoras, que catalisaram
um vasto processo de consumo de massa, como os automóveis modernos, as
TVs e outros.

Na atual fase 2 da era antropocênica (1945-2015), registrou-se uma aceleração


considerável das atividades humanas exageradas sobre a natureza. “A grande
aceleração se encontra em estado crítico”, afirmaram Crutzen, Steffen e
McNeill, porque 60% dos serviços fornecidos pelos ecossistemas terrestres já
enfrentam degradação.

Vemos hoje uma combinação explosiva entre os dilemas da crise ecológica


global e os dilemas da desigualdade global. Um grupo de 2 bilhões de pessoas
dispõe de padrão de consumo elevado e se apropria dos consequentes
benefícios materiais, enquanto 4 bilhões vivem na pobreza e 1 bilhão na miséria
absoluta.

Numa terceira fase, a partir de 2000 ou, segundo alguns, de 2015, a


humanidade toma consciência do Antropoceno. Na realidade, a partir dos anos
1980, os seres humanos começam a tomar progressivamente consciência dos
perigos que sua atividade produtiva cada vez mais intensa gerava para o
“sistema Terra”.

Trata-se de perigos para a própria humanidade que não poderia sobreviver com
a destruição dos recursos naturais.

A humanidade teria três escolhas para a terceira fase da era antropocênica. A


primeira consiste em manter as mesmas atitudes e esperar que a economia de
mercado e o espírito humano de adaptação cuidem dos problemas ambientais.
Esta opção oferece “riscos consideráveis” pois quando forem decididas
medidas adequadas de combate aos problemas pode ser “tarde demais”.

A segunda opção, a de atenuação, tem por objetivo reduzir consideravelmente


a influência humana sobre o planeta, por meio de uma melhor gestão ambiental,
com novas tecnologias, uso mais sábio de recursos e restauração de áreas
degradadas, mas isso requer “importantes mudanças no comportamento dos
indivíduos e nos valores sociais”. A isto se denomina de autopoiese numa
tradução livre das concepções dos sistemistas.

Caso isso não se prove possível, existe uma polêmica terceira opção, que é o
uso de geo-engenharia para alterar o clima e combater o aquecimento global.
Esta opção envolveria manipulações bastante poderosas e fragmentadas do
meio ambiente em escala mundial, com o objetivo de contrabalançar as
atividades humanas.

Já existem planos para reter o gás carbônico em reservatórios subterrâneos,


ou espalhar na atmosfera partículas que reflitam a luz solar, refrigerando a
temperaturas. Mas isso envolve elevados riscos, pois “o remédio pode ser pior
que a doença”.

Referência:
http://www.oeco.org.br/colunas/colunistas-convidados/antropoceno-as-ameacas-a-
humanidade/
** Artigos anteriores desta série:

Antropoceno, Parte 1/3


Antropoceno, Parte 2/3

Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental.


Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da
Universidade Feevale.

Disponível em: https://www.ecodebate.com.br/2016/06/30/antropoceno-parte-33-


artigo-de-roberto-naime/

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