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ANTROPOLOGIA
BÍBLICA
[Estudo da Doutrina
do Homem e do Pecado]
Índice
Índice ......................................................................................................................... 2
INTRODUÇÃO........................................................................................................... 11
A DOUTRINA DO HOMEM NA SISTEMÁTICA............................................................. 12
PARTE 1 ................................................................................................................... 13
A CONDIÇÃO DO HOMEM ANTES DA QUEDA .......................................................... 13
CAPÍTULO 1 ............................................................................................................. 14
A CRIAÇÃO DO HOMEM ........................................................................................... 14
ANTROPOGENIA ....................................................................................................... 14
Conceito Evolucionista da Origem do Homem ............................................................ 14
1. Evolucionismo Materialista ................................................................................ 14
2. Evolucionismo Teísta ......................................................................................... 15
Conceito Criacionista da Origem do Homem .............................................................. 15
A Unidade da Raça ................................................................................................ 15
Criação Mediata ou Imediata? ............................................................................... 16
A criação do ser humano completo ........................................................................ 16
Distinções entre o Homem e os outros Animais Inferiores ....................................... 16
CAPÍTULO II ............................................................................................................. 18
A NATUREZA DO HOMEM ........................................................................................ 18
1. UM SER DEPENDENTE E RESPONSÁVEL ............................................................. 19
Livre Arbítrio & Livre Agência .................................................................................... 20
2. UM SER SANTO .................................................................................................... 22
Santidade Derivada e Finita ........................................................................... 24
CAPITULO III ............................................................................................................ 26
A NATUREZA CONSTITUCIONAL DO HOMEM ........................................................... 26
Base Escriturística da Natureza Constitucional do Homem ........................................ 26
1. O HOMEM É CORPO (Adão foi criado um ser material ou físico) ............................. 27
2. O HOMEM É ALMA (Adão foi criado um ser imaterial ou espiritual)........................ 29
A Unidade do Homem ............................................................................................... 29
A) A ESCRITURA FREQÜENTEMENTE DISTINGUE ENTRE CORPO- ALMA E/OU
CORPO-ESPÍRITO. ............................................................................................................... 30
(1) O VT SUGERE UMA DISTINÇÃO CORPO-ALMA (ESPIRITO), ............................. 30
(2) O NT TAMBÉM SUGERE A DISTINÇÃO CORPO-ALMA (ESPIRITO): ................... 31
B) A ESCRITURA PARECE, AO MESMO TEMPO, DISTINGUIR OS TERMOS ALMA E
ESPÍRITO. ........................................................................................................................... 32
C) A ESCRITURA USA, FREQÜENTEMENTE, OS TERMOS ALMA E ESPIRITO
INDISTINTAMENTE .............................................................................................................. 33
(1) Alma e espírito são usados indistintamente quando a referência é a uma pessoa
desincorporada. ................................................................................................................ 33
(2) Alma e espírito são usados indistintamente quando a referência é a expressões de
emoção e de devoção. ....................................................................................................... 34
(3) Alma e espírito são usados indistintamente para descrever o objeto da obra
redentora e santificadora de Cristo. .................................................................................. 37
3. O HOMEM É CORAÇÃO ........................................................................................ 39
A) A ABRANGÊNCIA DO SIGNIFICADO DO TERMO ―CORAÇÃO” NA ESCRITURA: . 39
(1) Referência a ―coração‖ no Livro de Provérbios ................................................ 39
(2) Referências a coração no uso de Jesus Cristo ................................................ 40
(3) Referências a ―coração‖ na mensagem de Paulo ............................................. 40
B) A ESCRITURA USA O TERMO CORAÇÃO COMO INDICATIVO DE: ..................... 40
1. Coração como Indicativo de Atividade Intelectual............................................ 41
2. Coração como Indicativo de Atividade Volitiva ................................................ 41
3. Coração como Indicativo de Atividade Emotiva ............................................... 41
3
CAPÍTULO VI ............................................................................................................ 61
O HOMEM NO PACTO DAS OBRAS ........................................................................... 61
Teologia do Pacto ou Teologia Federal ........................................................................ 61
O SIGNIFICADO DO TERMO ―PACTO‖ ....................................................................... 61
O NOME ―PACTO DAS OBRAS‖ ................................................................................. 62
EVIDÊNCIA BÍBLICA DO PACTO DAS OBRAS ........................................................... 63
O PACTO DAS OBRAS E A LEI DE DEUS .................................................................. 64
1. Deus deu ao homem uma lei natural. ............................................................ 64
2. Deus deu ao homem uma lei expressa em palavras. ....................................... 65
OS ELEMENTOS DO PACTO DAS OBRAS ................................................................. 65
1. Partes Contratantes .......................................................................................... 65
2. Promessa de Vida Condicionada à Obediência .................................................... 66
Este é o ensino de Moisés .................................................................................. 66
Este é o ensino de Davi ...................................................................................... 66
Este é o ensino de Paulo .................................................................................... 67
Este é o ensino de Jesus .................................................................................... 67
Este é o ensino dos Padrões de Fé de Westminster ............................................. 68
3. A Ameaça de Morte em Caso de Desobediência .................................................. 68
4. O Sacramento do Pacto ..................................................................................... 69
A VIOLAÇÃO DO PACTO DAS OBRAS ....................................................................... 70
A Gravidade da Violação do Pacto .......................................................................... 70
A IDÉIA DE REPRESENTATIVIDADE NO PACTO DAS OBRAS .................................... 70
Adão é o Cabeça Natural da Raça .......................................................................... 71
Adão é o Cabeça Representativo da Raça ............................................................... 71
Paralelo entre o Primeiro Adão e o Último Adão ...................................................... 72
FUNÇÃO ATUAL DO PACTO DAS OBRAS .................................................................. 74
Sentidos em que o Pacto das Obras Ainda Vigora ................................................... 74
O Pensamento Arminiano .................................................................................. 74
O Pensamento Reformado .................................................................................. 74
Sentidos em que o Pacto das Obras Não Mais Vigora .............................................. 75
PARTE 2 ................................................................................................................... 76
A CONDIÇÃO DO HOMEM E A QUEDA ..................................................................... 76
A LIBERDADE E A MUTABILIDADE PARA O PECADO ............................................... 77
CAPITULO VII ........................................................................................................... 79
A ORIGEM DO MAL MORAL ...................................................................................... 79
A) DADOS BÍBLICOS SOBRE A ORIGEM DO MAL ................................................. 79
Análise de Is 45.1-7 .................................................................................................. 80
B) DADOS BÍBLICOS SOBRE O CARÁTER DO PECADO ........................................ 85
1) O Pecado é uma classe específica de mal ........................................................ 85
2) O Pecado tem um caráter absoluto ................................................................. 85
3) O Pecado tem a ver com a transgressão da Lei ................................................ 86
C) A ORIGEM DO PECADO NO MUNDO ANGELICAL ............................................. 86
D) A ORIGEM DO PECADO NO MUNDO DOS HOMENS ......................................... 87
Análise de Gn 3.1-6 .................................................................................................. 87
PARTE 3 ................................................................................................................... 92
A CONDIÇÃO DO HOMEM DEPOIS DA QUEDA ......................................................... 92
(DOUTRINA DO PECADO) ......................................................................................... 92
CAPÍTULO VIII .......................................................................................................... 93
A TRANSMISSÃO DO PECADO .................................................................................. 93
CONEXÃO DO PECADO DE ADÃO COM O DA POSTERIDADE .................................. 93
A. OS QUE NEGAM ESTA CONEXÃO ..................................................................... 93
1) Os Pelagianos ................................................................................................ 93
2) Os Semi-Pelagianos ....................................................................................... 95
3) Os Arminianos Consistentes .......................................................................... 98
B. OS QUE AFIRMAM ESTA CONEXÃO ............................................................... 100
5
INTRODUÇÃO
Não devemos confundir essa matéria com a antropologia cultural, ou a ciência da raça,
que inclui todas as outras ciências ligadas ao homem, como por exemplo: psicologia, sociologia,
lingüística, etc. Neste capitulo estudaremos uma antropologia bíblica e teológica, não uma
antropologia filosófica ou cultural. O homem sempre foi o centro das preocupações filosóficas,
mas não será esta a preocupação deste estudo. Veremos o homem à luz do que Deus pensa dele.
Esta é uma abordagem desafiadora, especialmente num tempo quando Deus não entra na conta
dos homens, quando estes se estudam a si mesmos.
Vamos analisar como o homem veio de Deus, qual foi seu comportamento no Éden, quais
foram as causas da sua queda, os resultados dela, e a redenção do homem em Cristo, no pacto da
graça, tudo com base na revelação de Deus como está nas Santas Escrituras.
Na antropologia bíblica vamos estudar o homem no seu relacionamento com Deus. É uma
tolice tentar conhecer o homem sem que o conheçamos à luz da revelação divina. Por causa da
tentativa de se estudar o homem à parte das informações que o próprio Deus dá do ser humano,
muitos erros são cometidos na avaliação do homem pelo homem. Portanto, o estudo da
antropologia tem que ser feito à luz da teologia que é baseada na revelação da Escritura.
O estudo da antropologia é extremamente importante, especialmente dentro da esfera
teológica. A teologia cristã foi elaborada quando, cientificamente, o homem pensava
geocêntricamente, isto é, que a terra era o centro de tudo. O grande astro girava em torno da
terra, e tudo servia a terra. Com a entrada de Nicolau Copérnico, o mundo passou a pensar
heliocentricamente. Com essa mudança do geocentrismo para heliocentrismo, diz Verduin, a
terra, a habitação do homem, pareceu muito menos importante. Com o advento do
heliocentrismo, com a revolução Copérnica, a terra perdeu o seu lugar central. ―Esta mudança
tendeu a diminuir o lugar e a importância do homem; esta mudança fé-lo sentir-se pequeno e
menos importante‖. 1 A enormidade do universo veio à tona com a implementação das
descobertas telescópicas. Cada vez mais a terra tornou-se menor, e menor ainda a importância
daquele que foi feito ―menor do que Deus‖. De lá para cá, pouca atenção tem sido dada ao estudo
do homem, como parte da criação de Deus.
A diminuição da importância do homem devido à descoberta do tamanho do universo, e o
empequenecimento de sua existência tão curta, em vista da suposta longa duração e existência
do universo material, não devem desanimar o homem no estudo sério das suas origens e do seu
comportamento. E este estudo tem crescido neste últimos dois séculos, mas sem as devidas
precauções. Os cientistas têm desprezado as informações que Deus dá das origens e do
comportamento dos homens na Sua Palavra. Isto tem levado a distorções sérias no estudo da
antropologia.
O estudo do homem deveria merecer uma atenção maior da parte de todos nós, não que o
homem seja o centro absoluto do universo, mas pela dedicação e atenção que o próprio Deus lhe
deu, quando o criou à sua própria imagem e semelhança. Essa atenção deveria ser dada, ao
menos, pelos psicólogos, antropólogos e outros cientistas cristãos. Deveríamos devolver ao
estudo da teologia, uma boa base de antropologia bíblica.
Fazemos jus a uma boa antropologia bíblica, quando estudamos as origens do homem
dentro da Escritura. Por essa razão, a primeira parte da antropologia tem a ver com a criação do
homem.
PARTE 1
A CONDIÇÃO DO
HOMEM ANTES DA
QUEDA
14
CAPÍTULO 1
A CRIAÇÃO DO HOMEM
ANTROPOGENIA
O livro do Gênesis, que é o livro dos começos, não trata simplesmente da cosmogonia, que
é o vir à existência do cosmos material, mas também de antropogenia, que é o vir à existência do
ser humano. A criação do mundo material foi em função da criação do dominador dele. Deus
colocou o homem como governador e dominador de toda a criação, conforme nos diz o Salmo 8.
Depois do propósito da glória de Deus, todas as coisas foram feitas para que o homem
desfrutasse delas. O nosso planeta e o restante do cosmos foram designados para o bem-estar do
último dos seres criados, o homem. Por isso é dito do homem como sendo a coroa da criação. O
homem é apresentado na Escritura como o capeamento ou o acabamento da empreitada criadora
total do Todo-Poderoso. Da criação do homem Leonard Verduin diz: ―Antes do homem entrar em
cena, no fim de cada dia da atividade criadora de Deus, o Artífice Divino chama o produto da Sua
criação ―bom‖; mas só após o homem entrar em cena ele é chamado ―muito bom‖. 2
Contudo, ignorando em parte aquilo que a narrativa da criação diz nos primeiros
capítulos de Gênesis, no século passado alguns estudiosos tentaram derrubar tudo o que até
então havia sido crido pela igreja cristã. Levantou-se no seio da igreja, especialmente na Europa,
a doutrina do evolucionismo que permeou até os limites do cristianismo ortodoxo. O
evolucionismo da criação do homem teve um número crescente de adeptos até algumas décadas
atrás, mas o seu número está decrescendo ultimamente devido à queda de algumas das teorias
anteriormente cridas, no mundo científico, pelos primeiros evolucionistas.
1. Evolucionismo Materialista
Há muitas variações do evolucionismo, mas Berkhof resume dizendo que ―qualquer que
seja a diferença de opinião que possa haver nesse ponto, é seguro que, segundo a evolução
materialista, o homem descende dos animais inferiores no corpo e na alma, mediante um
processo natural de perfeição, controlado totalmente por energias inerentes.‖ 3
A doutrina do evolucionismo materialista é um ataque frontal às doutrinas da Escritura.
É uma negação de toda a história, como revelada por Deus, que é o fundamento de todo o
cristianismo. Se os animais e os homens evoluem, então não houve os primeiros pais, não houve
Paraíso, não houve queda. E se não houve queda, não houve necessidade de redenção. Jesus veio
ao mundo sem qualquer razão. O evolucionismo nega tudo o que aconteceu, que é fundamental
para a vida humana. O evolucionismo nega Deus.
2. Evolucionismo Teísta
O problema do cristianismo hoje não é somente o evolucionismo materialista, mas o
evolucionismo teísta, que se tem tornado palatável a vários teólogos modernos. O evolucionismo
teísta crê que há um Deus, um Criador pessoal nas origens. Deus criou os céus e a terra, mas
todas as coisas sofrem um desenvolvimento de acordo com certas leis inerentes criadas e
colocadas na matéria por Deus. E uma espécie de deísmo, onde Deus cria e solta as espécies, sem
intervir no seu desenvolvimento.
Há também uma pequena variação de evolucionismo teísta que diz que Deus criou a terra
original, mas então supõe que todas as plantas subsequentes e a vida animal evoluíram-se de
uma forma mais baixa para uma mais alta, sem qualquer ato criador separado de Deus para
cada espécie. E possível, portanto, ser um teísta, mas ao mesmo tempo sustentar o
desenvolvimento da vida de uma forma protozoária para uma forma bem superior de vida, até
chegar à vida humana. O problema é que a Escritura, que é fonte de autoridade para os cristãos
genuínos, diz que os insetos, os répteis, os anfíbios, os pássaros, os outros animais e os homens,
foram originados em atos distintos e separados de Deus, não um sendo o desenvolvimento ou a
evolução de outro.
Os evolucionistas teístas tentam mostram que não há qualquer contradição ou conflito
entre as narrativas do Gênesis e as teorias do evolucionismo.
Todavia, é impossível alguém ser um evolucionista e, ao mesmo tempo, crer nas
afirmações do Gênesis. Como pode alguém ser um evolucionista e ainda crer na criação de Deus
em seis dias, como a Escritura afirma? A única saída para os evolucionistas teístas é interpretar
o Gênesis alegoricamente. Nada da narrativa do Gênesis é literal, tudo é alegórico. O
evolucionista teísta crê que Deus criou alguma coisa no começo, mas Ele deixou o que criou
passar por um processo de evolução, como por exemplo uma célula viva que se desenvolveu até
chegar a um animal primitivo, e deste ao homem. E esse o teísmo evolucionista deles.
―com respeito aos peixes, aves, e as bestas lemos que Deus os criou segundo a
sua espécie, a saber, de uma forma típica própria. Sem dúvida, o homem não foi
criado desse modo e muito menos conforme o tipo de uma criatura inferior. Com
respeito a ele, Deus disse: ―Façamos o homem a nossa própria imagem, segundo a
nossa semelhança‖.4
CAPÍTULO II
A NATUREZA DO HOMEM
A quem Adão era semelhante antes da queda? A única fonte de informação que
possuímos nesta matéria é a Escritura. Nenhuma outra fonte de informação confiável temos à
nossa disposição.
Segundo a Escritura, a condição de nossos primeiros pais era de perfeição natural. Estes
podiam perfeitamente cumprir todas as exigências de Deus. Adão, por um certo tempo, foi um
exemplo de vida natural perfeita e normal (relativo a norma), o que exatamente Deus queria de
todos os seus descendentes. A única cousa anormal no Paraíso foi o pecado. Pecar era
anormalidade, e ainda o é, embora seja extremamente comum. Foi por causa dessa
anormalidade que Jesus Cristo teve que vir ao mundo. Ser normal para o homem é estar em
Cristo, dizer o que Ele diz e fazer o que Ele faz.
O homem foi originalmente criado num estado de perfeição, maturidade e liberdade. Isso
não quer dizer que a humanidade em Adão, antes da queda, estava no seu mais alto estado de
excelência. É bem possível que o estado de maior excelência seja aquele em que os homens
estiverem após a completação da redenção deles, porque nem mesmo serão expostos ao pecado,
em virtude de sua união com Cristo. Serão os homens, certamente, elevados a uma condição de
maior glória do que aquela que Adão teve antes da queda. Contudo, é importante ter-se em mente
que essa glória futura do homem é devida à sua união com Cristo, o redentor dos filhos de Deus.
Quando dizemos que Adão foi criado num estado de maturidade, estamos dizendo que ele
não foi criado num estado de infância, como todos os outros seres humanos que vieram ao
mundo. Diferentemente dos outros humanos, Adão não teve um desenvolvimento de sua
inteligência ou de outras das suas faculdades, como nós o temos. Deus fé-lo completo, sem lhe
acrescentar nada posteriormente.
Quando dizemos que Adão foi criado perfeito, estamos querendo dizer que ele era
perfeitamente adaptado ao fim para o qual foi criado e na esfera na qual foi designado viver. Seu
corpo e alma eram perfeitamente adaptados um ao outro. Adão era perfeito na sua criação. Era
livre de qualquer corrupção ou deficiência. Não havia nada na sua natureza que pudesse dar a
idéia de fraqueza ou falha.
O estado primeiro de nossa raça, não foi como os livros científicos dizem, de primitivismo
ou de barbarismo, que se evoluiu até se tornar o homo sapiens desenvolvido como o conhecemos
hoje. De forma alguma! Deus criou o homem perfeito que, com o passar dos tempos e levado pela
queda, veio a sofrer algum tipo de involução, passando a viver em estado de ―barbarismo‖.
Quando dizemos que Adão foi criado num estado de liberdade, estamos querendo dizer
que Ele possuía tanto a capacidade de permanecer na condição em que foi criado, isto é, santo,
mas de tal forma que também pudesse cair do estado em que foi criado, agindo contra a sua
natureza.
Adão era livre de qualquer corrupção, doença ou morte. Não havia nada na sua
constituição que pudesse denotar fraqueza ou falha. O estado primitivo de nossa raça, portanto,
não foi de barbarismo, ou o produto de um processo de desenvolvimento longo e gradual.
Pelo ensino geral das Santas Escrituras e das ciências, podemos concluir:
— que o homem foi criado na perfeição de sua natureza. Por perfeito não queremos dizer
num estado de pleno desenvolvimento, mas perfeito no sentido de não haver qualquer falha na
sua natureza. Esta é uma matéria decisiva para os cristãos;
19
— que as tradições de todas as nações falam de uma "era dourada", da qual os homens
caíram. Tem havido uma involução da raça, não uma evolução para um estado melhor. O estado
primitivo de homem segundo a narrativa da Escritura, está em harmonia com as melhores
tradições de nações antigas;
— que os mais antigos registros em escritos e monumentos têm demonstrado a existência
de nações no mais alto grau de civilização em períodos bem antigos da história humana;
A teoria de que a raça humana passou através da idade da pedra, bronze, ferro, estágios
de progresso do barbarismo para a civilização, é destituída de comprovado fundamento científico.
Tem sido crença universal de que o estado original do homem é aquele que a Bíblia
ensina. Seu mais alto estado começou no Éden. O que existe hoje são civilizações que vão se
deteriorando, como já aconteceu no passado com muitas delas.
E verdade que as civilizações mais modernas têm tido a oportunidade de desenvolver suas
potencialidades nas áreas das ciências e da filosofia, mas nunca houve um desenvolvimento na
personalidade ou nas faculdades da alma humana. O homem foi sempre o mesmo em todas as
épocas.
―não uma independência absoluta, mas relativa. Ser uma pessoa significa ser
capaz de fazer decisões, de estabelecer metas e de mover-se em direção às metas
estabelecidas. Isto significa possuir liberdade — ao menos no sentido de ser capaz
de fazer suas próprias escolhas. O ser humano não é um robot cujo curso é
totalmente determinado por forças externas. Ele tem o poder de
auto-determinar-se e de auto-dirigir-se‖.7
―Ser uma criatura, portanto, significa que eu não posso mover um dedo ou
emitir uma palavra sem a ajuda de Deus; Ser uma pessoa significa que quando
meus dedos são movidos, eu os movi, e quando as palavras são emitidas dos meus
lábios, eu as emiti. Ser criatura significa que eu sou barro e que Deus é o oleiro
(Rm 9.21); ser uma pessoa significa que somos aqueles que moldamos nossas
vidas pelas nossas decisões (Gl 6.7-8)‖.8
É importante que se faça essa distinção para que vejamos a grande diferença que há
entre nós e os seres irracionais, que agem instintivamente, e para que se tenha clara na mente a
idéia de que dependência e liberdade não são conceitos incompatíveis entre si. Os dois conceitos
estão claramente presentes na Escritura. Estas duas verdades devem ser preservadas para o
correto entendimento do que seja o homem. Alguns conceitos antropológicos e soteriológicos são
distorcidos justamente porque os estudiosos não distinguem corretamente o fato do homem ser
criatura e pessoa. Há que se guardar ambas as idéias juntas, em equilíbrio.
Se enfatizarmos em excesso o fato do homem ser criatura, subordinando sua
pessoalidade, haveremos de cair num determinismo, onde o homem não tem qualquer
participação na realização da sua própria história. Deus é o Senhor da história, mas os homens,
nesse caso, seriam meros robots. Nesse caso o homem ―é desumanizado‖.9 Quando damos ênfase
exagerada na pessoalidade, em detrimento do caráter de criatura do homem, ―o homem é
divinizado e a soberania de Deus é comprometida.‖10 Neste caso a ênfase na pessoalidade faria
Deus um servo do homem. Estes extremos devem ser evitados. Temos que ter uma visão
equilibrada e bíblica da constituição da alma humana.
Estes conceitos são muito importantes para que compreendamos o problema da
responsabilidade do homem nos pecados e nos atos bons que são a expressão da santificação,
assunto esse que já vimos no estudo da providência de Deus.
8 Hoekema, 6.
9 Ver Hoekema, 7.
10 Ver Hoekema, 6
21
Adão possuiu essa capacidade de fazer tudo o que era justo e santo, mas também foi
dotado com a capacidade de fazer alguma coisa que era contrária à santidade com que foi
originalmente criado. Ele possuiu aquilo que ninguém hoje mais possui, isto é, a capacidade de
fazer algo que é contrário à sua natureza moral. Ele teve, nesse sentido, a capacidade para uma
escolha contrária, isto é, com natureza santa, escolheu o que era mau.
Livre Agência - Esta é uma capacidade que todos os seres humanos possuem. Ninguém
pode prescindir dela, pois esta é uma característica de um ser racional. E essencial no homem a
livre-agência. Sem ela o homem deixa de ser o que é: um ser racional. Homens e anjos agem de
acordo com a natureza deles, sendo para eles impossível agir de modo contrário a ela.
A livre agência, então, poderia ser definida como a capacidade que todos os seres
racionais têm de agir espontaneamente, sem serem coagidos de fora, a caminharem para
qualquer lado, fazendo o que querem e o que lhes agrada, sendo, contudo, levados a fazer aquilo
que combina com a natureza deles.
A CFW traduz este pensamento nestas palavras:
―Deus dotou a vontade do homem de tal liberdade, que ele nem é forçado para
o bem ou para o mal, nem a isso é determinado por qualquer necessidade absoluta
de sua natureza.‖ (IX, 1)
Portanto, para que haja responsabilidade, não é necessário que haja o poder de escolha
contrária, mas sim, que haja o poder de autodeterminação, que a ação seja nascida nas
inclinações do ser racional. ―A fim de responsabilizar o pecador por uma inclinação pecaminosa,
não é necessário que ele seja capaz de reverter sua inclinação pecaminosa. E necessário somente
que ele seja capaz de originar a ação, e que ele de fato a origine‖. 13
Para ser responsável por seus atos, portanto, o homem tem que simplesmente agir de
acordo com sua vontade, espontaneamente, sem ser forçado de fora por ninguém. Apenas ele age
de acordo com as suas disposições interiores.
Originalmente, antes da queda, o homem teve tanto o livre arbítrio como a livre agência.
Depois da queda o homem ficou somente com a livre agência, pois perdeu tanto o desejo quanto
a capacidade de fazer o bem, isto é, o poder de agir contrariamente à sua natureza pecaminosa.
2. UM SER SANTO
A Confissão de Fé de Westminster, com tradição Agostiniana14 e Calvinista, assevera que
o homem foi criado no estado de "inocência". Por inocência os padrões de Westminster querem
dizer que o homem, quando criado, não tinha qualquer mancha ou pecado, nem propensão para
pecar, embora pudesse cair do estado em que foi criado. 15 Shedd contesta que a palavra
inocência seja a melhor para explicar o estado de Adão antes da queda. Com precisão ele diz que
―santidade é mais do que inocência. Não é suficiente dizer que o homem foi
criado no estado de inocência. Isto seria verdadeiro, se ele houvesse sido
destituído de sua disposição moral, para o errado ou para o certo. O homem foi
criado não somente negativamente inocente, mas positivamente santo‖. 16
Deus fez o homem positivamente santo no seu caráter. Nada errado poderia ter saído das
mãos de Deus. Deus dotou os homens de ―inteligência, retidão e perfeita santidade, segundo a
pecado; mas aquela natureza do homem na qual cada um é nascido de Adão, necessita agora do Médico,
porque ela não é sadia mais. (On Nature and Grace, 3, citado por Norman Geisler, What Augustine Says,
(Baker, 1982), p. 96.
15 Ver CFW, IX, ii.
16 W. G. T. Shedd, Dogmatic Theology, vol. 2, (Nashville: Thomas Nelson Publishers, 1980 edition),
p. 96.
23
Sua própria imagem.‖17 Estas coisas têm sido cridas pelos grupos de tradição Agostiniana e
Calvinista, mas têm sido negadas em movimentos teológicos na história da Igreja, como o
Pelagianismo18 e o Semi-Pelagianismo.19 O Semi-Pelagianismo, que, com algumas variações, no
protestantismo assume o nome de Arminianismo, através de alguns de seus defensores, nega o
caráter original santo do homem por sustentar a tese do donum superadditum 20 à natureza
constitucional do homem.
O Calvinismo, contudo, afirma categoricamente a santidade original do homem, em
consonância com as Sagradas Escrituras.21 Para os Calvinistas em geral, a santidade original do
homem tem dois aspectos: 1) sua percepção e seu conhecimento; 2) sua inclinação e seu
sentimento.22
1) O conhecimento tem a ver com o entendimento. A fim de que o homem seja santo ele
tem que entender e apreender as coisas de Deus. O conhecimento que Adão e Eva possuíam
antes da queda era diferente daqueles que tiveram depois da queda. Isto é provado por Gn 2.5 –
―Ora, um e outro, o homem e sua mulher, estavam nus, e não se envergonhavam‖. - Eles estavam
conscientes da sua santidade, e não possuíam nenhuma consciência de pecado. Mas quando
eles se apartaram de Deus, o conhecimento do mal veio. Gn 3.7 diz: ―Abriram-se, então, os olhos
de ambos; e, percebendo que estavam nus, colheram folhas de figueira, e fizeram cintas para si.‖
Deus, então, após a queda do homem disse em Gn 3.22: ―Eis que o homem se tornou
como um de nós, conhecedor do bem e do mal‖. 23 Deus conhece o bem conscientemente, mas o
mal intuitivamente, através de Sua onisciência. E Seu conhecimento do bem e do mal é perfeito,
embora Ele nunca tenha conhecido este último experimentalmente.
Antes da queda, contudo, o homem conhecia o bem conscientemente e o mal apenas
especulativa e teoricamente. Nesse sentido, o seu conhecimento do mal foi imperfeito, porque ele
queda, que o Pelagianismo não considera. O Semi-Pelagianismo crê que o homem tem a iniciativa nos atos
maus, tanto quanto nos bons. Nestes últimos, ele tem a cooperação conseqüente de Deus. Shedd diz que o
―Semi-Pelagiano assevera que a santidade, igual ao pecado, deve ser auto-originada em cada indivíduo. A
Antropologia Tridentina é uma mistura de Pelagianismo e Agostinianismo.‖ (Shedd, vol. 2, p. 96).
20 Qual é a razão desse posicionamento Semi-Pelagiano? A razão está no fato de a santidade ser algo
acrescido posteriormente à criação do homem, não fazendo parte originalmente dela. A isso eles chamam
―donum superadditum‖. O que é o donum superadditum? E um dom gracioso de Deus que foi acrescido apôs
a criação, mas antes da queda. O conceito surge da dificuldade de se explicar o problema da capacidade
hipotética de Adão e Eva de reterem a sua justiça original. Sem essa graça adicional, Adão não seria capaz
de resistir no estado de retidão. Na verdade não houve uma concordância absoluta entre os teólogos
medievais sobre se o donum superadditum fazia parte da natureza original do homem. Tomás de Aquino
sustentava que o donum superadditum era parte da constituição original do homem, e que sua perda foi a
perda da capacidade original para a justiça. Visto que essa graça acrescentada não foi merecida no começo,
ela não poderia ser reconquistada por mérito após a queda. A teologia Franciscana, particularmente aquela
orientada no final da Idade Média por Scotus, argumentava que o donum superadditum não era parte da
constituição original do homem ou sua justiça original, mas foi considerado como um dom merecido pelo
primeiro ato de obediência da parte de Adão, apresentado por ele de acordo com sua capacidade puramente
natural. Visto que Adão podia, num ato finito ou mínimo, merecer o dom inicial da graça de Deus, o homem
caído deveria, por apresentar um ato mínimo, também merecer o dom da primeira graça (Richard A. Muíler,
Díctionary ofLatin and Greek Tkeological Terms, (Baker, 1986), p. 96.
21 Ver, como exemplo, Ec 7.29; cí 3.10.
22 Idéias tiradas de Shedd, vol. 2, pp. 97-98.
23 Através de Sua apostasia, Adão veio a ter um conhecimento do mal, similar ao de Deus (embora
Deus nunca tivesse pecado), e foi um conhecimento completo do pecado, pois ele o experimentou. Foi um
conhecimento do mal consciente e idêntico ao de Satanás, porque foi conhecimento experimental e
consciente.
24
não possuía a mesma onisciência de Deus. Depois da queda, contudo, o homem passou a
conhecer o mal conscientemente e o bem apenas especulativa e teoricamente (Gn 3.7-8; 1 Co
2.14). Com respeito ao conhecimento do pecado e da santidade no homem antes da queda e
depois dela, Shedd diz:
Na verdade, o homem santo não precisa de lei do mesmo modo que os caídos precisam. A
lei, no fundo, é dada para aqueles que estão no estado de desobediência, mas para os que estão
em santidade a lei e o desejo de cumprir a lei são a mesma coisa (Ver 1 Tm 1.8-9).
A santidade positiva, com que o homem foi capacitado na criação, consistia de um
entendimento iluminado no conhecimento espiritual de Deus e de Suas coisas, e uma vontade
totalmente inclinada para elas.
24 Shedd, vol. 2, p. 98
25 Shedd, vol. 2, p. .100.
26 Shedd, vol. 2, p. 98.
25
tenha sido dada ao homem. Deus tem santidade essencial, sem a qual Ele não pode ser o que é.
O homem originalmente possuía santidade, mas ele a perdeu, mas assim mesmo ele continuou
sendo exatamente o que é: homem. Ele não continuaria sendo homem se a santidade fosse
essencial nele.
É finita porque é santidade de criatura dependente. Por essa razão é uma santidade
mutável. A santidade no homem é dependente, em última instância, da ação do Criador. Deus a
deu às Suas criaturas racionais, homens e anjos, mas eles a perderam voluntariamente, porque
a santidade neles é algo finito e dependente de uma ação direta, imediata do Criador. Se o
Criador decide definitivamente não mantê-las em santidade, elas voluntariamente a perdem.
26
CAPITULO III
27 Ensino retirado basicamente da Apostila não-publicada, preparada pelo Dr. Fred H. Klooster,
Gn 3.19 — ―No suor do rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, pois
dela foste formado: porque tu és pó (rfpf() e ao pó tornarás.‖
Este outro verso de Gênesis mostra a materialidade que o homem é. Antes de botar a
―alma vivente‖ Deus fez o homem. Novamente posso afirmar que o autor quis mostrar a natureza
terrena do homem, não enfatizar que ele tem um corpo. Esse corpo (pó) é o homem. Esse
elemento de unidade não pode ser perdido de vista quando se estuda este verso.
Nesses textos acima, embora se esteja falando da parte física do homem, que é o seu
corpo, a ênfase é no homem como uma unidade.
considerando-o como uma unidade. A verdade é que quem expira é o homem, não o corpo. A
morte é do homem, não do corpo.
Essa é a grande dificuldade que muitos ministros da Palavra enfrentam quando vão
oficiar uma cerimônia fúnebre. Partamos do pressuposto que a pessoa que morreu seja cristã. O
oficiante geralmente fala de Fulano que foi estar com Cristo, como se a pessoa consistisse
unicamente da sua alma. ―O corpo do Fulano‖, diz o oficiante, ―vai ser enterrado, mas o Fulano já
está no céu‖, como se o corpo não fosse o homem, ou como se o homem não fosse corpo. Embora
a morte separe o homem (alma) de si mesmo (corpo), devemos sempre pensar no ser humano
como uma unidade. Quem morre é o homem (não o corpo) e quem ressuscita é o homem (não o
corpo). A morte é a separação do homem de si mesmo, enquanto que a ressurreição é reunião do
homem consigo mesmo. Isto se dará somente no dia final, quando haverá a completação da
salvação do pecador.
Não seria mais próprio dizer que o ―homem é corpo‖? A Escritura indica que o corpo
representa o homem como uma unidade e também como um ser total, completo. O corpo não é
um mero acessório (apêndice, departamento), nem é a prisão da alma (ou espirito). Se dizemos
que o ser humano é um espirito que tem um corpo, o corpo não tem muita importância.
Mas não é esta a idéia que a Escritura dá do corpo, como já vimos acima.
Quando a Bíblia ensina que Adão foi feito ―do pó da terra‖ (Gn 2.7), está claramente
afirmada a natureza material do homem. Desde o principio houve uma identificação, harmonia e
continuidade com este mundo. O homem é terreno.
Portanto, todas as noções gnósticas da criação material como pecaminosas, devem ser
terminantemente rejeitadas. Deus não somente declarou a criação material ―muito boa‖ (Gn
1.31), mas fez o homem de elemento material. Vários textos do NT São respostas às heresias
gnósticas, nas quais o universo material era mau. Veja a luta de Paulo e João contra as heresias
gnósticas em Cl 1.19; 2.9; 1 JO 1.1; 4.2; 5.6-8. Esta é a razão porque Paulo, quando fala da
morte, diz a respeito do anelo próprio do crente em assumir um outro corpo, porque seria algo
anormal não querê-lo (2 Co 5). A morte é um estado anatural para o homem. E natural para o
homem sempre ser corpo. Na morte, o homem fica sem o que é muito importante nele, o corpo,
que é a devida expressão da alma. E de grande importância para nós o estado de Cristo
ressuscitado ser corporal, e o nosso estado final vai ser similar ao dEle. No novo céu e na nova
terra, viveremos em plenitude a nossa humanidade perfeita.
―O corpo não é para ser considerado, como os antigos filósofos pensaram dele,
como a prisão material, da qual o homem deveria ficar feliz se pudesse escapar na
morte. Ele (o corpo) é parte de si mesmo: uma parte integral de sua
personalidade total, e corpo e a alma em separação, não completam o homem.‖ 30
O ser humano não funciona melhor sem o corpo. O corpo é o veículo adequado para a
expressão da alma. Essas duas realidades São o homem e o homem é essas duas realidades. E
verdade que a criação material foi amaldiçoada por causa do pecado, tanto os elementos da
natureza como o corpo humano, mas não por causa da materialidade dele (porque os anjos foram
pecaminosos, sem terem qualquer forma corporal). A materialidade humana nunca deve ser
considerada (como infelizmente alguns o fazem) a parte mais baixa da natureza humana, e a
parte espiritual (imaterial) a mais elevada. Ambas as criações, material e espiritual, São
30 James Orr, God's Image in Man, (Grand Rapids: Eerdmans reprint, 1948), p. 251-52.
29
igualmente boas e igualmente importantes, porque ambas vieram de Deus e vão para Deus (1Co
6.14-15). Ambas as partes, igualmente, foram corrompidas pelo pecado e têm que ser redimidas.
Freqüentemente, num pensamento pecaminosamente distorcido, o espiritual é
identificado com Deus e o material com o diabo. E bom ser lembrado que Satanás é espiritual
(imaterial), e que sua esfera de ação é no mundo material. A materialidade humana, portanto,
jamais deve ser identificada com o mal, pois a matéria não é má. Ela é criação de Deus.
Corpo e espírito não São antitéticos (isto é, opostos entre si). Não há necessariamente
qualquer conflito entre esses dois aspectos da natureza humana.
A Unidade do Homem
A ênfase das Escrituras, contudo, é sobre a unidade desses elementos. O homem não é o
que é sem o corpo, e nem pode ser o que é sem a alma.
30
É por isso que neste estudo preferiremos o termo duplo ou dúplex, ao nos referirmos à
natureza humana, ao invés da idéia tradicional da dicotomia. Os termos duplo ou dúplex
enfatizam a unidade dos elementos, antes que sua separação.
O número desses elementos que compõe a natureza humana é importante, por causa das
diferenças práticas que resultam em problemas sérios, dependendo da posição que se toma. O
psicólogo cristão Clyde Narramore, por exemplo, mostra que sua tricotomia o levou a um ponto
insustentável biblicamente. No aconselhamento ele diz que o corpo deve ser tratado pelo médico,
o espírito pelo pastor, e a alma pelo psicólogo. E estranha tal separação na Escritura.
A Escritura não permite a visão triplex (tríplice) do homem. Quando há separação é só por
causa da morte, mas a ênfase é sobre a unidade. Além disso, na separação da morte, só há dois
elementos. Em adição a Gn 2.7, examine Mt 10.28.
Nesse verso de Mateus, é ensinado que o todo (a totalidade) do homem sofre no inferno. A
verdadeira ênfase é sobre a totalidade (unidade) do homem sofrendo e não apenas o corpo ou a
alma. A afirmação "alma" e "corpo" mostra que a natureza humana é dúplex (veja outro exemplo
em 1 Co 7.34b).
Contudo, esta distinção só entrou em uso mais tarde, debaixo da filosofia grega. A idéia é
de que as duas partes formam uma unidade, um conjunto harmonioso — o homem, um ser que
vive.
A ênfase neste verso cai na parte física, mas o intento de Deus é tratar o ser humano como
uma unidade. O particular é tomado como sendo a totalidade.
Ec 12.7 — ―e o pó (rfpf( - corpo) volte à terra, com o era, e o espírito (axUr) volte
a Deus, que o deu.‖
Este verso já mostra o homem com uma composição dúplex, mostrando a sua origem.
Ambas as partes, material e imaterial vieram de Deus.
31 James Denny, Studies in Theology, (Grand Rapids: Balcer repriflt, 1967), p. 76.
31
Neste verso de Jó a ênfase cai sobre a parte material (corpo), que é chamada de ―homem‖.
Contudo, a parte imaterial, o espírito, foi colocado no homem por Deus. Portanto, este verso trata
da composição dúplex da natureza humana, embora dê mais força ao aspecto material. A mesma
ênfase vem neste verso seguinte, do mesmo autor: (Jó 33.4) – ―O Espírito de Deus me fez: e o
sopro do Todo-Poderoso me dá vida.‖
1 Co 2.11 – ―Porque qual dos homens sabe as cousas do homem, senão o seu
próprio espírito que nele (corpo) está?‖
A mesma ênfase dada no VT está agora no NT. A parte enfatizada aqui é o corpo porque
ela é chamada de ―homem‖ e que ―nele‖ está o espírito. Contudo, o intento de Paulo é falar da
unidade, embora os dois elementos apareçam claramente nesse verso. Certamente o propósito de
Paulo é tratar da capacidade perscrutadora do espírito humano, mas deixa evidente a
composição dual da natureza humana.
Mt 10.28 – ―Não temais os que matam o corpo (soma) e não podem matar a
alma (yuxh\n) temei, antes, aquele que pode fazer perecer no inferno tanto a alma
como o corpo.‖
Jesus Cristo está ensinando neste verso sobre o poder de Deus em contraste com o poder
dos homens. Obviamente, ele usa o linguagem comum das pessoas quando fala da morte do
corpo, pois o corpo fica inerte sem a presença da alma. Contudo, quando Deus exerce o seu poder
ele pode fazer perecer tanto o aspecto físico como o aspecto espiritual do homem. A idéia de morte
ai é de separação, não de extinção. O mesmo acontece se fala da morte do corpo: é a separação
dele da alma — por isso o homem fica sem vida. Sem entrar mais do mérito desta questão, o texto
mostra essa distinção entre as duas partes constituintes da natureza humana. E exatamente
essa mesma idéia que Tiago mostra no verso a seguir:
Tg 2.26 — ―Porque, assim como o corpo sem espírito é morto, assim também a
fé sem as obras é morta.‖
Mesmo embora ele esteja falando da morte do corpo (que é a separação do homem de si
mesmo), o texto nos ensina sobre a composição dual da natureza humana.
1 Co 7.34 — ―.. Também a mulher, tanto a viúva quanto a virgem, cuida das
cousas do Senhor, para ser santo, assim no corpo como no espírito.‖
A pureza de uma mulher, segundo Paulo, em qualquer estado civil que possa estar, deve
produzir uma vida que evidencie a santidade cristã na totalidade do seu ser: no material e no
espiritual.
Este verso de Paulo aos Coríntios e muitíssimo claro quanto à obra santificadora do
Senhor que é feita na totalidade do homem, isto é, na sua parte material como na imaterial. Deus
32
realiza a obra da redenção. Assim como a santificação é uma obra de Deus, também ela é um
dever do homem que deve ser puro tanto na sua natureza física quanto na sua natureza
espiritual.
A Palavra de Deus, a Escritura, é como uma espada aguda, de dois gumes, que penetra
bem fundo, ao ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas. Diz o tricotomista: ―Se a Bíblia
afirma a possibilidade de separar alma de espírito, por que não podemos fazer?‖ - O fato é que o
pensamento grego não está dizendo realmente isso. O problema não é de tradução. O texto grego
não diz que a alma é separada do espírito, ou que as juntas podem ser separadas das medulas.
Ao contrário, o que é dito é que a Palavra de Deus divide o espírito e também a alma, assim como
as juntas e as medulas. Os escritor, de mentalidade hebraica, está usando paralelismos,
utilizando-se de sinônimos para reforçar a idéia da natureza tanto material como espiritual do
homem. Ele fala de ―alma‖ e ―espírito‖ e de ―juntas‖ e ―medulas‖, mostrando a composição dual,
não tríplice da natureza humana.
Esse paralelismo também se evidencia na idéia básica do texto de que a Palavra de Deus
penetra profundamente, o suficiente para discernir no ser mais interior do homem, que é o
coração, onde o autor usa duas idéias similares - os seus pensamentos e propósitos (vv. 12c e 13).
O quadro aqui fala em dividir as juntas, medulas, alma e espírito. Observe que há duas
categorias básicas aqui: material (juntas e medulas) e imaterial (alma/espírito), não três.
Exatamente como os ―pensamentos e propósitos‖ do coração não podem ser divididos, mas São
colocados juntos, abrangentemente, a fim de expressar o aspecto total do intelecto, assim espírito
e alma São mencionados para mostrar que nenhum aspecto do interior do homem está além do
poder penetrante da palavra de Deus.
―O mesmo Deus vos santifique em tudo; e o vosso espírito, alma e corpo, sejam
conservados íntegros e irrepreensíveis na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo.‖
Novamente a ênfase do texto não está sobre o número dos elementos que compõe a
natureza humana, nem como podemos dividi-la. Antes, está sobre a totalidade do homem.
Poderíamos traduzir este verso, da seguinte maneira:
Paulo aqui não está dividindo, mas unindo. Se você não se conforma com essa
argumentação, mas crê que Paulo está somando ao corpo a alma e o espírito, formando três
partes, o que você faria com os seguintes textos: Mt 22.37; Mc 12.30; Lc 10.27? Estes textos
falam de alma, coração, força e entendimento. Você acresceria essas partes mencionadas à
composição do homem? Naturalmente que não!
A Escritura usa freqüentemente dois, três ou até quatro termos sobre a natureza
imaterial do homem, para enfatizar a idéia de totalidade. E necessário que observemos o sentido
da passagem à luz de toda a verdade, vê-la à luz de seu propósito e não daquilo que queremos que
o texto diga.
Todas as pessoas que morrem, isto é, que têm a sua natureza material separada da sua
natureza imaterial, São consideradas como ―espíritos‖. Na morte de qualquer ser humano,
aplica-se a velha máxima de sábio Salomão em Ec 7.12- ―E o pó ( 'apar) volte à terra, como o era,
e o espírito volte a Deus que o deu.‖ Tanto os homens comuns como o Salvador deles provaram a
mesma experiência:
Lc 23.46 — ―Então, Jesus clamou em alta voz: Pai, nas tuas mãos entrego o
meu espírito! E, dito isto, expirou.‖
Desde a encarnação, o Redentor é vere Deus e vere homo, possuindo as duas naturezas —
a divina e a humana. Como homem, ele possuía os dois aspectos da natureza humana — o
material e o espiritual. Quando o Redentor morreu, seu corpo foi para a sepultura e o seu espírito
(que não é o Espírito Santo) voltou para Deus, até que ele ressurgiu ao terceiro dia. Nesse período
essa pessoa desincorporada era um espírito.
Quem morreu apedrejado foi Estevão, seu corpo ficou inerte porque foi separado do seu
espírito. Essa parte, que veio diretamente de Deus, voltou para Deus onde goza da alegria até que
a redenção se complete. Mas é o espírito de Estevão que está com Deus.
Todos aqueles que fazem parte dos remidos, que já morreram com Cristo, estão na
presença de Deus gozando de suas delicias, sendo ―justos e aperfeiçoados‖, São chamados de
―espíritos‖.
b) Nos textos abaixo uma pessoa desincorporada também é descrita na Escritura como
alma:
Esta observação cabe tanto aos homens comuns como ao Redentor deles.
Como humano que também era, Jesus possuía o seu corpo que foi sepultado, separado de
sua alma até o terceiro dia. Perceba que o texto fala da morte da alma. Ora, morte significa
separação. O que o escritor bíblico profeticamente diz é que o Senhor Deus não haveria de deixar
a alma humana do Redentor no estado de morte, isto é, no estado de separação do seu corpo.
Nem o seu corpo haveria de experimentar corrupção. A razão dessa incorrupção física e da alma
não poder ficar par sempre no estado de morte é que ambos os aspectos da natureza humana do
Redentor estavam indissoluvelmente ligadas à sua natureza divina, ao Logos. Portanto, quando
houve a morte do Redentor, estando desincorporado, ele foi chamado de ―alma‖, que é a mesma
coisa que ―espírito‖.
Ap 6.9 — ―...vi as almas (yuxa\j) daqueles que tinham sido mortos por causa da
palavra de Deus.‖
Esses dois textos acima falam da situação dos remidos do Redentor. Quando eles
morrem, e nestes textos há o motivo de suas mortes, eles São separados de si mesmos. O físico
deles repousam na sepultura e espírito deles vai estar com Deus. No entanto, quando
desincorporados eles São chamados de ―almas‖, o que eqüivale a ―espíritos‖.
Obs.: a) Note que a Escritura apresenta a pessoa desincorporada como espírito que é,
auto-consciente, cônscio de sua identidade pessoal: Lc 23.43; Lc 16.19-31; Fp 1.22-23; 2 Co
5.1-10 (especialmente vv.6-8).
b) quando se fala de almas ou espíritos das pessoas desincorporadas, deve se ter em
mente que o escritor bíblico tem como meta falar de pessoas em sua unidade, não somente uma
das partes delas.
(a) A Dor faz alusão tanto à alma como ao espírito: isto está claro nos ensinamentos sobre
a pessoa de Jesus Cristo:
Este ponto pode e deve tanto ser aplicado aos homens comuns como ao Redentor deles.
Vejamos primeiro sobre Jesus:
Jo 12.27 — ―Agora está angustiada a minha alma (yuxh/), e que direi eu?...‖
Esses dois textos acima falam de uma situação de sofrimento angustiante de nosso
Redentor. De acordo com o ensino geral dos tricotomistas, somente a alma deveria ser a
portadora dessa angústia. Contudo, como esses termos São usados indistintamente, tratando da
mesma natureza espiritual do homem, é dito também que o espírito estava angustiado.
Mt 26.38 — (No Getsêmani) – ―Então lhes disse: a minha alma (yuxh/ mou) está
profundamente triste até a morte...‖
O mesmo caso se aplica nestes dois textos acima. A emoção chamada ―tristeza‖ que
normalmente é atribuída pelos tricotomistas à alma, a Escritura atribuí ao espírito, porque as
duas palavras São indicativas da mesma coisa — a natureza imaterial do homem.
(Obs.: note que o uso que Marcos faz de espírito é menos intenso do que na situação de
Mateus, quando este usa a palavra alma. Isto é uma grande dificuldade para quem pensa
tricotomísticamente).
Também no caso dos homens comuns, a dor é atribuída tanto a alma como ao espírito.
2 Pe 2.8 — (Sobre Ló em Sodoma) – ―Porque este justo, pelo que ouvia e via
quando habitava entre eles, atormentava a sua alma justa (yuxh\n dikai/na), cada dia,
por causa das obras iníquas daqueles.‖
Tanto Paulo como Ló, ao contemplar o mal, num reflexo da imagem de Deus que já havia
sido restaurada neles, pois eram justos, sentiram dor que lhes atormentava a ―alma‖ (ou
―espírito‖- pois essas duas palavras São usadas indistintamente) deles, pois é essa sensação
dolorida que o pecado causa na vida dos redimidos.
Veja-se ainda Sl 77.3; 142.3; 143.7 - aplicando a dor ou a tristeza ao espírito.
(b) Alegria Ação de Graças estão relacionadas tanto à alma como ao espírito:
O escritor sacro narra uma ocasião quando Maria deixa os tricotomistas numa situação
36
muito embaraçosa, pois ela inverte a ordem estabelecida por eles na distribuição dos elementos
distintos na natureza não material do homem. Veja o que Maria, a mãe do Redentor, diz:
Os textos abaixo criam uma dificuldade enorme para aqueles que possuem uma
mentalidade tricotomista, pois se a regra for aplicada literalmente, os tricotomistas não mais
poderiam ser tricotomistas, mas pentatomistas, pois o verso abaixo fala de cinco partes. Uma
dela obviamente, se refere ao corpo (―toda a tua força‖). As quatro restantes dizem respeito às
partes imateriais do homem que deveriam ser consideradas distintas se fôssemos aplicar a tese
tricotomista. Veja o texto:
Fp 1.27 — ―Vivei, acima de tudo, por modo digno do evangelho de Cristo, para
que, ou indo ver-vos, ou estando ausente, ouça, no tocante a vós outros, que estais
firmes em um só espírito (pneu/mati), com uma alma (yuxv=), lutando juntos pela fé
evangélica.‖
37
Note: de todas as referências à dor, alegria, adoração, perceba que o lugar dos exercícios
espirituais de um homem regenerado está, tanto na alma como no espírito. Nenhum exercício
espiritual da alma deve deixar de ser atribuído ao espírito, porque ambos os termos significam a
mesma coisa — o aspecto imaterial do ser humano.
E importante ser observado que é a alma que tem anelos de Deus em vários textos da
Escritura (Sl 42.1-2; 62.1, 5, 8; 84.2; 86.4; 130.5-6; 143.6; Is 26.9.).
Observe-se ainda que é a alma que é devota a Deus (S1103.1, 2, 22; 104.1, 35; 108.1;
119.175; 143.8).
(3) Alma e espírito são usados indistintamente para descrever o objeto da obra
redentora e santificadora de Cristo.
A existência humana no futuro, seja em vida ou em morte, isto é, em comunhão com Deus
ou em separação de Deus, é dita pertencer à alma ou ao espírito.
Os dois textos paralelos abaixo demonstram que a existência em morte pertence à alma.
Lc 12.20 — ―Mas Deus lhe disse: Louco, esta noite te pedirão a tua alma
(yuxh/n), e o que tens preparado, para quem será?‖
Nos textos abaixo é dito que a existência em vida dos cristãos pertence à alma. E curioso
que, na concepção tricotomista, quem vai para o céu é o espírito, não a alma. No entanto, a
Escritura usa o termo alma como equivalente a espírito.
Hb 10.39 — ―Nós, porém, não somos dos que retrocedem para a perdição;
somos, entretanto, da fé para a conservaçao da alma (peripoi/hsin yuxh=j).‖
Tg 5.20 — ―Sabei que aquele que converte o pecador do seu caminho errado,
salvará a alma dele (yuxh\n au)tou=) e cobrirá multidão de pecados.‖
1 Pe 1.9 — ―Obtendo o fim da vossa fé, a salvação das vossas almas (u(mw=n
swthri/na yuxw=n).‖
alma (!:$:pan)).‖
Nos dois textos abaixo é mostrado que um cristão que morre vai para a vida com Jesus.
No entanto, a palavra usada aqui é ―espírito‖ não ―alma‖, como nos textos anteriores.
A salvação é alguma coisa que já aconteceu no passado, mas ainda é uma realidade
presente. Deus continua ainda a nos salvar. A isto a Escritura chama ―santificação‖. O processo
da santificação acontece com a totalidade do seu humano, tanto da sua parte material como da
imaterial. Escrevendo aos Coríntios, Paulo deixa bem claro esta verdade. A parte material ele
chama de ―carne‖ e a parte imaterial ele chama de ―espírito‖. Estes são os únicos dois elementos
que compõem a natureza humana.
Pedro, no entanto usa, nos textos abaixo, a palavra ―alma‖ como sendo o locus da
santificação que Deus opera em nós, e que nós operamos mediante nossa obediência à verdade.
O ensino dos profetas do Antigo Testamento não é diferente dos escritores do Novo
Testamento. A contaminação da ―alma‖ torna necessária a purificação dela. Da mesma forma a
saúde do ―espírito‖ do homem depende da obra santificadora de Deus. Analise com propriedade
estes dois textos abaixo e verifique que alma ou espírito São o locus da obra santificadora de
Deus, pois são termos usados indistintamente.
Ez 4.14 — ―Então, disse eu: Ah! Senhor Deus! eis que a minha alma (yi$:pan)
não foi contaminada, pois desde a minha mocidade até agora, nunca comi animal
morto de si mesmo nem dilacerado por feras, nem carne abominável entrou na
minha boca.‖
Na concepção tricotomista, o perdão de Deus deveria ser para o espírito humano, não
para a alma. Contudo, a Escritura diz em vários lugares que a alma humana é objeto da
compaixão perdoadora de Deus.
Observe: É muito importante que se leve em conta que, quando a Escritura se refere ao
perdão da alma, ao fato dela ir para o céu, a ênfase não está na divisão da pessoa,
mas na unidade dela. Portanto, é salutar pensar que Deus perdoa a
pessoa, e não apenas o lado imaterial dela; que é a pessoa que vai para o
céu, não um pedaço dela.
Explicação: O fato de que a Escritura usa alma e espírito indistintamente em muitos
contextos, como sinônimos básicos em tais contextos, não implica que não possa haver outro
sentido do seu uso em outros contextos; o mesmo acontece com carne e corpo.
3. O HOMEM É CORAÇÃO
Numa tentativa de compreender a doutrina bíblica do homem, atenção foi dada às
referências ao corpo, tanto quanto às variações no uso com respeito à alma e espírito. Entretanto,
a Escritura também apresenta o homem como coração. Este termo enfoca a unidade da natureza
básica do homem.
H. Wheeler Robinson, em seu livro "Christian Doctrine of Man" resume o ensino de Paulo
como se segue:
15 vezes — Personalidade, ou vida interior em geral. Cf 1 Co 14.14, 24, 25 – ―Porém se
todos profetizarem, e entrar algum incrédulo ou indouto, é ele por todos convencido, e por todos
julgado; tornam-se-lhes manifestos os segredos do coração e, assim, prostrando-se com a face
em terra, adorará a Deus, testemunhando que Deus está de fato no meio de vós.‖
13 vezes — lugar do estado emocional da consciência, cf Rm 9.1-3 ―Digo a verdade em
Cristo, não minto, testemunhando comigo, no Espírito Santo, a minha própria consciência: que
tenho grande tristeza e incessante dor no coração, porque eu mesmo desejaria ser anátema,
separado de Cristo, por amor de vós, meus irmãos, meus compatriotas segundo a carne.‖
11 vezes — lugar das atividades intelectuais. Cf Rm 1.21-22 ―Porquanto, tendo
conhecimento de Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças, antes se tornaram
nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo- lhes o coração insensato. Inculcando-se por
sábios, tornaram - se loucos.‖
13 vezes — lugar da vontade. Cf Rm 2.4-5 ―Ou desprezas a riqueza da sua bondade, e
tolerância, e longanimidade, ignorando que a bondade de Deus é que te conduz ao
arrependimento? Mas, segundo a tua dureza e coração impenitente, acumulas contra ti mesmo
ira para o dia da ira e da revelação do justo juízo de Deus.‖
Pensamento = intelecto
Querer = vontade (volição)
Sentimento = emoção (afeições)
41
Dt 29.4 — ―Porém o Senhor não vos deu coração para entender, nem olhos para ver, nem
ouvidos para ouvir, até o dia de hoje.‖
Lc 5.22 — ―Jesus, porém, conhecendo-lhes os pensamentos, disse-lhes: que arrazoais em
vossos corações?‖
Jo 12.40 — ―Cegou-lhes os olhos e endureceu-lhes o coração, para que não vejam com os
olhos, nem entendam com o coração, e se convertam e sejam por mim curados.‖
At 8.22 — ―Arrepende-te, pois, da tua maldade, e roga ao Senhor; talvez que te seja
perdoado o pensamento (e)pi/noia) do coração.‖
Ex 4.14 — ―Então se acendeu a ira do Senhor contra Moisés, e disse: Não é Arão, o levita,
teu irmão? Eu sei que ele fala fluentemente; e eis que ele sai ao teu encontro e, vendo-te, se
alegrará em seu coração.‖
Ne 2.2 — ―O rei me disse: porque está triste o teu rosto, se não estás doente? Tem de ser
tristeza do coração. Então temi sobremaneira.‖
Sl 28.7 — ―O Senhor é a minha força e o meu escudo; nele o meu coração confia; nele fui
socorrido; por isso o meu coração exulta.‖
Jo 14.1 — ―Não se turbe o vosso coração....‖
At 2.26 — ―Por isso se alegrou o meu coração e a minha língua exultou...‖
2 Co 2.4 — ―Porque no meio de muitos sofrimentos e angústias do coração vos escrevi,
com muitas lágrimas, não para que ficásseis entristecidos, mas para que conhecêsseis o amor
que vos consagro em grande medida.‖
No Antigo Testamento
Pv 6.14 — ―No seu coração há perversidade; todo o tempo maquina o mal; anda semeando
contendas.‖
Pv 6.18 — ―Coração que trama projetos iníquos...‖
Pv 6.25 — ―Não cobices no teu coração a sua formosura, nem te deixes prender com as
42
suas olhadelas.‖
Pv 7.10 — ―Eis que a mulher lhe sai ao encontro, com vestes de prostituta, e astuta de
coração.‖
Pv 12.20 — ―Há fraude no coração dos que maquinam o mal, mas alegria têm os que
aconselham a paz.‖
Pv 12.23 — ―O homem prudente oculta o conhecimento, mas o coração dos insensatos
proclama a estultícia.‖
Jr 17.9 — ―Enganoso é o coração; mais do que todas as coisas e desesperadamente
corrupto. Quem o conhecerá?‖
No Novo Testamento
Sl 51.10 — ―Cria em mim, ó Deus, um coração puro, e renova dentro de mim um espírito
reto.‖
Ez 36.26 — ―Dar-vos-ei um coração novo, e porei dentro de vós um espírito novo.‖
At 16.14 — (Sobre Lídia) ―…e o Senhor lhe abriu o coração para atender às coisas que
Paulo dizia.‖
Rm 2.29 — ―Porém justo é aquele que o é interiormente, e circuncisão a que é do coração.‖
Rm 10.9-10 — ―Porque, como coração se crê para a justiça...‖
Ef 3.17 — ―E assim, habite Cristo em vossos corações, pela fé....‖
CAPITULO IV
Três teorias disputaram a opinião da igreja desde os primeiros séculos da igreja cristã,
com respeito à origem da alma:
1. PRE-EXISTENCIALISMO33
Orígenes (séc. III) foi seu principal expoente. Esta teoria ensina que as almas dos homens
tiveram uma existência anterior à criação dos próprios homens. Alguns acontecimentos nesse
período pré-temporal determinaram a condição em que atualmente se encontram essas almas.
Houve uma espécie de queda pré-temporal. Orígenes considerou que a existência material
presente no homem, com todas as suas desigualdades e irregularidades físicas e morais, é um
castigo pelos pecados cometidos em uma existência anterior. O pecado, portanto, teve entrada no
mundo dos homens num estado pré-temporal, e isso fez com que o homem já entrasse no mundo
numa condição de pecado.
Objeções: a) É uma teoria sem base escriturística. Algumas de suas formas refletem uma
base filosófica pagã que aceita um dualismo, matéria-espírito, tornando um castigo para a alma
o fato dela ser unida ao corpo.
b) Faz com que o corpo seja meramente acidental. A princípio, a alma existia sem o corpo.
O homem estava completo sem o corpo. Isto apaga a distinção entre o homem e os anjos.
c) Destrói a unidade da raça humana, porque aceita que as almas individuais existiram
muito tempo antes de entrarem na vida presente. Não constituem uma raça.
d) Não tem apoio na consciência humana. O homem não tem uma consciência de uma
existência prévia, ou que o corpo seja uma espécie de prisão para a alma.
— A criação da alma de Eva esteve incluída na de Adão, pois dele ela foi formada ( 2 Co
11.8; Gn 2.21-23). A mulher toda (por inteiro), e não somente o seu corpo, foi derivada de Adão.
Alma e corpo são propagados. Deus criou a natureza humana em Adão, e depois essa natureza
humana foi transformada em milhões de indivíduos por propagação sexual. A criação do ―Adão‖
(natureza humana) foi terminada e completada no sexto dia. Após isso, há somente a propagação
da raça.
— Gn 2.2 diz que Deus cessou o trabalho da criação depois de haver feito o homem.
— Deus soprou somente uma vez nas narinas do homem, e depois o tornou fecundo para
a propagação da espécie (Gn 1.28; 2.7).
— Observe o uso da palavra ―carne‖ quando denota ―natureza humana‖ (corpo e alma), e
não apenas corpo (Jo 3.6; 1.14; Rm 1.3).
Estes textos parecem favorecer a posição traducianista, isto é, eles ensinam que o
indivíduo é propagado como um todo (consistindo de corpo e alma), e não somente em parte como
ensina o criacionismo.
(d) O Traducianismo oferece mais base para explicar a depravação moral e espiritual
porque este assunto é mais um assunto da alma do que do corpo.
OBS. - Para justificar os seus argumentos, os traducianistas se juntam ao realismo para
explicar o pecado original.
b) Objeções ao Traducianismo
Contra o traducianismo há varias objeções:
(a) Ele é contrario à doutrina filosófica da simplicidade da alma. A alma é uma substancia
espiritual pura que não admite divisão. A propagação da alma implicaria na divisão da alma, já
que a criança recebe a sua alma dos pais. O problema maior é: de quem procede a alma da
criança? da mãe ou do pai? Ou ela vem de ambos? Se é assim, não seria uma alma composta?
(b) A fim de evitar essa dificuldade supra-mencionada, os traducianistas têm que recorrer
a uma dessas três teorias a serem mencionadas: Primeira, que a alma da criança tem uma
existência prévia, uma espécie de pre-existencialismo; Segunda, que a alma está potencialmente
presente no sêmen do homem ou da mulher, ou em ambos, e isso e. materialismo; Terceira, que
a alma é produzida, isto é, ela é criada de algum modo, pelos pais, e isto os torna, de algum modo,
criadores.
(c) Os traducianistas dizem que, após a criação original, Deus somente obra
mediatamente. Após os seis dias da criação Sua obra criadora cessou, por isso Deus não pode
mais criar almas. Mas a pergunta a ser levantada é esta: Onde fica, então, a regeneração, que não
é efetuada através de causas secundarias? Ela é uma nova criação!
(d) Geralmente o traducianismo se une ao realismo para explicar o pecado da raça, isto é,
a culpa do homem. Fazendo isto, o traducianismo afirma a unidade numérica da substância de
todas as almas humanas, o que é uma posição insustentável. Além disso, o traducianismo falha
46
em explicar a culpa individual de cada homem nos outros pecados de Adão, e nos pecados dos
outros antepassados.
(e) O traducianismo tem dificuldades insuperáveis na Cristologia. Se em Adão a natureza
pecou como um todo, e que o pecado foi de cada parte da natureza, então, a conclusão é que a
natureza humana de Cristo foi também pecaminosa e culpada, pois ela fazia parte da raça criada
numericamente uma e a mesma em Adão.
3) CRIACIONISMO
Esta teoria considera que cada alma é uma criação imediata de Deus, possuindo sua
origem num ato criativo direto de Deus, no qual o tempo não pode ser precisamente determinado.
Supostamente, a alma é criada pura, pois Deus não poderia tê-la criado impura, e ela é unida a
um corpo depravado. Não deve ser crido que a alma é criada separadamente do corpo e que ela se
torna poluída em contato com o corpo, o que tornaria o pecado algo simplesmente físico. Deve ser
crido que a alma é criada pura, mas que Deus imputa a culpa de Adão a ela e, então, se torna
corrupta também.
A alma, que é produto de um ato criador direto de Deus, já está pré-formada na vida
psíquica do feto.
b) Objeções ao Criacionismo
(a) A objeção mais séria é a seguinte: a alma sendo depravada, ou possuindo tendências
depravadas, torna Deus o autor direto do mal. Se a alma foi criada pura, torna Deus o autor
indireto do mal, pois Deus a coloca num corpo que fatalmente a corromperá.
Este argumento é considerado pelos traducianistas como fatal para o criacionismo. Claro
que este é um tropeço a ser evitado. Para o criacionismo, o pecado original não é um problema
simplesmente de herança. Os descendentes de Adão são pecadores, não como resultado de
haverem sido postos em contato com um corpo pecador, mas em virtude do fato de Deus
imputar-lhes a desobediência original de Adão. Então, a justiça original é tirada, e a corrupção do
pecado, naturalmente, se desenvolve.
(b) O criacionismo considera os pais terrenos como gerando somente o corpo de seus
filhos, o que certamente não é a parte mais importante da criança e, portanto, não explica os
reaparecimentos de tendências mentais e morais dos pais nos filhos.
Até onde tenha a ver com as semelhanças mentais e morais dos pais e filhos, não
necessariamente precisam ser explicadas unicamente com base na herança. Nosso
47
conhecimento da alma é tão imperfeito para falar com absoluta segurança sobre esse ponto. Mas
esta semelhança, em parte, é explicada pelo exemplo dos pais, em parte pela influência do corpo
sobre a alma e, em parte, pelo fato de que Deus não cria todas as almas iguais, mas que cria em
cada caso particular uma alma adaptada ao corpo com o qual se unirá, e adaptada também às
complexas relações nos quais terá que ser introduzida.
(c) O criacionismo não está em harmonia com a relação atual de Deus com o mundo e com
sua maneira de trabalhar nele, visto que ensina uma atividade criadora de Deus e, deste modo,
ignora que Deus não mais obra diretamente, mas somente por meio de agência secundária.
4) PONDERAÇÕES FINAIS
CAPITULO V
Isto quer dizer que a imagem de Deus não é acidental, mas algo extremamente importante
e essencial à natureza humana. O homem não pode ser homem sem a imagem de Deus. Por isso
o homem é a imagem de Deus, não simplesmente a tem, como algo que foi acrescentado depois de
sua formação.
Quando criado, portanto, o homem era:
a) O espelho de Deus - Antes da queda, o homem refletia perfeitamente o seu Criador.
Bastava olhar para ele para ver a perfeição de Deus refletida nele. Tudo era harmonia. Hoekema
diz que
―Deus era o homem tornado visível na terra. Para ser exato, outras criaturas, e
mesmo os céus, declaram a glória de Deus, mas somente no homem Deus torna-se
visível. Os teólogos Reformados falam da revelação geral de Deus, na
qual Ele revela a Sua presença, poder e divindade através das obras de Suas mãos.
Mas na criação do homem, Deus revelou-Se a Si mesmo de um modo singular, por
tornar alguém que era uma espécie de espelho, uma imagem de Si próprio.
Nenhuma honra mais alta poderia ter sido dada ao homem do que a do privilégio
de ser a imagem de Deus que o fez‖.37
Esta imagem foi deformada pela queda, mas foi restaurada por Cristo, e será aperfeiçoada
até que volte de novo a ser como era.
b) O representante de Deus - O domínio que Deus deu ao homem sobre todas as obras de
Sua criação, indica que Deus deixou o homem como seu representante e governador da criação.
Deus governa através do homem, a quem deu o domínio sobre tudo. Por essa razão, a
responsabilidade do homem aumenta, pois ele tem que fazer exatamente o que Deus faria, como
um embaixador de Deus que e.
“Imagem” e “Semelhança”
As duas palavras aparecem juntas e Gn 1.26, mas não se referem a coisas diferentes,
como, por muito tempo, creu-se na história da igreja.38
As duas palavras, imagem e semelhança, são sinônimas e usadas indistintamente. Em
Gn 1.26 aparecem as duas palavras, enquanto que em Gn 5.1 aparece somente a ―semelhança‖,
e em Gn 5.3 as duas novamente. Em Gn 9.6 aparece somente a palavra ―imagem‖, como que
indicando a idéia total do homem. Hoekema assevera que ―se estas palavras pretendessem
descrever aspectos diferentes do ser humano, elas não seriam usadas, como as temos visto sendo
usadas, isto é, quase indistintamente‖. 39 Berkhof observa que
A palavra hebraica para ―imagem‖ é {elec: (tselem) derivada de uma raiz que significa
―esculpir‖ ou ―cortar‖. Portanto, podemos entender ―imagem‖ como sendo o homem uma
representação de Deus.41
A palavra hebraica para ―semelhança‖ é "tUm:di (demuth), que vem de uma raiz que
significa ―ser igual‖. ―Alguém poderia dizer que em Gn 1.26 a palavra imagem é igual a
semelhança, uma imagem que é igual à nossa. As duas palavras juntas dizem-nos que o homem
é uma representação de Deus, que é igual a Deus em certos aspectos.‖ 42
38 Irineu (175...) e Tertuliano (160-225) pensaram que ―imagem‖ e ―semelhança‖ fossem coisas
distintas. A primeira tinha a ver com as características físicas, enquanto que a segunda com a natureza
espiritual do homem;
Clemente de Alexandria (155-220) e Orígenes (185-254) pensaram que ―imagem” denotava as
características do homem como homem, enquanto que ―semelhança‖ dizia respeito ás qualidades essenciais
que não se podem perder ou cultivar;
Os escolásticos, com algumas variações, conceberam a ―imagem‖ como sendo as capacidades
intelectuais e da liberdade do homem, enquanto que ―semelhança‖ dizia respeito à justiça original. Num
desenvolvimento desse conceito, acrescentou-se posteriormente que a ―imagem‖ era um dom natural de
Deus ao homem, enquanto que a ―semelhança‖, ou a justiça original, é um dom sobrenatural que foi
acrescentado ao homem, para que fosse freio para a natureza baixa do homem. Este é o donum
superadditum.
39 Anthony Hoekema, Created in God‟s Image, (Eerdmans, 1986), p. 13.
40 Berkhof, p. 240, (edição em castelhano).
41 Hoekema, p.13.
42 Hoekema, p. 13.
50
A relevância deste verso está no fato de Deus usar a expressão ―nós‖ , uma expressão
plural que anuncia o conselho triunitário da criação do homem. ―Isto‖, diz Hoekema, ―indica
novamente a singularidade da criação do homem‖.43
Neste tópico, vamos analisar a imagem do homem teologicamente, tanto quanto possível,
baseado no ensino geral das Escrituras sobre o homem.
Reflexo 1
O homem reflete a imagem de Deus como um ser pessoal que é. Nesse sentido ele se
assemelha a Deus. Ele não pode viver isolado, como Deus não vive em solidão44, mas sempre em
relacionamento. Não existe a pessoalidade sem a noção de companheirismo. Foi por isso que
Deus fez uma companheira para o homem, pois como pessoa que ele é, não poderia ficar só.
Nessa capacidade de pessoalidade o homem reflete Aquele que o criou.
Reflexo 2
O homem reflete a imagem de Deus pela capacidade de domínio sobre as outras coisas
criadas. Esta é a indicação mais clara que a Escritura dá da imagem de Deus no homem.
Há divergência entre os teólogos sobre se o domínio da criação é parte essencial da
imagem de Deus. Alguns dizem que o domínio sobre a criação é resultado do homem ser criado à
imagem de Deus45, enquanto que outros afirmam que isso é essencial ao conceito de imagem de
Deus.46 Neste estudo, assumimos esta última posição.
O domínio do homem é parte essencial da sua natureza. A palavra domínio vem da
palavra latina dominus, que quer dizer ―Senhor‖. O homem foi colocado como o ―senhor‖ da terra.
Nesse sentido, ele é o imitador de Deus, como o Senhor absoluto e supremo. Deus, quando
estampou a Sua imagem no homem, colocou o senso de domínio sobre todas as obras da criação,
e ordenou esse domínio ao homem. Obviamente, é um domínio subordinado, não absoluto como
o do seu Senhor.
O texto de Gn 1. demonstra fartamente esta verdade:
Este texto de Gn 1.26-28 dá-nos uma idéia vaga, mas correspondente com a real, da
imagem de Deus. E o domínio do homem sobre a criação, especialmente sobre os seres vivos.
43 Hoekema, p. 12.
44 Eternamente Deus é tripessoal. Antes de haver a criação, Ele já se comunicava consigo mesmo,
nas pessoas da Trindade. A prova disto está no fato de Deus usar a frase ―Façamos o homem‖, numa espécie
de conselho, um acordo de pessoas que se entendem relacionando-se.
45 Vide J. Skinner, Critical and Exegetical Commentary on Genesis, (Nem York: Scribner, 1910), p.
32; Berkouwer, Man: The image of God, (Eerdmans, 1984), pp. 70-72.
46 Vide Berkhof, Systematics; L. Verduin, Somewhat Less Than God, (Eerdmans, 1970), pp. 27-48.
51
Quando o homem exerce devidamente esse domínio, ele está se portando como Deus, refletindo o
domínio que Deus tem sobre todas as coisas.
O Salmo 8 é uma ―linguagem poética imponente‖47 que descreve o conteúdo de Gn 1.26,
mostrando o poder e o domínio do homem. ―O homem é um rei, e não um rei sem território; o
mundo em derredor, com as obras da sabedoria criadora que o enchem, é o seu reino‖. 48 Segundo
este Salmo, o homem foi feito, por um pouco, menor do que Deus, e foi coroado de glória e de
honra, pelo domínio sobre a criação (vv.5-9). A glória e honra do homem está, na verdade, no fato
dele ser parecido com Deus no domínio sobre toda a criação. Nisto o homem reflete a imagem de
Deus, como nenhuma outra criatura racional, mesmo os próprios seres celestiais.
Esse domínio é chamado por alguns teólogos o ―mandato cultural‖, isto é, a ordenação
para o governo da terra no lugar de Deus, como representante de Deus.
Reflexo 3
O homem reflete a imagem de Deus por ter atributos que chamamos "essenciais" nele,
sem os quais ele não poderia continuar sendo o que é: Poder intelectual, afeições naturais,
liberdade moral, espiritualidade, imortalidade e o aspecto físico.
a) Por Poder Intelectual queremos dizer a faculdade do raciocínio, inteligência, e outras
capacidades intelectivas em geral, que refletem aquilo que Deus tem.
Se o homem perde as suas capacidades intelectivas, ele deixa de ser o que é. A
racionalidade é o aspecto distintivo dos outros seres criados. Estas capacidades foram afetadas,
mas não extintas pela Queda.
b) Por Afeições Naturais queremos dizer as capacidades que o homem tem de ligar-se
emocional e afetivamente a outros seres ou coisas. Deus tem essa capacidade e a passou para os
seres humanos.
c) Por Liberdade Moral queremos a capacidade que o homem tem de fazer todas as coisas
de acordo com os princípios morais que nele existem, de acordo com as leis que Deus implantou
no seu coração (Rm 2). Os teólogos também dizem que a liberdade moral está vinculada à
Libertas Naturae que o homem possui, independentemente de sua queda. Ele é capaz de agir
sempre de acordo com a sua natureza, também chamada de liberdade de agência. Essa é a
liberdade própria do ser humano, sem a qual ele não pode ser o que e.
d) Por Espiritualidade queremos dizer a natureza imaterial do homem, com a qual ele foi
criado. A Escritura diz que o homem foi feito ―alma vivente‖ (Gn 2.7). Deus é Espírito, e num certo
sentido, o homem tem traços dessa espiritualidade, embora ele não seja completo sem o corpo.
e) Por Imortalidade queremos dizer que o homem, depois de criado, não mais cessa de
existir. Não é somente a alma do homem que é imortal, mas o seu ser completo. A morte, não é
para o corpo, mas para o homem. Morte é separação, não cessação de existência. A imortalidade
é singular para Deus (1 Tm 6.16) no sentido de ser essencial para Ele. O homem a possui num
caráter secundário e derivado. A imortalidade é um dom que o homem recebe de Deus.
f) Por Aspecto Físico queremos nos reportar ao texto de Gn 9.6 que diz: ―Se alguém
derramar o sangue do homem, pelo homem se derramará o seu; porque Deus fez o homem
segundo a sua imagem‖. Uma assassinato é a destruição do corpo, mas o texto diz que é a
destruição da imagem de Deus. ―Portanto, quando alguém mata o ser humano, não somente ele
tira a vida de uma pessoa, ele ofende o próprio Deus - o Deus que foi refletido naquele indivíduo.
Tocar na imagem de Deus é tocar no próprio Deus; matar a imagem de Deus é fazer violência ao
próprio Deus.‖49 Não podemos deduzir de Gn 9.6 que o Senhor Deus tenha uma aparência física,
mas temos que entender que quando a Escritura fala do corpo, do aspecto físico, ela está falando
do homem completo, que é a imagem de Deus. Hoekema diz com grande acerto que ―deveríamos
47 Esta é uma expressão usada por Franz Delitzsch, em seu comentário sobre o Salmo 8.7-9.
48 C. F. Keil and Franz Delitzsch, Commentary on the Old Testament, vol. 9, (Eerdmans, 1982), p.
155.
49 Hoekema, p. 16.
52
dizer não somente que o homem tem a imagem de Deus, mas que o homem é a imagem de Deus.
Do ponto-de-vista do Antigo Testamento, ser humano e carregar consigo a imagem de Deus.‖ 50
Não podemos menosprezar a idéia do corpo, como sendo algo descartável, que não faz
parte da imagem de Deus. Quando Deus fez o homem à sua imagem e semelhança, o corpo
estava incluso, porque o homem total é a imagem de Deus.
Reflexo 4
O homem reflete a imagem de Deus por ter atributos que consideramos ―não essenciais” a
ele.
A rigor, o que não é essencial, é aquilo que alguém pode não ter, e mesmo assim,
continuar a ser o que é. Estes atributos dos quais vamos falar, o homem perdeu na queda e,
contudo, continuou a ser homem. O homem não poderia perder as faculdades que o fazem ser o
que é, mas perdeu as capacidades éticas de suas faculdades. Berkhof diz que o homem
―era, por natureza, dotado com aquela justiça original que é a glória
culminante da imagem de Deus e vivia, consequentemente, num estado de
santidade positiva. A perda dessa justiça significou a perda de algo que
correspondia à verdadeira natureza do homem em seu estado ideal. O homem
poderia perdê-la e continuar sendo homem, mas não poderia perdê-la e continuar
sendo homem no seu sentido ideal. Em outras palavras, sua perda significaria a
deterioração e ruína da natureza humana.‖ 51
1. A IMAGEM ORIGINAL
Neste ponto vamos falar de um aspecto extremamente importantíssimo, que os teólogos,
com o suporte das Escrituras, chamam de ―justiça Original‖.
Nesse tempo, antes da queda, no estado de integridade, o homem refletia perfeitamente a
imagem de Deus. Ele era capaz de viver perfeitamente de acordo com as prescrições de Deus.
Agostinho disse que ele era capaz de não pecar. A famosa frase latina posse non peccare expressa
bem a capacidade do homem em viver de acordo com a vontade preceptiva de Deus explicitada ali
no Éden.
Adão e Eva possuíam a justiça original. Esta justiça original é uma terminologia teológica,
que não é encontrada na Escritura para os nossos primeiros pais. Contudo, podemos deduzir
claramente do ensino bíblico que os nossos primeiros pais a possuíam, porque estas coisas
perdidas, são restauradas posteriormente.
Essa justiça original que os nossos primeiros pais possuíram, é composta de:
a) ―Conhecimento verdadeiro‖
O NT indica que o conhecimento de Deus é restaurado no homem. Paulo, escrevendo a
50 Hoekema, p. 18.
51 Berkhof, p. 246 (edição castelhana)
53
pessoas nascidas de novo, diz: ―E vos revestistes do novo homem que se refaz para o pleno
conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou‖ (Cl 3.10). Este conhecimento restaurado
no homem através de Cristo (2 Co 4.6), havia sido perdido na queda. Após o Éden, o homem
perdeu a comunhão e, portanto, o conhecimento de Deus, porque foi expulso do lugar que
revelava perfeitamente a presença de Deus.
b) ―Justiça‖
Novamente, falando do novo homem, do homem renovado em Cristo, Paulo diz: ―E vos
revistais do novo homem, criado segundo Deus, em justiça e retidão procedentes da verdade‖ (Ef
4.24). Por justiça, portanto, entendemos a conformidade com a lei divina. Antes da queda havia
uma harmonia perfeita entre a natureza moral do homem e todas as santas exigências da lei de
Deus. A regra de conduta estabelecida por Deus era cumprida perfeitamente antes da queda. A
Bíblia diz em Ec 7.29, que Deus fez o homem reto (justo), referindo-se à sua excelência moral.
c) ―Santidade‖
Aqui, santidade é sinônimo de ―retidão‖ de Ef 4.24. Essa santidade diz respeito à pureza
imaculada do ser humano quando criado. Ele possuía uma comunhão direta com o seu Criador.
A santidade não era simplesmente advinda da comunhão com Deus, mas uma qualidade moral
deles. Os nossos primeiros pais não eram apenas separados do mal, mas possuíam o bem. Eram
limpos de coração.
Esta é a imagem moral de Deus que foi perdida no Éden, mas o homem não deixou de ser
homem, por perdê-la.
O homem, portanto, por causa da imagem moral de Deus estampada nele, a justiça
original, possuía um relacionamento triplo perfeito:
O casamento indica o melhor relacionamento que pode haver entre dois seres humanos, e
ilustra como podem ser os outros relacionamentos com os nossos semelhantes. O que queremos
dizer é que o ser humano não é completo sozinho. Ele precisa de outros seres humanos para se
realizar. O ser humano não alcança a sua plena satisfação sem o relacionamento, porque Deus
nos fez pessoas, e estas não podem viver em isolamento. Somos seres psicológicos, afetivos e
sociais, diferentemente de outros seres criados. Não podemos viver sem as afeições do
relacionamento. E os primeiros seres humanos viviam em perfeito relacionamento entre si, antes
da queda. Quando Jesus estava tratando da quebra do casamento, do divórcio, em Mt 19, Ele
disse, em palavras bem claras: ―Não foi assim desde o princípio‖. Isso quer dizer que, no Éden,
havia um perfeito relacionamento entre os seres humanos.
Mas não foi assim até o fim. O pecado fez com que essa harmonia fosse quebrada, e
subsistência do homem ficou prejudicada pela desarmonia com a natureza.
O posse non peccare de Agostinho, era a condição natural do homem antes da queda. Ele
poderia perfeitamente viver sem transgredir as leis de Deus, porque ele possuía a habilidade para
tal. Ele não possuía natureza pecaminosa, e nada no seu interior que o levasse a pecar. A
obediência plena era perfeitamente possível para Ele. Ele poderia agir perfeitamente de acordo
com a sua natureza. Os escolásticos chamaram essa condição de libertas naturae. Adão possuía
o potentia non peccandi. No jardim, enquanto não pecou, Adão, portanto, refletia perfeitamente a
imagem de Deus, com a qual havia sido criado.
Mas o posse non peccare, não era uma condição imutável. Hoekema diz que –
52 Hoekema, p. 77.
53 Hoekema, p. 79.
55
2. A IMAGEM DESFIGURADA
A imagem de Deus permanece depois da queda, mesmo embora não vejamos mais os
vestígios da justiça original. Todas as suas capacidades intelectuais, afetivas, sua liberdade
moral, seu domínio sobre a criação, etc., foram afetados pela Queda, mas mesmo depois da
Queda, é dito que o homem é a imagem de Deus (Tg 3.9 e Gn 9.6).
A condição da humanidade agora caída, portanto, é a da impossibilidade de não pecar.
Neste estado o non posse non peccare é uma realidade indiscutível. Não há forças no pecador
para fugir do pecado. Nesse estado, é também dito que o homem tem impotentia bene agendi, isto
é, ele é incapaz de fazer o bem.
Calvino diz ―mesmo embora concedamos que a imagem de Deus não tenha sido
totalmente aniquilada e destruída no homem, ela foi tão corrompida que, qualquer coisa que
permaneça, é uma deformidade horrenda‖. 55 Possivelmente pensando na justiça original,
Calvino acrescenta:
54 Hoekema, p. 83.
55 Institutes, I, xv, 4.
56 Institutes, I, xv, 4.
56
nossa sociedade contemporânea, ainda há idolatria à moda antiga, ou seja, o curvar-se diante de
ídolos feitos à imagem e semelhança de homens e animais.
O homem se esqueceu dAquele de quem foi feito imagem e semelhança.
Nesta altura o homem perdeu a capacidade de fazer o bem (o que é agradável a Deus).
Agora, escravo do pecado, faz com que o pecado seja uma necessidade nele. A condição
pecaminosa dele o obriga a pecar porque é a única coisa que ele sabe fazer, pois de agora em
diante, como um livre-agente que é, só poderá fazer o que está de acordo com a sua natureza.
Como ele só possui a natureza pecaminosa, ele só fará o que lhe é próprio. Por isso que ele não
tem capacidade de viver sem pecar. Daí a expressão latina non posse non peccare.
3. A IMAGEM RESTAURADA
Os eleitos foram predestinados para se parecerem com Jesus Cristo, para refletirem a Sua
perfeita varonilidade, a humanidade plena de Jesus Cristo. Este texto de Romanos indica que
alguma coisa errada aconteceu com a imagem de Deus no homem após a queda, imagem essa
que precisava ser refeita. A conformidade com a imagem de Jesus Cristo é o mesmo que ser feito
à imagem de Deus. Jesus é a imagem e o reflexo exato do ser de Deus. A meta final da obra
redentora de Cristo é devolver ao homem aquilo que foi perdido na queda, isto é, a imagem de
Deus. Ser conformado à imagem de Jesus Cristo, é ser conformado à imagem de Deus. E é para
isso que fomos destinados de antemão. A completação da obra da redenção será o sermos
semelhantes a Cristo, nosso Redentor. Esta restauração da imagem já começou, mas ainda não
está completada. Ainda temos sementes do pecado em nós que impedem que a imagem de Deus
seja completamente vista em nós. À medida que Deus completa a sua salvação em nós,
restaurando-nos, Sua imagem será plenamente vista, e Cristo será visto em nós.
59 Cl 1.15; Hb 1.3
58
4. A IMAGEM APERFEIÇOADA
Os textos analisados na seção anterior, Rm 8.29 e 2 Co 3.18 indicam que a queda causou
aos homens a necessidade de serem transformados para terem de volta aquilo que perderam
quando da sua criação. A meta final de Deus para os redimidos é a perfeição de Cristo.
Que esta condição se dará somente depois da nossa ressurreição, está claro de alguns
textos da Escritura.
―Terreno‖ aqui se refere ao primeiro Adão. ―Celestial‖ refere-se ao segundo Adão, Jesus
Cristo. O contexto dessa passagem está no ensino sobre a ressurreição. Somente depois da
completação de nossa salvação é que refletiremos a perfeição da imagem de Jesus Cristo. A
glorificação do homem é o estado final da redenção do pecador por quem Cristo morreu. Somente
no estado de glorificação é que o remido refletirá perfeitamente a imagem de Cristo. Por
enquanto, ele ainda está no processo, mas então, o processo já estará terminado. Nesse tempo,
até o corpo refletirá aquilo que Cristo já é. Teremos um corpo semelhante ao corpo de Sua glória
(Fp 3.21).
Hoje não somos o que seremos, mas quando Cristo se manifestar, isto é, na completação
de nossa salvação, haveremos de refletir perfeitamente Jesus Cristo. Por essa razão, João diz:
―ainda não se manifestou o que haveremos de ser. Sabemos que, quando Ele se manifestar,
seremos semelhantes a Ele, porque havemos de vê-lo como Ele é.‖ (1 Jo 3.2). A idéia de imagem
de Cristo, está perfeitamente delineada nesse verso. Após a nossa ressurreição, haveremos de
exibir tudo aquilo para o que fomos destinados de antemão.
A reflexão da imagem de Cristo, nessa época, será vista na capacidade de não pecar. Não
teremos a impecabilidade61 de Cristo, porque continuaremos a ser homens, mas o Senhor Deus
nos livrará da presença do pecado e o non posse peccare de Agostinho, será uma grande e
maravilhosa realidade.
2) Socinianismo
Segundo os socinianos, a imagem de Deus consistia, quase que unicamente, do domínio
do homem sobre os outros elementos da criação.
Os socinianos, assim como os arminianos primitivos, descartam qualquer possibilidade
de o homem ter sido criado num estado de santidade. Eles não criam que o homem foi feito
pecador, mas não criam que a justiça original fizesse parte deles na criação. Eles apenas criam
que o homem foi criado num estado de neutralidade moral, capacitado com uma vontade livre,
para poder ir para qualquer direção. O homem era inocente, sem pecado, mas não santo. Por
essa razão, eles colocaram a imagem de Deus apenas na esfera do domínio sobre a criação
3) Luteranismo
Os luteranos, às vezes, tentam distinguir a imagem de Deus num sentido mais estrito e
num mais amplo. No sentido mais estrito, o luteranismo viu a imagem de Deus como sendo a
61 Impecabilidade que advém do fato de Sua natureza humana estar inseparavelmente unida á
natureza divina.
60
justiça original. Sendo assim, O homem perdeu totalmente a imagem de Deus, por causa do
pecado. No sentido mais amplo, a existência do intelecto e da vontade, que ainda existem no
homem, que o diferem dos outros seres animais, nada tem a ver com o religioso ou teológico. Por
essa razão Piepper diz que ―chamar a imagem de Deus porque ele possue razão e vontade é não
levar em consideração o que o homem está para se tornar em Cristo.‖ 62 Portanto, é muito mais
comum para os luteranos enfatizarem o aspecto justiça original do que os outros aspectos
geralmente considerados dentro da teologia Reformada.
―Os teólogos luteranos são concordes em que imagem de Deus, que consiste
no conhecimento de Deus, santidade da vontade, está faltando no homem depois
da queda... Eles diferem, contudo, sobre a questão se em Gn 9.6 a imagem divina
é ainda atribuída ao homem após a Queda.‖ 63
Lutero preferiu esta interpretação, de que a queda aniquilou a imagem de Deus, em seu
comentário sobre Gn 9.6.
4) Calvinismo
Há idéias diferentes entre os vários teólogos Reformados: Robert Dabney insiste ―que a
imagem de Deus não consiste de algo absolutamente essencial à natureza do homem, mas
unicamente em alguns acidentes”.64 É provável que Dabney estivesse pensando aqui somente na
justiça original.
Alguns teólogos Reformados limitam a imagem de Deus apenas à justiça original,
enquanto que outros incluem toda a natureza racional e moral. Outros ainda incluem o corpo
como parte da imagem de Deus, como já vimos.
De qualquer modo, o conceito de imagem de Deus é extremamente importante para a
teologia reformada, porque essa imagem é o que há de mais distintivo no homem em sua relação
com Deus. O conceito reformado de imagem de Deus é muito mais abrangente e inclusivo do que
o luterano e o católico romano. O homem não perdeu a imagem de Deus, pois se a tivesse
perdido, haveria deixado de ser o que é — homem.
62 Francis Pieper, Christian Dogmatics, vol. 1, (Saint Louis: Concordia Publishing House, 1950), p.
520.
63 Francis Pieper, Christian Dogmatics, vol. 1, (Saint Louis: Concordia Publishing House, 1950), p.
518-19.
64 Systematic and Polemic Theology, p.293.
61
CAPÍTULO VI
65 O termo Federal vem do latin 'foedus", que significa "pacto". A doutrina dofoedus operum
pressupõe que Adão conhecia a lei moral de Deus, tanto a da natureza (Iex naturalis que foi impressa no seu
coração desde sua criação) quanto àquela que foi expressamente ordenada por Deus (Iex paradísiaca, lei do
Paraíso).
66 O Palmer Robertson, The Christ of Covenants, (P&R, 1982), p 5.
67 Ibid., p. 4
62
sua ênfase sobre o efeito de um pacto como o que estabelece a paz entre as
partes.‖68
A quase identidade entre os termos pacto e juramento mostram estas duas palavras
enfatizam a idéia de relacionamento, de estreito vinculo, que é parte essencial do que a Escritura
chama de Pacto. As partes contratantes de um pacto estão profundamente comprometidas entre
si.
Na sua definição Robertson disse que pacto é "vinculko em sangue admistrado
soberanamente." A idéia de sangue é porque pacto sempre envolve uma questão de vida ou morte,
e quase que sempre mostra o derramamento de sangue de uma vitima.
―O primeiro pacto feito como o homem era um pacto de Obras; nesse pacto foi
a vida prometida a Adão e nele à sua posteridade, sob a condição de perfeita
68 Ver Charles Sherwood McCoy, The Covenant Theology of Johannes Coceius, (New Haven, 1965),
esses juramentos formais não devam ser considerados como conditio síne qua non dos pactos. Robertson diz
que ―embora o juramento apareça repetidamente em relação a um pacto, não está claro que uma cerimonia
formal de tomada de juramento seja absolutamente essencial para o estabelecimento de um relacionamento
de pacto‖ Robertson, p. 6, nota de rodapé 7).
70 Robertson, p. 6, nota de rodapé 7.
63
Nesse pacto de Obras Deus viu Adão, não como um indivíduo simplesmente, mas como o
―cabeça federal‖ de toda a humanidade, debaixo da obrigação de obedecer as leis estabelecidas
por Deus através da natureza e das Suas asseverações verbais. Tem sido chamado pacto das
obras para enfatizar a responsabilidade de Adão.
71 O. Palmer Robertson, The Christ of the Covenants, (P&R, 1982), p. 22. O texto ao qual Palmer
que favorecia esta interpretação. Calvino também sugere esta interpretação em seu Commentaries on the
Twelve Minor Prophets, (Edinburgh, 1846), 1:233, 235. (Robertson, p. 23, nota de rodapé 4).
74 Ibid., p. 23.
64
Ninguém duvida do pacto da graça, porque ele está afirmado explicitamente nas
Escrituras, mas porque não aparece explicitamente em Gênesis, há os que tentam destruir a
noção de pacto ali. Charles Hodge, um partidário da teologia do pacto, coloca nestes termos a sua
crença no pacto de obras feito entre Deus e Adão, por comparação ao que aconteceu no pacto da
graça:
75 Ibid., p. 24.
76 Systematic Theology, vol. II, 117.
65
leis naturais são perfeitas, e Adão estava em posse dela. Ainda é possível perceber a impressão
delas na alma humana, embora os homens tenham sido afetados moralmente pela Queda,
mesmo os homens que vivem numa civilização muito distante daquela que conhecemos como
―civilização cristã ou ocidental‖. Todos eles têm noções básicas das leis morais de Deus, a quem
devem obedecer. Após a Queda, Paulo diz, essa lei tornou-se enferma por causa da natureza
pecaminosa do homem que obsta o homem de obedecê-la plenamente (Rm 8.3). A
inadequacidade não é da lei, mas daquele que se torna incapaz de obedecê-la, mas há algo claro
no texto: essa lei, se obedecida, concederia vida, porque ela é espiritual.
Portanto, desde a sua criação, Adão tinha deveres de obediência, embora estas leis
impressas não revelem um caráter pactual.
1. Partes Contratantes
Sempre há o envolvimento de duas partes num pacto. Neste caso são Deus, como
soberano e supremo Senhor e Adão. Este foi feito à imagem e semelhança dAquele. Foi tornado
cabeça e representante de toda sua progênie.
Deus prescreveu todas as coisas a Adão com poder absoluto, de forma que todas as
condições e promessas do pacto foram unilaterais, estando Adão apenas na posição de aceitar e
obedecer todas as exigências de Deus. Deus estabelece todas as condições virtude da sua
absoluta soberania, supremacia, majestade e eminência, que São Seus atributos essenciais. O
profeta Jeremias mostra esses atributo de Deus de uma forma bem simples e resumida, que
colocam o homem na posição de obedecer todas as prescrições divinamente enviadas:
o poder do teu nome. Quem te não temeria a ti, ó Rei das nações? pois isto é a ti
devido; porquanto entre todos os sábios das nações, e em todo o seu reino,
ninguém há semelhante a ti.‖
Dessa idéia de Deus, segue-se que o homem está sob o dever de obedecer todas as
estipulações. Adão acatou todas as exigências divinas e, como criatura finita, não discutiu as
exigências de Deus porque conhecia o seu papel de criatura e das responsabilidades como
mordomo do jardim que Deus lhe havia confiado.
Deus poderia ter retirado o mandado de ter vida pela obediência, pela simples razão de
que ele é o Senhor. No pacto das obras a ordem é ―Faze isto‖ e a promessa ―e viverás‖. Deus ainda
coloca uma ameaça: ―Se não fizeres isto, morreras‖.
77 Herman Witsius, The Economy of the Covenants between God na Man, vol. 1, (Phillispsburg, New
conhecida nos salmos que escreveu. O Salmo 119 mostra o seu apego à lei de Deus. Veja também
como se porta falando sobre a perfeição da lei do Senhor:
Todo homem que guarda perfeitamente a lei do Senhor é recompensado com a vida
eterna, com a comunhão imperdoável. Contudo, mesmo embora saibamos que a lei do Senhor é
perfeita, não existe perfeição em nós para que a guardemos perfeitamente, a fim de que
recebamos a recompensa da vida eterna.
Gl 3.12 — ―Ora, a lei não procede da fé, mas: aquele que observar
os seus preceitos, por eles viverá.”
noção de vida eterna para aqueles que obedecem a Deus. Jesus admitiu claramente que a
obediência à lei produz vida eterna. Isto está registrado em Mt 19.16-21 O jovem perguntou:
―Mestre, que farei eu de bom, para herdar a vida eterna? Respondeu-lhe Jesus:
Por que me perguntas acerca do que é bom? Bom, só existe um. Se queres, porém,
entrar na vida, guarda os mandamentos. E ele lhe perguntou: Quais? Respondeu
Jesus: Não matarás, não adulterarás, não furtarás, não dirás falso testemunho;
honra a teu pai e a tua mãe, e amarás o teu próximo como a ti mesmo.‖
Está claro que a obediência à lei produz vida. Os homens podem ganhar a vida eterna no
céu pela plena obediência à lei de Deus. O verso 21 afirma esta verdade inequivocamente. Jesus,
portanto, afirma a concessão da vida eterna por meio da obediência, e nisso, tem o apoio de
muitos outros escritores sagrados.
―Deus deu a Adão uma lei como um pacto de obras. Por este pacto Deus o
obrigou, bem como toda a sua posteridade, a uma obediência pessoal, inteira,
exata e perpétua; prometeu-lhe a vida sob a condição dele cumprir com a lei e o
ameaçou com a morte no caso dele violá-la; e dotou-o com o poder e a capacidade
de guardá-la.‖ (XIX, 1)
A obediência à lei era condição para o homem obter vida eterna. Adão possuía vida
natural perfeita quando foi criado. Ele ainda não possuía vida eterna, que é sinônimo de
comunhão imperdível. Se ele a possuísse, obviamente ele não a perderia. A palavra ―eterna‖
implica em algo que não pode ser perdido.
Adão poderia ter vida eterna se ele obedecesse os preceitos de Deus. Por um tempo (não
fixado na Escritura) ele ficaria debaixo de prova. Se passasse no teste, poderia ter acesso à vida
eterna pelo comer da árvore da vida. O texto de Gn 3.22 mostra-nos claramente que ele ainda não
havia se apossado da vida eterna, porque não havia ainda comido da árvore que estava no meio
do jardim (Gn 2.9). Porque desobedeceu, não pode ter acesso a essa árvore (Gn 3.22).
78 Paulo disse com muita clareza sobre a impotência do pecador em cumprir a lei de Deus. Por essa
razão, ninguém pode ser justificado pelas obras da lei. A impotência, na verdade, não está na lei. Ela é a
mesma lei, santa, justa e boa, mas a inadequacidade está na condição do pecador, por sua pecaminosidade.
Por isso,. Paulo diz: ―É evidente que pela lei ninguém é justificado diante de Deus…‖(Gl 3.11).
69
tropeçamos num só preceito dela, tornamo-nos culpados de toda a lei. Este foi o ensino de Jesus
Cristo e o de Paulo (Gl 3.10). Por essa razão, a fim de livrar-nos do castigo dessa lei, Ele obedeceu
a lei, sofrendo a penalidade dela, porque todos nós nos tornamos violadores do pacto com Adão e
em Adão.
4. O Sacramento do Pacto
Em todos os pactos estabelecidos por Deus houve a colocação de sinais e selos neles. 79
Deus não somente nos instrui através das Suas Palavras, mas Ele também nos dá símbolos
visíveis para que aprendamos com eles. Deus nos ensina também através dos olhos, dando-nos
um ensino aprofundado pelo que vemos. Os nossos sentidos todos têm que ser exercitados no
aprendizado. Aquilo que vemos com os olhos causam profunda impressão em nós. Deus tem-nos
ensinado pelas palavras, mas ele também nos ensina pelos sacramentos de forma visível a
mesma verdade. Foi assim com a ceia e com o batismo.
O pacto das obras, que foi o primeiro estabelecido por Deus historicamente, não fugiu à
regra. No pacto de obras Deus também usou o recurso dos sacramentos para ensinar através
daquilo que os nossos primeiros pais viam. Assim como Deus estabeleceu um pacto com Adão,
também Ele se agradou em colocar um selo a esse pacto: a árvore da vida (Gn 3.22).
Não existe harmonia entre os teólogos reformados quanto ao número de sacramentos.
Alguns falam em quatro: Paraíso, árvore da vida, árvore do conhecimento do bem e do mal e o
sábado.80 Outros falam em apenas 3 sacramentos: as duas árvores e o paraíso; outros dois: as
duas árvores; enquanto que outros preferem um só: a árvore da vida. Esta é a mais comum das
opiniões da fé reformada, segundo Berkhof. 81
Há algumas menções sobre a árvore da vida na Escritura: Gn 2.2; 3.22; Ap 2.7; 22.2.
Juntamente com essa última há uma referência em Ez 47.12, que parece indicar que essa árvore
tem as mesmas propriedades da árvore da vida, embora o seu nome não apareça.
Essa árvore da vida parece possuir elementos medicinais, mas atribuir a ela essas
virtudes medicinais para a cura de doenças não parece ser uma idéia razoável, se examinarmos o
contexto geral da Escritura. No Éden, antes da queda, o homem não possuía enfermidades.
Depois da redenção completada, na nova terra, os remidos não terão qualquer enfermidade a ser
curada. As enfermidades são, em última instância, os efeitos do pecado.
A árvore da vida, portanto, deve ser entendida como símbolo e indicativa de Jesus Cristo,
o Filho de Deus encarnado. Ele é a vida encarnada, tendo vida em Si mesmo, e sendo o doador
dela. Todo aquele que se apropriar dEle tem a vida eterna. A árvore da vida no jardim do Éden
(tanto no Gênesis como no Apocalipse) aponta para Cristo, que é a cura de todos os povos. Ele é
o salvador e médico das gentes de todas as nações. Os que são da posteridade de Adão, a fim de
que sejam curados de seus pecados, têm que se apropriar da Vida, que é Jesus. Assim como no
novo pacto, o sacramento da ceia, com o pão e o vinho, aponta para Cristo, a Vida, assim, no
pacto das obras a árvore no jardim apontava para a vida eterna. O sacramento é uma figura que
trata de uma verdade, mas atinge os olhos, não somente os ouvidos com a mensagem falada. E o
evangelho visível que Deus nos deu.
Deus criou originalmente o homem com vida natural perfeita, mas a fim de que ele se
apropriasse da vida eterna ele teria que obedecer e tomar da árvore a vida (Gn 3.22).
79 No pacto com Noé, houve a colocação do arco nas nuvens (Gn 9.12-13); O pacto com Abrão
obras (The Economy of the Covenants Between God and Man, 105-117).
81 Louis Berkhof, Teologia Sistemática, 257 (edição castelhana).
70
1Co 15.45-49 — ―Pois assim está escrito: O primeiro homem, Adão, foi feito
alma vivente. O último Adão, porém, é espírito vivificante. Mas não é primeiro o
espiritual, e, sim, o natural; depois o espiritual. O primeiro homem, formado da
terra, é terreno; o segundo homem é do céu. Como foi o primeiro homem, o
terreno, tais São também os demais homens terrenos; e como é o homem celestial,
tais também os celestiais. E, assim como trouxemos a imagem do que é terreno,
71
82 Há duas ressalvas a serem feitas nesta matéria: (1) Cristo não estava incluído nesta
representação. No texto de I Co 15.4549 Cristo está em oposição ao Primeiro Adão. Se Adão houvesse
guardado o pacto, Cristo não teria vindo, porque a Sua obra foi fazer exatamente o que o primeiro Adão não
fez — obedecer, para conseguir vida eterna para o seu povo. Embora Cristo seja, em última instância,
descendência natural de Adão, via Maria, Ele não é representado por Adão, não recebendo, portanto, a
culpa e a herança pecaminosa dele; (2) Não podemos afirmar de modo dogmático que Eva estava inclusa
nessa representação. Contudo, há indícios de que Adão era o cabeça da família, porque era o varão e o
primeiro a ser formado. Gn 2.16-17 dá-nos uma perfeita idéia de que o pacto foi feito com Adão, antes
mesmo de Eva ter sido formada. O pacto foi feito exclusivamente com Adão e Eva, ao que nos parece, foi
inclusa nessa representação. A razão disso está no fato de Eva ter pecado primeiro e Adão ter sido
responsabilizado por Deus. E verdade que ela caiu pela sua própria transgressão, mas a ruína da raça só
veio a ser anunciada depois de Adão caiu, porque o pacto havia sido estabelecido com ele. Adão foi o
primeiro a ser convicto do seu pecado, embora Eva fosse a primeira a ter caído. A culpa do pecado é
atribuído a Adão como representante da raça. Deus foi ajustar contas com ele, quando disse: ―Comeste da
arvore de que eu te ordenei que não comesses?‖ (Gn 3.11).
72
1Co 15.21-22 – ―Visto que a morte veio por um homem, também por um
homem veio a ressurreição dos mortos. Porque como em Adão todos morrem,
assim também todos serão vivificados em Cristo.‖
Como o primeiro Adão está para a morte, assim o último homem está para a vida. O
primeiro traz morte e o segundo traz ressurreição, que é o mesmo que vida. Perceba que há um
paralelo absoluto entre eles. O que um faz traz conseqüência na vida de todos. O principio da
representatividade está revelado em ambos. O primeiro Adão representa toda a raça humana, e o
outro representa todo o seu povo. Dessa forma podemos entender que todos morrem em Adão
assim como todos vivem em Cristo.
1Co 15.45-49 – ―Pois assim está escrito: o primeiro homem, Adão, foi feito alma
vivente. O último Adão, porém, é espírito vivificante. Mas não é o primeiro o
espiritual, e, sim, o natural; depois o espiritual. O primeiro homem, formado da
terra, é terreno; o segundo homem é do céu. Como foi o primeiro homem, o
terreno, tais são também os demais homens terrenos; e como é o homem celestial,
tais também os celestiais. E, assim como trouxemos a imagem do que é terreno,
devemos trazer também a imagem do celestial.‖
Estes versos mostram que tanto o primeiro Adão como o último Adão eram pessoas
públicas, não simples indivíduos. Eles não agiram em favor de si próprios, mas o ato deles foi
considerado o ato de todos aqueles que eles representaram.
1) A idéia de representação está patente no fato de Paulo falar no primeiro Adão e
no último Adão.
v.45 – ―Pois assim está escrito: o primeiro homem, Adão, foi feito alma vivente.
O último Adão, porém, é espírito vivificante.
v.47 - O primeiro homem, formado da terra, é terreno; o segundo homem é do
céu.‖
É verdade que linearmente falando Adão foi o primeiro homem, mas seqüencialmente não
podemos dizer que Jesus Cristo foi o último, ou mesmo o segundo Adão. É óbvio que Paulo está
tratando de duas pessoas especiais que agiram pactualmente. O primeiro Adão agiu como
representante do pacto das obras, agindo em lugar de toda a sua posteridade, enquanto que
Cristo agiu como representante do pacto da graça, atuando em favor e no lugar de todos aqueles
que o Pai lhe havia entregue.
O que é natural vem primeiro. O que é espiritual vem depois. Perceba que quando Paulo
fala do primeiro, o natural, ele está se referindo a um homem, não a um principio. Quando fala do
espiritual a mesma coisa. Isto significa que antes da redenção está a queda; que antes da
ressurreição está a morte; antes do segundo o primeiro. Ambos São representantes das coisas
diametralmente opostas: o primeiro, do pecado e o segundo, da salvação.
É importante que se observe que assim como natural (v.46) está para terreno (v.48), o
espiritual (v.46) está para celestial (v.48).
v.48 – ―Como foi o primeiro homem, o terreno, tais São também os demais
homens terrenos; e como é o homem celestial, tais também os celestiais.‖
v.49 – ―E, assim como trouxemos a imagem do que é terreno, devemos trazer
também a imagem do celestial.‖
Isto significa que todos aqueles que estão em Cristo, estiveram em Adão. Certamente nem
todos os que estiveram em Adão vieram a estar em Cristo, pois este agiu somente em favor do Seu
povo, mas indubitavelmente, todos os que estão em Cristo hoje, já estiveram em Adão. Todos os
que possuem a imagem do que é celestial já refletiram a imagem do terreno. Usando o próprio
raciocínio de Paulo, posso concluir: todos os que São de Adão refletem a imagem das coisas
pecaminosas, assim como devem refletir a santidade de Cristo todos os que estão nele. A imagem
nossa reflete aquele de quem somos.
Rm 5.12-2183 - O verso 14 diz que Adão era tipo daquele que haveria de vir. Há um
paralelo perfeito entre ambos. Nos versos subsequentes, os dois aparecem em paralelo
representando cada um o seu povo. O primeiro Adão representando a velha humanidade, e o
último Adão, Cristo, representando a nova humanidade.
O primeiro Adão, foi tornado representante de todos por causa do pacto das obras; o
segundo Adão, Cristo, foi tornado representante por causa do pacto da graça. O primeiro
desobedeceu o pacto, o segundo obedeceu todas as prescrições estabelecidas pelo primeiro pacto.
Cristo cumpriu todas as exigências do pacto de obras, obedecendo em nosso lugar. E a
obediência dEle é considerada por Deus como nossa obediência, assim como a desobediência de
Adão também é considerada nossa desobediência. Nós recebemos todas as cousas gratuitamente
por meio de Jesus Cristo (por isso é chamado de pacto da graça), mas para Jesus Cristo foi um
pacto de obras, porque Ele, como segundo Adão, teve que fazer todas as cousas por seu povo, que
o primeiro Adão não fez. Logo, assim como a culpa de Um é atribuída a todos, a justiça de Um
também atribuída a todos.
83 A análise deste texto aparecerá em detalhes quando tratarmos do capítulo sobre o Pecado
Original.
74
O Pensamento Arminiano
O próprio Armínio afirma que os pecadores não têm mais nada a ver com o pacto das
obras. Eis alguns dos argumentos arminianos: 84
1) Quando o homem está no estado de pecado, ele não esta pactuado com Deus. Portanto,
não há mais nenhum contrato entre Deus e o homem, pelo qual Deus possa requerer obediência;
2) Deus tem privado o homem da capacidade e do poder de cumprir a lei, por causa do
pecado. Por essa razão, Deus não mais pode requerer do homem o cumprimento das exigências
do pacto, o que seria injustiça, a menos que Ele devolva ao homem a sua capacidade de
obedecê-lo;
3) Deus não pode exigir do pecador que ele O ame, respeite e O obedeça no estado de
maldição em que o pecador se encontra. Deus não pode exigir do pecador que cumpra algo, se o
pecador está fora do seu favor.
Basicamente por estas razões, todos os segmentos arminianos rejeitam a idéia de que o
pacto esta ainda em vigor.
O Pensamento Reformado
Respondendo as objeções arminianas, podemos dizer o seguinte:
1) Quanto ao primeiro argumento: o fato de uma das partes violar o contrato não implica
que o contrato deva ser desfeito. Num contrato humano a parte lesada por ou não desfazer o
contrato, não quem lesa. Muito mais sério é o pacto de Deus com a criatura. Acima de tudo isso,
porém, temos que considerar que a parte ofendida é Deus, o Supremo Legislador e Soberano. O
homem não pode afrontar o soberano e ainda ficar impune pela desobediência.
2) Quanto ao segundo argumento: o fato de o homem ficar impotente por causa do pecado
não retira de Deus o direito de continuar exigindo dele a obediência. A perda da capacidade de
obedecer não foi uma decisão arbitrária. Deus havia avisado ao homem que, se ele
desobedecesse, ele haveria de morrer. A impotência do homem é uma das conseqüências dessa
morte. Como a parte ofendida no pacto, Deus pode ainda exigir que o homem continue debaixo
da obrigação de obedecer. Deus não retirou essa exigência, mesmo embora os homens não mais
sejam capazes dela.
3) Quanto ao terceiro argumento: Novamente o argumento arminiano esbarra na idéia da
soberania divina. E bom que nos lembremos de que Deus é quem estabeleceu todas as condições
e estipulações do pacto. Somente ele pode pô-las ou retirá-las. Ninguém mais. Não é a situação
do homem que vai alterar as exigências de Deus.
Passemos agora à argumentação positiva que os Calvinistas fazem a respeito dos sentidos
em que o pacto das obras ainda vigora:
1) Deus ainda afirma que se alguém obedecer a lei de Deus obtém vida eterna. Deus não
retirou essa lei.
Lv 18.5 diz: ―Portanto os meus estatutos e os meus juízos guardareis; cumprindo os
quais, o homem viverá por eles: Eu sou o Senhor‘. Deus poderia, se quisesse, ter retirado esta
obrigação, mas Ele não o fez. Os homens ainda podem obter vida eterna se obedecerem à lei.
Embora os homens sejam incapazes de cumprir essa lei, Deus não a retirou. Paulo deixou este
ensino bem claro, quando recordou seus leitores dessa lei de Moisés (Rm 10.5; Gl 3.12).
2) Deus ainda afirma que os homens estão debaixo da obrigação de obedecer à Sua lei de
modo perfeito.
Mesmo depois da promulgação do evangelho da graça de Jesus Cristo, aqueles que
violaram o pacto das obras não estão livres de guardar toda a lei, se se aventuram a querer
guardar um só princípio para obter vida. Essa lei exige deles absoluta obediência, e que, por
causa da impotência do pecado, eles continuaram a ser devedores de toda a lei (Gl 5.3). Deus não
facultou aos homens guardarem apenas alguns dos Seus princípios, mas toda a lei.
3) Deus ainda afirma que o homem continua a morrer por causa da violação do pacto das
obras.
Paulo diz: ―E o mandamento que me fora dado para a vida, verifiquei que este mesmo se
me tornou para morte.‖ (Rm 7.10). Lembremo-nos de que Paulo está falando milênios depois do
evento do Éden. Ainda continua a lei de morte para o transgressor dos preceitos divinos. A Alma
que pecar ainda morre. A lei que originariamente foi dada para que, por sua obediência, houvesse
a vida eterna, continua matando os homens.
Portanto, diferentemente dos arminianos, os calvinistas afirmam que o pacto das obras
ainda vigora. Contudo, há
Mas a justiça não procede realmente da lei, mas da obediência à lei, que o pecador não
mais tem condição de prestar. Por essa razão, não mais estão debaixo do pacto das obras para
conseguir a vida eterna aqueles em favor de quem Cristo obedeceu. Aqueles que São beneficiários
do pacto da graça, não mais estão na obrigação de guardar a lei perfeitamente para obterem vida,
pois Cristo já a obteve por eles e no lugar deles. Todas as obrigações que devíamos, Cristo as
satisfez por nós.
Daquele que está em Cristo já não mais se pode dizer que está sob o pacto das obras no
que concerne à obtenção da vida eterna.
76
PARTE 2
A CONDIÇÃO DO
HOMEM E A QUEDA
77
Deus criou o homem com capacidade de auto determinar-se, um agente livre, para agir
sempre de acordo com as disposições do seu coração. Ele poderia fazer tanto o bem, que era
próprio de sua natureza, mas também poderia, mudavelmente, fazer o que era contrário à sua
natureza, pecando contra o Senhor Deus e Suas leis.
Novamente a CFW diz:
Deus criou o homem com uma santidade mutável. Como já foi dito acima, a santidade no
homem não era parte essencial nele, como o é em Deus. Santidade não é um atributo
constitucional do homem. A prova disso é que ele a perdeu e, ainda assim, continua sendo
homem. Deus é livre na expressão da Sua santidade, e ela é sempre a mesma, por causa da
própria natureza imutável de Deus. Deus nunca vai fazer alguma coisa diferente daquilo que Ele
é. Por isso Ele não pode pecar. Sua vontade quer sempre aquilo que a Sua natureza determina.
Na Sua infinitude há a exclusão da idéia de mudança na vontade. Deus não tem o poder de
escolha contrária, isto é, de fazer algo que vá de encontro à Sua natureza. Deus é um ser moral
livre, todavia só faz aquilo que é próprio da Sua natureza. Portanto, em Deus liberdade e
necessidade moral São a mesma coisa. Para que haja liberdade, não há a necessidade de haver o
poder de escolha contrária.
A liberdade em Deus é uma auto-determinação imutável, mas no homem, como ser finito
que é, a capacidade de auto-determinação ou seja, a capacidade de fazer as coisas de acordo com
a natureza, é mutável. Deus deu ao homem, no principio, aquilo que Ele próprio não possuía, a
capacidade de escolha contrária. O homem era livre para expressar a santidade com a qual Deus
o havia criado, mas de tal modo que pudesse também fazer algo contrário à sua santidade. Para
que Adão fosse livre, ele não precisava ter o poder de fazer algo reverso. ―O poder de reverter a
auto-determinação existente não é a substância da liberdade, mas é um acidente dela.‖ 85 Deus é
livre sem esse acidente. Mas Deus deu ã criatura essa capacidade de escolha contrária, e ela a
usou para a sua própria vergonha.
Por isso é possível entender como uma pessoa santa como Adão poderia fazer o que fez.
Ele usou a capacidade de escolha contrária que lhe foi dada por Deus.
Há que se olhar essa atitude de Adão de um outro prisma. Ele era Simplesmente uma
criatura perfeita. Como criatura, contudo, dependia de Deus para todas as coisas da vida
natural, como dependia de Deus para que sua vida de comunhão com Ele continuasse. E próprio
de toda a criação essa dependência de vida. Vida é algo que é dado, mantido e renovado por Deus.
E Adão era santo, mas apenas uma criatura, desprovida de qualquer senso de onisciência,
passível de ser enganada, que poderia pensar no mal como algo que não fosse tão mal assim.
Embora a condição moral do homem fosse de excelência, sem tendência para o mal, todavia,
poderia cair desse estado.
Toda a criatura tem algo que Deus não tem — mutabilidade. Esta é uma das grandes
distinções entre Deus e a criatura. Imutabilidade e impecabilidade são atributos do Criador, não
das criaturas, sejam elas homens ou anjos.
A liberdade de Adão e Eva consistia no fato de fato deles poderem escolher ou abraçar
aquilo era bom e agradável ao seu entendimento, como Deus queria, ou para colocar de outro
modo, em recusar aquilo que era mau. Ele tinham o poder de continuar no estado em que foram
criados. Era só agirem de acordo com a natureza santa que Deus lhes havia dado. Mas não foi
assim que fizeram. Simplesmente puseram em ação a capacidade de fazer aquilo que era
contrairão à natureza deles. Contudo, desobedeceram a Deus, agindo voluntariamente,
constituindo-se numa situação singular em toda a história humana. Usaram da liberdade de
escolha contrária que tiveram para perderem-se a si mesmos, imergindo-se a si mesmos e toda a
raça na escravidão da miséria.
79
CAPITULO VII
O fato de Adão possuir a liberdade de escolha contrária, não explica todos os mistérios
relacionados ao problema da entrada do mal no mundo. Há que se pensar que o mal moral é
anterior ã queda do homem.
Há, na verdade, dois grandes problemas praticamente impossíveis de serem explicados: O
primeiro, que tem a ver com a entrada do mal no universo, é a dificuldade de entender a queda
dos anjos sem haver tentador externo e sem que tivessem natureza propensa para o mal; o
segundo, que tem a ver com a entrada do pecado no mundo dos homens, é a dificuldade de
explicar como Adão veio a pecar já que não possuía natureza pecaminosa. Este é um problema da
teodicéia, que estudaremos neste capítulo.
O problema da origem do mal tem sido considerado como um dos mais profundos dentro
da filosofia e da teologia. Não se pode fechar os olhos para o problema do mal que é universal. Ele
é uma mancha indelével que caiu sobre o universo e sobre a vida em todas as suas
manifestações, e tem sido a tônica diária de cada membro da raça humana. Os estudiosos têm
tentado encontrar um resposta para o problema do mal no universo, mas sem sucesso,
especialmente quando a resposta é procurada fora da esfera da revelação divina.
As grandes e freqüentes perguntas feitas são estas: ―Se Deus é bom como Ele permitiu a
entrada do mal no mundo? Se Deus é bom, por que Ele não tira todos as manifestações do mal no
mundo?‖
Há algumas respostas bíblicas e teológicas a essas perguntas, que são delineadas com o
maior temor diante de tão grande mistério, à luz de algumas sugestões que a Escritura dá sobre
o assunto.
―Pela Sua muito sábia providência, segundo a sua infalível presciência e o livre
e imutável conselho da Sua própria vontade, Deus, o grande Criador de todas as
coisas, para o louvor da glória da Sua sabedoria, poder, justiça, bondade e
misericórdia, sustenta, dirige, dispõe e governa todas as Suas criaturas, todas as
ações e todas as cousas, desde a maior até a menor‖ (V,1).
Este é um ponto-de-partida sem o qual vamos ter sérios problemas. Esta abordagem da
Confissão de Fé de Westminster é um ponto indispensável e a condição sine qua non para se ter
alguma luz sobre este assunto.
A Escritura ensina que Deus é bom, mas que também exerce a Sua soberania. Estas duas
coisas parecem não poder existir juntas na mente de muitos crentes, como se fossem atributos
incompatíveis. E por isso que esta pergunta surge freqüentemente: ―Se Deus é bom, como pode
80
Análise de Is 45.1-7
Há algumas coisas preliminares que precisam ser ditas deste texto: Primeiro, Temos que
ver Quem é o autor destas palavras. Claramente Deus é o sujeito destas palavras e Ele fala, em
todos os versos, na primeira pessoa do singular; Segundo, a quem Deus se dirige. Ele se dirige a
Ciro, rei da Pérsia. Ele era um rei de uma terra onde se cria num dualismo, isto é, cria-se num
deus do bem e num deus do mal; terceiro, Deus está mostrando a Ciro que só existe um Deus
(v.5, 6), isto é, que não há o chamado dualismo persa, e que, como Deus, Ele faz tudo o que Lhe
apraz (v.7), inclusive usa os homens ímpios para cumprir os seus propósitos (v. 1).
No ponto culminante desta passagem majestosa de Isaías, há um verso que trata de
frente o problema do mal, encarando-o à luz da soberania divina (v.7). Nada pode ser mais claro
do que este verso. Esta é uma palavra inspirada pelo Espírito Santo, palavra que Deus quis que
fosse registrada para o nosso conhecimento. O profeta narra aquilo que Deus quer que
enfrentemos com o maior santo temor: o problema do mal. Mesmo não compreendendo todas as
razões de Deus, porque Deus é, pelo que faz, um ―Deus misterioso‖ (v. 15), temos que admitir que
este texto lança alguma luz sobre o tão importante e incomodante problema do mal. O texto não
trata das razões últimas de Deus. Não podemos entender por quê Deus faz o que faz, mas
podemos crer que Ele faz o que faz.
Quando Deus fala que ―crio as trevas e faço o mal‖, Ele assume perfeitamente a
responsabilidade pela entrada do mal no mundo. Esta é uma revelação que não devemos
desprezar para justificar a nossa teologia, porque, fazendo assim, estaremos andando de (não ao)
encontro à Sua revelação.
Nos capítulos 40 a 45, o tema de Isaías é a soberania divina. Aliás, este é um tema que
atravessa toda a Escritura, mas Isaías dá uma atenção especial a ele. Há um só Deus e Ele está
sobre todas as coisas.
Como Paulo, Isaías declarou todo o conselho de Deus e, fazendo isto, proclamou que Deus
está acima e sobre todas as coisas. A declaração pelo próprio Deus sobre a origem do mal nas
palavras do v.7, dá-nos algumas idéias sobre as quais passamos a discorrer:86
Em que sentido Deus é o criador do mal? 87 O que Ele quer dizer com Is 45.7? Será que o
mal do v.7 diz respeito apenas aos castigos, aos flagelos, às penalidades que Ele impinge aos
homens? Ou será muito mais que isso?
Não temos todas as respostas às perguntas sobre a origem do mal, mas cremos ser o mal
referido no texto de Isaías seja o problema do mal moral. De qualquer forma, de algumas coisas,
86 Fundamentalmente, essas idéias estão incluídas no livro de Willian Fitch, Deus e o Mal, (São
mal‖ ou ―o autor do pecado‖. Deus é santo e não pode pecar, não envolve-se pessoalmente com aquilo que é
moralmente mau. Nem mesmo Deus induz os homens ao pecado (Tg 1.13, 14). Is 45.7 não diz que Deus leva
o homem a pecar, tentando-o. Do Deus da Escritura não pode ser dito que faz coisas moralmente mas,
embora faça coisas que sejam contrárias à lei que Ele estabeleceu como regra de vida para nós, e Ele está
acima dessa lei, não sujeito a ela Se Ele viola uma dessas leis, Ele não se torna pecador, porque a lei é para
homens, e não para Ele.
81
2Rs 19.25 – ―Acaso não ouviste que já há muito dispus eu estas cousas, já
desde os dias remotos o tinha planejado? Agora, porém, as faço executar, e eu quis
que tu reduzisses a montões de ruínas as cidades fortificadas.‖
Todas as cousas que Deus executa na história são produto de um plano previamente
estabelecido. Todos os eventos, os grandes e os pequenos, vêm como produto do cumprimento
dos desígnios eternos de Deus. Não é diferente com o decreto da entrado do pecado no mundo.
A entrada do mal no universo angelical e humano serve para um propósito previamente
estabelecido, especialmente se entendemos o plano da salvação que foi proclamado e anunciado
antes da fundação do mundo (Tt 1.2).
A segunda verdade neste assunto é que, no texto de Isaías,
Ele não conta as razões pelas quais ele responsabiliza-se pela presença do mal no mundo,
mas é obvio que Ele não foi apanhado de surpresa pela presença do pecado no Seu universo.
Com certeza, sabemos que Deus rejeita algumas idéias errôneas a respeito da
origem do mal:
a) Neste texto de Isaías Deus rejeita a doutrina do Dualismo.88
O dualismo ensina sobre deuses rivais, de igual poder. Hughes define dualismo como ―a
teoria de que por dentro e por detrás de toda a realidade há a presença não de um, mas de dois
princípios eternos e absolutos que são irreconciliáveis, opostos um ao outro,‖89 especialmente
quando se trata do difícil problema da coexistência do bem com o mal neste mundo.
A presença do mal coexistindo com o bem teve uma solução simplista na teologia das
religiões do oriente. E assim que o livro sagrado do zoroastrismo, a mais elevada das religiões
não-bíblicas, contorna a dificuldade da presença do mal no universo. O zoroastrismo apregoa
dois deuses — Ormuz e Arimã. Ambos criaram o mundo. O bom deus Ormuz criou as coisas
boas; o mau Arimã criou todas as coisas más. O primeiro era o deus da luz, e o segundo o das
trevas, que sempre lutaram num conflito ininterrupto. Hughes nos diz que:
é o dualismo relacionado à matéria e ao espírito, muito comum no gnosticismo que a Escritura combateu,
logo no primeiro século da era cristã. Esta seita ensinava que havia dois poderes supremos, o da luz e o das
trevas. Ela ensinava que a luz não poderia abordar as trevas, que era irreconciliavelmente oposto a ela. A fim
de ligar esse abismo entre luz e trevas, tinha que haver seres intermediários. Jesus era um desses seres
intermediários (eons). Por ele ser da luz, ele não poderia ser matéria, não poderia ter vindo em carne. esse
tipo de erro que João combate na sua carta (1 JO 1.1-2).
89 Philip Edgcumbe Hughes, The True Image, (Grand Rapids: Willian Eerdmans Publishing
Esse tipo de dualismo pairava na Pérsia, onde reinava o rei Ciro, quando Deus se lhe
dirigiu, porque este cria dualisticamente. Foi por essa razão que Deus disse várias vezes: ―Eu sou
Deus. Além de mim não há outro...‖.
Esta solução dualista para explicar a coexistência do bem com o mal é uma solução
anti-escriturística porque ata o princípio do mal como algo inseparável do universo que Deus fez.
Em última instância, a religião do dualismo nunca dará a vitória ao bem, porque os dois
princípios são eternos e igualmente poderosos. ―A religião dualista é uma religião sem esperança
da eliminação definitiva do mal e do triunfo do bem.‖ 91 A teoria dualista é absolutamente
incompatível com a teologia do cristianismo. Por essa razão, Deus rejeita a possibilidade do
dualismo. no texto de Isaías 45.
Este teoria da teodicéia de alguns estudiosos diz que o mal apareceu sem que alguém o
trouxesse à existência. Se o mal surgisse assim, Deus não teria tido qualquer controle sobre as
cousas deste mundo. O mal sendo gerado espontaneamente tira Deus do trono de sobre todas as
coisas. Mas Deus diz: ―Eu faço todas as coisas...‖.
c) Neste texto de Isaías Deus rejeita as idéias deterministas que apresentam o pecado
como uma necessidade inerente na natureza íntima de todas as coisas.
O filósofo alemão G. W. Leibniz (1646-1716) ensinou em sua teodicéia que existe uma
imperfeição metafísica que é inerente na real constituição de todas as cousas criadas. 92 A
presença do mal é parte constituinte e está embutida na estrutura de todas as cousas. Leibniz
admitiu claramente que ―há uma imperfeição original na criatura, mesmo antes de o pecado ser
cometido, porque a criatura é limitada em sua essência.‖ 93 Nesse ponto, Barth assimila algo de
Leibniz, porque sustenta que o problema do homem é o fato dele ser criatura. O pecado apenas
complica esse problema. O mal está inerente e necessariamente presente no mundo pelo fato dele
ser criação. Leibniz falou ainda do ―verdadeiro pecado necessário de Adão que é cancelado pela
morte de Cristo!‖94
Hegel sustenta que o aparecimento do mal é algo necessário para que o homem chegue à
sua humanidade plena. A idéia de Hegel é que ―a queda em si mesma foi um desenvolvimento
necessário para a realização pelo homem de sua humanidade autêntica.‖ 95 Hegel não nega que o
homem foi criado bom, mas afirma que a vinda do mal era necessária para que o homem se
tornasse completo. ―Assim, Hegel supôs que ambos, o bem e o mal, foram necessários se o
homem estava para desenvolver para a plenitude de sua humanidade, e que o alcance da síntese
fosse possível somente pelo modo da confrontação entre a tese e a antítese.‖ 96
90 Hughes, 85.
91 Hughes, 85.
92 Hughes, 93.
93 G. H. Leibniz, Theodicy: Essays on the Goodness of God, the Freedom of Man, and the Origin of
Estas teorias tornariam Deus o autor direto do mal, porque Ele teria criado todas as
cousas como necessitadas do mal. A teodicéia cristão não pode admitir tais teorias. Deus criou
todas as cousas e disse que elas eram muito boas! ―E viu Deus tudo o que criou e disse: Eis que
tudo é muito bom‖ (Gn 1.31).
A idéia da eternidade do mal geralmente surge da idéia do dualismo dos deuses rivais.
Assim como houve sempre o bem, da mesma forma houve o mal.
Mas a Escritura rejeita essa teoria. O mal veio a existir no universo e no mundo dos
homens. Houve um ―tempo‖ quando não havia a presença do mal no universo criado. O mal
apareceu primeiro no mundo angelical e, depois, no mundo dos homens. O mal não é eterno.
Eterno é Aquele que é o bem.
Portanto, quando Deus diz que ―cria o mal‖, Ele está aceitando a responsabilidade pela
presença do mal no meio da Sua criação. Não basta dizer, como Calvino 97 e outros, que disseram
que o ―mal‖ mencionado por Isaías se refere aos males dos juízos e punições que Deus envia aos
homens. O texto parece ir muito mais profundo do que isso. A palavra usada para ―criar‖ aqui em
Isaías 45.7, é exatamente a mesma que foi usada em Gênesis, quando da criação das coisas sem
ter qualquer material pré-existente. Portanto, Deus também chamou o mal à existência, mas Ele
fez com que ele viesse ao mundo através da agência das criaturas racionais, tanto anjos como
Adão e Eva, que agiram livremente, isto é, sem compulsão exterior alguma, apenas levados por
seus desejos e conveniências, incompreensivelmente nascidos numa natureza santa com a qual
foram criados.
Vejamos alguma coisa relacionada com o contraste entre as palavras usadas em Is 45.7.
Deus disse: ―Eu faço a paz e formo a luz‖. Não havia necessidade de Deus ―criar‖ a paz e a luz,
porque Deus é luz e paz (1 JO 4.5; Gl 5.22). Deus compartilha a Sua vida com os homens quando
lhes dá o dom da luz e da paz. Mas o mal é cousa muito diferente. Ele ainda não existia, e, por
razões desconhecidas de nós, Deus resolveu dar origem ao que não havia antes. Por isso, o mal
requer uma criação especial e, assim, as Escrituras inspiradas empregam a palavra )frfB, para
referir-se à criação do mal.
Todas as respostas não estão, obviamente, aqui, mas não podemos fugir do assunto que
Deus aceita tratar abertamente, embora não nos revele todos os seus detalhes.
A terceira verdade que devemos apresentar sobre este assunto e:
97 No seu comentário de Isaías, Calvino interpreta o mal como sendo ―aflições, guerras e outras
ocorrências adversas‖. Isto ele faz para livrar-se daqueles que ele chama de ―fanáticos, que torturam a
palavra mal, como se Deus fosse o autor do mal; mas é muito óbvio quão ridiculamente eles abusam desta
passagem do profeta… Deus é o autor do mal de punição, não do mal de culpa‖.(Ver John Calvin,
Commentary on the Book of the Prophet Isaiah, (Baker, 1981 edition), p.403.
84
filhos de Deus pode acarretar grandes prejuízos para nós, causando um dano considerável em
nosso meio, mas o seu governo não é absoluto sobre o mal. Ele opera debaixo da ordem expressa
de Deus. Nada de mal é executado neste mundo sem que seja da vontade decretiva de Deus, que
está no controle da história. Se Deus não estivesse no leme do barco que caminha para o fim da
história, como poderia Deus ter certeza de que vai chegar onde determinou que haveria de
chegar? E fácil perceber nas Escrituras que, para que o fim chegue, muita coisa má ainda tem
que acontecer. O mal que ainda vai acontecer está determinado por Deus, que o executará
através da agências de suas criaturas racionais, mas tudo acontecerá sempre debaixo do
controle restringente dele.
Deus está executando um plano de redenção, e é redenção do mal, e resgate das forças do
Maligno. Para que sejamos confortados no meio de grandes males que o mundo enfrenta, é
necessário que olhemos a história do ponto-de-vista de Deus que a determina, embora nós
sejamos os agentes dela. Deus haverá de eliminar o mal do Seu mundo, e a implantação da
justiça é uma questão apenas do ―tempo‖ de Deus.
E interessante notar o otimismo da Escritura, quando ela observa o contraste entre o bem
e o mal. A Escritura
―Israel, porém, será salvo pelo Senhor com salvação eterna; não sereis
envergonhados, nem confundidos em toda a eternidade. Porque assim diz o
Senhor que criou os céus, o único Deus que formou a terra, que a fez e que a
estabeleceu; que não a fez para ser um caos, mas para ser habitada: Eu sou o
Senhor e não há outro. Não falei em segredo, nem em lugar algum de trevas da
terra; não disse à descendência de Jacó: Buscai-me em vão; eu, o Senhor, falo a
verdade, e proclamo o que é direito‖ (Is 45.17-19).
Parece que as promessas do Senhor demoram para serem cumpridas, mas Deus tem se
mostrado fiel a todas as Suas promessas, e também não falhará nesta. Jesus é a provisão de
Deus para a redenção do pecador do mal. Ele é a luz que, vinda ao mundo, dá vida aos homens
(Jo 1.9; 8.12). O calvário é a fonte onde somos lavados de todas as nossas imundícias da
98 Fitch, p. 18-19.
85
natureza pecaminosa. O pecado já não mais tem domínio sobre nós (Rm 6.14). Essa é a promessa
que temos de que Deus está no trono, sendo vitorioso sobre o mal, proporcionando um escape
para ele. O pecado não mais reinará sobre os nossos corpos mortais, porque Cristo já conseguiu
a vitória por nós e no nosso lugar, e bem logo, veremos esta coisas claramente, quando o Senhor
Jesus se manifestar em glória.
A quinta verdade sobre esta matéria é que
5) Deus Insta aos Homens para que Fujam do Mal e se Refugiem nele.
Veja o que Deus diz nesse mesmo capítulo de Isaías:
―Olhai para Mim e sede salvos, vós, todos os termos da terra; porque Eu sou
Deus e não há outro. Por mim mesmo tenho jurado; da minha boca saiu o que é
justo, e a minha palavra não tornará atrás. Diante de mim se dobrará todo o
joelho, e toda língua. De mim se dirá: tão somente no Senhor há justiça e força; até
Ele virão e serão envergonhados todos os que se irritarem contra Ele. Mas no
Senhor será justificada toda a descendência de Israel, e nEle se gloriará.‖ (Is
45.23-25).
A verdade é vista de forma duplamente completa: os do Seu povo têm salvação do mal nele
e nele serão justificados, e os ímpios haverão de prestar contas a Ele de suas maldades, porque
Ele é o Deus da justiça.
Deus continua no trono. E do Seu trono que Ele está falando aqui. E é para o Seu trono
que somos convocados a olhar. O homem terá que ser libertado do pecado, e isso acontecerá por
Jesus Cristo, em quem o homem deverá olhar com fé. A Escritura sempre encoraja os homens a
buscarem refúgio e socorro nele, afastando-se do mal. E isso que o Senhor deseja que façamos e,
para isso, necessitamos de Seu auxilio!
99
1) O Pecado é uma classe específica de mal
Muito se fala na atualidade a respeito do mal, mas pouco se tem dito a respeito do pecado.
Esta é uma palavra omitida na maioria das publicações ou conferências científicas que tratam
dos problemas da raça humana. Contrariamente, a Escritura fala muito a respeito do pecado,
que tem a ver com a transgressão de uma lei divina, mas é preciso ter em mente que nem todo o
mal é pecado. O pecado não deve ser confundido com os males físicos que provocam as
calamidades e prejuízos, que tantas dores têm trazido à raça humana. Estes últimos, na maioria
das vezes, vêm como manifestação do julgamento parcial de Deus sobre os pecados dos homens.
Aquele, entretanto, é um mal moral, porque afeta e viola uma lei moral de Deus, é uma oposição
deliberada àquilo que Deus estabeleceu. No seu cerne, o pecado é sempre um ato positivo de
oposição a Deus, que envolve culpabilidade pessoal, e é produto de uma ação voluntária da parte
do homem, como agente livre que é (Gn 3.1-6; Rm 1.18-32; 1 Jo 3.4).
100
2) O Pecado tem um caráter absoluto
Na esfera ética o contraste entre o bem e o mal é absoluto. Não há um intervalo de
neutralidade entre ambos. Ainda que haja graus em ambos, não há grau entre um e outro. A
transição de um para o outro não é de caráter quantitativo, mas qualitativo. Um ser moral que é
bom não se converte em mau por diminuir a sua bondade, mas unicamente por uma mudança
qualitativa radical volvendo-se para o pecado. O pecado não é um grau menor de bondade, mas
um mal positivo. A Escritura não reconhece qualquer posição de neutralidade entre o bem e o
mal. O homem está do lado do justo ou do ímpio.
Mt 12.30 – ―Quem não é por mim, é contra mim; e quem comigo não ajunta,
espalha.‖
O que Jesus está querendo dizer neste verso é que se Ele merece o nosso respeito, merece
que o recebamos de todo o coração. Se não rendemos todo o coração a Cristo, não lhe estamos
rendendo cousa alguma. Não existe a idéia de estar indiferente com respeito a Cristo. A
indiferença é considerada oposição a Ele. Ou Lhe damos a honra, a adoração e o amor que Ele
merece, ou O desonramos, cultuamos o demônio e odiamos ao Filho de Deus. Trata-se de ser oito
ou oitenta com Jesus. Não existe equilíbrio no sentido de ficar entre Jesus e Satanás. Não há
posição de indiferença ou neutralidade. Por isso, Ele disse: ―Quem não é por mim, é contra mim.‖
Não há forma de ser neutro nas coisas espirituais. Se alguém não é seguidor de Jesus
Cristo, certamente estará do lado do maligno. Aqueles que não estão fazendo a obra de Deus
estão fazendo as obras do diabo. Não estar do lado de Deus significa estar do lado de Satanás.
Não existe meio termo ou neutralidade na esfera espiritual.
A Bíblia deixa absolutamente claro que o pecado não começou no Éden, com a queda dos
nossos primeiros pais. O pecado vai além de Gn 3. Deus havia criado as hostes angelicais, e todos
as cousas que Deus fez eram boas quando vieram das mãos do seu Criador (Gn 1.31; 2.1).
2 Pe 2.4 diz que ―Deus não poupou a anjos quando pecaram, antes, precipitando-os no
inferno, os entregou a abismos de trevas, reservando-os para juízo‖. A queda dos anjos ocorreu
quando legiões deles ―abandonaram o seu estado original‖ (Jd 6). O tempo exato dessa queda não
se sabe, mas Jo 8.44 diz que o Diabo foi ―homicida desde o princípio‖, e 1 Jo 3.8 diz que ele vive
―pecando desde o princípio‖.
Estas passagens mostram que houve um primeiro estado, um estado original no qual eles
eram santos, estado de criação esse que eles abandonaram. Eles caíram e foram tornados
instrumentos de ruína para os outros seres racionais, os homens. A Escritura, contudo, não diz
quase nada sobre a queda dos anjos. E possível que o ―orgulho‖ tenha sido o pecado de
Satanás 101 , mas não há nenhuma outra indicação que nos dê mais luz sobre a queda de
Satanás.
101 Esta é uma referência sacada de 1 Tm 3.6, onde se supõe que Satanás é orgulhoso, soberbo,
porque quis ser igual a Deus. O mesmo pode deduzir-se das palavras que ele usou para tentar Eva, em Gn
3, onde ela a induziu a ser como Deus.
87
A Escritura tem a resposta para os males no mundo dos homens, e seu terrível
comportamento, em Gn 3.1-6.
Análise de Gn 3.1-6
Este texto descreve o evento que deu origem aos males que há no mundo dos homens. O
que Moisés narra nestes versos diz muito mais do que todos os homens poderiam dizer juntos
sobre o pecado, se tivessem que descobrir a razão do comportamento deles por si próprios. Este
é um dos capítulos mais importantes da Escritura, porque é a chave para o entendimento da
pecaminosidade humana. Aqui começa o grande drama da miséria humana, e Deus é muitíssimo
102 A. W. Pink, Gleanings the Scriptures, (Chicago: Moody Press, 1977), p. 14.
88
claro quando trata da origem do pecado em nossa raça e, ao mesmo tempo, mostra a Sua
provisão para a miséria humana.
Vejamos a analise, verso por verso:
Gn 3.1 — ―Mas a serpente, mais sagaz que todos os animais selváticos que o
Senhor Deus tinha feito, disse à mulher: E assim que Deus disse: ―Não comereis
de toda árvore do Jardim?‖
Devemos ter muito cuidado ao interpretarmos este verso. Cremos que a afirmação do
texto refere-se a uma serpente literal como sendo instrumento103 de um ser superior. Cremos
que esta narrativa é histórica, e não alegórica, como sugerem alguns estudiosos. Observe outras
referências ao episódio de Gn 3.1 e veja que outros autores bíblicos a consideram como a
narração de um fato histórico (Jó 31.33; Is 43.27; Os 6.7; Rm 5.12, 14; 1 Tm 2.13, 14). Estes
versos que dizem respeito ao livro de Gênesis não devem ser interpretados figuradamente, mas
como que narrando eventos que realmente aconteceram. Perceba que Paulo trata de dois
personagens históricos: Adão e Cristo. A menos que Cristo tenha sido um mito, Adão deve ser
considerado um personagem histórico.
A serpente deve ser vista como um animal entre as criaturas de Deus. Não seria boa
exegese substituir ―serpente‖ por ―Satanás‖. Satanás não é igual serpente. O castigo mencionado
em Gn 3.14, 15, pressupõe uma serpente verdadeira, e Paulo não imagina uma serpente de outra
maneira.104 Houve, de fato, um poder sobre-humano na serpente, que não é mencionado em
Gênesis 3. Mas a Escritura deixa claro que a serpente era unicamente o instrumento de Satanás,
e que o verdadeiro tentador estava operando em e por meio da serpente, do mesmo modo que
posteriormente operou nos homens e nos porcos. A serpente foi o instrumento adequado de
Satanás para que fizesse o que fez. A serpente simboliza a natureza sutil e enganosa do pecado,
e tem um aguilhão venenoso que mata o homem. E por isso que Satanás, por sua astúcia e
sagacidade, é chamado de a ―antiga serpente‖ (Ap 12.9; 20.2).
O leitor atento haverá de perceber que a narrativa abrupta, que começa no verso 1, dá a
entender que a serpente estava replicando a alguma cousa que Eva havia dito antes. Com toda a
probalidade, quando a serpente chegou, Eva já estava observando a árvore proibida.
Concordamos com aqueles que têm concluído que Adão não estava com Eva quando a
serpente conversou com ela, embora saibamos que, logo após, ele juntou-se a ela. Eva estava só,
portanto, quando confrontou-se com a serpente. A base dessa afirmação está em 1 Tm 2.13-14,
onde o Espirito Santo deixou enfático o fato de Eva ter sido enganada, não Adão. Ela foi quem
seduziu Adão, não a serpente. Pode muito bem ser dito que Satanás tentou Eva que, por sua vez,
seduziria Adão; assim Satanás tentou Jó por sua esposa e Cristo através de Pedro. Esta é a sua
política: enviar tentações por mãos insuspeitas, isto é, por aqueles que têm interesse e influência
sobre nós.
A serpente, então, tentou Eva, na ausência do marido. O fato de Eva estar só, lança luz
sobre o que ocorreu. Ela não havia recebido pessoalmente a ordem de Deus, e, sim, Adão.
Sozinha, ela não teria ninguém para lembrá-la da ordem divina e, assim, foi presa mais fácil para
Satanás. Ela aproximou-se da árvore, brincando assim com a ordem de Deus. Como
conseqüência, recebeu o ataque da serpente sagaz. Ela entrou em território inimigo e foi ferida
por ela.
E por essa razão que a Escritura nos adverte para não andarmos no território do inimigo,
―para que Satanás não alcance vantagem sobre nós, pois não lhe ignoramos os desígnios‖ (2 Co
2.11), porque quem ―anda no caminho dos ímpios, detém-se no caminho dos pecadores e acaba
assentando-se na roda dos escarnecedores‖ (Sl 1.1; ver também Pv 4.14-15).
A serpente disse à mulher: ―É assim que Deus disse: Não comereis de toda árvore do
103 Ver esta idéia desenvolvida por Berkhof, p. 266 (edição em castelhano).
104 Compare Gn 3.1 com 2 Co 11.3 onde Paulo temia que ―assim como a serpente enganou a Eva
com a sua astúcia, assim sejam corrompidas as vossas mentes, e se apartem da simplicidade e pureza
devidas a Cristo.‖
89
jardim?‖
Nessa pergunta da serpente percebemos a astúcia e a malícia de um inimigo. Sua alusão
à restrição divina é muito maior e mais severa do que parece ser. O Senhor havia feito alusão, de
fato, a uma provisão para a alimentação de nossos primeiros pais, dizendo que eles poderiam
comer ―livremente de todas as árvores do jardim‖, com uma simples exceção (Gn 2.16). Mas
Satanás alterou as providências de Deus na sua pergunta. Ele tentou não somente fazer com que
Eva duvidasse da veracidade de Deus, mas que também suspeitasse da ordem divina. Satanás
está sempre procurando injetar veneno em nossos corações: fazer com que desconfiemos da
bondade e da veracidade de Deus - especialmente em conexão com Suas proibições e preceitos.
Isto é o que realmente está por detrás de toda desobediência: um descontentamento com aquilo
que Deus nos dá. Este descontentamento a serpente plantou no coração de Eva. O veneno já
havia sido injetado. As palavras iniciais da conversa da serpente foram designadas para produzir
em Eva um espirito de descontentamento.
Observe, agora, que a reação de Jesus ante o tentador foi muito diferente. Ele recusou-se
a debater com Satanás, justamente porque Ele queria fazer a vontade Deus. Cada vez que o
inimigo atacava, simplesmente Ele se apegava à Palavra de Deus. Satanás tentou torcer a
verdade, mas Cristo conhecia muito bem as ordens de Deus. O que a mulher não foi capaz de
fazer, a Semente da mulher, Cristo, o fez.
Ao invés de fugir do encontro com a Serpente, Eva entabulou conversa com ela, o que lhe
foi fatal. Satanás é muito mais hábil e inteligente do que nós, e se tentamos dialogar com ele em
seu próprio território, o resultado será desastroso. Sua influência má já tinha começado a afetar
Eva perigosamente, como podemos deduzir da primeira parte da resposta dela à serpente. O
Senhor havia dito: ―De toda árvore do jardim comerás livremente‖ (2.16), mas ela omitiu a palavra
―livremente‖. Isso é indicativo de que a generosidade de Deus já estava sendo questionada. Na
sua resposta parece-nos que Eva acrescentou à ordem de Deus, a expressão ―nem tocareis nele‖.
Isto não é um acréscimo necessariamente, porque dificilmente ela poderia comer do fruto sem
tocar nele.
Há um princípio importante que deve ser notado aqui: quando Deus proíbe qualquer ato,
Ele, ao mesmo tempo, proíbe tudo o que encoraja a realização dele. Esse princípio Ele deixou bem
claro no Sermão do Monte, quando combateu o legalismo dos escribas e fariseus. Jesus insistiu
que ―não matarás‖ não é restrito a um gesto físico de violência, mas já é crime o exercício da
mente precedente ao ato, como o ódio, por exemplo. De igual modo, Jesus declarou que o ―não
adulterarás‖ inclui muito mais do que simplesmente as relações sexuais. Os desejos e
imaginação impuros já constituem o adultério.
Eva, portanto, estava totalmente certa em concluir que a ordem divina a proibia de comer
da árvore do conhecimento do bem e do mal, inclusive tocá-la, porque o ato de comer envolve não
somente o desejo e a intenção, mas também o tocar, manusear, e colocar o fruto na boca.
Percebendo sua vantagem, agora que havia ganho a atenção de Eva, o tentador tentou
contraditar a ordem da ameaça divina. o tentador começou por semear a dúvida (v. 1). Agora, ele
negou que havia qualquer perigo no comer do fruto. Fazendo assim, o tentador difamou o caráter
de Deus e, agora disse que Deus era mentiroso. E possível que a serpente tivesse comido o fruto
na presença de Eva e, então, teria muita força a sua palavra do v.4 diante de Eva. Foi como se
Satanás tivesse dito a Eva: ―Você não precisa hesitar. Deus só está tentando assustar você.
Averigue você mesmo que esse fruto é totalmente inofensivo, porque eu comi e não aconteceu
nada.‖ — Assim, o inimigo de nossas almas procura persuadir os homens de que eles podem
90
Gn 3.5 — ―Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se vos abrirão
os olhos e, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal.‖
Eva, ao invés de fugir da conversa, continuou a dar ouvidos à fala de Satanás. Este não
somente sugeriu que ela não sofreria punição qualquer, com insinuou que ela se beneficiaria ao
comer do fruto, por três razões: Primeiro, por comer do fruto, a capacidade dela de discernimento
e o de percepção seriam sensivelmente aumentados. Este é o sentido de ―se vos abrirão os olhos‖.
Os olhos físicos de Eva e Adão já estavam abertos, portanto, esta referência deve ter sido aos
olhos do entendimento; Segundo, o seu poder seria aumentado, e sua posição melhorada. Eles
seriam como ―Deus‖ ou anjos; Terceiro, a sabedoria seria aumentada em muito, ―sendo
conhecedores do bem e do mal como Deus‖. Isto era algo altamente desejável!
É interessante que Satanás não dirigiu seus ataques aos apetites físicos de Eva, mas à
parte mais nobre do seu ser, isto é, aos apetites da alma humana — querer ser mais sábio,
inteligente, poderoso, ser uma criatura celestial, ser um ser independente, auto-suficiente, agir
independentemente de Deus.
De lá para cá, Satanás tem tentado fazer o mesmo com todos os homens, tentando-os a
tornarem-se independentes de Deus, o que é uma falácia, mas muitos têm caído nessa esparrela.
Gn 3.6 — ―Vendo a mulher que a árvore era boa para se comer, agradável aos
olhos, e árvore desejável para dar entendimento, tomou-lhe do fruto e comeu, e
deu também ao marido, e ele comeu.‖
Gn 2.9 lemos: ―Do solo fez o Senhor Deus brotar toda sorte de árvores agradável à vista e boa
para o alimento...‖ — Como o texto mostra, a árvore do conhecimento do bem e do mal não era
exceção. Toda a criação foi bela e agradável aos sentidos. Mas Eva, por entregar-se à tentação da
serpente, notou que aquela árvore era particularmente bela. Eva teve o desejo secreto e
cobiçou-a.
Se houvesse havido qualquer incerteza na mente de Eva, ela poderia ter consultado seu
marido. Segundo a Escritura, este é o dever e o privilégio de uma esposa. Mas ela quis ter
―entendimento‖ como Deus. Ela fez o juízo pelo que a serpente disse, e não pelo que Deus havia
dito ao seu marido. Ela preferiu a falsa esperança que o inimigo lhe havia dado, mas ela foi
enganada.
Primeiro, ela deu crédito ao ―é certo que não morrereis‖ (v.4); depois foi atraída pela
perspectiva de tornar-se igual a ―Deus‖ ou anjo. E, então, sob essa crença, comeu do fruto.
A palavra hebraica fdfm:xen:w para ―desejável‖ (v.6), tem a mesma raiz (Dom:xat) em Ex
20.17, e é traduzida aqui por ―cobiça‖. A mesma palavra é chamada ―concupiscência‖ em Rm 7.8,
e ―cobiça‖ em Tg 1.15. De fato, esta última passagem, de algum modo, traça o caminho em
detalhes da desobediência final de Eva, mesmo embora ela não possuísse natureza pecaminosa,
como nós hoje a possuímos.
O estatuto do Éden, tanto quanto o dos Dez Mandamentos, envolvia ambos, os desejos
interiores e os atos exteriores. Aquele que deseja o mal proibido, de fato já o escolheu, como
aquele que odeia antes de violar o sexto mandamento, embora nunca chegue a uma violência
física. Eva não poderia nem desejar o fruto, porque Deus a havia proibido de comê-lo. Ao invés de
desejá-lo, ela deveria fugir dele. Cobiçar o que Deus proíbe já é pecaminoso, é preferir a criatura
ao invés do Criador. Esta é a grande advertência para nós todos. Se estimamos coisas apenas
levados pelos sentidos, ou pelo que outros dizem delas, ao invés de aceitarmos o que Deus diz a
respeito, certamente erraremos em nosso juízo. Nada é bom para nós exceto aquilo que vem das
mãos de Deus.
Eva, então, ―tomou-lhe do fruto e comeu‖— sem consultar Adão. Tão forte foi o desejo do
seu coração, que ela não quis ouvir a opinião de ninguém. Assim, ela completou a transgressão.
A serpente não colocou o fruto na boca de Eva. O diabo pode tentar, mas não pode forçar
ninguém a pecar. Por sua própria determinação, obedecendo a desejos interiores, ela comeu do
fruto. Ela, e nem nós, podemos culpar quem quer que seja pelos nossos próprios atos
pecaminosos.
A essa altura, Adão juntou-se a Eva, porque é dito que Eva deu o fruto ao seu marido, ―e
ele comeu‖. Este é o progresso do pecado: alguém entrega-se à tentação e, então, torna-se o
tentador de outras pessoas. Ao invés de recusar o fruto, Adão comeu. O texto da Escritura diz
―que Adão não foi enganado‖ (1 Tm 2.14), o que o torna um maior culpado. Ele apenas ―atendeu
a voz de sua mulher‖ (Gn 3.17), e isto foi o bastante para ele apostatar de Deus. Foi uma revolta
contra o Criador, uma insurreição à Sua supremacia, uma rebelião contra a Sua autoridade.
Deliberadamente Adão resistiu à vontade revelada de Deus, desertou do Seu caminho. Em
conseqüência, ele perdeu sua primitiva excelência e toda a sua alegria. Assim, Adão lançou-se a
si mesmo, e a toda sua posteridade, na ruína espiritual. Esta foi a origem do pecado na raça
humana. Gn 3 dá-nos uma narrativa inspirada de como o pecado invadiu o território dos
homens, e também nos dá a única resposta para os males e as misérias que permeiam este nosso
mundo.
Resumo: A queda do ser humano foi ocasionada pela tentação da serpente, que semeou
na mente de nossos primeiros pais a desconfiança e da incredulidade. Ainda que, sem dúvida, o
propósito da serpente tenha sido o de fazer Adão cair, ele se dirigiu a Eva provavelmente pelas
razões que se seguem: a) Ela não era a cabeça do pacto e, portanto, não teria o mesmo sentido de
responsabilidade; b) Ela não havia recebido o mandato de Deus diretamente, mas de forma
indireta, através de Adão e, por conseguinte, seria mais suscetível ao argumento da dúvida; c)
Com segurança ela seria o agente mais eficaz para chegar ao coração de Adão.
Assim, portanto, deu-se a história da queda do homem, o inicio do pecado no mundo.
92
PARTE 3
A CONDIÇÃO DO
HOMEM DEPOIS DA
QUEDA
(DOUTRINA DO PECADO)
93
CAPÍTULO VIII
A TRANSMISSÃO DO PECADO
1) Os Pelagianos
Pelágio, monge inglês do séc. IV, adversário teológico de Agostinho, partiu do
ponto-de-vista da habilidade natural do homem. Seu axioma fundamental é: ―Deus mandou o
homem fazer o que é bom; disto, deduz-se que o homem deve ter a capacidade de fazê-lo.‖ Isto
quer dizer, na teologia de Pelágio, que todos os homens possuem o livre arbítrio, ou seja, a
vontade livre no sentido absoluto da palavra, de tal forma que é possível para eles irem tanto para
o mal quanto para o bem, como resultado da sua constituição natural. Na verdade, dentro do
conceito pelagiano, o homem é um ser moralmente neutro. Ele não tem tendência alguma. A
decisão do homem não depende do seu caráter moral, visto que a vontade do homem está
inteiramente indeterminada tanto de dentro como de fora. Seja o que for que o homem faça, o
bem ou o mal, dependerá unicamente de sua vontade livre, isto é, da natureza moral neutra dela.
Os atos bons ou maus são ações soltas do homem, não estão vinculadas à natureza moral do
homem. O pecado consiste de atos independentes ou soltos da sua vontade. A vontade não tem
conexão com o coração do homem. E nesse sentido que ele entende vontade livre. E a
independência da vontade. Não há uma natureza pecaminosa no homem que o leva a pecar. O
pecado é sempre uma escolha deliberada do homem, e ele peca porque ele resolve imitar Adão
que pecou. Segue-se, portanto, que Adão não foi criado num estado de verdadeira santidade, mas
em um equilíbrio moral. Sua condição era de neutralidade moral. Não era bom nem mau,
portanto, não possuía caráter moral. Escolheu livremente a carreira do mal, mas isto não fez que
seus descendentes nascessem pecaminosos.
Para o pelagianismo, não há nenhuma conexão entre o pecado de Adão e os pecados dos
descendentes. Não há o pecado original. As crianças nascem num estado de neutralidade,
começando exatamente onde Adão começou, exceto no sentido em que estão numa situação de
desvantagem, pois já nascem com maus exemplos ao seu redor. Os homens hoje pecam porque
resolvem imitar Adão e, como conseqüência, o hábito de pecar vai se formando.
O conceito de livre arbítrio de Pelágio , em algum sentido, foi tirado de um livro apócrifo
das Escrituras, o livro de Eclesiástico, que tem dado margem a alguns eruditos posteriores,
inclusive, Erasmo de Roterdã, a formularem sua teologia libertária.
Pelágio defendeu um libertarismo muito extremo. Ele creu que
―todo infante vem ao mundo na mesma condição que Adão estava antes da
queda. Seu princípio principal era que a vontade do homem era absolutamente
livre. Daí, segue-se que todos têm o poder, dentro deles mesmos, para crer no
evangelho tanto como para guardar perfeitamente a lei de Deus.‖ 106
Pelágio ―vê a liberdade humana como um dom de Deus. Portanto, a prova desta liberdade
tem que ser buscada na Escritura Sagrada. E a conhecida passagem de Eccli XV, 17107 que
proporcionou a Pelágio a mais exata definição da liberdade da vontade.‖ 108 Comentando sobre 1
Tm 2.4 – ―…que deseja que todos os homens sejam salvos‖, Pelágio diz: ―Disto é provado que
Deus não força ninguém a crer, nem que Ele tira a liberdade da vontade.‖ 109 Agostinho cita
Pelágio em sua obra On the Grace of Christ, capítulo XXIV: ―O homem que se apressa para o
Senhor e deseja ser dirigido por Ele, que faz sua própria vontade, depende do Senhor, que além
disso, apega-se tão proximamente ao Senhor tornando-se (como diz o apóstolo), ‗um espírito com
Ele‘, faz tudo isto por nada mais do que pela liberdade da vontade.‖ 110 ―Livre Arbítrio‖ era o
principal tema de Pelágio, e ele determinou a totalidade de seu sistema teológico nas áreas de
antropologia e soteriologia.111
106 David N. Steele, The Five Points of Calvinism, Philadelphia: Presbyterian and Reformad
para fazer suas próprias decisões. Ele lhe deu mais os seus mandamentos, e os seus preceitos; se tu
quiseres observar estes mandamentos, e guardar sempre com fidelidade o que é do agrado de Deus, eles te
conservarão. Ele pôs diante de ti a água e o fogo: lança a tua mão ao que quiseres. Diante do homem estão
a vida e a morte, o bem e o mal: o que lhe agradar, isso lhe será dado.‖) dá a base para muitos escritores
formularem sua concepção de livre-arbítrio. Juan P. Valero diz: ―Pelágio é um dos primeiros escritores
eclesiásticos, sem se exceptuarem Tertuliano e Orígenes, que se utilizou desta passagem como fundamento
da liberdade do homem "Las Bases Antropologicas de Pelagio, (Madrid, Publicaciones de La Universidad
Pontificia comilías, 1980), p. 315.
108 Ibid.
109 Alexander Souter. The Earliest Latin Commentaries on the Epistles of St. Paul, (Oxford: At the
Publishers, 1948), p. 599. Neste capítulo On the Grace of Christ, Agostinho cita diversas vezes o pensamento
de Pelágio sobre as capacidades da vontade livre do homem.
111 No século IV uma lista de erros pelagianos, que foi parte do credo Pelagiano, havia sido
apresentada pelo diácono Paulinus de Milão, em sua acusação a Celéstio, diante de Aurelius, bispo de
Cartago: 1) ―Adam mostalem factum, qui sive peccaret sive non peccaret, moriturus esset.‖ (De gestis
Pelagil, 11); 2) ―Quoniam peccatum Adae ipsum solum laeserit et non genus humanum.‖ (Ibid); 3) ―Quoniam
lex sic mittit ad regnum quemadmodum evangelium.‖(Ibid); 4) ―Quoniam ante adventum christi fuerunt
homines sine peccato.‖(Ibid); 5) ―Quoniam infantes nuper nati in illo statu sint, in quo Adam fuit ante
praevaricationem.‖ (Ibid); 6) ―Quoniam neque per mortem vel praevaricationem Adae omne genus hominum
moriatur, neque per resurrectionem Christi omne genus hominum resurgat.‖ (Ibid). (Chisholm. The
Pseudo-Augustinian Hypomnesticon Against the Pelagians and Celestians, p. 6-7).
95
2) Os Semi-Pelagianos
O Semi-Pelagianismo é a doutrina dos católicos-romanos desde o tempo em que a
igreja se posicionou entre Agostinho e Pelágio.
Após a controvérsia Agostinho-Pelagiana, a igreja cristã decidiu tomar um posição
mediana. Ela evitou os pontos extremos de Pelágio e de Agostinho. Esta posição é historicamente
conhecida como Semi-Pelagianismo que tomou elementos de ambos. Segundo George Smeaton,
João Cassiano (A.D. 360-435), um contemporâneo de Agostinho,
112 The Doctríne of lhe Holy Spírít, (Edinburgh: T & T Clark, 1889), p. 338. N.P. Williams in The Grace
of God, (London: Hodder and Stoughton, 1966) pensa que ―seria mais justo descrever o sistema que
Cassiano advogou como ―Semi-Agostinianismo‖‖, porque Williams pensa que Cassiano crê em muitas coisas
a respeito do pecado original, como Agostinho, e Cassiano discordou somente sobre a "Irresistibílidade da
graça, que torna a vo1ição humana um mero modo dá auto-expressão da vontade divina.‖ (p. 54)
96
ele casa isto com uma certa admissão do poder cooperador da vontade livre do
homem. Isto se aplica mesmo à graça primeira, a graça da conversão... Para
Agostinho a primeira graça é estritamente preveniente, para Cassiano ela é, como
as outras graças, cooperante.113
Ele diz em suas Collationes que a graça cooperante vem ―ajudar as fracas aspirações e
veleidades que são espontâneas ou movimentos não-causados da vontade humana.‖ 114 A
conclusão óbvia deste pensamento é que Cassiano não cria numa real depravação da alma
humana como o fez seu contemporâneo Agostinho. Sua concepção ―do estado presente da
natureza humana caída é perceptivelmente mais suave do que aquela sustentada por Santo
Agostinho.‖115
Agostinho, que havia sido vitorioso em sua controvérsia com Pelágio, não teria ficado
satisfeito com o caminho que a igreja tomou posteriormente. Um voluntarismo libertário triunfou
na teologia do Semi-Pelagianismo. A graça de Deus vinha conforme os méritos dos homens, isto
é, de acordo com o bom uso ou com a melhora correta dos poderes naturais da vontade livre,
mesmo embora o Semi-Pelagianismo tenha sido condenado pelo Sínodo de Orange (A.D. 529)116,
presidido pelo bispo de Arles, um teólogo agostiniano. O sumário da doutrina de Orange sobre a
capacidade do homem está asseverada na afirmação concludente como apêndice aos Cânones:
Isto nós devemos ambos pregar e crer - que através do pecado do livre arbítrio
do primeiro homem foi tão deformada e atenuada, que daí por diante nenhum
homem pode mesmo amar a Deus como ele deve, ou crer em Deus, ou apresentar
qualquer boa obra em nome de Deus, amenos que a graça da misericórdia divina
tenha se antecipado nele.117
Muitos teólogos, contudo, não têm dado atenção nem a sã doutrina nem à condenação
pronunciada por Orange. Eles minimizaram a posição de Orange sobre a queda e as
conseqüências que foram óbvias: eles tiveram uma atitude benevolente em relação ao homem
não-regenerado, o que tornou fácil crer em qualquer espécie de liberdade da determinação,
ambos, da influência externa e, especialmente, da interna.
O Semi-Pelagianismo, com sua teologia sinergista, cruzou todos os períodos da igreja
cristã. Ele ganhou muitos seguidores, visto que esta é a posição da igreja de Roma até hoje,
mesmo embora ela não o declare oficialmente.
O voluntarismo libertário teve seu grande campeão na pessoa de Duns Scotus, perto do
naquela época na Igreja Crista: ―Se qualquer um afirma que a totalidade do homem, alma e corpo, não tem
sido corrompida pela transgressão de Adão, mas que o corpo somente esta sujeito a corrupção, enquanto a
liberdade da alma permanece intacta, que tal pessoa, seduzida pelos erros de Pelágio, contradiz a Escritura
que diz: ―A alma que pecar, essa morrera.‖; ―4) Se qualquer homem afirma que Deus espera pela nossa
vontade de tal forma que nós podemos ser eximidos de pecar, e que não confessa que é devido a infusão e
operação do Santo Espírito sobre nós que nós desejamos ser limpos, ele resiste ao Espírito Santo...‖; ―6) Se
qualquer homem afirma que a misericórdia é comunicada a nós quando, sem a graça de Deus, cremos,
decidimos, desejamos, nos esforçamos, observamos e trabalhamos, oramos, procuramos e batemos, e que
não confessa que é pela inspiração e infusão do Espírito de Deus que nós cremos, desejamos.... - que
meramente afirma que a ajuda da graça é acrescentada à humildade e obediência do homem...‖; ―7) Se
qualquer homem afirma que pode, pela força da natureza, pensar qualquer coisa boa pertencente a salvação
da vida eterna.. .ou escolher ou consentir diante da pregação evangélica salvadora, sem a iluminação e
inspiração do Espírito Santo, que dá a todos o doce sabor em consentir e crer na verdade, ele esta enganado
por espírito herético....‖ (See Smeaton, pp. 340-42, e Williams, pp. 63-65).
117 Williams, p. 66.
97
final da Idade Média. Ele ―representa um estágio de transição no movimento de uma teoria do
apetite da volição humana para a teoria da causa eficiente.‖ 118 Duns Scotus escreveu:
―Qual é a fonte desta escolha determinada? Ela pode vir somente de um poder
distinto da razão que é capaz de escolher. Porque a razão não é um fator
determinante, visto que ela tem a ver com os opostos com respeito ao qual ela não
pode determinar a si mesma, muito menos determinar alguma coisa além de si
mesma… Propriamente falando, o poder executivo não está num poder
contraditório ao efeito que ele carrega, visto que ele é racional por participação.
Mas o sentido pleno de um poder pelos opostos é encontrado formalmente na
vontade.‖119
Assim, então, é a teoria da liberdade como esboçada por Duns Scotus. Ela é
dominada por sua alta consideração pela vontade como a rainha e a soberana das
faculdades do homem. De fato, sua característica distintiva e a sua defesa da
soberania e autonomia absoluta da vontade.124
118 J. Vernon Bourke. Will in Western Thought, (New York: Sheed and Ward, 1964), p. 84.
119 Duns Scotus, Duns Scotus on the Will and Morality, selected and translated with na introduction
by Allan B. Wolter, (Washington, D. C.: The Catholic University of America press, 1986), p. 161.
120 Bourke, p. 88.
121 Ibid.
122 Duns Scotus, ´quod nihil aliud a voluntate est causa totalis volitions in voluntate.‖ (Op. Ox. II,
intelectualismo daquele período em diante, mesmo embora o intelectualismo tenha sido revivido
no período do neotomismo e no escolasticismo protestante. Mas a vontade nunca perdeu o seu
lugar de domínio porque isto foi fortemente favorecido pela tendência natural do homem. 126 E
natural para os seres humanos enfatizarem suas próprias capacidades espirituais. E natural
para eles desejarem ser participantes em sua própria salvação. Sinergismo, portanto, é o modo
natural dos seres humanos expressarem sua própria teologia.
Os Semi-Pelagianos, portanto, enfatizaram que o homem herdou de Adão uma
incapacidade natural, mas que não é responsável por ela, de maneira que o homem não pode ser
culpado por ela. Portanto, não será condenado por causa dessa incapacidade natural. Alguns
chegam ao ponto de concluir que Deus, de alguma forma, está obrigado a proporcionar cura para
essa incapacidade.
Dentro do Semi-Pelagianismo do catolicismo, admitiu-se que a justiça original era um
dom sobrenatural, e que efeitos do pecado de Adão sobre a sua posteridade, foi a perda dessa
justiça. A alma, portanto, é deixada no estado em que foi originalmente criada, com a justiça
natural. Os homens hoje nascem do modo como Adão foi originalmente feito: com a justiça
natural. O pecado original, então, não está ligado à perda da justiça original. Não há nenhuma
corrupção hereditária inerente, nenhum caráter bom ou mau. De acordo com o
semi-pelagianismo, a perda da justiça original é apenas pena e não culpa.
127
3) Os Arminianos Consistentes
Os arminianos consistentes são aqueles que ensinam quase a mesma coisa que o
semi-pelagianismo ensina dentro do catolicismo.
O próprio fundador do movimento que leva o seu nome, teve muita dificuldade de admitir
a idéia de que o nosso pecado tem conexão com o de Adão, manifestando enorme indecisão
quando tratou da matéria de imputação.
Nesse mesmo lugar Armínio fez a distinção entre o "pecado atual" e "a causa dos outros
pecados". Fazendo isto, segundo Meeuwsen, 129 Armínio quebrou a idéia da unidade adâmica.
Após analisar e citar os documentos dos Remonstrantes, Shedd assevera que
estes extratos são suficientes para provar que os teólogos Arminianos não
criam que a unidade entre Adão e sua posteridade, que eles asseveravam em sua
Confissão e Declaração, era de tal natureza que tornava o primeiro ato pecaminoso
de Adão, um ato comum da raça, e através disso justificam a imputação do pecado
original como verdadeira e propriamente pecado. Embora empregassem uma
fraseologia Agostiniana respeitando a conexão Adâmica, eles punham uma
126 Por tendências naturais eu quero dizer aquelas capacidades que o homem tem sem a
necessidade de um aprendizado especial. Faz parte do homem pensar o melhor de si mesmo, a menos que
ele seja o objeto da graça de Deus. O homem, sem a graça de Deus sobre si, nunca pensará
monergisticamente. Esta é uma tendência do pensamento do homem desde o começo dos estudos
teológicos. Somente uma compreensão correta da graça de Deus dá ao homem o senso de um monergismo
soteriológico.
127 Eu uso a expressão ―Arminianos Consistentes‖ porque há aqueles que são inconsistentes na sua
teologia, afirmando o livre-arbítrio, mas ao mesmo tempo a fé como um Dom de Deus, o que quebra a
harmonia deles. Este é apenas um exemplo.
128 Arminius, The Writings…, vol. 1, pp. 374-74.
129 Meeuwsen.
99
―Mas não há nenhuma base para a asserção de que o pecado de Adão foi
imputado á sua posteridade, no sentido de que Deus realmente julgou a
posteridade de Adão como culpada e acusável do mesmo crime (culpa) e pecado
que Adão havia cometido. Nem a Escritura, nem a verdade, nem a sabedoria, nem
a benevolência divina, nem a natureza do pecado, nem a idéia de justiça e
eqüidade, permitem que seja dito que o pecado de Adão foi, assim, imputado á sua
posteridade. A Escritura testifica que Deus ameaçou punir a Adão somente, e
impô-la sobre Adão somente; a benevolência divina, Sua veracidade e sabedoria,
não permitem que o pecado de uma pessoa seja imputado, estrita e literalmente, a
Shedd assevera que, segundo o Arminianismo, ―não há qualquer base a asserção de que o
pecado de Adão tenha sido imputado à sua posteridade no sentido em que Deus realmente julgou
a posteridade de Adão como culpada dele, e acusada com o mesmo pecado e crime que Adão
havia cometido.‖135
Todos os Arminianos consistentes negam a imputação do pecado de Adão por três razões:
(1) Porque eles pensam que a doutrina da imputação é uma doutrina que rompe com os
princípios fundamentais da justiça eterna; (2) Porque eles dizem que a culpa pode ser atribuída
somente àqueles que pecam pessoal e voluntariamente; (3) Porque do conceito que eles possuem
de graça preveniente.
133 Episcopius in his Apology Pro Confessione Remonstrantium, cap. VII, (Ibid., pp. 183-84).
134 Meeuwsen, p. 23.
135 Shedd, pp. 183-84.
136 W. G. T. Shedd, Dogmatic Theology, vol. II, p. 77.
101
―o que Deus criou, portanto, não foi um homem individual, mas a espécie, a
humanidade genérica - uma essência inteligente, racional e voluntária. Os indivíduos
São as manifestações dessa substância numérica e especificamente uma e a mesma,
em conexão com suas organizações corpóreas. As almas deles não são essências
individuais, mas uma essência comum revelada e agindo em muitos organismos
separados.‖138
judicial para satisfazer a justiça. Por conseguinte, o mal conseqüente da imputação não é uma
imposição arbitrária; não é meramente uma desgraça ou calamidade; nem um castigo no sentido
próprio da palavra, mas uma punição. Quando a alguém é imputado o pecado, esse alguém paga
a penalidade do pecado, a dívida com a justiça sobre base legal.
Para que se entenda a idéia de imputação de pecado de Adão sobre nós, é necessário que
se entendamos primeiro a imputação de nossos pecados a Cristo. Tanto a imputação do pecado
de Adão a nós como de nossos pecados a Cristo, e o da justiça de Cristo a nós, são da mesma
natureza. Um caso ilustra o outro. Quando dizemos que os nossos pecados foram imputados a
Cristo, ou que Ele levou sobre Si os nossos pecados, não quer dizer que Ele realmente cometeu os
nossos pecados ou que foi moralmente crimino por causa deles. Ele 5implesmente assumiu o
nosso lugar tomando a nossa maldição sobre Si.
De igual modo, quando dizemos que a justiça de Cristo é imputada aos crentes, não
queremos dizer que eles obram aquela justiça, ou que eles foram agentes dos atos de Cristo na
obediência à lei; nem que o mérito da justiça de Cristo foi mérito deles; nem que isto constitua o
caráter moral deles; mas 5implesmente significa que a justiça de Cristo, tendo sido elaborada de
acordo com os planos divinos, para o beneficio do Seu povo, em nome deles, por Ele, como
representante deles, foi atribuída por Deus aos pecadores.
Vejamos a base do princípio representativo nas Escrituras:
obediência, mas o direito de desfrutar da vida eterna para si e para os seus descendentes, como
em caso de desobediência a culpabilidade para si e para toda a raça. Seria absolutamente óbvio
que Adão obtivesse a promessa de vida, se obedecesse, pois a ameaça de morte (―no dia em que
comeres, certamente morrerás‖) implica necessariamente no reverso. E como se Deus lhe
houvesse dito: ―Se não comeres, não morrerás e, certamente, poderás comer da árvore da vida,
como recompensa por tua obediência‖ (ver Gn 3.22). A promessa de vida incluía muito mais do
que simplesmente não morrer. Adão haveria de ter vida eterna, aquilo que Cristo veio dar ao Seu
povo, uma comunhão imperdível com Deus, uma qualidade de vida superior à que Adão possuía,
mesmo quando não havia pecado, uma qualidade de vida que Adão teria, se houvesse obedecido
e comido da árvore da vida.
Os 6.7 diz que houve um pacto que Adão transgrediu e, fazendo isso, imergiu a si mesmo
e toda a raça na desgraça e miséria, sujeitando todos os homens ao estado de culpados e
merecedores do castigo divino.
140 A. W. Pink, Gleanings from the Scriptures, (chicago: Moody Press, 1977), p. 43.
141 O termo ―federal‖ vem de foedus, uma palavra latina que quer dizer ―pacto‖. A teologia federal é
a teologia do pacto.
142 O texto clássico usado como base para o estabelecimento do pacto de Deus com Adão está em Os
6.7, que diz: ―Mas eles transgrediram o pacto como Adão; eles se portaram aleivosamente contra mim.‖ -
Qual é a objeção deles? Eles não discutem o termo pacto, mas a expressão ―como‖ que eles insistem em
traduzir ―em‖ (que é uma tradução possível), para justificar o fato de que eles transgrediram o pacto num
lugar chamado Adão. Adão, portanto, não seria uma pessoa nesse caso, mas uma cidade, onde um pacto foi
estabelecido.
104
voluntariamente todos foram culpados de seu ato. Mas esta imputação significa que, em virtude
da união federativa de Adão com os seus descendentes, o pecado de Adão é a base judicial da
condenação da raça, de igual modo como a justiça de Cristo é a base judicial da justificação do
Seu povo.
A doutrina da imputação tem sempre sido uma grande dificuldade para o entendimento
das pessoas. A mente humana tem sido torturada na resolução deste problema.
A solução escriturística desse difícil problema tem sido este: Deus colocou Adão como
cabeça federal-representativa da raça. Deus o colocou sob prova não somente para si próprio,
mas também para toda a sua posteridade. Tivesse Adão mantido a sua integridade, ele e todos os
seus descendentes teriam permanecido sem pecado e teriam tido vida eterna, uma comunhão
imperdível com Deus, felizes para sempre! Como ele caiu do estado em que foi criado, ele levou
consigo toda a sua posteridade, de tal modo que a penalidade dele para a ser deles, também.
Todos os descendentes de Adão, passam, portanto, a ser, por natureza, filhos da ira.
Os males que a posteridade de Adão sofreu não foram imposições arbitrárias, nem
conseqüências naturais da apostasia de Adão, mas imposições judiciais.
O verso 14 diz que Adão era um tu/poj de Cristo. Essa palavra grega indica a idéia de ser
padrão, de aponta para alguém que serve de modelo para outros. Adão prefigurava aquele que
105
haveria de vir. Adão é chamado o primeiro Adão, e Cristo é chamado o segundo Adão. 143 Adão
prefigura Cristo. Do modo como vemos os homens em Jesus Cristo, deveríamos vê-los em Adão.
Adão, quando tentado, foi derrotado. Cristo, quando tentado, resistiu e venceu. O
primeiro foi amaldiçoado por Deus, e o último foi agradável a Deus. O primeiro foi a fonte do
pecado e da corrupção para toda a sua posteridade, mas o segundo foi a fonte de santidade para
todos os que pertenciam ao Seu povo. Através de Adão, a condenação veio, mas a redenção veio
através de Jesus Cristo.
Em que sentido Adão foi o tu/poj do Redentor? A palavra grega significa ―figura‖ ou ―tipo‖, e
no significado escriturístico do termo, um tipo consiste de algo mais do que uma similaridade
causal entre duas pessoas, ou um paralelo incidental. Há algo mais que Deus queria nos
mostrar. E claro que desde a eternidade Deus preordenou que o primeiro homem deveria
prefigurar o Filho encarnado de Deus. Mas em que sentido? Certamente não na sua conduta. O
contexto de Romanos 5 torna claro que Adão se tornou o tipo de Jesus em uma posição oficial
que ele assumiu, isto é, como cabeça federal, como o representante legal de outros. Está claro de
Rm 5.12-19 que um age em favor (ou no lugar) de muitos, afetando o destino deles. O que um fez
é considerado a base judicial 40 para o que aconteceu a muitos. Como a desobediência e a culpa
de Adão trouxeram a condenação para todos que foram representados por ele, assim, a
obediência de Um, Cristo, garantiu a justificação de todos aqueles que foram representados por
Ele.
Assim, a despeito de contraste entre o tipo e o Anti-Tipo, eles possuíam algo em comum:
eles foram certamente representantes de dois povos. O Primeiro Adão foi representante de cada
membro da raça, e o Segundo Adão foi o representante de cada membro do Seu povo. No primeiro
todos morrem, no segundo todos vivem; no primeiro todos são condenados, no segundo todos são
justificados, a justificação que traz vida.
Rm 5.12-19 mostra que todos os membros da raça experimentam o fato de que eles são
culpados por alguma coisa que eles não fizeram pessoalmente. Em Adão nós ofendemos a Deus
em sua ofensa, e cometemos a transgressão em sua transgressão.
A luz do que aconteceu em Gênesis 3, é estranho que Paulo tenha dito que o ―pecado
entrou no mundo por um só homem‖, quando é dito na Bíblia que Eva foi o primeiro ser humano
a pecar. Por que Paulo não disse: ―Portanto, assim como por uma só mulher entrou o pecado no
mundo‖? A resposta é totalmente óbvia: porque o pacto foi feito com Adão. Ele era o
representante da raça humana, não Eva. Foi Adão que recebeu a ordem de Deus, não Eva. Por
esta razão aprendemos a respeito do ―pecado de Adão‖, não a respeito do ―pecado de Eva‖. Paulo
não tratou do pecado de Eva, porque ele estava tratando da matéria da representação neste texto.
Uma outra palavra importante neste verso 12 é a(marti/a (pecado). Aqui, ―pecado‖ não
significa o ato de desobediência pessoal de Adão ou a depravação com a qual os homens são
nascidos. Aqui ele significa culpa. Paulo está tratando de matéria judicial, não simplesmente
dum ato pessoal de Adão. Ele está tratando da ira de Deus que vem sobre todos os homens
porque todos eles são culpados. O texto diz que ―a morte passou a todos os homens porque todos
pecaram‖. Paulo não está tratando dos pecados pessoais deles, mas da culpa que todos têm em
Adão. Murray diz que quando Paulo diz que ―um pecou‖ e ―todos pecaram‖, ele se refere ao
143 Ver 1 Co 15.45-49. Adão foi chamado o ―primeiro homem‖ não simplesmente porque ele foi o
primeiro a ser criado, mas porque ele foi o primeiro a agir como representante legal da raça humana. Neste
sentido, segundo a teologia Reformada, ele é o representante no pacto das obras. Cristo é chamado o
―segundo homem‖, mesmo embora ele tenha vivido muitos milênios mais tarde, porque Ele foi o segundo
homem a agir como um representante legal. Ele é também chamado ―o último Adão‖ porque não haveria de
haver nenhum outro pacto. Neste sentido, segundo a teologia reformada, Ele é o representante do Pacto da
Graça, fazendo o que o primeiro homem Adão não fez, no chamado Pacto das Obras.
106
mesmo pecado visto em seu aspecto duplo: como o pecado de Adão, e com o pecado de toda sua
posteridade.144 E um assunto judicial.
―Assim também a morte passou a todos os homens‖. A morte é uma conseqüência penal
para pessoas culpadas. A meta principal de Paulo era mostrar a conexão entre Adão e sua
posteridade. Todos são considerados culpados por causa da transgressão de um só homem. Por
esta razão Paulo diz em 1 Co 15.22 que ―em Adão todos morrem‖. Eles morrem em virtude de sua
relação pactual, a união legal entre Adão e a raça, a quem ele representa. Morremos porque
estamos unidos a Adão no mesmo sentido em que vivemos porque estamos unidos a Cristo, pelo
mesmo processo de representação. Todos os homens vêm ao mundo sem pecados pessoais, mas
porque eles são representados em Adão, eles são nascidos culpados, debaixo da ira de Deus.
Cada ser humano, seja homem, mulher ou criança, é considerado culpado diante de
Deus. A base de nossa condenação está extra nos145, mesmo embora não devamos nos esquecer
de que a Escritura diz que o pecado de Adão é nosso pecado. 1 Co 15.22 diz que ―em Adão todos
morrem‖. Murray assinala
que a morte é o salário do pecado (Rm 6.23) e que a morte não pode ser
concebida como existindo ou exercendo sua função à parte do pecado. Este é o
princípio Paulino: Quando ele diz que ―em Adão todos morrem‖ é impossível, sob
as premissas de Paulo, excluir a antecedência do pecado e o único modo no qual a
antecedência neste caso poderia obter, e que todos são concebidos dele são
considerados como tendo pecado nele.146
Com isto, ele nega a doutrina da imputação. A única explicação para Godet, a respeito da
relação entre o indivíduo e a espécie é dizer que este ―é o mistério mais impenetrável na vida da
209.
107
natureza.‖148 Alguns outros comentadores, incluindo Calvino, tendem a interpretar este verso
dizendo que todos morrem por causa de sua corrupção natural. Eles enfatizam a corrupção mais
do que a culpa.149 Outros comentadores adotam uma idéia realista-traducianista, como já vimos
anteriormente.150
A razão pela qual todos morrem é que todos pecaram. Novamente, Paulo não está levando
em conta os pecados individuais deles, mas o pecado deles em Adão. A fim de provar isto, não
precisamos traduzir e)f %( como ―em quem‖, do modo como alguns escritores antigos fizeram. 151
A idéia de imputação está clara neste texto.
O que Paulo tem em mente é a idéia de um homem. Corretamente Godet assevera: ―Deve
ser permitido que a idéia de di e(no\oj a)nqrw/pou, ―por um só homem‖, com que o verso começa,
controla assim a mente do apóstolo, de tal forma que ele não vê necessidade de repeti-la
expressamente‖. 152 A idéia de um homem controla o pensamento de Paulo através de seu
argumento todo. Ele quer enfatizar a idéia de representação. Mesmo embora Paulo creia que os
homens sejam culpados por causa de seus pecados pessoais, ele não está dizendo neste texto que
―todos os homens‖ tenham pecado pessoalmente, mas representativamente. A maldição da lei cai
sobre eles, não (somente) porque eles sejam pessoalmente pecaminosos, mas porque
eles são (também) federalmente culpados, quando o cabeça de pacto deles
pecou.
Se aceitamos a crença de que a ―morte‖ é o resultado de nossos pecados pessoais (o que se
pode dizer a respeito da morte das criancinhas no ventre de suas mães?), nós destruímos a idéia
de que Adão era o ―tu/poj‖ dAquele que haveria de vir mais tarde. Se todos morrem porque eles
pecaram pessoalmente, deveria eu crer que todos vivem porque ele são justos pessoalmente?
Absolutamente, não! E fácil observar em Cristo o mesmo princípio de representação. Se todos nós
fomos salvos é porque todos estávamos representados em Cristo; do mesmo modo todos os
homens morrem porque eles estão representados em Adão.
O principio da representação está claramente expresso neste texto. Isto forma a base para
a imputação do pecado. O método de imputação controla, em algum sentido, a antropologia
cristã e a soteriologia. Vejamos: O pecado de Adão é imputado a nós; nossos pecados são
imputados a Cristo; e a justiça de Cristo é imputada a nós. O principio é o mesmo nos três
exemplos.
Se continuamos na análise deste texto pode ver o mesmo principio ilustrado:
Apenas uma ofensa cometida por um homem traz condenação, uma sentença judicial, que
significa ―morte‖ ou ―condenação‖. O contraste é que Jesus Cristo morreu não simplesmente por
aquela única ofensa, mas também morreu por muitas ofensas, nossos pecados pessoais, que
tiveram o seu nascedouro naquela única ofensa. O que Paulo está dizendo aqui é que não há
necessidade alguma de pecados pessoais para que sejamos condenados, mesmo embora Deus
também condene os homens por causa de seus pecados pessoais. O pecado de Adão, a única
148 Ibid.
149 Calvino diz: ―Todos nós, portanto, temos pecado, porque todos estamos revestidos de uma
corrupção natural, e assim nos tornamos pecaminosos…‖ (Commentary upon the Epistle of Saint Paul to the
Romans, Edinburg: printer for the Calvin Translation Society, 1844), p. 135. Ver também, Robert Haldane,
Commentary on Romans, (Grand Rapids: Kregel Publications, 1988 edition), p. 216.
150 Ver W. G. T. Shedd, Critical and Doctrinal Commentary upon the Epistle of St. Paul to the
Romans, (New York: Charles Scribner‘s Sons, 1879), pp. 127-28.
151 A Vulgata traduz ―in quo‖ (em quem) e assim também fizeram Palágio e Agostinho. Outros
teólogos Reformados, como Beza e Owen, também traduziram a expressão grega acima como sendo
equivalente a ―em quem‖.
152 Godet, p. 208.
108
Rm 5.17 — ―Se pela ofensa de um, e por meio de um só, reinou a morte, muito
mais os que recebem a 8hundáncia da graça e o dom da justiça, reinarão em vida
por meio de um só, a saber, Jesus Cristo.‖
E justo dizer que o mesmo em relação a Adão e sua posteridade. A solidariedade entre ele
e toda a raça é a base para a imputação do pecado. Ambos os atos, o de Adão e o de Cristo, são
imputados, isto é, eles são transferidos de uma pessoa para as outras. O mesmo principio está
evidente nos versos 18 e 19.
Nesta passagem de Paulo, portanto, podemos ver o princípio da representação e a
imputação conseqüente, em ambos os aspectos enfatizados nela: condenação e salvação. Nele
podemos ver a velha humanidade em Adão, e a nova humanidade em Cristo. Nele estão presentes
as duas principais personagens da história humana: Adão e Cristo, símbolos da desobediência e
da obediência, representantes de dois pactos, o das obras e o da graça.
apartará a espada jamais da tua casa, porquanto me desprezaste, e tomaste a mulher de Urias o
heteu, para ser tua mulher‖ (2 Sm 12.10).
— Por causa da incredulidade dos judeus nos tempos de Jesus, ficou validada a
imprecação dos judeus que disseram: ―Seu sangue caia sobre nós e nossos filhos‖ - e isto tem
sido uma terrível verdade até hoje.
— Por causa do pecado de Faraó, o Senhor imputou o pecado dele sobre a vida de todos os
primogênitos na noite que precedeu a saída dos israelitas do Egito (Ex 13.15).
— Por causa do pecado de Amaleque todo o povo, inclusive as mulheres e crianças,
sofrem (1 Sm 15.2,3).
— Veja-se o mesmo caso em Ez 9.3-6; 23.46-48.
— Observe como Deus procede nestes versos paralelos dos Dez Mandamentos (Ex 20.5-6;
34.6-7; Nm 18.14; Dt 5.9-10).
Este princípio da representação é, também, aplicado inversamente. Deus imputa suas
bênçãos a outros, por causa da obediência de um. Quando Deus entrou em pacto com Abraão,
não foi para ele somente, mas para a sua posteridade. Seus descendentes haveriam de ser
abençoados por causa do crente Abraão. Todo o plano da Redenção descansa sobre esse
principio representativo: Cristo é o representante do Seu povo e, age por eles, no lugar deles. Por
causa disso, os pecados do seu povo são imputados a Ele, e Sua justiça é imputada a eles.
Tanto a maldição como a bênção são imputados. A imputação é o método de Deus.
Embora este assunto seja difícil de aceitar (sobretudo no caso da imputação de pecado), não há
que se duvidar de que essa é uma verdade afirmada inquestionavelmente na Escritura.
Quando esta pergunta — ―Por que as pessoas sofrem as conseqüências se elas não são
culpadas pessoalmente?‖ — aparecer, a resposta sempre deverá ser esta: A Bíblia diz que as
conseqüências não são por causa de faltas pessoais, mas é uma conseqüência judicial, por causa
do princípio da representação. As penas impostas são penas de lei. O problema não é a culpa
voluntária, pessoal, mas a culpa é atribuída por causa da representação. Observe a imputação
da justiça de Cristo, por exemplo. As pessoas por quem Ele morreu, estavam pessoalmente na
cruz? Não! Por que, então, ninguém reclama desse mesmo processo de Deus. Por que apenas isso
nos favorece? Não há injustiça no método de Deus porque o princípio da imputação é o mesmo
em ambos os casos: pecado e bênção. Se temos que reclamar, que reclamemos também do modo
como Deus nos salvou em Cristo Jesus! Parece-me que ninguém está disposto a fazer tal
reclamação.
notar que a doutrina da imputação do pecado de Adão é mais clara no Catecismo Maior e Breve
do que na própria Confissão de Fé de Westminster.
Objeções:
(a) A corrupção é uma espécie de punição de Deus. Portanto, para que haja punição é
necessário primeiro, que haja culpa. A culpa precede a punição. A depravação (ou morte
espiritual) é a punição de Deus. Então, a imputação do primeiro pecado de Adão precede a
depravação, e não é a conseqüência dela.
(b) Se essa teoria fosse consistente, deveria ensinar a imputação mediata dos pecados de
todas as gerações anteriores àquelas que lhes seguiram, porque a corrupção transmite-se por
meio de geração ordinária.
(c) Se a corrupção inerente que está presente nos descendentes pode ser considerada
como o fundamento legal para a explicação de alguma outra cousa, já não há necessidade de
qualquer imputação mediata.
111
CAPITULO IX
Ninguém poderá encontrar a chave do mistério da miséria humana se não recorrer aos
ensinos das Sagradas Escrituras. Nenhuma ciência humana haverá de dar respostas às mais
cruciais perguntas feitas sobre a condição em que vive o ser humano desde que dele se tem
notícia da história. Se quisermos ter respostas, haveremos de encontrá-las somente na revelação
divina como registrada na Biblia.
O que aconteceu do Éden é chave para entendermos a condição atual do homem. Neste
capítulo estudaremos sobre as terríveis conseqüências do pecado para Adão e para a sua
posteridade. Adão é considerado na Escritura o protótipo de toda a humanidade, e seu pecado
está intimamente relacionado com a sua descendência, pois ele agiu, não como um homem
particular, mas como o representante da raça, por causa da sua relação pactual. Se Adão não
houvesse sido o cabeça representativo da raça, os nossos pecados atuais não teriam qualquer
relação com Adão, apenas uma simples imitação, como pensam os pelagianos. Mas a Escritura
trata deste assunto muito seriamente, e não podemos fechar os olhos ao que ela nos diz.
As conseqüências do pecado para ele e para a sua posteridade:
―Por este pecado eles decaíram da sua retidão original e da comunhão com
Deus, e assim se tornaram mortos em pecado e inteiramente corrompidos em
todas as suas faculdades e partes do corpo e da alma‖ (V, ii).
todas as vezes que se refere a Adão, tem uma palavra negativa de sua atitude. 154 Não há
nenhuma palavra elogiosa a ele, ou qualquer menção de seu arrependimento, muito menos o
registro de uma confissão sua. A contrário, quando acusado, tentou desculpar-se, colocando a
culpa na sua esposa. Nada na Escritura dá qualquer crédito a Adão, ou que ele tenha recebido a
misericórdia de Deus.
Vejamos agora, a análise do texto de Gênesis que é chave para a compreensão dos
resultados imediatos do pecado na vida de nossos primeiros pais.
Análise de Gn 3.7-24155
Quando Deus colocou Adão do Éden, ele parecia ser cheio de veneração para com seu
Criador, e parecia amá-lo pelo que Ele lhe havia dado. Mas parece-nos, esse estado de
bem-aventurança não durou muito tempo.156 Sua vontade que havia sido sujeita ao Criador,
agora se rebela inexplicavelmente. Sua constituição moral ficou altamente prejudicada, com
tendência para a perversão. A vida de comunhão com Deus havia sido perdida. E isto que fica
evidente dos versos que vamos analisar:
1) O primeira conseqüência da transgressão dos nossos primeiros pais foi: tiveram a
consciência culpada, e um senso de vergonha se apoderou deles.
Não percebemos mudança qualquer quando Eva comeu do fruto, mas quando Adão o
comeu, diz a Escritura que os ―os olhos de ambos foram abertos‖. Isto nos dá uma base bem forte
para mostrar que o pacto havia sido feito com Adão. Ele era o cabeça, e dele Deus cobra o pecado.
Adão era o representante legal de sua esposa, tanto quanto dos futuros filhos que viriam deles. E
por isso que até hoje conhecemos esse pecado como ―o pecado de Adão‖, não como ―pecado de
Eva‖.
O que significa ter os olhos abertos? Certamente aqui não se refere aos olhos físicos,
porque estes já estavam previamente abertos. Mas o texto se refere aos olhos do entendimento, ou
os olhos da consciência, que vêem, percebem, acusam e castigam.
O resultado de comerem o fruto proibido não foi a aquisição da sabedoria sobrenatural,
como Satanás havia dito (v.5), mas foi a descoberta triste de que haviam sido reduzidos a uma
situação de miséria.
Agora perceberam que estavam ―nus‖, que tem um sentido bem diferente de Gn 2.25. Os
olhos deles ―foram abertos‖ e seria de se esperar que o texto dissesse: ―e viram eles que estavam
nus‖, mas ao invés disso o texto diz: ―e perceberam que estavam nus‖. Este verbo demonstra algo
mais do que simplesmente nudez física. O verbo ―perceber‖ aqui dá o sentido de ―sentir‖. Como a
abertura dos olhos se refere ―aos olhos do entendimento‖ (ou ―da consciência‖), concluímos que
eles discerniram o sentido de estarem ―nus‖. Eles perderam a sua inocência. Há a nudez da alma
que é muito pior do a de um corpo sem roupa, porque ela incapacita o homem de perceber a
presença de Deus. A nudez de Adão e Eva foi a perda da justiça original da imagem de Deus. Tal
é a condição em que todos os humanos são nascidos depois deles. E por isso que as Escrituras
falam sobre as ―vestiduras brancas‖ (Ap 3.18), ―vestidos de salvação‖ ou ―mantos de justiça‖ (Is
61.10), indicando uma justiça original que Cristo nos traz de volta.
154Olhe o testemunho desta verdade no VT — Jó diz que Adão encobriu as suas transgressões (Jó
31.33); O Salmista Asafe (SI 82,7) diz que aqueles que julgam injustamente, morrem como Adão. Obs.: a
palavra hebraica para homem é Adão; observe o testemunho da mesma verdade no NT — Aqui Adão é
contrastado em detalhes consideráveis com cristo (Rm 5.12-21; 1 Co 15.22, 4547; 1 Tm 2.14. Se Adão
tivesse sido salvo, a antítese falharia no seu ponto principal. como que aqueles que estavam em Adão foram
condenados se o próprio Adão foi salvo? Falharia Deus em Sua justiça?
155 Análise feita com base nas felizes observações de A. W. Pink, Gleanings, pp. 59-68.
156 Não há nenhum indicação na Escritura sobre o tempo em que Adão ficou no estado de inocência,
―Ele perceberam que estavam nus‖ — Perceberam que a sua situação física estava
espelhando a sua condição espiritual. Eles foram tornados dolorosamente conscientes do pecado
e de seus terríveis conseqüências.
2) A segunda conseqüência da transgressão deles foi esta: eles ocultaram o seu real
caráter.
Cosendo cintos para si, eles tentaram acalmar a própria consciência. Da mesma forma os
filhos de Adão fazem hoje. Eles têm mais medo em serem detectados nos seus erros do que
cometê-los, e mais preocupados estão ainda em parecerem bem diante dos homens do que
obterem a aprovação de Deus. O objetivo principal dos homens caídos é aquietar a própria
consciência culpada e parecerem bem diante dos vizinhos. Alguns até assumem o papel de
religiosos, fazendo os outros pensarem que andam decentemente, vestidos.
Gn 3.8 — ―Quando ouviram a voz do Senhor Deus, que andava no jardim pela
viração do dia, esconderam-se da presença do Senhor, o homem e sua mulher, por
entre as árvores do jardim.‖
Até este ponto eles haviam estado preocupados somente consigo mesmos e com sua
vergonha, mas agora tinham Outro com quem se preocupar: o Juiz de toda a terra. Ao ouvirem a
voz de Deus, ao invés de darem boas-vindas a ela, ficaram terrificados e ―esconderam-se da
presença do Senhor‖.157 Nesta tentativa percebemos a tolice deles. Quem pode esconder-se da
onipresença e da onisciência de Deus?
Quando eles pecaram, eles cessaram de amar a Deus e de confiar nele. Deus passou a ser
objeto da sua aversão e desprazer. Um senso de degradação encheu-os e tiveram uma terrível
inimizade contra Deus. Assim, esconderam-se dele por causa do seu pecado, aterrorizados.
Temeram ouvir Deus pronunciar uma sentença formal de condenação sobre si mesmos, porque
sabiam bem o que mereciam.
Adão e Eva não somente trouxeram danos irreparáveis sobre si mesmos, mas
tornaram-se fugitivos do Todo Glorioso Criador. Este é puro e aqueles pecadores. Portanto, os
pecadores evitaram o que era puro. Não é assim que acontece com os homens hoje? Gostam eles
de ficar juntos dos que são genuinamente cristãos? Gostam eles da santidade?
Todos os homens têm que comparecer perante o Santo e prestar-lhe contas. Não poderia
deixar de ser assim com o primeiro homem. Só não prestarão contas pessoalmente a Deus
aqueles que tiveram as suas contas prestadas por Jesus Cristo. A menos que o sangue de Jesus
Cristo tenha expiado os nossos pecados, compareceremos perante o Juiz de toda a terra. ―Como
escaparemos nós se negligenciarmos tão grande salvação?‖ (Hb 2.3). Não presuma que você é um
cristão. Examine as suas bases. Peça a Deus para que Ele sonde o seu coração e lhe mostre a sua
real condição.
Esta pergunta já era parte do juízo divino, para que Adão visse realmente o que havia
feito. Foi uma pergunta para Adão perceber a distância de Deus que o pecado causou. O pecado
separa o homem de Deus. A ofensa de Adão provocou a perda da comunhão com Deus. Agora, a
pergunta de Paulo, vale claramente: ―Que sociedade pode haver entre a justiça e a iniquidade? ou
que comunhão da luz com as trevas?‖ (2 Co 6.14).
Observe novamente que o Senhor ignorou Eva e dirigiu-se ao cabeça responsável. Deus
havia advertido a Adão a respeito do fruto proibido: ―No dia em que comeres, certamente
morrerás‖. Esta morte não significa aniquilação, mas alienação, separação. A morte espiritual é a
separação do homem do Deus Santo (Is 59.2), que culmina com a morte eterna (2 Ts 1.9).
Gn 3.10 — ―Ele respondeu: Ouvi a tua voz no jardim e, porque estava nu, tive
medo e me escondi.‖
Observe quão incapaz é o pecador para encontrar-se diante da inquisição divina. Adão
não poderia oferecer nenhuma resistência adequada. Ouça a sua admissão: ―Tive medo‖. Sua
consciência o condenava. Agora era a dura presença de Deus que o incomodava. Deus que é o
refúgio para a alma do crente, torna-se o terror para a alma pecaminosa. Adão comparece diante
de Deus destituído de qualquer justiça, justiça essa que nós obtivemos de e em Cristo. Observe a
colocação de Adão: ―Por que eu estava nu, tive medo e me escondi‖. O coração de Adão estava
cheio de horror e terror. Os cintos de folhas de figueira não haviam adiantado nada. Isto acontece
quando o Espírito Santo descobre a alma humana. A despeito das roupas religiosas que
possamos vestir, o Espírito nos convence da nossa nudez espiritual. Então, a alma se enche de
temor e vergonha, e ela percebe que vai se haver com Aquele diante do qual ―todas as coisas estão
patentes e descobertas‖ (Hb 4.13).
Gn 3.11 — ―Perguntou-lhe Deus: Quem te fez saber que estavas nu? Comeste
da árvore de que te ordenei que não comesses?‖
A esta pergunta Adão não teve resposta. Ao invés de humilhar-se perante o seu Benfeitor,
Adão fracassou em responder. Apenas deu uma desculpa esfarrapada. Se as palavras de Adão no
v. 10 foram devidamente ponderadas, uma omissão grande e fatal deve ser observada: ele não
disse nada a respeito do seu pecado, mas mencionou apenas os efeitos dolorosos que ele
produziu. Mas Deus neste v. 11 dirige-se para a causa daqueles efeitos. Esta pergunta direta de
Deus abriu o caminho e tornou muito mais fácil para Adão reconhecer contritamente a sua
transgressão, embora sem o precioso senso de arrependimento.
Deus não fez estas perguntas porque queria ser informado, mas antes, para providenciar
a Adão uma ocasião de rever o que havia feito. Em sua recusa percebemos a quarta conseqüência
do seu pecado.
Não houve tristeza profunda por sua flagrante desobediência. Portanto, não houve
arrependimento.
Gn 3.12 — ―Então disse o homem: a mulher que deste por esposa, ela me deu
da árvore, e eu comi.‖
Este verso 12 é a resposta à segunda pergunta do verso anterior. Ele não assumiu as
próprias responsabilidades como chefe da família, nem como cabeça da mulher. Simplesmente
transferiu a culpa do pecado para ela. Nem se tocou de que ele era o principal responsável, e que
era dele que Deus cobrava. Esta é a conseqüência mais comum quando os homens pecam. Eles
sempre arranjam uma justificativa para os seus pecados. Esta foi a outra conseqüência.
auto-justificaram.
Ele tentaram encontrar um culpado pelos seus próprios pecados. Ao invés de confessar a
sua impiedade, Adão tentou lançar a culpa em outro. A entrada do pecado na vida do homem
produz um coração enganoso e desonesto. Ao invés de culpar-se a Si mesmo, lançou a culpa na
mulher. E assim acontece também com todos os seus descendentes. Eles esforçam-se para tirar
a responsabilidade de sobre os próprios ombros, atribuindo culpabilidade a outro ser ou a
alguma outra coisa, como por exemplo, ao diabo. Isto é muito comum acontecer para se fugir da
própria responsabilidade.
As palavras do v. 12 mostram quão insolente foi Adão com Deus. Ele não disse
simplesmente: ―A mulher deu-me do fruto e eu comi‖, mas disse ―a mulher que TU me deste...‖ —
Assim, abertamente, ele culpa ao Senhor pela transgressão dele. Em outras palavras, Adão disse:
―Se Tú não me tivesses dado essa mulher, eu não teria caído. Por que fizeste isso comigo?‖—
Observe o orgulho e a dureza de coração que caracterizam o demônio, agora fazem parte do reino
dos homens. E assim ainda hoje com os filhos dos homens. A diferença é que hoje eles são
tentados pela própria cobiça do coração pecaminoso (Tg 1.13). A natureza depravada da criatura
caída é sempre propensa a pensar que a melhor cousa é procurar abrigo na desculpa: ―Se Deus
tivesse feito de outra forma, eu não teria feito aquilo‖. Assim, em nossos esforços de
auto-justificação, desafiamos ao próprio Deus corrigindo-o naquilo que ele faz.
Pv 19.3 diz: ―A estultícia do homem perverte o seu caminho, mas é contra o Senhor que
seu coração se ira‖. Esta é uma das formas mais vis na qual a depravação do homem se
manifesta: após comportar-se como um tolo e de descobrir que o caminho da transgressão é
difícil, o homem murmura contra Deus ao invés de, mansamente, submeter-se à Sua vara. Após
pervertermos os nossos caminhos, não culpemos Deus pelos frutos amargos do nosso proceder.
Visto que somos os autores de nossa miséria, é razoável que fiquemos tristes conosco mesmos.
Mas o orgulho do coração é tal que, evidenciando a nossa inimizade contra Deus, ficamos irados
contra Ele, sendo que nós mesmos somos responsáveis por nossos pecados. E verdade o que a
Escritura diz: ―Não se colhe uvas de espinheiros e nem figos dos abrolhos!‖ - Não acusemos Deus
pelos frutos de nossa própria perversidade! Se fizermos assim, estaremos repetindo o mesmo
pecado de nossos primeiros pais.
A resposta do v. 12 mostra realmente o que aconteceu, mas esta atitude tornou ainda pior
o ato de Adão. Ele era o cabeça e protetor da mulher e, portanto, deveria cuidar dela melhor,
evitando que ela caísse em pecado. Quando ela foi enganada pela serpente, e ele o soube, ele não
deveria seguir o exemplo dela recusando a oferta.
Arão, embora tenha reconhecido o seu pecado, culpou o povo por ser pecaminoso,
tentando eximir-se de culpa (Ex 32.22-24); Assim também fez Saul (1 Sm 15.17-21); Pilatos deu
ordem para a crucificação de Jesus, e atribuiu o crime aos judeus (Mt 27.24).
A quebra da afeição entre o homem e o seu próximo - neste caso sua esposa, a quem ele
deveria respeitar, proteger e amar.
Gn 3.13 — ―Disse o Senhor Deus à mulher: Que é isso que fizeste? Respondeu
a mulher: A serpente me enganou, e eu comi.‖
mesmo curso de Adão. Ela não se humilhou diante do seu Criador, não deu qualquer sinal de
arrependimento, nenhum sentimento de tristeza ou confissão. Ele tratou de arranjar alguém
responsável pelo seu ato. Culpou a serpente. Foi uma desculpa fraca, porque Deus a capacitou
com entendimento para perceber a mentira, e com retidão de natureza para rejeitá-la
prontamente.
Os filhos de Adão fazem o mesmo hoje. E inútil dizer: ―Eu não tinha intenção de pecar,
mas o demônio tentou-me‖. O demônio não pode forçar ninguém a pecar, nem prevalecer sobre o
homem seu consentimento.
Gn 3.14-14 — ―Então o Senhor Deus disse à serpente: Visto que fizeste isto,
maldita és entre todos os animais domésticos, e o és entre todos os animais
selváticos: rastejarás sobre o teu ventre, e comerás pó todos os dias da tua vida.
Porei inimizade ente ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente.
Este te ferirá a cabeça e tu lhe ferirás calcanhar.‖
Antes de pronunciar sentença sobre Adão e Eva, Deus dirigiu-se à serpente, que foi a
causa instrumental da queda deles. Observe que nenhuma pergunta foi feita à serpente. Antes, o
Senhor a tratou como uma inimiga declarada. Sua sentença deve ser tomada literalmente com
relação à serpente, mas alegoricamente com relação à Satanás. Estas palavras de Deus implicam
numa punição visível, que é executada sobre a serpente, como instrumento da tentação, mas a
maldição foi dirigida contra o tentador invisível, Satanás.
Nestes versos há as sentenças que foram pronunciadas contra Adão, Eva e a terra: Eva foi
condenada a um estado de tristeza, sofrimento e servidão; Adão foi condenado a uma vida de
tristeza e cansaço; e a terra sofre a maldição que até hoje pesa sobre ela (Rm 8.20-23).
9) A nona conseqüência do pecado de nossos primeiro pais foi que o homem desceu ao
nível dos animais.
Gn 3.20-21 — ―E deu o homem o nome de Eva à sua mulher, por ser a mãe de
todos os seres humanos. Fez o Senhor Deus vestimentas de peles para Adão e sua
mulher, e os vestiu.‖
Obs.: Moisés, o narrador destas cousas, recebeu de Deus alguns detalhes importantes
como estes do v.20: Eva ainda não havia dado à luz filhos, senão somente depois de serem
expulsos do Éden (isso ilustra o v.16). Adão deu prova do seu domínio sobre a criação (1.28),
conferindo nome à Eva.
Antes de lançá-los para fora do jardim, Deus usou uma linguagem irônica e sarcástica a
respeito do resultado do pecado de comer o fruto de Adão: A promessa de Satanás no v.5 era que
eles seriam "como Deus".
Gn 3.22 — ―Então disse o Senhor Deus: Eis que o homem se tornou como um
de nós, conhecedor do bem e do mal...‖
Agora, ao invés, de serem como Deus, conhecedores do bem e do mal, foram colocados ao
nível das bestas-feras, tiveram que vestir-se à moda dos animais e comer as coisas que os
animais comiam, que originalmente não era próprio para eles: ―comer das ervas do campo‖.
Então, vem a maldição final:
Estar fora do jardim do Éden era o mesmo que estar longe da presença benévola,
reveladora e agradável de Deus. Ser expulso do jardim significa a expressão da ira de Deus pelo
descontentamento com o pecado de Adão. Este tornou-se estranho ao favor de Deus e à Sua
comunhão. Ele foi banido do lugar de prazer e gozo. Tornou-se errante e fugitivo. Assim como
lançou para fora da Sua habitação os anjos que pecaram (Jd 6), Deus também lançou o homem
para fora do lugar da Sua habitação, como prova do Seu desagrado com o pecado.
A CFW também mostra que todos os nossos pecados atuais têm nascedouro no pecado
original:
Portanto, o pecado original, é o grande mal que afeta toda a raça, e não há cura para ele,
a não ser na obra redentora de Jesus Cristo.
119
CAPITULO X
O PECADO ORIGINAL
O que é o pecado original? O pecado original tem sido visto como o pecado herdado, mas
herança não explica tudo daquilo que chamamos peccatum oríginale. A culpa, por exemplo, não é
uma matéria de herança. Berkhof diz que este pecado se chama ―pecado original‖ por algumas
razões: 1) Por que se deriva do tronco original da raça humana; 2) Porque está presente na vida
de cada indivíduo desde o momento do seu nascimento e, portanto, não pode ser considerado
como resultado de imitação; 3) Por que é a raiz interna de todos atuais que mancham a vida do
homem‖.158 Berkhof ainda adverte que desse nome ―pecado original‖, jamais deve ser pensado
que ele pertença à natureza constitucional do homem, pois tornaria Deus o autor do homem
pecador.159
O pecado original pode ser dividido basicamente em dois elementos: Culpa Original e
Corrupção Original.
1. CULPA ORIGINAL
A palavra ―culpa‖ tem que ser corretamente entendida. Aqui, neste estudo, não
estudaremos nada a respeito do ―sentimento de culpa‖, que é um elemento emocional do pecado,
nem da imputação dela160, mas estudaremos o aspecto judicial ou forense da palavra, ou ainda,
a relação que o pecado tem com a lei.
A culpa é o estado no qual se merece a condenação, ou na qual se sente merecer o castigo
pela violação da lei ou de qualquer exigência moral.
Podemos falar de culpa de dois modos:
Reatus Culpae
E a culpa de réu. Esta culpa Turretin chama de Culpa Potencial. 161 E a culpa moral
intrínseca do pecador, inerente a ele, que não pode ser separada dele. Ela faz parte da essência
do pecado. Essa culpa nunca se encontra em alguém que não é pessoalmente pecador. Essa
culpa é permanente de tal forma que não é tirada nem com o perdão. Ela pertence à essência do
pecado e é parte inseparável do pecado. Pertence unicamente àqueles que são pessoalmente
pecadores, e lhes acompanha permanentemente. Os méritos de Jesus Cristo não tiram essa
culpa do pecador porque lhe é inerente. Mesmo tendo suas penas pagas, essa culpa ainda
permanece com o pecador. O fato de Jesus Cristo ter morrido pelo pecador, não o torna inocente,
apenas livre da penalidade da lei, justificado, portanto. Essa culpa não pode ser transferida para
outro.
Jesus Cristo nunca teve essa culpa, porque nunca foi pessoalmente pecador. Ela é
própria somente de nós. Mesmo quando entrarmos no céu, haveremos de ir com essa culpa,
embora sem os sentimentos dela. E essa idéia de culpados, que nos acompanha para sempre,
que nos fará adorar Jesus como nosso Redentor, eternamente.
Reatus Poenae
E a pena de réu. Esta culpa Turretin chama de Culpa Real162, que denota o castigo ou
pena que vem sobre o transgressor da lei. Ele tem a ver com o edito penal do Legislador que lixa
o castigo da culpa. Esta pena, ou castigo, não é inerente ao pecador. Ela pode ser paga pelo
próprio pecador ou removida pela misericórdia de Deus, através da remissão pelo Substituto dos
pecadores. Nessa culpa o pecador tem a obrigação de render satisfação à Justiça por causa da
violação da lei. Nesse sentido, a culpa não é a essência do pecado, mas antes, uma relação com a
sanção penal da lei.
E nesse sentido que Jesus levou as nossas culpas, isto é, pagando a penalidade do réu.
Nesse sentido, nunca mais seremos culpados, isto é, merecedores do castigo, porque não mais
temos dividas com a lei. Seremos santos e inculpáveis, porque essa culpa pode ser removida pela
satisfação da Justiça.
2. CORRUPÇÃO ORIGINAL
Por corrupção podemos entender a poluição ou contaminação inerente à qual todo o
pecador está sujeito. Esta é a mais inegável das verdades a respeito do ser humano caído: é o
estado pecaminoso que se torna a base do hábito pecaminoso, do qual surgem os atos
pecaminosos.
A corrupção pode também ser vista como uma conseqüência imediata da culpa com a
qual o indivíduo entra no mundo. Todo homem é culpável em Adão, como já vimos, e, portanto,
nascido com uma corrupção original.
A corrupção original do homem inclui duas coisas: a) A ausência da justiça original e b) A
presença de um mal verdadeiro.
Justiça
Ela diz respeito à conformidade com a lei divina. Antes da queda havia total harmonia
entre a natureza moral do homem e todas as exigências da lei de Deus, que sempre foi ―santa,
justa e boa‖ (Rm 7.12). Havia concordância perfeita entre a constituição natural de nossos
primeiros pais e a regra de vida estabelecida por Deus para as Suas criaturas. Na parte mais
interior do ser humano havia uma santa inclinação. A Escritura diz que Deus ―fez o homem reto‖
(Ec 7.29), referindo-se à sua natureza moral, mas esta retidão moral foi perdida pela queda.
Todavia, ela vem a ser restaurada na regeneração do Espírito, mas todos os descendentes de
Adão já nascem sem ela.
Santidade
Esta diz respeito à pureza imaculada do ser que Deus criou. Como a justiça estava em
relação à lei divina, a santidade era a relação direta com o Criador. Nossos primeiros pais
possuíam comunhão plena com Deus. A santidade não era advinda somente da comunhão com
Deus, mas era a natureza moral deles. Não era uma simples separação do mal, mas uma
santidade positiva, uma possessão de tudo o que é bom. No verdadeiro sentido, nossos pais eram
"puros de coração', pois eles viam a Deus (Mt 5.8). Assim eram nossos primeiros pais. Mas esse
princípio de santidade foi perdido, e é restaurado somente na redenção do povo de Deus.
Contudo, não se pode esquecer que todos os descendentes de Adão já nascem sem qualquer
noção dessa santidade.
Conhecimento Verdadeiro
Deve entender-se como o conhecimento do próprio Deus. Por ser reto e santo, Adão podia
―ver‖ Deus no sentido espiritual da palavra. Havia intimidade entre ele e seu Criador. Adão foi
criado espiritualmente maduro. Ele foi capacitado a aprender a apreciar aquilo que Deus é. Ele
possuía um conhecimento intuitivo e verdadeiro das perfeições divinas, pois Deus Se revelou a
Adão no Éden. Este conhecimento foi perdido pela queda, mas é restaurado na regeneração (2 Co
4.6). Todavia, todos a posteridade de Adão nasce sem qualquer conhecimento verdadeiro de
Deus.
DEPRAVAÇÃO TOTAL
A Santa Escritura é o espelho que reflete exatamente o que Deus pensa a respeito dos
seres humanos. Não muito importante o que as pessoas pensam de si mesmas, porque elas,
freqüentemente, possuem uma auto-estima muito grande, pensam de si mesmas muito
positivamente. Segundo as Escrituras, normalmente as pessoas ―pensam de si mesmas além do
que convém‖,163 mais do que a verdade lhas permite. Elas não possuem luz para ver sua própria
condição diante de Deus. Seu padrão de santidade é muito baixo, mas a Escritura é capaz de
torná-los háveis para diagnosticarem a condição do coração. Por esta razão, temos que prestar
atenção às informações corretas da Escritura a respeito dos seres humanos, como uma revelação
que elas são a respeito da real condição humana.
163 Rm 12.3.
122
Observe que o texto diz que ―todo desígnio é mau‖165 Não há pensamentos e decisões de
santidade no homem não redimido, ainda sob os efeitos da queda. Os pensamentos e os atos
maus têm nascedouro no coração que está infectado de pecado. As disposições que o coração
humano possuem são disposições miseráveis, todas fermentadas pelo pecado. As afeições dos
homens são desordenadas porque provém de um coração envenenado pelo pecado. O
desequilíbrio no homem é generalizado. ―Não há parte sã na sua carne‖. E por essa razão que
―eles fazem o mal continuamente‖, todos os dias de sua vida, até que sejam renovados pela obra
graciosa do Espírito Santo.
do homem desde a sua mocidade: nem tornarei a ferir todo o vivente, como fiz.‖
Esta é a descrição do homem antes do dilúvio. Mas a situação não mudou após o dilúvio.
O coração do homem é sempre o mesmo. Mesmo as águas do dilúvio não foram suficientemente
capazes de lavar a malignidade e o engano do coração do homem. Do começo da sua vida até o
fim, o coração do homem é a manifestação de coisas más. Desde o começo da vida, o coração do
homem já é manchado pelo pecado. Se alguém quer uma prova dessa verdade, ele a pode ver na
criação de nossos filhos. Desde o começo de suas vidas eles revelam uma tendência para as
coisas más. Todas as coisas más têm o seu nascedouro na coração de nossos filhos, desde a sua
concepção.
Jó 15.15-16 — Eis que Deus não confia nem nos seus santos; nem os céus são
puros aos seus olhos, quanto menos o homem, que é abominável e corrupto, que
bebe iniquidade como água?‖
Tal é a perversidade do coração corrupto dos homens que eles abusam da paciência e da
tolerância de Deus. Visto que o julgamento de Deus sobre os homens nem sempre é imediato ao
pecado deles, estes se dispõe a cometer toda sorte de maldade e coisas vergonhosas. Assim
aconteceu nos tempos de Noé. Quanto mais Noé pregava, mais zombadores e violentos eles
foram. Assim também acontece nos dias de hoje. Quanto mais Deus retarda a manifestação da
Sua ira, mais os homens se afundam nos seus pecados, tendo o coração cada vez mais disposto
para praticarem o mal. Ao invés de voltarem-se para Deus, eles continuamente se apartavam de
Deus, portando-se cada vez mais corruptamente em seu estilo de vida. A atitude deles não é
diferente hoje. Os homens são sempre os mesmos. Enquanto o coração deles não é mudado pelo
Deus Todo-Poderoso, sempre ele será pervertido e praticará coisas más.
Ec 9.3 — ―Este é o mal que há em tudo quanto se faz debaixo do sol; a todos
sucede o mesmo; também o coração dos homens está cheio de maldade, nele há
desvarios enquanto vivem; depois, rumo aos mortos.‖
Ninguém escapa desta terrível condição. Este é o grande mal debaixo do sol, diz o
Pregador. Por natureza, todos os homens são injustos e cheios de impiedade. O escritor bíblico
aponta que a prática do mal conduz ―ao desvario do coração‖. Nossa sociedade moderna, que não
é essencialmente diferente da sociedade do tempo de Salomão, é um exemplo claro desse
desvario do coração. Há muitos modos modernos de se expressar a pecaminosidade do homem
(de fato, os pecados são sempre os mesmos, apenas as formas é que variam). Pink diz que ―os
homens são tão enfatuados a ponto de procurarem os seus prazeres nas coisas que Deus odeia.
Eles abandonam todas as restrições da razão e da consciência, enquanto suas paixões violentas
os pressionam em direção ao pecado.‖166 Eles não estão satisfeitos com ―os velhos métodos‖ de
pecar. Em sua loucura de coração, eles procuram modos diferentes para expressarem a sua
pecaminosidade, iguais pessoas dementes sem controle sobre si mesmas. Eles são extravagantes
na procura de novas maneiras de pecar. Seus corações estão cheios de desvarios enquanto
vivem. Isto quer dizer que eles pecam desenfreadamente a vida inteira.
Estas manifestações de pecaminosidade só terminarão quando Deus manifestar o seu
julgamento final, ou quando Ele resolver tirar homens ―do império das trevas para colocá-los
debaixo do reino do filho do Seu amor‖ (Cl 1.13).
Estes são apenas alguns versos a respeito da corrupção do coração, dentro as centenas
que existem nas Santas Escrituras do Antigo Testamento.
O Novo Testamento não tem uma imagem melhor do coração humano do que a imagem
apresentada pelo VT. O quadro da condição humana não é alterado quando examinamos
detidamente os vários autores neo-testamentários. Em um sentido, os textos do NT pintam a
condição do homem em cores mais escuras ainda.
2 Pe 2.14 — diz que os homens têm ―os olhos cheios de adultério e insaciáveis
no pecado, engodam almas inconstantes, têm o coração exercitado na avareza,
filhos malditos‖.
Eles não podem parar de pecar por causa do coração pecaminoso deles. Eles são escravos
da corrupção. Esta é a conclusão que o próprio Pedro chega a respeito deles: Pedro diz que eles
engodam as almas ―prometendo-lhes liberdade, quando eles mesmos são escravos da corrupção,
pois aquele que é vencido fica escravo do vencedor.‖ (2 Pe 2.19). Eles são vencidos pela sua
própria natureza pecaminosa. Eles procuram satisfação para os seus desejos, mas nunca se
cansam de pecar. São insaciáveis. Vivem sempre com sede de pecado, e têm prazer na
iniquidade. E por isso que Pedro diz que eles são ―filhos malditos‖ (1 Pe 2.14). Assim são todos os
homens, embora nem todos manifestem sua depravação da mesma forma e com a mesma
intensidade.
Mc 7.20-23 — ―Não compreendeis que tudo o que de fora entra no homem não
o pode contaminar, porque não lhe entra no coração, mas no ventre, e sai para
lugar escuso? E assim considerou Ele puros todos os alimentos. E dizia: O que sai
do homem, isso é o que o contamina. Porque de dentro, do coração dos homens, é
que procedem os maus desígnios, a prostituição, os furtos, os homicídios, os
adultérios, a avareza, as malícias, o dolo, a lascívia, a inveja, a blasfêmia, a
soberba, a loucura: Ora, todos esses males vem de dentro e contaminam o
homem‖.
poluído. Somente Deus pode penetrar as profundezas do coração humano e detectar que espécie
de poluição há lã dentro. O homem é incapaz para isso, porque seu próprio coração o engana. Foi
exatamente isto o que Jeremias disse em Jr 17.9. Mas o Senhor não pode ser enganado. Ele é o
único que o sonda, e sabe exatamente todas as coisas que estão ali dentro, mesmo os
pensamentos mais secretos. E que imundice há ali dentro! Que corrupção! Ele sabe que o
coração do homem é profundo o bastante para produzir pensamentos e ações corruptos. Nada
além do mal vem do coração do homem continuamente.
Por isso Jesus disse que Ele veio ―buscar e salvar o que se havia perdido‖ (Lc 19.10). Na
concepção de Jesus ―perdido‖ significa estar ―em trevas‘, no ―estado de morte‖.
Jesus é a pessoa mais certa e ideal para nos ensinar a respeito da natureza pecaminosa,
não somente porque Ele é Deus, onisciente, tendo a capacidade para conhecer o coração do
homem, mas também porque Ele viveu com os homens e pessoalmente experimentou a
impiedade deles. Por esta razão ainda João diz que Jesus
Jesus sabia muito bem o que se passava no interior dos homens. Ele sofreu as
conseqüências da loucura dos corações deles em todos os períodos de Sua vida, especialmente
durante o Seu ministério público e em sua paixão final.
Jesus mostrou a desesperada necessidade que todos os humanos têm de regeneração,
que é a renovação da natureza, não simplesmente uma reforma ou uma correção de alguns
defeitos. A terrível enfermidade do homem vem de dentro dele, de seu ser mais interior, o coração.
Ao menos, foi isto o que ele disse em Mc 7.21-23:
Que catálogo de pecados! Pink faz uma observação interessante sobre isso:
Não há nenhum modo de contestar esta asserção de Jesus. Ele é a autoridade suprema
nas coisas do coração, nos assuntos que estão relacionados ao mais interior do homem, porque
Ele o conhecedor e o sondador dos corações! O homem não sabe o que se passa no seu mais
interior, mas Jesus sabe tudo. Não podemos contradizê-lo. Seus sofrimentos e morte foram, em
algum sentido, a manifestação da loucura do coração do homem.
For esta razão Deus não confia no homem, mesmo nos seus santos, porque a Escritura
diz:
Jó 15.14-16 — ―Que é o homem para que seja puro? e o que nasce de mulher,
para ser justo? Eis que Deus não confia nem nos seus santos; nem os céus são
puros aos Seus olhos, quanto menos o homem, que é abominável e corrupto, que
bebe a iniquidade como a água?‖
Que descrição da natureza humana! Nossa natureza pecaminosa é detestável e odiosa aos
olhos de Deus. Somente o sangue de Jesus Cristo é capaz de limpar tão grande pecaminosidade!
2. Cegueira do Coração
A Queda trouxe cegueira ao ser interior do homem. Como a cegueira física é uma das
calamidades naturais mais terríveis para o homem, assim também a cegueira espiritual. Ela não
é simplesmente a ignorância das verdades, mas a incapacidade para conhecer as cousas divinas.
As coisas espirituais estão escondidas do coração do homem. Ele é incapaz de reconhecer o que
está por detrás das palavras que ele lê. Trevas estão sobre o coração do homem o tempo todo (Mt
6.22-23). Porque o seu coração está em trevas, a Escritura diz que o homem natural ―de dia
encontra as trevas; e ao meio-dia anda como de noite, ás apalpadelas‖ (Jó 5.14). Asafe, o
salmista, também diz que os ímpios ―nada sabem, nem entendem, vagueiam em trevas...‖ (Sl
82.5). Eles são cegos, privados da luz de Deus. Por esta razão, ―o caminho dos perversos é como
a escuridão: nem sabem eles onde tropeçam‖ (Pv 4.19). Inversamente, ―a vereda dos justos é
como a luz da aurora que vai brilhando mais e mais até ser dia perfeito‖ (Pv 4.18). A depravação
moral resulta necessariamente numa escuridão moral. Neste sentido, o que Paulo disse a
respeito dos judeus, pode ser dito de todas as pessoas:
2Co 3.13-15 — ―Mas os sentidos deles se embotaram. Pois até ao dia de hoje,
quando fazem a leitura da antiga aliança, o mesmo véu permanece, não lhes sendo
revelado que em Cristo é removido. Mas até hoje, quando é lido Moisés, o ~ está
posto sobre o coração deles‖.
Por esta razão, as tendências do coração do homem são reversas. Após a Queda, ―os
homens amaram mais as trevas do que a luz, porque as suas obras eram más‖ (Jo 3.19). Eles
preferiram o que é oposto à luz e á verdade. Eles escolheram, de acordo com seus corações, seus
próprios caminhos.
É importante estabelecer a diferença entre dois tipos de cegueira no homem:
Primeiro, há a cegueira daqueles que vivem debaixo da pregação do evangelho. 169 Eles
sabem muitas coisas a respeito de Deus como Espírito, como o Criador dos céus e da terra, e
estão familiarizados com a idéia de que Deus é amor, misericórdia, e assim por diante. Contudo,
eles não estão envolvidos com Deus, nem comprometidos com Ele. Eles não O adoram
espiritualmente nem verdadeiramente, como Ele requer. Seus corações estão longe dEle porque,
mesmo conhecendo muitas coisas sobre religião, eles estão cegos e ainda andam em trevas,
sendo enganados por Satanás. É possível ver muitos milhões deles em nosso mundo ocidental,
onde a ―civilização cristã‖ foi implantada.
Segundo, há a cegueira daqueles não vivem debaixo da pregação do evangelho. 170 Este
tipo de cegueira pode ser visto mais claramente. Essas pessoas são ignorantes das verdades
espirituais, e não possuem idéia qualquer de quem Deus realmente é. Eles têm suas próprias
religiões pagãs com as suas formas mais primitivas de adoração da criatura, ao invés da
adoração ao Criador.
Ambas espécies de cegueira são evidência de que os homens estão debaixo do mesmo
domínio do pecado, mesmo embora alguns manifestem mais iniquidade do que outros, devido a
ausência da pregação do evangelho. A cegueira do coração deles é a mesma em ambos os casos,
mesmo embora uns tenham mais informação a respeito da Sua Palavra do que outros. Ambas as
cegueiras impedem o amor a Jesus Cristo.
3. Dureza de Coração
Este é um outro nome para a cegueira do coração. A natureza do coração do homem
natural é dita ser igual ―pedra‖. Ezequiel 11.19 e 36.26 mostram que esta figura é muito
apropriada para caracterizar todos os homens naturais. A tendência do coração dos homens é
inclinada somente para as coisas deste mundo presente, para coisas más, porque o coração
humano é insensível ás coisas espirituais.171
Zacarias disse que
Nada é mais duro que o ―diamante‖. Esta comparação é muito forte, mas absolutamente
adequada, porque ela mostra a obstinação do coração em fazer o mal.172 Esta obstinação é
manifesta pela ausência da sensibilidade espiritual. Os homens não estão nem mesmo temerosos
da ira de Deus, porque eles não têm nem idéia do que ela realmente significa. Eles não possuem
senso de culpa de terem ofendido ao Senhor. Por esta razão, eles vivem na prática dos pecados
sem qualquer temor. Pecar é um prazer para eles.
Esta dureza de coração causa no homem uma falta total de interesse em matéria
espiritual. Deus diz a Ezequiel: ―Mas a casa de Israel não te dará ouvidos, porque não me quer
dar ouvidos a mim; pois toda a casa de Israel é de fronte obstinada e dura de coração‖ (Ez 3.7).
Eles odeiam a Palavra de Deus e são inconstantes e infiéis em seu coração. 173
4. Consciência Corrompida
Muitos defensores do Arminianismo tentam apelar para a voz da consciência para indicar
que alguma coisa boa ainda permanece no homem. E verdade que o homem, em geral, ainda é
cerviz‖ (Dt 9.6, 13; 31.27); ou ―coração incircunciso‖ (Jr 9.26; Ez 44.7, 9; At 7.51). Todas estas expressões são
equivalentes à idéia de cegueira, porque os resultados são os mesmos em todos os casos. Incircunsisão de
coração significa impureza e sujeira, das quais o coração estás cheio, e tudo isto está relacionado à cegueira
e insensibilidade.
128
capaz de distinguir o que é certo e o que é errado, mas somente nas ―coisas terreais‖, em matérias
do relacionamento entre seres humanos, não com referência às ―coisas celestiais‖. 174
Mesmo a consciência humana não escapa aos terríveis efeitos do pecado. Paulo, falando a
respeito da consciência dos crentes, diz que ela pode ser ―fraca‖ (1 Co 8.12). A respeito daqueles
que desprezam a Palavra, Paulo diz que eles têm a consciência ―cauterizada‖ (1 Tm 4.2), e
consciência ―corrupta‖ (Tt 1.15). O escritor aos Hebreus também fala da ―consciência má‖
(10.22). Todos os homens naturais possuem consciência ―má‖ e ―corrupta‖, mesmo embora eles
manifestem bom julgamento nas ―coisas terreais‖, mas eles são incapazes de tratar devidamente
com as ―coisas celestiais‖. A consciência do homem natural não tem luz para agir de acordo com
os padrões de Deus. Ao invés de guiar os sentidos do homem, a sua consciência o confunde e ela
não é capaz de dar-lhe uma direção correta. A consciência corrompida tem conduzido os seres
humanos a inventar e a propagar as mais ímpias representações de divindades.
A consciência corrupta não é capaz de dar ao pecador uma atitude positiva para com
Deus. Mesmo embora ela tenha alguma resistência à prática de alguns pecados crassos (e a razão
disto é a opinião pública ou outro interesse qualquer), ela não faz oposição em relação aos
terríveis pecados secretos que manifestam a corrupção interior do coração.
A consciência corrupta é parcial. Freqüentemente, ela toma em consideração grandes
pecados, mas faz oposição aos terríveis pecados comuns que perturbam os homens. Ela ignora
grandes pecados e se preocupa somente com os menores. 175
A consciência corrupta não é capaz de conduzir os homens ao arrependimento ou de
convencer o homem do pecado de Adão e de sua necessidade de Jesus Cristo. As acusações de
uma consciência corrupta não são bastante para produzir bons frutos ou um genuíno
arrependimento, mas são capazes de causar aversão e ódio a Deus.
A consciência do homem natural não é confiável porque o ser interior do pecador é
corrupto. O padrão de conduta da consciência corrupta nunca será o da Palavra de Deus.
5. Escravidão do Pecado
Todos os que estão debaixo do Pacto das Obras também estão debaixo da escravidão do
pecado. Jesus disse: "Em verdade, em verdade vos digo, que aquele que comete pecado é escravo
do pecado" (Jo 8.34). Ora, se alguém é escravo do pecado, o pecado é o seu senhor. Mas a
Escritura diz que esta escravidão é voluntária. O homem não é forçado de fora a pecar. Ele peca
porque ele quer. Pelo menos, é isso o que Paulo ensina:
―Não sabeis que daquele a quem vos ofereceis como servos para obediência,
desse mesmo a quem obedeceis sois servos, seja do pecado para a morte, ou da
obediência para a justiça?‖ (Rm 6.16)
Ninguém força o homem a pecar. O homem não peca contra a sua vontade. Apenas o
homem obedece às inclinações de sua própria natureza. O domínio do pecado vem de dentro do
próprio homem. Este domínio é natural e congênito, e controla o ser total do homem, porque ele
pervade todas as partes do ser humano, desde a queda.
O pecado é chamado um ―reino‖ na Escritura, 176 e reina sobre todos os homens, porque a
posteridade de Adão está sob seu domínio. O pecado está no centro da personalidade humana e
polue e envenena tudo que procede do coração. Este controle poderoso sobre todas as faculdades
da alma humana é vencido somente quando a obra regeneradora do Espírito Santo pára os
efeitos da morte no homem. Antes dessa maravilhosa obra, o homem permanece escravo do
pecado. Rm 6.1-23 é a descrição da escravidão do pecado do homem.
174 Estas expressões ―coisas terreais‖ e ―coisas celestiais‖ são típicas de Calvino em suas Institutas.
175 Por exemplo: Saul, em 1 Sm 14.33, 34 condenou o povo porque ele havia transgredido um
preceito da Lei, mas ele não teve nenhum problema em matar 85 profetas de Senhor. Aqueles que procuram
matar Jesus Cristo justificaram-se a si mesmos diante da Lei (Jo 19.7). sobre eles está a sentença de Deus
(Is 5.20).
176 Rm 5.21.
129
6. Escravidão da Corrupção
Tudo na criação, não somente as criaturas racionais, está debaixo da escravidão da
corrupção. Rm 8.20-21 diz que
―a criação está sujeita á vaidade, não voluntariamente, mas por causa daquele
que a sujeitou, na esperança de que a própria criação será redimida do cativeiro da
corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus.‖
Pedro afirma categoricamente que os homens ―são escravos da corrupção, pois aquele que
é vencido fica escravo do vencedor‖ (2 Pe 2.19). Ninguém está livre desta condição maldita, nem
mesmo os elementos da natureza. A maldição do pecado é a escravidão da corrupção. Esta
verdade a respeito do homem o humilha. Por esta razão, algumas teologias tentam minimizar os
efeitos da depravação do homem.
7. Escravidão de Satanás
Esta verdade bíblica é um das coisas mais terríveis que o Senhor Jesus disse aos homens.
Ele lhes disse que eles eram filhos do diabo e, consequentemente, escravos dele. Esta conclusão
é fácil de ser tirada de Jo 8.44: ―Vos sois filhos do diabo que é vosso pai, e quereis satisfazer-lhes
os desejos.‖177 Todos os que não eram crentes em Jesus eram obedientes aos ditames do diabo.
Eles não estavam conscientes de sua condição, mas Jesus fê-los saber quem eles eram.
A Escritura diz que todos os homens naturais são filhos do diabo. 178 Aqueles que não são
filhos de Deus são, automaticamente, filhos do diabo, porque só há dois tipos de filhos neste
mundo. Não há alternativa. Todo mundo é filho de alguém. Espiritualmente os homens sempre
são filhos de alguém, Deus ou o diabo. E os filhos devem obedecer a seu pai. Por esta razão, Jesus
disse que os homens obedecem os desejos de seu pai, que é o diabo.
Mas a Escritura vai mais longe. Ela diz que o homem natural está
sob th=j e)cousi/aj tou= Satana= (potestade de Satanás)179 e, por esta razão, eles
são ―cativos de Satanás (diabo/lou) para fazer a sua vontade‖.180
O coração do homem caído, não-regenerado, é o trono de Satanás. Este tem um reino (Mt
12.26), e todos os homens naturais são servos ou escravos dele. Paulo é muito claro quando
dirige-se aos ex-escravos de Satanás, dizendo:
O reino de Satanás é um reino de usurpação, porque ele não tem direito algum sobre as
vidas dos homens, mas é um reino, e todos os homens naturais estão sob o seu domínio. Por esta
razão, João disse que, em contraste com os crentes, ―o mundo inteiro jaz no maligno‖ (1 Jo 5.19).
Desde a queda do mundo houve duas espécies de pessoas: os que pertencem a Deus, e os
outros que estão sob o domínio de Satanás. Deus disse à Serpente: ―Eu porei inimizade entre ti
(Satanás) e a mulher, e entre a tua descendência e o seu descendente (Cristo). Este te ferirá a
177 Este verso pode ser aplicado a todos os homens naturais porque todos eles encaixam nas
diabo.
179 At 26.18.
180 2 Tm 2.26.
130
cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar‖ (Gn 3.15). Estas duas posteridades foram mencionadas por
Jesus Cristo nas parábolas do reino, como sendo ―os filhos do reino‖ e os ―filhos do maligno‖ (Mt
13.38).
Satanás, o deus deste século, pega os homens que vivem escravos do pecado, e tira
vantagem da sua natureza pecaminosa, fazendo-os seus escravos. Paulo diz que o diabo ―cegou
os entendimentos dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória de
Cristo, o qual é a imagem de Deus‖ (2 Co 4.4).
É espantoso que os Arminianos digam que estes homens, tendo ―consciência corrupta‖,
―cegueira de coração‖, sendo ―escravos do pecado‖, ―escravos da corrupção‖ e ―escravos do
diabo‖, ainda tenham liberdade de vontade para ver e para escolher as coisas espiritualmente
boas!
CARACTERÍSTICAS DA DEPRAVAÇÃO
Há, todavia, algumas outras verdades a respeito da depravação total do homem que
precisam ser estudadas à luz da Escritura:
O verso anterior trata da concepção de uma criança. Neste fala da parte seguinte do
processo: o nascimento dela. Mas a idéia fundamental do texto é a mesma. Tanto a concepção
como o nascimento de Davi foram em pecado. Davi não era o único que possuía esta triste
situação.
Esta é uma confissão que bem caberia na boca de todos os humanos. A nossa corrupção
vem do começo da nossa existência, pois a recebemos, de alguma forma, de nossos pais. Pelo fato
de sermos filhos de Adão, todos nascemos depravados. Davi era filho de um casamento digno e
honrado, todavia, recebeu de seus pais a herança maldita da corrupção, com todas as suas más
disposições. Observe, como já vimos, que a culpa é imputada, mas a corrupção não. Ela é
recebida pelo fato de sermos culpados em Adão, mas a recebemos via nossos pais, por geração
natural.
Para entendermos esta verdade, vejamos a antítese dela: Por quê foi necessário para
Cristo ser encarnado sobrenaturalmente pelo milagre do nascimento virginal? Essa era a única
maneira de haver dentro de Maria um ―ente santo‖ (Lc 1.35), pois se fosse por geração ordinária,
Cristo herdaria a natureza pecaminosa. O que Deus fez? Deus não imputou a culpa de Adão a
Cristo, fé-lo ser concebido sobrenaturalmente, e o livrou da corrupção. Ele não nasceu na
iniquidade porque não teve a imputação e a geração ordinária, não foi contado como
descendência de Adão. Ficou livre da culpa e, consequentemente, da corrupção.
Mas não é assim com os filhos de Adão. Estes já são concebidos e nascidos em corrupção,
poluição moral e espiritual, coisas essas que se externalizam à medida que eles
entram em comunicação com o mundo externo, onde vivem.
Isaías 48.8 diz que somos chamados transgressores ―desde o ventre materno‖. Por essa
razão é que, quando nascemos, ―já nos desencaminhamos proferindo mentiras‖ (Sl 58.3). Você já
viu, porventura, um pai decente ensinando mentiras aos seus filhos? Nunca! Todavia, os filhos
desse pai mentem, sem nunca terem aprendido a mentir. Essa é uma terrível capacidade
herdada, com a qual vimos ao mundo.
Estultícia é igual tolice. Essa tolice não é meramente uma ignorância intelectual, mas um
princípio positivo para o mal, porque no Livro de Provérbios, o "tolo" não é um idiota, mas um
pecador. A corrupção está profundamente enraizada no coração da criança. O texto diz que a
estultícia está ligada ao coração da criança. Isso significa que o pecado está amarrado, preso,
atado, anexado ao coração. Não existe uma criança sequer livre dessa estultícia.
É por essa razão que ninguém precisa ensiná-la a pecar. Basta que os pais tirem o freio
dela e, então, a corrupção se manifestará em maior ou menor grau. Nessa hora é que um pai vê a
dor que um filho lhe traz e a mãe vem a ser envergonhada por causa daquilo que ele faz (Pv
29.15).
Nosso coração, que é a sede de nosso ser moral, é corrompido desde o ventre materno, e
as nossa iniqüidades estão ligadas a ele. Portanto, somos transgressores desde o ventre materno
por disposição interna antes de sermos por atos externos. Os atos são apenas manifestações de
disposições interiores.
Ef 2.1-3 — ―Ele vos deu vida, estando vós mortos em vossos delitos e pecados,
nos quais andastes outrora, segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe da
potestade do ar, do espírito que agora atua nos filhos da desobediência; entre os
quais também todos nós andamos outrora, segundo as inclinações da nossa
carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza,
filhos da ira, como também os demais‖.
132
Talvez esta expressão seja mais forte ainda do que Sl 58.3, porque ensina que não
somente somos nascidos no mundo com uma constituição corrupta, mas que somos vistos como
criminosos à vista de Deus. A depravação de nossa natureza não é um mero infortúnio: se assim
fosse, despertaria misericórdia e não ira. Os ―filhos da ira‖ são aqueles que merecem a ira,
herdeiros da ira. Eles não são somente criaturas corruptas e manchadas, mas objetos da
indignação judicial de Deus. Por que? Porque o pecado de Adão foi imputado a elas, e elas são
culpadas e merecedoras da manifestação judicial da ira do Deus justo.
Igualmente forte é a expressão ―por natureza‖. Muitos têm negado a corrupção inata,
insistindo no fato dela ser adquirida pelo contato com o mundo mau, e que seus hábitos também
são adquiridos. Alguns crêem que os seres humanos são depravados por um processo de
desenvolvimento, não por causa de uma natureza pecaminosa inata. Mas a Escritura é
absolutamente inamovível na sua idéia de que a gênesis da depravação é a própria natureza com
a qual os homens são gerados e nascidos. A Escritura não negocia esta verdade. Desde o ventre
materno os homens já são objetos da ira divina, por causa da natureza congênita deles. E essa
natureza corrompida deles é um mal penal, em virtude do fato de sermos culpados em Adão.
Justamente o fato de os infantes morrerem na sua infância, mostra que a sujeição á
morte tem algo a ver com a natureza inata deles. A morte, queiramos admitir ou não, é o
resultado da corrupção que afeta todo o nosso ser, desde que nascemos. Se em Adão as crianças
não houvessem pecado, elas não estariam sujeitas à morte. Se a culpa de Adão não houvesse sido
comunicada a elas, não haveria mortalidade infantil181.
Portanto, desde o ventre materno, os homens têm sido afetados pela corrupção maldita
que os acompanha até o fim de suas vidas, mesmo naqueles que Jesus Cristo salva, através do
lavar regenerador e renovador do Espírito Santo. Quando o Espírito nos regenera, ele não elimina
de um vez para sempre os resultados da corrupção. Ele planta, sim, vida na alma, onde havia
somente morte. Então, essa vida, dom divino, vai se impondo, à medida que crescemos no
conhecimento de Cristo Jesus. E experiência de todos nós, mesmo os crentes mais maduros, o
convívio com o pecado que em nós habita. Triste, mas uma verdade bastante palpável, até que o
Senhor nos leve para o Seu reino e glória.
181 O fato de uma criança morrer na infância, não significa que ela esteja irremediavelmente
perdida, eternamente. É evidente que todas as crianças que são nascidas neste mundo sejam
espiritualmente mortas, alienadas da vida de Deus, mas se elas estão para herdar a vida eterna, é
necessário que elas sejam renovadas no coração pelo Santo Espírito, que opera independentemente da fé
delas, para que sejam salvas, porque ninguém verá o reino de Deus sem ser nascido de novo. A obra do
Espírito Santo no coração de uma criança é absolutamente necessária para que ela venha a herdar e
desfrutar da vida eterna. Obviamente, o Espírito Santo aplica nela a redenção que há em Cristo Jesus, que
por ela morreu. Portanto, se os infantes estão para ser salvos, é por causa da Eleição do Pai, da Redenção do
Filho e da Regeneração do Espírito. Sem isso, jamais alguém será salvo!
Há os que insistem dogmaticamente no fato de que Jesus Cristo fez expiação pelo pecado original,
de tal modo que a culpa de nossos primeiros pais não mais está sobre os seus descendentes. Mas este
pensamento é contra a evidência de todos os fatos. Apenas um argumento contrário a ele: obviamente, esse
ponto de vista Arminiano não pode prevalecer porque, se assim fosse, isto é, se a culpa do pecado original
tivesse sido removida por Jesus Cristo, os efeitos dela não mais poderiam continuar, já que a corrupção da
natureza humana é conseqüência da culpa humana. Se Cristo removeu a culpa dos homens do pecado
original, então a raça toda deveria voltar ao estado em que originalmente foi criada.
133
"Por que haveis de ainda ser feridos, visto que continuais em rebeldia? Toda a
cabeça está doente e todo o coração enfermo. Desde a planta do pé até à cabeça
não há nele cousa sã, senão feridas, contusões e chagas inflamadas, umas e
outras não espremidas, nem atadas, nem amolecidas com óleo." (1.5-6)
182 Ap 21.4 diz: E Deus ―lhes enxugará dos olhos toda a lágrima, e a morte já não existirá, já não
haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras cousas passaram‖; Ap 22.2 diz: ―No meio da sua
134
doenças serão curadas no Paraíso restaurado. Tudo será como foi antes, apenas com uma grande
diferença: não mais estaremos expostos ao mal.
Mas não podemos negar o fato de que todas as dores, tristezas e outras formas de miséria
vieram ao mundo como resultados da ira divina sobre o homem por causa do pecado.
Antes do pecado, o homem trabalhava, mas sem os incômodos do suor, da canseira e do
enfado. O trabalho significava alegria pura e satisfação interior manifesta. Quando veio a queda,
a maldição de Deus foi pronunciada, e Deus tornou tudo contra o homem. A própria terra foi
contra o homem, a natureza teve algumas de suas coisas invertidas, para a tristeza e dificuldade
do homem. Veja o que a Escritura diz:
a) Mente
A mente é a faculdade da alma pela qual todas as coisas são percebidas, conhecidas e
apreendidas. E a mente que raciocina, pesa, verifica, discrimina e influencia a vontade para as
determinações, quando os conceitos lhe são apresentados. Ela é, em algum sentido, o guia da
alma, aceitando ou rejeitando as idéias apresentadas.
2 Co 3.13-14 - "E não somos como Moisés que punha véu sobre a face, para
que os filhos de Israel não atentassem na terminação do que se desvanecia. Mas os
sentidos deles se embotaram. Pois até ao dia de hoje, quando fazem a leitura da
antiga aliança, o mesmo véu permanece, não lhes sendo revelado, que em Cristo é
removido."
praça, de uma e outra margem do rio, está a árvore da vida, que produz doze frutos, dando o seu fruto de
mês em mês, e as folhas da árvore serão para a cura dos povos.‖
135
Há um sentido em que a mente está cega, pois os sentidos do homem foram embotados.
Os homens sem Cristo podem ler a Bíblia e esta não lhes faz sentido, eles têm algo dentro deles
que não lhes deixa ver o sentido real das Escrituras. Paulo diz que há como que uma espécie de
véu, um impedimento de verem claramente as coisas espirituais. Isto não é verdade
simplesmente a respeito dos judeus incrédulos, mas de todos os homens que lêem a Escritura.
Eles têm uma cegueira interior que lhes impede a faculdade de ver coisas de Deus.
Eles somente virão a enxergar a verdade de Deus sobre Cristo, quando a cegueira lhes for
removida. Enquanto não houver uma obra sobrenatural, eles continuarão "embotados nas suas
mentes".
Ef 4.17-18 — ―Isto, portanto, digo, e no Senhor testifico, que não mais andeis
como também andam os gentios, na vaidade de seus próprios pensamentos,
obscurecidos de entendimento, alheios à vida de Deus, por causa da ignorância em
que vivem, pela dureza de seus corações...‖
Tt 1.15 - "Todas as cousas são puras para os puros; todavia, para os impuros
e descrentes, nada é puro. Porque, tanto a mente como a consciência deles estão
corrompidas."
Paulo, neste verso, quis mostrar a real situação dos impuros e descrentes, dos sem Deus
no mundo, embora professassem conhecer a Deus. E possível professar algum conhecimento de
Deus, sem contudo, ter qualquer fé genuína em Deus, como veremos na análise do próximo texto
(Rm 1.21-22). As pessoas a quem Paulo se refere eram pessoas sem qualquer possibilidade de ver
coisas puras, porque tudo na mente deles era sujo. Eles viam todos os atos com o filtro da sujeira
do seu interior. Por isso tudo era imundo aos olhos deles. Eles não tinham capacidade de ver
coisas santas e puras por causa da obscuridade da mente deles, por causa da sua corrupção.
É possível que, por causa da queda, e porque tentaram suprimir a verdade de Deus, como
está relatado no v. 18, eles todos, tornaram-se nulos em seus raciocínios e obscurecidos em seus
corações, todas as suas atividades espirituais. A supressão, ou a inversão da verdade de Deus,
torna os homens nulificados em suas funções racionais, em sua relação vertical. Parece que este
problema tem afetado a mente de todos os homens. Voluntariamente eles têm rejeitado e
substituído a verdade de Deus pela injustiça, e têm negligenciado a revelação da natureza,
ficando, assim, prejudicados em seu raciocínio espiritual.
Há outros textos indicando a afetação do pecado na mente humana, causando sérios
prejuízos ao modo de pensar do homem a respeito de si próprio e de Deus.183
"há na natureza duas coisas que impedem que os homens vejam: a noite (a
menos que haja luz artificial) e a perda da visão. Uma é externa e a outra interna.
Assim é na área espiritual: há uma escuridão objetiva e outra subjetiva, ambas
sobre o homem e no homem. A primeira consiste na perda dos meios pelos quais o
homem pode ser iluminado no conhecimento de Deus e das coisas celestiais. O
que o sol é para as cousas naturais sobre a terra, a Palavra é para as coisas
espirituais".184
A escuridão espiritual está sobre todos aqueles a quem o Evangelho não foi pregado ou
naqueles que o rejeitam. E missão e obra do Espírito Santo tirar esta cegueira objetiva. Isto Ele o
faz através da pregação do Evangelho a uma nação ou cidade. Ele capacita homens a pregarem a
Palavra.
Mas o outro problema sério é a cegueira subjetiva nas mentes dos irregenerados. O
problema dos homens não é apenas de ignorância do evangelho, mas é a terrível doença que os
impede de ver a oferta do Evangelho que lhes é feita. Essas pessoas são "privadas da verdade" (1
Tm 6.5). Elas não são simplesmente rebeldes, mas doentes e corruptas. Têm aversão à verdade
de Deus (2 Tm 4.3,4). Elas são as detentoras da verdade!; segundo o seu próprio entendimento,
mas a Escritura diz que a sabedoria deles é "terrena, animal e demoníaca" (Tg 3.15).
A escuridão do entendimento é a causa da rebelião nas afeições e na vontade. Os homens
procuram desordenadamente os prazeres da carne porque suas mentes não conhecem a Deus.
Suas mentes são estranhas a Deus e não gostam de ter comunhão com Ele. Amizade e
companheirismo são baseados no conhecimento. Para se ter comunhão com Deus, é necessário
ter-se conhecimento dele. Deus, quando cumpre o pacto da graça, logo dá-se a conhecer aos
homens. Jr 31.33 diz: "Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois daqueles
dias, diz o Senhor: Na mente lhes imprimirei as minhas leis, também no coração lhas inscreverei;
eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo." - Se Deus não fizer estas coisas nas mentes dos
homens, eles serão sempre "vaidosos nos seus próprios pensamentos, obscurecidos de
entendimento, alheios à vida de Deus por causa da ignorância em que vivem, pela dureza dos seus
corações"(Ef 4.17-18). A escuridão da mente não é somente a raiz de todos os pecados, mas a
causa da maioria das ações corruptas das vidas dos homens. Por isso Paulo contrasta a
"sabedoria" com a "graça divina" em nós (2 Co 1.12). Pela mesma razão é dito que os homens "são
filhos néscios, e não entendidos; são sábios para o mal, e não sabem fazer o bem" (Jr 4.22).
Essa cegueira de mente é a causa da maior parte das impiedades no mundo. Isaías disse
que a "sabedoria e a ciência, isso te fez desviar..." (47.19). A razão corrupta e o julgamento falso
são a motivação de nosso pecar. O orgulho tem o seu lugar principal na mente (ver Cl 2.18).
Esta cegueira de mente é vigorosa, influente e dinâmica, porque a Escritura diz que
somos libertos do ―império das trevas‖ (Cl 1.13). O homem vive em total escuridão, uma escuridão
de escravidão, de onde o homem não pode sair de forma alguma, a menos que poder maior o tire
de lá. "Império" (e)cousi/aj) significa "autoridade", "dominação". A mente fica debaixo da servidão
das trevas, cheia de inimizade contra Deus, lutando contra tudo o que vem da verdade de Deus,
andando sempre em direção contrária à vontade de Deus, fazendo sempre o que é próprio do
"império das trevas". Esta é a inclinação natural da mente do homem natural, sem Deus neste
mundo. A mente dele só tem pendor para as coisas do mundo (Rm 8.5), e é de tal forma
escravizada que preconcebe o homem contra toda e qualquer verdade espiritual que vem da parte
de Deus (Ler 2 Co 10.4-5).
Os pecados da mente continuam a vida inteira, mesmo depois que o corpo já está quase
amortecido. Os raciocínios impuros são vigorosos tanto na mocidade quanto na velhice. Tanto a
primavera como o inverno da vida não escapam dos efeitos nefastos do pecado na mente
humana.
As pessoas perdem a capacidade de discernir as coisas espirituais, mesmo sendo
intelectualmente muito bem dotadas. A capacidade intelectual não conta no homem
irregenerado. As suas capacidades estão relacionadas somente com as coisas do mundo natural,
não com o espiritual. Uma pessoa cega não percebe se os raios solares estão incidindo sobre ela.
Assim o homem natural, ele não consegue ver o que está perto dele. Jesus estava presente diante
da cidade de Jerusalém. Havia feito ali tantas coisas preciosas, mas Jerusalém não tinha olhos
para ver a sua própria situação, nem o remédio para o seu problema: "Ah! se conheceras por ti
mesma ainda hoje o que é devido à paz! Mas isto está agora oculto aos teus olhos" (Lc 19.42). As
pessoas cegas podem estar perto da luz que não vêem nada. Jesus pediu água à mulher
samaritana. Após o espanto dela pelo fato de um Homem, e ainda judeu, ter-lhe feito aquele
pedido, Jesus retrucou: "Se conheceras o dom de Deus e Quem é o que te pede: dá-me de beber,
tu lhe pedirias, e ele te daria água viva" (Jo 4.10). Ela estava junto da Luz, e não conseguia vê-la.
Esta cegueira é interna, e incapacita o homem a perceber as coisas espirituais.
Essa incapacidade da mente no homem natural para detectar a verdade espiritual é tão
grande que o homem não consegue descobrir as coisas de Deus, mesmo quando elas estão claras
aos nossos olhos. A tristeza do fato é que os pregadores anunciam que a mensagem é verdade de
Deus, mas os homens naturais não somente não tem olhos para ver, mas eles desprezam tudo
quanto é dito em nome de Deus. Paulo repete, em um dos seus discursos em Atos, uma antiga
verdade do VT: "Vede, ó desprezadores, maravilhai-vos e desvanecei, porque eu realizo, em
vossos dias, obra tal que não crereis se alguém vo-la contar" (At 13.41). Os versos anteriores a
este mostram que Paulo havia claramente anunciado a remissão em Cristo Jesus e justificação
pela fé, anunciando, inclusive, o juízo de Deus sobre os incrédulos, mas eles não tinham ouvidos
para ouvir, nem olhos para ver, nem coração para crer naquelas coisas. Eles estavam
completamente cegados às verdades de Deus. A mente deles estava inteiramente obscurecida.
Paulo mostra, em uma de suas cartas a razão da situação dos homens naturais, e o que acontece
depois que a Graça opera naqueles que vem a crer:
O entendimento dos homens precisa ser aberto para que a luz entre. Essa é uma obra
divina no pecador. Mesmo para o entendimento da Escritura, é necessária uma obra graciosa do
Pai das luzes (Lc 24.45). Jamais os homens terão qualquer entendimento da verdade, a menos
que Alguém lhos abra. Porque se Deus não fizer essa obra, eles continuarão como aquelas
mulheres "carregadas de pecados, conduzidas de várias paixões, que aprendem sempre, mas
jamais podem chegar ao conhecimento da verdade" (2 Tm 3.7). Esta é a situação de todo ser
humano, que é corrompido nas suas faculdades intelectivas.
Portanto, podemos dizer que, por causa do pecado de Adão, os homens já não podem
raciocinar corretamente, em termos espirituais. Todos os homens foram afetados noeticamente.
Mesmo o cristão, que é regenerado pelo Espírito, ainda tem dificuldades de compreender em
plenitude a verdade de Deus, por que os efeitos do pecado sobre o entendimento ainda restam em
sua alma. Somente quando Deus renovar completamente o ser humano, é que ele perderá
totalmente os efeitos noéticos do pecado. A mente humana, até que Deus renove o homem por
inteiro, sempre pensará de modo reverso ao de Deus. Se o bom Deus não abrir os olhos do
entendimento, jamais os homens enxergarão, jamais se renovarão no espirito do seu
entendimento (Ef 4.23), coisa que acontece somente naqueles que foram "criados segundo
Deus"(Ef 4.24).
b) Emoções
Numa definição muito ampla, as emoções ou afeições são a faculdade sensitiva da nossa
personalidade. Como o entendimento é capaz de discernir e julgar as coisas, assim as afeições
138
fascinam e dispõem a alma a favor ou contra qualquer atitude ou pessoa. As disposições afetivas
são controladas por essa faculdade de nossa personalidade. E somos seres extremamente
conduzidos por nossas emoções. As coisas tornam-se agradáveis ou desagradáveis através dessa
faculdade que tem um grande controle sobre os nossos sentidos físicos.
Na verdade, os juízos do intelecto e as sensações das afeições é que determinam, em
alguma medida, as decisões da vontade do homem.
No princípio, Deus criou o homem à Sua própria imagem e semelhança, de tal modo que
a alma humana possuía o entendimento correto, as afeições ordenadas, e a vontade fazendo o
que devia. Todo o complexo do ser humano era voltado direta e corretamente para Deus. Mas
quando houve a queda, tanto o seu entendimento como a vontade e as afeições ficaram afetados
seriamente, divorciados de Deus.
Originalmente, as afeições humanas eram direcionadas e ordenadas devidamente. Com a
queda, nossos pais começaram a desejar somente aquilo que era contra a vontade de Deus. A
alegria deles não mais era o Senhor, mas a própria criatura. De lá para cá, a posteridade de Adão
tem seguido o mesmo caminho, tendo afeições mais elevadas para com a criatura ao invés de
tê-las com o Criador. Houve rebelião e reversão das santas afeições da alma. Então, o prazer dos
filhos de Adão concentrou-se não mais na lei do Senhor, mas nos apetites desordenados das
próprias afeições.
Essa reversão das afeições mostra que o homem está sem paz, inquieto, sem repouso,
sem morte, sem razão de existência. Isto porque ele está apartado de Deus, por causa da
perversidade do coração (Hb 3.12). O homem não é feliz no que é e no que faz. Ele não mais
conheceu o que é a alegria do Senhor. Somente depois de tê-la, e de perdê-la temporariamente,
por causa de seus pecados, é que Davi reconheceu: "Volta, minha alma ao teu sossego, pois o
Senhor tem sido generoso para contigo" (Sl 116.7). Deus não era somente o prazer daqueles a
quem havia feito à Sua própria imagem, mas também era o fim principal dos motivos e ações dos
homens. Mas estes "se esqueceram do manancial de águas vivas" (Jr 2.13), a fonte perpétua de
seu conforto e gozo. Agora, após o incidente edênico, o prazer dos homens não mais é Deus. As
afeições deles estão desordenadas, e os seus gostos reversos, porque andam agora "segundo as
suas ímpias paixões".
As afeições que deveriam estar em harmonia com a criação original, estão agora todas
fora da sua forma original. O homem não mais é guiado por uma razão correta, mas por suas
afeições desordenadas. Isso fica muito evidente na maneira contemporânea de agir: os homens
agem hoje pelos sentimentos. Isto é claro até nas formas de culto e das suas avaliações
teológicas. A frase mais comum hoje é: "Eu sinto bem fazendo isto". O homem hoje é controlado
pelos sentimentos, em detrimento de outras partes da faculdade humana, que devem viver, em
equilíbrio e interrelacionadas. As emoções e os sentimentos estão no trono do ser humano. Não
seria mal se as nossas afeições fossem santas afeições, em equilíbrio com a verdade de Deus, mas
esse é o grande problema. Tudo está desordenado. Deus colocou um anelo de paz e alegria no
coração do homem, mas que estas coisas pudessem ser encontradas somente nele, mas os
homens não O querem e, como conseqüência, essas belas afeições ordenadas não estão
presentes no ser humano. Este perdeu todas as santas capacidades afetivas para com o seu
Criador, tendo prazer somente nas coisas terrenas. Nunca o seu prazer estará na lei do Senhor,
nem meditará nela, até que suas afeições sejam reordenadas pela divina obra redentora.
O homem caído tem afeições pela riqueza, pelo prazer sensual, pelo poder, pela honra,
mas nunca no evangelho, porque este não lhe oferece estas coisas. Veja que inversão de afeições!
O evangelho indica o caminho da santidade, da mortificação da carne, das alegrias em
objetos diferentes. Por isso o evangelho não é bem-vindo ao pecador! Ser
dependente de Deus para ser feliz e realizado é uma pancada nos
sentimentos orgulhosos do pecador.
Tanto a razão como as afeições do pecador estão corruptas. Isto é fácil de ser percebido,
mesmos nos nossos pequeninos filhos. Eles respondem imediatamente diante de uma diversão
violenta, que evidencia a força e a esperteza das pessoas, mas respondem muito lentamente à
diversão que a faz refletir, pensar e agir corretamente. Em geral, elas não gostam das diversões
que as levam a aperfeiçoar os seus sentimentos e intelecto. Elas facilmente caem para o lado das
139
sensações que as governam. Com dificuldade, como pais, conseguimos que nossos filhos tenham
suas afeições dirigidas para aquilo que é correto e sadio para eles.
As afeições humanas sofrem um impacto enorme quando confrontadas com as regras que
tentam conduzi-las para Deus. Este não é mais o objeto das afeições dos homens. Os desejos de
Deus não mais são os desejos deles. Ao invés de amarem a Deus, o amor deles está no mundo.
Por isso João adverte mesmo os cristãos do seu tempo, que não possuíam ainda os mesmos
"chamariscos" que os crentes de hoje possuem. Ele lhes disse: "Não ameis o mundo nem as
cousas que no mundo há. Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele" ( 1 Jo 2.15). Em
outras palavras, João disse: "não ponham as suas afeições naquilo que é contra Deus, porque se
vocês fizerem isso, vocês vão mostrar que o amor de Deus não está em vocês. Amem as coisas
certas. Direcionem as suas afeições para o objeto correto". O grande problema das afeições
desordenadas está na fonte de onde as afeições procedem, que está totalmente corrompida. E o
coração de onde se origina tudo o que há de mal em nós. E um mal incurável pelo próprio homem!
Por natureza de criação o homem teria desejos, sentimentos que deveriam incliná-lo para
as coisas que promovem o bem, evitaria as cousas perigosas. Mas como todas as cousas do
interior humano foram afetadas pela queda, ele já não pode ter mais santas afeições. Tudo que
vem do seu ser mais interior, já vem corrompido. E por isso que os nossos desejos, em si mesmos,
já são pecaminosos. As intenções e as afeições já vem do coração manchadas pelo pecado. Não há
necessidade que os pecados sejam cometidos para que sejam considerados pecado. Jesus disse
das afeições do coração, quando tratou da "cobiça". O adultério é anterior ao ter relações físicas.
Jesus disse que "no coração" já podemos adulterar com as pessoas. Quando temos afeições, ou
"concupiscência", estamos pecando no mais interior do nosso ser. Este "sentimento" com relação
ao pecado, que e chamada "concupiscência" (Rm 7.7-8), está ligado à cobiça. A cobiça sexual não
é simplesmente um pensamento, mas um sentimento de antegozo de possuir alguém. Essa é
uma afeição desordenada. Em 1 Ts 4.5 ela aparece de uma forma bem mais intensificada:
"que cada um saiba possuir o próprio corpo, em santificação e honra, não com
desejo de lascívia, como os gentios que não conhecem a Deus."
Essa "lascívia" é uma forma bem intensificada de afeição desordenada. Esse desejo
indevido é um movimento da alma humana que, a princípio, parece insuspeito, e precede o
julgamento da mente. Ele é profundamente pecaminoso, porque é chamado de "paixão lasciva"
em Cl 3.5. Esses movimentos da alma são, em si mesmos, pecaminosos. Eles não precisam ser
consumados para serem considerados maus, porque eles são nascidos em nosso coração
corrupto. Eles são pecaminosos porque ferem o princípio de "não cobiçarás", dos 10
mandamentos. O impulso original que gera esses movimentos da alma é pecaminoso á vista de
Deus. Se o impulso original é inocente, como poderia a sua realização ser essencialmente
pecaminosa? O curioso é que o Concílio de Trento negou que esse movimento da alma tenha sido
tendente para o mal. Ele afirmou que esse impulso se torna pecaminoso quando recebe a
aprovação (ou o consentimento) da razão. Mas os Reformados contendem que os primeiros
movimentos da alma, e que o impulso deles já é pecaminoso. Se a mente aprova, o pecado
torna-se maior ainda. Se o raciocínio aprova o impulso que não é pecaminoso, o ato cometido não
é pecaminoso, porque o seu impulso é santo; mas se a árvore é má, como poderão ser bons os
frutos. Se impuros são as nossas afeições, como o serão os atos!
O mundo pode negar, como tem feito tantas vezes nas propagandas da mídia, que os
desejos por coisas proibidas, em si mesmos, não sejam pecado. Mas a Escritura afirma que eles
o são. Paulo diz que a cobiça é pecaminosa, porque a lei o diz (Rm 7.7). Jesus dá uma lista
enorme dos pecados que vem da imaginação, das afeições desordenadas do coração (Mt 15.19).
Como podem essas coisas serem nascidas no coração corrupto, sem que sejam pecaminosas?
Não se pode entender qualquer inclinação para coisas más, ser considerada santa. Em Cristo
Jesus, não havia qualquer coisa que O inclinasse a responder às vis solicitações de Satanás. NEle
não houve nenhum movimento original, nenhum apetite impuro, senão o de desejar coisas
santas. As afeições de Jesus eram absolutamente ordenadas, como ordenadas serão as afeições
daqueles a quem Jesus santificar plenamente, depois que Ele os levar para a glória, mas até que
isto aconteça, os homens todos ainda terão os incômodos das afeições desordenadas.
140
As paixões dos homens são as correntes imundas que procedem da fonte poluída dos
corações dos homens. Elas são os primeiros movimentos pecaminosos da alma que acabam por
conduzir aos atos pecaminosos abertos. Eles são os primeiros movimentos ilegais de nossos
anseios pecaminosos que precedem os pensamentos estudados e deliberados da mente.
Veja o texto de Rm 7.8 - "Mas o pecado (que é a fonte inerentemente corrompida),
tomando ocasião pelo mandamento, despertou em mim (esse "despertou" sugere a idéia de uma
disposição poluída ou uma propensão para o mal, distinta dos atos que ela produziu. O pecado
inerente é um princípio poderoso, que constantemente exerce uma influência má, estimula
afeições impuras), toda sorte de concupiscência (desejo lascivo, luxuria, sensualidade); porque
sem lei está morto o pecado."
A depravação do próprio coração é que induz o homem a ouvir os cochichos de Satanás.
Se assim não fosse, nenhuma solicitação para fazer qualquer coisa errada vingaria, ou teria
qualquer força n~ vida dos homens. A disposição interior das afeições é que facilitam aos apelos
externos serem realizados. A eficácia de uma tentação está diretamente vinculada à
predisposição do coração concupiscente, na propensão da natureza caída. Quando a nossa
corrupção nativa é convidada a fazer algo externo que promete lucro e prazer, e as paixões são
atraídas por esse algo, então a tentação começa e o coração vai atrás. Visto que os caídos são
influenciados por sua concupiscência, esta domina a ambos, a mente e a vontade, de quem elas
são, em algum sentido, servas. E por isso que Paulo fala: "vejo nos meus membros outra! lei" (Rm
7.23). E uma lei imperiosa, forte, que tem domínio sobre o homem total.
Tg 1.13-15 - "Ninguém ao ser tentado, diga: sou tentado por Deus; porque
Deus não pode ser tentado pelo mal, e Ele mesmo a ninguém tenta. Ao contrário,
cada um é tentado por sua própria cobiça, quando esta o atrai e seduz. Então a
cobiça, depois de haver concebido, dá á luz o pecado; e o pecado uma vez
consumado, gera a morte."
Estes versos delineiam a origem de todo nosso pecado. Estas palavras mostram que o
pecado invade o nosso ser interior gradativamente; elas descrevem os diversos estágios antes de
o homem pecar exteriormente; elas revelam uma causa geradora de todo o pecado. Os nossos
pecados descansam no pecado que habita em nós, isto é, na nossa concupiscência. A
concupiscência é o ventre e a raiz de todas as nossas manifestações de maldade.
O texto diz que "cada um é tentado por sua própria cobiça" Não podemos colocar o ônus
de nossos pecados no diabo, ou em Deus. De fato, a culpa de nossos pecados está dentro de nós.
Não podemos desprezar nunca o que há dentro dos corações dos homens, suas afeições sujas,
suas inclinações corruptas, sendo devidamente conduzidas por Satanás, que nos conhecem
muito bem, pelo simples fato de lidar com a natureza pecaminosa por milênios. Ele sabe o
trabalhar conosco, mas a culpa do pecado é nossa. A "cobiça" é nossa, de ninguém mais. A
palavra "cobiça" no texto significa "um anelo por", um "desejo de obter algo". Ela é tão forte que
leva a alma aos objetos proibidos. Ela é tão forte que o texto diz que "a cobiça o atrai e seduz". A
cobiça alicia, induz, porque não há forças no homem que o levem a combatê-la. Nada no homem
obsta o caminho que a cobiça traça. Então, o homem cai. E porque o homem falha em resistir, é
que o pecado se torna mais atraente, e a sedução é mais fácil. Isto quer dizer que a cobiça impele
com força. Ela empurra o homem para a consecução do pecado. A força impetuosa desse desejo
exige a realização dele. As paixões, a concupiscência interna (que é a cobiça), levam a vontade do
homem ao controle e, o pior de tudo, é que ele sempre haverá de sentir culpa pelo que faz.
"Então a cobiça, depois de haver concebido..." - O ato pecaminoso está embrionário, lá
bem dentro do coração. Então, as outras faculdades da alma começam a trabalhar para fazer
nascer aquilo que foi concebido. Então, a mente trabalha e a vontade passa a funcionar,
querendo o término daquilo que foi começado. "E o pecado, uma vez consumado, gera a morte"-
Esta é o salário e a colheita daquilo que foi plantado. Este é o progresso dentro de nós.
Da queda para cá, os homens todos já vem governados pelas afeições indevidas. As
faculdades da alma não mais andam em equilíbrio. As emoções controlam o homem moderno de
tal forma que um sentimentismo ("feelism") determina todas as coisas presentemente. As
"paixões" desordenadas, descontroladas pelo ser interior, são os órgãos comandantes do ser
141
humano modernamente.
C. Vontade
Segundo a maioria dos teólogos de linha Arminiana, a vontade é o princípio governante do
homem. Ela é quem comanda o ser total do homem. O homem é aquilo que ele faz. Mas isto é um
engano. A vontade não tem controle sobre o homem. Ao contrário, ela é a serva das outras
faculdades da personalidade humana. Ela executa as convicções da mente ou as imperiosas
ordens de nossa concupiscência. A vontade é sempre influenciada por algo no homem, sendo
sempre serva das disposições interiores, do coração. A vontade é aquilo que a mente pensa,
aquilo que as afeições desejam, e é a pura expressão do que o homem é interiormente.
Antes da queda a vontade do homem está em acordo com a vontade de Deus, porque ele
era santo e livre para obedecer Deus. Mas Deus criou mudavelmente de tal forma que ele pudesse
escolher cair de sua condição primitiva. 185 Durante algum período de tempo não sabemos
exatamente quanto), o homem foi um bom mordomo das coisas que Deus lhe havia dado, e
obedeceu-O. Mas o homem pecou contra a vontade de Deus, e sua vontade não mais ficou livre
dos prejuízos da queda. Pink, expressando o seu intelectualismo, diz:
A Vontade e os Motivos
Em geral os Arminianos dizem que a escolha da vontade não é livre perfeitamente, se ela
é influenciada por motivos. Alguns deles crêem que "embora o homem possa escolher, isto não
determina a questão da vontade livre, considerando-se que é certo que ele escolha sem coerção
ou necessidade".187 Eles temem estar debaixo do domínio dos motivos e sendo controlados por
eles, como em magnetismo onde as agulhas são controladas pelo magneto.
Geralmente, eles optam pela independência da vontade, a fim de tornarem-se livres do
temor de serem controlados por alguma coisa de venha de fora. A liberdade para eles é a
independência inclusive dos motivos. Os motivos exercem coerção e isto parece lhes introduzir
determinismo, o que é inteiramente inaceitável para eles.
E quase impossível falar a respeito do papel dos motivos na liberdade
185 CFW, XI, 2.
186 Pink, Gleanings, p. 152.
187 Joseph Harvey. Na Examination of the Pelagian and Arminian Theory of Moral Agency, (New York:
Está mais do que evidente que os homens, quando fazem qualquer decisão, estão sempre
influenciados por um motivo específico que lhes é aceitável. Nenhum homem é neutro no sentido
em que não haja nenhum motivo por detrás de suas decisões. Se um homem não é influenciado
por motivos, como os Arminianos consistentes ensinam, o quê leva o homem a tomar as suas
decisões? Se não há quaisquer motivos internos ou externos, podemos dizer que o homem é
moralmente neutro? Obviamente, não. Mas algumas vezes, este é o raciocínio que podemos
encontrar na teologia Arminiana.
Se a liberdade de escolha consiste nesta independência dos motivos, Jesus não era livre
porque tudo que o Ele fez, foi motivado pelo desejo de agradar Seu Pai. Os discípulos de Jesus e
todos aqueles que amam sinceramente a Deus, não são, também, livres nas suas decisões,
porque sua mais importante motivação é fazer a vontade de Deus. Sempre um homem tem
motivos para tomar as suas decisões.
"Por motivos", Pink diz, "queremos dizer aquelas razões ou estímulos que são
apresentados à mente tendendo a conduzir à escolha e ação". 190 Está claro desta definição que
os motivos influenciam o homem nas suas decisões, mas Jonathan Edwards vai um pouco mais
além, e diz que os motivos determinam a ação de uma pessoa. Isto, certamente, causa uma
reação de impacto nos círculos Arminianos e mesmo em alguns círculos Reformados, onde esta
matéria não é devidamente entendida. Edwards diz que "o maior grau de tendência prévia para
excitar e induzir a escolha, é o que eu chamo de o motivo mais forte. E, neste sentido, eu suponho
que a vontade é sempre determinada pelo motivo mais forte." 191
E importante conhecer a idéia do "motivo mais forte" de Edwards. A força determinante
não está propriamente no "motivo mais forte". Ele não tem nenhum valor intrínseco. O motivo,
por mais forte que seja, não determina, por si mesmo, a ação de uma pessoa. O que tem que ser
considerado é aquilo que Edwards chama de "o estado da mente em si mesma".192 A
prova de que o "motivo mais forte" não é determinante em si mesmo, é
quando o mesmo motivo é apresentado a duas pessoas diferentes, e a
reação não é a mesma.
Por exemplo, dois homens ouvem a mesma mensagem a respeito da necessidade de
santificação. O motivo mais forte apresentado é ser igual a Jesus. Um ouvinte é regenerado e o
outro não. Obviamente, o primeiro terá o motivo desejos fortes em ser igual a Jesus, e para ele,
aquele motivo pode ser determinante. Para o outro ouvinte, o mesmo motivo não faz qualquer
188 Jonathan Edwards. ―Freedom of the Will‖, in The Works of Jonathan Edwards, vol. 1,
diferença, porque ele não tem qualquer desejo de ser igual a Jesus. A diferença na reação não é o
motivo, mas o que Edwards chamada de "o estado da mente", ou a natureza do coração. O
primeiro homem tem um ouvido regenerado, enquanto que o segundo não o tem. Isto é que faz a
diferença real.
A mensagem do pregador a respeito de santificação pode causar uma reação positiva no
ouvinte, dependendo da atração que o motivo exerce por causa da condição do coração ou, para
colocar nas palavras de Edwards, "o objeto como está na visão da mente".
Tomemos um exemplo da Escritura: A esposa de Potifar apareceu diante de José e fez-lhe
um convite irresistível, dizendo: "Deita-te comigo". Mas, sabiamente, José respondeu: "Como
cometeria eu tamanha maldade, pecando contra Deus" (Gn 39.6-9). O motivo de José, que era
interno, foi decisivo naquela circunstância. Mas a motivação externa, o convite de uma mulher,
apresentado a José poderia afetar um outro homem, dependendo da condição de sua mente, ou
da natureza e tendências do coração.
Suponha que o mesmo convite fosse feito a um homem sem qualquer afeição para com
Deus, que não tivesse o mesmo "estado de mente" que José, um homem sem os padrões de Deus.
O motivo externo, o convite da mulher de Potifar, seria altamente decisivo, e talvez, determinasse,
de algum modo, o ato do homem.
Os motivos externos não podem determinar os atos de uma pessoa, mas eles podem
influenciar as decisões de qualquer um quando sua mente está predisposta para aquilo a que
está sendo atraído. Pink diz: "Os motivos externos podem não ter qualquer influência sobre a
escolha e conduta dos homens, exceto quando eles fazem um apelo aos desejos já existentes na
mente."193
Portanto, o estado de mente (algumas vezes ―mente‖ na idéia de Edwards 194 pode ser
entendido como sendo a vontade, porque ele fala a respeito das decisões da mente), e não os
motivos propriamente, é o determinador da escolha. Um homem nunca será forçado de fora a
tomar qualquer atitude. É uma característica essencial do seu ser agir sem compulsão externa,
mas é também sua característica essencial agir de acordo com as suas disposições interiores. A
vontade do homem, isto é, a sua capacidade de tomar decisões, é condicionada por suas
predileções e desejos que, por sua vez, são revelação da condição do coração.
Um motivo é apresentado a uma pessoa especifica. Sua mente, mesmo após a queda, é
ainda capaz de avaliar os motivos que, por sua vez, causam emoções positivas ou negativas nela.
A decisão de uma pessoa é uma combinação de fatores internas da razão, afeições, e a vontade
que age de acordo com as atitudes das outras faculdades e das condições do ser mais interior do
homem, o coração. Um motivo nunca é determinante, não importa quão forte ele possa ser, a
menos que o coração do homem tenha as predisposições para apresentar um ato especifico.
Pink nos dá um exemplo comum, mas iluminador: "A oferta de um suborno seria um
estímulo suficiente para mover um juiz a decidir um caso contrário à evidência e à lei; para um
outro tal oferta, longe de ser um motivo para agir erradamente, seria um motivo altamente
repelente."195 O que faz a diferença nesse caso? É o motivo externo? Não! A condição da alma
humana é que é determinante. Os humanos, cristãos ou não, nunca serão forçados por qualquer
motivo externo no tomar decisões. Antes, eles sempre decidirão de acordo com as condições das
INCAPACIDADE TOTAL
A doutrina da incapacidade total é o resultado da depravação total. Já explicamos a
depravação do coração do homem e de todas as suas faculdades.
Agora a questão a ser feita é esta: Como pode a vontade humana decidir apresentar atos
espiritualmente bons, ou ter a capacidade de escolha contrária, se ela é determinada pela
condição do coração? Tem o homem poder moral para apresentar atos contrários ã sua natureza?
Aqueles que tentam estudar sobre a capacidade moral do homem, sem levar em conta a
depravação total do homem, cometem um sério engano.
Após 1618, quando os Remonstrantes tiveram sua proposta rejeitada pelo Sínodo de
Dort, a causa que eles defenderam começou a expandir e a se espalhar através de todo o mundo
cristão protestante. Hoje, a grande maioria dos cristãos não católicos, sustenta a posição de que
a vontade do homem é capaz de apresentar atos moralmente bons. E natural para os homens
pensarem o melhor sobre si mesmos, e se esquecerem do que a Escritura diz que eles são, e sua
conseqüente incapacidade espiritual. Os Arminianos tentaram diminuir a natureza do estrago
causado pela queda, sustentando uma capacidade moral que, na verdade, foi perdida no Éden.
Em geral os Arminianos, que São uma versão similar, mas modificada, do
Semi-Pelagianismo, dentro dos círculos Protestantes, espalhados por todas as denominações,
afirmam com o metodista Wakefield que "as volições São perfeitamente livres de toda coação, seja
de fora ou de dentro."198 Wakefield está absolutamente certo quando assevera que nada de fora
força o homem a tomar qualquer atitude, mas ele está totalmente enganado em relação ao de
dentro. Há alguma coisa na natureza humana que impede o homem de agir moralmente bem, ou
contrário à sua própria natureza. Mas Wakefield insiste que as volições dos homens podem ser
diferentes daquilo que o homem é. Criticando aqueles a quem ele considera partidários do
―necessitarianismo‖ (Lutero, Calvino e Jonathan Edwards), ele diz:
Vejamos dois enganos importantes nesta citação: 1) Ele assevera de um modo negativo
que o homem é capaz de apresentar atos que São contrários a sua natureza; 2) Ele deduz que o
homem é considerado responsável somente quando ele apresente uma ação independente de sua
própria natureza, sem ser forçado de dentro. Portanto, ele crê que a vontade é independente da
condição do coração humano e das outras faculdades. Uma pessoa só pode ser considerada
culpada se ela pratica atos com sua vontade independente. De outra forma, ela é inocente.
Como Wakefield, assim pensa a grande maioria dos Arminianos. Eles se esquecem de que
a vontade está debaixo da influência da razão e das emoções, e debaixo do controle da ser mais
interior do homem, que é seu coração ou natureza. E uma questão de necessidade de
imutabilidade,200 isto é, os atos do homem não podem ser diferente daquilo que ele é, porque ele
está condicionado por sua natureza pecaminosa.
A descrição da natureza corrupta do homem não é precisa no Arminianismo. Eles crêem,
com a Escritura, que o homem está espiritualmente morto, mas o problema é saber o que eles
entendem por "morte", porque eles asseveram que o homem é moralmente capaz de dar o
primeiro passo com relação a Deus (como fazem os Semi-Pelagianos) ou responder positivamente
à chamada do evangelho, tomando uma decisão a respeito de sua própria salvação, sem ter a
necessidade de serem primeiro regenerados pelo Espírito Santo.
Se o homem fosse capaz, através de sua própria capacidade moral, de exercer um
julgamento moral correto, por que desde a Queda temos a grande maioria dos homens não
agindo de acordo com essa "capacidade"? Se o homem tem esta capacidade moral, por que
muitos deles não vêm a Cristo? Pensam eles que este assunto é apenas uma matéria de
198 Samuel Wakefield. A Complete System of Christian Theology, (Cincinnati: Walden and Stowe,
1868), p. 317.
199 Wakifield, p. 320.
200 Martinho Lutero havia feito a distinção entre Necessidade e Compulsão em sua disputa com
Erasmo: ―Por necessidade eu não quero dizer compulsão; mas (como eles a denominam) a necessidade de
imutabilidade”. The Bondage of the Will, (Grand Rapids: William Eerdmans Publishing Co., 1931), p. 72.
146
"preferência"? Ou há alguma coisa mais em sua natureza que os conduz sempre a preferir o que
é contrário às coisas santas e justas? De fato,
o homem não tem a vontade livre porque ele está preso por dentro - porque
seus julgamentos movem seus desejos e seus desejos movem suas volições,
exatamente como o vapor move o pistão e o pistão as rodas. Enquanto, contudo, o
homem faz o que lhe agrada, ele agrada-se e pode agradar-se somente de um
modo. Ele faz o que lhe agrada, mas ele não pode agradar-se contra sua natureza
toda - contra a unidade, tendência, contra a pressão de sua natureza. Sua
natureza o prende; se é uma natureza caída, ele descerá. Esta natureza não pode
agir reversamente. Ele não poderá renovar sua própria vontade, mudar seu
próprio coração, nem regenerar sua má natureza. Enquanto, portanto, ele é livre,
no que respeita a forças externas, sua vontade não é livre, mas amarrado pelas
correntes de sua natureza.201
201 Bem Warburton. Calvinism, (Grand Rapids: Eerdmans, 1955), pp. 130-31.
202 Ibid., p. 143.
203 Pink, p. 236.
147
capacidade de distinguir corretamente entre o que é bom e o mal, o verdadeiro e o falso, Deus e as
outras deidades. A incapacidade moral causa no homem uma indisposição para com os padrões
de Deus para si próprio, mesmo embora ele seja capaz de admirar as qualidades boas em outros
homens.204
A capacidade moral, por outro lado, "não é nada mais nada menos do que uma santa
natureza com santas disposições; é a percepção da beleza de Deus e a resposta do coração à
excelência e glória de Deus."205 Esta capacidade o homem perdeu com o pecado.
Em que sentido é o homem natural moralmente incapaz? A resposta a esta pergunta é
muito longa. O homem pode manifestar sua incapacidade de várias maneiras. A Escritura é
muito clara e rica em textos sobre este assunto, e os Arminianos têm enormes dificuldades para
explicá-los. Esta matéria é uma espécie de golpe mortal para a teologia Arminiana. Por esta
razão, eles a odeiam, e acusam o Calvinismo de negar a responsabilidade humana.
Primeiro, vamos analisar aquilo que é relacionado com assuntos éticos:
Ele não tem senso de pecado, nem sente o peso dele. Esta insensibilidade moral é comum
a todos os homens naturais. Se não fosse assim, isto é, se todos os homens tivessem uma
consciência e sentissem dor por causa do fato deles estarem perdidos, e sujeitos à condenação,
todos eles estariam em desespero, procurando por uma solução para seus problemas em Cristo.
Mas eles não possuem esta sensibilidade moral. Não estão cônscios de sua depravação e estão
satisfeitos com a condição nas quais vivem, e eles não possuem nenhum interesse em ter uma
natureza diferente, diferentemente daqueles que São cristãos. Eles São capazes de admirar
algumas virtudes dos cristãos, mas curiosamente eles não as querem para si mesmos. Eles não
querem ser cristãos. Por essa razão, eu creio que eles gostam da condição em que
vivem, porque ela se encaixa na disposições dos corações deles.
Se alguém diz que Jesus Cristo morreu sobre a cruz pelos pecados deles, isto não causa
nenhum impacto ou senso de culpa neles porque, de acordo com seus corações, o que aconteceu
na cruz não tem nada a ver com eles. Eles não possuem qualquer espécie de sentimentos
relacionados aos padrões de Deus. Eles não se preocupam em obedecer às leis de Deus porque
eles servem de lei para si mesmos. Eles criam seu próprio estilo de vida.
A insensibilidade deles está ligada à dureza de seus próprios corações. Paulo diz que eles
vivem com seus corações endurecidos e que eles "se tornaram insensíveis" 207 a respeito de
apresentarem qualquer espécie de pecado. A Escritura diz que eles possuem um "coração de
204 Um exemplo é Herodes, um homem sem capacidade moral que, contudo, admirava João Batista,
quem Paulo se refere, ―haviam cessado de preocupar-se‖, isto é, eles não possuíam qualquer sensibilidade
por coisas espirituais. A conseqüência é que eles acabaram se entregando à sensualidade cometeram toda
sorte de impureza. ―Quando as pessoas continuam em pecado e apartam-se da vida de Deus, eles se tornam
apáticos e insensíveis a respeito de coisas morais e espirituais‖ (Charles Hodge. A Commentary on the
Epistle to the Ephesians, (Nem York: Robert Carter and Brothers, 1856)), p. 254.
148
pedra" e não um "coração de carne", 208 isto é, um coração sensível, um coração capaz de
perceber as coisas espiritualmente boas. Por esta razão, um "coração de pedra" não anda nos
estatutos de Deus, e não observa os seus mandamentos. 209 Eles perderam toda a sensibilidade
pelas coisas do Espírito e não foram capazes de perceber que a condenação de Deus estava sobre
eles.
Deles pode ser dito o que foi dito a respeito dos judeus:
Não é errado dizer a respeito deles que ―Deus lhes deu espírito de entorpecimento, olhos
para não ver e ouvidos para não ouvir, até o dia de hoje.‖ 211 Eles ficaram entorpecidos, incapazes
de perceber o que estava acontecendo em seus próprios corações. Esta verdade a respeito dos
judeus pode ser dita de todos os homens naturais. Eles São os mesmos em toda parte e em todos
os tempos.
Eles são capazes de perceber a manifestação do pecado nas vidas de outras pessoas e
neles próprios, mas não sabem a causa dessa manifestação. Não sabem o que o "pecado original"
significa. Esta doutrina é tolice para eles. O que é espantoso é que os Arminianos não gostam
desta espécie de doutrina porque ela rompe o sistema teológico deles, mesmo embora eles digam
que aceitam a doutrina do pecado original, mas sem as suas conseqüências malignas.
Os homens não São ignorantes do que está acontecendo no mundo em matéria de
violência, sexualidade desenfreada, e muitas outras manifestações de pecaminosidade, mas eles
são insensíveis para perceber que isso é contra eles próprios. O "espírito de torpor" está patente
aos olhos daqueles que conhecem e crêem no que Deus diz em Sua Palavra. Somente os homens
naturais não percebem isto.
Os Arminianos defendem a idéia de que os homens naturais não São moralmente
insensíveis. Assim, Pink, de uma maneira muito forte, diz a respeito deles:
"Aqueles que negam a insensibilidade moral dos pecadores estão proclamando a sua própria
insensibilidade, porque eles repudiam não somente o que a Escritura sustenta, mas o que a
observação universal confirma.‖212 O pior é que essas pessoas São consideradas "evangélicas" ou
"ortodoxas". Elas estão negligenciando a revelação divina dos próprios homens. Eles gostam de
ouvir as "boas novas" de salvação, mas não têm ouvidos para as notícias terríveis a respeito dos
resultados da depravação humana.
Todavia, a negação deles não cancela o fato de que os homens são moralmente
insensíveis. E esta insensibilidade é manifesta pelo fato de que os ímpios não têm paz (Is 48.22),
e que não estão preocupados com isso. Eles nunca conheceram o que paz significa. Por esta
razão, eles também São insensíveis às coisas santas.
Eles não estão cônscios de que são escravos de Satanás, nem do que espera por eles. Eles
estão "mortos nos seus delitos e pecados" (Ef 2.1). São todos eles ignorantes em relação aos
preceitos de Deus? Não. Eles sabem que os cristãos estão certos na ética deles, e que a ética deles
é bem melhor do que a do mundo. Eles até admiram a conduta dos cristãos, têm respeito pelos
genuínos cristãos (porque Deus honra os Seus servos obedientes), mas eles preferem o caminho
Ez 36.26.
208
Ez 36.26.
209
210 Mt 13.14-15.
211 Rm 11.8. As palavras gregas usadas aqui são pneu+ma katanu/cewj, ―espírito de torpor‖, isto é, os
"...para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos conceda
o espírito de sabedoria e de revelação no pleno conhecimento dele, iluminados os
olhos dos vosso coração, para saberdes qual é a esperança do seu chamamento,
qual a riqueza da glória da sua herança nos santos..."
Segundo Pink,
O homem reteve todas as coisas necessárias a fim de continua sendo um ser humano,
isto é, sua racionalidade, responsabilidade e uma constituição moral. Mas ele perdeu
completamente o grande principio da santidade e da retidão moral. Ele perdeu sua justiça
original, que o capacitaria a obedecer moralmente.
Essas pessoas, com o pendor da carne, não possuem a habilidade para amar a Deus e à
Sua Palavra, a menos que a Graça intervenha.
Diversas vezes Jesus disse que as pessoas O odiavam,214 mas certa vez Ele disse, com
profunda tristeza de alma: "Eles odiaram-me sem motivo" (Jo 15.25). Jesus não havia feito nada
errado para receber esse ódio. A causa do ódio estava dentro do coração deles. Onde o ódio está,
há a impossibilidade de haver amor. Ambas as coisas não podem coexistir. Este ódio foi
manifesto na rejeição dele: "Mas os seus concidadãos O odiavam, e enviaram após ele uma
embaixada, dizendo: Não queremos que este reino sobre nós" (Lc 19.14). Jesus contou esta
parábola para ilustrar o ódio deles pelo grande Rei. Era um ódio voluntário, deliberado, que se
evidenciava numa rejeição propositada. Eles perderam a capacidade de amor Aquele que tanto
amou pecadores! Isto é incapacidade moral!
Lembrai-vos da palavra que eu vos disse: Não é o servo maior do que seu
senhor. Se me perseguiram a mim, também perseguirão a vós outros; se
guardaram a minha palavra, também guardarão a vossa. Tudo isto, porém, vos
farão por causa do meu nome, porquanto não conhecem aquele que me enviou. 215
Por que os fariseus, que odiaram Cristo, perseguiram Pedro e João, colocando-os na
prisão? Por que eles perseguiram Estevão até a morte? O ódio que eles tiveram para com aqueles
que eram filhos de Deus foi, em última instancia, um ódio contra Deus. Por essa razão Jesus
disse ao perseguidor dos cristãos: "Saulo, Saulo, por que me persegues?"
(At 9.4). Se um homem natural não tem qualquer amor pelos cristãos, é
porque eles odeiam ao Salvador deles. É impossível para o homem natural
amar aqueles que pertencem Aquele a quem odeiam. Pelo simples e
glorioso fato de que somos chamados filhos de Deus, o mundo "não nos
conhece", e o mundo não nos conhece "porque não conheceu a Ele
mesmo".216
Quando o homem natural, que não tem o amor pelo Senhor, está envolvido com os
cristãos, ele também os odeia por causa das predileções que estes últimos têm. Os desejos dos
cristãos não se encaixam nos desejos do homem natural. Eles podem viver juntos debaixo do
mesmo teto, mas eles vivem em dois mundos diferentes. É possível para o cristão ter amor pelo
homem natural, mas o contrário nunca acontece, porque esta espécie de amor implica numa
preciosa capacidade moral. E isto o homem natural não tem mais. Se é difícil entender este
ensino de Jesus Cristo, averigüe-o na experiência. Ela provará a veracidade das palavras de
Jesus Cristo.
Eles possuíam tudo que deveriam possuir para serem seres humanos, mas esses sentidos
não foram úteis para assuntos espirituais. Eles perderam o poder espiritual de usá-los. Eles se
tornaram totalmente corruptos que perderam a capacidade de ver, ouvir e de entender assuntos
espirituais.
Como um resultado da queda, o homem não é capaz de entender a linguagem espiritual,
que lhe é inteiramente estranha. Como um homem natural, Nicodemos não foi capaz de entender
a conversa de Jesus a respeito do novo nascimento (Jo 3.3-5). O mesmo aconteceu á mulher
samaritana (Jo 4). O entendimento do ser humano está cegado, e não tem capacidade de
entender o que Deus diz.
Jesus estava falando a lideres religiosos de Seu tempo a respeito do Pai Celestial, e eles
jactaram-se de ser filhos de Abraão e, portanto, filhos de Deus. Mas Jesus retorquiu com
palavras bastante fortes que eles eram filhos do diabo. Então,
E óbvio que Jesus não está falando a respeito da incapacidade auditiva física, porque eles
estavam ouvindo perfeitamente o que Jesus lhes estava dizendo, mas a respeito da incapacidade
auditiva espiritual. Eles não mais possuíam o poder para entender coisas espirituais. A
incapacidade moral era evidente em sua incapacidade espiritual!
Mas há alguma coisa além desta incapacidade moral no homem natural. Mesmo debaixo
da influência divina, a vontade do homem é incapaz de agir corretamente em cooperação com a
graça de Deus, até que o coração do homem seja renovado pelo Espírito Santo. Mesmo após a
regeneração, a vontade do homem é dependente da graça de Deus para energizá-la, guiá-la, para
fazer todas as coisas, porque Jesus Cristo disse categoricamente: "Sem mim nada podeis fazer"
(Jo 15.5).
Paulo reconhece que a capacidade de entender as coisas espiritualmente santas vem do
Espírito Santo. Ele diz:
1 Co 2.12-13 – ―Ora, nós (os cristãos) não temos recebido o espírito do mundo,
e, sim, o Espírito que vem de Deus, para que conheçamos o que por Deus nos foi
dado gratuitamente. Disto também falamos, não em palavras ensinadas pela
sabedoria humana, mas ensinadas pelo Espírito, conferindo cousas espirituais
com espirituais‖.
Qual era o propósito de Deus ao enviar o Seu Espírito aos cristãos? Foi para que eles
pudessem ser livres do cativeiro da ignorância, esta incapacidade espiritual que impede os
homens de entenderem as verdades espirituais. Somente através do Espírito Santo podem eles
entender as bênçãos de Deus.
1 Co 2.14 está em oposição aos versos 12-13. "Ora, o homem natural não aceita as cousas
do Espírito de Deus, porque lhe São loucura; e não pode entendê-las porque elas se discernem
espiritualmente." A razão pela qual o homem natural não pode entender as coisas do Espírito é
dada pela Escritura: "porque São loucura para ele". O homem natural as rejeita porque lhe
parecem absurdas. Elas São contrárias á sua natureza corrupta.
Por que as coisas espirituais São loucura para ele? Novamente a Escritura responde:
"porque ele não pode entendê-las." - Por que as coisas do Espírito estão além do entendimento do
homem natural? Ele não possui inteligência? Ele não possui poder intelectual para entendê-las?
Por que, então, os homens naturais São incapazes de entendê-las? Novamente a Escritura
responde: "porque elas se discernem espiritualmente". Somente o homem espiritual é capaz de
entender as coisas espiritualmente boas (v. 15). Até que o que homem seja ensinado por Deus, 217
isto é, até que seu coração seja iluminado por Deus, ele nunca verá qualquer beleza em Cristo ou
em Seus santos preceitos.
O homem natural tem olhos para ver, mas não vê; tem ouvidos para ouvir, mas não ouve;
tem um coração para entender, mas ele não entende. 218 Ele e- semelhante aos ídolos
mencionados no Salmo 115.5-7. Por que ele não é capaz de ver, ouvir e entender? Não tem ele o
poder, a capacidade para coisas como essas. Essas São capacidades puramente espirituais, e
somente os homens espirituais as têm.
A pior coisa é que o homem não tem a capacidade de reverter a sua própria situação.
Nenhum poder humano é capaz de efetuar qualquer alteração nas percepções morais do homem
natural. Jeremias diz: "Pode acaso o etíope mudar a sua pele, ou o leopardo as suas manchas?
Então poderíeis fazer o bem, estando acostumados a fazer o mal?" (Jr 13.23).
A luz moral brilha ao redor do homem natural, mas seus poderes de visão se foram dele.
Agora ele anda nas trevas em meio a luz do Sol da Justiça que brilha sobre ele. O verdadeiro
sentido do evangelho é escondido dele, porque Paulo diz:
Esta é uma incapacidade natural. É espantoso que alguns cristãos ainda digam que o
homem seja capaz de responder ao chamando de Deus no evangelho sem primeiro ser renovado
pelo Espírito Santo!
PARTE IV
A CONDIÇÃO
DO HOMEM NO
PLANO REDENTOR
DE DEUS
(A DOUTRINA DO PACTO)
156
CAPITULO XVI
A Doutrina do pacto da graça é uma das mais preciosas que podemos extrair das Santas
Escrituras, pois de uma certa maneira, todas as outras doutrinas da soteriologia estão
intimamente relacionadas com a do Pacto da Graça.
Esta doutrina é tão importante que permeia toda a Escritura, começando no Gênesis e
tendo seus últimos ecos no livro do Apocalipse.
Este pacto gracioso preparado por Deus na eternidade recebe outros nomes da teologia
reformada. Ele é conhecido como ―'Pacto da Redenção‖, como ―Conselho da Paz‖, ou como ―Pacto
Eterno‖.
Estas palavras são como que colocadas nos lábios de Cristo, como fizeram outros
escritores do VT. O Verbo é eterno. Num tempo quando ainda não havia tempo, a Trindade
entabulou um acordo. Desse acordo surgiu a decisão de enviar o Filho para a Redenção do
pecador e o Espírito para aplicá-la. Por isso que é dito que «o Senhor Deus me enviou a mim e o
seu Espírito." O Filho e o Espírito são enviados ao mundo para cumprir um propósito redentor da
Divindade. O texto diz que essas pessoas são enviadas, o que indica um acordo prévio entre elas.
Jo 5.30 – ―Eu nada posso fazer de mim mesmo; na forma porque ouço, julgo. O
meu juízo é justo porque não procuro a minha própria vontade, e, sim, a daquele
que me enviou.‖
É claro deste verso que Jesus veio ao mundo a mandado de Seu Pai, e para realizar a
vontade de Seu Pai. Voluntariamente Ele submeteu-se à vontade dAquele a quem Ele sempre foi
submisso como Filho. Mas essa submissão indica que Eles tiveram um acordo antes de haver
história. Cristo foi enviado pelo Pai como produto de um pacto, como veremos adiante.
JO 6.38-40 – ―Porque eu desci do céu não para fazer a minha própria vontade;
e, sim, a vontade daquele que me enviou. E a vontade daquele que me enviou é
esta: Que nenhum eu perca de todos os que me deu; pelo contrário, eu o
ressuscitarei no último dia. De fato, a vontade de meu Pai é que todo homem que
158
vir o Filho e nele crer, tenha a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia.‖
Estes três versos recebem a mesma tônica dos dois anteriores, onde Cristo revela
claramente a sua decisão de obedecer ao seu Pai, que o havia enviado ao mundo. A idéia de
obedecer aqui deixa clara a idéia de um acordo anterior. Note que, antes dele vir ao mundo, ele
havia recebido do Pai um número definido de pessoas pelas quais ele veio morrer. E o mandato do
Pai era para que Ele não perdesse nenhum deles. Cristo veio para cumprir essa vontade de seu
Pai, que foi produto de um acordo prévio entre ambos, no seio da Divindade. Estas mesmas idéias
podem ser encontradas em Jo 8.29; 17. 3,4,6,8,18,21; Hb 10.7-10.
Jo 10.17-18 - «Por isso o Pai me ama, porque eu dou a minha vida para a reassumir.
Ninguém a tira de mim; pelo contrário, eu espontaneamente a dou. Tenho autoridade para a
entregar e também para reavê-la. Este mandato eu recebi de meu Pai"
Jo 12.49 – ―Porque eu não tenho falado por mim mesmo, mas o Pai que me enviou, esse
tem prescrito o que dizer e o que anunciar.‖
Hb 7.22 – ―Por isso mesmo Jesus se tem tornado fiador de superior aliança.‖
O Fiador é aquele que se torna responsável pelas obrigações legais de outro. Na teologia
Reformada houve uma distinção sobre se o papel de Cristo como fiador era condicional ou
incondicional. Então, segundo a jurisprudência romana, duas palavras latinas foram usadas
para estabelecer essa distinção:
Fideiussior - (garantidor) Esta palavra revela o caráter condicional. Nela o fiador se
compromete a pagar por outro, sempre que este não cumpra satisfatoriamente por sua própria
conta. O peso da culpa permanece na parte culpada até ao tempo do pagamento. 221 Alguns
reformados objetam ao uso do conceito de fideiussior por causa do dilema dos conceitos de
eternidade e tempo. Se no conselho da paz "Cristo se converteu no fideiussior, os crentes do VT
não gozaram do perdão dos pecados‖. 222 Em geral os Reformados reconhecem aqui o problema
relacionado "à natureza eterna do pacto da redenção e o caráter temporal da satisfação de Cristo,
mas também argumentam que o fideiussio (garantia) é eternamente efetiva em sua incepção
tanto quanto se entende que os méritos da obra de Cristo e, de fato, a obra de satisfação em si
mesma, descansam sobre o decreto. Naturalmente, o pecador ou o devedor, permanece
responsável por seu pecado ou débito até que o fideiussio tenha sido aplicado a ele no tempo".223
Expromissor - (garantidor) Esta palavra revela o caráter incondicional. Aqui o Fiador
se compromete a pagar incondicionalmente por outro, livrando dessa forma a parte culpada de
sua responsabilidade uma vez por todas. 224 Este termo latino é usado na linguagem dos teólogos
federalistas também como sinônimo de sponsio que dizia respeito a uma promessa solene
entre o Pai e o Filho, onde este último promete ao primeiro, no pacto da redenção, feito na
eternidade, pagar o débito dos pecadores. 225
No pacto da graça elaborado na eternidade o Filho se comprometeu a pagar pelos pecados
de Seu povo, aqueles que o Pai lhe haveria de entregar. Ele tinha que sofrer o castigo necessário
para satisfazer as exigências da lei em lugar deles. Cristo é o Fiador incondicional, visto que os
homens não possuem condição alguma de cumprir qualquer pacto com Deus.
2 Co 5.21- Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós; para
que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus.
a) Requisitos
A Escritura apresenta o Pai, na economia da salvação, fazendo exigências ao Filho, para
que a redenção dos filhos de Deus pudesse ser concretizada.
(a) Deus o Pai exigiu que Seu Filho se humilhasse, nascendo de uma mulher, tomando a
natureza humana e suas fraquezas, mas sem pecado.
Gl 4.4.5 - "Vindo, porém, a plenitude dos tempo, Deus enviou o seu Filho, nascido de
mulher, nascido sob a lei, para resgatar os que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a
adoção de filhos."
Hb 2.14.17 - "Visto, pois, que os filhos têm participação comum de carne e sangue, destes
também ele, igualmente, participou, para que, por sua morte, destruísse aquele que tem o poder
da morte, a saber, o diabo.. Por isso mesmo convinha que, em todas as cousas, se tornasse
semelhante aos irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote nas cousas referentes a
Deus, e para fazer propiciação pelos pecados do povo."
Hb 4.15 - "Porque não temos sumo-sacerdote que não possa compadecer-se de nossas
fraquezas, antes foi ele tentado em todas as cousas, à nossa semelhança, mas sem pecado."
Era absolutamente essencial que Jesus se tornasse um dos membros da raça humana,
para que pudesse provar a morte, por causa dos pecados daqueles por quem iria morrer.
(b) Não somente o Filho teria que tomar a natureza humana, mas também teria que sofrer
a pena do castigo, castigo esse por causa e em favor daqueles que o Pai lhe havia entregue,
garantindo-lhes, assim, a vida eterna (Is 53.4,5,6,10,11,12).
(c) O Filho encarnado, deveria cumprir toda a lei, isto porque o homem pecador seria
incapaz de fazê-lo (Mt 5.17,18; Gl 4.4,5; Lc 24.44).
(d) O Filho encarnado deveria ser obediente até o fim (Jo 8,28, 29; Mt 26.39; 51 40.8; Fp
2.6-8). Se Jesus não houvesse obedecido a lei, cumprindo-a, todos os homens, sem exceção, não
teriam vida eterna. Ao contrário, eles seriam mortos por ela.
b) Promessas
As promessas são equivalentes aos requisitos. Deus, o Pai, prometeu ao Filho tudo o que
160
AS PARTES CONTRATANTES
No aspecto eterno do pacto da graça o pacto é entre o Pai e o Filho, e na revelação histórica
dele, Deus entra em acordo com o pecador eleito em Cristo Jesus.
Definição: ―O pacto da graça é um acordo entre Deus e o pecador eleito; de sua parte,
Deus declara sua livre boa-vontade a respeito da salvação eterna, e todas as cousas relativas a
ela, que livremente são dadas aos que estão no pacto através de Cristo, o Mediador; por sua vez,
o homem mostra sua boa-vontade através de uma fé sincera.‖226
AS PROMESSAS DO PACTO
AS CARACTERÍSTICAS DO PACTO
É um Pacto Gracioso
Com Origem Trinitária
Tem Conseqüências Eternas
Destinado a um Povo Especial
É o mesmo em Ambas as Dispensações
ASPECTOS DO PACTO
Relação Legal
Relação de Comunhão de Vida
226 Herman Witsius, The Economy of the Covenants between God and Man, vol. 1, 164.
162
Neste pacto Deus resolve preservar o homem e as espécies (Gn 6.18-20) para estabelecer
um novo começo. Por esta razão, Noé e sua família são exortados a fazer o mesmo que foi
ordenado aos nossos primeiros pais e às espécies: "Abençoou Deus a Noé e a seus filhos, e lhes
disse: Sede fecundos, multiplicai-vos e enchei a terra" (Gn 9.1,7).
Aquilo que foi prometido a Adão no Éden, isto é, a capacidade de dominar sobre os
animais (Gn 1.28), tem o paralelo no Pacto com Noé. Robertson diz que
Mas ainda assim o homem continuaria a ter o domínio sobre os animais, não somente
porque isto é parte da imagem de Deus nele, mas como produto também de uma relação pactual.
Se, por um lado, o pacto com Noé estabelece a ligação com o pacto da criação, por outro,
ele também nos conecta aos pactos redentivos subsequentes, quando nos aponta para a
libertação que Deus nos dá da morte e da destruição. A redenção para a qual este pacto aponta é
muito mais ampla do que simplesmente a salvação da alma do pecador. Ele aponta para a
redenção do cosmos, o que inclue o homem.
O pacto com Noé é uma antecipação da redenção futura e final do povo de Deus. O profeta
Oséias, quando fala da redenção final do povo, usa praticamente as mesmas idéias contidas
basicamente no pacto de Deus com Noé (cf Os 2.18 com Gn 6.20; 8.17; 9.9,10).
O pacto com Noé, portanto, é o elo de ligação entre a criação caída e o indício da criação
redimida.
"o pacto com Noé permanece em sua infalibilidade como um tipo de uma
perpetuidade ainda maior da promessa do juramento de redenção feito por Deus.
A promessa a Noé tem seu limite na crise escatológica que trará o céu e a terra a
um fim, mas embora naquela catástrofe final as montanhas fujam e os montes
sejam removidos, todavia ainda assim a amabilidade de Deus nunca se apartaria
de Israel, nem o pacto da sua paz seria removido."231
A cessação das estações só acontecerá com a catástrofe final narrada em 2 Pe 3.10, onde
todos os elementos serão destruídos, mas enquanto esta terra durar, isto é, enquanto ela estiver
nas condições em que está agora, as estações continuarão, como produto da fidelidade de Deus
para com Sua promessa.
Partes Contratantes
Deus fez este pacto com um homem "justo", porque a Escritura diz que "Abrão creu em
Deus e isto lhe foi imputado como justiça" (Gn 15.6), e também com a sua descendência (v.18).
Todavia, a menção direta de um pacto é feita em Gn 17.1-8. Foi um pacto concebido,
nascido, determinado, estabelecido, confirmado e dispensado pelo próprio Deus, como todos os
outros pactos. A Abraão coube a tarefa de ser obediente em todas as cousas.
Um Pacto Incondicional
Este pacto mostra uma unilateridade incrível, pois Deus simplesmente chama Abraão e
lhe dá um ordem para sair da terra e ir para uma outra terra, e cumprir todas as suas promessas
nele. Deus não sugere que se Abrão obedecesse, Deus cumpriria tudo o que havia prometido,
sem qualquer condição preenchida da parte de Abraão (Gn 17.1-8).
Um Pacto Amoroso
Um Pacto Eterno
Promessas Gerais
Deus fez três promessas básicas nesse pacto, registradas em Gn 12.1-3: a terra
prometida, o filho através de quem viria a semente da mulher; e a promessa dele ser uma bênção
para todas as nações.
1. A Terra Prometida - Deus mandou Abraão sair de sua terra e para ir para uma terra que
Ele haveria de lhe dar (Gn 12.1). Essa ordem foi dada após a morte de seu pai (Gn 11.31; cf At
7.1-5). Quando ele alcança a terra de Siquém, nos carvalhais de Moré, o Senhor lhe aparece outra
vez e lhe diz: "Darei à tua descendência esta terra"(12.7). Devemos nos lembrar que os canaanitas
habitavam aquela terra (12.6), e tinham que ser retirados dali para que a descendência física de
167
Promessas Específicas
Até esse ponto de Gn 12 não há ainda o que formalmente chamamos "pacto". Somente
mais tarde, com o surgimento de algumas incertezas da parte de Abraão, é que Deus confirmou
as promessas com um juramento. A palavra "pacto" aparece pela primeira vez com Abraão em
15.18.
As três promessas, que chamo de promessas específicas do pacto da graça, estão
claramente colocadas por Deus ao povo de Israel, mas que têm o seu gérmen nas promessas
feitas a Abraão, muitos anos antes.
Lv 26.12: ―Andarei entre vós, e serei o vosso Deus, e vós sereis o meu povo.‖
Essa promessa ao povo de Israel no deserto é um eco da promessa de Deus feita a Abraão,
séculos antes:
Deus faz uma promessa de natureza espiritual bastante especifica: Deus promete ser
para sempre o Deus de Abraão e da descendência dele.
Deus não somente prometeu que seria o Deus da descendência de Abraão, mas que
também a sua descendência seria povo dEle. Em outras palavras, Deus está dizendo: ―Vocês são
meus‖. O povo no meio do qual Yehovah anda, e de quem é o único Deus, é também propriedade
do Senhor. Moisés disse ao povo no meio do deserto:
Dt 14.1a - "Filhos, vós sois do Senhor vosso Deus". Isto significa que eles não mais
pertenciam a si mesmos, e que não poderiam fazer nada de acordo com as suas próprias idéias,
mas sempre presos agora às ordenanças do Senhor. Eles não mais eram donos de si mesmos,
entregues às suas próprias paixões, como os outros eram, mas eles deveriam seguir os preceitos
dAquele a quem pertenciam.
Deus lhes deu as proibições para fazer as cousas que os outros povos faziam. Agora os
israelitas eram de Deus, e teriam que cumprir somente as cousas próprias dAquele que os havia
chamado. O povo do pacto, que tinha a comunhão com Yehovah, não poderia quebrar os
mandamentos já previamente estabelecidos.
Dt 14.2 diz: "Porque sois povo santo ao Senhor vosso Deus, e o Senhor vos
169
escolheu de todos os povos que há sobre a face da terra, para Lhe serdes o Seu povo
próprio."
O Povo de Yehovah é um povo Santo
Isto significa que Deus havia separado eletivamente de todos os povos um povo. Esse povo
é santo no sentido de ser para o serviço exclusivo de Deus.
Gn 17.9-14; 22-27
O Senhor Deus chama a circuncisão de "sinal do pacto" (Gn 17.11). Portanto, o
sacramento da circuncisão pressupõe a existência de um pacto. Não é pela administração do
sacramento que alguém entra no pacto, mas a administração pressupõe que alguém está no
pacto. Quando Deus ordenou a circuncisão, o pacto já estava estabelecido. Portanto, a
administração da circuncisão é posterior ao estabelecimento do pacto.
Isso significa que Abraão tinha que "guardar o pacto" (Gn 17.9-10), e uma das exigências
de Deus era que a descendência de Abraão fosse circuncidada. A circuncisão era uma ordem
para aqueles que estavam debaixo do pacto (Gn 17.12-13). Todos os crentes e toda descendência
do sexo masculino obrigatoriamente tinham que ser circuncidados. A obrigatoriedade desse sinal
era tal que, se houvesse alguém na casa que não fosse circuncidado, deveria ser eliminado do
meio do povo, porque a omissão da circuncisão era considerada por Deus como "quebra do pacto"
(Gn 17.14).
A circuncisão deveria ser administrada aos crentes, isto é, aos adultos que chegassem ao
conhecimento de Deus, que é o caso de Abraão (Rm 4.10-11; Gn 17.24) e aos infantes do sexo
masculino, ao oitavo dia (Gn 17.12).
3. O PACTO SINAÍTICO
Este pacto é uma continuação do pacto feito com Abraão, embora com conotações
bastante diferentes. Ele é uma espécie de adendo ao pacto anterior, embora todas as promessas
dele sejam as mesmas. O pacto sinaítico foi o pacto abraâmico adaptado à existência da nação do
Israel nacional que agora surgia. O pacto sinaítico permanece até o final do Velho Testamento,
quando o novo pacto é introduzido pelo derramamento do sangue de Jesus Cristo. E esse pacto
que o escritor aos hebreus chama de ―Velha Aliança‖, em contraste com a "Nova Aliança"
estabelecida em Cristo (ver Hb 8). O velho pacto nunca deve ser entendido como o pacto
abraâmico, mas o pacto estabelecido no Sinai.
Partes Contratantes
Um pacto feito entre Deus e Israel como descendentes de Abraão, que foram libertos do
cativeiro do poder do Egito.
No Sinai Deus estabeleceu o seu pacto com os descendentes de Abraão, agora em número
muito maior.
170
(v.40-41), porque Deus se lembra da aliança feita com os patriarcas (Abraão, Isaque e Jacó), que
é uma aliança eterna (v.42). Deus renova essa aliança, por amor ao povo e por
ser fiel às suas promessas antigas (v.45).
Se um israelita guardasse os preceitos do pacto isso significa que ele aceitava todas as
estipulações do pacto, que estava no pacto, mas sobretudo que ele haveria de desfrutar as
bênçãos que o pacto prescrevia. Inversamente, se um israelita quebrasse o pacto, ele estaria
sujeito às maldições do pacto.
O que precisa ser enfatizado agora é que o pacto Mosaico, com respeito à condição de
obediência, que não é de categoria totalmente diferente da do Abraâmico. É muito
freqüentemente aceito, entre teólogos em geral, que as condições prescritas na conexão com o
pacto Mosaico sejam totalmente diferente com respeito à graça, em comparação com o
abraâmico. Assumem eles que as exigências também são totalmente diferentes. Se formos
analisar friamente, em ambos há uma espécie de exigência e ordem de guardar o pacto. Contudo,
é mais evidente no pacto abraâmico uma disposição maior de Deus e cumprir todas as exigências
do pacto, porque o pacto com Abraão foi de caráter perpétuo, e Deus sempre se lembra das
promessas feitas a Abraão, Isaque e Jacó, para renovar as promessas do pacto aos filhos de
Israel.
deles"(Ex 2.25-26).
Assim, a libertação do povo de Israel do Egito tem a ver com as bênçãos prometidas a
Abraão.
Ler S1105.8-12, 42-45; 106.1-5, 43-48
Não podemos isolar o pacto sinaítico do pacto abraâmico, porque haveríamos de fazer
uma injustiça com a Escritura.
falado, dá-la-ei à vossa descendência, para que a possuam por herança eternamente." Deus,
então, em misericórdia, renova o pacto ali com Moisés, após dar as Tábuas a Lei novamente (Ex
32.14; 34.10).
2) O Pacto foi renovado com a geração seguinte, que havia nascido no deserto, nas
planícies de Moab.
Dt 29.1 - "São estas as palavras da aliança que o Senhor ordenou a Moisés fizesse com os
filhos de Israel na terra de Moabe, além da aliança que fizera com ele em Horebe."
Nessa renovação do pacto condicional foi reafirmada novamente a necessidade de
obediência da parte do povo, para que participasse do pacto e dos benefícios das promessas dele
(Dt 29.9-29).
3) O Pacto foi relembrado por Deus a Josué, na posse da terra, quando Deus ordenou que
os dois sacramentos do pacto da graça fossem administrados.
Josué circuncida a segunda geração dos filhos de Israel que não haviam sido
circuncidados no deserto Js 5.1-8).
Josué celebra a páscoa com a segunda geração pela primeira vez desde que entraram na
terra (Js 5.10-12). É curioso observar que a administração da circuncisão foi pré-requisito para a
administração da páscoa (Ex 12.43-49).
4) O Pacto foi lembrado outra vez antes da morte de Josué (Js 23.6-16), na região de
Siquém.
Antes um pouco de morrer, Josué reúne o povo e lhes relembra o Pacto de Deus com
Abraão, Isaque e Jacó, e o pacto com Moisés (Js 24.2-7). Então apela para a renovação que ele
próprio faz do pacto (v. 14-15), provocando a resposta do povo em disposição de obediência (v.
17-24). E o texto continua, no v.25 - "Assim, naquele dia fez Josué aliança com o povo, e lha pôs
por estatuto e direito em Siquém," estabelecendo, em seguida um documento formal de
obediência aos estatutos do Senhor (v.26-27).
5) O Pacto é violado durante o período dos Juizes
Deus nunca havia invalidado a sua aliança com o seu povo (Jz 2.1), mas continuava a
pedir a fidelidade do povo (Jz 2.2). Após a morte de Josué e de todos os de sua geração (que foram
fiéis ao pacto Jz 2.8-10), levantou-se uma outra geração que não guardou a aliança, tornando-se
idólatra (Jz 2.10-13). Deus levantou-lhes juizes, mas eles não os obedeceram (v. 16). A despeito
dessa desobediência, o Senhor era gracioso com eles, compadecendo-se deles (v. 18), mas tão
logo o Senhor os livrava dos inimigos, eles voltavam-se para a idolatria novamente. Nesse
período, por causa da sua promessa de castigo pela violação do pacto, Deus entregou-os nas
mãos de povos que acabaram habitando na terra que Deus prometera dar somente a eles
(v.19-23). O período dos juizes, portanto, foi um tempo de desordem e de falta de real autoridade.
O próprio livro termina, dizendo: "Naqueles dias não havia rei em Israel; cada um fazia o que
achava mais reto"(Jz 21.25).
Estabelecimento do Pacto
Este pacto tem sido um dos mais negligenciados dentro da teologia Reformada. A própria
Escritura fala relativamente pouco dele, embora haja algumas referências diretas e outras
indiretas a ele. É até surpreendente que a Carta aos Hebreus, que trata do sacerdócio, não o
mencione, nem o compare ao sacerdócio de Cristo ou de Melquisedeque.
A maior referência deste pacto está registrada em Nm 25.1-31, que analiso rapidamente:
174
Lv 25.12-13 – ―Portanto, dize: Eis que lhe dou a minha aliança de paz. E ele e a
sua descendência depois dele, terá a aliança do sacerdócio perpétuo; porquanto
teve zelo pelo seu Deus, e fez expiação pelos filhos de Israel."
Um Pacto Perpétuo
No estabelecimento do pacto Deus deixou bem claro que seria ―uma aliança de sacerdócio
perpétuo‖ (Lv 25.13). O Salmista relembra essa perpetuidade do pacto quando se refere aos feitos
graciosos de Deus no passado, no tempo de Finéias:
A perpetuidade desse pacto está patente também quando Jeremias o relaciona com o
Pacto Davídico.
Jr 33.17-18 – ―Porque assim diz o Senhor: Nunca faltará a Davi homem ;que
se assente no trono da casa de Israel; nem aos sacerdotes levitas faltará homem
diante de mim, para que ofereça holocausto, queime oferta de manjares e faça
sacrifício todos os dias" - (ver também v.20-22)
Embora não haja qualquer menção desse pacto com os levitas no livro de Hebreus (o que
se esperaria que houvesse), todavia, todos os aspectos mencionados no sacerdócio de Cristo, em
Hebreus, indicam que Cristo é o sacerdote eterno, cumprindo-se assim, o que Deus havia dito
sobre a eternidade do pacto com os levitas, de que nunca faltaria alguém que fosse sacerdote no
meio do seu povo.
A Violação Pacto
Com o passar do anos houve a infidelidade da classe sacerdotal em relação ao pacto. O
profeta Malaquias registra a situação lamentável dos sacerdotes no seu tempo. Ml 2.1-3 fala do
desagrado de Deus contra os sacerdotes, e mostra também a fidelidade de Deus para a
continuação do pacto feito com Finéias:
Ml 2.4-7 - "Então sabereis que eu vos enviei este mandamento, para que a
minha aliança continue com Levi, diz o Senhor dos Exércitos. Minha aliança com
ele foi de vida e de paz; ambas lhe dei eu para que temesse; com efeito ele me
temeu, e tremeu por causa do meu nome. A minha instrução esteve na sua boca,
e a injustiça não se achou nos seus lábios: andou comigo em paz e em retidão, e da
iniquidade apartou a muitos. Porque os lábios do sacerdote devem guardar o
conhecimento, e da sua boca devem os homens procurar a instrução, porque ele é
mensageiro do Senhor dos exércitos.‖
O Salmo 89, na sua totalidade, lembra de maneira inequívoca o pacto de Deus feito com
Davi.
O cumprimento do pacto com Davi foi cumprido com o levantamento do reino de Salomão
(l Rs 8.20, 23-26), a quem Davi ordena obediência às palavras do Senhor (2 Rs 2.1-4). Deus
reconfirma com Salomão o pacto feito com Davi (l Rs 9.5)
Tipo - Um Pacto Incondicional - Esse pacto é ratificado ou confirmado por Davi.
Simplesmente Deus estabelece soberanamente o pacto. John Murray diz que o pacto ―é uma
dispensação soberana, divino em sua origem, estabelecimento, confirmação e cumprimento". 235
Após fazer uma análise dos dados da Escritura sobre esse pacto, Murray conclui:
Nesse pacto, Deus faz uma promessa incondicional de estabelecer e manter a dinastia
davídica no trono de Israel. Em Israel nunca haveria de faltar um rei que ocupasse o lugar de
Davi.
Semelhantemente ao pacto abraâmico, Deus fez exigências que deveriam ser obedecidas
pelos descendentes de Davi (l Rs 9.4-9). A responsabilidade pactual não está ausente. Davi viveu
em fidelidade pactual, como o próprio Deus declara. Não aconteceu o mesmo com Salomão e com
o restante da descendência de Davi.
Esse pacto divinamente estabelecido é incondicional. Contudo, para que houvesse
apropriação pessoal das promessas dele, as pessoas tinham que obedecer as suas prescrições,
que eram as mesmas relacionadas aos pactos anteriores. Muitos dos descendentes de Davi não
obedeceram as prescrições divinas, e perderam o reino, mas nunca faltou alguém que se
assentasse no lugar de Davi. Não obstante os pecados de Davi e dos seus filhos, o pacto
permaneceria (l Rs 11.1-3,9-13; 2 Cr 21.7). Deus enviou os castigos aos descendentes infiéis de
Davi, como Deus justo que é. Contudo, os pecados dos homens não haveriam de anular o pacto
Sl 89.30-36 – ―Se os seus filhos desprezarem a minha lei, e não andarem nos
meus juízos, se violarem os meus preceitos, e não guardarem os meus
mandamentos, então punirei com vara as suas transgressões, e com açoites a sua
iniquidade. Mas jamais retirarei dele a minha bondade, nem desmentirei a minha
fidelidade. Não violarei a minha aliança, nem modificarei o que os meus lábios
proferiram. Uma vez jurei por minha santidade (e serei eu falso a Davi?): a sua
posteridade durará para sempre, e o seu trono como o sol perante mim.
O Salmo 132 também é um eco do pacto feito com Davi, onde Deus promete
incondicionalmente se interpôs com juramento para abençoar a sua casa e erigir o seu trono.
2. E um Pacto Eterno
Um pacto pode ser incondicional e não ser eterno. Mas com Davi Deus prometeu algo que
durará para sempre. Antes de morrer> Davi falou palavras que evidenciam a eternidade do pacto
que Deus havia feito consigo: 2 Sm 23.5 - "Pois estabeleceu comigo uma aliança eterna, em tudo
bem definida e segura.‖
Sl 89.28-29 - "Conservar-lhe-ei para sempre a minha graça e firme com a minha aliança.
Farei durar para sempre a sua descendência, e o seu trono como os dias do céu.‖
O texto de Lc 1.32-33, já mencionado acima, mostra claramente a eternidade do pacto
davídico.
A inviolabilidade e a eternidade do pacto davídico é enfatizada pela indicação de que ele é
tão certo quanto é certo o pacto que Deus fez com Noé do dia com a noite.
Também o profeta Jeremias olha para trás, para o pacto de Deus feito com Davi e, então,
faz uma projeção do cumprimento futuro dele em Cristo Jesus. Entretanto, a promessa feita a
Davi é apontada para o Messias:
Pedro coloca em termos inquestionáveis que a promessa pactual feita a Davi cumpriu-se
literalmente em Cristo. Ele é o último descendente e o que haveria de reinar eternamente sobre o
trono de Davi.
178
6. O NOVO PACTO
Texto para estudo - Jr 31-31-33; 32.38-40; Hb 8.
PARTES CONTRATANTES
Um pacto feito entre Deus e o Israel rebelde, a quem Ele chama de "casa de Israel e casa
de Judá" (Hb 8.8).237
É uma promessa incondicional feita a um Israel rebelde que consiste no perdão de seus
pecados e na re-estabelecimento da comunhão de Israel com Deus numa nova base, onde Deus
haveria de inscrever nos corações deles a Sua lei - um pacto de pura graça,
mediante a vinda do Renovo.
A incondicionalidade do pacto está patente no modo como Deus o estabelece. Ele diz: ―Eu
firmarei um pacto.. ."(Hb 8.10). Nessa maneira de falar, Deus expressa a Sua soberania de
autoridade, de poder, de veracidade e, ao mesmo tempo de Sua graça. Ele é a causa única e o
autor único do novo pacto.
237Essa divisão da posteridade de Abraão deu-se somente nos dias do rei Roboão. Antes dessa
divisão, essa posteridade era chamada simplesmente de ―casa de Israel‖. É por essa razão que, na maioria
dos casos aparece unicamente a expressão ―casa de Israel‖ (Hb 8.10).
179
O estabelecimento do novo pacto foi marcado por alguns eventos importantes que o
precederam:
a) A entrada de João Batista em cena. Ele veio no espírito e no poder de Elias, cujo
ministério é tido como o começo do evangelho (Mc 1.1-3). Ele veio preparar o povo para a vinda do
Senhor. Pregou o arrependimento e o reino de Deus, anunciando um novo relacionamento com o
Senhor. Todavia, o precursor do Senhor ainda estava debaixo da velha aliança, isto é, do pacto
sinaítico, dado em Horeb (Ml 4.4-6). O novo pacto, que é a renovação do pacto prometido a
Abraão, de forma mais eficaz, é anunciado com a vinda de João Batista (Lc 1.69-79).
b) A vinda do Filho de Deus Encarnado. Quando o Verbo
encarnou-se e exercer o seu ministério entre nós, o pacto sinaítico ainda
estava em vigor, porque Ele mesmo foi "nascido de mulher" sendo sujeito à
lei, tendo que observar todos os preceitos que o primeiro Adão não
observou e todos os preceitos do pacto sinaítico que não foram observados
por aqueles que Ele representou. Ele é o elemento de transição entre a
velha aliança e a nova aliança. Ele cumpre todos os requisitos da primeira
aliança, tornando-a caduca, para estabelecer a segunda.
c) A morte do Filho de Deus. Sua morte foi o cumprimento solene do novo pacto (Hb
9.14-16). Essa santa e eterna aliança cumpre e substitui todos os símbolos e sombras usados na
velha aliança. Os símbolos caem, tornando-se obsoletos com a vinda daquilo que era a realidade.
Os tipos desaparecem quando o antítipo vem. A morte de Cristo era a culminação de todas as
esperanças do passado, que significa o tempo da redenção que todos os fiéis anelavam, embora
sem a plenitude de entendimento do que seria a verdadeira redenção.
d) A ressurreição do Filho de Deus. A ressurreição de Cristo é a culminação da vitória
sobre os principados e potestades. Agora aos filhos de Deus estava garantida a vitória final. Tudo
o que precisava ser feito em termos de obediência estava cumprido. A maldição sobre o seu povo
havia caído sobre Ele, e se tornara completamente vitorioso! Eles não mais seriam malditos. Se a
ressurreição de Cristo não acontecesse, diz Paulo, "ainda permaneceríamos em nossos pecados"
(1 Co 15.17), estando todos nós ainda sob a maldição da aliança de Horeb, por causa da nossa
culpa.
e) O Dia do Pentecostes. Somente 7 semanas depois da ressurreição de Cristo é que a
promessa maior da nova aliança foi solenemente realizada. No Pentecoste, o Espírito prometido
pelo profeta Ezequiel, vem para habitar nos filhos do povo de Deus. Após esse tempo é que o povo
e seus membros individuais recebem o Espírito de Deus que, diferentemente da velha aliança,
que morava no templo físico de Jerusalém, vem morar no templo espiritual, casa espiritual de
Deus (Ef 2.20-22). Depois dessa manifestação do Pentecostes é que os crentes haveriam de
guardar as leis de Deus e observá-las interiormente. A lei de Deus seria gravada nos corações
deles, como é a promessa do novo pacto.
Portanto, a expressão "depois daqueles dias" tem a ver com esses acontecimentos
supra-narrados. Somente após todos essas cousas acontecerem é que haveria o estabelecimento
formal do pacto.
O novo pacto, através de Jesus Cristo, é o cumprimento cabal de muitas promessas feitas
ao Seu povo, relacionadas aos pactos anteriores. A maioria das bênçãos prometidas no novo
pacto não foram absolutamente desconhecidas dos filhos de Israel, pois elas já estavam em
gérmen nos outros pactos.
Jeremias fala da volta à terra da qual haviam sido expulsos. Jr 32.37 - "Eis que eu os congregarei
de todas as terras, para onde os lancei na minha ira, no meu furor e na minha grande indignação;
tornarei a trazê-los a este lugar, e farei que nele habitem seguramente." Os versos 38-40 falam
claramente do novo pacto e, nos versos seguintes, Jeremias volta a falar sobre o mesmo assunto:
Jr 32.41-42 - "Alegrar-me-ei por causa deles, e lhes farei bem; plantá-los-ei firmemente nesta
terra, de todo o meu coração e de toda minha alma. Porque assim diz o Senhor: assim como fiz vir
sobre este povo todo este grande mal, assim lhes trarei todo o bem que lhes estou prometendo" (cf
v.43-44).
O profeta Ezequiel, tratando das bênçãos espirituais do novo pacto (Ez 37.1-12), promete
também a bênção de natureza física relacionada à devolução da terra:
Ez 37.21-27 - "Dize-lhes, pois: Assim diz o Senhor Deus: Eis que eu tomarei os
filhos de Israel de entre as nações, para onde eles foram, e os congregarei de todas
as partes, e os levarei para a sua própria terra.. .(v. 23b) Assim eles serão o meu
povo e eu serei o seu Deus... (v.26-27) Farei com eles aliança de paz; será aliança
perpétua. Estabelecê-los-ei, e os multiplicarei, e porei o meu santuário no meio
deles para sempre. O meu tabernáculo estará com eles; eu serei o seu Deus e eles
serão o meu povo.‖
Assim como Deus disse que daria a terra a Abraão, assim ele promete eficazmente
cumprir com os seus descendentes dando-lhes essa bênção de caráter físico.
Ez 37.23b-25 ―… Assim eles serão o meu povo, e eu serei o seu Deus. O meu
servo Davi reinará sobre eles; todos eles terão um só pastor, andarão nos meus
juízos, guardarão os meus estatutos e os observarão. Habitarão na terra que dei a
meu servo Jacó> na qual vossos pais habitaram; habitarão nela, eles e seus filhos
e os filhos de seus filhos, para sempre; e Davi meu servo, será seu príncipe
eternamente." (cf Ez 34.23-25).
Jr 31.32 – ―Não conforme a aliança que fiz com seus pais, no dia em que os
181
tomei pela mão, para os tirar da terra do Egito; porquanto eles anularam a minha
aliança, não obstante eu os haver desposado, diz o Senhor."
SEMELHANÇAS
DIFERENÇAS
que não podiam fazer nada em favor daqueles por quem intercediam, mas o Sacerdócio do Novo
Pacto era poderoso para salvar os pecadores (Hb 7.25).
O sacerdócio do antigo pacto era composto de pecadores que tinham que oferecer
sacrifícios por si mesmos, enquanto que o sacerdote do Novo Pacto era sem mácula, separado dos
pecadores (Hb 7.26-27).
O sacerdócio levítico era imperfeito (Hb 7.11); o sacerdócio segundo a ordem de
Melquisedeque, que é Cristo, é perfeito (Hb 7.28).
Os sacerdócio levítico era constituído sem juramento (Hb 7.20), enquanto que o Sacerdote
do novo pacto foi constituído por Deus com juramento (Hb 7.21). Por essa razão, ele permaneceu
para sempre.
Hb 8.6 - "Agora, com efeito, obteve Jesus ministério tanto mais excelente,
quando é ele também mediador de superior aliança instituída com base em
superiores promessas."
As promessas do pacto sinaítico apenas apontava para cousas futuras que eram
superiores em conteúdo.
183
Hb 9.11-12 – ―Quando, porém, veio Cristo como sumo sacerdote dos bens já
realizados, mediante o maior e mais perfeito tabernáculo, não feito por mãos, quer
dizer, não desta criação, não por meio de sangue de bodes e de bezerros, mas pelo
seu próprio sangue, entrou no Santo dos Santos, uma vez por todas, tendo obtido
eterna redenção."
Esta não é a primeira promessa do novo pacto, mas é a mais importante, porque sem ela,
as outras promessas de aplicação pessoal da redenção não podem ser cumpridas.
Do novo pacto faz parte a promessa da renovação do coração, que é a mesma coisa que a
implantação da vida, ou regeneração. E uma promessa de dar um coração «de carne", isto é,
sensível em contraposição ao coração endurecido, «de pedra".
O coração de pedra, isto é, endurecido, é o lugar de toda a corrupção. Os filhos do povo de
Deus recebem um coração sensível, agora pronto para receber a lei de Deus dentro dele. Então, a
alienação de Deus é retirada, e os filhos do povo de Deus passam a ter santas disposições para
com a lei de Deus.
Jr 31.33 - "Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois
daqueles dias, diz o Senhor. Na mente lhes imprimirei as minhas leis, também no
coração lhas inscreverei...”
184
Jr 31.34 - "Não ensinará jamais cada um ao seu próximo, nem cada um ao seu
irmão, dizendo: Conhece ao Senhor, porque todos me conhecerão, desde o menor
até ao maior deles, diz o Senhor.‖
Essa promessa é exatamente decorrente da segunda, porque não pode haver nenhum
conhecimento de Deus, a menos que Deus tome a iniciativa de interiorizar as Suas leis nas
mentes e nos corações dos homens.
O conhecimento de Deus foi algo que Deus sempre quis que o seu povo tivesse de Si.
Desde o começo das suas alianças Deus prometeu que o povo o conheceria. Ele deu-se a
conhecer através das suas leis escritas, no pacto sinaítico, mas eles não conheceram o Senhor.
Ele queria que as suas leis estivessem dentro dos corações dos homens. Por essa razão, Ele deu
certas prescrições estabelecidas muito claramente (Dt 6.5-9). Mas o conhecimento de Deus no
coração dependia do estudo, de colocar na mente pelo constante contato com as leis. O homem
não deu conta de internalizar as leis de Deus, pois a internalização dependia do esforço pessoal.
A impotência do homem para essas coisas sempre foi algo tristemente notável. Que fez> então,
Deus? Deus prometeu que Ele mesmo haveria de tornar essas leis interiorizadas, fazendo com
que Ele fosse realmente conhecido> dando-lhes um coração novo. Observe a Sua promessa: Jr
24.7 - "Dar-lhes-ei coração novo para que me conheçam, que eu sou o Senhor; eles serão o meu
povo, e eu serei o seu Deus; porque se voltarão para mim de todo o seu coração.>' Com a doação
de um novo coração, então, o homem pode chegar a um verdadeiro conhecimento de seu Deus.
Essa promessa é gloriosamente linda, porque ela é cumprida em Cristo Jesus e tornada
eficaz pelo Espírito Santo (Jo 17.3). O real conhecimento de Deus é o alvo de todos os filhos do
povo de Deus! Conhecer Deus é ter a comunhão imperdível com Ele! É bom ser observado que as
pessoas destituídas desse conhecimento salvador de Deus estão fora do novo pacto.
Essa promessa do conhecimento do Senhor tem algumas características:
Essa promessa está anunciada por quase todos os escritores que tratam do pacto,
incluindo especialmente Jeremias e Ezequiel (cf. Ez 11.20; Ez 37.26-27; Hb 8.10).
Esta é a promessa do pacto da graça que atravessa toda a Escritura. Ela foi
primeiramente feita a Abraão e, então, passa praticamente por todos os pactos, e culmina no
novo pacto.
É verdade que Yahvéh é Deus do mundo inteiro, porque Deus criou a todos e a todos
sustenta, mas Ele é Deus de maneira especial e relacional somente dos que estão incluídos no
pacto da graça. Como conseqüência de Yehovah ser o Deus deles, eles passam a ser um povo
peculiar de Deus, como nenhum povo veio a ser.
Os profetas que tratam desse novo pacto possuem as mesmas promessas da graça. Essas
promessas são deliciosamente lindas, porque elas tocam em nós de um modo especial e sensível!
Todos os que são perdoados conhecem da beleza desta promessa!
Quando Deus fez esta promessa, Ele encontrou o seu povo em pecado, transgredindo as
Suas leis. Na verdade, eles haviam quebrado a aliança anterior que Deus havia feito com eles no
deserto. Várias vezes Deus se refere a ela como «a aliança que vós quebrastes"( ).
Jeremias fala com bastante propriedade deste assunto. Ele é absolutamente claro a
respeito dessa promessa do novo pacto.
Ezequiel também fala, na aliança da paz, desse mesmo perdão, mas antes mostra o
estabelecimento do pacto eterno:
Israel havia pecado contra o Senhor desde a sua mocidade, pois eles haviam transgredido
238 Jown Owen, The Works of John Owen, vol. XXII, (The Banner of truth Trust, edição 1991), 156.
188
o pacto sinaítico, que é aliança que Deus havia feito nos dias da mocidade do povo, ainda no
deserto. Eles transgrediram a aliança feita no passado. Deus, então, olhando para o pacto
passado, diz de um pacto eterno que haveria de estabelecer com o povo. Seria uma aliança
estabelecida em dias ainda distantes, mas na história da sua revelação, quando a plenitude dos
tempos chegasse.
Depois, então, fala sobre os acontecimentos futuros de arrependimento do seu povo,
como produto dessa nova pacto, dizendo:
O perdão de Deus é algo que vem tendo como base o novo pacto do qual Jesus é o fiador.
Se uma pessoa não tem o perdão de Deus, certamente ela não faz parte do pacto.
Por causa da impotência do seu povo em obedecer todas as prescrições da Lei, Deus
enviou o seu Filho para morrer pelos pecados do povo, a fim de que o seu povo recebesse o seu
perdão. Embora Deus sempre tenha perdoado o seu povo, a base desse perdão está em Jesus
Cristo, que pagou pelas penas. Por causa do pagamento de Jesus, Deus não impõe nenhuma
pena sobre nós, cancelando a nossa divida. Isso é perdão!
Ezequiel ainda pinta em cores vividas o perdão que aconteceria quando o novo pacto fosse
estabelecido plenamente. Intimamente associada com a obra interior do espírito, dando um novo
coração, está a promessa do perdão dos pecados:
Ez 36.31 - «Então vos lembrareis dos vossos maus caminhos, e dos vossos
feitos, que não foram bons; tereis nojo de vós mesmos por causa das vossas
iniqüidades e das vossas abominações."
Esta é a primeira cousa que acontece depois que Deus bota um novo coração em nós:
temos a convicção de nossa imundície. O segundo passo é o perdão de Deus do qual tomamos
posse, que evidencia-se na limpeza de nosso coração:
Ez 37.33 – ―Assim diz o Senhor Deus: no dia em que eu vos purificar de todas
as vossas iniqüidades, então farei que sejam habitadas as cidades e sejam
edificados os lugares desertos."
Jr 32.40-42 – ―Farei com eles aliança eterna, segundo a qual não deixarei de
lhes fazer o bem, Alegrar-me-ei por causa deles, e lhes farei bem . Porque assim diz
o Senhor: assim como fiz vir sobre este povo todo este grande mal, assim lhes trarei
todo o bem que lhes estou prometendo.‖
Por causa da fidelidade às suas promessas pactuais, Deus nunca dá Suas bênçãos pelas
metades. Ele sempre vai até o fim na concessão de Suas graças. A quem Deus ama, Ele ama até
o fim.
Deus promete-lhes fazer o bem continuamente porque Deus regozija-se neles> porque
eles lhe são caros. Deus se alegra em fazer lhes o bem. Por essa razão, Deus entrou em pacto com
eles de lhes fazer o bem. Deus se afeiçoou ao Seu povo, não por causa do que eles faziam, mas
para que eles viessem a fazer alguma cousa boa posteriormente. Por causa da Sua afeição a eles,
Deus reluta repreendê-los, mas tem enorme prazer em recebê-los de volta. Estas coisas são
expressas pelo profeta Isaías. Temporariamente Deus pode relutantemente disciplinar o seu povo
deixando-o à mercê de problemas, mas é somente por um momento do seu desprazer com nossos
pecados, mas as Suas bondades não param nunca de vir sobre nós. Através de Isaías Deus
expressou essa verdade, da seguinte forma:
Todos os filhos de Deus têm sido objeto dessa bondade continuada de Deus, bondade que
não tem fim. Deus nunca deixou de fazer o bem ao seu povo em virtude do pacto. Rendamos
graças a Deus porque Ele tem sido fiel também a essa promessa.
Jr 32.40 – ―Farei com eles aliança eterna... e porei o meu temor no coração
deles para que nunca se apartem de mim.”
Deus coloca o Seu temor no coração dos filhos do Seu povo para uma finalidade
específica: "Para que nunca se apartem de mim". Deus não somente começa a boa neles, mas faz
com que eles andem em novidade de vida até o final. Nunca os filhos do povo de Deus haverão de
abandonar ao Senhor. Eles haverão de perseverar até o fim. Nesse sentido o pacto é também de
duração perpétua.
A promessa de que eles nunca haveriam de se apartar do Senhor também é obra da
bondade graciosa de Deus. Nunca os filhos de Deus abandonam o Senhor porque o Senhor
239 Na Exp[osition of the New Testament, vol. V (London: James Nisbet and Co., 1856), 616.
190
Em outras palavras, o profeta está dizendo que todas as cousas pode mudar, mesmo a
fisionomia da terra, mas não o propósito de Deus de permanecer com o seu povo. Deus haverá
sempre de estar unido ao Seu povo. Faz parte do pacto de Deus conosco nunca se apartar de nós.
O reflexo dessa bondade irretirável é a nossa permanência nEle. Por essa razão, nunca os Seus se
apartam de Si. Esta resposta do homem de perseverar no Senhor também é uma promessa de
Deus no novo pacto.
Não temos motivo qualquer para desconfiar da fidelidade de Deus em não se apartar do
Seu povo, mas temos todas as razões possíveis para duvidar da nossa permanência nEle. Somos
fracos e inconstantes, mas é uma promessa dEle que Ele próprio realiza em nós, a de que
haveremos de sempre permanecer firmes nEle, nunca nos apartando dEle. A nossa perseverança
nEle está embasada na perseverança dEle em permanecer em nós, causando a resposta positiva
para com Ele. Isso é graça abundante. Por isso o pacto é chamado ―novo‖, em contraste
com o antigo" que era ineficaz porque a lei de Deus não podia ser
interiorizada. Somente com a interiorização da lei é que podemos ficar
firmes no Senhor, obedecendo-Lhe os preceitos. Não há forma de não
apartar-se do Senhor sem que a Sua Palavra esteja em nosso coração!
Esta promessa do novo pacto nunca deve ser entendida literalmente, como se referindo à
reconstrução do templo de Jerusalém, ensinada pelos dispensacionalistas. A própria Escritura
interpreta-se a si mesma. Esta promessa está relacionada à nova terra, quando a presença de
Deus estará para sempre conosco, e nós seremos o tabernáculo dele. Contudo, ele já começou a
erigir o seu tabernáculo, que é a Igreja, e nele já está habitando. A sua forma final, entretanto, se
dará no estabelecimento de todas as cousas novas, como declara Jesus Cristo a João em Ap 21.3
- "Então ouvi grande voz vinda do trono, dizendo: Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus
habitará com eles. Eles serão povos de Deus e Deus mesmo estará com eles." Perceba que a
promessa de ser o Deus do povo está contida tanto em Ezequiel como no Apocalipse, dentro do
contexto geral do pacto da graça e no contexto específico do novo pacto.
10. A Promessa de prover o grande Pastor para o seu povo
Ez 37.24 - "O meu servo Davi reinará sobre eles; todos eles terão um só pastor,
andarão nos meus juízos, guardarão os meus estatutos e os observarão.
Hb 13.20 - "Ora, o Deus da paz, que tornou a trazer dentre os mortos a Jesus
nosso Senhor, o grande Pastor das ovelhas, pelo sangue da eterna aliança."
191
2. É um Pacto Eterno
Jr 31.35-36
Ez 16.60 -
Ez 37.26 -
Hb 13.20 - Este pacto eterno pode ser concebido de duas maneiras: como o pacto entre o
Pai e o Filho a respeito da redenção da igreja.
Qual era o conteúdo desse evangelho. Exatamente a promessa do pacto abraâmico. Todas
as famílias da terra seriam abençoadas com o crente Abrão. Isto significa que a boa-nova de
salvação haveria de atingir todas as terras, e não ficar somente nos limites de Israel.
Jesus Cristo, de uma maneira indireta, falando da revelação da sua vontade, disse a
respeito de Abraão: "Vosso pai Abraão alegrou-se por ver o meu dia, viu-o e regozijou-se" (Jo
8.56). Pela fé Abraão contemplou o seu descendente e alegrou-se nele. Deus deu de uma forma
concreta promessas ao povo do VT que são as mesmas promessas de redenção que temos no
período do NT.
1 Pe 2.9-10 - "Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real> nação santa, povo
de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que
vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz, vós, sim, que antes não éreis
povo, mas agora sois povo de Deus, que não tínheis alcançado misericórdia, mas
agora alcançastes misericórdia."
Pedro não está escrevendo simplesmente a judeus da Ásia Menor, mas aos eleitos de
Deus que haviam sido dispersos por causa da sua fé em Cristo Jesus. A "dispersão" (v.1) não foi
de judeus, mas de cristãos.
194
Raça Eleita
Esta referência, como todas as outras analisadas abaixo, tem uma conotação primária
referindo-se ao povo do VI'. O sabor dessas expressões é sempre judaico. Mas Pedro reinterpreta
essa expressão. Aqui ele se refere à igreja de Jesus Cristo de todos os tempos, que é o povo eleito
de Deus por quem Cristo deu a Sua vida. Essa raça eleita, que é o povo de Deus, compreende
gente de toda a parte, "dos quatro ventos da terra" (Mt 24.31), a quem os anjos virão buscar, para
levá-la para o seu destino eterno com Deus.
Sacerdócio Real
Novamente, o pano-de-fundo do pensamento petrino é a teologia do VI'. Contudo, Pedro
fala de um sacerdócio diferente, que não é restrito à tribo de Levi, mas composto de todos aqueles
que vieram a ter acesso a Deus pela mediação única, perfeita e definitiva de Jesus Cristo. Todos
os que Cristo remiu vêm a ser sacerdotes do Altíssimo, para reinarem com Ele, como nação
santa, no meio deste mundo. E essa a idéia que João passa quando escreve em Ap 1.5-6 – ―…
Aquele que nos ama, e pelo seu sangue nos libertou dos nossos pecados, e nos constituiu reino,
sacerdotes, para o seu Deus e Pai…‖. Deus, por meio de Cristo, nos constituiu seus sacerdotes,
isto é, nos separou para o seu serviço, tornando-nos consagrados para Ele.
Nação Santa
O povo de Deus no VT se restringia basicamente à nação de Israel. A base dessa afirmação
de Pedro tem raízes na sua origem hebréia. E perfeitamente compreensível que Pedro tivesse em
mente alguns textos do VI' em mente, quando falou essas cousas (Ex 19.6; Dt 14.2). Contudo, o
pensamento de Pedro não se restringe simplesmente ao povo do VI', mas aplica-o ao povo do NT.
A "nação santa" da qual Pedro fala não é mais a nação israelita. Ele tem em mente algo bem mais
amplo. Ele está pensando em todos, incluindo judeus e gentios, que eram separados do mundo,
sendo consagrados inteiramente a Deus. Por essa razão, Pedro fala em 1 Pe 1.2 que eram eleitos
de Deus e santificados pela obra do Espírito. Agora não eram mais judeus ou gentios. Essa
qualificação era secundária. O que importava é que eram, agora, devotados a Deus, separados
para o Seu serviço. Eram totalmente de Deus. Como nação santa, haveriam de testificar aos do
mundo quem Cristo era e o que Ele lhes havia feito.
física de Israel.
Os 2.2-4 diz: "Repreendei vossa mãe, repreendei-a, porque ela não é minha
mulher, e eu não sou seu marido, para que ela afaste as suas prostituições de sua
presença, e os seus adultérios de entre os seus seios; para que eu não a deixe
despida... e não me compadeça de seus filhos, porque são filhos de prostituições."
Por essa razão, Deus deu uma grande lição ao profeta Oséias, dizendo que Israel não mais
seria o seu povo. Por isso Deus chamou um dos filhos de Oséias como "Não-meu-povo", dizendo
que não mais seria povo dEle, nem Yehovah seria o Deus deles (Os 1.9). Deus retirou a sua
misericórdia deles, porque a prostituição espiritual, ou seja, a idolatria, separa Deus do povo.
Contudo, Deus não deixou que essa situação permanece assim para sempre. Deus
compadeceu-se da "Desfavorecida" e do "Não-meu-povo", prometendo-lhes que haveriam de ser
novamente "seu povo, e que Deus seria novamente o Deus deles (Os 2.23). A graça de Deus
manifesta-se de um modo brilhante. Toda a parte final do de Oséias 2 é uma amostra do amor
gracioso de Deus para com o seu povo. Ao povo que havia sido negada a misericórdia, agora Deus
mostra a misericórdia, outra vez. Por essa razão, eles passam a ser povo de Deus outra vez,
porque Deus resolve ser novamente o Deus deles.
Pedro toma essas idéias sacadas de Oséias, e as aplica ao povo cristão, composto de
judeus e gentios, remido por Cristo Jesus.
Esse povo não é exatamente a mesma coisa que 'nação política judaica". É um povo
196
especial, escolhido de todas as nações, conforme Deus havia prometido a Abraão. Deus
apiedou-se do seu povo e lhe deu misericórdia. Note-se que esse povo que recebe misericórdia é o
povo a quem Deus prometeu a Abraão. Não se pode perder de vista esse fato. Deus está apenas
lembrando a Pedro as suas promessas feitas anteriormente ao Pai da Fé.
At 7.4-5 – ―Então saiu da terra dos caldeus e foi habitar em Harã. E dali, com
a morte de seu pai, Deus o trouxe para esta terra em que agora habitais. Nela não
lhe deu herança, nem sequer o espaço de um pé; mas prometeu-lhe dar a posse
dela, e de depois dele à sua descendência, não tendo ele filho‖
Há algumas coisas neste texto que precisam ser lembradas. Houve a promessa da terra;
Abraão chegou a habitar nela, não obteve sequer um pedacinho dela, embora Deus prometesse a
posse dela. Na verdade, chegando a habitar na terra porque Deus o havia trazido, Deus não lhe
deu a terra, porque a terra que Abraão vai tomar posse, depois que todas as cousas redentivas se
completarem, é a nova Canaã da qual a primeira é apenas sombra. Essa é a terra que a
descendência de Abraão, isto é, os que são os seus filhos na fé, haverão de tomar de tomar posse
definitivamente.
A finalidade deles era uma outra terra, de natureza diferente e superior. Foi na fé de
alcançar essa verdadeira e definitiva terra é que morreram. Há um sentido que já estão hoje de
posse da promessa, mas há um outro sentido que ainda vão tomar posse literalmente da nova
terra que Deus prometeu dar a todos os da descendência de Abraão, a quem Jesus Cristo veio
socorrer.
Portanto, no VT há a promessa da terra, que veio a ser conquistada pelos hebreus com
Josué. No NT continua a mesma promessa, mas só que com natureza diferente. Hb 11.16 diz que
essa é uma "pátria superior". Está totalmente claro que a promessa da terra, em última
instância, não era da natureza presente desta terra. O desejo do coração do pai da fé era uma
terra superior, de natureza celestial. Por celestial deve ser entendido o que faz contraste com o
que é terreno nos termos em que a terra se encontra agora. A cidade que Deus preparou para os
seus é a nova terra, com a qual todos os crentes sonham e aspiram. A Canaã terreal é sim bolo e
tipo da Canaã celestial. A primeira é sombra da segunda, como muitas cousas do VI' são em
relação às do NT.
6. Os Sacramentos do Pacto da Graça são os mesmos em ambos os
Testamentos
(ver Neilands, p.58-63)
197
CAPITULO XIII
OS PECADOS ATUAIS
Jesus começou ensinando que nada que vem de fora do homem pode causar-lhe
contaminação, porque, para contaminar o homem tem contaminar o seu ser mais interior, que é
o coração. Somente o mais interior pode infectar todo o ser humano.
Quando a fonte esta poluída, tudo o que vem dela também sai poluído. O ser mais interior
do homem esta contaminado e como todas as cousas vêm do coração, todas elas estão também
infectadas. Não há como fugir deste raciocínio que o próprio Senhor nos ensinou. Os pecados que
cometemos são nascidos numa natureza mais interior que é maculada indelevelmente de forma
198
de contamina tudo o que sai dela. Todos os nossos pecados atuais, segundo Jesus Cristo, vêm de
dentro, do coração dos homens.
O pecado original enraizado no coração corrupto é a fonte de onde procedem todas as
correntes poluídas. Se a fonte é amarga, amargas serão todas as correntes que se originam nela.
Os frutos são de acordo com a natureza da árvore. E este o ensino de Jesus Cristo sobre
os nossos pecados atuais (Mt 7.16-20; 15.18-20; 12.33-35).
240 Diante da acusação dos protestantes, os da tradição Católica tentam fazer uma distinção entre
latre/ia (latréia, que é o culto que se presta a Deus) e doule/ia (douléia, que é reverência ou culto que se presta
aos santos), para justificar as suas atitudes cúlticas. Contudo, não é uma distinção justa, pois ambos
termos etmologicamente podem ser usados indistintamente, tanto aplicando-se ao Criador como às
criaturas (cf. At 20.19; Rm 12.11; At 7.42; Rm 1.25). a Escritura não conhece nada desta distinção.
Portanto, não podemos aceitar a justificativa dessa tradição do cristianismo.
200
1.18). Por essa razão, eles "mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem
de homem corruptível, bem como de aves, quadrúpedes e répteis" (Rm 1.23).
Por causa dos pecados da idolatria, Deus pronuncia maldição: "Maldito o homem que
fizer imagem de escultura, ou de fundição, abominável ao Senhor, e a puser em lugar oculto. E
todo o povo responderá: Amém" (Dt 27.15). A maldição em algum sentido se manifesta pelo fato
desses adoradores viverem sempre em confusão teológica e espiritual: "Sejam confundidos todos
os que servem imagens de escultura, os que se gloriam em ídolos; prostrem-se diante deles todos
os deuses" (Sl 97.7).
3) O pecado de tomar o nome do Senhor em vão - Este é o pecado contra o terceiro
mandamento (Ex 20.7). As ênfases deste pecado estão ligadas com a) o juramento falso usando o
nome de Deus (Lv 19.2; Zc 5.4); b) com a blasfêmia contra o nome do Senhor (Lv 24.16). A
punição por esse pecado era a morte, tão grande era a gravidade dele. A gravidade desse pecado
direto contra Deus está ligada ao fato de o Nome de Deus representar o que e quem Ele é. O nome
é revelador da natureza de Deus; c> com a uso indevido do nome de Deus. Por essa razão, o nome
de Deus não poderia ser usado sem um critério absolutamente rígido.
4) O pecado de desprezo ao dia de descanso - Este é o pecado contra o quarto
mandamento (Ex 20.8-11).
Há outras formas desse pecado, como o do ateísmo, por exemplo. Todos eles são diretos
contra o Senhor. Eles estão ligados, via de regra, aos pecados da religião, mencionados acima.
encaixar-se neste ponto. Os estóicos, achavam que o suicídio era uma forma heroísmo, enquanto
que alguns psicólogos modernos acham que o suicídio é uma manifestação de coragem. Contudo,
o suicídio é pecaminoso porque mostra a falta de coragem para enfrentar as lutas desta vida
presente. Os que atentam contra a próprio vida é porque não são suficientemente fortes para
bater de frente contra as tempestades, ou porque não possuem coragem para assumir as
próprias fraquezas ou pecados cometidos. Assim como nenhum homem pode tirar a vida do
outro, também não pode tirar a sua própria vida. Deus é o doador dela e é também quem a tira.
Pecados Externos
Estes são cometidos à luz do sol, sem qualquer constrangimento, temor ou vergonha. Eles
São conhecidos dos homens e São, igualmente, condenáveis e condenados pelos próprios
homens, antes que o julgamento de Deus venha sobre eles. Paulo diz a Timóteo que «os pecados
de alguns homens são notórios e levam a juízo, ao passo que os de outros, só mais tarde se
manifestam" (l Tm 5.24).
Estes pecados externos São os pecados da língua e os das ações.
Os pecados das ações podem ser feitos escondidos de muitos homens, mas São
externalizados, saindo do domínio do conhecimento unicamente do pecador. Estes podem ser
202
descobertos facilmente. Podem ser feitos diretamente contra Deus e contra os homens. Contra
Deus em forma de adoração errônea e inaceitável; contra os homens ele encontra múltiplas
formas.
Os pecados interiores são os mais numerosos. Contudo, os que São considerados de
grande magnitude São os atos, aqueles que os homens podem ver. A razão dessa magnitude é
porque eles estão combinados com os pensamentos e, freqüentemente, com as palavras deles.
Contudo, da mesma forma que os pensamentos e as palavras, ―Deus há de trazer à juízo
todas as obras até que as que estão escondidas, quer sejam boas, quer sejam más‖ (Ec 12.14).
Então, Jesus conclui: «Apartai-vos de mim todos vós que praticais a iniquidade" (Mt 7.23).
Uma outra divisão muito comumente encontrada para esses modos de pecados é:
pecados por pensamentos, palavras e ações.
Mt 25.42-43 – ―Porque tive fome e não me destes de comer; tive sede e não me
destes de beber; sendo forasteiro, não me hospedastes; estando nu, não me
vestistes; achando-me enfermo e preso, não fostes verme.‖
Eles São muitíssimo mais comum do que pensamos em nossa vida. Tenhamos cuidado
para que não sejamos pegos deixando de fazer o que deveríamos fazer!
Pecados de Comissão
O pecado de comissão tem a ver com o fazer aquilo que a lei proíbe, ou com a feitura
daquilo que é bom, mas com motivo sujo ou impuro. Em algum sentido já tratamos deles em
partes anteriores deste capítulo.
203
O rigor maior e o menor estão vinculados à gravidade de pecados cometidos á luz das
oportunidades recebidas.
Pecados de Ignorância
Há um sentido em que todos os pecados São cometidos na ignorância, se por ignorância
entendemos que o indivíduo está em trevas espirituais. Embora culpados, aqueles que
crucificaram Jesus Cristo, o fizeram na ignorância. Não é de estranhar, pois, que Paulo tenha
dito:
Por esta razão, depois de pecarem, essas pessoas não possuem qualquer reconhecimento
de pecado, nem remorso ou qualquer outro tipo de tristeza. E porque desconhecem os preceitos
estatuídos por Deus na sua lei. Paulo fez tudo o que fez sem sentir qualquer remorso, e fez
pensando estar fazendo o que devia fazer. Ele não se desculpa na ignorância, mas mostra que a
ignorância é a causa de muitos pecados. Ei-lo, argumentando:
Paulo ainda não possuía a luz. Andava em trevas e praticava todas as blasfêmias e
insolência, em nome de Deus, pensando estar agradando a Deus, a quem, a seu modo, ele servia.
204
Pecados deliberados
Embora a maioria dos pecados seja cometida na ignorância, há muitos deles que são
cometidos deliberadamente. Em geral, os homens conhecem as leis gerais de Deus, mas São
atrevidos e pecam conscientemente, sabendo que estão afrontando a Sua lei. Estes pecados são
de maior gravidade. A gravidade e a seriedade desses pecados é mostrada pelo escritor da Carta
aos Hebreus:
2 Pe 3.3-5 – ―Tendo em conta, antes de tudo, que, nos últimos dias, virão
escarnecedores com os seus escárnios, andando segundo as suas próprias
paixões, e dizendo: Onde está a promessa da sua vinda? porque desde que os pais
dormiram, todas as cousas permanecem como desde o princípio da criação Porque
deliberadamente esquecem que, de longo tempo, houve céus bem como terra, a
qual surgiu da água e através da água pela palavra de Deus.‖
CAPITULO XV
A PUNIÇÃO DO PECADO
A palavra "pena" (penalidade) deriva do latim poena, aparecendo já na Idade Média, como
um conceito teológico para denotar a punição por causa do pecado original.
A ORIGEM DA PUNIÇÃO
Berkhof diz que os castigos tem "a sua origem na retidão, isto é, na justiça punitiva de
Deus, por meio da qual Ele se sustém como o Santo e necessariamente exige santidade e retidão
de todas as Suas criaturas racionais."241 O pecado é a violação das leis divinamente estabelecidas
e, por causa da santidade divina, merece ser punido. Portanto, a punição denota um castigo
imposto por Deus aos infratores da sua lei.
O pecado não pode ficar sem punição justamente por causa da santidade e da justiça de
Deus. Porque a Sua lei foi infringida, Ele, de necessidade, tem que punir o pecado.
b) A Reforma do Pecador
A PUNIÇÃO DE MORTE
A morte é uma penalidade imposta por Deus por causa do pecado, embora esta idéia
tenha sido contestada na história da Igreja cristã. Os pelagianos pensaram que a morte não tinha
nada a ver com o pecado. Os homens morreriam de qualquer forma. A razão da morte dos
homens estaria na sua finitude. Portanto, a morte era parte da natureza criada, não penalidade
pelo pecado.
Entretanto, a Escritura afirma expressamente que a morte tem necessariamente a ver
com o pecado. Ela é punição do Santo Legislador sobre os infratores da Sua Lei. A morte é o
julgamento de Deus sobre o pecador (Ez 18.4; Rm 6.23).
O Conceito de Morte
Antes de tudo, é necessário entender a idéia de morte. Morte não é extinção, não é
aniquilamento, nem cessação de existência, mas separação.
O homem foi criado imortal. Quando ele pecou, ele não deixou de ser imortal, se por
imortalidade entendemos a existência continuada, mas ele morreu, isto é, ele ficou separado de si
mesmo pela morte física e separado de Deus pela morte espiritual.
na vida do ser humano. Para os pelagianos "as referências bíblicas sobre a morte como
conseqüência do pecado São entendidas como referências à morte espiritual, separação de Deus,
antes do que à morte física."244 Alguns discípulos de Barth diriam que o problema da morte está
vinculado ao fato do homem ser finito. O pecado apenas complica o problema da finitude do
homem. Embora Pelágio pensasse que o homem morreria de qualquer forma, mesmo que não
houvesse pecado, e que Barth tenha pensado que a morte seja um problema da finitude do
homem, é geralmente aceito entre os cristãos que a morte é anatural,
sendo uma imposição penal de Deus sobre os pecadores. Os Calvinistas,
contudo, afirmam categoricamente que a morte é uma imposição judicial
de Deus sobre o homem pecador.
Desde os primeiros concílio regionais da igreja Cristã tem-se defendido que a morte é
castigo, sendo um elemento anatural na existência humana. Num dos Concílios de Cartago,
lutando contra um pelagianismo presente na vida da igreja, foi dito: ―Se alguém disser que Adão
foi criado mortal de tal forma que ele teria morrido no corpo se tivesse pecado ou não, seja
anátema.‖245 Portanto, não podemos aceitar a morte como natural, mas como uma imposição
judicial de Deus por causa do pecado. Lutero foi veemente na sua idéia da causa da morte:
"A morte dos seres humanos é, portanto, diferente da morte dos animais. Este
morrem por causa da lei da natureza. Nem é a morte do homem um evento que
ocorre acidentalmente ou que tenha meramente um aspecto de temporalidade. Ao
contrário, a morte do homem, se assim posso falar, foi ameaçada por Deus e é
causada por um Deus encolerizado e estranho. Se Adão não houvesse comido da
árvore proibida, ele teria permanecido imortal. Mas porque ele pecou pela
desobediência, ele sucumbe à morte como os animais que estão sujeitos a ele.
Originalmente, a morte não foi parte de sua natureza. Ele morre porque provoca a
ira de Deus. A morte é, em seu caso, a conseqüência merecida inevitável de seu
pecado e desobediência."246
A morte do homem, portanto, tem conexão com a justiça divina. Não somente é uma
tragédia, mas uma penalidade, uma imposição judicial da qual nenhum pecador foge.
Porque o pendor da carne dá para a morte, mas o do Espírito, para a vida e paz" (Rm 8.5-6).
Aquele que está morto espiritualmente está sem a vida de Deus.
3. MORTE FÍSICA
Esta morte é a mais conhecida, experimentada e lamentada por todos os homens, porque
todos podem vê-la como uma experiência constante e palpável. Ela é a que mais afeta
emocionalmente as pessoas e é dela que todos têm medo, porque pensam que ela é o pior que
lhes pode acontecer. Em geral, as pessoas não conseguem ver a morte física como parte da
punição divina, pois não levam a sério as advertências da Escritura. A morte física é
freqüentemente a mais temida porque ela separa as pessoas umas das outras, o que causa muita
dor, mas não é este o verdadeiro significado dela. A conseqüência maior é para a pessoa que
morre, pois ela é a separação que acontece na própria pessoa, como veremos logo abaixo.
"A morte não é um processo natural, mas algo totalmente anatural - uma
violenta separação das duas partes do seu ser que Deus nunca quis que fossem
separadas; uma ruptura, um despedaçar, uma mutilação de sua
personalidade."250
No estudo sobre a constituição original do homem, vimos que o corpo é visto como sendo
o próprio homem, não um acessório temporal que é descartável. Quando o corpo se separa da
alma, costumamos dizer que o corpo morreu, mas essa não é a verdade. E verdade que o corpo se
tornou inerte, sem anima, sem vida, mas ele nunca cessa de existir, mesmo que no pó de onde
veio. A imortalidade é algo próprio do homem como um todo. Não somente a sua alma, mas
também o seu corpo é imortal. Portanto, é muito melhor dizer que o homem morreu, porque no
momento do desenlace, o homem (corpo) é separado de si mesmo (alma). Ambas as partes
constituintes da natureza humana vão para lugares diferentes até o tempo da ressurreição.
Tanto o corpo quanto a alma não cessam de existir, apenas ficam separados como uma forma de
castigo de Deus sobre eles. Esse é o estado de morte que o homem fica até que o dia do juízo
chegue.
250 James Orr, God‟s Image in Man, (Eerdmans reprint, 1948), p. 251-252.
251 Citado por W. G. T. Shedd, Dogmatic Theology, vol. 3, p. 336.
212
morte começou a fazer parte da existência física do homem. Esta idéia é refletida na esperança de
Paulo, assim como na esperança de todos os filhos de Deus, que experimentam os efeitos dessa
morte. Em 2 Co 5.1-5 Paulo fala da ânsia de ser revestido de uma nova habitação, isto é, de ser
revestido de um novo tabernáculo, um corpo novo, uma nova qualidade de vida física, que se
dará na ressurreição. Este corpo que é mortal, isto é, que experimenta os efeitos da morte, vai ser
renovado, ser revestido da vida na ressurreição. Não anelamos pela morte, mas pelo revestimento
que caracterizar-se-á em forma de vida plena. A nossa natureza plena, corpo e alma, será
restaurada na completação de nossa salvação. Esta é a esperança de Paulo, e nossa. Mas até que
isso aconteça, estaremos ainda sob o efeito da morte em nós.
Enquanto a morte espiritual foi um evento, a morte física é um processo. O homem não
morre de uma vez, mas ele morre lentamente, até que o corpo seja separado da alma, no suspiro
final.
Desde que nascemos, já sentimos os efeitos do pecado em nosso corpo: as doenças logo
aparecem e, depois de alguns anos, o processo de queda já se torna evidente. Nós morremos aos
poucos. Custance disse:
O ser humano não tem morte física instantânea pelo fato de ser pecador, mas porque a
raça precisa ser preservada, e porque assim Deus determinou em virtude de Sua longanimidade
para com os homens. Por causa da Sua natureza, Deus não destrói o homem de uma só vez.
Custance disse: "A penalidade de comer do fruto não foi o encurtamento de uma vida que possuía
um término determinado de qualquer modo, mas a introdução de uma experiência totalmente
nova - a morte física." 253 A morte física também começou quando o pecado entrou na vida
humana. A consumação da morte física foi apenas uma questão de tempo.
252 Arthur C. Custance, The Seed of the Woman, (Ontario: Doorway Publications, 1980), p. 86.
253 Custance, The Seed of the Woman, p. 161.
213
254 Nem todos os cristãos têm que morrer necessariamente. Paulo diz aos Tessalonicenses (1 Ts
4.13-18) que os crentes que estiverem vivendo na vinda (parousia) de Cristo não morrerão, mas todos serão
transformados, o que não significa morte. A morte para eles não é necessária, porque Jesus Cristo já pagou
as dívidas deles, e este pagamento inclui a morte física. E esta verdade é um consolo para eles. Morte como
necessidade, não mais! Todavia, há aqueles que têm que enfrentar a morte como penalidade. É destes que
este capítulo trata mais detidamente.
214
representados pagarem. Nenhuma penalidade cai sobre eles porque por eles todos Ele
entregou-Se a Si mesmo. Através do Seu sacrifício, Deus foi plenamente reconciliado com o Seu
povo e o povo vem sendo reconciliado com Deus. Se Deus tivesse que punir o seu povo por causa
de seus pecados, a obra redentora de Jesus Cristo não seria completa. Na verdade não seria
redenção! Mas Deus removeu toda a penalidade do pecador e lançou-a sobre o representante
deles, Jesus Cristo.
b) Se os sofrimentos físicos e a morte física são punição de Deus pelos pecados, estamos
negando que a punição divina é muito mais séria do que os sofrimentos ou a morte física. A
justiça de Deus exige muito mais do que os sofrimentos desta vida ou a morte física. Se essas
duas cousas são punição divina para o cristão, ele está cooperando no pagamento que Cristo fez,
que é incompleto. Se a morte física é pagamento, a justiça de Deus é pouco exigente. Por que
Cristo haveria de nos livrar somente de parte da punição e não dela toda? Se estas cousas são
penalidade, Cristo deixou algumas contas para serem pagas, o que diminui o valor da obra de
Cristo.
e) Se os sofrimentos físicos e a morte do cristão São punição pelos pecados, essa punição
varia muito na vida dos homens, independentemente dos seus pecados. Os sofrimentos
temporais e a morte têm tido uma variação muito grande na existência dos cristãos. Uns pecam
mais e sofrem menos e têm até morte calma e sem sofrimento, enquanto que outros crentes
sofrem muito e ainda têm morte terrivelmente dolorosa. Se estas cousas são pagamento de
penalidade, alguma cousa anda errado com os efeitos da morte de Cristo, uns estão pagando
menos que outros.
d) Se os sofrimentos e a morte física são punição de Deus, podemos concluir que o homem
tem condição de render satisfação a Deus por seus pecados. O pecador não-remido pode sofrer a
penalidade de seus pecados, mas não pode ser remido do sofrimento. Se cremos que a morte do
cristão é penalidade, ele está participando do pagamento para ser remido, o que implica na
cooperação humana da sua própria redenção. Se objeta que participamos de nossa redenção, por
quê se entende que a morte é pagamento? Contudo, se o homem é capaz de render satisfação
pelos seus pecados, pagando com a morte física, ele poderia, se sofresse um pouco mais, de
render satisfação completa por seus pecados, desfrutando da vida eterna, o que gera um absurdo
teológico inominável!
e) Se a morte fosse um pagamento de penalidade, Enoque e Elias não a teriam sofrido.
Isso implica que eles foram melhores ou que Deus fez vista grossa aos pecados deles, o que
também é absurdo. Se considerarmos a razão da morte dos mártires da igreja tanto do VT como
do NT, haveremos de perceber que não foi o pecado a causa dela, mas o comprometimento deles
com o reino de Deus.
f) Se os sofrimentos físicos e a morte física fossem penalidade, temos que chegar a uma de
duas conclusões: que o sofrimento físico de Cristo e sua morte física foram em vão e ineficazes (o
que é uma inverdade), ou que Ele removeu a punição temporal (o que é uma verdade). Quando
Cristo sofreu essas cousas, Ele as retirou de nós como punição. "Pelas Suas pisaduras fomos
sarados" (Is 53.5). Não sofremos mais punição. Apenas temos os sofrimentos e a morte física
porque ainda vivemos num ambiente onde estas coisas persistem, até que a redenção seja
completada e o ambiente seja mudado, o que se dará na nova terra.
g) Se os sofrimentos físicos e a morte física fossem penalidade, teríamos que crer que
Deus pune os membros do corpo de Cristo, porque Ele ainda está irado com eles. Tal pensamento
é uma injustiça ao amor redentor de Deus e à justiça de Deus demonstrada em Cristo Jesus. Nós
somos santuário do Espírito Santo, e Deus não haveria de despejar a Sua ira contra os membros
do corpo do Seu Filho (1 Co 6.15-20).
h) Se os sofrimentos físicos e a morte física fossem penalidade dos pecados, teríamos
também que considerar as angústias e ansiedades da alma como castigo de Deus por causa do
pecado, também, porque em todos os sofrimentos do corpo a alma sofre igualmente, porque
existe uma interpenetração de influências. Se isto é verdade, o que Jesus fez pelos pecadores não
resultou em muitas cousas positivas, pois temos muito sofrimento nesta vida. Os benefícios da
obra de Cristo só serão percebidos depois da morte, o que mostra que ainda somos os mais
infelizes dos homens! Mas tal pensamento é tolice. Mesmo que sob os efeitos do mundo em
queda, ainda somos os mais felizes dos homens, por causa de Jesus Cristo!
215
A morte dos filhos de Deus é, na verdade, a entrada deles no reino dos céus de maneira
plena! Nunca ela deve ser vista neles como pagamento de penalidade!
4. MORTE ETERNA
Esta morte eterna tem alguns nomes na Escritura: "Lago de Fogo" (Ap 19.20) e "segunda
morte" (Ap 2.11; 20.6, 14-15; 21.8); "condenação do inferno" (Mt 23.33); "lugar de tormento" (Lc
16.28); "inferno de fogo" (Mt 5.22); "fogo eterno" (Mt 25.41).
Na literatura grega, a palavra hades era descritiva de um mundo inferior, o reino dos
mortos, fossem eles bons ou maus. O Hades era descritivo de uma esfera divida em duas
categorias: a do elysium (para onde iam os bons, e a do tartaro (para onde iam os maus). Embora
alguns cristãos tenham assimilado a noção grega de hades, não há uma autorização da Escritura
para esse entendimento. A origem dessa divisão em compartimentos veio também de escritos da
literatura judaica não canônica, onde os justos estão em lugar separado dos ímpios, nos quais
cada um deles experimenta um antegosto do seu destino eterno. 255
Usualmente a palavra hebraica sheol, que aparece muitas vezes do VT, é traduzida pela
LXX como Hades. "O VT oferece apenas umas poucas informações a respeito do eterno destino do
indivíduo, e maior parte da sua preocupação é com o futuro dos justos antes do que dos
ímpios."256 Portanto, não é absolutamente claro nem único o uso que o VT faz da palavra sheol.
No Novo Testamento a palavra Hades se encontra Mt 16.18 como indicativa do lugar onde
Satanás reina, pois Jesus disse que as "portas do inferno (a)/dhj) não prevalecem contra ela
(igreja)" (Mt 16.18).
Ela também aparece em Lc 16.23, onde fala que o rico estava no "inferno" (a)/dhj), o lugar
próprio para onde vão aqueles que não temem a Deus. Ela é usada para denotar provavelmente o
lugar temporário para onde vão os mortos ímpios que, posteriormente São levados para o seu
destino final, que é o lago de fogo, a segunda morte.
Ap 20.13-14 também menciona o termo hades, que é traduzido na versão Revista e
Atualizada de Almeida como "além» no v. 13. No v. 14 hades é traduzido já como "inferno". Este
texto de Apocalipse sugere fortemente que hades se refere ao lugar intermediário onde estão os
espíritos desincorporados, antes de entrarem no estado absolutamente final, que e o ―lago de
fogo‖.257
255 Observação de Fred Karl Kuehner, ―Heaven or Hell?‖, em Fundamentals of the Faith, editado por
Carl F. Henry, (Grand Rapids: Zondervan, 1969), 238. Verificar no livro de Enoch xxii. 1-14.
256 Fred Karl Kuehner, ―Heaven or Hell?‖, em Fundamentals of the Faith, editado por Carl F. Henry,
um lugar onde os impenitentes haverão de passar eternamente. E bom recordar que embora os
tormentos do inferno sejam absolutamente reais, devemos entender que alguns nomes usados
(como "fogo" ou "verme") usados metaforicamente, não com sentido absolutamente literal.
"aconteceu morrer o mendigo e ser levado pelos anjos para o seio de Abraão;
morreu também o rico, e foi sepultado. No inferno, estando em tormentos, levantou
os olhos e viu ao longe a Abraão e a Lázaro no seu seio" (Lc 16.22-23).
Com clareza o texto afirma que o rico foi sepultado (v.22) e, imediatamente, afirma que ele
estava no inferno, em tormentos. Isso demonstra que, ao mesmo tempo em que os justos vão
218
imediatamente para o gozo de Deus (que é o caso de Lázaro - v.22), o rico foi imediatamente para
os tormentos sem fim, apenas esperando o juízo do grande dia.
Contudo, é preciso lembrar que os ímpios sofrem esse castigo
parcialmente, apenas no espírito, pois o corpo deles ainda não participa
dele, pois está no pó. Após a ressurreição final, que é a ressurreição para a
vergonha e horror eterno (Dn 12.2), os ímpios impenitentes serão lançados
nesse lago, onde estão juntamente o diabo e seus anjos.
A Escritura diz que após a morte e ressurreição dos ímpios eles entrarão no juízo final,
"porque está ordenado aos homens morrerem uma só vez e, depois disto, o juízo" (Hb 9.27).
A razão dessa punição eterna pelo pecado é porque o pecado é cometido contra um Deus
eterno e infinito (l Tm 1.17), que requer uma satisfação infinita e, portanto, eterna. Porque o
ímpio pecou contra um Deus infinito, a sua punição, portanto, é reconhecida como infinita.
Nunca o homem terminará de pagar a sua dívida com Deus, porque é dívida de alguém que
continua pecador. O débito do pecador não pode nunca ser saldado porque somente a obediência
a Deus poderia satisfazer a justiça divina. Todavia, ainda lã, no inferno, na condenação, o homem
haverá de estar contra Deus, insurgindo-se contra a sua lei. No estado futuro, os ímpios haverão
de pecar. Quando mais pecado, mais ódio contra Deus. João, no Apocalipse, dá uma idéia do que
acontecerá no destino eterno de ambos, dos justos e dos injustos: "Continue o injusto fazendo
injustiça, continue o imundo ainda sendo imundo; o justo continue na prática da justiça, e o
santo continue a santificar-se" (Ap 22.11). Os ímpios pagarão pelos seus pecados, mas nunca
terminarão de pagar porque para sempre se rebelarão contra o Senhor.
A palavra grega gee/nna que sempre é traduzida como inferno nas nossas versões, nunca se
refere ao tormento do estado intermediário, mas sempre à punição eterna.
A palavra grega ai)w/nion, que é traduzida como "eterno" aparece diversas vezes no NT com
respeito à vida e à morte. Qual é o sentido dessa palavra grega? No caso de combinação com a
palavra "vida", o termo ai)w/nion tem a conotação de "vida imperdível". O sentido, todavia, é mais do
que de quantidade. Ela é a vida plena da bondade de Deus, plena da comunhão com Deus.
Contudo, não se pode esquecer que ela contém a idéia de duração sem fim. Observe-se que em 1
Co 15.53, as palavras imperecível (ou incorruptível) e imortal são sinônimas.
No caso de combinação com a idéia de "morte", há a mesma conotação qualitativa e
quantitativa. Estes dois aspectos não podem ser esquecidos.
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A teoria da Não-Punição
Os defensores dessa teoria não crêem numa punição futura, porque eles não crêem em
qualquer espécie de existência futura. Tudo termina por aqui. Esses são os materialistas puros.
Eles crêem que a alma, se há alguma, é apenas uma função do cérebro, ou uma parte de todo o
complexo do organismo humano. Quando o homem morre, tudo se acaba. Nem a recompensa
futura existe, na conta deles. Na verdade, esses não são cristãos. Então, eles não causam um
problema maior, exceto se estivermos em lugares de grande concentração de materialistas.
A Teoria do Aniquilacionismo
Há outros que pensam que o pecado deve ser punido, mas eles são incapazes de admitir a
idéia de uma punição sem fim. Admitem uma recompensa de bem-aventurança eterna. Eles são
chamados de aniquilacionistas. Eles crêem numa ressurreição geral final, numa vida futura de
gozo, que é o céu. Segundo eles, somente os cristãos recebem uma existência eterna. Contudo, os
ímpios serão destruídos após a ressurreição final. A punição deles está em não poderem mais
existir.
Há alguns aniquilacionistas que sustentam que o homem foi feito um ser mortal. De
qualquer forma ele morreria. O pecado veio somente complicar a sua finitude. A vida eterna é um
dom que Deus da aos que crêem e vivem piedosamente neste mundo. A punição dos ímpios,
contudo, é o fato de Deus se recusar dar-lhes a vida eterna. A punição, então, é a privação da vida
eterna, mas não há um castigo positivo. Apenas a privação do que é bom.
Há ainda outros aniquilacionistas que admitem uma certa punição, não aceitando,
todavia, a punição sem fim. Esses são cristãos que aceitam todas as outras verdades do
cristianismo, exceto esta. Eles dizem que a doutrina da punição eterna não está em consonância
com o caráter de Deus.
Para eles, o adjetivo "eterno" em relação à punição não deve ser tomado literalmente, mas
somente como indicação de um longo período de tempo. O outro argumento usado por eles é que
as palavras "destruição" e "morte" implicam numa cessação de existência.
1) Embora o termo grego ai)w/nioj (que é traduzido em nossas versões como "eterno") não
signifique literalmente "um tempo interminável", contudo, quando usado em contraste com "vida
eterna", não pode significar outra coisa que não "duração sem fim". Este argumento está
absolutamente claro em Mt 25.46 "E estes irão para o castigo eterno, porém os justos para a vida
eterna". A menos que neguemos a duração sem fim da bem-aventurança, teremos que aceitar a
eternidade, ou a duração sem fim da punição.
O texto de Ap 14.11 mostra uma outra conotação de eternidade de uma outra forma,
combinada com outras expressões: A expressão "Tormento pelos séculos dos séculos "é a
tradução da expressão grega ei)j ai)w=nas ai)w/nwn - Esta expressão grega fala da duração da punição
da besta e de todos os seus adoradores, os ímpios, que é seguida de duas outras expressões que
reforçam a idéia de eternidade.
Ap 14.11 - "A fumaça do seu tormento sobe pelos séculos dos séculos, e não
tem descanso algum, nem de dia nem de noite, os adoradores da besta e da sua
imagem, e quem quer que receba a marca do seu nome."
Ap 20.10 - "O diabo, o sedutor deles, foi lançado para dentro do lago de fogo e
enxofre, onde também se encontram não só a besta como o falso profeta e serão
atormentados de dia e de noite pelos séculos dos séculos."
Há uma outra expressão da Escritura, que não ~ que evidencia que a punição tem um
caráter sem fim.
A expressão bíblica usada é Fogo Inextinguível - O texto de Mc 9.43, diz: "E se a tua mão te
faz tropeçar, corta-a; pois é melhor entrares maneta na vida do que, tendo as duas mãos, ires
para o inferno (gee/nan), para o fogo inextinguível."260 Observe que gehenna é sempre conectado
com penas eternas, nunca com o sofrimento do período intermediário. Confira este texto com Mt
3.12.
2) As palavras ―destruição‖ e "morte", usadas pelos três teorias acima para negar as penas
eternas não é um argumento sustentável. A palavra "destruição" (2 Ts 1.9) não pode nunca
significar aniquilação porque é alguma coisa que acontece eternamente. Além disso, e uma
expressão que pode indicar a qualidade da existência sem Deus e sua graça. A palavra ―morte‖
(Ap 2.11; 20.14 e 21.8) também é indicativa de qualidade de existência sem Deus. Por essa razão,
não pode significar aniquilamento.
A Condição em que se suporta esse castigo
Além de ser um sofrimento de caráter perene, a Escritura dá-nos a entender que ele será
suportado de forma consciente. O texto de Lc 16.19-31, que narra a parábola do rico e de Lázaro,
ilustra de modo inequívoco a consciência em que vivia nos tormentos do inferno (v.23-24). A
conversa do ímpio em tormento com Deus (v.25-31) reforça a idéia de o ímpio estar na plenitude
de suas faculdades mentais, a despeito da ausência do corpo.
260 Os textos de Mc 9.44, 46 e 48 não se encontram nos melhores Manuscritos mais antigos. Por
essa razão, não usaremos como textos-prova do nosso argumento, a fim de não sermos contestados pelos
adversários das penas eternas.
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bondosa e benévola de Deus. A idéia não é a de ausência de Deus, mas de ausência da presença
confortadora dEle.
Os sofrimentos dos ímpios, contudo, não se limitam à simples ausência da bondade de
Deus, mas inclui um castigo positivo de Deus, onde o pecador sente dores pela manifestação da
ira divina (Mt 8.12; 22.13). Deus estará presente no inferno não somente por causa do atributo
da onipresença, mas porque compete a Ele trazer punição sobre as criaturas impenitentes. Ele
estará no inferno com a presença de juízo, de ira, de manifestação do seu desagrado com o
pecador impenitente. O lugar de condenação é um lugar de trevas. Mesmo que essas trevas não
sejam consideradas literalmente, a idéia de trevas é dolorida, porque significa a ausência daquilo
que o homem mais aprecia - a luz. Luz é significativo de vida, enquanto que trevas é de
separação. O lugar de condenação, segundo o texto acima, não é somente de ausência do bem,
mas a presença da dor. A expressão "choro e ranger de dentes" denota o sofrimento que o ímpio
vai experimentar.
Ap 21.8 - "Quanto, porém, aos covardes, aos incrédulos, aos abomináveis, aos
assassinos, aos impuros, aos feiticeiros, aos idólatras e a todos os mentirosos, a
parte que lhes cabe será no lago que arde com fogo e enxofre, a saber, a segunda
morte."
Covardes (deiloi=j)
Incrédulos (a)pi/stoij)
Abomináveis (e)bdelugme/noij)
Assassinos (foneu=sin)
Impuros (po/rnoij)
Feiticeiros (farmakoi=j)
Idólatras (ei)dwlola/traij)
Mentirosos (yeude/sin)
Essa é uma classificação bastante ampla, embora não exaustiva. Mas ela ilustra bem
claramente quão sérios são alguns pecados muito modernos. Paulo menciona uma outra lista
que elimina do reino dos céus algumas classes de pessoas. Essas, certamente, haverão de herdar
a punição das trevas:
1 Co 6.9-10 - "Ou não sabeis que os injustos não herdarão o reino de Deus?
Não vos enganeis; nem impuros, nem idólatras, nem adúlteros, nem efeminados,
nem sodomitas; nem ladrões, nem avarentos, nem bêbados, nem maldizentes,
nem roubadores herdarão o reino de Deus.
Injustos (a)/dikoi)
Impuros (po/rnoi)
Idólatras (ei)dwlola/trai)
Adúlteros (moixoi/)
Efeminados (malakoi/)
Sodomitas (a)rsenoi=tai)
Ladrões (kle/ptai)
Avarentos (pleone/ktai)
Bêbados (me/qusoi)
Maldizentes (loi/doroi)
Roubadores (a)/rpagej)
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