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RESUMO
A transexualidade é um conflito identitário, que foge, portanto, da normatividade de gênero.
Pessoas transexuais, independente do desejo de adequação de sexo, vivenciam sofrimentos
ocasionados por vários aspectos, muitas vezes relacionados à patologização da transexualidade,
serem confundidos com outras identidades sexuais, à sociedade, ao cotidiano escolar, identidade
civil, mercado de trabalho e à convivência com o corpo e com a sua genitália. A cirurgia de
adequação de sexo é considerada pelo saber psiquiátrico e outras ciências como única forma de
amenizar esses sofrimentos, porém há os que não a desejam, e também vivenciam sofrimentos nesta
experiência. Diante deste contexto, também se fez necessário abordar sobre a importância de
psicólogos no processo transexualizador, para que sejam percebidas as contribuições e dificuldades
desses profissionais.
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Acadêmica de Bacharelado em Psicologia no Instituto Esperança de Ensino Superior- IESPES. E-mail:
ma_brelazsirotheau@hotmail.com
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Psicóloga Especialista em administração de Recursos Humanos. Docente do IESPES. E-mail:
pinheirodas@yahoo.com.br
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ABSTRACT
Transsexualism is an identity conflict, which thus escapes the gender normativity. Transgender
people, regardless of sex desire suitabilit, experience suffering caused by several aspects related to
the pathologizing of transsexuality often be confused with other sexual identities , to society , to the
school routine , civil status , labor market and living with the body and its genitalia . Surgery
adequacy sex is considered by psychiatric knowledge and other sciences as the only way to alleviate
this suffering, but there are those who do not wish to, and also experience suffering in this
experiment. Given this context, it was necessary to address the importance of psychologists in
transsexuals process, so that the contributions and hardships of these professionals are perceived.
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preconceito e também intenso sofrimento dos No entanto, hoje as coisas estão mudando. Há
familiares. maior conscientização dos professores para
Ao invés de proporcionar proteção, o lar pode combater o preconceito. Segundo Araújo
ser para pessoas transexuais um lugar de (2009) há uma grande dificuldade de inserção
repressão e violência. É fato que a vivência da dessa população no mercado de trabalho
transexualidade pode acarretar problemas formal, devido a problemas de documentação.
relacionados à vida psíquica, e um desses Silva (2010) argumenta que muitas histórias
problemas são provenientes do ambiente demonstram o quanto esses indivíduos sofrem
familiar. Conforme Araújo (2009) há para se inserirem e serem aceitos no mercado
situações que a transexualidade é vivida de de trabalho.
maneira traumática, exigindo a ruptura de As dificuldades de contratação são resultados
laços afetivos e familiares. A rejeição da também da homofobia existente na sociedade.
família é muitas vezes vivida por estes Dentre os aspectos sociais, o mercado de
indivíduos. Alguns têm medo de serem trabalho apresenta limitações em lidar com os
punidos pela família, abdicando esclarecer sujeitos que fogem às normas de gênero.
essa experiência (BENTO, 2009). Desse modo, muitos não conseguem fugir da
A Instituição escolar, muitas vezes, é mais um vala comum de empregos que possuem uma
desses lugares ou espaços que existem aceitação maior aos homossexuais, travestis e
resistências às diversidades. “A escola, por transexuais como as atividades de
sua vez, em geral também se limita a cabeleireiras e maquiadoras, chegando, nas
reproduzir o preconceito existente na mais difíceis situações, aos casos de
sociedade” (AGNOLETI; NETO, 2009). prostituição (SILVA, 2010).
Teixeira (2009) destaca que a escola torna-se, Bento (2009) afirma que a genitália não é o
na maioria das vezes, um lugar inabitável para corpo. As muitas afirmações que pessoas
esses indivíduos. Há muitas pessoas transexuais odeiam seus corpos torna a parte
transexuais que não frequentaram escolas e (genitália) pelo todo (corpo). Os sofrimentos
faculdades, isso implica em uma baixa destes indivíduos não os impedem de atuarem
discriminação e preconceito contra ou decidirem sobre os seus corpos. A mesma
transexuais em instituições de ensino. autora considera que há um quadro de
Para Vianna (2013) a pessoa transexual sofre rejeições sobre o corpo em algumas pessoas
muita discriminação por parte de colegas e transexuais, porém com níveis diferenciados.
professores. A prática de bullyng é intensa.
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casos, a família os/as exclui das ações se tem como afirmar que sua experiência
familiares. transexual dentro do espaço escolar foi vivida
Sobre sua experiência transexual no cotidiano de forma negativa, pois a sua autoimagem
escolar obteve-se a seguinte resposta: “Eu estava sendo construída positivamente. É
nunca sofri agressão e chacota. Na escola eu correto que não se pode generalizar todas as
me maquiava, usava calça jeans colada e situações de transexualidade, pois essa
usava decote para realçar meus seios. Mas as experiência é vivida com muitas
pessoas me olhavam com outros olhos desde singularidades. Mas como cita Jesus (2006) a
que eu me senti mulher. Quando eu passei a escola é sempre um espaço hostil para alunos
me vestir como mulher eu chamei mais transexuais. Há risos provocados por piadas,
atenção. Na minha sala eles achavam agressões físicas e verbais. São sempre
esquisito. No meu tempo isso não era tão apontados de maneira negativa por conta de
escancarado como hoje. Me chingaram sim, sua identidade de gênero.
mas na escola eu não senti preconceito. Eu Em relação à inserção no mercado de
era retraída”(Y). trabalho, a forma como as pessoas reagem a
A escola não se mostra como uma instituição respeito da participante ser uma mulher
incapaz de lidar com a diferença e a transexual, obteve-se a seguinte resposta: “Até
pluralidade, mas funciona como uma das agora eu não tive nenhuma situação ruim no
principais instituições guardiãs das normas de meu trabalho, mas acho que é porque eu sei
gênero e produtora da heterossexualidade me comportar, me expressar, brincar com
(BENTO, 2011). Na resposta pode ser quem gosta. As pessoas gostam porque eu sei
considerado que a sua experiência transexual me comportar. Eu só lembro uma situação no
no cotidiano escolar não foi traumática, pois salão: uma mulher virou e falou: eu não
há casos em que o preconceito, a violência quero ser atendida por um travesti. Eu
física e psicológica é cometida as pessoas que respondi: tudo bem. Sou muito pé no chão.
não se enquadram na norma heterossexual. De Mas é assim, a gente é testado a todo o
acordo com Bento (2011) são muitas as momento, até mesmo em uma entrevista de
violências cometidas contra as pessoas emprego”(Y).
transexuais. Conforme as respostas percebe-se que a
A pesquisada responde que achavam participante tem um emprego fixo, agindo
“esquisito” sua situação e que a chingaram, como mulher. No entanto as justificativas de
porém não sentiu preconceito na escola. Não que “as pessoas gostam porque eu sei me
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configurações internas à experiência menina com genitália masculina por isso não
transexual. reivindica a cirurgia, pois não é uma vagina
O conhecimento médico afirma que esses que a tornará ou fará se sentir mulher, é o
indivíduos odeiam seus corpos, por isso sentimento que importa, sendo o órgão
desejam se submeter às cirurgias e totalmente secundário. A mesma pôs prótese
tratamentos. Bento (2009) afirma que não há nos seios e mais três cirurgias e toma
uma rejeição linear ao corpo entre as pessoas hormônios.
transexuais, pois isso torna a parte (as Todas as pessoas transexuais representam
genitálias) pelo todo (o corpo). É como se a vidas que desafiam corpos e sonhos, e que se
genitália fosse o corpo. Os relatos sobre a constroem outro no gênero e na sexualidade
genitália não são marcados somente pela (TEIXEIRA, 2011). Os sofrimentos desses
abjeção, eles variam. Para muitos/as, a sujeitos não impedem de eles atuarem ou
construção do corpo é positiva. decidirem sobre seus corpos (BENTO, 2009).
O segundo ponto refere-se ao não desejo em A pesquisada não está inserida no processo
fazer a cirurgia de adequação de sexo. A transexualizador em busca da adequação
participante não quer se submeter a cirurgia sexual, pois não a deseja. No entanto foi
de readequação sexual, pois possui a interrogada se havia feito alguma vez
convicção de ser mulher, buscou ajustes tratamento psicológico por alguma situação
corporais secundários, mas não deseja ao longo da sua experiência transexual. As
vivenciar seu gênero de acordo com a norma seguintes falas de Y demonstram que: “Nunca
heteronormativa, ou seja, ser mulher e possuir tive frustração. Eu não sou fraca. Alguma
uma vagina. Conforme Bento (2009) as coisa para me derrubar tem que ser punk,
respostas e as formas de relacionar-se com a porque eu sou firme. Eu sempre fui firme,
genitália e a sexualidade são diversas dentro forte, séria. Eu vou esmorecer, mas eu não
desta experiência. posso esmorecer, preciso ser forte. Quando
A terceira questão está relacionada a eu quero uma coisa eu consigo, sou
sexualidade da pesquisada. Muitas literaturas determinada. Mas eu já sofri muito, não foi
mantém que pessoas transexuais enfrentam fácil”(Y).
problemas nas suas vidas sexuais porque Athayde (2011) identifica que geralmente
odeiam sua genitália masculina ou feminina. encontram-se muitas resistências nos
O pênis faz parte do seu corpo, não a pacientes transexuais em relação a falarem
incomoda e nunca teve problemas em ser uma sobre seus problemas, devido a inúmeras
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rejeições sofridas. A resposta acima mostra transexuais, assim como deve abandonar o
resistência em relação à procura por ajuda poder de diagnosticá-los.
psicológica. Isso não significa afirmar que a
mesma precisa deste profissional para ajudá- 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
la a perceber que deva viver de acordo com o A meta principal deste estudo foi investigar a
gênero atribuído, pois não é o papel de vivência dos sofrimentos da pessoa que
psicólogos fazer isso, assim como não é papel reivindica ser aceita pelo gênero que pertence
de psicólogos que atuam dentro do processo independente da realização da cirurgia de
transexualizador nas unidades de referência. transgenitalização, tendo como base um
Não se pode pensar no tratamento psicológico roteiro de entrevista semiestruturado. A
em termos de mudar o desejo do indivíduo em pesquisa foi realizada com uma mulher
adequar o sexo. Pois, isto não acontecerá. transexual. O tipo de pesquisa foi um estudo
(ATHAYDE, 2011). A pesquisada respondeu de caso com enfoque qualitativo. De acordo
que nunca buscou tratamento psicológico com os resultados da pesquisa verificou-se
devido alguma situação ao longo da sua que os objetivos foram alcançados, pois foi
experiência transexual. As falas “Nunca tive possível, através da participante, investigar a
frustração. Eu não sou fraca” parecem sua vivência transexual.
afirmar que não precisa de ajuda/apoio destes Dentre as causas de sofrimento, foi percebido
profissionais. Há também a fala “Mas eu já que a patologização da transexualidade possui
sofri muito, não foi fácil”. Uns dos critérios diagnósticos generalizadores, pois a
profissionais que trabalham com sofrimento participante revela o não desejo em adequar o
humano são os psicólogos. sexo não significando somente sofrimento
Pode ser afirmado que pessoas transexuais pelo pertencimento ao sexo oposto. A
necessitam, sim, de ajuda de profissionais da percepção da participante a cerca da
psicologia. Esta é uma experiência carregada sociedade revela que as pressões sociais não a
de dores e preconceito. Mas é preciso que a impedem de exercer sua identidade de gênero,
psicologia, enquanto ciência e profissional profissional, entre outras.
tenha novos saberes e posturas, e que não O cotidiano escolar foi relatado não como um
reconheça a transexualidade como patologia ambiente violento, mas como um espaço de
como também não se posicione indicando tal descobrimento. No período escolar da
reflexão. A psicologia não tem o poder de pesquisada a mesma já se sentia e se
fazer que estas pessoas deixem de ser comportava como pertencente ao gênero
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