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QUARTO

CONGRESSO MEDICO LATINO AMERICANO


Rio de Janeiro — l»OU

OUSES OS MELHORES MEIOS


.DE

ASSISTÊNCIA AOS ALIENADOS?


(TRABALHO DO DISPENSÁRIO MONCORVO)

R E L A T O RIO
APRESENTADO PELO

<Professor DR. JULIANO MOREIRA


Ex-Cathedratico de Psychiatria da Faculdade da Bahia,
Director dò Hospício Nacional de Alienados, etc.

RIO DE JANEIRO
IMPRENSA NACIONAL
1909
Quaes os melhores meios de assistência aos
alienados ?

Honrado pela commissão organizadora do 4 Congresso medico


o

latino-americano com a incumbência de fazer um relatorio sobre


assistência a alienados, acceitei-a não somente por obediência a
quem m'o ordenara, mas também por julgar de meu dever não
perder opportunidade de pugnar mais uma vez em prol dos orates.
Almejara eu aliás já estivessemos..naquella phase social em que
o mecanismo dessa assistência tivesse -attingido tal perfeição que
apenas devessemos cuidar do problema, para mim de valia ainda
maior, da prophylaxia das doenças mentaes.
Emquanto não chega, porém, â' éra ideal, talvez utópica, de
fechar manicomios por falta de loucos, como algures se fecham
gafarias por falta de leprosos, temos que tratar daquelles e, por-
tanto, procurar melhorar-lhes a sorte.
Não era inopportuno, pois, o relatorio do qual me encarregou a
commissão organizadora do presenta Congresso. Houve erro mani-
festo na escolha do relator brasileiro. Anima-o, porém, • tamanha
boa vontade, que por certo se lhe ha de perdoar não ter melhor
desempenhado tão honrosa missão.
Não perderei tempo em reeditar a historia da evolução da assis-
tência aos insanos, nem algures, nem aqui mesmo. Em outros
escriptos anda o assumpto tratado até com luxo de minúcia. Nem
sei mesmo se deva insistir agora sobre os deveres do Estado para com
aquelles doentes. Em paizes civilizados não se perdem mais palavras
para demonstrar que a collectividade tem obrigações de amparar
com a sua assistência effectiva aquelles cujo cerebro baqueou du-
rante a concurrencia social.
I 3307
E aos que desde o berço são incapazes de attingir o nivel das
exigencias da luta pela vida, são dispensados por toda parte
carinhos talvez ainda maiores.
Digamos, a largos traços embora, o que ha de mais assente
hoje em matéria de assistência a alienados, insistindo sobretudo
naquillo que mais nos convém, ou de que não podemos prescindir
aqui no Brasil. Aliás acho que aquillo que nos convém não des-
convirá aos outros paizes latino-americanos.
Elevado que foi o alienado à categoria de mero doente do
cerebro, é evidente que a casa de orates humanizou-se parallela-
mente, transformando-se pouco e pouco de prisão em deposito e
depois em hospital.
Quasi ao mesmo tempo surgiu a idáa de tratar os loucos em
colonias, chegando-se á perfeição de bem assistil-os em domieilio.
Resulta que a assistência a alienados faz-se hoje dos modos
seguintes:
I. Em asylo fechado, quanto possível modernizado.
II. Emasylosde portas abertas.
III. Em colonia agrícola annexa aos anteriores.
IV. Em colonias familiares annexas ao asylo.
V. Em colonias familiares perto do asylo.
VI. Em colonias familiares independentes.
VII. Em aldeias de alienados.
VIII. Por meio de tratamento em domicilio, desde o inicio da
loucura.
IX. Por meio de toatamento em domicilio em seguida á
internação.
O antigo asylo fechado tende a desapparecer, sendo transfor-
mado em hospital urbano para tratamento immediato dos casos
agudos de alienação montai. Por isso, não lhes é mais permittida
a antiga feição de cárcere com as suas pesadas grades e correlatos
horrores.,
Ha de ser provido de bom serviço de vigilancia 'continua aos
doentes, com boa installação, balneotherapica. lia de ser installada
convenientemente a clinotherapia com possibilidades eapeciaes
para a aerotherapia. Se dermos aos casos novos, tratamento con-
tinuo ministrado por enfermeiro educado em seu mister, dimi-
nuiremos até de 50 % o numero dos que se tornam chronicos.
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Deverá ser urbano o hospital, porque o individuo que en-
louquece tem tanto direito a soccorros urgentes quanto o que
fractura a perna, ou recebe uma bala. Nesses casos, nenhuma lei
deve embaraçar com delongas inúteis a hospitalização de tal
doente.
as grandes cidades teem tanto maior necessidade de uma hospi-
talização immediata dos alienados quanto maior ou mais densa
sua população.
Á experiencia demonstra que a proporção dos casos agudos,
exigindo admissão urgente, é quatro vezes maior em taes cidades
que nas localidades ruraes.
As salas do hospital urbano para doentes do cerebro, de mais
em mais se assemelham ás do hospital para outras doenças.
Nos centros de ensino medico na Allemanha e em alguns outros
paizes, a clinica psychiatrica da Faculdade medica, quando auto-
noma, faz de hospital urbano.
Em outros escriptos tenho feito esforços para vulgarizar no
Brasil a beneftca influencia exercida pelas 20 clinicas psychiatricas
allemães sobre o estudo das doenças mentaes.
Toda cidade de mais de 50.000 habitantes tem o dever de
manter seu hospital urbano (com o numero proporcional de leitos)
para os seus casos agudos de alienação mental. E quando não o
possa, fará ao menos aquillo a que são obrigadas as cidades me-
nores, isto ô, montar no hospital geral uma enfermaria convenien-
temente arranjada para o tratamento dos casos em questão. Note-se
bem que me refiro á enfermaria e não ás antigas casas fortes exis-
tentes em alguns hospitaes geraes.
O hospital urbano quando tenha de comportar mais de 30
doentes deve ser em pavilhões separados como os bons hospitaes
geraes modernos. Deve possuir, pois, sala ou, melhor, pavilhão de
observação para os doentes recem-admittidos, sala ou, melhor,
pavilhão para os casos agudos com vigilancia continua aos agitados,
aos propensos ao suicídio.
O Asylo fechado existe ainda em varias cidades exclusivamente
por circumstancias economicas ; mas acredito que, dentro de alguns
annos, ninguém mais se lembrará de construil-o.
Assim como o Asylo fechado vae sendo substituído pelo Hospital
urbano para doenças do cerebro, o Asylo chamado de portas abertas
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tende a ser absorvido pelo chamado Asylo-colonia, cujo modelo é
Alt-Scherbitz.
Assim, os ns. II e III da enumeração supra citada, fundem-se,
dando um excellente typo de manicomio moderno, por isso que,
além das múltiplas vantagens economicas delle provenientes, pôde
constituir um centro magnifico para todos os outros meios de assis-
tência, linhas acima referidos.
Em minúcias tem-se aperfeiçoado o magnifico plano de Alt-
Scherbitz, mas, em suas linhas geraes, ainda ô hoje o que reúne
maior numero de qualidades, sobretudo porque permitte conservar
uma boa apparencia de novo, com a fácil substituição dos pavi-
lhões, para cujo typo fôr achada modificação valiosa, como ainda
porque, na peripheria do estabelecimento, é possível instituir uma
excellente colonia familiar.
Não foi repentina a genese do Asylo-colonia. Pouco a pouco os
grandes alienistas se foram convencendo de que o Asylo fechado, á
antiga, precisava desapparecer.
Já. em 1868 Griesinger dizia: « A idéa do tratamento em
massa, com a disciplina de caserna, de alienados, susceptíveis ainda
de uma vida mais humana, teve sua época e não tem mais
futuro ».
A adopção do non restraint e a vulgarização da existencia da
colonia de Gheel, deram nascimento aos Asylos chamados de portas
abertas — o open-door systema dos escossezes — e ás colonias para
alienados.
Foi esse o estádio immediatamente anterior ao Asylo-colonia do
typo Alt-Scherbitz.
A creação de tal estabelecimento é um progresso tão conside-
rável na assistência a alienados, não só da Allemanha como do
mundo, que eu desejara poder dispor de tempo, neste momento, para
dar-vos, por miúdo, noticia minudente do que elle é. Conto fazer
algures, não só em homenagem ao seu director, o Dr. Paetz, a quem
são devidos os contínuos aperfeiçoamentos de que elle tem sido do-
tado, como ainda para vulgarizar ainda mais entre nós as excel-
lencias delle.
Outr'ora, no Bicêtre, no Sainte Anne, em Paris, em Hildes-
heim, etc., a grandes hospícios annexaram pequenas colonias.
Koeppe, em 1876, seguido por Psetz, resolveu inverter, melhorando
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as cousas, pequeno hospital e grande colonia livre, com cerca dos
dons terços da população geral do manicomio.
No hospital em pavilhões separados, os doentes recem-admitti-
dos, os que necessitam de observações permanentes e os agitados,
são submettidos a tratamento individual e á vigilancia constante.
Na colonia ha completo open-door para os doentes que a boa
observação anterior mostrou capazes de gozar uma certa liberdade.
No hospital e na colonia ha sempre a preoccupação de afastar
tudo o que possa lembrar caserna, ou casa de detenção. Não ha mais
aquellas divisões symetricamente dispostas, uniformemente arru-
madas, nem aquelles altos muros, separando secções, nem aquellas
grossas grades que tanto afeiavam as janellas é irritavam os
doentes.
Sendo o asylo-colonia ou, melhor, hospital-colonia todo em
pavilhões separados, pôde haver um agrupamento cuidadoso dos
doentes do modo mais conveniente ao tratamento delles. Ha pavi-
lhões, verdadeiras villas, maiores e menores * (de 15 a 40 doentes)
desiguaes e construidos de accôrdo com a natureza dos pacientes
que os teem de habitar.
As villas da colonia são disseminadas, dispersas no parque, que
deverá ser vasto. Varandas e trepadeiras tiram, ao aspecto exte-
rior década villa, o feitio monotono do hospicio antigo.
No arranjo interno, como no externo, tudo se approxima da
habitação commum, da casa particular.
E' considerável a variedade de typos de pavilhão que eu vi
adoptados nos diversos asylos-colonias da Europa.
A experiencia dos mais notáveis alienistas demonstrou na
Escoscia, na Suissa, na Allemanha, na Bélgica, na Hollanda, etc.,
que, ao menos, a metade dos alienados, muitas vezes os dous terços,
podem gozar de uma certa liberdade. Então ó iniquo deixar em
100 doentes 66 submettidos á estricta sequestraçâo, quando apenas
33 disso necessitam. E 6 o que necessariamente não occorre a quem
condemna o open-door em razão dos perigos possiveis da liberdade
dos doentes para elles proprios e para a segurança publica ; mas o
alienista também existe para distinguir, entre os alienados, quem
pôde, quem deve gozar de liberdade.
Se a larga pratica de muitos alienistas de hospitaes-colonias já
não tivesse firmado o principio de que o open-door modifica os
—6—
doentes de modo surprehendente, referiria eu agora diversos casos
em que, empregando um regimen de maxima liberdade possivel em
um velho manicomio modernizado, em alguns pontos, tenho tido a
fortuna de ver bellissimas transformações de loucos excitáveis, com
ares terríveis, reputados perigosos, em trabalhadores tranquiilos.
Com o opun-door não augmenta o numero de evasões nem o de
suicídios senão nos manicomios em que os alienistas não dedicam
aos seus pacientes a attenção que lhes é devida, nem procuram
educar o pessoal de enfermeiros.
Cousa digna de nota:
No Hospicio Nacional tenho observado que mais vezes fogem
os doentes durante a noite, vencendo dificuldades e transpondo mu-
ros, ou cêrcas, do que durante o dia através das portas abertas. Dis-
pensa commentarios essa observação e deve dar que pensar aos que
ainda forem inimigos intransigentes do open-door.
Reconhecido o principio fecundo da necessidade de tratar os
alienados, surgiu o preceito correlato da discriminação dos casos
curáveis e incuráveis. O numero dos primeiros foi augmentando
com os progressos da assistência.
E se levarmos em conta a ciroumstancia valiosa de que uma
grande parte dos incuráveis fornece trabalhadores capazes de pro-
ver a própria manutenção, em vez de serem simples enjaulados,
como outr'ora, então devemos 'dar por bem recompensados os
esforços dispendidos em prol dos referidos progressos.

Em toes grandes grupos temos primeiramente de separar os


alienados:
1Doentes attingidos de psychoses agudas curáveis, ou presu-
míveis taes, sao os hospitalizados nos pavilhões de tratamento e
vigilancia continua. Esses pavilhões representam, por assim dizer,
o hospital da pequena agglomeração especial, que é uma oolonia de
alienados.
2.° Alienados chronicos, incuráveis, porém validos physica-
mente e que, com os muitos convalescentes do I grupo, devem ser
o

empregados nos trabalhos ruraes, ou nas offlcinas do manicomio,


fruindo o máximo de liberdade possivel.
3.° Os alienados enfermos, inválidos, entravados, os senis o os
idiotas profundos, os quaes não podem trabalhar. Para elles é quo
o hospital-colonia, moderno, reserva o quarteirão que merece o no-
me de hospício. Aliás a assistência familiar vae dia a dia também
tomando conta de grande parte de taes doentes, recolhendo ao hos-
pício sómente aquelles que necessitam de cuidados contínuos.
Sendo o hospital-colonia, portanto, ao mesmo tempo um hospi-
tal, uma colonia e um hospicio, como o almejara Griesinger, houve
mistêr differenciar-lhe as divisões, por assim dizer, em orgãos di-
versos prepostos a funcções varias.
Assim, na organização material e moral, pela cifra dos interna-
dos em cada um delles, pelo pessoal de enfermeiros, variam as divi-
sões do hospital-colonia. Os doentes da I categoria (o hospital)
a

— exigem a maxima vigilancia, cura mais ou menos activa, cuida-


do medico continuado.
Aos da 2» temos de dar o máximo de' liberdade. Aos da 3" te-
mos de dar cuidados hygienieos e médicos para suavisar-lhes a vida.
Agora em linhas muito geraes alguns informes sobre a orga-
nização dos dififerentes pavilhões em que se deve subdividir um bom
hospital-colonia.
Pavilhões de tratamento e de vigilancia continua
Esses pavilhões destinam-se aos pacientes de doenças mentaes
agudas, e que necessitam de intervenção medica mais ou menos
activa, cuidados continuados, vigilancia ininterrupta diurna e noc-
turna. As perturbações delirantes de taes doentes, sua excitação, de-
pressão, ou desorientação, requerem tratamento assíduo como os
que padecem de doenças infectuosas agudas.
Dahi a necessidade de organizar taes pavilhões, tendo em mira
ofima que se destinam.
Por isso mesmo teem elles de possuir o arsenal moderno para o
tratamento racional das moléstias mentaes agudas : Banheiras em
numero proporcional aos doentes, em salas vizinhas das que ser-
vem para o uso da clinotherapia.
Esses pavilhões não devem ser para mais de 25 doentes. Os en-
fermeiros devem ser, no rninimo, na proporção de um para cinco
doentes.
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A vigilia nocturna é feita por dois enfermeiros — um de nove a
uma hora, o outro de uma ás cinco da manhã. Para ser perfeita a
vigilancia permanente diurna deve-se dividir, como Paetz em Alt-
Scherbitz, o dia em quatro períodos, de quatro horas cada um : de
cinco da manhã ás nove, de nove á uma, de uma ás cinco, de cin-
co da tarde ás nove da noite.
Assim, cada enfermeiro permanece de guarda á sala apenas
quatro horas, passadas as quaes vae elle cuidar de outros serviços
do pavilhão: limpeza dos locaes, banhos, etc. De tal modo vi
em Alt-Scherbitz mantido o rigor da vigilancia sem estafa do
pessoal.
A divisão de que me estou occupando, neste momento, servindo
para os recem-admittidos, não só pacientes de psychoses agudas,
como ainda para os que precisam de observação attenta, até ficar
apurado não necessitarem elles de vigilancia continua, é mistôr
que seja em diversos pavilhões; sobretudo quando também são re*
colhidos, a tal divisão, os pacientes chronicos, com phases de excita-
ção periódica ou intercurrente, assim como os que teem idéas de
suicídio, ou são sitiophobos.
Augmenta dia a dia a tendencia a fazer, de accôrdo com o Prof.
Kraepelin, duas subdivisões no departamento em questão : uma
para os calmos, outra para os agitados e insociáveis.
Não direi nada sobre os diversos typos adoptados para a con-
strucção dos pavilhões de vigilancia para não alongar demasiado o
presente relatorio.
(Quero tiver interesse maior no assumpto, veja o Sammel-Atlas f .
den Bau von Irrenanstalten—Dr. G. Kolb. 1907.)
Pavilhões de transição
Esses são destinados aos doentes que não tendo necessidade de
vigilancia continua, não parecem, todavia, ainda aptos a gozarem
da vida em liberdade.
Ahi são elles sujeitos a vigilancia menos rigorosa, ficando em
observação, até que seu estado mental pareça não se oppôr a qué
sejam remettidos á parte colonial do manicomio.
Nesses pavilhões são collocados epilepticos excitáveis, ou de ac-
cessos frequentes alienados com tendencias eróticas, debeis mentaes,
—9—
doentes mais ou menos dementes, aos quaes, obstáculos minimos
bastam para impedir de pensar na fuga.
Não ha nelles quarto de isolamento.
Deve haver em tal departamento do hospício-colonial pavilhões
para tranquillos e para agitados.
Os antigos quarteirões cellulares, as iniquas casas fortes, são
hoje condemnados pelos mentalistas mais eminentes como inúteis e
até nocivos. Augmentavam o numero dos agitados : os loucos furio-
sos de outr'ora eram em sua grande maioria o resultado da camisola
de força e da cellula.
Villa» para os doentes sociáveis
Verificado na secção anterior que um paciente é habitualmente
tranquillo, o doente sociável dos jallemães, será elle transferido
para uma das villas destinadas a tal gente. Elias teem o aspecto
exterior de chalets, com varandas, portas e janellas abertas.
Engenha o architecto especialista meios de variar o arranjo de
taes construcções, de modo a augmentar, para os doentes, a illusão
de casa particular.
Pavilhões de isolamento para doenças contagiosas
Elles são construidos de accordo com seu destino especial: ê o
lazareto dos Ásylos-colonias allemães. Sólo asphaltado, moveis me-
tallicos, desinfectáveis, paredes pintadas a oleo. Em muitos delles
vi estufas de desinfecção.
Visando a grave questão da tuberculose, acho que as varandas
destinadas aos pacientes de tal doença, como as propuzeram M abon
e Macdonald, devem ser adoptadas com proveito delles e vantagens
para os outros não infeccionados.
Os norte-americanos teem adoptado largamente o systema de
barracas para os phymatosos. Como quer que seja, por todo o mun-
do civilisado é crescente a preocupação de isolar os alianados tu-
berculosos dos que o não são.
No Hospicio Nacional poderá ver o Congresso o que temos feito
sob esse ponto de vista. Está prestando excellentes serviços a en-
fermaria-varanda, á qual demos o nome de De Simoni-, um daquelles
— 10 —
que, entre nós, mais se preoccuparam com o problema da assis-
tência.
Todo bom hospital-colonia deve possuir ainda: um bom pavi
lhão para doenças cirúrgicas com sala de curativos e de operações,
etc., uma boa sala de festas, um bom laboratorio anatomo-patho-
logico, e neeroterio, além de completa installação telephonlca, etc.
.Desejaria eu agora occupar-me, por miúdo, de alguns dos me-
lhores hospitaes-eolonias de que tenho conhecimento, Alt-Scherbitz,
Uchtspring, Galkhausen, Mauer-Oeling, Lujan, etc. Isto, pòrém,
poderia fatigar a paciência do Congresso. Em breve, em outro
escripto, direi algo sobre a organização material dos melhores hospi-
taes-eolonias que eu tive a fortuna de visitar e estudar paciente-
mente.
*
* •

Apezar de todas as excellencias do hospital-colonia, circunstan-


cias diversas teem obrigado aos alienistas a pensarem no meio de
evitar que elle cresça demasiado.
Logo surgiu a idéa de separar os psychopathas em diversos
grupos, dando a cada um delles assistência á parte.
Assim vão pouco e pouco os paizes mais civilisados cuidando de
differenciar a assistência de accordo com as diversas formas de do-
enças do cerebro, fazendo hospitaes-eolonias especiaes para epilé-
pticos, para alcoólatras e para deficientes: imbecis e idiotas. Este
ultimo ha de ter annexo um orthophrenocomio para creanças anor-
maes./
Com a fundação de taes estabelecimentos e a de sanatorios para
nevropathas, tem-se por certo evitado a ida aos manicomios de
doentes que lá occupariam apenas lugar que não lhe era devido.
Sendo, porém, crescente o perigo de superpopulação nos manico-
mios, convindo de mais em mais pensar nos meios de diminuirás
despezas de installação de novos hospitaes colonias, começaram os
mentalistas a meditar nos meios de utilisar a experiencia de Gheel,
já bastante longa para dar todos os seus frutos, por isso que se
podem evitar todos os seus defeitos.
Por muito tempo passou como facto provado que aquillo não era
cousa tentavel em outra parte, porque diffleilmente se repetiria a
circumstancia de ser uma aldeia ponto de peregrinação de alienados.
Todos sabem que emGheel, desde o seoulo VII, á igreja de Santa
Dymphne eram levado? loucos, na esperança de uma oura mara-
vilhosa.
Chegados áquella localidade, os doentes eram alojados em ama
dependencia da igreja — Ziekenkamer — camara dos doentes, assis-
tiam ás ceremonias religiosas, etc. Se passava a novena sem a cura
do paciente, lá o deixavam muitas vezes em casa de algum habi-
tante do lugarejo para esperar a próxima festa da Padroeira.
Assim foi a população creando pouco e pouco o habito de acolher
alienados e até de tratal-os como doentes, muito antes de Pinel.
E' tão celebre Gheel ,que não ha paiz civilisado no mundo que não
tivesse mandado alli algum seu emissário observar-lhe a organização
e estudar a possibilidade de adoptal-a algures. Infelizmente durante
muito tempo se affirmou isso impossível, até que a fundação da co-
lonia de Lierneux, graças á iniciativa de Oudart, veio demonstrar
quanto se enganavam os que afirmavam o contrario.
Uma coisa, porém, ainda é verdadeira: não é possível imitar
Qheel e Lierneux, em todos os paizes, a não ser á custa de grandes
despezas.
E' indispensável ter uma população morigerada e com hábitos
de asseio.
Não sendo assim, seria mistér fazer a aldeia, transportar cam-
ponios capazes de guardar doentes, etc. E' também real qne insti-
tuições taes sendo para servir a determinada gente, os hábitos da
população que recebe o paciente devem ser mais ou menos os mes-
mos dos proprios doentes quando eram sãos.
Por estas razões é que, apezar da larga experiencia da Bélgica
e da Escossia, dia a dia estendida por outros paizes, ainda ha quem
hesite em adoptar a assistência familiar pelo typo belga ou pelo
escossez.
Então surgiu o systema chamado allemão, isto é: assistência
familiar na peripheria do hospital-colonia, exercida por empregados
da mesma colonia ou por sua família.
Este systema tem ao meu ver vantagens: Construindo o Es-
tado casinhas e dando-as aos seus melhores enfermeiros casados,
flxa-os ao estabelecimento, melhora-lhes a vida dando-lhes habi-
tação mais confortável, ilscalisa convenientemente o trato dispen-
sado ao alienado.
— 12 —
Mesmo fazendo as casas para alojar enfermeiros e doentes sahe
muito mais barata a assistência em taes condições do que na
colonia commum.
Além disso, como muito bem demonstra o bellissimo exemplo
de Uctspringe na Allemanha, a assistência familiar na peripheria
do hospital-colonia prepara o alienado para a outra mais livre e
mais distante do mesmo hospital-colonia.
Nos limites do admiravel hospital-colonia de Uctspringe fez o
Prof. Alt construir pequenas casas, onde aloja as famílias de seu
melhor pessoal de enfermeiros. A14 kilometros de Uctspringe, na pe-
quena cidade Gardelegen, poz elle uma grande porção de doentes em
domicilios de aldeões bem afiançados. Ha ahi sempre um medico do
hospital-colonia que flscalisa o modo pelo qual são tratados os do-
entes, prestando-lhes os soccorros médicos de que elles acaso neces-
sitem.
Os resultados teem sido taes, que auctorisaram não só, annual-
mente o augmento de doentes assistidos em família em Gardelegen,
como ainda por todo o territorio allemão fizeram augmentar a assis-
tência chamada hetero-familiar.
Não fatigarei a attenção dos Srs. congressistas lendo-lhes
os regulamentos que orientam o serviço de assistência familiar na
Bélgica, na Escossia, na Allemanha ou na Rússia ; dir-lhes-hei
apenas que essa é a maneira de assistência mais compatível com os
princípios de liberdade a que se habituou o homem. E se nos lem-
brarmos que ao lado da assistência dita hetero-familiar ha denomi-
nada homo-familiar, então ficará patente quanto tem marchado a
humanidade nesse particular.
Todos os alienistas teem notado que ao lado do alienado para o
qnal é imprescindível o tratamento em hospital — representando a
modernisação do antigo asylo fechado — ha outros, aos quaes con-
vém o regimen colonial,ou de assistência hetero-familiar, não sendo,
porém, raros aquelles a quem não é imprescindível a sequestração
e aos quaes muitas vezes esta faz suscitar interpretações delirantes
mais ou menos perigosas.
Dahi foi que se originou na Escossia a assistência a alienados
no proprio domicilio.
Sabendo que ha em qualquer casa um alienado, a repartição de
assistência manda-lhe um alienista. Este examina o doente e decide
— 13 —
se convém transportai-o ao manicomio. No caso negativo, propõe o
medico á administração manter o paciente em domicilio, dando
aquella uma certa quantia á família como auxilio para occupar-se
daquelle.
Teem sido muito bons os resultados, na Escossia, dessa variante
de assistência, chamada em domicilio a priori. Ha o tratamento
em domicilio a posteriori para o alienado que passando ao estado
chronico 6 inoífensivo e pôde ser restituído áfamilia,recebendo essa,
quando pobre, um auxilio para o manter, só com a obrigação de o
levar de quando em quando ao alienista que o tratou no manicomio.
Passei em revista, succinta embora, todos os modos geraes de
assistir alienados.
Entre nós teem sido experimentados quasi todos elles em maior
ou menor escala, com resultados promissores. Agora mesmo em São
Paulo, Franco da Rocha faz a assistência familiar nas proximidades
de Juquery. Estou convicto de que serão cada vez mais brilhantes
os resultados colhidos pelo esforçado Director do serviço de alienados
paulista (i). Dentro em alguns annos outros Estados — Minas,
Paraná, Rio Grande do Sul, etc., irão imitando o bello exemplo
de S. Paulo.
Tenho esperanças de que o Governo Federal, no correr deste
anno, removerá para o continente a colonia de alienados, que entre-
tém na Ilha do Governador. Então, nas redondezas da nova colonia
far-se-ha em mais larga escala a assistência hetero-familiar.
Lamento ter de deixar, por escassea de tempo, para outro
escripto uma parte do assumpto de que me vou occupando. Refi-
ro-me aos modos actuaes de assistir aos alienados dentro dos hospi-
taes urbanos, dos hospitaes-colonias, assim como aos meios de me-
lhorar, dia a dia, o pessoal enfermeiro para taes estabelecimentos
hospitalares.
Não devo, porém, concluir sem referir-me, ainda que muito por
alto, á necessidade de organizar sociedades de patronato para os
alienados que teem alta dos manicomios.
Essas sociedades devem ter por missão não somente cuidar dos
orates depois da sahida dos asylos, mais ainda dar-lhes cuidado antes
e durante sua internação, indo até junto aos membros da família do
(1) Vide sua communicação ao presente Congresso: Assistência familiar
em S. Paulo.
— 14 —
alienado, dando-lhes assistência, se necessário fôr, procurando, quanto
possível, dar combate directo e indirecto a todas as causas pre-
disponentes e occasionaes da alienação e da degenerescencia mentaes
A Allemanha possue hoje quinze sociedades de patronato, algu-
mas das quaes com um excellente capital : A do Grão-Ducado de
Hessen, por exemplo, tem um activo superior a 300.000 marcos.
A Suissa tem, em doze de seus cantões, sociedades taes todas
prosperas, segundo me assegurou o professor Ladame. Além disso,
recentemente foram ftindadas mais duas associações no Valois e no
Tegsino.
A ltalia, a Bélgica, a Grã-Bretanha, a França, etc., todos os
paizes civilisados se teem preoccupado com a sorte do individuo que
sahe do manicomio.
A Sociedade de Psychiatria tenta fundar tão util sociedade phi-
lantropica entre nôs.
Antes de concluir, devo salientar bem que não basta tudo isto
para quo seja perfeita a assistência aos alienados. E' indispensável
cuidar muito da instrucção especialisada do pessoal medico.
E' claro que não quer isto dizer que o alienista desnecessite
saber medicina geral; ao contrario, o que melhor a souber, melhor
especialista poderá ser. O desenvolvimento crescente do ensino da
clinica psychiatrica fará melhorar cada vez mais a assistência aos
alienados. E' indispensável ainda, que depois de tornado obrigatorio
o ensino psychiatrico, ninguém possa ascender aos cargos médicos da
assistência, sem o devido tirocínio na especialidade. Nestas condi-
ções, os poderes públicos nunca deverão nomear directores de mani-
comios a médicos que não se tenham especialisado no estudo das
moléstias nervosas e montaes .preenchidas estas preliminares, me-
lhora o pessoal de enfermeiros, porque nisso se deve empenhar o
pessoal medico^
Agora, ã guiza de conclusões, direi, synthetisando o que acabo
de escrever, quaes os meios geraes, no meu fraco entender, necessá-
rios para bem assistir aos alienados.
1." Clinica psychiatrica e de doenças nervosas dotada de tudo
quanto a psychiatria moderna aconselha para estudar o tratar
doenças do cerebro e de todo systema nervoso. Ahi se ha de dar a
todo candidato ao diploma medico, instrucção mais ou menos com-
pleta nessas doenças, para o que deve ser obrigatoria a frequencia
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á essa clinica. Melhor será ainda que entre o 5 e 6 annoos seja
o o

obrigado o alumno medico a ficar, ao menos durante uma semana,


de serviço na clinica ou no hospital urbano dedicado ás doenças do
cerebro.
Annexo á clinica não pode faltar um bom serviço de consultas
para doentes externos.
2.° Um hospital urbano para os casos agudos de doenças do ce-
rebro. (O actual Hospício Nacional de Alienados se o desengorgita-
rem de tantos doentes chronicos, dará um excellente hospital urba-
no para tratamento de doenças mentaes.)
3.° Um hospital-colonia em terreno vasto e fértil, num subur-
bio salubre da capital,com elementos para continuação de tratamen*
to aos doentes pelos meios de que dispõe actualmento a psychiatria,
desde o tratamento hydrotherapico e pelo repouso no leito, até ao
trabalho ao ar livre.
4.» Annexo ao hospital-colonia, em seus limites, deve o Governo
construir casinhas hygienicas para alugar ás famílias dos bons em-
pregados, que poderão receber pacientes susceptíveis de serem tra-
tados em domicilio. Far-se-ha assim assistência familiar.
Se nas redondezas da colonia houver gente idónea, a quem se
possa confiar alguns doentes, poder-se-ha ir estendendo essa assis-
tência hetero-familiar e até se tentará a homo-familiar.
5.° Efifectuada essa parte do programma, uma Capital civilisada
deve cuidar de instituir asylos-colonias para epilepticos, para
idiotas, para alcoolicos, sanatorios para tratamento de doenças ner-
vosas e manicomio especial para alienados delinquentes, ou delin-
quentes que ficarem alienados.
6.° Não basta ter tudo isto para que seja perfeita a assistência
aos alienados da cidade: é indispensável que haja pessoal medico o
de enfermeiros idoneo e suficiente para o serviço especial de tratar
alienados.
O pessoal medico deve ser, no mínimo, de um alienista para 100
çjn doentes. Na clinica e no hospital para casos agudos deve haver
maior numero de médicos paraaquella cifra.
A proporção do pessoal de enfermeiros deve ser, na média, de
«x um para sete ou oito doentes.
A educação profissional desses enfermeiros deve ser motivo
de especial cuidado por parte dos médicos de cada manicomio.
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7." ET imprescindível, onde quer que haja assistência a alienados,
a fundação de uma sociedade de protecção aos indivíduos que toem
alta dos manicomios.
Devo accrescentar uma conclusão supplementar.
8.° Nos Estados Unidos do Brazil deve haver, em cada cidade,
um hospital-urbano para alienados, maior, ou menor, conforme a
densidade da população e para todo o Estado um ou mais hospitaes-
colonias, de accordo com a massa geral do povoamento delle. Se
nas proximidades desse hospital-colonia houver gente idónea para
instituição de assistência familiar, convém utilisal-a. Se não houver,
é preferível então construir pequenas casas na peripheria da colo-
nia e lá installar a família de bons enfermeiros, tendo, sob sua
guarda doentes adequados a essa especie de assistência familiar.

DR. JULIANO MOREIRA.

3307 — Rio de Janeiro — Imprensa Nacional — 1900

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