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2.

ª edição
2009

IARA BEMQUERER COSTA

lingÜística III
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© 2008-2009 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autoriza-
ção por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

C872L
v.3

Costa, Iara Bemquerer.


Lingüística III. / Iara Bemquerer Costa. – Curitiba, PR: IESDE, 2009.
256 p.

Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-0778-3

1. Socioingüística. 2. Fala. 3. Conversação. I. Inteligência Educacional e Siste-


mas de Ensino. II. Título.

09-4215. CDD: 401.9


CDU: 81’42

Capa: IESDE Brasil S.A.


Imagem da capa: Júpiter Images / DPI Images

Todos os direitos reservados.

IESDE Brasil S.A.


Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200
Batel – Curitiba – PR
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Iara Bemquerer Costa

Doutora em Ciências (Lingüística) pela Universidade Estadual de Campinas (Uni-


camp). Mestre em Lingüística pela Unicamp. Graduada em Letras-Português pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

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Sumário
Análise da fala e da conversação......................................... 15
A conversação como objeto de estudo.............................................................................. 15
Propriedades definidoras da conversação........................................................................ 16
Algumas modalidades de conversação............................................................................. 19
Transcrição da fala..................................................................................................................... 22
Conclusão...................................................................................................................................... 27

Conceitos fundamentais
para a Análise da Conversação............................................. 35
A especificidade da conversação.......................................................................................... 35
Os turnos de fala......................................................................................................................... 36
Tópico conversacional.............................................................................................................. 40
Pares adjacentes......................................................................................................................... 43
A hesitação................................................................................................................................... 47
Conclusão...................................................................................................................................... 48

Estratégias de organização do diálogo............................. 57


A paráfrase.................................................................................................................................... 57
A correção..................................................................................................................................... 60
A repetição.................................................................................................................................... 62
Os marcadores conversacionais............................................................................................ 63
Conclusão...................................................................................................................................... 68

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A aquisição da linguagem...................................................... 75
Teorias de aquisição da linguagem..................................................................................... 76
A aquisição da fonologia......................................................................................................... 83
Observações sobre a aquisição da escrita......................................................................... 86
Conclusão...................................................................................................................................... 87

Análise retórica da argumentação...................................... 95


A Retórica Clássica e sua revitalização na Nova Retórica............................................. 95
Conceitos fundamentais da Nova Retórica.....................................................................100
O ethos: imagem do autor projetada no discurso........................................................107
Conclusão....................................................................................................................................108

A teoria da argumentação na língua................................117


A contribuição de Oswald Ducrot para o estudo da argumentação.....................117
A pressuposição........................................................................................................................120
O subentendido........................................................................................................................122
Os operadores argumentativos..........................................................................................123
Conclusão....................................................................................................................................127

Teoria da informação.............................................................133
Informação X redundância...................................................................................................133
Contribuições da teoria da informação para o estudo das línguas.......................136
A informatividade como fator de textualidade.............................................................138
Fontes de expectativa para a avaliação da informatividade....................................142
Conclusão....................................................................................................................................143

Teoria dos atos de fala...........................................................151


O conceito de atos de fala:
origem, contribuições para a Lingüística e limites.......................................................152

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As enunciações performativas............................................................................................155
Tipos de atos de fala................................................................................................................156
Conclusão....................................................................................................................................159

As máximas conversacionais...............................................169
As relações entre a lógica e a conversação segundo J.P. Grice................................169
Princípios organizadores da conversação.......................................................................171
Implicatura conversacional...................................................................................................178
Conclusão....................................................................................................................................179

Conceitos básicos da Análise do Discurso.....................187


Surgimento e consolidação da Análise do Discurso...................................................188
Formação ideológica e formação discursiva..................................................................191
O conceito de discurso...........................................................................................................192
Discurso e interdiscurso.........................................................................................................194
Conclusão....................................................................................................................................196

O sujeito na Análise do Discurso.......................................203


Condições de produção e jogo de imagens...................................................................203
O conceito de sujeito na Análise do Discurso................................................................208
Sentido e efeito de sentido...................................................................................................210
Conclusão....................................................................................................................................211

Exemplos de Análises do Discurso....................................221


Exemplo 1: A linguagem politicamente correta e a Análise do Discurso............221
Exemplo 2: O mito de informatividade, imparcialidade
e objetividade em funcionamento nos comentários telejornalísticos.................226
Conclusão....................................................................................................................................229

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Gabarito......................................................................................237

Referências.................................................................................247

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Apresentação

A Lingüística – ciência que tem como objeto o estudo da linguagem – foi criada
e se consolidou a partir da obra genial de Ferdinand de Saussure, especialmente do
seu Curso de Lingüística Geral, publicado em 1916. Alguns pressupostos assumidos
por ele foram fundamentais para a delimitação do objeto de estudo da Lingüística
e do método adotado para a análise das questões incluídas no campo de estudo
circunscrito para a nova ciência. Para o estruturalismo, que caracteriza a Lingüística
da primeira metade do século XX, a língua é concebida como um sistema de signos,
e analisada a partir das relações de semelhança e diferença entre os elementos nos
diversos níveis desse sistema: na fonologia, na morfologia, na sintaxe.

A definição do objeto e do método de análise formulados pelo estruturalismo


alavancou os estudos da linguagem e permitiu avanços consideráveis na análise
tanto das línguas já estudadas há séculos – as européias, por exemplo – como de
numerosas línguas americanas e africanas, que não contavam com descrições pré-
vias nem dispunham de sistemas de escrita. No entanto, a definição do objeto pela
Lingüística estrutural deixa fora do campo de estudo uma série de questões rele-
vantes sobre a organização e funcionamento das línguas naturais. O estruturalismo
parte da oposição entre língua (sistema de signos) e fala (uso da língua) e define a
primeira como seu objeto de estudo. Conseqüentemente, ficam de fora todas as
questões que envolvem a relação do falante com a linguagem, a ligação entre os
fatos sociais e o uso da língua, as unidades lingüísticas maiores que a sentença.

Este livro focaliza uma série de formulações teóricas e metodológicas poste-


riores ao estruturalismo e que têm em comum a revisão dos limites do estudo da
linguagem estabelecidos por uma concepção formalista. Algumas dessas refor-
mulações são motivadas pela observação de propriedades das línguas naturais
que uma abordagem formalista não capta. Exemplos dessas reformulações são:
os estudos da argumentação na língua, que mostram que as expressões lingüísti-
cas têm intrinsecamente uma carga argumentativa; a teoria dos atos de fala, que
coloca em evidência a existência de ações que são realizadas pela produção de
enunciados lingüísticos.

Outras reformulações são motivadas pela incorporação de questões relevantes


antes excluídas dos estudos lingüísticos, como o funcionamento da fala. A Análise
da Conversação procura desenvolver uma metodologia adequada para a identifi-
cação dos princípios que regem a interação entre os falantes quando fazem o uso
mais trivial de sua língua: conversam no dia-a-dia sobre qualquer tema.

Há também ampliações significativas dos estudos da linguagem motivadas


pelo diálogo entre a Lingüística e outras áreas do conhecimento que também
tratam de questões que têm reflexos no uso da linguagem. O diálogo com a Psi-
cologia e as teorias de aquisição da linguagem formuladas por psicólogos como

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Jean Piaget foi fundamental para o desenvolvimento da Psicolingüística. A revita-
lização da Retórica – a partir da releitura da Retórica Clássica – produziu uma série
de estudos da argumentação. As contribuições da Sociologia, a partir dos estudos
da ideologia, e da Psicanálise, que fornece elementos para uma compreensão do
sujeito, alavancam o surgimento de uma área dos estudos lingüísticos muito pro-
dutiva atualmente, a Análise do Discurso. A teoria da informação contribuiu para
a compreensão do funcionamento dos textos.

Nas 12 unidades deste volume, são apresentados os conceitos mais relevan-


tes de cada uma dessas áreas, com o uso de exemplos que possam facilitar o seu
entendimento e indicações de fontes às quais o estudante pode recorrer para o
aprofundamento do estudo nas áreas que lhe despertarem maior interesse.

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Estratégias de organização do diálogo

Ao organizar suas intervenções na conversação os falantes dispõem


de uma série de recursos que são, em grande parte, diferentes dos utiliza-
dos na escrita. A fala apresenta um volume considerável de repetições,
ao contrário da escrita, em que a repetição é evitada. Os diálogos estão
também repletos de retificações do que foi dito, seja porque o falante
percebe que poderia ter se expressado de forma mais adequada, seja
porque o interlocutor deu alguma indicação ou de não ter compreendido
o que foi dito ou de ter feito uma interpretação diferente da pretendida.
Nos primeiros itens deste capítulo vamos tratar de alguns procedimentos
relacionados à formulação e à reformulação dos tópicos na conversação:
a paráfrase, a correção e a repetição.

A língua dispõe também de um conjunto de expressões que não acres-


centam informações novas quando são inseridas na conversação, mas que
são elementos importantes na organização dos diálogos: os marcadores
conversacionais, também chamados de marcadores discursivos. São ex-
pressões que expressam as atitudes dos falantes diante dos tópicos trata-
dos ou que contribuem para a organização do texto oral.

Na escrita, contamos com elementos visuais auxiliares para marcar a


divisão de tópicos: os parágrafos, que dividem os blocos de tratamento
de cada tópico, e os sinais de pontuação que marcam a separação entre
as frases. Na oralidade, são os marcadores conversacionais que dão conta
desse papel de delimitação.

A paráfrase
A paráfrase é um procedimento de reformulação textual que toma
uma afirmação apresentada anteriormente e a reelabora em outras pa-
lavras. Há uma equivalência semântica entre o que é dito antes e depois.
A paráfrase é constituída por duas partes, dois segmentos textuais que
podem ser ligados por expressões que indicam essa equivalência: ou seja,
quer dizer, isto é.

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Lingüística III

Hilgert (1995, p. 107) chama a atenção para o fato de que a participação do


falante na conversação é uma atividade de formulação em que ele dá forma a
um conteúdo, a uma intenção comunicativa. Ora, uma das características essen-
ciais da conversação é que o texto que o falante produz em suas intervenções
no diálogo não é antecipadamente planejado, ele tem apenas uma vaga idéia
do que vai dizer ao iniciar cada turno. Construir o texto é também planejá-lo: na
conversação, o planejamento e a produção ocorrem de forma simultânea.

Essa preocupação em gerenciar ao mesmo tempo “o que dizer” (planejamen-


to) e “o dizer” (produção) leva o falante a recorrer muitas vezes a recursos de re-
formulação. Os principais são a paráfrase, em que o falante mantém o sentido do
que disse anteriormente, mas recorre a novas formas de dizer a mesma coisa e a
correção, em que o falante reformula o conteúdo de suas afirmações anteriores.

Essas atividades de reformulação estão presentes também no texto escrito,


mas se tornam imperceptíveis porque são apagadas na versão final. Quando es-
crevemos, fazemos várias alterações nas versões preliminares do texto. No tra-
balho de reescrita, realizado entre a produção dos primeiros rascunhos de um
texto e a versão final, fazemos várias alterações, seja para melhorar a maneira de
expressar alguma coisa, seja para retificar alguma afirmação que consideramos
errada. Como a conversação é, ao mesmo tempo, o rascunho e o texto final, ela
conserva os sinais da reformulação.

Hilgert (1995, p. 111) define a paráfrase nos seguintes termos:


Paráfrase é, portanto, um enunciado que reformula um enunciado anterior, mantendo com
este uma relação de equivalência semântica. Em termos mais simples, a paráfrase retoma,
com outras palavras, o sentido de um enunciado anterior. Ela, portanto, supõe sempre um
enunciado de origem com o qual está em relação parafrástica.

O segundo enunciado (segunda frase) de uma paráfrase distingue-se neces-


sariamente do primeiro enunciado por apresentar diferenças sintáticas e lexicais
(de vocabulário). Os dois enunciados que estão em relação de paráfrase em uma
conversação podem se apresentar lado a lado, em posição adjacente, mas podem
também estar distanciados. Veja exemplos de diálogos com paráfrases dos dois
tipos1:

(1)

mas pega um clínico geral... por incrível que pareça


L1 é o que mais... estuda... certo?
é o que tem a MAIOR especialização...

1
Os exemplos apresentados aqui foram retirados de entrevistas do projeto Nurc de São Paulo, realizadas na década de 1970.

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Estratégias de organização do diálogo

Nesse trecho, o falante faz uma afirmação sobre o clínico geral inicialmente
em uma linguagem bem simples – “é o que mais estuda” – depois resolve dizer
a mesma coisa de uma forma mais técnica, e faz uma paráfrase do seu enun-
ciado anterior: “É o que tem a maior especialização”. Os dois enunciados que
constituem a paráfrase encontram-se lado a lado, constituindo uma paráfrase
adjacente.

A posição dos dois enunciados é diferente no exemplo a seguir:

A situação do médico... também é uma situação difícil em termos de mercado de trabalho


também é uma situação difícil... Hoje já está existindo também... muita quantidade...
está existindo uma certa facilidade inclusive parece que existe... leis aí... eh::... leis em
L1 termos de fiscalizar essas escolas de Medicina porque uma escola de Medicina tem
que ter... naturalmente um::... um hospital... tem que estar ligada a um hospital para
poder atender::... atender as::... exigências do curso do curso de Medicina

L2 do curso

O médico hoje em dia ele está... se sujeitando mui::to... a empre::gos tal...a situação do
L1 médico eu acho que está... bastante difícil

Os trechos da fala de L1 destacados com itálico são as duas partes de uma


paráfrase. Há uma afir­mação que é simplesmente repetida nos dois trechos
destacados: a situação do médico está difícil. Mas há também uma afirmação
que é reformulada, apresentada de outra maneira, que mantém o que foi dito
anteriormente. Nas linhas iniciais, L1 explicita sua afirmação de que a situação
dos médicos está difícil situando essa dificuldade em relação ao mercado de
trabalho: “Também é uma situação difícil... em termos de mercado de trabalho
também”. Após inserir outro tópico em sua fala – as exigências para funciona-
mento dos cursos de Medicina – retoma as afirmações anteriores sobre a dificul-
dade dos médicos em relação ao mercado de trabalho e faz uma reformulação,
que equivale ao que foi dito antes, e dá informações mais específicas sobre o
que foi mencionado antes apenas como mercado de trabalho: “O médico hoje
em dia ele está se sujeitando mui::to... a empregos tal...”.

Além dos casos em que o próprio falante reformula suas afirmações anteriores
mediante o uso de paráfrases, é comum encontrarmos também na conversação
situações em que um participante apresenta uma paráfrase de enunciados do
seu interlocutor. É o que se observa no exemplo abaixo:

então tem eh:: o paulistano é mais fechado mesmo eu acho que:: uma das influências
L1 seria a natureza e o nosso próprio clima entende?

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Lingüística III

é o clima tem realmente uma influência diREta no comportamento da pessoa inclu-


L2 sive nas atitudes

certo... e que que você acha dessa polui/poluição que tanto falam... que vão controlar
L1 vão fazer isso vão criar a área metropolitana o que que você acha?

Este trecho de conversação mostra a elaboração coletiva de uma paráfrase: o


primeiro enunciado foi produzido por L1 e o enunciado semanticamente equiv-
alente foi apresentado logo a seguir por L2.

A correção
A correção, que é também uma estratégia de reformulação textual, compartil-
ha várias características com a paráfrase. Segundo Barros (1995, p. 137), “os atos
de reformulação textual são aqueles que têm por objetivo levar o interlocutor a
reconhecer a intenção do locutor, ou seja, procuram garantir a intercompreensão
na conversação ou em qualquer outro tipo de texto.”

As correções são uma forma específica de reformulação, em que o falante pro-


cura corrigir “erros” que tenha eventualmente cometido em suas intervenções
na conversação. A palavra “erros” foi colocada aqui entre aspas para destacar que
não estamos assumindo o conceito corrente nas gramáticas tradicionais. Não se
trata de ocorrências em desacordo com as normas do português padrão, mas de
escolhas que o falante já fez, de expressões que ele já produziu e que o próprio
falante ou seu interlocutor julgaram inadequadas. É como se o falante dissesse:
“O que eu queria dizer não era x, mas y.” As correções podem envolver escol-
has de palavras ou expressões, construções sintáticas, formas de organização do
texto ou entonação.

Nem sempre é fácil diferenciar uma correção de uma paráfrase. Ambas são
compostas por dois enunciados, numa relação tal que o segundo enunciado
deve ser considerado um substituto do primeiro. A diferença está na relação
semântica estabelecida entre as duas partes da reformulação. Enquanto na pará-
frase há a reiteração do que foi dito, na correção há uma retificação. Na paráfrase,
a relação entre os dois elementos seria de igualdade (x, isto é, y; x, ou seja, y);
quando a correção envolve dois enunciados, a relação entre eles é de diferença,
de retificação (não x, mas y). A correção envolve também, com freqüência, ex-
pressões menores do que a paráfrase; são comuns as retificações que abrangem
apenas uma palavra.

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Estratégias de organização do diálogo

Tal como ocorre na paráfrase, a correção pode ser uma iniciativa do próprio
falante ou do interlocutor. Vejamos um exemplo de correção feita a partir de
uma iniciativa do próprio falante2:

... então como eu ia explicando... no início do século vinte ou melhor no século deze-
A nove... só existiam... a Europa e a... Ásia... bom... formadas... por culturas diferentes...
atravessando situações históricas de feudalismo diferentes...

Nesse trecho de uma aula, o professor apresenta uma informação aos alunos
(no início do século XX), mas percebe imediatamente que essa informação é in-
correta e faz a correção (ou melhor no século dezenove).

Às vezes é o ouvinte que percebe que uma informação está equivocada e


toma a iniciativa de assumir o turno e propor a correção. É o que se observa no
exemplo abaixo3:

L1 ...a irmã dela eu conheço que é jornalista né? é uma moça jornalista...

L2 poetisa

L1 poetisa...

Nesse trecho de conversa, L1 caracteriza alguém como jornalista, mas seu


interlocutor considera essa informação incorreta. L2 assume a palavra e propõe
imediatamente uma correção, destaca que a tal moça não é jornalista, mas “po-
etisa”. A correção proposta é aceita por L1, que repete a expressão escolhida por
L2, incorporando a retificação à sua própria fala.

Destacamos acima que as correções na conversação estão relacionadas es-


sencialmente a uma busca de intercompreensão, mas às vezes os falantes fazem
correções do que já foi dito devido ao cuidado com a própria fala; retificam o que
foi dito porque percebem que usaram uma forma “errada” do ponto de vista da
norma culta. É o que se observa no seguinte exemplo4:

... ao secretário evidentemente... levar: ao presidente... todas aquelas questões que diz
L1 que dizem respeito... aos associados

2
Dado do Projeto Nurc – Rio de Janeiro. Entrevista realizada na década de 1970.
3
Dado do Projeto Nurc – São Paulo. Entrevista realizada na década de 1970.
4
Dado do Projeto Nurc – São Paulo. Entrevista realizada na década de 1970.

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Lingüística III

A repetição
O volume de repetições na oralidade é uma das características que diferen-
ciam essa modalidade de uso da língua da modalidade escrita. Uma das prin-
cipais operações na elaboração e revisão de textos escritos está relacionada a
evitar e eliminar repetições. Mas, ao contrário do que ocorre nos textos escritos,
na oralidade a repetição não é um problema, é uma característica do texto oral,
decorrente do processo de formulação desse tipo de texto, é uma conseqüência
da simultaneidade entre o planejamento e a produção do texto oral.

Boa parte das repetições observadas na conversação tem a ver com o proces-
so de planejamento textual. Enquanto o falante decide o que vai dizer em segui-
da, ele repete frases, expressões, palavras, como uma estratégia (inconsciente, é
claro) de garantir a continuidade do seu turno conversacional, de não passar a
palavra ao interlocutor enquanto dá forma ao que vai dizer em seguida.

Mas a repetição tem outras funções, não é uma simples estratégia para o fal-
ante ganhar tempo para organizar sua fala. Se alguém responde a um pedido
com uma frase como:

– Não, não, não, de jeito nenhum!

O uso da repetição não está relacionado ao planejamento, mas é uma forma de


reiteração, de ênfase.

Observe o uso das repetições do exemplo abaixo5, em que o falante recorre a


várias repetições (destacadas com itálico):

Eu acho que o meu conceito de morar bem é diferente um pouco da maioria das pesso-
as que eu conheço... a maioria das pessoas pensa que morar bem é morar num apar-
tamento de luxo... é morar no centro da cidade... perto de tudo... nos locais onde
L2 tem mais facilidade até de comunicação ou de solidão como vocês quiserem... meu
conceito de morar bem é diferente... eu acho que morar bem é morar fora da cidade... é
morar onde você respire... onde você acorde de manhã como eu acordo...

É fácil perceber que o falante neste trecho não usa as repetições simples-
mente como uma estratégia para ganhar tempo enquanto decide o que vai falar
em seguida. Ele constrói toda sua argumentação a partir da oposição entre dois
conceitos de “morar bem”: o seu e o da “maioria das pessoas”. Para evidenciar a
diferença entre as duas concepções, L2 recorre à repetição sistemática de ex-
5
Dado do Nurc – Recife. Entrevista realizada na década de 1970.

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Estratégias de organização do diálogo

pressões e construções sintáticas, que lhe permitem destacar as diferenças entre


os dois pontos de vista.

Além da variedade de funções, Marcuschi (2006, p. 223-224) mostra que as


repetições na conversação podem assumir formas variadas:

 podem ser feitas pelo próprio falante, mas também podem partir do in-
terlocutor;

 podem ser adjacentes, com a repetição apresentada imediatamente após


o primeiro uso da expressão, mas podem também apresentar um distan-
ciamento entre o primeiro e o segundo elemento;

 pode haver identidade de forma entre o primeiro elemento e sua repetição,


mas também pode haver diferença de forma entre os dois elementos;
quanto maior o trecho repetido, maior será, evidentemente, a possibili-
dade de diferenças entre as duas realizações;

 os elementos repetidos podem ser de diferentes categorias gramaticais:

 repetições fonológicas (aliteração, alongamento, entonação etc.);

 repetições de morfemas (prefixos, sufixos etc.);

 repetições de itens lexicais (geralmente substantivos ou verbos);

 repetições de expressões;

 repetições de estrutura de orações.

As múltiplas formas e funções associadas à repetição nos eventos conversacio-


nais são reveladoras da diferença entre o estatuto da repetição na oralidade e na
escrita. Se no texto escrito a repetição é um problema a ser evitado, na conversa-
ção está entre os recursos de formulação textual mais importantes e produtivos.

É interessante fazer uma ressalva sobre o uso da repetição na escrita. Os


mesmos recursos conde­nados na maioria dos textos escritos são incorporados à
linguagem poética como recursos expressivos.

Os marcadores conversacionais
A conversação apresenta uma série de elementos que não contribuem para o
conteúdo informacional propriamente, mas que têm um papel importante tanto

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Lingüística III

na articulação das informações quanto na organização das intervenções dos in-


terlocutores. Esses elementos são chamados de marcadores conversacionais, ou
marcadores discursivos. Alguns deles não são lexicalizados e não têm, portanto,
nenhum significado: eh, ah, ah ah, ahn ahn, hum hum. Outros são itens lexicais,
que têm seu significado esvaziado quando usados como marcadores conversa-
cionais: sabe?, certo?, tá?, viu? né? Quando usamos “sabe?” como um marcador
conversacional não estamos perguntando se o interlocutor sabe alguma coisa,
estamos fazendo uma delimitação na organização do fluxo de fala e, ao mesmo
tempo, dando um sinal para testar a atenção do ouvinte.

Os marcadores conversacionais mostram que a conversação tem elementos


organizadores diferentes da escrita. Os sistemas de escrita desenvolveram re-
cursos gráficos para a delimitação das unidades, como os sinais de pontuação,
a divisão em parágrafos, o destaque do tópico como título do texto. Desenvolv-
eram também formas de expressar a ênfase, os destaques, a opinião do autor. Há
itens lexicais que têm a função de modalizadores, que revelam o ponto de vista
do autor sobre aquilo que ele afirma: infelizmente, de certo modo, certamente etc.
É possível enfatizar trechos da escrita com o uso de recursos gráficos como o
tamanho das letras, o uso de maiúsculas, negrito, itálico, sublinhado.

Na oralidade, os marcadores conversacionais fazem o papel de delimitar as


unidades comunicativas. Funcionam também como sinais de que os interlocu-
tores estão atentos, de que cada um entende o que o outro fala, e do julgamento
que faz sobre o que fala ou ouve.

As gramáticas tradicionais, voltadas para a descrição da língua escrita, clas-


sificam os marcadores conversacionais na classe das “palavras denotativas” e de-
dicam pouquíssimo espaço ao seu estudo.

Marcuschi (1986, p. 66-68) apresenta um quadro geral, em que destaca as prin-


cipais funções dos marcadores conversacionais e faz também uma lista dos princi-
pais itens do português falado para cada uma das classes. Esse autor considera ini-
cialmente uma grande divisão entre os marcadores produzidos pelo falante (nos
turnos nucleares) e os que são produzidos pelos ouvintes (nos turnos inseridos).

A principal função dos marcadores conversacionais produzidos pelos fal-


antes é de demarcação. Assim, Marcuschi trabalha com dois tipos de unidades
relevantes na organização da conversação e procura identificar o conjunto de
marcadores conversacionais usados normalmente para assinalar o início e o
fim dessas unidades. A primeira unidade apontada é o turno de fala, ou seja, o
período total de intervenção de cada um dos participantes. A segunda unidade
relevante para o uso dos marcadores conversacionais é a unidade comunicativa,
que seria o correspondente à frase na escrita.
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Estratégias de organização do diálogo

Já os marcadores conversacionais produzidos pelo ouvinte estão nos turnos


inseridos, ou seja, naqueles turnos que não apresentam unidades informativas rel-
evantes e que servem para indicar que o ouvinte está atento, que segue as afirma-
ções do falante. Esses marcadores conversacionais orientam o falante, pois indicam
a reação do interlocutor ao que ele está ouvindo. Marcuschi agrupa os marcado-
res em três conjuntos, que correspondem a três atitudes do ouvinte: os marcadores
convergentes sinalizam que ele concorda; os marcadores indagativos, que duvida, ou
que não compreendeu alguma coisa, e os divergentes, que ele discorda do falante.

Veja a seguir o quadro proposto por Marcuschi, que não tem a preocupação
de exaustividade, ou seja, que não pretende ser uma lista completa dos marca-
dores, mas que dá indicações interessantes para o estudo desses elementos de
organização textual.

Quadro 1

(Marcuschi, 1986, p. 68)


Quadro dos sinais conversacionais verbais
Sinais do falante Sinais do ouvinte
(orientam o ouvinte) (orientam o falante)

Pré-posicionados Pós-posicionados

No início No início No final No


Conver- Indagati- Divergen-
de turno de uni- de turno final de
gentes vos tes
dade unidade
comuni- comuni-
cativa cativa
“olha” “então” “né” “né” “sim” “será?” “não”
“veja” “aí” “certo?” “não “ahã” “não diga” “duvido”
“bom” “daí” “viu?” sabe?” “mhm” “mesmo?” “discordo”
“mas eu” “portanto” “enten- “certo?” “claro” “é?” “essa não”
“eu acho” “agora deu?” “entende?” “pois não” “ué?” “nada
“não, não” veja” “sacô?” “de “de fato” “como?” disso”
“porque” “é isso aí” acordo?” “nunca”
“epa” “claro, “como
“e” “que “tá?” claro” assim? “peraí”
“peraí”
“mas” acha?” “não é?” “isso” “o quê?” “calma”
“certo,
mas” “assim” “e então?” etc. “ah sim” etc. etc.
“sim, sei, “por ex- “diga lá” “ótimo”
mas” emplo” “é ou não “taí”
“quanto a “digamos é?”
etc.
isso” assim” etc.
“nada “quer
disso” dizer”
“você “eu acho”
esquece” “como vê”
“como etc.
assim?”
etc.
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Lingüística III

O trecho de conversação abaixo6 mostra o uso de diversos marcadores con-


versacionais, que foram destacados em itálico.

agora... eu estou achando o do... os estudantes muito mais desinibidos... muito mais
abertos... estão na... naquela deles... então... eu não acho mais esse problema dele
se comunicar com o doente difícil... eu acho que todo estudante se comunica muito
L1 bem com o doente...viu... porque o do... o doente também não está vendo mais o
médico... nem o estudante de Medicina... como o médico... como aquela pessoa que
ele... às vezes... fica até apavorado... amedrontado... não é?

L2 hum hum

então... o estudante já entra na... na escola de calça Lee... com o seu blusão... seu
L1 cabelo grande... levando... arrastando o chinelo né?... a sandália... então...o doente já
olha aquele estudante como se ele fosse uma pessoa mais ou menos...

L2 Normal né? ((rindo))

Se observarmos o papel das expressões destacadas nesses quatro turnos con-


versacionais, veremos que elas não são fundamentais para o significado, tanto
que poderiam ser eliminadas sem prejudicar o entendimento. Os marcadores
conversacionais destacados na fala de L1 têm o papel de delimitadores das un-
idades comunicativas e dos turnos de fala. Alguns deles marcam sistematica-
mente o início de uma unidade (agora, então), outros marcam seu encerramento
(viu, né?, não é?). O marcador hum hum destacado no primeiro turno de L2 (que é
um turno inserido) indica sua concordância com as afirmações de L1. No último
turno de L2, o né? marca o final do turno.

Mostramos até aqui a classificação dos marcadores conversacionais proposta


por Marcuschi (1986). Outros trabalhos apresentam classificações diferentes,
mas igualmente interessantes. É o que vamos apresentar a seguir, tomando
como ponto de partida os estudos de Risso (2006) e Urbano (2006). Esses tra-
balhos propõem a classificação dos marcadores conversacionais (eles preferem
a denominação marcadores discursivos) em dois grandes grupos: marcadores
discursivos basicamente seqüenciadores e marcadores discursivos basicamente
interacionais.

Marcadores basicamente seqüenciadores


Os marcadores seqüenciadores são palavras ou locuções que fazem a liga-
ção entre as partes do texto falado. São elementos articuladores, responsáveis
6
Dado do Projeto Nurc – Salvador. Entrevistas realizadas na década de 1970.

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Estratégias de organização do diálogo

pela coesão na conversação. Risso (2006, p. 427) sintetiza a atuação desses


marcadores:
Entre os exemplos mais freqüentes de unidades articuladoras estão formas como: agora,
então, depois, aí, mas, bem, bom, enfim, finalmente, quer dizer, por exemplo, assim, primeiro
ponto... segundo... terceiro..., etc. e tal... Às vezes, essas formas aparecem duplicando-se em
ocorrências conjuntas como: agora então, então aí, aí depois, mas então, mas aí, etc. e tal, então
por exemplo... Outras vezes, aparecem acumulando-se com marcadores lexicais que explicitam
mais claramente os movimentos de encaminhamento, fecho e retomada de tópicos discursivos,
bem como a avaliação de particularidades da informação contidas em seu interior: agora... o
que eu acho é o seguinte:; bem, voltando ao assunto; então, para terminar; então, resumindo; mas,
como eu dizia há pouco, entre outras ocorrências.

O ponto de partida para a classificação proposta por Risso (2006) é diferente


do utilizado por Marcuschi (1986). Essa autora toma como critério principal para o
agrupamento dos marcadores as duas principais funções desempenhadas por essas
expressões: a articulação textual e a sinalização da interação falante/ouvinte. Como
a função de articulação textual e de orientação da interação entre os interlocutores
são exercidas muitas vezes cumulativamente, para classificar o marcador em um ou
outro conjunto, é necessário observar a predominância de uma das funções.

Marcadores basicamente interacionais


Urbano (2006, p. 499) dedica-se ao estudo do segundo conjunto dos articu-
ladores, aqueles que são predominantemente orientadores da interação. O que
é um elemento orientador da interação? Na classificação de Marcuschi (1986, p.
68) comentada acima, os marcadores conversacionais classificados como “sinais
do ouvinte” desempenham esse papel de orientar a interação, uma vez que reve-
lam se o ouvinte concorda com o que ouve, se discorda ou se tem dúvidas/ques-
tiona. Urbano tem uma visão mais abrangente da função interacional:
Esclarecemos que o conceito de interação tem uma abrangência considerável, não se referindo
apenas ao processo de relação interpessoal bem caracterizado (envolvimento do falante com
o ouvinte ou vice-versa), mas também ao processo de manifestação pessoal, quando, por
exemplo, o falante verbaliza avaliações subjetivas a propósito das significações proposicionais,
envolvendo-se, pois, com o conteúdo, ou compromete, retoricamente, seu interlocutor.
(URBANO, 2006, p. 499)

Urbano (2006, p. 496) apresenta uma lista dos principais grupos de mar-
cadores conversacionais que desempenham a função interacional no portu-
guês falado:

Ah, ahn, hem, uhn Certo, claro, exato

É, é claro, é verdade Entende? Entendeu? Sabe? Tá? Viu?

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Lingüística III

Mas Não é verdade? Não é? Né?

Olha/olhe, vamos ver, veja, vem cá Pois é, sei, sim

Com as indicações feitas por esses autores, temos um bom instrumento para
a análise do papel dos marcadores conversacionais usados nos diálogos que
ocorrem nas mais diferentes situações.

Conclusão
Procuramos neste texto trabalhar com algumas estratégias usadas na conver-
sação, com o objetivo de fornecer mais alguns elementos para a compreensão
dos diálogos. Com o estudo da repetição procuramos evidenciar um dos proces-
sos mais importantes de formulação do texto oral, uma estratégia usada pelo
falante inconscientemente para manter a posse da palavra enquanto planeja a
continuidade de sua produção. A correção e a paráfrase mostram processos de
reformulação do que já foi dito, seja pela retificação de algo que já foi dito e que
não corresponde ao pretendido, seja pela reformulação de trechos da fala para
expressar de forma mais adequada o que o falante pretendia dizer.

O estudo dos marcadores conversacionais colocou em evidência os proces-


sos de segmentação das unidades comunicativas na fala, os recursos de articula-
ção textual e as formas de assinalar as relações com o interlocutor.

Texto complementar

Observações finais
(MARCUSCHI, 1986, p. 85-87)

Na maior parte deste livro procedi à análise da conversação como se


fosse possível definir-lhe propriedades estruturais ou organizacionais rig-
orosamente claras. Ocorre, porém, que a cada momento surgem contra-
exemplos, e nem tudo é como a teoria gostaria que fosse. Não se trata de
um azar histórico dos modelos nem de uma aleatoriedade do fenômeno
analisado.

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Mais do que tudo, o que se deve perceber é que os sistemas organiza-


cionais não foram propostos como normas para padrões de funcionamento
e sim como procedimentos analíticos. E, como toda a abordagem catego-
rial de fenômenos dinâmicos está fadada ao risco do insucesso explicativo
e descritivo, deve-se encarar os resultados como formas de perceber orga-
nizações e processos e não como propostas normativas para os fenômenos
analisados.

Com esta perspectiva em mente (LEVINSON, 1983, p. 364-366) e toman-


do, por exemplo, a noção de relevância condicional dos pares adjacentes, po-
demos observar que ela não é estringente7 em todos os casos. Mas, a cada
vez que A dirige uma pergunta a B e este demora um pouco para responder
ou não responde, A infere algo de acordo com a atividade em curso. Se a re-
sposta estiver fora do que era esperado pode ocorrer a volta da pergunta ou
um comentário sobre a qualidade da resposta. Nesse sentido, aquela noção
não prevê uma necessidade, mas organiza uma fatia da interação.

Dizer que no caso do elogio a preferência é por recusá-lo não significa


que não possa ser aceito. Mas a aceitação não passa despercebida e pode
gerar nos participantes inferências e reações diversas a respeito daquele
que aceitou. Portanto: a montagem das diferentes estratégias, processos e
organizações não tem em vista mostrar que as coisas devem dar-se assim,
mas servir de chave para compreender o que está ocorrendo quando não é
assim. A rigor, tem-se aí um procedimento metodológico próximo ao que H.
P. Grice seguiu ao montar seu quadro das máximas conversacionais a partir
do princípio cooperativo. Embora formuladas no imperativo, as máximas
não impõem obrigações; apenas servem de guia para interpretar as razões
que levaram à sua inobservância.

Assim, postular que a tomada de turno é uma operação crucial do pro-


cesso organizacional da conversação é mais do que estabelecer um sistema
descritivo. É sobretudo providenciar um caminho para a interpretação das
funções das pausas, dos silêncios, das hesitações, sobreposições etc.

Consideremos o debate político em que jornalistas fazem perguntas com-


plicadas ou capciosas a candidatos a cargos eletivos. Caso um candidato não
inicie logo e incisivamente sua resposta, mas faça uma pausa e hesite no início,
dará margem a uma rede de inferências, que vão desde “nessa ele tá por fora”

7
Essa expressão pouco usual empregada por Marcuschi significa: aquilo que comprime demasiadamente, que restringe, fecha muito.

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Lingüística III

até “é um despreparado”, não obstante ter-se recuperado e oferecido uma boa


resposta. Tais fatos revelam que o comportamento esperado sobrepõe-se por
vezes ao manifestado. Como hipótese, não custa aventar que é normal ter-se
como fonte para inferências alguma instância ideal reguladora, o que permite
às ciências humanas montarem modelos mesmo para fenômenos dinâmicos.

Uma indagação importante, feita por Levinson (1983, p. 368), é a de se os


aspectos aqui descritos da organização conversacional são universais. Caso
sejam, então várias são as conseqüências: para o estudo da aquisição da lin-
guagem, para a explicação de universais lingüísticos através de padrões de
uso da linguagem, para programas pedagógicos formulados em novas bases
etc. Na atual ausência de estudos comparativos entre as diversas línguas e
culturas, ainda não se dispõe de uma resposta a essa questão. É de se supor
que alguns padrões, como os pares adjacentes, a organização localmente
comandada e o sistema de correções, sejam relativamente universais. Isso
pode constituir um bom campo de pesquisa para estudos de pragmática
comparativa e sociolingüística interpretativa. Áreas de um futuro promissor
porquanto afetam interesses de várias disciplinas.

Estudos lingüísticos
1. Esta é uma atividade a ser realizada em grupo. Observem ou gravem duas
ou mais pessoas conversando em qualquer lugar. Anotem quais foram os
marcadores conversacionais que o grupo identificou na conversação.

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2. Leia abaixo um trecho de uma entrevista de um jornalista a um senador di-


vulgada em um pro­grama de rádio. A fala destacada é de responsabilidade
do senador, identificado como L2.

(Almeida; Gerab, 2006,


p. 223)
Eu o:: o tribunal eleitoral o tri... a justiça eleitoral n:ão está aparelhada... não está
equipada para fazer um exame dessas contas e para e sobretudo para acompanhar
os gastos durante a campanha para:: julgar pelos sinais exteriores oh Heródoto... é
só comparar o que realmente eh se se verifica que foi gasto pelos sinais exteriores...
uso de aviões e comícios e propagandas eh outdoors etc etc com o que foi declarado
L2 se... o::... a:: aparente revela um gasto muito maior que foi declarado a:: justiça eleito-
ral poderia im::pugnar como faz a Receita Federal... como pode fazer com os sinais
exteriores de riqueza mas a justiça eleitoral... seja por falta de recursos... por falta de
recursos técnicos e humanos... seja porque em muitos casos é conivente mesmo... né
não faz isso... e as contas... de modo geral... são faz de conta

a) Identifique um caso de paráfrase nesse trecho de fala.

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Lingüística III

b) Identifique um caso de correção nesse trecho de fala.

c) Identifique um caso de repetição nesse trecho de fala.

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Estratégias de organização do diálogo

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Gabarito

Estratégias de organização do diálogo


1. O resultado das anotações de cada grupo pode ser diferente, depen-
dendo da conversação observada. Os marcadores conversacionais
mais comuns, e que serão certamente encontrados são: e daí (e suas
variações “daí”, “daí então”, “aí”), então, né?, tá?

2.

a) O texto apresenta um caso claro de paráfrase: a relação entre os


enunciados “que realmente eh se se verifica que foi gasto pelos
sinais exteriores” e “uso de aviões e comícios e propagandas eh ou-
tdoors etc etc”. A segunda expressão faz uma paráfrase da primei-
ra, apresentando a mesma idéia com outras palavras. Há também
uma paráfrase na relação entre as expressões “n:ão está aparelha-
da...” e “não está equipada”. É possível considerar paráfrase tam-
bém a relação entre “por falta de recursos...” e “por falta de recursos
técnicos e humanos”, mas este não é um caso claro, uma vez que
pode ser interpretado como uma repetição.

b) O trecho apresenta um caso de correção logo no início: o falan-


te percebe a inadequação da expressão “o tribunal eleitoral” e faz
imediatamente a substituição por “ a justiça eleitoral”.

c) O trecho citado apresenta vários casos de repetição: “pelos sinais


exteriores”, “etc etc”, “que foi declarado”, “sinais exteriores”, “por falta
de recursos”, “a justiça eleitoral”.

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