Você está na página 1de 51

DIREITO PENAL

INTRODUÇÃO AO DIREITO PENAL...............................................................2

PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL....................................................................2

HISTÓRIA DO DIREITO PENAL.......................................................................4

ESCOLAS PENAIS..............................................................................................8

SISTEMAS PENAIS...........................................................................................13

FUNÇÕES DA PENA.........................................................................................16

SISTEMAS PENITENCIÁRIOS........................................................................18

NORMA PENAL................................................................................................19

APLICAÇÃO DA LEI PENAL..........................................................................19

CONFLITO APARENTE DE NORMAS...........................................................25

CONCEITO DE CRIME.....................................................................................25

FATO TÍPICO.....................................................................................................28

A Conduta Punível...........................................................................................28

Omissão...........................................................................................................30

Relação de Causalidade...................................................................................30

Tipo e Tipicidade.............................................................................................31

Tipo de Injusto Comissivo Doloso..................................................................32

Tipo de Injusto Culposo..................................................................................34

ANTIJURIDICIDADE........................................................................................36

Causas de Justificação.....................................................................................36

CULPABILIDADE.............................................................................................39

Excludentes de culpabilidade..........................................................................40

ERRO DE TIPO E ERRO DE PROIBIÇÃO......................................................43

CRIME CONSUMADO E CRIME TENTADO.................................................44


~1~
~2~

INTRODUÇÃO AO DIREITO PENAL

Enquanto ramo do Direito Positivo =

“Direito Penal é o conjunto de normas jurídicas que tem por objeto a


determinação das infrações de natureza penal e suas sanções correspondentes (penas e
medidas de segurança)”

Enquanto ciência, o Direito Penal é o sistema de interpretação da legislação


penal.
Classificações:
Direito Penal objetivo: conjunto das normas que disciplinam os delitos e
cominam sanções.
Direito Penal subjetivo: direito de punir (ius puniendi) do Estado. Pode-se
dividir em direito de punir em abstrato (decorre do preceito primário; exigência de
abstenção de determinada ação ou omissão) e em direito de punir em concreto (decorre
do preceito secundário; poder-dever de imposição da sanção)
~
Direito Penal comum: aplicável pela Justiça comum a todos.
Direito Penal especial: se encontra sob jurisdição especial e só rege as condutas
de um grupo determinado de pessoas (Direito Penal Militar)
~
Direito Penal substantivo = direito penal material.
Direito Penal adjetivo = direito processual penal.

PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL


Pirâmide de J. J. Gomes Canotilho

Princípios Estruturantes

Princípios Gerais Constitucionais

Princípios Especiais
Constitucionais

Regras Constitucionais

Regras Infraconstitucionais

Princípios Estruturantes:
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana (CF, art. 1º, III): um princípio de
caráter semântico muito vasto, que constitui fundamento da República. Os principais
reflexos no âmbito penal apontados pela doutrina são
- proibição de incriminação de condutas socialmente inofensivas;
- vedação de tratamento degradante, desumano, ou cruel.
Jurisprudência específica:
a) prisão domiciliar concedida a paciente em grave estado de saúde (STF, HC
98.675, Rel. Min. Eros Grau, j. 09.06.2009);
b) aplicação do princípio da insignificância ao consumo de pequena quantidade
de substância entorpecente em jurisdição militar (STF, HC 94.685, Rel. Min. Ellen
Gracie, j. 11.11.2010);
~3~

c) deslocamento para a Justiça Federal para o julgamento de crime de redução à


condição análoga de escravo (STJ, CC 113.428/MG, Rel. Min. Maria Thereza de Assis
Moura, 3ª Seção, j. 13.12.2010);
d) inconstitucionalidade da proibição de substituição de pena privativa de
liberdade por pena alternativa no crime de tráfico ilícito de drogas (STJ, HC
120.353/SP, Rel. Min. Og Fernandes, 6ª Turma, j. 13.08.2009);
e) proibição de recolhimento de preso em contêiner (STJ, HC 142.513/ES, Rel.
Min. Nelson Naves, 6ª Turma, j. 23.03.2010).

Princípios Especiais Constitucionais:


Princípio da Legalidade Penal (CF, art. 5º, XXXIX): A elaboração de normas
jurídicas penais é função exclusiva da lei; nenhum fato pode ser considerado crime e
nenhuma pena criminal pode ser aplicada sem que antes da ocorrência desse fato exista
uma lei definindo-o (nullum crimen, nula poena sine lege, expressão formulada por
Feuerbach). Possui as seguintes subespécies:
- Princípio da anterioridade da lei (lege prævia): O propósito do princípio da
legalidade é a segurança jurídica; leis penais incriminadas ex post facto a fulminariam.
Só existe o crime quando este é definido por uma lei anterior;
- Princípio da reserva legal (lege scripta): Os usos e costumes não tem força
incriminadora; só a lei pode instituir crime. Emendas constitucionais, leis
complementares e leis ordinárias são o campo propício para o Direito Penal, respeitadas
as cláusulas pétreas. Leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e
resoluções não podem dispor de matéria penal, por expressa previsão legal (exceção: a
doutrina entende que é permitida a medida provisória in bonam partem);
- Princípio da proibição da analogia (lege sctricta): a analogia in malam partem,
prejudicial ao agente, é proibida, por criar ilícitos penais ou agravar a punição dos já
existentes;
- Princípio da taxatividade ou mandato de certeza (lege certa): São
inconstitucionais os tipos penais vagos; a lei penal deve ser concreta e determinar seu
conteúdo.
Jurisprudência específica:
a) interceptação não autorizada de sinal de TV a cabo não caracteriza furto (STF,
HC 97.261, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 12.04.2011).

Princípio da Culpabilidade (CF, art. 5º, LVII): Não há pena sem culpa. A
culpabilidade é um fenômeno social, imputada a alguém como autor de uma ação para
fazê-lo responder por ela. Não há culpabilidade em si, individualmente concebida, mas
uma culpabilidade em relação aos demais membros da sociedade (fundamento social, e
não psicológico). A culpabilidade é a medida da pena. Ou seja, são reflexos do princípio
da culpabilidade:
a) proibição da responsabilidade penal objetiva, isto é, responsabilidade que
ignora dolo ou culpa;
b) proibição da imposição da pena sem os elementos da culpabilidade
(imputabilidade, potencial consciência da ilicitude, exigibilidade de conduta diversa);
c) outorga de relevância às modalidades de erro jurídico-penal como
excludentes;
d) graduação da pena segundo o nível de censurabilidade do fato praticado.

Princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica: A lei penal retroagirá


para beneficiar o réu.
~4~

Princípio da insignificância ou da bagatela: A tipicidade penal exige uma


ofensa de alguma gravidade aos bens jurídicos protegidos (minima non curat praetor).
Os intérpretes do Direito Penal devem sempre atentar ao princípio formal que dá
primazia às ponderações do legislador antes de aplicar este princípio material. A
insignificância da ofensa afasta a tipicidade.
Vetores para aplicação:
a) mínima ofensividade da conduta;
b) ausência de periculosidade social da ação;
c) reduzido grau de reprovabilidade da conduta;
d) inexpressividade da lesão jurídica provocada.
Princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos: o Direito Penal não pode
tutelar valores meramente morais, religiosos, ideológicos, ou éticos, mas tão somente os
atos atentatórios a bens jurídicos.
Princípio da ofensividade: Para que se tipifique algum crime é indispensável que
haja, pelo menos, um perigo concreto, real e efetivo de dano a um bem jurídico
penalmente protegido. São inconstitucionais todos os crimes de perigo abstrato. Serve
de orientação para a atividade legiferante e serve de critério interpretativo.
Princípio da Intervenção Mínima: A sanção penal deve ser a ultima ratio; a
criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a
proteção de determinado bem jurídico. Se outras formas de sanção ou outros meios de
controle social revelarem-se suficientes para a tutela desse bem, a sua criminalização é
inadequada e não recomendável. Daí, seu caráter subsidiário (Hassemer critica a
moderna criminalidade, afirmando que o Direito Penal é visto como sola ratio).
- Fragmentariedade: O Direito Penal possui um caráter fragmentário - este ramo
da ciência jurídica protege tão-somente valores imprescindíveis para a sociedade. Não
se pode usá-lo como instrumento de tutela de todos os bens jurídicos. Não constitui um
sistema exaustivo de proteção de bens jurídicos (Binding), é um sistema descontínuo de
seleção de ilícitos decorrentes da necessidade de criminalizá-los ante a
indispensabilidade da proteção jurídico-penal. Num vasto de antijuridicidade, os crimes
são como pequenas ilhas que, de maneira fragmentária, despontam entre os demais atos
proibidos.
- Princípio da adequação social: As condutas que se consideram "socialmente
adequadas" não podem constituir delitos e, por isso, não se revestem de tipicidade. O
tipo penal implica uma seleção de comportamentos e, ao mesmo tempo, uma valoração.
Discute-se se as consequências do comportamento adequado socialmente e típico afasta
a tipicidade ou a antijuridicidade. É princípio geral da interpretação.

HISTÓRIA DO DIREITO PENAL


Vingança Divina: Nas sociedades primitivas, o homem tinha uma visão limitada
de si mesmo e do seu lugar no cosmo. Os fenômenos naturais eram atribuídos às
entidades divinas (“totem”), que deveriam ser obedecidas. A infração totêmica ou a
desobediência ao tabu (“pecado”) geravam fenômenos naturais maléficos, que
representavam a divindade revoltada com o ato. O fundamento do direito de punir era
para desagravar a divindade. O castigo aplicável era a pena capital, representando a
simples retribuição da agressão sofrida pela coletividade. Desproporcional, sem
qualquer preocupação de justiça. O princípio que domina a repressão é a satisfação da
divindade, ofendida pelo crime. Direito Penal religioso, teocrático e sacerdotal.
Exemplos: Código de Manu, Cinco Livros (Egito), Livro das Cinco Penas
(China), Pentateuco (Israel).
~5~

Vingança Privada: Momento em que consistia na realização de “justiça pelas


próprias mãos”. Quando o delinquente era membro do grupo social, a sanção imposta
era a perda da paz (exílio/banimento); se era de outro grupo social, a sanção imposta era
a vingança de sangue (guerras de clãs/tribos).
Lei Talional: Com o tempo, percebeu-se que a ausência de proporcionalidade
entre o delito e a sanção acarretou no enfraquecimento ou até a dizimação de grupos
inteiros. Surge, então, a ideia de estabelecer uma espécie de proporcionalidade entre o
crime e a pena, a Lei de Talião, que consiste na retribuição de um mal praticado por
alguém deve consistir, tão exatamente quanto possível, um mal igual e oposto (olho por
olho, dente por dente). A pena, assim infligida, passa a ser proporcional e individual.
Vingança Pública: Mantém a identidade do poder político e o poder divino. O
objetivo da repressão criminal era a segurança do soberano pela sanção penal.
Grécia Antiga mantém vingança divina, privada e pública tudo junto. Aristóteles
preconiza a necessidade do livre-arbítrio, surgindo a ideia de culpabilidade. Platão
sugere a finalidade da pena como meio de defesa social. Roma Antiga demora para
separar religião e direito.
Direito Penal Romano:
Período de fundação de Roma: pena é utilizada no caráter sacral já referido, em
que se confunde a figura do Rei e do Sacerdote. Durante a organização monárquica,
prevalece o Direito consuetudinário, rígido e formalista. A Lei das XII Tábuas foi o
primeiro código romano escrito. Inicia o período dos diplomas legais, impondo
limitações à vingança privada, adotando a lei talional, além de admitir a composição.
Na monarquia, já surge a distinção dos crimes públicos (traição ou conspiração
política contra o Estado – perduellio – e o assassinato – parricidium) e crimes privados
(todos os demais – delicta), punidos pelo ius publicum e ius civile.
- Punição dos crimes públicos: atribuição do Estado, julgado por tribunais
especiais. A pena é a de morte.
- Punição dos crimes privados: atribuição do particular ofendido. Estado apenas
regula. Os crimes privados eram fontes de obrigações.
Núcleo do Direito Penal Romano no fim da República: publicação das leges
Corneliae (crimes privados) e Juliae (crimes públicos). 2-3 séculos a.C desaparece a
vingança privada. Substitui-se pela administração estatal que exerce o ius puniendi, com
limitados poderes ao pater familiae.
Império mais tarde cria os crimina extraordinaria, que são aqueles crimes que as
ordenações imperiais, as decisões do Senado ou a prática da interpretação jurídica
aplicam pena individualizada segundo arbítrio judicial no caso concreto. A sua criação
faz ressurgir com força total a pena de morte, que havia desaparecido. A prisão não se
conhecia como pena, mas apenas custódia; antessala para a verdadeira pena.
Romanos já dominavam os institutos de dolo e culpa; atenuantes e agravantes.
Características do Direito Penal romano:
a) a afirmação do caráter público e social do Direito Penal;
b) desenvolvimento da doutrina da imputabilidade, da culpabilidade e de seus
excludentes;
c) o elemento subjetivo doloso se encontra claramente diferenciado;
d) desenvolvimento inicial nos crimina extraordinaria da teoria da tentativa;
e) o reconhecimento excepcional das causas de justificação (legítima defesa,
estado de necessidade);
f) pena é reação pública, constituindo a responsabilidade do Estado em sua
aplicação;
g) a distinção entre crimina publica, delicta privada e crimina extraordinaria;
~6~

h) consideração do concurso de pessoas, diferenciando autor de partícipe;


i) não sistematizaram os institutos penais criados, mas trabalhavam-nos
casuisticamente.

Direito Penal Germânico:


- Consuetudinário
- Direito = ordem de paz. Ilícito = ruptura da paz. Quando o crime era público,
qualquer um poderia matar o criminoso. Quando o crime era privado, o criminoso era
entregue à família, que tinha o dever de exercer a vingança, hereditária e solidária.
Com a instalação da monarquia, passaram da vingança de sangue à compositio
gradualmente. As leis germânicas definiram detalhadamente as formas, meios, tarifas e
locais de pagamentos, segundo a qualidade das pessoas, idade, sexo e natureza da lesão.
Era quase uma indenização tarifária. O corpo legislativo quase uma formalização do
direito costumeiro. Parte da indenização era destinada à vítima/familiares e a outra parte
ao tribunal ou rei (preço da paz).
Inicialmente, consagrava a responsabilidade objetiva (“o fato julga o homem”),
para só mais tarde aceitar um vínculo psicológico, sob influência do Direito Romano.
Procedimento: Direito Ordálico (provas de água fervendo, etc.)

Direito Penal Canônico:


Corpo legislativo: Corpus Juris Canonici. O Código de Direito Canônico mais
recente foi promulgado pelo Papa João Paulo II.
A jurisdição eclesiástica era divida ratione personae e ratione materiae:
a) ratione personae: o religioso era julgado sempre por um tribunal da Igreja;
b) ratione materiae: a competência eclesiástica era fixada independente de ter
sido o crime cometido por um leigo ou religioso.
Classificação dos delitos:
a) delicta eclesiástica: ofendia o direito divino; competência dos tribunais
eclesiásticos; punidos com as poenitentiae;
b) delicta mere secularia: lesavam somente a ordem jurídica laica; competência
dos tribunais do Estado; punidos com sanções comuns;
c) delicta mixta: lesavam a ordem religiosa e laica; competência de quem
primeiro tomasse conhecimento; sanção pela Igreja era as poene vindicativae.
A influência do Direito Canônico é marcante axiologicamente na concepção das
prisões modernas; seus ideais de fraternidade, redenção e caridade transladam-se ao
objetivo de reabilitação e correção do delinquente.

Direito Penal medieval:


Havia uma influência recíproca do direito romano, canônico e germânico.
Atribuição definitiva do poder punitivo ao Estado. A pena tem função de intimidação e
depende da condição e classe social do réu. Penas brutais, pena de morte aplicada com
frequência.

Período Humanitário:
Contexto Histórico: Iluminismo (principais atores são Voltaire, Montesquieu e
Rousseau), cujo apogeu foi a Revolução Francesa. Liberté, Egalité, Fraternité.
Ideias: A pena deve ser proporcional ao crime; deve-se levar em consideração as
circunstâncias do delinquente; deve servir de exemplo e ser menos danosa para o corpo
do delinquente.
~7~

- Cesare de Beccaria:
“É melhor prevenir o crime do que castigar”
Marca o início do Direito Penal moderno; da Escola Clássica de Criminologia;
da Escola Clássica de Direito Penal.
Sua obra é uma associação do contratualismo com o utilitarismo. Não é uma
obra original, mas sistematizada. Beccaria tem uma concepção utilitarista da pena – ela
é um exemplo para que o próximo não delinque, e o delinquente não volte ao delito.
Defende a proporcionalidade da pena e sua humanização. O objetivo preventivo não é
obtido pelo terror, mas pela eficácia e certeza da punição.

- John Howard:
Foi sheriff de Bedford, onde se preocupou com a situação penitenciária.
Procurou a humanização do cárcere. Propõe uma classificação entre os detidos, a)
processados; b) condenados; c) condenados. Sugere a fiscalização da situação
penitenciária pelos magistrados (linhas iniciais do juiz das execuções criminais). Dá
origem ao penitenciarismo.

- Jeremy Bentham:
Pai do utilitarismo moderno. Defende o princípio preventivo da pena, que é o
preponderante, embora admita o fim correcional da pena. A pena é um mal que não
deve exceder o dano produzido pelo delito. Delineia as primeiras linhas do sentido
retributivo e a proporcionalidade.
Contribuição mais importante é a concepção do “Panótico”, estrutura idealista de
uma penitenciária.
IDADE ANTIGA Época Antiga Época Clássica Época do Baixo
(ROMA) Império
Caracterizada por um O direito era fixado Dominava o
direito arcaico, primitivo, predominantemente por absolutismo imperial,
mais próxima da pré- juristas, podendo se com intensa atividade
histórica do Direito identificar uma ciência legislativa ditada pelos
Penal, com escassos jurídica coerente e imperadores e marcada
registros escritos, racional. Surge nesse influência do
grande diversidade de contexto a divisão do Cristianismo.
regras, segundo as Direito em ramos
diferentes famílias e (Direito Público e
clãs, sendo as normas Privado).
preservadas por meio
dos costumes. Data
desse período a Lei das
Doze Tábuas ou
Código Decenviral.
IDADA MÉDIA Sua base é formada pelos Direitos Romano, Germânico e Canônico, vindo
deste último os primeiros passos dados em direção à humanização da pena,
vista como expiação. Dava-se extremo valor à confissão, etapa necessária para
demonstrar o arrependimento do réu.
O Direito Penal dessa época, caracterizado pela fusão entre Estado e Religião,
promoveu intensamente o arbítrio judicial, quase ilimitado, seja na definição dos
crimes como na inflição das penas, impregnando a Justiça com uma aura de
incerteza, insegurança e terror.
IDADE A Idade Moderna vivenciou uma transição fundamental em matéria de Direito
Penal, do absolutismo à humanização.
MODERNA / Em Portugal e, por extensão, no Brasil colônia, as Ordenações do Reino
ORDENAÇÕES (Afonsinas, Manuelinas e Filipinas) constituíam forte exemplo do Direito Penal
absolutista, caracterizado pela difusão do terror.
DE PORTUGAL Com o Iluminismo e sua racionalidade, os pensadores começaram a se dar
conta da iniquidade do modelo de Direito Penal vigente. Foi marco dessa nova
visão a obra de Cesare Bonesana, o Marquês de Beccaria, intitulada Dos delitos
e das penas (1764). No Brasil, o primeiro reflexo das ideias humanitárias de
Beccaria se fez sentir na Constituição Imperial (1824) e, posteriormente, no
Código Criminal do Império (1830).
~8~

História do Direito Penal Brasileiro:


Direito Penal Indígena:
Antes da colonização portuguesa, adotava-se a vingança privada. Contudo havia
traços do direito talional e da composição. Predominavam as sanções corporais, sem
tortura. Não havia uma organização jurídico-social, mas regras consuetudinárias (tabus),
transmitidas oralmente e dominadas pelo misticismo.
Brasil Colônia:
Os ordenamentos jurídicos (Ordenações Afonsinas > Ordenações Manuelinas >
Ordenações Filipinas) não tinham eficácia. Na prática, o arbítrio dos donatários é quem
estatuía o Direito a ser aplicado. Existia um neofeudalismo luso-brasileiro.
Características da legislação criminal:
a) buscava promover a intimidação pelo terror; Código Filipino vislumbrava
quatro espécies de pena capital (morte natural cruelmente, morte natural de fogo, morte
natural – enforcamento –, e morta natural para sempre – enforcado e deixado para
apodrecer);
b) confundiam-se crime, moral e pecado;
c) as penas impostas eram em sua maioria cruéis;
d) algumas penas ficavam ao arbítrio do julgador;
e) desigualdade de tratamento de alguns delinquentes;
f) a falta de uma parte geral;
g) a aglutinação de normas penais e processuais penais.
Brasil Império:
Código Criminal do Império (1830): primeiro código autônomo da América
Latina. Fundava-se nas ideias de Bentham, Beccaria e Mello Freire, no Código Penal
francês de 1810, no Código da Baviera de 1813, no Código Napolitano de 1819 e no
Projeto de Livingston de 1825, mas era original em vários pontos.
a) Indeterminação relativa da pena e exigência de individualização;
b) Regulamentação da concorrência delitiva;
c) Previsão de atenuante de menoridade relativa, desconhecida na legislação
estrangeira;
d) A responsabilidade sucessiva, nos crimes de imprensa, desconhecida na
legislação estrangeira;
e) A criação do sistema dias-multa, desconhecido na legislação estrangeira;
f) A indenização do dano ex delicto como instituto de direito público;
g) A imprescritibilidade da condenação;
h) A clareza e concisão de seus preceitos.
Brasil República:
Código Penal (1890): Ignorou os avanços doutrinários, defeitos de técnica, etc.
Inúmeras leis extravagantes foram promulgadas para remendá-lo.
Código Penal (1940): Vigente. Principais mudanças foram a atualização de
sanções penais pela Lei n. 6416/77 e a introdução da nova parte geral, de orientação
finalista, pela Lei n. 7209/1984.
Embora juridicamente seja dotado de um excelente sistema de penas
alternativas, é muito pouco utilizado no Brasil por “falta de vontade política dos
governantes” (Bitencourt).

ESCOLAS PENAIS
Definição: Conjunto harmônico sobre alguns dos mais importantes do Direito
Penal (como a definição de crime, a finalidade do crime e a razão de ser do direito de
punir do Estado) por meio de um método científico semelhante.
~9~

 Escola Clássica:
Século XVIII. Surgiu na Itália, de onde se espalhou para o resto do mundo,
especialmente Alemanha e França.
Os postulados consagrados pelo Iluminismo serviram de fundamento básico para
a doutrina da Escola Clássica, que representou a humanização das ciências penais. A
partir da segunda metade do século XVIII, os pensadores dedicam suas obras a censurar
abertamente a legislação penal vigente, defendendo os princípios da dignidade do
homem.
Desse movimento filosófico resultaram duas teorias, com fundamentos distintos:
- jusnaturalismo, de Grócio, com sua ideia de um Direito natural, superior e
resultante da própria natureza humana, imutável e eterno;
- contratualismo, de Rousseau (sistematizado por Fichte), e sua concepção de
que o Estado, e por extensão a ordem jurídica, resulta de um grande e livre acordo entre
homens, que cedem parte dos seus direitos no interesse da ordem e segurança comuns.
Concordavam em uma fundamental: existe um sistema de normas jurídicas
anterior e superior ao Estado, contestando a legitimidade da tirania estatal.
a) período teórico-filosófico: influência do Iluminismo; cunho nitidamente
utilitarista. Período marcado pelo pensamento de Beccaria, Filangieri, Romangnosi e
Carmignani;
b) período ético-jurídico: influência da metafísica jusnaturalista, acentuando a
exigência ética de retribuição (sanção penal). Período marcado pelo pensamento de
Carrara, Pessina e Rossi.

Francesco Carrara: Marco teórico é o Direito Natural, de onde emanavam os


direitos e deveres, cujo equilíbrio cabe ao Estado garantir.
1) Crime é um ente jurídico. Não é um ente de fato; é um ente jurídico; não é
uma ação, é uma infração;
2) O livre-arbítrio como fundamento da punibilidade. É indispensável a presença
de uma vontade livre e consciente orientando a realização da conduta;
3) A pena como meio de tutela jurídica e retribuição da culpa moral. O objetivo
da pena é a restauração da ordem externa da sociedade. A razão fundamental da pena é
a defesa do direito;
4) Princípio da reserva legal. Uma ação converte-se em crime apenas quando se
choca com a lei.

ALEMANHA
Feuerbach: A pena não é uma medida retributiva, mas preventiva (teoria da
coação psicológica). O fundamento da ameaça é a necessidade da ameaça, que a
reafirma e lhe dá seriedade, demonstrando a todos que não se trata de uma ameaça.
Ignora o livre-arbítrio para fundamentar o seu sistema.
Crítica de Hegel: Trata o homem como um cão, quando este é ameaçado com
um bastão.

 Escola Positiva
Fim do século XIXI. Acelerado desenvolvimento das ciências. Ao abstrato
individualismo da Escola Clássica, a Escola Positiva postulou a necessidade maior de
defender o corpo social contra a ação do delinquente.
~ 10 ~

A pena perde seu caráter vindicativo-retributivo, reduzindo-se a um provimento


utilitarista; seus fundamentos não são a natureza e a gravidade do crime, mas a
personalidade do réu, sua capacidade de adaptação e especialmente sua periculosidade.
Pretenderam aplicar ao Direito os mesmos métodos de observação e
investigação que se utilizavam em outras disciplinas (Biologia, Antropologia, etc.). A
falência deste método, contudo, levou à conclusão de que a atividade jurídica não era
científica e, em consequência, propuseram que a consideração jurídica do delito fosse
substituída por uma sociologia/antropologia do delinquente (Criminologia).
Causas do surgimento da Escola Positiva:
1) Ineficácia das concepções clássicas na redução da criminalidade;
2) Descrédito das doutrinas espiritualistas e metafísicas e a difusão da filosofia
positivista;
3) Aplicação dos métodos de observação ao estudo do homem;
4) Os estudos estatísticos das ciências sociais permitiram a comprovação de
certa regularidade nos fenômenos sociais (como a criminalidade);
5) As novas ideologias políticas que pretendiam que o Estado assumisse uma
função positiva na realização nos fins sociais. O Estado protegeu tanto os direitos
individuais que acabou sacrificando os direitos coletivos.

Três fases
1) Fase antropológica (Cesare Lombroso);
2) Fase sociológica (Enrico Ferri);
3) Fase jurídica (Rafael Garofalo).

Lombroso: Influência de Comte e Darwin. Criminoso atávico – existe um


criminoso nato, cujas anomalias constituiriam um tipo antropológico específico.
Reconheceu que o crime pode ser consequências de múltiplas causas, que devem ser
todas analisadas. Admite a seguinte tipologia de delinquentes: a) natos, b) por paixão, c)
louco, d) de ocasião, e) epilépticos. Fundou a Antropologia criminal. Contribuiu para
trazer para as ciências criminais a observação do delinquente através do estudo
indutivo-experimental.
Ferri: Consolidou o nascimento da Sociologia Criminal. Sustenta a inexistência
do livre-arbítrio. A pena não se impõe pela capacidade de autodeterminação da pessoa,
mas pelo fato de ser um membro da sociedade. Diferente dos demais, entende que a
maioria dos delinquentes é readaptável – mas o fim ressocializador é secundário.
Garofalo: Influência de Darwin e Herbert Spencer. Sistematizou a Escola
Positiva. Princípios estabelecidos: a) a periculosidade como fundamento da
responsabilidade do delinquente, b) prevenção especial como fim da pena; c)
fundamentou o direito de punir sobre a teoria da defesa social; d) definição sociológica
do crime natural, uma vez que pretendia superar a noção jurídica. Sua preocupação é
incapacitar o delinquente.

Contribuições à ciência do Direito Penal:


- descoberta de novos fatos e a realização de experiências ampliaram o conteúdo
do direito;
- nascimento da criminologia;
- preocupação com o delinquente e com a vítima;
- melhor individualização das penas;
~ 11 ~

- conceito de periculosidade;
- desenvolvimento de institutos como medida de segurança, suspensão
condicional da pena e o livramento condicional;
- tratamento tutelar ou assistencial do menor.

Escola Clássica Escola Positiva


Método Dedutivo Indutivo
Científico
Conceito de Ente jurídico, que representa Ente de fato, exteriorização da
Crime uma violação da lei moral periculosidade do delinquente
Fundamento do Baseia-se na culpa moral, pois Meio de defesa social, baseado
Direito de Punir todos têm livre-arbítrio na necessidade de eliminar o
perigo.
Finalidade da Retributivo Preventivo
Pena

 Terza scuola italiana


Corrente eclética. Acolhe o princípio da responsabilidade moral e a consequente
distinção entre imputáveis e inimputáveis. Não aceita a responsabilidade moral
fundamentada no livre-arbítrio, substituindo-o pelo determinismo psicológico: o homem
é determinado pelo motivo mais forte, sendo imputável quem tiver capacidade de se
deixar levar pelos motivos. Impallomeni: imputabilidade resulta da intimidabildiade.
Alimena: imputabilidade resulta da dirigibilidade dos atos do homem.
O crime é fenômeno social e individual. O fim da pena é a defesa social.

 Escola Moderna Alemã


Franz von Liszt = O Direito Penal deve sempre orientar-se segundo um fim, o
objetivo a que se destina. O Direito Penal deve apresentar uma utilidade, um efeito útil.
A pena justa é a pena necessária.
a) Adoção do método lógico-abstrato para o Direito Penal, o indutivo-
experimental para as demais ciências criminais;
b) Distinção entre imputáveis e inimputáveis, fundamentado na normalidade de
determinação do indivíduo;
c) Crime é um fenômeno humano-social e fato jurídico.
d) Função finalística da pena, de caráter preventivo especial e parcialmente
retributivo;
e) Eliminação ou substituição das penas privativas de liberdade de curta duração.

 Escola Técnico-Jurídica
Esclarecer a confusão metodológica criada pela Escola Positiva. Sustenta que a
ciência penal é autônoma, com objeto, método e fins próprios.
a) O delito é uma relação jurídica, de conteúdo individual e social;
b) A pena constitui uma reação e uma consequência do crime, com função
preventiva geral e especial;
c) Responsabilidade moral;
d) Método técnico-jurídico;
e) Recusa a aplicação da filosofia.

 Escola Correcionalista
Fundamento: idealismo romântico da Krause.
~ 12 ~

O fim único e exclusivo é a correção do delinquente. A pena não se dirige ao


homem em abstrato, mas ao homem real, vivo e concreto. O correcionalismo, de fundo
ético-panteísta, apresentou-se como uma doutrina cristão, tendo em conta a moral e o
Direito natural. O criminoso é limitado por uma anomalia de vontade; a sanção penal é
um bem. O órgão público deve restringir a liberdade individual (afastamento dos
estímulos delitivos) e corrigir a vontade defectível. A pena idônea é a privação de
liberdade, que deve ser indeterminada; o arbítrio judicial deve ser ampliado em relação
à individualização da pena; a função da pena é verdadeira tutela social; responsabilidade
penal é coletiva, solidária e difusa.

 Nova Defesa Social (Marc Ancel, 1954)


Movimento político-criminal que prega uma nova postura em relação ao homem
delinquente, embasada nos seguintes princípios:
- filosofia humanista, que prega a reação social objetivando a proteção do ser
humano e a garantia dos direitos do cidadão;
- análise crítica do sistema existente;
- valorização das ciências humanas, que são chamadas para contribuir,
interdisciplinarmente, no estudo e combate do problema criminal.

 Sociedade de Risco (Ulrich Beck/Anthony Giddens)


A sociedade contemporânea possui um alto avanço tecnológico e um sistema
econômico de livre concorrência. Os agentes, para se manterem no mercado, precisam
inovar incessantemente, produzindo produtos mais baratos com menor custo e maior
qualidade, utilizando-se da extrema evolução da ciência. Paradoxalmente, ainda não são
capazes de medir a periculosidade destes novos produtos. Há uma sensação de
proximidade do risco, muito maior do que estamos efetivamente submetidos. Este é o
pano de fundo para o desenvolvimento do direito penal contemporâneo.
Características dos Riscos Contemporâneos:
a) Procedência humana: a maior parte dos riscos é produzida pelo próprio ser
humano, como atropelamento, agressão, etc.
b) O Direito Penal passa a ser visto como um gestor de riscos, para âmbitos em
que não irradiava normas. Há uma ampliação do Direito Penal.
c) Magnitude do potencial lesivo: acidentes nucleares são capazes de destruir
uma região inteira, em comparação a furto, homicídio, etc.
d) Natureza Política dos Riscos: Os novos riscos são democráticos. O discurso
de redução de riscos é promovido pela classe dominante, que detém uma influência
discursiva maior. Minimiza os riscos aos quais não está diretamente submetida e dá
maior enfoque aos riscos que interferem em sua vida diretamente. Exemplo dos riscos
ambientais.
e) Intensificação dos riscos produzida pelos meios de comunicação em massa.
Paradoxo: Sociedade clama pela redução de riscos, mas não abre mão do
conforto gerado pelas atividades que geram risco.

Direito Penal Contemporâneo:


a) Prevenção: a maior parte dos crimes passa a ser crime de perigo. Os crimes
de resultado lesivo perdem espaço.
b) Imprecisão: as normas penais deixam de ser taxativas, passam a ser mais
imprecisas – em termos técnicos, isto significa a maior produção de normas penais em
branco ou tipos penais abertos.
~ 13 ~

c) Proteção de bens jurídicos coletivos em detrimento dos individuais: Os novos


tipos penais passam a proteger o meio ambiente, ordem econômica, etc. Há cada vez
menos uma vítima identificável.
d) Direito Penal expansivo.

 Escola de Frankfurt / Garantismo (Winfried Hassemer)


O Direito Penal não é instrumento idôneo para gerir os riscos da sociedade. A
função ideal do direito penal é o seu “núcleo duro”, a intervenção deve ser mínima.
Propõe a criação de um direito de intervenção, ramo do direito administrativo, capaz de
fixar de uma maneira mais fluida os riscos.
Crítica: O garantismo elabora um corte social; os crimes tradicionais são
realizados pelos de classe mais baixa, afastando a agressividade do Direito Penal das
pessoas de classe alta, mais propensas a cometerem crime de perigo.

 Abolicionismo (Louk Hulsman / Nils Christie)


Sua proposta é abolir o Direito Penal. Este não cumpre nenhuma das finalidades
a que se propõe, seja ressocializadora ou preventiva. Seu problema é apresentar uma
contraproposta.

SISTEMAS PENAIS
Conjunto de elementos, cuja interação, segundo determinadas teorias e por meio
de um conjunto de normas jurídicas (princípios e regras), formam o conceito analítico
de crime. A construção de um pensamento sistemático da Ciência Penal permite a
facilitação dos exames de caso, a ordenação dos sistemas como pressuposto de uma
aplicação uniforme e diferenciada do Direito, o contexto sistemático como diretriz
para o desenvolvimento praeter legem do Direito, simplificação e melhor
manuseabilidade do Direito.

Sistema Clássico (late século XIX)


(Franz von Liszt/Ernest Beling + contribuições Gustav Radbruch; modelo
positivista)
Filosoficamente, os clássicos adotam como fundamento o positivismo de
Auguste Comte. O positivismo, enquanto cientificismo, convenceu-se de que a certeza
que dominava as ciências físico-experimentais absorveria e resolveria todas as questões
que a sociedade apresentasse, cabendo à ciência a função de reorganizar a sociedade
ordenadamente. Pretendeu aplicar ao Direito os mesmos métodos de observação e
investigação que eram utilizados nas disciplinas experimentais. Von Liszt apresentou
um positivismo jurídico com matizes naturalísticas.
O sistema clássico incorporou duas importantes teorias:
- teoria causal/naturalista da ação = ação como inervação muscular, produzida
por energias de um impulso cerebral, que provoca modificações no mundo exterior;
- teoria psicológica da culpabilidade = culpabilidade como vínculo psicológico
que une o autor ao fato, por meio do dolo ou da culpa.
Estrutura do crime no sistema clássico: O crime é composto por um aspecto
objetivo e um aspecto subjetivo.
 O aspecto objetivo subdivide-se em (a) fato típico, este, por sua vez,
composto pela conduta e pela tipicidade. Em determinados delitos (crimes
materiais), agregava-se também o resultado e o nexo de causalidade; (b)
antijuridicidade, que era presumida quando o fato é típico, excetuando-se a
presença das causas justificantes.
~ 14 ~

 O aspecto subjetivo se faz presente pelo juízo da culpabilidade, entendida


como o vínculo psicológico entre autor e fato, representado pelo dolo ou
culpa, tendo como pressuposto a imputabilidade.
Críticas:
- Definição exageradamente ampla de ação, que compreende a ação em sentido
estrito e a omissão, que eram ambas consideradas causais. Do ponto de vista natural,
contudo, a omissão não dá ensejo a relações de causalidade – ex nihilo, nihil. A omissão
penalmente relevante não é causal, é normativa.
- A posição do dolo está deslocada para a culpabilidade. Os clássicos observam a
conduta de maneira objetiva, sem se preocupar com a intenção do agente – separação
teórica inexistente na prática. É necessário analisar o propósito do autor para verificar
qual fato penalmente típico que realizou, a exemplo dos crimes tentados. E a culpa,
diversamente do dolo, não tem cunho psicológico, mas normativo.
- Injustiça na solução dos casos de coação moral irresistível e obediência
hierárquica.

Sistema Neoclássico (1907)


(Reinhard Frank/Edmund Mezger; modelo neokantista)
A insuficiência do positivismo foi constatada muito antes na ciência jurídica-
penal. A premissa do neokantismo não é diferente do positivismo, sustentando uma
completa separação entre conhecimentos puros e conhecimentos empíricos. Na seara
jurídica, leva à separação entre ser e dever-ser. O neokantismo é um movimento
filosófico nascido no fim do século XIX, o qual propõe um conceito de ciência jurídica
que supervalorize o dever-ser e seja referido a valores supremos da sua ciência. Assim,
com introdução de considerações axiológicas e materiais, o neokantismo substitui o
método puramente jurídico-formal do positivismo, passando a ter, como objetivo, a
compreensão do conteúdo dos fenômenos e categorias jurídicas – para atingir esse
desiderato, leva em consideração sua dimensão valorativa.
Escola de Marburgo (Hermann Cohen, Paul Notarp, Rudolf Stammler): Só o método formal tem valor a priori: todas as proposições justas têm somente uma
validade relativa e condicionada; sua justiça decorre exclusivamente de sua forma, isto é, de que os elementos concretos que contém se achem ordenados
conforme a ideia formal de harmonia. Privilegiavam a epistemologia e a lógica.
Escola de Baden / Escola Sudocidental (Heinrich Rickert): A característica do Direito é sua referência a valores que busca certos fins. O direito é uma
realidade cultural.

No conceito de culpabilidade, Frank agregou a reprovabilidade do ato. Essa


noção introduz um novo elemento à culpabilidade, que passa a ser constituída pela (a)
imputabilidade; (b) dolo ou culpa; (c) exigibilidade de conduta diversa.
Estrutura do crime no sistema neoclássico: O crime é composto pelo injusto
culpável.
 O injusto compõe-se do fato típico (conduta + tipicidade) e a
antijuridicidade, que permanecem sendo critérios objetivos.
 O culpável, possuindo um cunho psicológico-normativo, não sendo mais
apenas um liame psicológico que une autor ao fato, mas que envolve a
reprovabilidade do ato.
Críticas:
- A inexistência de elemento subjetivo no injusto. O homem, que se disfarçando
de médico para satisfazer sua lascívia em teste ginecológico está em situação
exatamente igual ao médico que realiza exame.
- Dolo normativo ou híbrido. O dolo, para os neoclássicos, era composto pela
consciência, voluntariedade e consciência da ilicitude. Pode resolver os problemas de
erro de proibição, mas pode tornar impunes os delinquentes habituais.
~ 15 ~

Sistema Finalista (1931)


(Hans Welzel)
Baseado no método fenomenológico de investigação, sustentando a formulação
de um conceito pré-jurídico de pressupostos materiais (dentre os quais a conduta
humana) existentes antes da valoração humana e, por isso, precedentes a qualquer
valoração jurídica. Não é o homem, com a colaboração de suas categorias mentais,
quem determina a ordem do real, mas sim o próprio homem que se encontra inserido
numa ordel real corresponde a estrutura lógico-objetivas. Sua construção é a partir
de uma perspectiva ontológica, na visão do homem como ele é e não em um homem
idealizado. É o foco nas estruturas lógico‐objetivas do homem, de todas as épocas, de
todos os povos. Esta natureza deve servir de parâmetro e referência para o legislador.
É a estrutura comum a todos os ordenamentos jurídicos.
As teorias mais importantes do finalismo são:
- Teoria Finalista da Ação: A ação não constitui um simples movimento
muscular gerador de relações de causalidade, mas uma conduta humana, consciente e
voluntária, dirigida a uma finalidade.
- Teoria Normativa Pura da Culpabilidade: Welzel afirma que conduta e
finalidade são inseparáveis; todos os homens dirigem seu comportamento
finalisticamente. Destarte, o juízo de dolo/culpa é deslocado para à conduta, tornando a
culpabilidade composta unicamente de elementos normativos: (a) imputabilidade; (b)
potencial consciência da ilicitude (que é retirada do dolo e passa a ser potencial); (c)
exigibilidade de conduta diversa.
Estrutura do crime no sistema finalista: O crime continua sendo composto pelo
injusto culpável.
 Injusto: fato típico = conduta (culposa ou dolosa), tipicidade, resultado+nexo
de causalidade (nos crimes materiais ou de resultado) + antijuridicidade (que
passa a conter elementos subjetivos – na legítima defesa, v.g. o autor tem de
ter a finalidade proteger direito seu ou de outrem).
 Culpável: culpabilidade = imputabilidade, exigência de conduta diversa,
potencial consciência da ilicitude.
Críticas:
- Seu objetivismo essencialista desconhece que os conceitos que temos não são
puros reflexos necessários da realidade, mas construções humanas baseadas em um
consenso social contingente.

Sistema Funcionalista (late século XX)


(Claus Roxin vs. Günther Jakobs)
O funcionalismo também parte de um pensamento neokantista, mas não apela
aos valores sociais, que são intangíveis, mas aos valores funcionais, aqueles que fazem
com que a sociedade permaneça funcionando. O Direito Penal não muda a sociedade.
Ele a acompanha. Os valores que mudam a sociedade são os crimes. Quando a
sociedade muda, são descriminalizados.
Duas correntes de pensamento:
 Funcionalismo dualista (Roxin), ou moderado/teleológico-funcional: sua
lógica objetiva pode ser acrescida de uma razão prática, onde os valores
protegidos pelo sistema penal estejam limitados por um substrato material
fático externo ao próprio sistema. A função do Direito Penal é a proteção de
todos os bens jurídicos relevantes para garantir a dignidade da pessoa
humana.
~ 16 ~

Os problemas politico-criminais configuram o conteúdo próprio da Teoria


Geral do Delito. Não admite a separação entre a dogmática penal e a política
criminal, mas orientar o Direito Penal a encontrar soluções justas (político-
criminalmente satisfatórias). A partir da unidade sistemática entre política
criminal e dogmática penal, a teoria do crime estrutura-se de modo que todas
as “categorias concretas do delito (tipicidade, antijuridicidade e
culpabilidade) devem sistematizar-se, desenvolver-se e contemplar-se desde
o início sob o prisma de sua função político-criminal”, e não segundo prévios
ontológicos (ação, causalidade, estruturas lógico-reais etc.).
 Funcionalismo monista (Jakobs), ou radical/sistêmico: somente no interior
de um próprio sistema autopoietico penal encontram-se os parâmetros
necessários para o seu desenvolvimento estrutural, não se limitando a limites
externos. O objetivo do direito penal é a proteção de expectativas cuja
frustração gere uma disfuncionalidade.
As principais teorias do funcionalismo:
- A teoria da imputação ao tipo objetivo (ou teoria da imputação objetiva), que
condiciona a imputação do resultado à criação de um risco não permitido dentro do
alcance do tipo.
- Teoria funcionalista da culpabilidade: expansão do conceito de culpabilidade
para uma ideia de responsabilidade; o culpável, condição para imposição da pena, alia-
se a necessidades preventivas da lei penal.
Estrutura do crime no sistema funcionalista: Permanece composto pelo injusto
culpável, com o acréscimo da imputação objetiva ao fato típico do injusto, o que esvazia
o conceito de antijuridicidade, e a noção de desnecessidade de pena quando esta não
atender nenhum fim preventivo, telos do Direito Penal (“bagatela imprópria”).

FUNÇÕES DA PENA
- Teorias Absolutas ou Retributivas da Pena: A pena é a necessidade de
restaurar a ordem jurídica interrompida. O indivíduo que descumpre a lei contraria o
contrato social; a pena tem como fim fazer a justiça. A culpa do autor deve ser
compensada pela imposição de um mal.
- Teoria de Kant: Fundamentação de ordem ética. Quem não cumpre as
disposições legais não é digno do direito de cidadania. A lei é um imperativo categórico,
mandamento que representa uma ação em si mesma, sem referência a nenhum outro
fim, como objetivamente necessária. A pena deve ser aplicada pela simples razão de ter
delinquido; utilizá-lo como exemplo o instrumentalizaria. Não há nenhuma preocupação
com a utilidade da pena para ele ou para os demais integrantes da sociedade. A medida
da pena é o ius talionis. Aderentes: Binding, Mezger.
- Teoria de Hegel: A pena é a negação da negação do Direito. O crime
representa a contradição entre a vontade geral (Direito) e a vontade particular (delito);
aniquila-o através do estabelecimento da pena. Inadmite o princípio preventivo, porque
este ameaça o homem como quando se mostra um pau a um cachorro – o homem não
deve ser tratado como cachorro. A medida da pena é o ius talionis. Aderentes: Carrara.
- Ética Cristã: A pena é a expiação do delito (pecado).
- Teorias Relativas ou Preventivas da Pena: A pena visa prevenir a prática do
fato delitivo. Sêneca afirma que “nenhuma pessoa responsável castiga pelo pecado
cometido, mas sim para que não volte a pecar”.
- Prevenção Geral (Bentham, Beccaria, Feuerbach, et alli): A pena é uma
ameaça da lei aos cidadãos para que se abstenham de cometer delitos; é, pois, uma
“coação psicológica” com a qual se pretende evitar o fenômeno delitivo. Já não se
~ 17 ~

observa somente a parte da execução da pena, mas se antepõe à sua execução a


cominação penal. Teoria da coação psicológica. Os principais problemas empíricos são:
a) não há como determinar que o cidadão efetivamente conhece as leis; b) a existência
de um homo oeconomicus, que avalie vantagens e desvantagens antes de cometer um
delito, não existe; c) não há como dizer se a conformidade com o Direito é resultado de
um efeito preventivo; d) justifica um Direito Penal do terror.
- Prevenção Especial (Von Liszt): Ressocializar e reeducar os
delinquentes, intimidar aqueles que não necessitam ressocializar e neutralizar os
incorrigíveis (correção, intimidação e inocuização). O delito é, antes de tudo, um dano
social, e o delinquente é um perigo social, que põe em risco a sociedade. Sofre algumas
críticas, como e.g. o delinquente que não precisa ser corrigido, intimidado ou
inocuizado sair impune.
- Teoria Mista ou Unificadora da Pena (Merkel): Estabelece uma diferença
entre o fundamento e o fim da pena. A sanção não deve “fundamentar-se” em nada que
não seja o delito. O seu fim é de proteger a sociedade. Duas subcorrentes:
- Teoria Conservadora: Projeto Oficial do Código Penal Alemão de
1962. A proteção deve ter como base a retribuição justa, e na determinação da pena, os
fins preventivos desempenham um papel exclusivamente complementar, sempre dentro
da linha retributiva;
- Teoria Progressista: Projeto Alternativo Alemão, de 1966. O
fundamento da pena é a defesa da sociedade, ou seja, a proteção de bens jurídicos, e à
retribuição corresponde a função apenas de estabelecer o limite máximo de exigências
de prevenção, impedindo que tais exigências elevem para além do merecido pelo fato
praticado.
Críticas: A simples adição não só destrói a lógica imanente à concepção, como
também aumenta o âmbito de aplicação da pena, que se converte assim em meio de
reação apto a qualquer emprego. Os efeitos não se suprimem, mas se multiplicam
(Roxin).
- Teoria da Prevenção Geral Positiva Fundamentadora:
- Welzel: O Direito Penal cumpre uma função ético-social para a qual,
mais importante que a proteção dos bens jurídicos, é a garantia da vigência real dos
valores de ação da atitude jurídica. A proteção de bens jurídicos constitui somente uma
função de prevenção negativa. A mais importante missão é manter a vigência de ditos
valores, conforme o juízo ético-social do cidadão, e fortalece sua atitude permanente de
fidelidade ao Direito.
- Jakobs: A ordem jurídica continua a viger, mesmo quando o delito a
infringe; a pena é uma forma de destacar para a sociedade que a conduta delitiva não
impede a manutenção da norma.
- Teoria da Prevenção Geral Limitadora (Hassemer): A prevenção geral deve
expressar-se com sentido limitador do poder punitivo geral. O Direito Penal é um meio
a mais de controle social, caracterizado pela sua formalização, submetendo-se a
pressupostos e limitações que as outras sanções desconhecem. Através da pena não só
se realiza a luta contra o delito, como também se garante a juridicidade, a formalização
do modo social de sancionar o delito. A onipotência jurídico-penal do Estado deve
contar com freios que resguardem os invioláveis direitos fundamentais do cidadão. O
principal fim da pena é a prevenção geral, sem deixar de lado as necessidades de
prevenção especial – a ressocialização do delinquente implica um processo
comunicacional e interativo entre o indivíduo e sociedade. Não existe ordem social
perfeita, em que os erros são apenas do indivíduo.
~ 18 ~

SISTEMAS PENITENCIÁRIOS

 Sistema Pensilvânico ou Celular


Origens: ca. 1776, sob influência dos quacres em Wallnut Street Jail, difundindo
as ideias de John Howard.
Características: Isolamento celular dos indivíduos, que podiam exercer algum
trabalho dentro das próprias celas (que eram tediosos e frequentemente sem sentido);
obrigação estrita do silêncio; meditação e oração. Esse sistema reduzia drasticamente os
gatos com vigilância, e a segregação individual impedia a possibilidade de introduzir
uma organização do tipo industrial nas prisões. Não se trata de um sistema desenhado
para melhorar as prisões e ressocializar o delinquente, mas de um eficiente instrumento
de dominação.

 Sistema Auburniano (silent system)


Origens: ca. 1816, como resposta ao número excessivo de delinquentes e o
pequeno espaço.
Características: Os prisioneiros eram divididos em categorias (I – velhos e
persistentes delinquentes, que ficavam em isolamento contínuo; II – menos
incorrigíveis, isolamento por 3 vezes/semana e tinham permissão para trabalhar; III –
mais corrigíveis, somente isolamento noturno e trabalhavam juntos durante o dia).
Adota, além do trabalho comum, a regra do silêncio absoluto. Não podiam falar
entre si, somente com os guardas, com licença prévia e voz baixa. Foucault vê
influência do modo monástico, e entende como um meio para imposição e manutenção
do poder.

Ambos os sistemas impediam que os reclusos pudessem comunicar-se entre si e


os separavam em celas individuais durante a noite. A diferença principal reduz-se ao
fato de que no regime celular a separação dos reclusos ocorria durante todo o dia; no
auburniano, eram reunidos durante algumas horas, para poderem dedicar-se a um
trabalho produtivo.
Europa inclinou-se pelo regime celular (não necessitava do trabalho prisional
produtivo, em razão do desenvolvimento das forças preventivas) e Estados Unidos
inclinou-se pelo sistema auburniano. (permitia alojar mais pessoas e o trabalho era mais
eficiente e produtivo).

 Sistema Progressivo Inglês (mark system)


Origens: ca. 1840, pelo capitão Maconochie, na Austrália. O abandono da pena
de morte e castigos corporais em favor da pena de prisão constitui a queda dos regimes
celular e auburniano pelo regime progressivo.
Características: Medir a duração da pena por uma soma de trabalho e de boa
conduta imposta ao condenado, que era representada por certo número de vales ou
marcas, de tal maneira que a quantidade de vales que cada condenado necessitava obter
antes de sua liberação deveria ser proporcional à gravidade do delito. Três períodos:
- isolamento celular diurno e noturno – período de provas, para reflexão;
trabalho duro e obrigatório, com regime de alimentação escassa;
- trabalho em comum sob regra do silêncio – dividido em classes, que se
dispõem hierarquicamente;
- liberdade condicional – passado esse período sem nada que determinasse sua
revogação, decretava-se sua liberdade definitiva.
~ 19 ~

 Sistema Progressivo Irlandês


Origens: ca. 1854, diretor de prisões na Irlanda, Walter Crofton, aperfeiçoa o
sistema progressivo de Maconochie.
Características: Quatro fases, em vez de três.
- isolamento celular diurno e noturno;
- trabalho em comum sob a regra do silêncio;
- período intermediário – prisões especiais, onde o preso trabalhava ao ar livre,
no exterior do estabelecimento, em trabalhos agrícolas (colônias);
- liberdade condicional.

Críticas aos sistemas progressivos:


a) a efetividade do regime é uma ilusão, inexiste uma mudança progressiva
automática;
b) não é plausível admitir que o recluso admita a disciplina imposta
voluntariamente;
c) as etapas são dividias de forma estereotipada;
d) o conceito retributivo no qual se baseia, que pretende aniquilar a pessoa para
depois readaptá-la, que em muitas vezes tem uma falsa boa conduta.

NORMA PENAL
Norma penal incriminadora: instrumento do Direito Penal de descrever as
condutas que considera ilícitas, atribuindo-lhes as sanções respectivas. Sua estrutura é a
seguinte,

“Art. 121. Matar alguém (preceito primário).


Pena – reclusão, de seis a vinte anos (preceito secundário)”.

Preceito primário: descrição da ação ou omissão proibida.


Preceito secundário: pena cominada, em quantidade e qualidade.

Norma penal não incriminadora: o Direito Penal formula proposições jurídicas


das quais se extrai o conteúdo imperativo da respectiva norma. Estão presentes na Parte
Geral do Código Penal.
Infração Penal:
- teoria tripartida: crime, delito e contravenção;
- teoria bipartida: crime e contravenção (adotada no Brasil).
Elementares do crime são dados essenciais da figura típica, sem a qual não há
figura típica.
Circunstâncias são dados acessórios que agregados ao tipo fundamental, influem
na quantidade da pena, que podem ser judiciais (CP, art. 59, caput) ou legais (previstas
na Parte Geral ou Especial).
Estes elementos podem ser objetivos (v.g. “matar alguém”), ou subjetivos (v.g
“com o intuito de obter para si ou para outrem vantagem indevida”).

APLICAÇÃO DA LEI PENAL


Lei Penal no Tempo
O direito de punir em abstrato do Estado (ius puniendi in abstracto) surge da
ocasião da entrada em vigor de uma lei penal; antes de vigorar, isto é, em período de
vacância (vacatio legis), não há lei nova, mas apenas expectativa de lei. Ou seja, antes
~ 20 ~

de consumada sua vacância, uma lei penal não pode ser aplicada (nem mesmo em
benefício do réu) – doutrina majoritária, da qual Cezar Bitencourt diverge.
Conflito de Leis Penais no Tempo: Dá-se quando duas ou mais leis penais que
tratam do mesmo assunto sucedem-se.
- Princípio Reitor: A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.
- Atividade: aplicação da lei a fatos ocorridos durante sua vigência.
- Extratividade: aplicação da lei a fatos ocorridos fora do seu período de
vigência. Divide-se em a) retroatividade (aplicação a fatos ocorridos antes de sua
entrada em vigor); b) ultratividade (aplicação a fatos ocorridos depois de sua
revogação).
Toda lei penal que, de alguma forma, amplie as garantias de liberdade do
indivíduo, reduza as proibições e, por extensão, as consequências negativas do crime,
seja ampliando o campo de licitude penal, seja abolindo tipos penais, seja refletindo nas
excludentes de criminalidade ou mesmo nas dirimentes de culpabilidade, é considerada
lei mais benigna.
Por outro lado, toda lei penal que, de alguma forma, represente um gravame aos
direitos de liberdade, que agrave as consequências penais diretas do crime, criminalize
condutas, restrinja a liberdade, provisoriamente ou não, caracteriza lei penal mais grave.
Quando restar dúvida, a doutrina sugere que se deve consultar o próprio agente
(solução adotada pelo Código Penal espanhol).

“Novatio legis in mellius” e “abolitio criminis”:


A lei penal mais benéfica (lex mitior) divide-se em novatio legis in mellius e
abolitio criminis. Ambas terão extratividade, posto que mais benéficas ao agente.
Novatio legis in mellius: Nova lei penal que, mantendo sua incriminação, dá ao
fato um tratamento mais brando.
Abolitio criminis: Nova lei penal que descriminaliza conduta. É causa extintiva
de punibilidade, fazendo desaparecer todos os efeitos penais, permanecendo os
extrapenais. O inquérito policial ou o processo são imediatamente extintos; se já houve
sentença condenatória, cessa imediata sua execução e todos os seus efeitos penais; se já
tiver sido cumprida a pena, o réu terá sua folha de antecedentes completamente
corrigida.
“Novatio legis in pejus” e “novatio legis” incriminadora:
A lei penal mais gravosa (lex gravior) divide-se em novatio legis in pejus e
novatio legis incriminadora. Elas não podem retroagir.
Novatio legis in pejus: Nova lei penal que, mantendo sua incriminação, dá ao
fato um tratamento mais rigoroso.
Novatio legis incriminadora: Nova lei penal que passa a criminalizar fato
anteriormente lícito.

Combinação de Leis Penais: Dá-se quando uma lei penal nova beneficia o
agente em um aspecto e o desfavorece em outro. Há uma discussão na doutrina e na
jurisprudência da possibilidade de combinar os aspectos benignos de uma lei penal e
conjugá-los com os aspectos benignos de outra. A maior crítica que se faz é de que,
procedendo desta maneira, o juiz estaria criando uma terceira lei, violando a separação
de poderes. O STF e o STJ pacificaram o entendimento quanto à impossibilidade de
combinar leis penais.
Sucessão de Leis Penais / Lei Intermediária: Dá-se quando há uma sucessão de
leis penais, e a mais favorável não é nem a lei do tempo do fato nem a última, mas uma
intermediária. A lei intermediária é aplicada e ela é dotada de dupla extratividade.
~ 21 ~

(Exemplo: o fato delitivo é cometido quando Lei A comina pena de vinte a trinta anos
de detenção; enquanto o processo corre, é promulgada a Lei B que comina pena de um a
três anos de detenção; à época da sentença, vige a Lei C que comina a pena de quinze a
vinte anos de detenção. Aplica-se a Lei B).

Competência para Aplicação da Lei Penal:


- Fase de Investigação: a autoridade policial deve remeter ao juízo competente
para a imediata aplicação da lei mais benigna, no que for cabível (se adequados à fase
inquisitiva). No caso de abolitio criminis, é necessária a remessa para que o magistrado,
ouvido o parquet, decrete a extinção de punibilidade.
- Processo de Conhecimento (1º grau): o juiz de primeiro, até a prolatação da
sentença.
- Processo de Conhecimento (2º grau): competência é do tribunal, mesmo
quando os autos não tiverem subido.
- Fase executória com trânsito em julgado: Há duas orientações, que dizem que o
juízo competente para aplicar a lei mais benéfica é a) o juiz da execução penal (Súmula
611 do STF); ou b) o Tribunal, por meio da revisão criminal. A doutrina e
jurisprudência majoritária entendem que a competência é do juiz da execução penal.

Leis Excepcionais e Temporárias: Entende-se por lei temporária aquelas cuja


vigência vem previamente fixada pelo legislador, enquanto as leis excepcionais são
aquelas que vigem durante situações de emergência. Não se trata propriamente de
ultratividade, pois elas continuam a vigorar, mas apenas tornam inaptas a reger novas
situações.

Retroatividade e Lei Penal em Branco: A lei penal em branco é aquela que


possui um preceito primário incompleto, de modo que necessita de outra norma jurídica
para se definir, com precisão, seu alcance. Quando o complemento é de hierarquia
diferente, temos lei penal em branco em sentido estrito ou heterogênea. Quando o
complemento é de mesma hierarquia, temos lei penal em branco em sentido amplo ou
homogênea.
O complemento integra a norma. Sua revogação resultará, de regra, na
descriminalização da conduta. Exceção: quando o complemento possuir caráter
temporário ou excepcional.

Crimes Continuados e Crimes Permanentes:


Súmula 711, do STF: “A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou
ao crime permanente, se sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da
permanência”.
Crime permanente é uma entidade jurídica única, cuja execução alonga-se no
tempo. A súmula é correta neste tocante.
Crime continuado é integrado por diversas ações, cada uma em si mesmo
criminosa, que a lei considera, por razões de política criminal, como um crime único – é
uma ficção jurídica. Inconstitucional a súmula neste aspecto, pois imporá lei penal mais
grave a fatos cometidos antes de sua vigência, violando o princípio da irretroatividade
da lei penal mais grave.

Tempo do Crime: É considerado praticado o crime no momento da ação ou


omissão, ainda que outro o momento do resultado (CP, art. 4º). O tempo do crime não
possui apenas relevância da lei penal aplicável, mas também para a delimitação da
~ 22 ~

responsabilidade penal (v.g. se o agente for menor ao praticar a conduta e maior quando
do resultado, aplicar-se-á o ECA), e para outras circunstâncias do crime (v.g. agravante
genérica de crime contra menor de 14 anos ou maior de 60 anos).

Lei Penal no Espaço


Princípios Dominantes
a) Princípio da Territorialidade: Aplica-se a lei penal aos fatos puníveis
praticados no território nacional, independentemente da nacionalidade do agente, da
vítima, ou do bem jurídico lesado (regra geral – CP, art. 5º, caput);
b) Princípio real, de defesa ou de proteção: Extensão da jurisdição penal do
Estado titular do bem jurídico lesado para além de seus limites territoriais. O Estado
protege os bens jurídicos que considera fundamentais (CP, art. 7º, I; vida/liberdade do
Presidente, patrimônio/fé pública dos órgãos da Administração, contra a administração
por quem está a seu serviço, genocídio cometido por brasileiro ou domiciliado) –
hipótese de extraterritorialidade incondicionada;
c) Princípio da nacionalidade ou da personalidade: Aplica-se a lei penal da
nacionalidade do sujeito, pouco importando o local que o crime foi praticado. Pode ser
da espécie ativa – autor do delito (CP, art. 7º, II, b; crimes cometidos por brasileiros) –,
ou passiva – vítima do delito (CP, art. 7º, §3º; crimes cometidos contra brasileiro,
satisfeitos os requisitos do parágrafo anterior) – hipótese de extraterritorialidade
condicionada;
d) Princípio da universalidade ou cosmopolita: As leis penais devem ser
aplicadas a todos os homens, onde quer que se encontrem – trata-se de cooperação penal
internacional (CP, art. 7º, II, a, crimes que por tratado ou convenção o Brasil se obrigou
a reprimir) – hipótese de extraterritorialidade condicionada;
e) Princípio da representação ou da bandeira: Na hipótese de deficiência
legislativa, aplica-se a lei do Estado em que está registrada a embarcação ou a aeronave
ou cuja bandeira ostenta (CP, art. 7º, II, c, crimes cometidos nestes veículos no
estrangeiro e ali não sejam julgados) – hipótese de extraterritorialidade condicionada.

Extraterritorialidade incondicionada: Consubstanciam fatos cuja gravidade


reclama a adoção de providências independentemente de qualquer condição. Pode,
eventualmente, correr dois processos sob o mesmo fato. Para tanto, a sentença cumprida
no estrangeiro pode a) atenuar a pena imposta no Brasil, se diversa; b) computar a pena
imposta no Brasil, se idêntica.
Extraterritorialidade condicionada: Exigem certas condições para aplicar o
provimento jurisdicional brasileiro, a dizer: a) entrada do agente no território nacional
(condição de procedibilidade); b) ser o fato punível também no país em que cometido;
c) não ter sido absolvido ou cumprido pena no estrangeiro; d) não tiver sido perdoado
ou extinguido sua punibilidade (condições objetivas de punibilidade).
Condições de procedibilidade impedem a propositura da ação penal, mas
permitem sua investigação. Condições objetivas de punibilidade impedem até a
investigação.

Conceito de Território Nacional: O conceito de território nacional, em sentido


jurídico, deve ser entendido como âmbito espacial sujeito ao poder soberano do Estado.
Este abrange:
- solo e subsolo contínuo. Quando os limites territoriais são fixados por
montanhas, podem-se utilizar dois critérios: (a) das cumeadas, ou (b) divisor de águas
(Brasil não tem fronteiras montanhosas); quando os limites são fixados por rios, a
~ 23 ~

solução pode ser (a) se o rio pertencer inteiramente a um Estado, a partir da margem
oposta; (b) uma linha meridiana, determinada pela equidistância das margens (mais
comum); (c) acompanha a linha de maior profundidade (talvegue); (d) rio indiviso,
ambos os territórios exercem soberania;
- águas interiores;
- mar territorial, incluindo leito e subsolo respectivo – plataforma continental
(faixa de 12 milhas, Lei nº 8.617, de 4 de janeiro de 1993);
- espaço aéreo (três teorias: (a) liberdade absoluta do ar, onde nenhum Estado
detém soberania; (b) soberania limitada ao alcance das baterias antiaéreas; (c) soberania
sobre a coluna atmosférica – teoria adotada no Brasil, Código Brasileiro da Aeronáutica,
art. 11);
- as aeronaves e embarcações: a) públicos (de guerra, em serviço militar, em
serviço público, colocados a serviço de Chefes de Estado ou representantes
diplomáticos) onde quer que se encontrem; b) brasileiras privadas, em águas
internacionais; c) estrangeiros privados, quando em território brasileiro.

Lugar do Crime:
a) Teoria da ação ou da atividade: lugar do crime é aquele em que se realizou a
conduta típica (crítica: exclusão da tutela estatal que teve o bem jurídico lesado);
b) Teoria do resultado ou do evento: lugar do crime é aquele em que ocorreu o
resultado (crítica: exclusão da atuação do Estado em que a ação ocorreu, que tem
interesse em reprimi-la);
c) Teoria da intenção: lugar do crime é aquele em segundo a intenção do agente
o resultado deveria ocorrer (crítica: insuficiente nos casos de crimes culposos e
preterdolosos);
d) Teoria da ubiquidade: lugar do crime tanto pode ser o da ação, como o do
resultado, ou o lugar do bem jurídico atingido. Teoria adotada pelo Direito Brasileiro
(CP, art. 6º).

Lei penal em relação às pessoas


As imunidades não estão vinculadas à pessoa autora de infrações penais, mas às
funções eventualmente por ela exercidas.

Imunidade diplomática (causa pessoal de exclusão de pena): Privilégio


outorgado aos representantes diplomáticos estrangeiros, observando sempre o princípio
da mais estrita reciprocidade. A Convenção de Viena estabelece para o diplomata
imunidade jurisdição penal, ficando sujeito à jurisdição do Estado que representa. Os
funcionários do diplomata não são imunizados e o diplomata tem apenas imunidade
pelos atos realizados no exercício das funções diplomáticas. O Estado acreditante pode
renunciar à imunidade, mas o agente não.
Os Chefes de Estado possuem imunidade absoluta e, por costume internacional,
estende-se aos seus familiares e ao seu séquito.

Imunidade parlamentar: A imunidade é uma prerrogativa do próprio


Parlamento, irrenunciável uma vez que é intrínseca ao cargo e não a pessoa, de cunho
personalíssimo. Subdivide-se em duas espécies.
- Imunidade material, ou real (“inviolabilidade”): causas de exclusão de
adequação típica. Prerrogativa que alcança todas as opiniões, palavras e votos
relacionados com o exercício do mandato (exigência de nexo de causalidade) – não
estende a suplentes;
~ 24 ~

- Imunidade formal, ou processual: regras limitativas da atividade persecutória


do Estado. Passa a vigorar desde que o parlamentar seja diplomado na Justiça Eleitoral,
compreendendo três vetores.
- a competência por prerrogativa de função, determinando que o processo
e o julgamento ocorram perante o STF;
- a imunidade prisional, assegurando-se que somente pode ser preso em
flagrante por crime inafiançável, remetendo-se os autos em 24 horas para a respectiva
Casa para decidir por maioria absoluta da prisão;
- a imunidade do processo, que permite a respectiva Casa, por iniciativa
do partido representado e por maioria absoluta, suspenda ação de delito que ocorreu
após a diplomação.

Extradição: Ato pelo qual um Estado entrega um indivíduo acusado de fato


delituoso ou já condenado como criminoso à justiça de outro estado, competente para
julgá-lo ou puni-lo.
a) ativa: em relação ao que a reclamada;
b) passiva: em relação ao Estado que a concede;
c) voluntária: quando há anuência do extraditando;
d) imposta: quando há oposição do extraditando;
e) reextradição: ocorre quando o Estado que obteve a extradição (requerente)
torna-se requerido por um terceiro Estado.
- Princípios e condições da extradição
I – quanto ao delito:
a) princípio da legalidade (Estatuto do Estrangeiro): não há extradição se o crime
imputado ao extraditando não estiver especificado em tratado ou convenção
internacional – mitigado pelo princípio da reciprocidade.
b) principio da especialidade: o extraditado não poderá ser julgador por fato
diverso daquele que motivou a extradição.
c) princípio da identidade da norma: o fato que origina o pedido de extradição
deve consistir em crime também no país ao qual a extradição foi solicitada. Refere-se
tanto à tipificação do fato imputado quanto à sua punibilidade.
II – quanto à pena e a ação penal:
a) princípio da comutação: condicionada à não aplicação de pena de morte,
prisão perpétua ou pena corporal. Se tiver a cominação de tais penas, deverá comutá-las
em pena privativa de liberdade.
b) princípio da jurisdicionalidade: impede que o extraditando seja julgado por
juízo de exceção;
c) princípio “non bis in idem”: impede a concessão quando o Brasil for
igualmente competente para julgar; necessidade de assumir a obrigação de comutar o
tempo de prisão que foi imposta no Brasil.
Requisitos
a) exame prévio pelo STF;
b) existência de convenção ou tratado firmado com o Brasil ou, na sua falta, o
oferecimento de reciprocidade;
c) existência de sentença final condenatória ou decreto de prisão cautelar pelo
Estado requerente;
d) ser o extraditando estrangeiro.
~ 25 ~

Deportação: saída compulsória do estrangeiro para o país de sua nacionalidade


ou procedência ou para outro em que consinta em recebê-lo, por ingressar ou estar de
maneira irregular, ou por intentar contra a ordem pública.

CONFLITO APARENTE DE NORMAS


O conflito aparente de normas acontece sempre que a um único fato se pode
aplicar (aparentemente) mais de uma norma incriminadora. No Direito Penal, é vedada a
dupla condenação por um único fato (princípio do non bis in idem).
Princípios regentes do conflito aparente de normas
1) princípio da especialidade: considera-se especial uma norma penal, em
relação à sua correspondente geral, quando reúne todos os elementos desta, acrescidos
de mais alguns, denominados especializantes. Toda ação que realiza o tipo do delito
especial realiza também, necessariamente, o tipo do geral. A regulamentação especial
tem a finalidade, precisamente, de excluir a lei geral e, por isso, deve precedê-la.
2) princípio da subsidiariedade: há relação de primariedade e subsidiariedade
entre duas normas quando descrevem graus de violação de um mesmo bem jurídico, de
forma que a norma subsidiária é afastada pela aplicabilidade da norma principal. A
rigor, a figura típica subsidiária está contida na principal. “Se o fato não constituir crime
mais grave...”.
3) princípio da consunção: há consunção quando o fato previsto em determinada
norma é compreendido em outra, mais abrangente, aplicando-se somente esta. Há
relação de minus e plus. O crime-fim absorve o crime-meio.

Há casos excepcionais em que se identifica um conflito aparente de normas,


muito embora inexista efetivamente um só fato, mas uma multiplicidade. Ocorre em
casos que, apesar da pluralidade de ações em estreito vínculo, o fato anterior ou anterior
não é capaz de agravar a lesividade da conduta. Solucionam-se pelo princípio da
consunção.
Antefato impunível: o agente realiza uma conduta criminosa visando praticar
outra, em que a primeira esgotará toda sua potencialidade lesiva. A ação ou omissão não
tem razão de ser senão para viabilizar a prática seguinte (e.g. falsificação de cheque para
cometer crime de estelionato; a falsificação é absorvida pelo estelionato).
Pós-fato impunível: após a consumação, realiza-se conduta contra o mesmo bem
jurídico, incapaz, porém, de agravar a lesividade do comportamento anterior (e.g. ladrão
que danifica objeto roubado).

CONCEITO DE CRIME
Conceito Clássico de Delito
(Von Liszt-Beling)
Um movimento corporal (ação) que produz uma modificação no mundo exterior
(resultado). Conceito de ação naturalístico, que vinculava a conduta ao resultado através
do nexo de causalidade. No conceito clássico de delito, seus quatros elementos eram: a)
ação (influência do positivismo naturalista, definido como inervação muscular
produzida por energias de um impulso cerebral); b) tipicidade (aspectos objetivos do
fato descrito na lei); c) antijuridicidade (juízo valorativo puramente formal, isto é, de
que inexiste causa de justificação); d) culpabilidade (aspecto subjetivo do delito, onde
se localiza culpa e dolo).
Conceito Neoclássico de Delito
(Neokantismo)
~ 26 ~

Permanece o delito como sendo a ação típica, antijurídica e culpável. Contudo


há inovações: a tipicidade passa a agregar elementos normativos, que encerram um
conteúdo de valor, bem como o reconhecimento da existência dos elementos subjetivos
do tipo; a antijuridicidade passa a ser concebida sob um aspecto material, exigindo-se
uma determinada danosidade social; a culpabilidade passa a possuir a característica de
reprovabilidade do ato.
Conceito Finalista do Delito
Retirou todos os elementos subjetivos que integravam a culpabilidade, nascendo,
assim, uma concepção puramente normativa. Deslocou o dolo e a culpa para o injusto,
levando, desta forma, a finalidade para o centro do injusto.

Conceito formal: Crime é toda a ação ou omissão proibida por lei, sob a ameaça
de pena;
Conceito material: Crime é a ação ou omissão que contraria os valores ou
interesses do corpo social, exigindo sua proibição com a ameaça de pena.
Conceito analítico: Crime é a ação típica, antijurídica e culpável.

Teoria bipartida: crime é fato típico e antijurídico (culpabilidade é pressuposto


da pena);
Teoria tripartida: crime é fato típico, antijurídico e culpável;
Teoria quadripartida: crime é fato típico, antijurídico, culpável e punível.

Classificação dos Crimes:


a) quanto ao diploma normativo:
- comuns: previstos no Código Penal (homicídio, art. 121).
- especiais: previstos em leis penais extravagantes (genocídio, Lei n. 2.889/96,
art. 1º).
b) quanto ao sujeito ativo:
b.1) quanto à pluralidade de sujeitos como requisito típico:
- unissubjetivos / monossubjetivos / de concurso eventual: crime pode ser
cometido por uma só pessoa, ou várias.
- polissubjetivos / de concurso necessário: a conduta descrita no verbo nuclear
deve, necessariamente, ser cometida por duas ou mais pessoas. Podem ser de condutas
convergentes (e.g. bigamia), de condutas paralelas (e.g. formação de quadrilha), de
condutas contrapostas (e.g rixa).
b.2) quanto à qualidade do sujeito ativo:
- comuns: podem ser cometidos por qualquer pessoa física.
- próprios: requer alguma qualidade ou condição especial do sujeito ativo (e.g.
aborto exige que a agente seja gestante).
- bipróprios: requer qualidade especial tanto do sujeito ativo, como do passivo
(e.g maus tratos, ativo tem de deter autoridade/guarda/vigilância de sujeito passivo que
legalmente tem de estar sujeito à autoridade).
b.3) quanto à possibilidade de coautoria:
- de mão própria: somente admite participação, sendo vedada a coautoria (e.g.
falso testemunho);
c) quanto ao sujeito passivo:
- vagos: ente sem personalidade jurídica (e.g crimes contra a família).
- única subjetividade passiva: um ou mais sujeitos passivos.
- dupla subjetividade passiva: necessariamente dois ou mais sujeitos passivos
(e.g. violação de correspondência).
~ 27 ~

d) quanto ao resultado naturalístico ou material:


- materiais ou de resultado: tipo penal descreve uma conduta e um resultado
material e exige ambos para efeitos de condenação.
- formais, de intenção, ou de consumação: tipo penal descreve uma conduta e um
resultado, mas consuma-se apenas com a conduta.
- de mera conduta: o dispositivo penal descreve apenas a conduta.
e) quanto ao resultado jurídico ou normativo:
- de dano: o crime exige dano ou lesão ao bem juridicamente tutelado.
- de perigo: o crime consuma-se com apenas a exposição ao perigo. Pode ser,
ainda, de perigo real (o perigo deve ser comprovado), ou de perigo abstrato (há uma
presunção juris et de jure do perigo).
f) quanto à conduta:
- comissivos: conduta nuclear corresponde a uma ação.
- omissivos: conduta nuclear corresponde a uma omissão. Pode ser, ainda,
omissivo próprio (o tipo penal descreve uma omissão) ou omissivo impróprio (aquele
que tem o dever jurídico de evitar o resultado se omite e permite que este aconteça).
g) quanto ao momento consumativo:
- instantâneos: sua consumação se completa quando os elementos do tipo são
reunidos.
- permanentes: sua consumação se prolonga no tempo.
h) quanto à autonomia:
- principais (e.g. furto).
- acessórios (e.g. receptação).
i) quanto à existência de condições:
- incondicionados.
- condicionados (e.g. crimes falimentares, que exigem a decretação de falência).
j) quanto à objetividade jurídica:
- simples: possuem somente um objetivo jurídico (homicídio, objetivo jurídico =
vida).
- complexos: possuem dois objetos jurídicos (roubo, obj. jurídico = patrimônio e
integridade físico-psicológica).
k) quanto ao iter criminis:
- consumado / perfeito: reúne todos os elementos do tipo.
- tentado / imperfeito: não se consuma por vontade alheia ao agente; pode ser
branca (bem jurídico não é atingido) ou cruenta (bem jurídico é atingido).
- falho / tentativa perfeita / tentativa acabada: o autor realiza todo o iter criminis,
mas não atinge a consumação.
- impossível: a tentativa não tem possibilidade física de produzir o resultado.
- exaurido: crime que, depois de consumado, vai até as últimas consequências.
l) quanto à possibilidade de fracionamento da conduta típica:
- unissubsistentes: a conduta típica não admite qualquer fracionamento, portanto,
inexiste tentativa.
- plurissubsistentes: a conduta típica pode ser fracionada, admitindo tentativa.
m) quanto à natureza do comportamento nuclear:
- forma livre: podem ser realizados de diversas formas.
- forma vinculada: só pode ser realizado na forma descrita na lei (e.g. redução à
condição análoga de escravo).
n) quanto à pluralidade de verbos nucleares:
- de ação simples.
- de ação múltipla
~ 28 ~

o) quanto ao caráter transnacional:


- nacionais.
- internacionais: bem jurídico de um país com reflexos internacionais, com o
interesse cosmopolita de repressão do crime (e.g. genocídio).
- transnacionais: bens jurídicos de mais de um país.
p) quanto ao elemento subjetivo ou normativo:
- doloso.
- culposo.
- preterdoloso: conduta dolosa que é agravada por resultado indesejado.
q) quanto à posição topográfica do tipo penal
- simples.
- privilegiados: possuem penas mínimas e máximas inferiores ao tipo básico.
- qualificado: possuem penas mínimas e máximas superiores ao tipo básico.
r) quanto à habitualidade:
- continuado: dois ou mais crimes, praticados em continuidade delitiva.
- habitual: reiteração de atos semelhantes constitui um único crime. Pode ser
habitual próprio (a reiteração faz parte do tipo, e.g. curandeirismo) ou habitual
impróprio (não depende de reiteração, mas se ocorrer, será um único delito).
s) quanto à estrutura do tipo penal:
- de tipo aberto: a definição emprega termos amplos.
- de tipo fechado: utilizam expressões de alcance estrito.
t) outras classificações:
- multitudinário: praticado por uma multidão em tumulto.
- à distância: o iter criminis atinge o território de dois ou mais países.
- plurilocais: atinge mais de um foro dentro do país – o competente será aquele
onde se deu a consumação.
- gratuitos: cometidos sem motivo algum.
- à prazo: aqueles que a lei prevê alguma circunstância que eleva a pena pelo
decurso do tempo.
- de trânsito: pratica o fato em um país, mas não atinge nenhum bem jurídico de
seus cidadãos (e.g. homicídio dentro de aeronave que sobrevoa o país e não há
brasileiros envolvidos).

FATO TÍPICO
A Conduta Punível
Teoria Causal-Naturalista da Ação
(conceito desenvolvido por Von Liszt-Beling e fundamentando por Radbruch)
Ação consiste numa modificação causal do mundo exterior, perceptível pelos
sentidos, e produzida por uma manifestação de vontade, isto é, por uma ação ou
omissão voluntária. É composta de três elementos, a manifestação de vontade, o
resultado e a relação de causalidade (abstraindo-se do conteúdo da vontade, que é
deslocado para a culpabilidade). Para saber que existe uma ação, basta ter a certeza de
que o sujeito atuou voluntariamente; o que quis é por ora irrevelante.
Fracionamento da ação: aspecto externo causal-objetivo, aspecto interno
anímico-subjetivo.
Críticas: descobrimento de que na tentativa o dolo é um elemento subjetivo do
injusto; inaplicabilidade do conceito causal à omissão; descobrimento o injusto dos
crimes culposos é o desvalor da ação.
Teoria Final da Ação
(Finalismo Welzeliano, com influência da teoria da ação de Puffendorf)
~ 29 ~

Conduta humana, consciente e voluntária, dirigida para uma finalidade. A


finalidade baseia-se na capacidade de vontade de prever, dentro de certos limites, as
consequências de sua intervenção no curso causal e de dirigi-lo, por conseguinte,
conforme um fim.
A direção final de uma ação se dá em duas fases: I) subjetiva (antecipação do
fim que quer realizar; seleção dos meios adequados para alcançar este fim; análise do
custo-benefício dos meios e do fim); II) objetiva: execução da ação real, dominada pela
fase subjetiva. Se, por qualquer razão, não se consegue o domínio final, a ação será
apenas tentada.
Crítica: não há solução nos crimes culposos.
1ª solução de Welzel: finalidade potencial (causação eu seria evitável mediante
uma atividade finalista); Mezger: juízo de culpabilidade;
2ª solução de Welzel: uma ação finalista real nos crimes culposos, cujos fins são
irrelevantes para o Direito Penal. O que se pune é a forma que se emprega a relação
fim/meio.
Consequências: inclusão do dolo e da culpa no tipo de injusto; o conceito
pessoal do injusto; a culpabilidade puramente normativa.
Teoria Social da Ação
(Eb. Schmidt/Maihofer)
Comportamento objetivamente dominável dirigido a um resultado socialmente
relevante objetivamente previsível.
Teoria da Ação Significativa
Todas as ações não são meros acontecimentos, mas têm um sentido
(significado), e, por isso, não basta descrevê-las, é necessário entende-las, ou seja,
interpretá-las. Não existem ações prévias às normas, de modo para que se possa dizer
que exista a ação de matar, exige-se previamente que exista uma norma que defina o
que é matar. Não existe um conceito universal e ontológico de ação; cada ação possui
um significado determinado, certas práticas sociais (regras ou normas) que identificam
um comportamento humanos perante outros.
Teoria Funcional
A ação perde significado; o que importa saber é definir os critérios jurídicos que
um determinado resultado pode ser imputado a um agente. Duas teorias foram
desenvolvidas a partir do funcionalismo: a) teoria personalista (“ação é a exteriorização
da personalidade humana”); b) teoria da evitabilidade individual (“ação é a realização
de resultado individualmente evitável”).
Ausência de ação e de omissão
Por ausência de voluntariedade:
a) Coação física irresistível (vis absoluta)
b) Movimentos reflexos: atos reflexos, puramente somáticos. Não dependem da
vontade, independentes da faculdade psíquica.
Por ausência de consciência:
c) Estados de inconsciência: sonambulismo, hipnose.

Os sujeitos da ação
a) Sujeito ativo: o ser vivo que pratica o fato descrito como crime na norma
penal incriminadora.
A inadmissibilidade da responsabilidade penal das pessoas jurídicas remonta a
Feuerbach e Savigny. Os dois principais fundamentos para não se reconhecer a
capacidade penal são a falta de capacidade “natural” de ação e a carência de capacidade
culpabilidade. Discute-se se há uma responsabilidade penal da pessoa jurídica em fase
~ 30 ~

do art. 225, § 3º, da CF, mas a doutrina entende que não é o caso; pune-se penalmente
os autores físicos por trás do crime, mas pune-se também a pessoa jurídica através das
sanções que lhe são específicas.
b) Sujeito passivo: titular do bem jurídico atingido pela conduta criminosa,
podendo ser um outro humano, o Estado, a coletividade ou uma pessoa jurídica. Sob o
aspecto formal, o Estado é sempre o sujeito passivo do crime, que poderíamos chamar
de sujeito passivo mediato.

Omissão
Teorias
- naturalística ou causal:
Crimes omissivos próprios
São crimes de mera conduta, basta que tenha se abstido indevidamente.
É indispensável que se analise o nexo causal entre a conduta omissiva e o
resultado determinante da majoração da pena. Se uma majorante decorre de um
resultado material, é imprescindível questionar: se o agente não tivesse se omitido, o
resultado seria evitado?
Crimes omissivos impróprios
O agente tem a obrigação de agir para evitar um resultado – são crimes
materiais, de resultado. São elementos: a abstenção da atividade que a norma impõe, a
superveniência do resultado típico em decorrência da omissão; a existência da situação
geradora do dever jurídico de agir (figura do garantidor).
Pressupostos:
a) poder agir: o sujeito tem de ter possibilidade física de agir;
b) evitabilidade do resultado: se o omitente tivesse agido, o resultado seria
evitado;
c) dever de impedir: dever jurídico de impedir o resultado, que se dá em três
hipóteses:
- obrigação legal de cuidado, proteção ou vigilância: dever legal, decorrente de
lei (v.g médico que recusa-se a atender determinado paciente em perigo de morte);
- de outra forma, assumir a responsabilidade de impedir o resultado: o sujeito
voluntariamente que se pôs na condição de garantidor, assumindo, por qualquer meio,
esse compromisso (v.g. vizinha que cuida do filho e deixa que ele caia da sacada);
- com o comportamento anterior, criar o risco da ocorrência do resultado: o
sujeito coloca em andamento um processo que chamaríamos de risco, ou, então, com
seu comportamento, agrava um processo já existente. Não importa se agiu voluntária ou
involuntariamente, dolosa ou culposamente, se criou um risco, surge a obrigação de
impedir que essa situação de perigo se torne uma situação de dano efetivo (v.g. pessoa
que deixa frasco de vidro à altura de alcance de uma criança pequena).

Relação de Causalidade
Entende-se como relação de causalidade o vínculo que une a causa, enquanto
fator propulsor, a seu efeito, como consequência derivada.
Teoria da equivalência das condições ou conditio sine qua non.
Não estabelece níveis de importância entre os antecedentes do resultado. Não há
nenhuma base científica para distinguir causa e condição. Todo fator que contribui, de
alguma forma, para a ocorrência do evento é causa desse evento. Causa é a soma de
todas as condições, consideradas no seu conjunto, produtoras de um resultado.
~ 31 ~

Para averiguar se um antecedente é causa de seu resultado, deve-se fazer o juízo


hipotético da eliminação: se o comportamento em pauta não tivesse ocorrido, teria se
verificado o resultado?

Sob a teoria da equivalência as condições, desenvolveu-se as teorias das causas


independentes. Entende-se por causa independente aquela que por si só, originando-se
ou não da conduta, produz o resultado, em contraposição à causa dependente, que tem
origem na conduta do sujeito e se compreende na linha de seu desdobramento causal
natural.
- Causas (concausas) absolutamente independentes são as condições que causam
o resultado que se analisa, de maneira totalmente independente da conduta do agente.
Podem ser preexistentes (atirar em pessoa morta); concomitantes (esfaquear pessoa que
está tendo ataque cardíaco); supervenientes (esfaquear pessoa que toma veneno em
seguida para suicidar-se). Excluem o nexo causal; o agente só responde pelos atos
praticados.
- Causas (concausas) relativamente independentes são aquelas que auxiliam ou
reforçam o processo causal iniciado com o comportamento do sujeito. Há uma soma de
energias que produz o resultado. Podem ser preexistentes (efetuar ferimento leve em
hemofílico); concomitantes (vítima que ao ser baleada sofre um ataque cardíaco);
superveniente (pessoa ferida é levada por ambulância que capota. Nestes casos, há um
elemento subjetivo: o autor conhecia a concausa ou ela era previsível? Se sim, é-lhe
imputado o resultado. As causas preexistentes e concomitantes não excluem o nexo
causal; mas as causas supervenientes sim, pois o legislador afasta a imputação.

Na hipótese de omissão, não existe causalidade; “do nada não pode vir nada”. O
que existe é um vínculo jurídico, diante da equiparação entre omissão e ação; há um
nexo de “não impedimento”. Na verdade o sujeito não o causou, mas como não o
impediu é equiparado ao verdadeiro causador do resultado.

Tipo e Tipicidade
Tipo (segundo Welzel) é a descrição concreta da conduta proibida (do conteúdo
da matéria da norma). É uma figura puramente conceitual.
Tipicidade, por outro lado, pode ser vista sob dois prismas: a) formal, como a
relação de subsunção entre um fato concreto e o tipo penal; b) material, como sendo o
dano ou perigo concreto ao bem penalmente tutelado.
A evolução do conceito de tipo pode ser analisada nas seguintes (Jiménez de
Asúa):
1) fase de independência (Beling – 1906): distingue tipicidade, antijuridicidade e
culpabilidade na estrutura do delito. A tipicidade possui função meramente descritiva, é
valorativamente neutro, de caráter objetivo.
2) fase do ratio cognosciendi da antijuridicidade (Mayer – 1915): tipicidade não
tem apenas função descritiva, mas constitui um indício da antijuridicidade. Um fato
típico presume-se antijurídico – mas admite-se prova em contrário, através das causa de
justificação. O tipo deixa de ser valorativamente neutro, admitindo elementos subjetivos
e normativos. Teoria dominante na doutrina.
3) fase do ratio essendi da antijuridicidade (Mezger – 1931): é função
constitutiva da ilicitude, de tal forma que, se o fato for lícito, será atípico. Para sua
doutrina, há ação típica, antijuridicidade típica e culpabilidade típica. Essa concepção
pressupõe a existência de uma antijuridicidade penal distinta da antijuridicidade geral.
~ 32 ~

Há duas modalidades de adequação típica:


- adequação típica por subordinação direta ou imediata: dá-se quando a
adequação entre a norma penal incriminadora e o fato concreto é direta, não é
necessário que recorra a nenhuma norma de extensão do tipo, e.g. matar alguém com
um tiro na cabeça adequa-se perfeitamente ao CP, art. 121;
- adequação típica por subordinação indireta ou mediata: o enquadramento
norma/fato não se dá diretamente, exigindo uma norma de extensão do tipo para haver a
subsunção total, e.g. a pessoa dispara contra a cabeça de outro, mas acerta o outro; passa
a ser homicídio tentado, CP, art. 121 conjugado com CP, art. 14, II.

Funções do tipo penal


- função indiciária: o tipo circunscreve e delimita a conduta penalmente ilícita. A
realização do tipo já antecipa que, provavelmente, também há um infringência do
Direito, embora esse indício não integre a proibição.
- função de garantia: é a expressão mais elementar da segurança decorrente do
princípio da reserva legal. Todo cidadão, antes de realizar um fato, deve ter a
possibilidade de saber se sua ação é ou não punível. Além de uma função
fundamentadora do injusto, também uma função limitadora do âmbito do penalmente
relevante.
- função diferenciadora do erro: o autor somente poderá ser punido pela prática
de um fato doloso quando conhecer as circunstâncias fáticas que o constituem. O
eventual desconhecimento inevitável de um ou outro elemento constitutivo do tipo
exclui a tipicidade.

Elementos estruturais do tipo


- elementos objetivos-descritivos: elementos identificados pela simples
constatação sensorial, isto é, podem ser compreendidos somente com a percepção dos
sentidos.
- elementos normativos: para sua compreensão, é insuficiente desenvolver uma
atividade meramente cognitiva, devendo-se realizar uma atividade valorativa. São
circunstâncias que não se limitam a descrever o natural, mas implicam um juízo de
valor (e.g. mulher honesta).
- elementos subjetivos: circunstâncias que pertencem ao campo psíquico-
espiritual e ao mundo de representação do autor (dolo e culpa).

Tipo de Injusto Comissivo Doloso


a) Tipo objetivo: exteriorização da vontade, composto por um núcleo,
representando por um verbo (ação ou omissão), e por elementos secundários, tais como
objeto da ação, resultado, nexo causal, autor, etc. Compreende o comportamento
descrito no preceito primário.
- O autor da ação: como regra geral, os tipos limitam-se a utilizar uma fórmula
neutra, que admite qualquer pessoa como autora. Exceção: crime próprio/especial.
- Ação ou omissão: O núcleo objetivo de todo crime é a ação. Os tipos penais
podem descrever simplesmente uma atividade finalista (crimes formais) ou então uma
atividade finalista que produz determinado resultado (crimes materiais).
- Resultado: pode ser entendido em dois significados, quais sejam, o resultado
naturalístico ou material, que consiste na modificação no mundo exterior provocada
pela conduta, só exigido nos crimes materiais, ou o resultado jurídico ou normativo, a
lesão ou ameaça de lesão ao bem juridicamente tutelado (há quem entenda que a ofensa
ao bem jurídico não constitui resultado da ação, mas a valoração jurídica desse).
~ 33 ~

- Nexo causal: Imputação física do crime ao autor da ação produtora do


resultado.
b) Tipo subjetivo: corresponde à atitude psíquica interna que o tipo objetivo
requer, constituído por um elemento geral (dolo/culpa) que, por vezes, é acompanhado
de elementos especiais, que são chamados de acidentais (e.g. intenções e tendências).
Dolo
Em sentido técnico-penal, é somente a vontade de ação orientada à realização do
tipo de um delito. É composto por dois elementos, um cognitivo, que é o conhecimento
do fato constitutivo da ação típica (a consciência dos elementos integradores do tipo
penal, e não da ilicitude do fato), e um volitivo, que é a vontade de realizá-la. O
primeiro é pressuposto do segundo.
Há três principais teorias para conceituar o dolo:
a) Teoria da vontade (Carrara): o dolo é a vontade dirigida ao resultado,
consistente na intenção mais ou menos perfeita de praticar um ato que se conhece
contrário à lei. Age dolosamente aquele que age com a vontade, não de violar a lei, mas
de realizar a ação e obter o resultado.
b) Teoria da representação (Von Liszt-Frank): a teoria da vontade é insuficiente
para determinar os casos em que o autor demonstra somente uma atitude de indiferença
ou de desprezo para com a ordem jurídica. É suficiente, para esta teoria, a representação
subjetiva, ou a previsão do resultado como certo ou provável. Contudo perdeu crédito,
pois vontade e consciência são indissociáveis.
c) Teoria do consentimento/assentimento: age dolosamente a vontade que,
embora não dirigida diretamente ao resultado previsto como provável ou possível,
consente na sua ocorrência, ou em outras palavras, assume o risco de produzi-lo. A
representação (consciência) é necessária, mas não suficiente à existência do dolo, e
consentir na ocorrência do resultado é uma forma de querê-lo.
O nosso Código Penal adotou a teoria da vontade para o dolo direto e a teoria do
consentimento para o dolo eventual.
- Elementos do dolo:
a) elemento cognitivo ou intelectual: consciência (previsão ou representação)
daquilo que se pretende praticar, atual, presente no momento da ação. A previsão deve
abranger correta e completamente todos os elementos essenciais e constitutivos do tipo,
sejam eles descritivos, normativos, ou subjetivos, caso contrário, o dolo não se
aperfeiçoa.
b) elemento volitivo: a vontade, incondicionada, deve abranger a conduta, o
resultado e o nexo causal. A previsão sem vontade é indiferente ao Direito Penal, e a
vontade sem a previsão é absolutamente impossível. A vontade de realização do tipo
objetivo pressupõe a possibilidade de influir no curso causal.

A partir da relação entre a vontade e os elementos constitutivos do tipo podemos


classificar as espécies de dolo em dolo direto e dolo eventual.
a) dolo direto ou imediato: o agente quer o resultado representado como fim de
sua ação; o objeto do dolo direto é o fim proposto, os meios escolhidos e os efeitos
colaterais representados como necessários à realização do fim pretendido. Dessarte, o
dolo compõe-se de três aspectos, quais sejam, I) a representação do resultado, dos meios
necessários e das consequências secundárias; II) o querer a ação, o resultado, bem como
os meios escolhidos para a sua consecução; III) o anuir na realização das consequências
previstas como certas, necessárias ou possíveis, decorrentes do uso dos meios
escolhidos para atingir o fim proposto ou da forma de utilização desses meios. É a
vontade por causa do resultado.
~ 34 ~

O dolo direto em relação ao fim proposto e aos meios escolhidos é classificado


como dolo de primeiro grau. O dolo direto em relação aos efeitos colaterais,
representados como necessários, é o dolo de segundo grau.
Quando o agente quer o fim diretamente, trata-se de primeiro grau. Quando o
agente quer o resultado como consequência necessária do meio escolhido ou da natureza
do fim proposto, denomina-se de segundo grau.
b) dolo eventual: quando o agente não quer diretamente a realização do tipo, mas
a aceitar como possível ou provável, assumindo o risco da produção do resultado. É
consentir previamente no resultado, caso este venha efetivamente a ocorrer. Costuma-se
definir como a vontade apesar do resultado.
Elemento subjetivo especial do injusto
São momentos subjetivos, especiais, que dão colorido num determinado sentido
ao conteúdo ético-social, o especial fim ou motivo de agir, que embora amplie o aspecto
subjetivo do tipo, não integra o dolo nem com ele se confunde. A ausência desses
elementos subjetivos especiais descaracteriza o tipo subjetivo.
a) delitos de intenção: há determinados atos que podem ser justos ou injustos,
dependendo da intenção com que o agente o pratica. Faz parte do tipo do injusto uma
finalidade transcendente (e.g. “para si ou para outrem”, “com o fim de obter”, “em
proveito próprio ou alheio”).
b) delitos de tendência: a ação encontra-se envolvida por determinado ânimo
cuja ausência impossibilita a sua concepção. Nesses crimes, não é a vontade doa utor
que determina o caráter lesivo do acontecer externo, mas outros extratos específicos,
inclusive inconscientes. Não se requer a persecução de um resultado ulterior ao previsto
no tipo, senão que o autor confira a ação típica um sentido não expresso, mas deduzível
da natureza do delito (ex.: o propósito de ofender, arts. 138, 139 e 140).
c) especiais motivos de agir: a diferença da intenção é que a intenção atrai,
enquanto o motivo impulsiona.
d) momentos especiais de ânimo: estados anímicos especiais que não constituem
grau de responsabilidade pessoal pelo fato – elementos subjetivos que fundamentam ou
reforçam o juízo de desvalor social do fato, e.g. “sem escrúpulos”, “satisfazer instinto
sexual”.

Princípios da adequação social e da insignificância.


O tipo penal implica uma seleção de comportamentos e, ao mesmo tempo, uma
valoração da conduta criminalizada. Contudo certos comportamentos, em si mesmos
típicos, carecem de relevância por serem correntes no meio social. Não se sabe dizer se
afasta a tipicidade ou a antijuridicidade de determinadas condutas típicas pela sua
adequação social – Welzel o aceita como sendo um princípio geral de interpretação.
Quando insignificante a gravidade da conduta em face da intervenção penal,
afasta-se liminarmente a tipicidade penal porque em verdade o bem jurídico não chegou
a ser lesado.

Tipo de Injusto Culposo


Culpa é a inobservância do dever objetivo de cuidado manifestada numa conduta
produtora de um resultado não querido, objetivamente previsível. A conduta punida por
ser mal dirigida, destinada a um fim penalmente irrelevante. A tipicidade do crime
culposo decorre da realização de uma conduta não diligente.
Elementos do tipo de injusto culposo
O delito culposo contém, em lugar do tipo subjetivo, uma característica
normativa aberta: o desatendimento ao cuidado objetivo exigível do autor.
~ 35 ~

- inobservância do cuidado objetivo devido: reconhecer o perigo para o bem


jurídico tutelado e preocupar-se com as possíveis consequências que uma conduta
descuidada pode produzir-lhe, deixando de praticá-la ou tomando as precauções
necessárias. Resulta da comparação da direção finalista real com a direção finalista
exigida para evitar as lesões dos bens jurídicos. Há de se ponderar a diferença entre o
falto culposo punível e o fato impunível decorrente do risco juridicamente tolerado, os
limites do perigo socialmente aceitável.
- produção de um resultado e nexo causal: é indispensável que exista um
resultado e que este seja consequência da inobservância do cuidado devido.
- previsibilidade objetiva do resultado: o resultado deve ser objetivamente
previsível, levando em consideração as circunstâncias do caso concreto cognoscíveis
por uma pessoa inteligente, mais as conhecidas pelo autor e a experiência comum da
época sobre os cursos causais.
- conexão interna entre desvalor da ação e desvalor do resultado: no delito
culposo, o desvalor da ação está representado pela inobservância do cuidado
objetivamente devido e o desvalor do resultado pela lesão ou perigo concreto de lesão
para o bem jurídico.

Modalidades de culpa
a) imprudência: prática de uma conduta arriscada ou perigosa e tem caráter
comissivo. É a imprevisão ativa.
b) negligência: é a displicência no agir, a falta de precaução, a indiferença do
agente que, podendo adotar as cautelas necessárias, não o faz. É a imprevisão passiva.
c) imperícia: é a falta de capacidade para o exercício de arte, profissão ou ofício.
A inabilidade para o desempenho de determinada atividade fora do campo profissional
ou técnico tem sido considerada pela jurisprudência imprudência ou negligência.

Espécies de culpa
a) culpa consciente ou com representação: quando o agente, deixando de
observar a diligência a que estava obrigado, prevê um resultado, previsível, mas confia
convictamente que ele não ocorra.
b) culpa inconsciente ou sem representação: ação sem previsão do resultado
previsível.
c) culpa imprópria ou culpa por assimilação: o agente quer o resultado em razão
de a sua vontade encontrar-se viciada por um erro que, com mais cuidado, poderia ter
sido evitado. O agente, no processo psicológico, valora mal uma situação ou os meios a
utilizar, incorrendo em erro, culposamente, pela falta de cautela; já na ação
propriamente dita, age dolosamente, finalisticamente, objetivando o resultado
produzido, embora calcado em erro culposo.

Quando há concorrência de culpa, dois agentes agindo culposamente um


ignorando a culpa do outro, há um dos casos de autoria colateral, cada um respondendo
individualmente pelo seu crime. Por outro lado, não há que se falar em compensação de
culpas; se a vítima age culposamente, isto não exclui a culpa do agente.

Crime preterdoloso é aquele cujo resultado vai além da intenção do agente, a


ação voluntária inicia dolosamente e termina culposamente, porque o resultado
efetivamente produzido estava fora da abrangência do dolo. Crime qualificado pelo
resultado é aquele que o resultado ulterior, mais grave, deriavo involuntariamente da
~ 36 ~

conduta criminosa, lesa um bem jurídico que por sua natureza não contém o bem
jurídico precedentemente lesado.

ANTIJURIDICIDADE
Caracteriza-se como antijuridicidade (ilicitude) a contrariedade de um fato com
o ordenamento jurídico (antijuridicidade formal), por meio de dano ou exposição a
perigo a um bem juridicamente tutelado pela norma penal incriminadora
(antijuridicidade material). Esta ofensa não deve ser entendida em sentido naturalístico,
como causadora de um dano sensorialmente perceptível, mas como ofensa ao valor
ideal que a norma jurídica deve proteger.
Consequências da antijuridicidade material (Jescheck): graduação do injusto
segundo sua gravidade e sua expressão na medição da pena; admissão da existência de
causas supralegais de justificação.
A corrente majoritária, todavia, considera essa distinção desnecessária, adotando
uma concepção unitária da antijuridicidade, uma vez que somente será formalmente
antijurídico aquilo que é materialmente antijurídico.
Antijuridicidade penal e antijuridicidade extrapenal: ilicitude única e
independência
Todo o ilícito penal será, necessariamente, um ilícito civil ou administrativo,
mas a recíproca não é verdadeira; nem sempre um ilícito civil ou administrativo será
obrigatoriamente um ilícito penal, pois este terá de ser sempre e necessariamente típico,
surgindo como traço distintivo a tipicidade, que é aquele plus exigido pelo princípio da
reserva legal. Todas as matérias de proibição, reguladas nos diversos setores da seara
jurídica, são antijurídicas para todo o ordenamento jurídico. É absolutamente
incompatível com a noção unitária da ilicitude a preconizada impotência das decisões
proferidas pelas jurisdições não penais em relação ao crime, mesmo para os casos em
que o pressuposto deste não se encontra estritamente fora do direito penal. Ignoram que,
quando falamos de ilicitude única, estamos no plano material, e, quando sustentam que
se trata de instâncias diferentes, estão no plano processual.

A evolução dos estudos da teoria do delito comprovou que a antijuridicidade do


fato não se esgota na desaprovação do resultado, mas que “a forma de produção” desse
resultado juridicamente desaprovado também deve ser incluída no juízo de desvalor. Na
ofensa ao bem jurídico reside o desvalor do resultado, enquanto na forma ou
modalidade de concretizar a ofensa situa-se o desvalor da ação. O ordenamento jurídico
valora os dois aspectos: de um lado, o desvalor da ação com uma função seletiva,
destacando determinadas condutas como intoleráveis para o Direito Penal, e, de outro
lado, o desvalor do resultado que torna relevante para o Direito Penal aquelas ações que
produzem lesões aos bens jurídicos tutelados. Não há uma hierarquia lógica ou
valorativa entre eles.

Causas de Justificação
A existência de causas justificantes supralegais é uma decorrência natural do
caráter fragmentário do Direito Penal, que jamais conseguiria catalogar todas as
hipóteses em que determinadas condutas poderiam justificar-se perante a ordem
jurídica, mesmo quando eventualmente venham a se adequar a algum tipo penal.
A doutrina majoritária entende que, assim como há elementos objetivos e
subjetivos no tipo, nas causas de justificação há igualmente componentes objetivos e
subjetivos. Não basta que estejam presentes os pressupostos objetivos de uma causa de
justificação, sendo necessário que o agente tenha consciência de agir acobertado por
~ 37 ~

uma excludente, isto é, com vontade de evitar um dano pessoal ou alheio. Para que a
ação se torne socialmente valiosa, é necessário que o autor saiba e tenha a vontade de
atuar de forma autorizada, isto é, de forma juridicamente permitida.
Consentimento do ofendido
O consentimento justificante poderá existir quando decorrer de vontade
juridicamente válida do titular de um bem jurídico disponível. O consentimento do
titular de um bem jurídico disponível afasta a contrariedade à norma jurídica, ainda que
eventualmente a conduta consentida venha a se adequar a um modelo abstrato de
proibição.
Excesso
Em qualquer das causas de justificação, quando o agente, dolosa ou
culposamente, exceder-se nos limites da norma permissiva, responderá pelo excesso. O
excesso punível, seja a título de dolo, seja a título de culpa, decorre do exercício
imoderado ou excessivo de determinado direito ou dever, que acaba produzindo
resultado mais grave do que o razoavelmente suportável e, por isso mesmo, nas
circunstâncias, não permitido.

Estado de necessidade
Colisão de interesses juridicamente protegidos, devendo um deles ser sacrificado
em prol do interesse social. Impõe-se a necessidade do sacrifício de um bem em
situação de conflito ou colisão, diante da qual o ordenamento jurídico permite o
sacrifício do bem de menor valor, desde que imprescindível para a salvaguarda do bem
preservado.
Teoria diferenciadora
- estado de necessidade justificante: configura-se quando o bem ou interesse
sacrificado for de menor valor. Nessa hipótese, a ação será considerada lícita, afastando
sua criminalidade.
- estado de necessidade exculpante: quando o bem ou interesse sacrificado for de
valor igual ou superior ao que se salva. O direito não aprova a conduta, deixando de
excluir seu caráter ilícito; no entanto, ante a inexigibilidade de conduta diversa, exclui a
culpabilidade pela falta de um de seus elementos constitutivos.
Não é adotada pelo nosso Código Penal. É admitido doutrinariamente como
causa supralegal de exclusão de culpabilidade.
Requisitos do estado de necessidade
a) perigo atual e inevitável: o Código Penal, ainda que preveja unicamente
perigo atual, a iminência do dano é aceita igualmente, tendo em vista que neste caso, se
um dano é iminente, seu perigo é atual.
b) não-provocação voluntária do perigo: há a possibilidade de invocar-se o
estado de necessidade tanto nos crimes dolosos como nos crimes culposos, desde que a
situação de perigo não tenha sido provocada intencionalmente.
c) inevitabilidade do perigo por outro meio: a lesão necessária, na medida da sua
necessidade para salvar o bem ameaçado.
d) inexigibilidade de sacrifício do bem ameaçado: exigência de um juízo de
proporcionalidade.
e) direito próprio ou alheio: quando direito alheio, se tratando de bens
disponíveis, a intervenção deste dependerá do consentimento do titular do direito a
salvaguardar.
f) elemento subjetivo: finalidade de salvar o bem do perigo – sem a finalidade,
não há causa justificante.
~ 38 ~

g) ausência do dever legal de enfrentar o perigo: não se confunde o dever legal


com o dever jurídico do garantidor (e.g naufrágio, o segurança do banqueiro pode
disputar em igualdade de condições o único bote salva-vidas).

Minorante: Quando se encontrar em uma situação fronteiriça, em que embora


seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de
um a dois terços.

Legítima defesa
É a defesa requerida para repelir de si ou de outrem uma agressão atual e
ilegítima. Seu pensamento fundamental é que o Direito não tem por que ceder ante o
injusto.
Requisitos
a) agressão injusta, atual ou iminente: não necessariamente uma agressão penal,
mas tão-somente ilícita, partindo então para a análise de sua atualidade ou iminência. A
reação do agredido deve ser sempre preventiva, e imediata.
b) direito próprio ou alheio: a defesa por terceiro não pode fazer-se sem a
concordância do titular desses direitos.
c) meios necessários, usados moderadamente: imposição do juízo de
proporcionalidade ao agredido, podendo chegar a defesa até onde seja requerida para a
efetiva defesa imediata.
d) elemento subjetivo: animus defendendi – é necessário que se tenha
conhecimento da ação agressiva, além do propósito de defender-se (não se exige a
consciência da ilicitude).

Modalidades de legítima defesa:


- legítima defesa real ou própria: tradicional defesa legítima contra agressão
injusta, atual, ou iminente, onde estão presentes todos os requisitos de sua configuração.
- legítima defesa putativa: quando alguém se julga, erroneamente, diante de uma
agressão injusta, atual, ou iminente. Supõe que o agente atue na sincera e íntima
convicção da necessidade de repelir essa agressão imaginária.
- legítima defesa sucessiva: na hipótese de excesso, permite-se a defesa legítima
do agressor inicial.
- legítima defesa recíproca: inadmissível, ante a impossibilidade de defesa lícita
em relação a ambos os contendores. Só é possível quando um dos contendores incorrer
em erro.

Legítima Defesa x Estado de Necessidade


A legítima defesa é, em última instância, um caso especial de estado de
necessidade, que recebe um tratamento legal específico.
I) estado de necessidade = conflito de interesses legítimos; legítima defesa =
interesses ilícitos de um lado, e lícitos do outro;
II) estado de necessidade = preservação pelo ataque; legítima defesa =
preservação pela defesa;
III) estado de necessidade = ação; legítima defesa = reação.

Estrito cumprimento de dever legal


Quem pratica uma ação em cumprimento de um dever imposto por lei não
comete crime. Deve ser observado o estrito cumprimento, os atos rigorosamente
necessários justificam o comportamento permitido, e o dever legal, decorrente de lei, e
~ 39 ~

não de natureza social, moral, ou religiosa. A norma da qual emana o dever tem de ser
jurídica, e de caráter geral. Se a norma tiver caráter particular, de cunho administrativo,
poderá configurar a obediência hierárquica.

Exercício regular de direito


O exercício de um Direito, com tido dentro dos limites objetivos e subjetivos,
formais e materiais impostos pelo próprio ordenamento jurídico, não pode ser proibido.
Jamais poderá ser antijurídico. Fora desses limites, haverá abuso de direito e estará,
portanto, excluída esta causa de justificação.

Offendiculas
As chamadas defesas predispostas que, de regra, constituem-se de dispositivos
ou instrumentos objetivando impedir ou dificultar a ofensa ao bem jurídico protegido.
Seu instituto localiza-se mais adequadamente na legítima defesa, observando seus
requisitos, tendo em vista que oferece maiores recursos para a análise no caso concreto.

CULPABILIDADE
Como fundamento da pena, a culpabilidade refere-se ao fato de ser possível ou
não a aplicação de uma pena ao autor de um fato típico e antijurídico.
Como elemento da determinação ou medição da pena, como limite da pena,
impedindo que a pena seja imposta além da medida prevista pela própria ideia de
culpabilidade.
Como conceito contrário à responsabilidade objetiva, isto é, como identificador
e delimitador da responsabilidade individual e subjetiva.

A doutrina que foi dominante no Brasil, inspirada pelo finalismo welzeliano,


entendia que a culpabilidade era apenas mero pressuposto da pena, e não como
integrante da teoria do delito. Bitencourt e o próprio Welzel discordam; a culpabilidade
é um dos predicados do crime.

Teoria psicológica da culpabilidade (Von Liszt)


Culpabilidade é a responsabilidade do autor pelo ilícito que realizou. É o vínculo
psicológico que une autor ao resultado produzido por sua ação. O dolo e a culpa
compunham a totalidade da culpabilidade, a imputabilidade servia apenas como seu
pressuposto, a capacidade de ser culpável. Foi dominante durante fim do século
XIX/início do século XX.
Crítica: Não conseguia concebê-la como algo unicamente psicológico, quando
uma de suas formas de manifestação, a culposa, não tinha caráter psicológico (culpa
inconsciente). Também tinha dificuldade de explicar satisfatoriamente a gradualidade da
culpabilidade, onde o dolo é evidente, mas não há culpa.
Teoria psicológico-normativa da culpabilidade (Frank/Mezger)
Concebido na lógica do neokantismo, o dolo e a culpa deixam de ser
considerados espécies de culpabilidade para constituir, necessariamente, seus
elementos. Deixa de conceber como um vínculo entre autor e fato para uma perspectiva
externa, um juízo de valoração a respeito do agente; em vez de ser o portador da
culpabilidade, ele passa a ser o objeto de um juízo de culpabilidade que é emitido pela
ordem jurídica. Há uma reprovação que se condiciona à existência de certos elementos,
isto é, a imputabilidade, o dolo ou a culpa, e a exigibilidade de outra conduta. O dolo
passa a se constituir de um elemento volitivo, a voluntariedade, de um elemento
~ 40 ~

intelectual, a previsão do fato, e de um elemento normativo, a consciência atual da


ilicitude (dolo híbrido).
Crítica: O dolo híbrido cria um problema a respeito da punibilidade do
criminoso habitual ou por tendência, que cresce em um meio onde determinadas
condutas ilícitas eram consideradas normais. Mezger tentou solucionar através de uma
culpabilidade pela condução de vida. Concentrando o núcleo da culpabilidade no autor,
e não no fato, deu azo à Alemanha nazista, e.g. a um arbítrio estatal desmedido.
Teoria Normativa Pura da Culpabilidade (Welzel)
Concentram-se na culpabilidade apenas aquelas circunstâncias que condicionam
a reprovabilidade da conduta contrária ao Direito. A culpabilidade é a reprovação
pessoal que se faz contra o autor pela realização de um fato contrário ao Direito, embora
houvesse podido atuar de modo diferente de como o fez. Embora apresentem definições
semelhantes, o conteúdo da culpabilidade neokantista e finalista diverge; ao finalismo
integra a imputabilidade, a consciência potencial de ilicitude e exigibilidade de conduta
conforme ao Direito.
Enquanto a antijuridicidade expressa a desconformidade da ação com o
ordenamento jurídico, a culpabilidade expressa uma reprovação pessoal contra o agente
do fato por não ter tomado uma iniciativa conforme ao Direito, é a reprovabilidade da
formação da vontade.
a) Imputabilidade: capacidade ou aptidão para ser culpável. Tendo em vista que
a culpabilidade é a reprovação da formação de vontade, para o autor ser culpável, há de
ser capaz (poder ou faculdade) de atuar de modo distinto do que atuou;
b) Possibilidade de conhecimento da ilicitude do fato: é necessário que o autor
conheça ou possa conhecer as circunstâncias que pertencem ao tipo e à ilicitude. A
consciência da antijuridicidade destaca-se do dolo e passa a integrar a culpabilidade no
finalismo.
c) Exigibilidade de obediência ao Direito: com a imputabilidade e o
conhecimento do fato resta-se concluída a culpabilidade; contudo há casos em que a
ordem jurídica pode renunciar à reprovação, exculpando o agente, por inexigir conduta
diversa.

Excludentes de culpabilidade
Inimputabilidade
Imputabilidade é a capacidade de culpabilidade, é a aptidão para ser culpável.
Quem carece desta capacidade, por não ter maturidade suficiente, ou por sofrer de
graves alterações psíquicas, não pode ser declarado culpado e não pode ser responsável
pelos seus atos, por mais que sejam típicos e antijurídicos.
Imputabilidade não se confunde com responsabilidade, que é o princípio
segundo o qual a pessoa dotada de capacidade de culpabilidade (imputável) deve
responder por suas ações.
Há três sistemas para aferir a inimputabilidade:
- sistema biológico (francês): fundamenta a imputabilidade unicamente na causa
geradora; não há de se indagar qualquer fator psicológico, como e.g. se o autor de fato
tinha capacidade de compreender o caráter ilícito da conduta e a capacidade de
autodeterminação, bastando preencher a causa (como, por exemplo, menoridade);
- sistema psicológico: concentra-se unicamente nos efeitos, independente da
causa; se o autor não tinha capacidade de compreender e autodeterminar-se, é
inimputável, independente da causa desta não-compreensão.
- sistema biopsicológico: baseado tanto no requisito da causa, quanto do efeito;
se no momento do ato, comprova-se que ele estava privado da
~ 41 ~

capacidade/autodeterminação e que é dotado de uma causa a qual é excludente, passará


a ser inimputável.
Causas de inimputabilidade
a) menoridade: a imputabilidade, por presunção legal, inicia-se aos dezoito anos
de idade.
b) doença mental e desenvolvimento mental incompleto ou retardado: como
doença mental deve-se compreender as psicoses, ou “alienação mental”, todos os
estados mentais, mórbidos ou não, que demonstrassem a incapacidade do criminoso de
entender o caráter ilícito de sua ação ou de determinar-se de acordo com sua
compreensão.
O desenvolvimento mental incompleto é aquele que ainda não se concluiu, que
além dos menores, abrange os surdos-mudos e os silvícolas inadaptados. É
indispensável a comprovação da real incapacidade de compreensão e de
autodeterminação.
O desenvolvimento mental retardado compreende-se a oligofrenia, em suas
formas tradicionais – idiotia, imbecilidade e debilidade mental. São os
desenvolvimentos mentais que não atingem a maturidade psíquica; campo fértil para os
casos fronteiriços, a serem resolvidos pela perícia forense.
- Culpabilidade diminuída: entre a imputabilidade e a inimputabilidade existem
determinadas gradações que exercem influência decisiva na capacidade de entender e
autodeterminar-se do indivíduo. Há, na expressão do Código Penal, o fato de o agente
não ser “inteiramente” capaz de entender o caráter ilícito do fato; a culpabilidade fica
diminuída em razão da menor censura que se lhe pode fazer.
Consequências:
Comprovada a inimputabilidade do agente a absolvição se impõe, aplicando-se
medida de segurança. Nos casos de culpabilidade diminuída é obrigatória, no caso de
condenação, a imposição de pena, reduzida, para, somente num segundo momento, ser
substituída por medida de segurança.
c) embriaguez e substâncias de efeitos análogos: a embriaguez completa e
acidental.
Embriaguez é a intoxicação aguda e transitória provocada pela ingestão do
álcool ou de substância de efeitos análogos. Apresenta três estágios: I) inicial, de
excitação; II) intermediário, de depressão; III) final – embriaguez letárgica, sono
profundo ou coma.
- embriaguez voluntária ou culposa: quando o agente ingere bebida alcóolica
com a intenção de embriagar-se, como também quando ingere bebida alcóolica pelo
simples prazer de beber, mesmo sem pensar em embriagar-se. Pela teoria da actio
libera in causa, o legislador fundamenta a punibilidade de ações praticadas em estado
de embriaguez não acidental – contudo, o Judiciário tem pouco analisado se há
previsibilidade da conduta criminosa, sustentando-se unicamente a teoria citada.
- embriaguez acidental: por caso fortuito, ocorre quando o agente ignora a
natureza tóxica do que está ingerindo, ou não tem condições de prever que determinada
substância na quantidade ingerida, ou nas circunstâncias em que o faz, poderá provocar
a embriaguez; por força maior, é algo que independe do controle ou da vontade do
agente, ele sabe o que está acontecendo, mas não pode evitar, como embriaguez
coagida. Na hipótese de ser completa, a solução que se impõe é a absolvição; na
hipótese de ser incompleta, deve-se examinar todos os pressupostos da responsabilidade
penal.
- embriaguez preordenada: o agente se embriaga com o fito de praticar o crime.
Aplicação da teoria da actio libera in causa.
~ 42 ~

- embriaguez habitual (alcoolismo agudo) e patológica (alcoolismo crônico): a


embriaguez patológica deve ser tratada como doença mental.
Actio libera in causa: o sujeito se autocoloca voluntariamente em situação de
embriaguez, de tal modo que, posteriormente, ao cometer um comportamento
criminoso, padecerá da capacidade de compreender a ilicitude do ato ou de se
autocontrolar. Se o dolo não é contemporâneo à ação é, pelo menos, contemporâneo ao
início da série causal de eventos, que se encerra com o resultado danoso. Como o dolo é
coincidente com o primeiro elo da série causal, deve o agente responder pelo resultado
que produzir.
Contrária à teoria, há a tese de que a conduta praticada pelo ébrio será
considerada dolosa ou culposa, não pela natureza da embriaguez, mas segundo o
elemento subjetivo do momento em que a ação é praticada.

Inexigibilidade de comportamento diverso.


O Código Penal prevê expressamente duas situações que excluem a
culpabilidade em razão da inexigibilidade de comportamento diverso.
Espécies de inexigibilidade de comportamento diverso
a) Coação irresistível: é a coação moral, a ameaça grave. A irresistibilidade da
coação deve ser medida pela gravidade do mal ameaça, ou seja, a ameaça tem de ser,
necessariamente, grave. Não há concurso de pessoas, mas autoria mediata; é punível
apenas o coator, único responsável pelo fato, por ter o domínio final.
Se a coação é resistível, haverá concurso de pessoas, em que o coagido possui
uma redução de pena, por ter uma diminuição do grau de reprovação.
Somente na hipótese de coação resistível o coator sofre a agravante do art. 62, II,
pois na hipótese de coação irresistível, ele será o autor mediato, sendo o coagido o meio
de sua execução.
b) Obediência hierárquica: o subordinado cumpre ordem do superior, de
autoridade pública ou privada (esta de acordo com a doutrina de Bitencourt), desde que
a ordem não seja manifestamente ilegal (pode ocorrer de ser apenas ilegal).
Código Penal Militar: o militar não pode discutir a ilegalidade, pois tem o dever
legal de obediência. Subentende-se que não deve obedecer a ordem manifestamente
criminosa; mas se cumpri-la, pode-se se sustentar a tese da exclusão de culpabilidade
pela coação irresistível.
Nas hipóteses de excesso, o subordinado responde com pena atenuada, o
superior com pena agravada.

Inconsciência da iliticitude:
Erro de proibição inevitável. Cf. capítulo imediatamente infra.

Emoção e a paixão
Define-se a emoção como aguda (Kant: uma torrente que rompe o dique da
continência) e a paixão como crônica (Kant: o charco que cava o próprio leito,
infiltrando-se, paulatinamente, no solo). Não eliminam a censurabilidade da conduta,
podendo apenas atenuá-la, desde que presentes a provocação injusta da vítima e o
domínio/influência desse estado emocional.

Caso fortuito e força maior: Caso fortuito é imprevisível que seria evitável;
força maior é previsível que é inevitável. O primeiro exclui a culpabilidade, enquanto o
segundo exclui a própria conduta.
~ 43 ~

ERRO DE TIPO E ERRO DE PROIBIÇÃO


Enquanto ignorância da lei é o desconhecimento dos dispositivos legislados, a
ignorância da antijuridicidade é o desconhecimento de que a ação é contrária ao Direito.
Por ignorar a lei, pode o autor desconhecer a classificação jurídica, a quantidade da
pena, ou as condições de sua aplicabilidade, possuindo, contudo, representação da
ilicitude do comportamento. Por ignorar a antijuridicidade, falta-lhe tal representação.
A ausência de potencial consciência da ilicitude exclui a culpabilidade; não
aproveita ao agente quando a) teria sido fácil para ele, nas circunstâncias, obter essa
consciência com algum esforço de inteligência e com os conhecimentos auferidos da
vida comunitária de seu próprio; b) propositadamente recusa-se a instruir para não ter
que evitar uma possível conduta proibida; c) não procura informar-se
convenientemente, mesmo sem má-intenção, para o exercício de atividades
regulamentadas.
- Erro de tipo incriminador: recai sobre circunstância que constitui elemento
essencial do tipo. É a falsa percepção da realidade sobre um elemento do crime. É a
ignorância ou a falsa representação de qualquer dos elementos constitutivos do tipo
penal. O erro do tipo essencial sempre exclui o dolo, permitindo, quando for o caso, a
punição pelo crime culposo. Exclui a tipicidade quando inevitável, por carência do tipo
subjetivo.
- Erro de proibição: incide sobre a ilicitude de um comportamento. O agente
supõe, por erro, ser lícita a sua conduta. O objeto do erro não é, pois, nem a lei, nem o
fato, mas a ilicitude, isto é, a contrariedade do fato em relação à lei. O erro de proibição
exclui a culpabilidade, impedindo a punição a qualquer título, quando inevitável.
Quando for evitável, a punição sempre se impõe, sem alterar a natureza (culposa ou
dolosa), mas com pena reduzida.
- Erro de proibição direito: o agente engana-se a respeito da norma proibitiva.
Portanto o crime que pratica é um crime de ação, comissivo.
- Erro de proibição indireto: o agente engana-se a respeito de uma proposição
permissiva.
- Erro mandamental: o erro recai sobre uma norma mandamental, sobre uma
norma imperativa, sobre uma norma que manda fazer, que está implícita,
evidentemente, nos tipos omissivos. Pode ter natureza de erro de tipo ou erro de
proibição, dependendo do caso.
a) Erro sobre elementos normativos especiais da ilicitude (“indevidamente”,
“sem justa causa”): não se confundem com elementos jurídicos normativos da ilicitude
(elementos constitutivos do tipo penal), pois, embora estes integrem a descrição do
crime, referem-se à ilicitude e, assim sendo, constituem elementos sui generis do fato
típico. Posição de Bitencourt: O caráter sequencial destas categorias obriga a comprovar
primeiro o problema de erro de tipo e somente solucionado este se pode analisar o
problema do erro de proibição, logo, deve ser tratado como erro de tipo. Em síntese,
como o dolo deve abranger todos os elementos que compõem a figura típica, e se as
características especiais do dever jurídico forem um elemento determinante da
tipicidade concreta, o erro sobre elas deve ser tratado como erro de tipo.
b) Erro de tipo permissivo: quando o objeto do erro for pressuposto de uma
causa de justificação. Com efeito, há efetivamente um misto de erro de tipo e erro de
proibição indireto, podendo-se afirmar que se trata de um erro eclético, com estrutura
parecida com o erro de tipo, mas com consequência semelhante ao erro de proibição, na
medida em que se refere a elementos normativos e descritivos de uma proposição
jurídica, mas que na sua consequência o conhecimento do tipo não sofre nenhum
~ 44 ~

prejuízo. Se inevitável, isenta de pena; se evitável, permanece a punibilidade, por crime


culposo.
Erro culposo e crime culposo: não se confundem. O erro culposo, vencível, a
vontade dirige-se a um comportamento proibido, enquanto no crime culposo o resultado
nunca é querido. Essas circunstâncias reduzem a censurabilidade de sua conduta, porque
a fidelidade subjetiva ao Direito fundamenta sempre uma menor reprovação de
culpabilidade que a desobediência consciente da lei. E entre a impossibilidade de isentá-
lo de pena e a injustiça da grave censura dolosa, opta-se pode uma censura mais branda.

CRIME CONSUMADO E CRIME TENTADO


“Iter criminis”
É o itinerário percorrido pelo crime, desde o momento da concepção até aquele
em que ocorre a consumação.
- Fase interna:
a) cogitatio: é a elaboração mental da resolução criminosa. A lei penal não pode
alcançá-la; o pensamento, in abstracto, não constitui crime.
- Fase externa:
a) preparação: atos preparatórios para a execução do crime, que arma-se dos
instrumentos necessários à prática da infração penal. Em regra, não são puníveis. No
entanto, algumas vezes, o legislador criminaliza os atos preparatórios em tipos penais
especiais (antecipação da tutela penal).
b) execução: ato idôneo e inequívoco tendente à consumação do crime. A tarefa
de separar os atos preparatórios e executórios é de difícil resolução; a doutrina apresenta
alguns critérios.
- critério material: a execução se inicia quando a conduta do sujeito passa a
colocar em risco o bem juridicamente tutelado.
- critério formal-objetivo: só há execução quando a conduta do agente se amolda
ao verbo núcleo do tipo.
- critério individual-objetivo (Welzel): todos os atos imediatamente anteriores ao
início da conduta típica.
c) consumação: Consuma-se o crime quando o tipo está inteiramente realizado,
ou seja, quando o fato concreto se subsume no tipo abstrato da lei penal. A consumação
é a fase última do atuar criminoso. É o momento em que o agente realiza em todos os
seus termos o tipo legal da figura delituosa, e em que o bem jurídico penalmente
protegido sofre a lesão efetiva ou a ameaça que se exprime no núcleo do tipo.
O momento consumativo varia de acordo com o crime:
- crimes materiais (dolosos ou culposos) / omissivos impróprios = ocorrência do
resultado naturalístico (modificação no mundo exterior provocada pela conduta);
- crimes formais = prática da conduta prevista em lei (não exige o resultado);
- crimes de mera conduta (comissivos ou omissivos próprios) = prática da
conduta prevista em lei (não há resultado);
- crimes permanentes = conduta se protrai no tempo;
- crime qualificado pelo resultado = superveniência do resultado agravador;
- crime habitual = reiteração de atos.
d) exaurimento: não faz parte do iter criminis; depois de consumar o delito, o
agente pratica nova conduta, intensificando a lesão ao bem juridicamente tutelado.

Tentativa
A tentativa é a realização incompleta do tipo penal, do modelo descrito na lei.
Na tentativa há prática de ato de execução, mas o sujeito não chega à consumação por
~ 45 ~

circunstâncias independentes de sua vontade. Trata-se de um tipo penal ampliado, um


tipo penal aberto. A tentativa amplia temporalmente a figura típica, cuja punibilidade
depende da conjugação do dispositivo que a define (CP, art. 14, II) com o tipo penal
incriminador.
Elementos
a) início da execução: a ordem jurídica exige a existência de uma ação que
penetre na fase executória do crime (teoria objetiva-formal).
b) não-consumação do crime por circunstâncias independentes da vontade do
agente: se for por vontade do agente, estaremos diante de arrependimento eficaz ou
desistência voluntária;
c) dolo em relação ao crime total: o agente deve agir dolosamente, deve querer a
ação e o resultado que concretize o crime perfeito e acabado. Não existe dolo especial
de tentativa – quem mata age com o mesmo dolo de quem tenta matar.
Espécies
- tentativa imperfeita: quando o agente não consegue praticar todos os atos
executórios necessários à consumação. O agente não exaure toda sua potencialidade
lesiva. A ação do agente é interrompida durante a fase executória da infração penal.
- tentativa perfeita: quando o agente realiza todo o necessário para obter o
resultado desejado, mas mesmo assim não o atinge (crime falho). A execução se
conclui, mas o crime não se consuma.
Punibilidade da tentativa (teorias)
Teoria subjetiva: fundamento está na vontade do autor contrária ao Direito. Para
essa teoria o elemento moral, a vontade do agente é decisiva, porque esta é completa,
perfeita. Imperfeito é o delito sob o aspecto objetivo.
Teoria objetiva: fundamento está no perigo a que é exposto o bem jurídico, e a
repressão se justifica uma vez iniciada a execução do crime. É o perigo efetivo que
representa diretamente para o bem jurídico tutelado que torna a tentativa punível. Teoria
que inspirou nosso Código Penal.
Infrações que não admitem tentativa.
- os crimes culposos não admitem tentativa, pois nesta espécie há resultado sem
intenção; a tentativa é a intenção sem resultado.
- os crimes omissivos próprios não admitem tentativa, pois não exige um
resultado naturalístico produzido por omissão.
- os crimes unissubsistentes também não admitem tentativa, diante da
impossibilidade de fracionamento dos atos da execução.
- o crime habitual não admite tentativa, pois o que o caracteriza é a prática
reiterada de certos atos que, isoladamente, constituem um indiferente.
- os crimes de atentado também não admitem tentativa, pois é inadmissível a
tentativa da tentativa.
- as contravenções penais não admitem tentativa por expressa disposição legal.
Desistência voluntária (tentativa abandonada)
O agente inicia a realização de uma conduta típica, mas voluntariamente
interrompe sua execução. É a ponte de ouro que a lei estende para a retirada oportuna do
agente (Von Liszt). É impunível, por que é do interesse da política criminal estimular a
não-consumação do crime. Só é possível quando for voluntária – não necessariamente
espontânea, que é que o agente tem a própria ideia de desistir – e nos crimes de tentativa
imperfeita.
Arrependimento eficaz
O agente, após ter esgotado todos os meios de que dispunha, arrepende-se e evita
que o resultado aconteça. Isto é, pratica nova atividade para evitar que o resultado
~ 46 ~

ocorra. O êxito da atividade impeditiva do resultado é indispensável, caso contrário, o


arrependimento não será eficaz. Se o agente não conseguir impedir o resultado,
responderá pelo crime consumado. O agente responde apenas pelos atos já praticados
que, de per si, constituírem crime.

Estes dois institutos constituem causa de exclusão de adequação típica, uma vez
que lhes falta o elemento de “causas alheias à vontade do agente” que caracteriza a
tentativa.

Crime impossível / tentativa inidônea


Quando após a prática da conduta, constata-se que o agente jamais conseguiria
consumar o crime, quer pela ineficácia absoluta do meio empregado (e.g. envenenar
com farinha), quer pela absoluta impropriedade do objeto (e.g. crime de aborto em
mulher não grávida).
- teoria subjetiva: havia intenção do autor de lesar o bem jurídico penalmente
tutelado; destarte, o autor do crime impossível deve sofrer a mesma pena da tentativa.
- teoria objetiva: não há lesão ou exposição a perigo do bem jurídico, logo, não
há tentativa e o agente não deve ser punido. Teoria adotada pelo nosso Código Penal.
- teoria sintomática: crime impossível é indício da periculosidade do autor.

Crime putativo
O agente pratica conduta que imagina típica, mas é perfeitamente lícita. Não é
punível.
Crime provocado
- flagrante preparado: o agente, por sua exclusiva iniciativa, concebe a ideia do
crime, realiza os atos preparatórios, começa a executá-los e só não consuma seu intento
porque a autoridade policial intervém para impedir a consumação do delito.
- flagrante provocado: o delinquente é impelido à prática do delito por um agente
provocador, onde o agente não tem qualquer hipótese de êxito na operação,
configurando-se crime impossível.
- flagrante forjado: a autoridade policial “cria” provas de um crime que não
existe. Inexiste o crime.

CONCURSO DE PESSOAS
A ciente e voluntária participação de duas ou mais pessoas na mesma infração
penal.
Teorias
a) pluralística: a cada participante corresponde uma conduta própria, um
elemento psicológico próprio e um resultado igualmente particular. À pluralidade de
agentes corresponde a pluralidade de crimes. Existem tantos crimes quantos forem os
participantes do fato delituoso. Teoria subjetivista, apartada da realidade.
b) dualística: há dois crimes, um para os autores, aqueles que realizam a
atividade principal, e outro para os partícipes, aqueles que desenvolvem uma atividade
secundária, que não realizam a conduta nuclear descrita no tipo penal.
c) monística ou unitária: não há qualquer distinção entre autor e partícipe. Todo
aquele que concorre para o crime causa-o em sua totalidade e por ele responde
integralmente. O crime é resultado da conduta de cada um e de todos.
O Código Penal adotou a teoria monística, com reservas. Atenua seus rigores,
distinguindo a punibilidade de autoria e participação, disciplinando determinados graus
de participação.
~ 47 ~

Requisitos
a) pluralidade de participantes e de condutas;
b) relevância causal de cada conduta: a conduta de cada participante deve
integrar-se à corrente causal determinante do resultado;
c) vínculo subjetivo entre os participantes: somente a adesão voluntária à
atividade criminosa de outrem, visando à realização do fim comum, cria o vínculo do
concurso de pessoas. A conivência não é punível;
d) identidade de infração penal: o resultado tem de ser um juridicamente
unitário.
Conceito de Autoria
a) conceito restritivo: autor é aquele que realiza a conduta típica descrita na lei,
isto é, que pratica o verbo núcleo do tipo. Nem todo aquele que interpõe uma causa
realiza o tipo penal. Autoria e participação são distinguidas por critérios objetivo:
- teoria objetivo-formal: autor é aquele cujo comportamento se amolda ao
círculo abrangido pela descrição típica; partícipe é aquele que produz qualquer outra
contribuição causal ao fato. Presente na nossa ordem jurídica;
- teoria objetivo-material: maior importância objetiva da contribuição do autor
em relação à contribuição do partícipe.
Crítica: não contempla a figura do autor mediato e tampouco os casos de
coautoria.
b) conceito expansivo: é autor todo aquele que contribui com alguma causa para
o resultado; não distingue autor e partícipe. O tratamento diferenciado ao cúmplice e
instigador constitui causas de restrição/limitação da punibilidade.
- teoria subjetiva da participação: autor é quem realiza uma contribuição causal
ao fato com “vontade de autor”; partícipe é quem realiza uma contribuição causal ao
fato com “vontade de partícipe”.
Crítica: executores do regime nazista queriam os fatos como alheios, tornando-
os partícipes.
c) teoria do domínio de fato: é autor quem tem o controle final do fato, é quem
tem o poder de decisão sobre a realização do fato. Não é só o que executa a ação típica,
como também aquele que se utiliza de outrem, como instrumento, para a execução da
infração penal.
Autoria mediata
É autor mediato quem realiza o tipo penal servindo-se, para execução da ação
típica, de outra pessoa como instrumento. A teoria do domínio do fato molda com
perfeição a possibilidade da figura do autor mediato. As hipóteses mais comunas
decorrem do erro, da coação irresistível e do uso de inimputáveis para a prática de
crimes. Todos os pressupostos de punibilidade devem encontrar-se na pessoa do
“homem de trás”, no autor mediato.
Quando o agente imediato realiza uma conduta conscientemente dolosa, o
“homem de trás” deixa de ter domínio do fato, reduzindo-se à coautor ou partícipe.
Coautoria
É a realização conjunta, por mais de uma pessoa, de uma mesma infração penal.
Basta a consciência de cooperar na ação comum. Não há relação de acessoriedade, mas
a imediata imputação recíproca, visto que cada um desempenha uma função
fundamental na consecução do objetivo comum.
Participação em sentido estrito
É a intervenção em um fato alheio, o que pressupõe a existência de um autor
principal. O partícipe não pratica a conduta descrita pelo preceito primário, mas realiza
uma atividade secundária que contribui, estimula, ou favorece da conduta proibida. A
~ 48 ~

norma que determina a punição do partícipe implica uma ampliação da punibilidade de


comportamentos que, de outro modo, seriam impunes. Para que a contribuição do
partícipe ganhe relevância jurídica é indispensável que o autor ou coautores iniciem,
pelo menos, a execução da infração penal. É necessária a eficácia causal e consciência
de participação na ação de outros.
Espécies de participação
a) instigação: o partícipe atua sobre a vontade do autor; o instigador limita-se a
provocar a resolução criminosa do autor, não tomando parte nem na execução, nem no
domínio do fato. É necessária uma influência no processo de formação da vontade,
abrangendo os aspectos volitivo e intelectivo.
b) cumplicidade: participação material, em que o partícipe exterioriza a sua
contribuição através de um comportamento, um auxílio.
Teorias sobre a punibilidade
a) teoria da participação na culpabilidade: punido pela gravidade da influência
que exerce sobre o autor, corrompendo o autor, tornando-o culpável e merecedor da
pena. Críticas: culpabilidade é uma questão pessoal de cada participante; a teoria da
acessoriedade limitada torna desnecessário o exame da participação na culpabilidade;
b) teoria do favorecimento ou da causação: o fundamento da punição reside no
fato de ter favorecido ou induzido o autor a praticar um fato socialmente intolerável,
típico e antijurídico. O desvalor da participação no fato está em causar ou favorecer a
lesão não justificada de um bem jurídico. É a teoria predominante na doutrina brasileira.
Princípio da acessoriedade da participação
a) teoria da acessoriedade extrema: só há crime para o partícipe se o
comportamento principal fosse típico, antijurídico e culpável, excetuando-se apenas as
circunstâncias agravantes e atenuantes da pena. A acessoriedade da participação é
condicionada à punibilidade da ação principal. Se, por qualquer razão, o autor fosse
inculpável, o partícipe seria impunível.
b) teoria da acessoriedade mínima: basta que o fato seja típico para o autor para
que seja crime para o partícipe; se o autor estiver albergado em uma causa de
justificação, o partícipe ainda assim incide em crime;
c) teoria da acessoriedade limitada: exige que a conduta principal seja típica e
antijurídica; não exige que seja culpável. O fato é comum, mas a culpabilidade é
individual. É a teoria dominante na doutrina.
Concurso em crime culposo
A doutrina brasileira admite a coautoria, mas inadmite a participação. Os que
cooperam na causa, isto é, na falta do dever de cuidado objetivo, agindo sem a atenção
devida, são coautores. Neste aspecto, a concepção brasileira assemelha-se à alemã. Toda
contribuição em uma ação que não observa o dever de cuidado fundamenta a autoria.
Concurso em crimes omissivos
É possível a participação; o que não se concebe é a participação omissiva em
crimes omissivos. Também concebe-se a coautoria – basta que tenham consciência e
vontade de incorrer na omissão em acordo.
Nos crimes omissivos impróprios, pode ser partícipe, se não tiver o dever
jurídico de agir, ou autor/coautor, se o tiver.
Autoria colateral
Ocorre quando duas ou mais pessoas, ignorando uma a contribuição da outra,
realizam condutas convergentes objetivando a execução da mesma infração penal. O
dolo de cada participante estabelece o limite da responsabilidade jurídico-penal de cada
um.
Crimes multitudinário
~ 49 ~

É desnecessário que se descreva minuciosamente a participação de cada um dos


intervenientes, sob pena de inviabilizar a aplicação da lei. Aqueles que praticarem o
crime sob influência de multidão em tumulto poderão ter suas penas atenuadas. Por
outro lado, terão a pena agravada os que promoverem, organizarem, ou liderarem a
prática criminosa ou a atividade dos demais.
Participação impunível
A participação em um crime que não chegou a iniciar não teve eficácia causal, e
sem essa eficácia não há que se falar em participação criminosa. Não será punível
Punibilidade
A reforma penal mantém a teoria monística. Adota, porém, a teoria restritiva de
autor, fazendo a perfeita distinção entre autor e partícipe, que, abstratamente, incorrem
na mesma pena cominada ao crime que praticarem. Mas que, concretamente, variará
segundo a culpabilidade de cada participante. E em relação ao partícipe, variará ainda
de acordo com a importância causal de sua contribuição.
- participação de menor importância: o juiz deverá reduzir a pena de um sexto a
um terço;
- cooperação dolosamente distinta: cada um responde somente até onde alcança
o acordo recíproco; se a conduta executada difere daquela idealizada a que aderira o
partícipe, este, responderá pela desejada.
Na hipótese dos preterdolosos, se o excesso decorrer de consequência natural ou
culpa do autor, a responsabilidade se comunica ao partícipe. Se decorrer de dolo
especial, somente o autor será responsável pelo resultado mais grave.
Comunicabilidade das circunstâncias, condições e elementares
Circunstâncias são dados, fatos, elementos, peculiaridades que apenas circundam
o fato principal (objetivas = qualidade e condições da vítima, ao tempo, lugar, modo, e
meio de execução do crime; subjetivas = ao agente, estado, motivo do crime).
Condições de caráter pessoal são as relações do agente com o mundo exterior.
Elementares do crime são dados, fatos, elementos e condições que integram
determinadas figuras típicas.
Circunstâncias e as condições de caráter pessoal não se comunicam, salvo
quando elementares do crime, por expressa determinação legal. As circunstâncias
objetivas e as elementares do tipo (sejam elas objetivas ou subjetivas) só se comunicam
se entrarem na esfera de conhecimento dos participantes.

Você também pode gostar