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Eu e outros Poemas – Augusto dos Anjos

1. O autor e sua obra

Paraibano, nascido em 1884, Augusto dos Anjos, apesar de ter se formado em Direito, elegeu
como profissão apenas o magistério.

Transferindo-se para o RJ, sempre enfrentando muitas dificuldades, veio a publicar, com a ajuda
de um irmão, em 1912, 'Eu', seu único livro de poesias.

Passados dois anos, em 1914, adoeceu e morreu de pneumonia, com, então, 30 anos.

Como o próprio poeta reconheceu, seu livro causou um verdadeiro choque aos padrões literários
da época. Entre elogios e impropérios, havia, no entanto, unanimidade quanto à originalidade da
sua obra: com sua linguagem técnica-científica e grotesca, contrariava a ideologia vigente da
'belle époque' carioca.

Após oito anos do lançamento, seu livro foi reeditado - 'Eu e Outras Poesias' [1920] - alcançando,
assim, a tão esperada popularidade.

2. Comentário da obra

2.1. Estilo

Em linhas gerais, 'Eu e Outras Poesias' representa a soma de todas as tendências e estilos
dominantes desde o final do século XIX até o início do século XX. Em outras palavras, sua obra
recebe influência do Parnasianismo, do decadentismo, do Simbolismo e ainda antecipa uma série
de características modernistas. Em face disso, podemos dizer que, na realidade, Augusto dos
Anjos não se filiou, com exatidão, a nenhuma escola em particular, produzindo, desse modo,
uma obra múltipla e personalíssima [até mesmo com um vocabulário naturalista ].

Entre as suas principais características, temos, além da linguagem científica e extravagante, a


temática do vazio da coisas [ o nada ] e a morte [ finitude da vida ] em seus estágios mais
degradados: a putrefação, a decomposição da matéria.Simultaneamente, reflete em seus versos
a profunda melancolia, a descrença e o pessimismo frente ao ser e à sociedade, elaborando,
assim, uma poesia de negação: nega as falsas ideologias, a corrupção, os amores fúteis e as
paixões transitórias:

'Melancolia! Estende-me a tua asa!


És a árvore em que devo reclinar-me...
Se algum dia o prazer vier procurar-me
Dize a este monstro que eu fugi de casa!'

2.2. Influências estéticas

Mal abrindo o livro, logo percebemos a influência parnasiana, expressa no forte rigor formal: são
sonetos e poemas mais longos, predominando os quartetos, todos com versos isométricos e
rimados, quase todos decassílabos.

Ao mesmo tempo, emergem com força as influências do Simbolismo, explicitadas pela


sonoridade dos versos [ ritmo, rimas, aliterações ], pelo uso de iniciais maiúsculas em certos
substantivos comuns e por alguns aspectos temáticos, como o ideal de transcendentalismo e a
angústia cósmica, entre outros.

Por outro lado, ocorrem na obra índices da modernidade, pois, além da linguagem agressiva, por
vezes coloquial, o poeta incorpora em seus versos tudo o que é podre e sujo, realizando, em
certos momentos, crítica e denúncia social.

Recorrendo com freqüência às imagens da larva e do verme, o poeta do hediondo opera a


dessacralização do poema, a desvinculação da palavra poética com o 'belo'.

Concluindo, Augusto dos Anjos caracteriza-se por ser um poeta 'sui-generis', único em nossa
poesia. A sua temática, a dos sofrimentos e angústias do homem, reflete, enfim, algo profundo e
universal: 'Grito, e se grito é para que meu grito / Seja a revelação deste Infinito / Que eu trago
encarcerado na minha alma!

3. Análise de fragmentos e poemas da obra

3.1. Fragmentos de Monólogo de uma Sombra

'Como um pouco de saliva quotidiana


Mostro meu nojo à Natureza humana.
A podridão me serve de Evangelho...
Amo o esterco, os resíduos ruins dos quiosques
E o animal inferior que urra nos bosques
É com certeza meu irmão mais velho. Forma: sextilhas, versos decassílabos; rimas paralelas e
interpoladas.
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Somente a Arte, esculpindo a humana mágoa,
Abranda as rochas rígidas, torna água
Todo o fogo telúrico profundo
E reduz, sem que, entanto, a desintegre,
À condição de uma planície alegre,
A aspereza orográfica do mundo!'. Conteúdo: única fonte de prazer estético: a arte.

3.2. Psicologia de um vencido

'Eu, filho do carbono e do amoníaco,


Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.
Forma: soneto, versos decassílabos, rimas interpoladas.
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Já o verme - este operário das ruínas -
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra.

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,


E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!.
Conteúdo: o desconforto no mundo, o azar e a morte

3.3 - Fragmentos de Budismo Moderno

'Tome, Doutor, esta tesoura, e ....corte


Minha singularíssima pessoa
Que importa a mim que a bicharia roa
Todo o meu coração, depois da morte?!'

'Ah! Um urubu pousou na minha sorte!'


Conteúdo: desânimo, sentimento de derrota, masoquismo e azar.

3.4 - Fragmentos de Os Doentes

'E o índio, por fim, adstrito à étnica escória,


Recebeu, tendo o horror no rosto impresso,
Esse achincalhamento do progresso
Que o anulava na crítica da História!

Como quem analisa um apostema


De repente, acordando na desgraça,
Viu toda a podridão de sua raça...
Na tumba de Iracema!...

Ah! Tudo, como um lúgubre ciclone,


Exercia sobre ela ação funesta
Desde o desbravamento da floresta
À ultrajante invenção do telefone.'
Conteúdo: denúncia da ruína da raça indígena.

3.5 - Fragmentos de Sonetos [ A meu pai morto ]

'Podre meu Pai! E a mão que enchi de beijos


Roída toda de bichos, como os queijos
Sobre a mesa de orgíacos festins!...

Amo meu Pai na anatômica desordem


Entre as bocas necrófagas que o mordem
E a terra infecta que lhe cobre os rins!'
Conteúdo: ápice da dor, transmitida através do grotesco.

3.6 - Versos Íntimos

Vês! Ninguém assistiu ao formidável


Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!


O Homem que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!


O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,


Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
Conteúdo: pessimismo, descrença no ser humano; denúncia às falsas aparências, às hipocrisias
sociais.
3.7- Fragmentos de 'Poema Negro'

A passagem dos séculos me assombra.


Para onde irá correndo minha sombra
Caminho, e a mim pergunto, na vertigem:
-Quem sou? Para onde vou? Qual minha origem?
E parece-me um sonho a realidade. Conteúdo: Conteúdo: Estupefação diante da velocidade do
tempo. Indagações universais; como da origem e do destino humano. Melancolia e dor.
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Ao terminar este sentido poema
Onde vazei a minha dor suprema
Tenho os olhos em lágrimas imersos...
Rola-me na cabeça o cérebro oco.
Por ventura, meu Deus, estarei louco?!
Daqui por diante não farei mais versos.

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