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É a partir de Lindolf Bell que a poesia catarinense recupera o teor de originalidade, legado
por Cruz e Souza, e passa a sugerir algo novo. Não dita normas para o fazer literário, não
restringe o campo de ação do poeta. Mas amplia, posto que, opondo-se a algumas teorias
estéticas das vanguardas de 50 e 60, pressupõe a permanência do vínculo entre o poeta e o
seu poema. Exigindo do poeta a divulgação direta com o público, tornando-se um
intermediário vivo entre o poema e o seu consumidor, a poesia realimenta-se de suas
atribuições originais de laudos e desempenho social.
Sendo essa sua orientação básica, a Catequese Poética, liderada por Lindolf Bell, possibilita a
agregação de poetas das mais variadas tendências, num convívio sem conflitos estéticos.
Daí o uso de ingredientes que favorecem os efeitos acústicos e o ritmo, como a repetição e a
reiteração. O convite à participação do público não se dá somente ao nível fônico e visual,
mas igualmente, na sugestão contida na matéria tematizada.
Em Código das Águas afirma-se a trajetória desempenhada pelo poeta enquanto peregrino em
busca da poesia ideal. A palavra, aí, é o instrumento capaz de apreender a essência do
universo criado. O código das águas reelabora o ideário estético de Lindolf Bell, que tem a ver
unicamente com o fluir irredutível, ininterrupto e inclassificável de sua poesia - águas -
insubmissa a códigos, exceto o das águas, cuja, codificação nega a si mesmo, exigindo-se a
mutabilidade, o dinamismo constante.
ANÁLISE DA OBRA:
O Código das Águas é uma poesia que celebra o refazer-se, a mudança, a transição e o
caráter transitório de tudo pela 'palavra/ quem em breve/ será a palavra dentro em breve./ A
palavra/ que se reveste de linho real/ na linha real da vida:/ enfermidade, / efemeridade'. O
título da obra fala de uma impossibilidade, uma contradição: suas águas são aquelas do rio
heraclitiano, puro movimento, irrepetíveis.
Lembremos que, em seus primeiros livros, Bell, como retrata o prof. do curso Geração,
apresentava-se como poeta que denunciava a perda de laços de fraternidade e de densidade
humanística em nossa sociedade.
Uma característica deste livro em contraste com os dois anteriores, é a sua descontinuidade
aparente. As Annamarias e As Vivências Elementares são quase um poema só, divido em
partes, algo como variações sobre o mesmo tema. Aqui, não: temos partes bem distintas,
coexistindo poemas, enfermidade, efemeridade, com outros lineares e despojados, parecendo
até uma abdicação do uso de determinados recursos poéticos. E outros, ainda, que se
caracterizam pela brevidade e concisão, como na série Minifúndios.
Ou seja, onde seus dois livros anteriores têm uma estrutura fechada, quase com começo,
meio e fim, desta vez temos uma obra que, mesmo conservando sua unidade, também
apresenta algo de incluso e aberto - justamente por registrar uma passagem, um processo de
transformação.
Alguns textos remetem igualmente ao não mais existente e ao imemorial, como o Inseto de
Lagoa Santa, ou o índio do veemente Poema para o Índio Xokleng, que 'emudeceu entre
castanhas, bagas e conchas/ de seus colares de festa'.
A linguagem para falar do imemorial e do anterior à memória também é outra: requer uma
palavra anterior à palavra. Este é um tema constante, que atravessa o livro: 'Não é a palavra
fácil/ que procuro./ .../ Procuro a palavra fóssil./ A palavra antes da palavra./ .../ Esta que
me antecede / e se antecede na aurora/ e na origem do homem'. Por isso, 'procuro desenhos/
dentro da palavra./.../Sinais, vendavais,silêncios./ Na palavra enigmam restos, rastros de
animais,/ minerais da insensatez'. Não mais 'mero esboço de um desenho inacabado de
homem,/ inadequado, por certo, na forma de chegar e falar / das coisas do mundo e de mim'.
Textos selecionados:
XIX
Meu coração
Não passa de um minifúndio
E minha linguagem
Chama-se viver
DESTERRO
I
Aqui estou
Em pleno século XX
Desterrado por Platão.
Dentro do círculo da vida
Nõa mais aberto
Que um não.
Faço um poema.
Me desfaço.
Me desfaço como um laço
De uma caixa de presentes vazia.
POEMA MATEMÁTICO
Me somo
E fico um
Me multiplico
E permaneço um.
Me divido.
E continuo um.
Me diminuo.
E resto um.
Me escrevo
E sou nenhum.
Longe de mim
Como a mais distante estrela.
Próxima de mim
Em meus olhos [e coração]
Que me permitem vê-la.