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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação

43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – VIRTUAL – 1º a 10/12/2020

A Midiatização do Jornalismo: Apontamentos Teóricos​1

Bruna Amorim PEREIRA​2


Claudiane CARVALHO​3
Gabriel Santos RODRIGUES​4
Laila MIRANDA​5
Luan Pereira BORGES​6
Centro Universitário Social da Bahia, UNISBA, Salvador, BA​7

RESUMO

As novas configurações de interação social, intensificadas com o surgimento da internet,


sobretudo no contexto pandêmico, sugerem um campo de observação privilegiado para
possíveis tensionamentos imbricados a midiatização. Analisado sob a perspectiva
institucional, por exemplo, compreende-se que o conceito reflete as modificações na relação
entre mídias, indivíduos e os diversos campos da sociedade. Nesse sentido, as reflexões
levantadas neste artigo discorrem acerca da convergência midiática e tensiona a influência
das novas mídias sobre o comportamento social e das instituições, principalmente, no
jornalismo. O texto traz apontamentos sobre os conceitos de midiatização e, em alguma
medida, põe lupa ao ​modus operandi do jornalismo contemporâneo sob influência desse
fenômeno.

PALAVRAS-CHAVE: ​Midiatização; Convergência; Interação; Jornalismo; Comunicação.

INTRODUÇÃO

Ao mesmo tempo que levantamos questão acerca das transformações sociais, em


decorrência da sua interação com as mídias digitais, enfrentamos uma das maiores crises
sanitária do século. São mais de 150 mil mortes registradas só no Brasil por infecção da
covid-19, que, por conta da pandemia, agravou ainda mais as desigualdades estruturais no
país. Neste cenário, o campo jornalístico tem exercido um papel fundamental para sociedade,
tanto no que diz respeito à cobertura dos fatos e atualizações dos dados e pesquisas

1
​Trabalho apresentado na IJ01 – Jornalismo, da Intercom Júnior – XVI Jornada de Iniciação Científica em Comunicação,
evento componente do 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.
2
​Estudante de Graduação 8º. semestre do Curso de Jornalismo do UNISBA. e-mail: brunaamorim@ymail.com
3
​Orientadora do trabalho. Doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Facom/ UFBA). Pós-doutoranda pelo
CNPq. Professora no Centro Universitário UNISBA. email:claudianecarvalho.29@gmail.com
4
​Estudante de Graduação 8º. semestre do Curso de Jornalismo do UNISBA. e-mail: infojob.gabriel@gmail.com
5
​Estudante de Graduação 8º. semestre do Curso de Jornalismo do UNISBA.. e-mail: laila.miranda@outlook.com
6
​Estudante de Graduação 8º. semestre do Curso de Jornalismo do UNISBA. e-mail: luanborges394@gmail.com
7
​Pesquisa desenvolvida no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica - PIBIC/UNISBA, vinculado ao Projeto
Integrador 4 (PI4) do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Estudos Interdisciplinares e Transdisciplinares em
Ecologia e Evolução (INCT IN-TREE).

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relacionados ao vírus, quanto na verificação e combate às fake news.


Diante do atual cenário pandêmico, as novas configurações de interação social,
impostas pelo uso em maior escala das tecnologias, como forma de em substituição às rotinas
presenciais de estudo e trabalho, mostram como a midiatização incide nas reformulações do
papel social dos indivíduos. Um dos principais aspectos suscitado nessa inter(ação) é a
ressignificação do modus operandi do jornalismo a todo tempo, constituída a partir das
codificações estabelecidas pela modalidade de circulação a qual, a informação nesse
contexto, vai estar implicada.
Os diferentes conceitos de midiatização ou mediatização​8 estão em volta das
mudanças sociais ocasionadas por novas formas de interações comunicacionais entre
integrantes de uma rede, na qual indivíduos e instituições estão presentes e se relacionam de
variadas formas, por diversos suportes, o tempo todo. De acordo com Stig Hjarvard, esse é
um fenômeno da modernidade tardia, ou da alta modernidade, o que demarca o que há de
novo na sociedade (THOMPSON, 1995). Para o autor, as mudanças nas relações sociais se
intensificaram especialmente nas últimas décadas, com o surgimento da internet e o advento
das mídias digitais, o que gerou a expansão e o acesso a tecnologias móveis. Essas mudanças
nas relações comunicacionais da sociedade estão inseridas no contexto da midiatização.
Uma das consequências dessas mudanças é a convergência midiática, conceito
utilizado por Henry Jenkins para caracterizar as maneiras de adaptação dos mais diferentes
suportes à internet (JENKINS, 2009), a qual possibilitou também a comunicação em rede, ou
seja, a interação simultânea (CASTELLS, 1999). Com o advento e a consolidação nas
práticas sociais, a tecnologia digital provocou uma série de gradações nos fluxos
comunicacionais, que expandem a comunicação no tempo, no espaço e na modalidade
(HJARVARD, 2014). Em alguma medida, o jornalismo, por estar inserido na área da
comunicação, passa por transformações em suas instâncias de produção e circulação, uma vez
que a midiatização pressupõe novas lógicas de interação entre mídias, instituições sociais e
indivíduos.
Destacar o jornalismo como um campo social autônomo (BOURDIEU, 1989), e
instituição que dialoga com outras instâncias da sociedade, se faz necessário para consolidar
apontamentos teóricos sobre essa área em uma perspectiva de midiatização. O jornalismo
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​Os termos midiatização e mediatização têm conceitos semelhantes, mas com nomenclaturas diferentes a depender da linha
de pesquisa que os autores adotam.

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cada vez mais midiatizado é uma tendência, principalmente com as reverberações e


possibilidades laborais da notícia e suas perspectivas de disseminação. Nesse sentido, o
presente artigo se propõe a discutir qual o papel as mídias desenvolvem nas relações sociais e
institucionais. Para isso, o trabalho expõe conceitos de midiatização e as suas implicações nos
diversos campos da sociedade. Em seguida, apresentamos as diferentes vertentes de análise
dos estudos de midiatização, com o intuito de sistematizar as suas implicações no campo
social, cultural e institucional, sobretudo, no que tange o campo da Comunicação
Tendo em vista que no contexto da midiatização, as mídias assumem um papel de
reguladoras da esfera social, apontaremos ainda a influência desse fenômeno na sociedade e
nos aspectos práticos no jornalismo. Significa dizer que os apontamentos e reflexões
levantados aqui buscam realizar uma análise das reconfigurações comunicativas ao modo que
a midiatização incide na sociedade.

A MIDIATIZAÇÃO

O estudo da midiatização pode ser entendido como a análise do papel da mídia em


vários contextos sociais e culturais. O avanço tecnológico e a globalização suscitaram na
inserção das várias mídias na prática da vida cotidiana e gerou mudanças estruturais nas
relações e nos padrões da sociedade. A comunicação dita de massa possibilita, no mundo
contemporâneo, a interatividade - não apenas receber conteúdos, mas também produzi-los a
alcance global. Assim, é possível compreender que a midiatização acentuada é vivenciada
cultura e socialmente, devido ao atravessamento da mídia por todas as instituições sociais, a
exemplo da família, política e religião (HJARVARD, 2014). Mas antes de iniciar a
abordagem de estudo, é importante especificar o conceito de mediação para que não ocorra
desarranjo na leitura deste artigo. O conceito de mediação é de uso adequado para “descrever
as características gerais de qualquer processo de comunicação de mídia” (HEPP, 2014, p. 46).
À medida que esses processos se alteram, novas mudanças institucionais podem aparecer na
sociedade. Já a midiatização se refere às interferências do uso da mídia nas relações e padrões
sociais.
O estudo verifica três aspectos, sendo o primeiro as mudanças de longa duração na
relação mídia x esferas sociais, entendendo que o processo também impõe novos padrões

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interacionais e relacionais, e também define novos modelos de comunicação mediada


(HJARVARD, 2004). O segundo aspecto é que a perspectiva institucional analisa a nível
meso assuntos sociais e culturais, desta forma a midiatização examinada sob essa ótica
desconsidera a teorização a nível macro (universal) e micro, gerando teorias de médio
alcance. Já o terceiro aspecto entende a midiatização como um processo recíproco que
envolve interação bilateral, uma interdependência entre meios, instituições, organizações e
pessoas; a interferência não se dá somente em uma instituição, além de ser um processo
complexo de influências e ingerências mútuas. As instituições regem comportamentos
individualmente, mas também dependem umas das outras para ter completude.
O processo de midiatização tem sua existência dependente da multiplicação de novas
mídias que geram alterações, permeiam todas as instituições e evidencia a dependência de
atores sociais dos meios de comunicação. A teoria de médio alcance apontada por Stig
Hjarvard (2014) entende o desenvolvimento da midiatização como recíproco, ao mesmo
tempo que adentra nos campos sociais já institucionalizados, adquire também a condição de
instituição social. A mídia é uma instituição que perpassa e influencia todas as outras,
estabelecendo a noção de lógica da mídia. Essa lógica nada mais é que as características e o
modus operandi da instituição - mídia. E a dependência da mídia faz com que a lógica dessa
instituição ingira-se social e culturalmente. Com base nisso, pode-se afirmar que a mídia
controla a sociedade de uma forma geral através de recursos que disponibiliza, mas também
controla (HJARVARD, 2014).
Nesse contexto, entendemos a midiatização como um estudo relacional dos atores
sociais com a mídia. E mediante isso, é possível afirmar que o processo de midiatização
implica nos meios de comunicação e, por isso, precisa ser analisada considerando os aspectos
institucionais e sociais e as interferências nestes campos.

VERTENTES DE ANÁLISE DA MIDIATIZAÇÃO

As relações entre as mídias ​e as diversas instituições sociais têm representado um


amplo campo de estudos para a Comunicação. No que concerne às pesquisas sobre
midiatização, é necessário compreender que a mídia exerce funções que estão relacionadas
não somente aos meios e formas de comunicação massiva, mas sim à todas as reformulações

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de processos comunicacionais (massivos, digitais, técnicos e primários). Processos estes que


foram remodelados a partir dos aparatos técnicos que emergiram dos avanços tecnológicos,
possibilitando assim uma ampliação dos fluxos comunicacionais.
De acordo com Hjarvard (2014), às mídias atravessam quase todas as instituições
sociais e culturais, interferindo, assim, desde os processos comunicacionais até as estruturas
institucionais. Neste sentido, a análise acerca dos efeitos que a midiatização incide na
sociedade deve levar em consideração as diferentes nuances sociais (contexto político,
sócio-econômico, etc.), já que a mídia, a cultura e a sociedade estão de forma mútua
envolvidas no processo de mudança. No contexto da midiatização, as mídias assumem um
papel de reguladoras da esfera social, as suas próprias normas de funcionamento acabam por
alterar as lógicas de comunicação de outras instituições e dos indivíduos que a compõem.
Para alguns teóricos, como Hepp (2013), o estudo em midiatização precisa
contemplar uma “análise transmidial”, ou seja, é necessário analisarmos as configurações
comunicativas a partir das diferentes categorias midiáticas, já que dificilmente a comunicação
se dá através de um único tipo de mídia. É de grande valia considerar que a realidade é
constituída a partir das nossas relações sociais, dessa forma, as mídias assumem um papel
determinante no processo de reformulação dos papéis dos atores sociais.
Isto posto, precisamos realizar algumas observações: 1) os estudos em midiatização
não refletem um fenômeno recente, registros de pesquisas em mídia e comunicação das
primeiras décadas do século XX já apontavam o uso do termo para descrever as alterações
nas relações sociais na modernidade; 2) os estudos em midiatização possuem diferentes
vertentes de análises; 3) entre estas perspectivas, se destacam a vertente “semiantropológica”
desenvolvida pelo semioticista e sociólogo Eliseo Verón; a abordagem “institucional” de Stig
Hjarvard e a tradição “sócioconstrutivista” a partir dos estudos de Andreas Hepp. Ainda que
alguns teóricos também apontem a vertente tecnológica-materialista (usos e impactos da
internet das coisas), a partir daqui, aprofundaremos as particularidades de cada uma das
linhas de pesquisas supracitadas.
A proposta de Eliseo Verón mescla conceitos de uma análise de longa duração -
pesquisa sobre aspectos antropológicos, com a semiótica - estudo que compreende os
processos de produção dos sentidos. Dessa forma, a abordagem “semiantropológica” possui
uma visão de caráter interdisciplinar e considera a midiatização como nomenclatura para uma

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série de fatos que compreendem a evolução técnico-comunicacional dos indivíduos dentro de


uma sociedade. Estes acontecimentos são considerados pelo autor como “fenômenos
midiáticos” e se referem a “exteriorização dos processos mentais na forma de dispositivos
materiais” (VÉRON, 2014, p.14). Significa dizer que a midiatização consiste num
movimento complexo que envolve: os processos cognitivos dos indivíduos; os aparatos
técnicos e os seus funcionamentos; as instituições culturais e sociais e as quebras de tempo e
espaço ocasionadas por estes dispositivos.

O estágio inicial de cada momento crucial de midiatização pode ser datado,


pois consiste de um a dispositivo técnico-comunicacional que surgiu e
estabilizou-se em comunidades humanas identificáveis, o que significa
que foi, de uma maneira ou de outra, adotado. Não há determinismo
tecnológico implícito aqui: em qualquer tempo, a apropriação pela
comunidade de um dispositivo técnico pode tomar muitas formas
diferentes; a configuração de usos que finalmente se torna
institucionalizada em um lugar e tempo parti-cular ao redor de um
dispositivo de comunicação (configuração que pode ser propriamente
chamada de meio) só necessita de explicação histórica. (VÉRON, 2014,
p.16)

Assim, podemos compreender que a abordagem “semiantropológica” para além das


relações entre os indivíduos e o conhecimento, os indivíduos entre si e os indivíduos e as
instituições, coloca em destaque também as rupturas de tempo e espaço e a aceleração do
tempo. Uma vez que, nos últimos anos, os avanços tecnológicos viabilizaram uma redução no
espaço temporal entre as descobertas de dispositivos e/ou suportes que possibilitam aos
indivíduos adotarem novos regimes de significado.
Na perspectiva “institucional” da midiatização, Stig Hjarvard, principal teórico desta
abordagem, considera que a relação entre a mídia e a sociedade é mútua, uma vez que as
interações sociais e as mudanças culturais estão cada vez mais ligadas às “lógicas da mídia”.
A noção de “lógica da mídia” está condicionada às lógicas de funcionamento (regras) e
outros recursos de dimensões institucionais, estéticas e tecnológicas da mídia que possuem
algum grau de influência sobre a sociedade. Melhor dizendo, a relação que os campos sociais
estabelecem com as instituições e processos midiáticos, de maneira geral, é a interferência da
mídia nas práticas sociais dos diversos campos da sociedade.
A partir desse contexto, podemos questionar por exemplo, qual o papel a mídia exerce
nas mudanças sócio-culturais? Como esse processo interfere nos modos de produção e

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circulação da informação? Ou ainda, como as instituições sociais e culturais estão sendo


transformadas por essa ambiência institucional? Em linhas gerais, a midiatização, na
perspectiva institucional, constitui um processo social que sofre impactos dos avanços
proporcionados por ela mesma (quer seja em relação a dispositivos tecnológicos ou a modos
de construção discursiva), bem como dos agentes sociais que fazem uso das lógicas
midiáticas para seus próprios interesses.

De um ponto de vista institucional, a midiatização é caracterizada por um


desenvolvimento bilateral, no qual a mídia se tornou institucionalizada
dentro de outros domínios sociais, ao mesmo tempo em que adquiriu o
status de instituição social em si mesma. (HJARVARD, 2012, p. 26)

Assim, as mídias passam a alterar “as relações entre as instituições; entre os


indivíduos; entre as instituições e os indivíduos; entre as instituições e os meios e entre os
próprios meios, impactando, portanto, diferentes dimensões das interações sociais”
(CARVALHO, 2018, p.2). Em vista disso, as mídias passaram a ser mecanismo mediadores e
fundamentais de todas as interações da sociedade em geral.
“As lógicas institucionais, portanto, abrangem assim dimensões materiais e culturais,
bem como as funções de recurso cognitivo, oferecendo categorias de produção de sentido
para interpretar o mundo” (HJARVARD, 2014, p. 33), no âmbito da comunicação o estudo
versa sobre as modificações que essa lógica traz sobre a percepção e interação social. Elas se
sobrepõem, sendo codesenvolvidas mutuamente e influenciando umas às outras.
Como as mudanças nas lógicas sociais alteram a produção de sentido? Como os meios
(mídias) incidem nessa construção de sentido? Com o surgimento e expansão das mídias
digitais, nas últimas décadas do século XX, a pesquisa de midiatização precisou considerar
novos papéis para os atores sociais dentro do contexto de uma sociedade midiatizada. Para
Andreas Heep, o estudo em midiatização deve estar mais direcionado às práticas de
comunicação cotidianas, aos usos das mídias digitais, aos processos de comunicação pessoal,
por exemplo.
Por isso, a abordagem “sócioconstrutivista" busca promover uma “análise
transmidial”, já que as redes de atores sociais geralmente utilizam mais de uma modalidade
midiática para estabelecer suas configurações comunicativas. Assim, “a transmidialidade,
principalmente o cruzamento entre os meios de comunicação tradicionais e as tecnologias

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mais recentes” (MENEZES et al., 2019), esboça a inter-relação entre as mudanças


comunicacionais e as transformações socioculturais e como estas variações
alteram/modificam a realidade.
Isto posto, é válido salientar que a perspectiva institucional da midiatização, entende
que o indivíduo assume na sociedade um papel de ator plural, visto que a partir dos usos que
são feitos das mídias e seus aparatos técnicos, ele passa a ter práticas diferenciadas em
mundos midiatizados distintos, ou seja, para cada mundo midiatizado as significações e
atributos das mídias se modificam.
Entende-se como “mundos midiatizados” os “fragmentos de mundos da vida ou
mundos sociais” (HEPP, 2014, p. 53), em outras palavras, eles representam um recorte social
que possibilita a análise da midiatização pela vertente institucional. Deste modo, ainda
segundo Hepp (2014, p. 54), devemos levar em conta três aspectos para tornar a midiatização
concreta e possível de ser analisada empiricamente: 1) as redes comunicação dos mundos
midiatizados atravessam vários territórios; 2) os mundos midiatizados coexistem em várias
escalas; 3) os mundos midiatizados são entrelaçados entre si.
As perspectivas de análises da midiatização aqui apresentadas não esgotam as todas as
vertentes possíveis de pesquisa sobre a midiatização. Para além disso, os conceitos,
trabalhados por cada um dos autores, exemplifica o papel da mídia na construção,
modificação e/ou determinação de novas tipificações de atores sociais. É possível encontrar
pontos de convergência entre as abordagem, ainda que elas utilizem métodos e corpos de
estudos distintos:

Segundo Hepp (2014, p. 49), todos os processos de midiatização “devem ser


descritos de uma forma concreta”, argumento idêntico ao de Hjarvard (2012,
p. 60), para quem “a validação empírica através da análise histórica, cultural
e sociológica é necessária”. Verón (2014) é o único dos três autores que não
chega a explicitar a condição empírica da midiatização, mas a noção de
“mundos semióticos” enunciada pela perspectiva semioantropológica denota
uma predisposição para a análise concreta dos fenômenos midiáticos.
(Menezes et al., 2019, p. 173)

A partir do aporte teórico-metodológico construído neste capítulo, partiremos para


uma análise sobre as condições de produção, circulação, enunciação impostas pela
midiatização nas lógicas do ​modus operandi​ do Jornalismo na contemporaneidade.

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ASPECTOS PRÁTICOS DA MIDIATIZAÇÃO NO JORNALISMO

À medida em que avançam os estudos acerca da midiatização, imbricadas às


perspectivas sócio-construtivistas, compreende-se que a participação hiperdensa das mídias
técnicas no tecido social carrega inúmeras significações para o campo do jornalismo.
Conforme reflete Hjarvard, os meios digitais provocaram grandes transformações sociais no
que diz respeitos à própria noção de espaço e tempo (HJARVARD, 2014). Nesse contexto,
sobretudo quando se tem a instantaneidade da internet, os processos comunicacionais
assumem outras dimensões de performance na sociedade, caracterizadas, segundo o teórico, a
partir da modalidade, isto é, do modo ou meio a qual estão implicadas.
No âmbito do jornalismo, as reflexões apontam para aspectos sócio-estruturais que
tomam como análise e fonte de significação as dimensões interacionais entre mídia, ​medias​,
sociedade e a modalidade. As alterações nos meios de produção e circulação de informações
com advento da internet, por exemplo, aproxima a construção jornalística de uma realidade
cada vez mais complexa, tanto no que corresponde ao ​modus operandi quanto aos contratos
de enunciação e recepção estabelecidos para profissão. Verón, ao preocupar-se com os
processos de produção de sentido - conformadas a partir da inter(ação) midiatizada -, aponta
que os atravessamentos do conceito na sociedade são responsáveis por redesenhar aspectos
comportamentais ligados à autonomia, persistência e ao acesso às práticas discursivas
(VERÓN, 2014).
Uma aproximação dessas vertentes teóricas aos dados de amostragem da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios Contínua de 2019 (PNAD), divulgados pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nos permite vislumbrar o quanto a tecnologia
digital tem mediado as nossas relações. O relatório, que traz um recorte quanto ao “Acesso à
internet e à televisão e posse de telefone móvel para uso pessoal 2018” (tema suplementar
sobre Tecnologia da Informação e Comunicação - TIC), expõe que cerca de 74,7% da
população tem acesso à internet. Desse número, 98,1% utilizam o telefone móvel para
finalidades como: 1) enviar ou receber mensagens de texto, voz ou imagens por aplicativos
diferentes (95,7%); 2) conversar por chamadas de voz ou vídeo (88,1%); 3) assistir a vídeos,
sobretudo serviços de streaming (86,1%); 4) enviar ou receber e-mail (63,2%).

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Os dados da pesquisa são uma lupa sígnica para participação hiperdensa das mídias
técnicas e da internet no meio social. Na perspectiva institucional proposta por Hjarvard,
onde o conceito de midiatização é observado a partir de uma dimensão bilateral, 1) a mídia
assume um caráter institucionalizado dentro de outros domínios sociais; e, ao mesmo tempo,
2) adquire o status de instituição social em si mesma (HJARVARD, 2014, p. 6). Em alguma
medida, os contratos de mediação, construído a partir dessa relação transmidial, reposicionam
as dinâmicas de relação e participação social. Dessa forma, compreende-se que a mídia é
apropriada nos diversos contextos a partir dos interesses endereçados a sua finalidade e - em
uma participação bilateral -, institui-se a partir de determinações que vão refletir na gestação
e modos de interação com as demais instituições.
Diante da mediação hiperdensa das mídias por conta da pandemia do novo
Coronavírus, a conjuntura tem favorecido um importante observatório para articulação dos
principais conceitos que refletem essa realidade. Com as diretrizes de isolamento da
Organização Mundial da Saúde (OMS), por exemplo, muitas das práticas sociais precisaram
ser formatadas para um cenário completamente mediado pelos aparatos digitais. De algum
modo, as reflexões sugerem novas (re)configurações das práticas sociais, isto é, novas
estruturas interacionais (re)definidas a partir dos processos correspondentes a cada
modalidade. Na concepção de Hjarvard:

À medida que as instituições tornaram-se diferenciadas e se estenderam pelo


tempo e espaço sob as condições de alta modernidade, as mídias
tornaram-se ferramentas indispensáveis para a interação social dentro de
instituições, entre instituições e na sociedade como um todo. Como processo
social, a midiatização é impulsionada tanto pelo desenvolvimento da mídia
como pelas dinâmicas de uma variedade de outras instituições nas quais os
agentes sociais tentam fazer uso dos recursos da mídia para seus próprios
propósitos. (HJARVARD, 2014, p. 41).

Em perspectiva as condições práticas para o jornalismo na contemporaneidade, as


dinâmicas comunicacionais são construídas a partir de processos de significação
ininterruptos, onde os meios, instituições e agentes sociais são mobilizados a todo momento
pelas transformações no seu tempo histórico. Nesse cenário, à medida que as revoluções
tecnológicas nos exportam uma série de facilidades e possibilidades de usos e apropriações,
emergem dessa relação questões ontológicas que desafiam até a própria dimensão de

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realidade construída ao longo do tempo. Para tanto, ao aprofundarmos a presença das mídias
técnicas no contexto brasileiro, observamos inúmeras gradações desses usos e acessos,
principalmente pelo retrato das desigualdades estruturais no país.
Pragmaticamente, os números direcionam o nosso olhar para outras
realidades/condições de acesso aos mundos midiatizados, seja pela pouca presença dos
aparatos tecnológicos, precariedade ou falta de recursos. Os dados da TIC (2019) expõem que
mais de 74% da população negra e pobre acessa a internet somente através do celular e
pacote de dados pré-pagos. Este último, resultado de vendas casadas, onde o usuário ao fazer
uma recarga passa a ter acesso ilimitado às redes sociais, por determinado período. Por este
ângulo, muitas vezes, o único acesso que esses usuários têm à internet é através das redes
sociais, uma contraposição à ideia de que vivemos em um contexto de sociedade democrática
no acesso aos meios digitais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O jornalismo, como instituição autônoma e de caráter social, precisou de adaptações


para acompanhar as mudanças provocadas pelo fenômeno da midiatização. Não que essas
transformações já tenham sido encerradas e que aconteceram somente de forma natural, mas
são mudanças de caráter contínuo e que precisam acontecer para garantir o exercício concreto
da profissão nos meios sociais.
O fenômeno da midiatização faz inferências em todas as instituições. No jornalismo, a
enunciação, bem como as formas de circulação da notícia não se restringem mais à
comunicação direta, mas à chamada comunicação feita de “todos para todos”, como colocada
por Castells, a comunicação em rede, na qual os integrantes se comunicam simultaneamente.
A mensagem no jornalismo contemporâneo é pensada de forma multiplataforma, isso
para que atinja diferentes públicos e em distintos momentos. Tal prática envolve alterações na
forma de produzir a mensagem, já que as mídias mais recentes não só possibilitam uma forma
de comunicação, mas várias a partir das ferramentas que cada uma dispõe. A enunciação da
notícia, a partir da midiatização, em diversas plataformas, é caracterizada como multi, já que
há possibilidades do jornalismo estruturar a mensagem em vídeo, texto, em ambos ao mesmo
tempo, e em muitas outras, em apenas uma página.

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O repórter, por exemplo, já não pensa em um só conteúdo, mas na possibilidade de


vários, sobre o mesmo assunto, visando o público que irá receber a mensagem, as ferramentas
disponíveis para estruturá-la e o meio em que essa mensagem será veiculada. Nessa
perspectiva, o jornalismo se apropria de recursos disponibilizados pelas mídias para exercer
seu papel social e acompanhar o ritmo da sociedade.
As transformações no jornalismo, proporcionadas pela midiatização, sugerem novas
perspectivas para configuração da notícia, estabelecidas não somente pelas práticas
institucionais, mas também pelo engajamento social em rede. Observa-se, por exemplo, como
as lógicas de mídia são determinantes para produção e circulação de informação e, ao mesmo
tempo, capazes de reconfigurar os fluxos comunicacionais ao ponto de descentralizar esses
domínios. Desse modo, surgem novos contratos de mídias cada vez mais complexos, que
reposicionam os agentes de produção e amplificam os modos de circulação, correspondentes
a partir da modalidade em que está inserida. Na era da pós-verdade, a disseminação de
conteúdos falsos - as fake news -, ganha outro status justamente pela amplificação desses
processos comunicacionais com o advento da internet.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOURDIEU, Pierre. ​O poder simbólico​. Lisboa: Difel, 1989.

CARVALHO, Claudiane . ​Mediatização e jornalismo: apontamentos sobre as condições de


produção na contemporaneidade. In: XIV Enecult, 2018, Salvador. EDIÇÃO 2018 ? XIV
ENECULT. Salvador: Enecult, 2018. v. 1. Disponível em:
http://www.cult.ufba.br/enecult/anais/edicao-2018-xiv-enecult/. Acesso em: 12 out. 2020.

CASTELLS, Manuel. ​A Sociedade em Rede: a Era da Informação: Economia, Sociedade e


Cultura​. 4.ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999, v.1.

FERREIRA, Giovandro Marcus; ANDRADE, Ivanise Hilbig de. ​Percurso da reflexão sobre a
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https://portalintercom.org.br/anais/nacional2015/resumos/R10-0709-1.pdf. Acesso em: 11 out 2020.

IBGE: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2019. ​Acesso À internet e à televisão
e posse de telefone móvel para uso pessoal 2018. Disponível

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43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – VIRTUAL – 1º a 10/12/2020

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