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Rev. do Museu de Arqueologia e Etnologia, S. Paulo, 2:133-136, 1992.

ALGUNS PRINCÍPIOS GERAIS DE CONSERVAÇÃO DE


MOEDAS E O PROCESSO
DE LIMPEZA MECÂNICA ADOTADO
NO MUSEU HISTÓRICO NACIONAL*

Rejane Maria Lobo Vieira**

VIEIRA R. M. L. Alguns princípios gerais de conservação de moedas e o processo


de limpeza mecânica adotado no Museu Histórico Nacional. Rev. do Museu de
Arqueologia e Etnologia, S. Paulo, 2:133-136, 1992.

RESUMO: O texto apresenta uma coletânea de procedimentos téc­


nicos relativos à limpeza e conservação de moedas metálicas e que
resultaram de experiências bem sucedidas realizadas com o acervo do
Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro.

UNITERMOS: Moedas. Metal. Corrosão. Conservação. Limpeza.

A quase totalidade das moedas é consti­ sitam sobre os metais). Se deixamos que o pó
tuída de metais. depositado sobre a superfície de uma moeda
O problema que mais interfere na conser­ permaneça sobre ela durante muito tempo, ele
vação dos metais é a corrosão, um processo poderá formar células galvánicas1 muito pe­
acelerado de oxidação causado pela presença quenas que estimularão a corrosão. Os metais
de oxigênio, de cloretos ou de dióxido de en­ devem, por isso, ser mantidos limpos e secos.
xofre no ar. Esse processo é intensificado pela Por outro lado, se dois metais diferentes
umidade e por poeira (impurezas que se depo­ permanecem em contato prolongado e um
eletrólito2 se forma pela ação da umidade, de
sais minerais ou de impurezas, uma corrente
(*) Este texto constitui parte do tema desenvolvido na
elétrica circulará, e o metal menos nobre será
comunicaçãò “Estrutura e conservação do acervo numis­ corroído, enquanto o mais nobre será preser­
mático do Museu Histórico Nacional“, apresentada no I vado, mas poderá ficar coberto pelos resí­
Encontro de Numismática (Sociedade Brasileira de Estu­ duos da corrosão do outro metal.
dos Numismáticos/UNI-Rio), em novembro de 1990. Na ordem da série eletroquímica, os ele­
Tem como objetivo divulgar para colecionadores e pro­ mentos mais nobres vêm no final. Essa ordem
fissionais de museus preocupados com a conservação de é a seguinte: alumínio (Al), zinco (Zn), ferro
moedas e medalhas um trabalho bem sucedido, desenvol­
vido por técnicos do MHN com recursos limitados. Foi
escrito com a colaboração da restauradora Angela Maria
de Oliveira Paiva e do pesquisador Adler Homero de (1) Células galvánicas — células que, por uma ação quí­
Castro, do MHN. As etapas do processo nele descrito e mica ou pelo contato de dois metais diferentes, com um
os produtos a serem utilizados foram estabelecidos por liquido interposto, ocasionam a formação de uma corrente
Rosmary Otterbach, antiga chefe do Laboratório de Con­ elétrica sobre um corpo determinado.
servação e Restauração do Museu. (2) Eletrólito — substância que, em fusão ou em solução,
(**) Departamento de Numismática do Museu Histórico pode sofrer eletrólise, i.e., decomposição química pela
Nacional, Rio de Janeiro. passagem de uma corrente elétrica.

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no Museu Histórico Nacional. Rev. do Museu de Arqueologia e Etnologia, S. Paulo, 2:133-136, 1992.

(Fe), estanho (Sn), chumbo (Pb), cobre (Cu), lhas poderia ser um recurso adequado à sua
prata (Ag) e ouro (Au). Assim, se forem guar­ conservação, mas somente se fosse permanen­
dadas em contato direto durante um certo tem­ te (dia/noite). A interrupção da climatização
po sem limpeza ou proteção prévia uma moe­ por períodos causaria o mesmo efeito das mu­
da de alumínio e uma de zinco, a de alumínio danças naturais de temperatura e umidade at­
será corroída, enquanto a de zinco provavel­ mosféricas. E uma climatização permanente
mente ficará coberta e seguramente marcada seria muito dificilmente viável devido ao alto
pelo produto de sua corrosão. Portanto, deve- custo de sua manutenção. Portanto, outras for­
se evitar tanto quanto possível guardar lado a mas de conservação de acervos de moedas
lado moedas de metais diferentes em uma continuam a ser buscadas, e se chega a algu­
mesma lâmina ou gaveta de medalheiro sem mas conclusões.
uma proteção adequada. Observamos, no MHN, que os medalhei­
No caso de moedas folheadas — ou for­ ros ingleses, com sua estrutura de comparti­
radas —, cujo núcleo tem uma composição mentos estanques para cada uma das gavetas
diferente da camada externa (cobre forrado de e de pequenas hastes móveis formando esca-
prata, como em moedas romanas antigas, por ninhos isolados para cada moeda, proporcio­
exemplo), pode ocorrer um processo eletrolí- nam ao acervo neles armazenado muito boas
tico entre a parte interna e a extema de uma condições para a conservação das peças.
mesma moeda, levando à destruição do nú­ Em relação aos medalheiros brasileiros,
cleo. que não oferecem as mesmas condições, um
Alguns pontos se tomam claros a partir procedimento que começou a ser utilizado há
desses dados: quatro anos parece estar produzindo resulta­
1) que as moedas devem ser limpas antes dos satisfatórios. Esse procedimento tem três
de serem guardadas; etapas: a limpeza mecânica das peças, sua pro­
2) que se deve evitar a guarda de moedas teção com cera microcristalina, e sua guarda
de metais diferentes em contato direto; em envelopes. Existem diversos outros méto­
3) que se deve evitar também, o máximo dos de limpeza de moedas, como a limpeza
possível, a exposição prolongada de química, a limpeza por redução eletrolítica e
moedas à umidade e ao ar (que, como a limpeza ultra-sônica, mas o processo mecâ­
mencionado acima, contém oxigênio, gás nico adotado foi o único considerado suficien­
carbônico e dióxido de enxofre, acelera­ temente seguro e, sobretudo, economicamente
dores do processo de corrosão). viável para a instituição.
De acordo com alguns manuais europeus O processo de limpeza mecânica adotado
de conservação, os medalheiros deveriam ter no MHN consiste no seguinte:
aberturas para uma aeração adequada de seu — A limpeza da moeda é feita através de
interior. Outros manuais, em geral norte-ame­ fricção da peça em flanela de algodão
ricanos e canadenses, dizem exatamente o com uma pequena quantidade (uma pita­
contrário, chegando a propor a guarda de moe­ da) de carbonato de cálcio — um produ­
das muito delgadas, como as bracteatas e ou­ to neutro, em pó, com uma granulação
tras moedas medievais, dentro de blocos com­ muito fina para não arranhar a peça
pactos de resina sintética transparente molda­ (aproximadamente a mesma granulação
da, solúvel, para impedir por completo qual­ do talco de toalete). O carbonato de cál­
quer contato da peça com o ar. cio pode ser usado em qualquer metal.
O Brasil é em grande parte um país de — A lavagem da moeda em água cor­
clima tropical, com oscilações bruscas de tem­ rente, com detergente neutro (Detertec
peraturas e umidade relativa do ar. Por outro 7, fabricado pela Vetee) e escova de cer­
lado, as maiores coleções de moedas se con­ das naturais, tendo-se o cuidado de en­
centram em grandes áreas urbanas, cuja at­ xaguar bem a moeda.
mosfera é permanentemente carregada de ga­ — A secagem em flanela de algodão se­
ses e impurezas. guida da imersão da peça em acetona
A climatização de áreas destinadas ao ar­ pura (que deve ser trocada periodica­
mazenamento de coleções de moedas e meda­ mente). A retirada da moeda do recipien-

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te com acetona pode ser feita com pinça com papel desacidificado, tendem a se
de bambu com ponteiras de borracha, do acidificar com o tempo, devendo então
tipo usado para a revelação de negativos ser substituídos. O papel acidificado
de fotografías. pode ser visualmente reconhecido por
A acetona pura, muito volátil, promo­ manchas amareladas em sua superfície.
ve uma secagem mais rápida e completa
da peça. Colocando-se a moeda sobre te­ Cuidados Adicionais
cido de algodão, pode-se também usar —Limpar sempre uma moeda manuseada
um secador de cabelos portátil para asse­ antes de guardá-la. Os ácidos graxos das
gurar o processo de secagem. mãos, que contêm também ácido úrico,
— Depois da moeda bem seca, procede- um meio ideal para a proliferação de
se ao seu enceramento com cera micro- fungos, se recompõem rapidamente,
cristalina. A cera micro-cristalina, que é mesmo após a lavagem com sabão. Além
comercializada em blocos, é diluída em disso, as peças manuseadas e guardadas
nafta ou em querosene desodorizado até sem limpeza prévia podem ficar marca­
tomar-se pastosa, e deve ser aplicada das por impressões digitais, que só são
com um pincel flexível, como os de de­ removidas com certa dificuldade.
senho, feitos com pelos de marta. Apli- — Utilizar uma flanela para essa limpeza
cá-se, em primeiro lugar, a cera no rever­ rápida. Em museus e coleções maiores, é
so, deixando que seque. Depois, no aconselhado o uso de luvas de algodão
anverso e, por último, no bordo. para o manuseio de moedas e medalhas.
Quando a cera micro-cristalina seca, — Evitar o contato de moedas com
o aspecto da moeda é um tanto opaco. A quaisquer instrumentos ou ferramentas
fricção em tecido de algodão (a flanela metálicas, que poderão produzir nelas ar­
pode deixar felpas nessa etapa) retira o ranhões indeléveis.
excesso de cera e devolve à moeda uma — Proteger as peças quando houver ne­
aparência polida. cessidade de transportá-las.
O enceramento com cera micro-cris-
talina veda os “poros” do metal, prote­ Quanto à limpeza:
gendo a moeda através de uma película — Durante todo o processo de limpeza
inerte e inócua. O enceramento tem sido as peças devem ser protegidas do contato
usado em lugar do envemizamento, hoje direto com as mãos através do uso de
desaconselhado. luvas de plástico ou borracha.
— O envelopamento das peças tem sido — A pátina esverdeada sobre moedas an­
feito em envelopes comuns para moedas, tigas de cobre e bronze é inerte, propor­
mas podem ser usados o papel cristal, ciona à peça uma cobertura protetora e
mais transparente, ou, preferencialmente, atraente e não deve ser removida.
papéis de Ph neutro (6-61/2), desacidifi­ — Nenhuma cobertura de superfície em
cados (como o papel Salto, fabricado uso corrente é completamente eficaz em
pela Arjomari do Brasil, ou papéis seme­ impedir o ataque por agentes corrosivos
lhantes produzidos pela Pirahy). ou pela umidade da atmosfera. Seu em­
As moedas guardadas em envelopes de­ prego deve ser associado às melhores
vem sofrer um controle periódico, por­ condições possíveis de armazenamento
que os envelopes, mesmo aqueles feitos ou exposição.

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VIEIRA, R. M. L. Alguns princípios gerais de conservação de moedas e o processo de limpeza mecânica adotado
no Museu Histórico Nacional. Rev. do Museu de Arqueologia e Etnologia, S. Paulo, 2:133-136, 1992.

VIEIRA, R. M.L. Some general principles o f coin conservation and the mechanical
cleaning process adopted by the Museu Histórico Nacional. Rev. do Museu de
Arqueología e Etnología. S. Paulo, 2:133-136, 1992.

A B S T R A C T : T h e tex t d e sc rib e s te c h n ic a l p ro c e d u re s re la te d to th e
clea n in g an d c o n se rv atio n o f m e ta llic c o in s, w h ic h re su lte d fro m s u c ­
cessfu l e x p e rim en ts p e rfo rm e d a t th e M u se u H istó ric o N a c io n a l, R io
de Jan e iro , in v o lv in g its co llectio n .

U N IT E R M S : C oin. M etal. C o rro sio n . C o n se rv a tio n . C le a n in g .

Referencias bibliográficas

FRÈRE, H. Numismática, uma introdução aos méto­ PETIT, K. Le guide Marabout de la Numismatique,
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ted National Educational, Scientific and Cultural Collections — in Alberta Culture, outubro de
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Recebido para publicação em 20 de agosto de 1992.

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