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I. Consulta:
6. Por outro lado, sabe-se que há quem professe a tese de que, mesmo que o
condutor se negue a realizar qualquer teste ou exame de alcoolemia, deve-se identificar,
no próprio auto de infração, o aparelho que teria sido oferecido e recusado pelo
suspeito. Tal cautela, segundo consta, serviria para demonstrar que efetivamente havia
um equipamento hábil e que o condutor suspeito de estar dirigindo sob influência de
bebida alcoólica teria tido oportunidade de demonstrar sua sobriedade.
15. O §3º do art. 277 do CTB, ao estabelecer que o condutor que se recusar a
se submeter a qualquer dos procedimentos necessários para certificar seu estado de
sobriedade, será punido com as mesmas penalidades e medidas administrativas
cominadas no art. 165, CTB, põe em evidência que o que se pretende defender é a
incolumidade pública, ameaçada diante da nocividade da conduta que o referido art.
165/CTB descreve como infração gravíssima.
16. Deve-se ter presente que a punição cominada para a hipótese em voga é
uma das mais graves estabelecidas na lei de regência. Trata-se de multa prevista para a
infração de natureza gravíssima, agravada pelo fator multiplicador cinco (R$191,54 x 5
= R$957,70) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses [2].
17. Assim, bom atentar para o detalhe que um dos princípios básicos da
Administração é a proporcionalidade, implícito na Constituição Federal e explícito na
Lei nº 9.784/99. Esta lei, ao determinar que nos processos administrativos deve-se
observar o critério de “adequação entre os meios e fins”, cerne da razoabilidade,
vedando a “imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas
estritamente necessárias ao atendimento do interesse público”, coroa, de forma
indubitável, a proporcionalidade como requisito de validade da atuação da
Administração (art. 2º, parágrafo único, VI, Lei nº 9.784/99).
18. Partindo desse pressuposto, não é razoável afirmar que o citado preceito
(§3º, art. 277, CTB) recrimina a simples recusa do condutor em se submeter a um teste
ou exame determinado pelo agente da autoridade de trânsito, lembrando que
desobedecer ordens da autoridade de trânsito ou de seus agentes foi considerado pelo
legislador como sendo uma infração grave (art. 195, CTB) sujeita, tão somente, a multa
de R$ 127,69 (art. 1º, II, Resolução/CONTRAN nº 136/02).
21. Com isso tem-se que, para justificar a autuação em tela, o mínimo que se
poderia exigir do agente de trânsito seria a indicação, na peça acusatória ou, mais
apropriadamente, no termo de constatação de embriaguez, dos motivos que o levaram a
suspeitar que o condutor do veículo encontrava-se sob influência de álcool. Nesse rumo,
aliás, já acenou o Superior Tribunal de Justiça ao assentar que “caso o condutor do
veículo supostamente embriagado se recuse a ser submetido ao teste de alcoolemia, os
agentes de trânsito poderão obter outros tipos de provas em direito admitidas, tais como
a documentação dos seus sinais de embriaguez, excitação e torpor resultantes do
consumo de álcool” (STJ – Recurso Ordinário em Habeas Curpus nº 20190 – Quinta
Turma – Relator Ministro Gilson Dipp – DJ 04/06/2007). Isso é exatamente o que
prescreve o §2º do art. 277 do CTB [3].
22. Sabe-se que alguns órgãos de trânsito sustentam a obrigatoriedade do
cidadão submeter-se ao teste de alcoolemia, por considerar tal medida importante meio
para a proteção da vida e incolumidade das pessoas. Contudo, não se pode afastar a
necessidade de haver uma suspeita acerca da sobriedade do condutor para justificar o
uso do etilômetro.
24. É certo que a decisão suso referendada tem seus efeitos imediatos
restritos à circunscrição territorial do órgão prolator da decisão. Entretanto, enquanto
jurisprudência, fonte do Direito, espraia sua inteligência por todo o território nacional,
na medida em que serve de parâmetro para compreensão do dispositivo legal em voga, à
luz dos princípios teóricos aplicáveis à espécie.
25. Poder-se-ia, por outro vértice, esgrimir o argumento de que o referido
acórdão foi proferido anteriormente à promulgação da Lei nº 11.705/08, que
acrescentou o §3º ao art. 277 do CTB, com o intuito de desqualificar sua invocação para
o caso vertente. Contudo, basta atentar para os seus fundamentos para constatar que o
cenário jurídico nele delineado – notadamente os espectros constitucionais e
principiológicos que o sustentam – mantêm-se hodiernamente incólumes. Por se mostrar
relevante para a discussão proposta, pede-se vênia para reproduzir excertos do voto do
relator:
Numa interpretação conforme a constituição é de se reconhecer que a
norma supra [art. 277 do CTB] dirige-se à Administração Pública, não
ao Administrado. Isto porque a legislação não pode, em flagrante
conflito com a Constituição Federal – art. 5º, LXIII, violar a garantia
constitucional contra a auto-incriminação. A Administração está
obrigada a tentar submeter o Administrado suspeito de haver excedido
os limites legalmente previstos para o consumo de bebidas alcoólicas a
teste de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que por
meios técnicos ou científicos permita a comprovação da sua condição,
contudo o Administrado não está obrigado a se submeter a tal
exigência. A Administração deve propor, mas a realização da aferição
há de estar condicionada à sua concordância.
Ninguém, à luz das normas e princípios constitucionais, está obrigado a
produzir provas contra si mesmo pois o direito de punir, judicial e
administrativamente, no direito brasileiro, rege-se pelo princípio nemo
tenetur se detegere, que faculta ao indiciado/autuado adotar ou não a
conduta que produzirá a prova que lhe será desfavorável.
35. Assim, o §3º do art. 277 do CTB não se presta para punir a objeção à
realização dos procedimentos de apuração da sobriedade do condutor, servindo,
outrossim, para complementar o ideário esboçado nos parágrafos que o antecedem e no
caput do mesmo artigo. Como já foi dito antes, o que o regramento jurídico pretende
punir é a conduta de dirigir sob a influência de álcool e o mencionado parágrafo apenas
acentua que o fato do condutor se opor à confirmação da suspeita de que tenha praticado
tal conduta não o isentará da reprimenda.
36. Portanto, a suspeita de que o condutor esteja dirigindo sob a influência de
álcool é condição indispensável para que o agente de trânsito o submeta aos testes,
exames ou perícias destinadas a confirmar ou refutar tal desconfiança. Cumpre, então,
determinar o que pode motivar a formação dessa impressão desfavorável ao condutor.
Aqui ganha relevância o §2º do retro citado artigo ao estabelecer os elementos que
podem ser utilizados para caracterizar a infração do art. 165, CTB. São justamente esses
indicadores que servem para despertar suspeita quanto à sobriedade do condutor, ou
seja, os notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor, apresentados.
37. Muito embora os elementos que dão suporte à suspeita possam variar de
acordo com as peculiaridades de cada caso concreto, deve-se ter presente que ela deve
ser suficientemente robusta para desconstituir a presunção de inocência do condutor.
44. Antes de concluir esta análise, convém lançar um olhar sobre o propalado
conflito entre os princípios que asseguram a todos o direito a não produzir prova contra
si - construção jurídica decorrente do cotejamento do art. 5º, inciso LVII, da
Constituição Federal, que estabelece a presunção de inocência; com o inciso LXII do
mesmo artigo, que garante aos presos o direito de permanecerem calados e com o art.
8º, §2º, alínea “g”, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, da qual o Brasil
é signatário e que prevê o direito a toda pessoa acusada de delito não ser obrigada a
depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada – com a garantia da inviolabilidade
do direito à segurança, que traz em seu bojo a necessidade do Estado lançar mão de
mecanismos adequados para cumprir seu mister, entre os quais a realização dos exames,
testes e perícias para apuração da alcoolemia estariam inseridos.
Referências e bibliografia:
(1) O citado acórdão, por ter extrapolado o pedido alinhavado na petição inicial ao
referir-se a outros exames além do sanguíneo e aquele realizado por intermédio do
etilômetro, foi rescindido, por intermédio da Ação Rescisória nº 5136-CE (TRF5, AR
2005.05.00.004596-2, Rel. Des. Fed. Geraldo Apliano, DJ 24/04/2008), no ponto em
que condenou a União na obrigação de tolerar a recusa dos condutores de veículos
automotores de se submeterem a exames clínicos, perícia e outro, persistindo, contudo,
a declaração de inexistência de relação jurídica válida que obrigue os condutores de
veículos a se submeterem aos exames de sangue e ao uso do bafômetro, consoante
restou evidenciado nos Embargos de Declaração em Ação Rescisória nº 5136/01-CE
(TRF5, EDAR 2005.05.00.004596-2/01, Rel. Des. Fed. Élio Siqueira, DJ 23/07/2008);
(2) França, Limongi. Enciclopédia Saraiva do Direito, vol. 60, São Paulo: Saraiva, 1977,
p. 327;
(3) Rodrigues, Sílvio. Direito Civil. Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 198, p. 134;
(4) Porfírio, Geórgia Bajer Fernandes de Freitas. A tutela da liberdade no processo
penal. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 76;
(5) Porfírio, Geórgia Bajer Fernandes de Freitas. A tutela da liberdade no processo
penal, p. 100;
(6) Porfírio, Geórgia Bajer Fernandes de Freitas. A tutela da liberdade no processo
penal, p. 103/104;
(7) Cambi, Eduardo. Processo administrativo (disciplinar) e o princípio da ampla defesa
na Constituição Federal de 1988. Juris Síntese nº. 42 – Jul./Ago. 2003;
(8) Alexy, Robert. Direitos Fundamentais no Estado Constitucional Democrático: para a
relação entre direitos do homem, direitos fundamentais, democracia e jurisdição
constitucional. In: Revista de Direito Administrativo, Trad. Dr. Luís Afonso Heck, vol.
I. Rio de Janeiro: Livraria e Editora Renovar, jul.-set./1999, p. 74;
(9) Freitas, Juarez. Tendências Atuais e Perspectivas da Hermenêutica Constitucional.
In: Revista da Ajuris, doutrina e jurisprudência, Ano XXVI, nº. 76, Porto Alegre,
dez./1999, p. 398.
Notas de atualização:
[1] O caput do art. 277 do CTB foi alterado pela Lei nº 12.760/12. Há quem defenda
que com a nova redação, independentemente do comportamento do condutor despertar
suspeita contra sua sobriedade, estaria ele sujeito a ser submetido ao teste de alcoolemia
e, caso se recusasse, responder pelo ilícito do art. 165 do CTB. Embora o CETRAN/SC
ainda não tenha se manifestado sobre o assunto após essa inovação legislativa, o fato
que os demais pressupostos jurídicos alinhados nesse parecer permanecem válidos
revela que, mesmo depois da promulgação da Lei nº 12.760/12, há a tendência de
prevalece, no âmbito do referido Colegiado, o entendimento de que a suspeita de
ebriedade continua sendo um elemento indispensável para justificar a submissão do
condutor aos testes e exames de alcoolemia.
[2] A Lei nº 12.760/12 alterou o fator multiplicador da multa de 5 para 10, ou seja, a
multa cominada para a infração do art. 165 passou a ser de R$ 1.9015,40.
[3] O parágrafo segundo do art. 277 do CTb também foi modificado pela Lei nº
12.7600/12.
[4] A Resolução nº 206/06 do CONTRAN foi revogada pela similar de número 432/13.