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INTRODUÇÃO
A DESCONTRUÇÃO À FORÇA
É certo que esses exemplos das primeiras lutas das negras e negros americanos
pelo direito à educação formal trazidos por Davis refletem uma dificuldade verificada por
escravizados em vários outros países erguidos à força do trabalho escravo, com suas
peculiaridades específicas, no enfrentamento político ao racismo institucional. São lutas
transversais, “isto é, não são limitadas a um país (...) não estão confinadas a uma forma
política e econômica particular de governo” (Foucault apud Dreyfus&Rabinow. 1995 p.234).
Nos trazem também uma reação ao aculturamento forçado quando mostra os
negros lutando pela, ainda que ocidental e branca, educação formal, organizados nas igrejas
protestantes, o que nos leva a inferir interrogativamente: Nos EUA, a forte vinculação do
povo negro ao protestantismo teria possibilitado um sentimento associativista que moldou um
espírito coletivizado de enfrentamento dos problemas? As congregações teriam reforçado os
sentimentos comunitários e identitários dos negros os organizando em torno de suas
reivindicações e direitos? Mas, por outro lado, o protestantismo teria consolidado de vez o
aculturamento dos negros americanos, os afastado ainda mais da África na sua
“cristianização”?
Um exemplo: proibidos por mais de século, os tambores originalmente africanos,
ao contrário do que se verificou no Caribe e Brasil, não se tornaram a expressão da música
negra americana, que revelou ao mundo músicos fabulosos em instrumentos ocidentais, mais
notadamente no jazz dos europeus, piano, saxofone, trompete e outros. O trompetista de jazz
Dizzy Gillespie, como nos traz a jornalista Cynara Menezes, esclarecia as razões:
Em sua autobiografia, To be or Not… to Bop, o trompetista Dizzy Gillespie
atribui esta menor complexidade rítmica da música afro-americana em relação à música afro
latino-americana à proibição dos tambores. “Os ingleses, ao contrário dos espanhóis, tiraram
nossos tambores”, lamenta Gillespie (MENEZES, 2015)
Essa expressão cultural forte que é o jazz, bem como os cantos gospels
precursores do soul e do blues surgiram dentro das igrejas protestantes, com o acesso dos
negros aos instrumentos ocidentais. Mas qualquer ligação cultural ou religiosa com
instrumentos e práticas originais africanas era demonizada, e para isso não se imputa somente
a proibição dos ingleses, como nos trouxe Gillespie, mas a construção de uma intolerância
religiosa. Esse recorte da situação americana que, por sua influência e presença
incontestáveis na indústria cultural, mais uma vez trazemos, o fazemos no propósito de
aproximá-la de um fenômeno da nossa época: a produção cultural autônoma das
comunidades.
BIBLIOGRAFIA E REFERÊNCIAS
DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe [recurso eletrônico] / Ângela Davis; tradução Heci
Regina Candiani. - 1. ed. - São Paulo: Boitempo, 2016.
DREYFUS, Hubert; RABINOW, Paul. Michel Foucault - Uma trajetória filosófica - Para
além do estruturalismo e da hermenêutica/ Tradução de Vera Porto Carrero - Editora Forense
Universitária, Rio de Janeiro - RJ – 1995.