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DOI: 10.18468/pracs.2018v11n1.p39-50
wledge remains alive and present in the memories and reminiscences of the memories
of the ancients.
Keywords: Palikur-Arukayene; History; Memory; Narrative.
rado pelo seu povo como alguém que tran- Dessa forma Tebekwe tem sido, ao longo
sita entre o perto e o longe; por outro lado, dos anos, um reconhecido interlocutor de
Wet se parece com o homem “que ganhou diversos estudos sobre os Palikur, pois, ao
honestamente sua vida” sem nunca ter saí- contrário da grande maioria de seu povo,
do do seu lugar e que “conhece suas histó- domina tanto as línguas regionais quanto as
rias e tradições”. Essas duas figuras de nar- ambiguidades do mundo que o cerca. Como
rador, “representantes arcaicos”, equili- intermediador e “interprete” das histórias,
bram-se na significação de seus relatos. memórias e saberes ao mundo não indíge-
Nessa perspectiva benjaminiana, esses rela- na, sua trajetória é repleta de intercultura-
tos a que recorre os narradores são oriun- lidade e protagonismo.
dos da experiência “que passa de pessoa a Manoel nasceu, possivelmente, em 1930,
pessoa”. Estas trajetórias de vida, apesar de entre os Palikur de Saint Louis, portanto, é
muito distintas, representam as múltiplas considerado cidadão francês, tendo sido
faces do que vivenciaram os Palikur- registrado como Claude. Enquanto Claude,
Arukwaynene no decorrer do século XX. As costumava acompanhar seu pai no comér-
sinuosidades destes personagens indígenas cio e extração de produtos regionais diver-
serão o fio condutor para a compreensão sos e cobiçados pelos franceses, como pau
da emergência de latências e da reescrita rosa ou “bois du rose” e as peles/couros de
da história deste povo. jacaré-açú. Em função do decréscimo co-
mercial francês, Claude foi viver com a famí-
2 MANOEL LABONTÊ: A HISTÓRIA COMO lia no rio Urukawá, onde passou a ser co-
FATOR DE PERTENCIMENTO nhecido por Tebekwe. Era jovem quando
algumas epidemias começaram a assolar a
Manoel Labontê ou Tebekwe é apontado vida dos Palikur na região e, por isso, deci-
por muitos indí- diu residir, sozinho, entre os Karipuna da
genas e não indí- Aldeia Santa Isabel, no rio Curipi, os quais o
genas como um chamavam de Manoel.
homem de con- Claude/Tebekwe/Manoel chegou a co-
siderável conhe- nhecer os antigos agentes e chefes do indi-
cimento, princi- genismo que atuaram na região do Oiapo-
palmente em que. Também viveu e trabalhou no Encruzo,
decorrência do local onde se situou, por algum tempo, a
domínio e facili- sede do Posto Indígena Uaçá, na confluên-
dade de se ex- cia do rio Curipi com Uaçá. Neste local o SPI
pressar tanto em construiu uma estrutura produtiva para a
parikwaki quanto promoção dos pressupostos do indigenismo
nas línguas brasileiro, com atração, assistência e nacio-
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Imagem 1: Retrato do sábio
kheuól , portu- nalização de comunidades indígenas em
Tebekwe guês e francês. situação de fronteira. Manoel frequentou
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uma das escolas implementadas pela prote-
Língua crioula falada pelos Karipuna e Galibi-
ção tutelar, na Aldeia Santa Isabel, onde,
Marworno. Muitos Palikur-Arukwayene, principalmen-
te os idosos, possuem domínio desta língua. junto com outros indígenas, era obrigado a
tecostal da segunda metade do século XX, nas de Oiapoque. IN: BRITO, A. U.; DALMÁ-
sem embargo, quando boa parte da socie- CIO, C. E. da C.; SIMÕES, H. C. G. (Org.). Ci-
dade regional e dos pesquisadores acredi- ências Humanas: resultados dos projetos de
tavam que as camadas de esquecimento iniciação científica da Universidade Federal
haviam obscurecido a história do povo, eis do Amapá/UNIFAP. Macapá: Ed. UNIFAP,
que as memórias dos sábios arukwayene 2016. p.41 – 66.
desvelam a todos a presença do “ser”. ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Me-
As trajetórias ameríndias envoltas por tamorfoses indígenas. Identidade e cultura
águas turvas e nebulosas da “história colo- nas aldeias coloniais do Rio de Janeiro. 2ª
nizadora” foram, em grande parte, descon- Ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2013.
sideradas no processo de construção geo- BARROS DA SILVA, Elissandra. A língua Pa-
política dos territórios latino-americanos. A rikwaki (Palikur, Arawak): situação socio-
emergência do protagonismo ameríndio, linguística, fonética e fonologia. Tese de
como elemento de autonomia e de diversi- Doutorado, Programa de Pós-Graduação
dade nas narrativas discursivas da história em Linguística da Universidade Federal do
latino-americana, consiste num fenômeno Rio de Janeiro (UFRJ), 2016.
recente, que percorre outros caminhos in- BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de
terpretativos para a compreensão dos história. In: ____. Magia e técnica, arte e
mundos indígenas e não indígenas, envolvi- política. v.1. 5 ed. São Paulo: Brasiliense,
dos na tessitura do que se convencionou 1993.
chamar de “América”. CAPIBERIBE, Artionka. Batismo de fogo: os
Paulatinamente, muitos povos rompem Palikur e o cristianismo. São Paulo: Anna-
com esse pensamento ocidental e desvelam blume; Fapesp; Nuti, 2007.
narrativas de história a partir de suas pró- GUMBRECHT, Hans Ulrich. Depois de 1945.
prias categorias de saber, presentes em la- Latência como origem do presente. São
tentes experiências de memória dos sábios Paulo: EDUNESP, 2014.
indígenas. Os Arukwayene vivenciaram, ao MONTEIRO, John Manuel. Negros da terra:
longo de séculos, forte pressão sociopolítica índios e bandeirantes nas origens de São
e territorial. É nesse sentido que a emer- Paulo. São Paulo: Companhia das Letras,
gência da historicidade nas memórias de 1994.
seus sábios possibilita adentrar no universo MONTEIRO, John. Tupis, Tapuias e os histo-
complexo de seu mundo. Assim, marcados riadores: Estudos de História Indígena e do
pelas singularidades atribuídas aos povos Indigenismo. Tese Apresentada para o Con-
de tradição Arawak, os caminhos do saber curso de Livre Docência Área de Etnologia,
arukwayene se apresentam nas narrativas Subárea História Indígena e do Indigenismo.
de memórias dos mais velhos. Campinas, 2001. Disponível em: <http://
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