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CONTROLE E SINCRONIZAÇÃO DO MODELO DE LORENZ

C LEVERSON M. P. M ARINHO∗, E LBERT E. N. M ACAU†, TAKASHI YONEYAMA∗



Departamento de Sistemas e Controle
Instituto Tecnológico de Aeronáutica
CEP 12228-901 - São José dos Campos, SP, Brasil

Laboratório de Computação e Matemática Aplicada
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
CEP 1227-010 - São José dos Campos, SP, Brasil

Emails: cleversonporto@directnet.com.br, elbert@lac.inpe.br,


takashi@ele.ita.br

Abstract— Control of chaos can be used to exploit the complexity of the chaotic dynamics to efficiently convey information.
Despite the sensibility to initial condition, two chaotic systems can synchronize through short interaction under very general
circumstances. In this work, we exploit this properties to develop a chaotic communication system. As a prove of concept, we use
a Lorenz system.

Keywords— Chaos, Control, Lorenz Equations, Symbolic Dynamics, Synchronization.

Resumo— O controle de caos permite explorar a complexidade da dinâmica caótica para armazenar de forma eficiente infor-
mação. Apesar da sensibilidade às condições iniciais, dois sistemas caóticos podem sincronizar-se sob circunstâncias bem gerais.
Neste trabalho, são exploradas essas duas características de forma a constituir um sistema de comunicação caótico. Demonstra-se
aqui tal conceito através do emprego do sistema de Lorenz.

Palavras-chave— Caos, Controle, Dinâmica Simbólica, Equações de Lorenz, Sincronização.

1 Introdução 2 Controle de caos

Nesta seção, introduz-se o método de controle de


Em 1990, Ott, Grebogi e Yorke (OGY) concebe- caos por meio de pequenas perturbações aplicado ao
ram a idéia de que a dinâmica caótica poderia ser ade- sistema de Lorenz.
quadamente controlada através da utilização de suas
características intrínsecas (Ott et al., 1990). Posterior-
mente, verificou-se que a técnica de controle de caos 2.1 Dinâmica simbólica
poderia ser usada de forma a permitir o armazena- A trajetória da componente y do oscilador de Lo-
mento de informação na evolução dinâmica do sistema renz consiste de uma seqüência aparentemente aleató-
caótico (Hayes et al., 1993). Tipicamente, a dinâmica ria de picos positivos e negativos. Se o pico positivo
caótica caracteriza-se pela sensibilidade à variação nas for associado ao dígito 1 e o negativo ao 0, o sinal
condições iniciais e pela transitividade de suas traje- gera uma seqüência binária. Através de pequenas per-
tórias. Aplicando-se perturbações convenientemente turbações, pode-se forçá-lo a seguir uma órbita, cuja
escolhidas, pode-se fazer a trajetória do sistema per- seqüência binária representa a informação que se de-
correr o espaço de estado em regiões associadas aos seja transmitir.
símbolos de um determinado alfabeto. Tem-se, dessa
Primeiro, examina-se o oscilador livre de pertur-
forma, uma seqüência controlada de símbolos que per-
bações para se obter a dinâmica simbólica que permite
mite a codificação de informação.
associar uma seqüência de símbolos às órbitas do atra-
A informação codificada deve ser transmitida e tor caótico. Considere as equações de Lorenz
recuperada num receptor capaz de reproduzir o sinal
caótico enviado. Ocorre que, devido à sensibilidade ẋ = σ(y − x),
às condições iniciais, é praticamente impossível repro- ẏ = −xz + rx − y, (1)
duzir as formas de onda dos sinais gerados por siste- ż = xy − bz,
mas desse tipo. Todavia, dois sistemas com parâme-
tros iguais são capazes de exibir oscilações caóticas onde σ = 10, r = 28 e b = 8/3. As
idênticas, desde que adequadamente acoplados. Desta seções de Poincaré escolhidas são definidas pela
forma, pode-se empregar no receptor um circuito aco- p
inequação p |x| ≥ b(R − 1) e pela equação
plado ao gerador caótico do transmissor para recuperar
y p= ± b(R p − 1) (Observe que (x, y, z) =
a mensagem.
(± b(R − 1), ± b(R − 1), R − 1) são pontos de
Na tramsissão do sinal, admite-se que o canal é equilíbrio da equação (1) ). A figura mostra o atra-
ideal, ou seja, não há ruído, nem limitações na sua tor de Lorenz com as duas seções de Poincaré asso-
faixa de passagem. ciadas aos dígitos 0 (SP − ) e 1 (SP + ). No caso do
30
1.0

20
0.8

10

1 0.6

y 0
SP+ χ

SP−
0.4

0
−10
0.2

−20

0.0
0.0 0.2 0.4 0.6 0.8 1.0

r
−30
−20 −15 −10 −5 0 5 10 15 20

x Figura 2: Função de codificação χ(r)


Figura 1: Atrator de Lorenz projetado no plano x-y.
(b2 b3 . . . b8 m1 ). Essa nova seqüência é, então, con-
vertida para o estado simbólico rb0 . Emprega-se um
oscilador de Lorenz, a interseção do atrator com as se- algoritmo de busca para encontrar r∗ = min |r −
ções formam, aproximadamente, um segmento de reta rb0 |. A partir da coordenada simbólica obtida, têm-
(Hayes e Grebogi, p 1994). Desta forma, pode-se defi- se (χ(r∗ ), ζ(r∗ )) e, com isso, os valores de x∗ e
nir χ = (|x| − b(R − 1))/L (L = supt≥0 x(t) − z ∗ . Quando a órbita interceptar a seção de Poin-
p
b(R − 1)) e ζ = z − (R − 1) como sendo a po- caré, aplica-se um vetor correção, δx = |xb − x∗ | e
sição, ao longo do segmento de reta, em relação aos δz = |zb − z ∗ |, paralelo à seção e ao longo da se-
pontos fixos instáveis situados no centro de cada lobo ção transversal do atrator para colocar a órbita na po-
do atrator caótico. sição desejada. Feito isso, reinicia-se o processo até
Para construir uma descrição da dinâmica simbó- que toda a mensagem seja transmitida.
lica do sistema, simula-se o modelo sem o elemento A técnica descrita acima foi usada para codificar
de controle. Quando a órbita passa pela seção de Poin- a palavra caos. Cada letra foi representada usando-
caré, registra-se o valor de χ e grava-se a seqüência de se cinco bits. A tabela abaixo ilustra as seqüências
símbolos gerada pelas próximas 8 interseções com as binárias correspondentes. A figura 3 ilustra a palavra
superfícies de Poincaré. Suponha que o sistema gera caos codificada na dinâmica simbólica do atrator de
uma seqüência de símbolos b1 b2 . . . b8 . A essa seqüên- Lorenz.
X 8
cia associa-se o número real r = bn 2−n perten-
n=1
Tabela 1: Mensagem a ser codificada.
cente ao intervalo [0, 1]. Logo, r passa a especificar o
estado simbólico do sistema. Isso define uma função Mensagem c: 3 a: 1 o: 15 s: 19
que relaciona χ à coordenada simbólica r, chamada Representação 00011 00001 01111 10011
função de codificação. Como a coordenada na seção
é descrito pela seqüência binária truncada em 8 dígi-
tos, diversos valores de χ levam ao mesmo estado sim- 25

bólico. Felizmente, necessita-se apenas de um desses 1 0 0 0 1 1 1 1 0 1 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 1 100 0 0 1 0111 1 1 0 0 1 10 0 0


oscilações
20 c a o s
valores para se implementar o controle. Observe na livres

figura 2 a função de codificação para o atrator de Lo- 15

renz. 10

2.2 Controle da dinâmica simbólica y0


Suponha que a órbita caótica passe pela seção de −5

Poincaré associada ao 0 em χa , e depois passe pela


−10
seção associada ao 1 em χb . Como a função χ(r)
já foi previamente determinada, pode-se usar os va- −15

lores armazenados para obter o estado simbólico ra −20

e a seqüência binária b1 b2 . . . b8 correspondente. En- −25


quanto a órbita se dirige novamente para a superfí- 0 5 10 15 20 25 30
t
cie de Poincaré, os dados armazenados no registra-
dor são deslocados para a esquerda, descartando-se
Figura 3: Trajetória da componente y controlada.
o bit mais significativo, e inserindo-se o primeiro bit
de informação m1 no espaço deixado do lado direito
3 Sincronização de sistemas caóticos

Diz-se que dois ou mais sistemas caóticos idên-


ticos estão sincronizados quando suas trajetórias fo-
rem iguais (ou suficientemente próximas) ao longo do
tempo. Para que o sincronismo ocorra, os sistemas de-
vem estar acoplados. Existem basicamente dois tipos
de acoplamento: unidirecional e bidirecional. No pri-
meiro tipo, um dos sistemas atua sobre os demais, mas
não tem sua dinâmica alterada por eles. No segundo,
Figura 4: Acoplamento tipo Pecora-Carroll.
os sistemas sofrem influência mútua. Neste trabalho,
considera-se apenas o acoplamento unidericional tipo
Pecora-Carroll. onde Dw h é a matriz jacobiana do campo vetorial
com respeito às variáveis do subsistema resposta, e
3.1 Acoplamento tipo Pecora-Carroll o(u, w) representa os termos de ordem superior da
Seja um sistema autônomo modelado pela se- série de Taylor. Se as variações forem suficientemente
guinte equação diferencial pequenas, pode-se aproximar o comportamento de δ w
por
ẋ = X(x), (2) δ̇ w = Dw h(u, w)δ w . (5)
Para que se tenha o sincronismo assintótico, a origem
onde X : Rn → Rn é um campo vetorial contínuo deve ser um ponto de equilíbrio assintoticamente está-
e Lipschitz contínuo em Rn . Na configuração Pecora- vel da equação (5). Quando o sistema é invariante no
Carroll, supõe-se que X pode ser decomposto em dois tempo, pode-se investigar a estabilidade calculando-se
subsistemas: diretor e resposta. Além disso, o subsis- os autovalores da matriz Dw h. Ocorre que, em geral,
tema diretor pode ser dividido em outros dois: um que essa matriz é variante no tempo. Desta forma, a alter-
conta com variáveis que atuam sobre o subsistema res- nativa é calcular os expoentes de Lyapunov de w, fixa-
posta; o outro, com variáveis que não o fazem (Pecora das as condições iniciais de u e v. Esses números des-
e Carroll, 1991). Desta forma, a equação (2) é rees- crevem a expansão ou contração média de pequenos
crita da seguinte forma deslocamentos ao longo da trajetória de w dentro do
atrator. Em geral, não são simplesmente um subcon-
u̇ = g(u, v, w) (k dimensional)}sinal diretor
junto dos expoentes de Lyapunov do sistema (2). De-
v̇ = f (u, v, w) (m dimensinal) (3) vido à dependência em relação a u(t), são chamados
ẇ = h(u, w) (l dimensional), de expoentes condicionais de Lyapunov (ECL’s). Já
que se busca a estabilidade assintótica, deseja-se que
onde f : Rn → Rm , g : Rn → Rk , h : Rk+l → Rl e todos os ECL’s sejam negativos, de tal forma que pe-
n = m + k + l. quenas perturbações decaem exponencialmente para
Considere w(t) e w0 (t) soluções de (3) partindo zero. Este cálculo pode ser feito integrando-se a equa-
de w(0) e w0 (0), respectivamente. Feita a decompo- ção (5), juntamente com o sistema (u, v, w) (Pecora e
sição, deseja-se saber se o subsistema resposta é as- Carroll, 1991).
sintoticamente estável, ou seja, se existe um conjunto Os expoentes condicionais de Lyapunov negati-
de condições iniciais w0 (0) para as quais é possível vos são uma condição necessária para que o subsis-
exibir um ² > 0, tal que tema resposta seja estável. O teorema fundamental da
estabilidade linear mostra que esta é, também, uma
kw0 (0) − w(0)k < ² ⇒ lim kw0 (t) − w(t)k = 0.
t→∞ condição suficiente para muitos sistemas dinâmicos
(Pecora e Carroll, 1991).
Se este for o caso, pode-se fazer uma réplica hr do
subsistema resposta e usar o sinal diretor para acoplar Teorema 1 A solução nula do sistema não-linear va-
os dois de forma que riante no tempo
ẇ = h(u, w), ẋ = A(t)x + o(x, t), (6)
ẇ0 = hr (u, w0 ) = h(u, w0 ).
onde o(0, t) = 0 para todo t, é assintoticamente está-
Observe na figura 4 o diagrama esquemático do aco- vel se:
plamento. A questão é determinar sob que condições (i) limkxk→0 ko(x, t)k/kxk = 0 uniformemente com
kδ w (t)k = kw0 (t) − w(t)k → 0, quando t → ∞. O respeito a t;
problema recai numa equação variacional (ii) A(t) é limitada para todo t;
(iii) a origem é uma solução uniformemente assintoti-
δ̇ w = ẇ0 − ẇ camente estável para o sistema linear ẋ = A(t)x.
= h(u, w0 ) − h(u, w) É importante observar que os ECL’s são obtidos
= Dw h(u, w)δ w + o(u, w), (4) a partir de uma média sobre uma série temporal de
comprimento finito. Pode ocorrer do resultado ser ne- ponto de equilíbrio globalmente assintoticamente está-
gativo, mas existirem pontos para os quais os expoen- vel para a equação acima, considere a função de Lya-
tes calculados apenas a partir deles resulta em valores e2 e2y e2
positivos. Conseqüentemente, embora globalmente os punov E(e, t) = x + + z . Desta forma, tem-
2σ 2 2
expoentes sejam negativos, há a possibilidade de que se que
em certos intervalos curtos de tempo o sincronismo 1
desapareça, para ressurgir logo em seguida. Além Ė(e, t) = ex ėx + ey ėy + ez ėz
σ
disso, como os expoentes são calculados por meio de
= −e2x − e2y + ex ey − be2z < 0,
pequenos deslocamentos nas trajetórias do subsistema
resposta, só é possível garantir a estabilidade local do qualquer que seja e 6= 0. Observe na figura abaixo
subsistema resposta. No entanto, o fato dos expoentes que as simulações numéricas confirmam o resultado
condicionais serem todos negativos serve como incen- esperado.
tivo para que se busque uma prova mais conclusiva
sobre a estabilidade do sincronismo. 30 50
y z
20 y´ 40 z´
3.2 Resultados 10 30

y, y´

z, z´
0 20
Nesta seção, são apresentados os resultados das
simulações numéricas do método de acoplamento des- −10 10

crito acima para o sistema de Lorenz. Utiliza-se como −20


0 1 2 3 4 5
0
0 1 2 3 4 5
sinal diretor a componente x. Inicialmenta, considera- t t

se o sistema diretor livre de perturbações de controle. 30 20

Observe na figura 5 o diagrama esquemático desse 20


15

10
acoplamento. 10 5
ey ez
0 0

−5
−10
−10

−20 −15
0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5
t t

Figura 6: Sistemas acoplados através da componente


x.

Como se utilizam somente pequenas perturbações


no controle do oscilador caótico, seu comportamento
dinâmico é aproximadamente descrito pelas equações
Figura 5: Diagrama esquemático do acoplamento en- do sistema não controlado. Sendo assim, as conclu-
tre sistemas de Lorenz. sões da análise da estabilidade do acoplamento ainda
podem ser considerads válidas. Veja na figura 7 o di-
Os osciladores de Lorenz têm como parâmetros agrama esquemático do acoplamento. Note na figura
σ = 10, r = 28 e b = 8/3. As equações de estado são 8 que x0 converge para x. Observe na figura 9 que a
mensagem codificada em y 0 coincide com codificada
ẋ = σ(y − x), em y.
ẏ = −xz + rx − y, : sistema diretor (7)
ż = xy − bz,
ẋ0 = σ(y 0 − x0 ),
ẏ 0 = −xz 0 + rx − y 0 , : sistema resposta (8)
ż 0 = xy 0 − bz 0 .

As equações de erro são as seguintes

ėx = σey − σex ,


ėy = −ey − xez , (9)
ėz = xey − bez .

Utilizando métodos numéricos, obtêm-se os valores


para os ECL’s: (−1, 81; −1, 86) (Macau, 2003). As- Figura 7: Acoplamento com o diretor controlado.
sim, a condição necessária para que haja a sincroni-
zação é satisfeita. Para mostrar que a origem é um
15
x

2038: 153–161.

10 Hayes, S., Grebogi, C. e Ott, E. (1993). Com-


municating with chaos, Physical Review Letters
5
70(20): 3031–3034.
x, x´ 0
Macau, E. E. N. (2003). Sincronização de sistemas
−5
caóticos, Technical report, Instituto Nacional de
−10
Pesquisas Espaciais, São José dos Campos.

−15 Ott, E., Grebogi, C. e Yorke, J. A. (1990). Controlling


chaos, Physical Review Letters 64(11): 1196–
−20
0 0.5 1 1.5 2
t
2.5 3 3.5 4 4.5
1199.
Pecora, L. M. e Carroll, T. L. (1991). Driving sys-
Figura 8: Sincronização entre x controlado e x0 .
tems with chaotic signals, Physical Review A
44(4): 2374–2383.
30
oscilações
livres c a o s
10 0 011 1 1 0 1000 0 1000 0 0 1 100 0 0 1 0111 1 1 0 0 1 1000 0 10 0 0 1 0
20

↑ ↑

10

y, y´ 0

−10

−20

−30
0 5 10 15 20 25 30 35
t

Figura 9: Sincronização entre y controlado e y 0 .

4 Conclusões

Grande parte da teoria necessária para se enten-


der a codificação de informação empregando a dinâ-
mica simbólica de sistemas caóticos já foi desenvol-
vida. Por exemplo, como a entropia topológica de um
sistema dinâmico está associada ao crescimento expo-
nencial do número de seqüência de símbolos que o sis-
tema pode gerar, a capacidade do canal de um sistema
caótico é dada pela entropia topológica.
O estudo da sincronização caótica revelou que,
sob certas condições, pode-se obter um acoplamento
robusto entre dois sistemas caóticos. Dessa forma,
garante-se que, mesmo estando o sistema diretor sob
perturbações de controle, o sincronismo não é des-
truído.

Agradecimentos

Os autores agradecem à FAPESP pelo suporte fi-


nanceiro prestado através do processo 02/10627-6.

Referências

Hayes, S. e Grebogi, C. (1994). Coding informa-


tion in the natural complexity of chaos, SPIE

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