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Desde a década de 50, cientistas comportamentais empenham-se na

busca pelo desenvolvimento e compreensão de uma ciência que seja capaz


de mensurar, modificar e prever os comportamentos analisados de algum
indivíduo, acumulando dezenas de conhecimentos teóricos através de
experimentos altamente controlados em ambientes laboratoriais que
caminhavam consonantes ao pensamento psiquiátrico da época.

Décadas se passaram, e tanto as terapias quanto as teorias cognitivas


e comportamentais aprimoraram seus conhecimentos, embasamentos,
atuações e funcionalidades, principalmente com os esforços de Aaron Beck,
ao estruturar um paradigma teórico influenciado por diferentes linhas de
pensamentos filosóficos, práticas clínicas e experimentos que tivessem
melhores (e mais imediatos) resultados terapêuticos com pacientes. Seu
enfoque seria a solução de comportamento disfuncionais a partir de uma
terapia que analisasse a cognição presente nos processos comportamentais e
subjetivos (Beck & Alford, 2000), dando vida, assim, à Terapia Cognitiva-
Comportamental.

Ainda que seja uma versão exponencialmente aprimorada de práticas e


visões behavioristas da década de 50, a Terapia Cognitiva-Comportamental
(TCC), sob olhares críticos de sua atuação fora de um ambiente laboratorial,
possui perigosas falhas em suas práticas e teorias que revelam não sua
ineficácia, mas suas vulnerabilidades que põem em risco tanto o bem estar do
paciente que se submete ao tratamento psicoterápico orientado por essa
abordagem, quanto as próprias propostas e promessas de eficácia difundidas
pelos médicos e psicólogos dessa área.

Ao tomarmos como exemplo um indivíduo que inicia a psicoterapia


orientada pela TCC, supomos que, inicialmente, seu terapeuta irá buscar por
problemas que estejam presentes em sua vida, dedicando a entrevista inicial
para colher dados sobre a vida desse paciente e sua principal queixa. A partir
disso, o terapeuta irá estruturar as futuras sessões com base no foi colhido,
visando algumas estratégias comuns que seguem os postulados da Terapia
Cognitiva-Comportamental como, segundo Barbosa e Borba (2010), traçar
formas de enfrentamento de efeitos negativos causados por eventos externos,
desenvolver táticas para solucionar problemas, ou reestruturar pensamentos
disfuncionais que estão relacionados à cognição do paciente (apud Mahoney
e Arnkoff, 1978). Dessa forma, o terapeuta estrutura as consultas e as novas
metas de mudanças de comportamento em um movimento similar ao dialético
de acordo com os relatos fieis e precisos do paciente, sobre eventos de sua
vida, suas reações, pensamentos e respostas, até que o objetivo traçado seja
atingido.

Nesse pequeno exemplo, conseguimos perceber a grande


responsabilidade que é atribuída ao paciente para o pleno desenvolvimento
terapêutico. Ao paciente, é dado o papel de observado e observador; cobaia e
cientista, cuja função caminha entre o “observar, registrar e relatar” e o
“executar, experimentar e avaliar”. Contudo, seriam todos os pacientes
capazes de arcar com essas “tarefas” cognitivas? E se arcassem, seriam
essas observações e avaliações restritas ao fenômeno ocorrido, sem
interferências da linguagem, sensopercepção e subjetividade do paciente? E
se não o fizessem, caberia ao terapeuta direcionar as mudanças, estratégias
e objetivos a serem alcançados?

Primeiramente, não podemos esperar que todos pacientes tenham


condições de cumprir com as exigências de autopercepções e registros, visto
que um distúrbio psicológico tende a afetar, em diferentes intensidades, a
cognição de um indivíduo. Diferentes pessoas irão exigir diferentes formas de
encarar e conduzir o processo terapêutico, e isso pode ser um desafio para
terapeutas cognitivos-comportamentais que se deparam com pacientes cuja
predisposição esteja voltada para fins mais subjetivos do que práticos e
objetivos. Se não houver um manejo que “afrouxe” as predefinições das
técnicas presentes nas sessões e as tendências da teoria comportamental, o
terapeuta correrá o risco de manipular aquele indivíduo a se “encaixar” em um
paradigma que não condiz com sua individualidade.

Aprofundando-se na questão dos distúrbios psicológicos, é fácil


especular que o paradigma cognitivo-comportamental permita uma melhora
significativa dos comportamentos indesejáveis de um paciente com
transtornos de personalidade, contudo, a modificação de um comportamento
por meio de estratégias racionalmente pré-estabelecidas não garante uma
real resolução dos fatores subjetivos e emocionais que originaram os
transtornos, uma vez que essa origem possa estar fora do alcance da
consciência do paciente, ou nem mesmo tenha sido estruturada na cognição
através da lógica e da razão comum.

Em contextos menos fatalistas, diversos fatores socioculturais podem


influenciar ou impedir que as exigências de “observar-relatar” possam ser
cumpridas, desde o nível da inteligência emocional do sujeito, para identificar
e reconhecer o que se passa em sua cognição, ou até mesmo os eventos de
seu cotidiano, que podem ter um efeito distrator na sua atenção e registro de
memória. A TCC sugere técnicas que possam ser trabalhadas para
desenvolver habilidades na vida do sujeito para evitar esses problemas, como
a psicoeducação, e as técnicas de meditação/concentração que podem
auxiliar na atenção e memória. Contudo, depender dessas técnicas implica
em alterações significativas na rotina e vida pessoal do paciente, que talvez
sejam inviáveis dependendo de fatores como classe social e disponibilidade
de tempo. Além disso, o tempo dedicado na sessão “moldando” o paciente
para desenvolver essas técnicas e habilidades, e encaixá-lo no paradigma
cognitivo-comportamental, desvela uma brecha que abala a neutralidade
esperada do profissional de psicologia.

Ao culminante da orientação do terapeuta baseado em rápidos


diagnósticos, pré definições de psicopatologias e possíveis induções de
comportamentos, é evocada uma crítica que tange tanto a ideologia da
neutralidade da ciência (Oliveira, 2008), quanto o papel do psicólogo,
discutido por Martín-Baró (1997). A TCC, enquanto ciência cognitiva baseada
em evidências positivistas, caminha consonante ao pensamento psiquiátrico e
suas ideologias neoliberais, aonde a definição de uma psicopatologia é
rapidamente atribuída ao indivíduo em busca de uma solução imediata
munida a uma precoce medicalização, sem um olhar debruçado sobre aquele
sujeito, sua subjetividade e o contexto (social, cultural, político) que está
inserido. Para Martín-Baró (1997), a psicologia deve ser do povo, e para o
povo, livre das injustiças estruturais, visando a libertação dos povos. Ao
caminhar contra isso, a psicologia reforça estruturas adoecedoras para o
indivíduo-sociedade, injetando modelos de sujeitos pré-definidos, e
interpretações psicopatológicas da experiência subjetiva.

Referências

BECK, Aaron e ALFORD, Brad. O poder integrador da Terapia Cognitiva. Porto


Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.

MARTIN-BARO, Ignácio. O papel do Psicólogo. Estud. psicol. (Natal) [online]. 1997,


vol.2, n.1 pp.7-27. Available from: <http://www.scielo.br/scielo.php?
script=sci_arttext&pid=S1413-294X1997000100002&lng=en&nrm=iso>.

OLIVEIRA, Marcos Barbosa de. Neutralidade da ciência, desencantamento do mundo


e controle da natureza. Sci. stud. [online]. 2008, vol.6, n.1, pp.97-116. Available from:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1678-
31662008000100005&lng=en&nrm=iso>.

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