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GILLES CISTAC

CURSO

DE

METODOLOGIA JURĺDICA

Universidade Eduardo Mondlane


Livraria Universitária

1
O AUTOR

Prof. Doutor GILLES CISTAC


Professor Associado da Faculdade de Direito
da Universidade Eduardo Mondlane

Publicações

I – Livros e monografias.

- O Direito Eleitoral Moçambicano/Le Droit électoral Mozambicain,


Imprensa da UEM, Maputo - 1994, 280 páginas (Versão bilingue
Francês-Português).

- O Processo de Descentralização em Moçambique, Ed. Faculdade de


Direito da UEM, Maputo - 1996, 40 páginas.

- O Tribunal Administrativo de Moçambique/Le Tribunal Administratif du


Mozambique, Editor Faculdade de Direito da UEM, Maputo - 1997, 520
páginas (Versão bilingue Francês-Português).

- Manual de Direito das Autarquias Locais, Maputo, Livraria


Universitária – 2001 - 730 páginas.

II – Lições policopiadas.

- A Tutela Administrativa, Curso de formação pelos Presidentes dos


Conselhos Municipais e Assembleias Municipais, organizado pelo
Ministério da Administração Estatal, Maputo, 1998.

- Curso de Finanças Autárquicas - O Estado, as Autarquias Locais e o


seu regime jurídico, Ministério do Plano e Finanças, Direcção da
Administração e Recursos Humanos - Departamento de Formação,
Centro de Formação do Ministério do Plano e Finanças, 2002.

- Curso de Direito Administrativo, Faculdade de Direito da Universidade


Eduardo Mondlane, 2004-2005.

III – Principais artigos.

- “Quelques principes législatifs et réglementaires en matière de chasse


au vol“, Revue du GFASO 1985 – spécial 10 ans de GFASO, pp. 40-43.

- “Poder legislativo e Poder regulamentar na Constituição moçambicana


de 30 de Novembro de 1990”, Revista da Faculdade de Direito da

2
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Vol. 12, 1996, pp.
148-160.

- “Le renouvellement du rôle de l’État contractant dans le commerce


international”, Droit et Pratique du Commerce International - 1996 -
Tome 22, N.° 2, pp. 167-198.

- “Une histoire juridique de l'Etat contractant dans le commerce


international”, em, Annales de l'Université des Sciences sociales de
Toulouse, Tome XLIII, PUSS, 1995, pp. 171-193.

- “Controlo de legalidade dos actos das autarquias locais em direito


francês”, em, Aspectos Jurídicos e Financeiros do processo de
descentralização em Moçambique/25-27 de Março de 1996 - Maputo
(sob a direcção do Dr. Gilles CISTAC), Edição Faculdade de Direito da
UEM, Maputo - 1996, pp. 55-71.

- “Poder legislativo e Poder regulamentar na Constituição da República


de Moçambique de 30 de Novembro de 1990”, Rev. Jur. da Faculdade
de Direito, Dez-1996.- Vol. I, pp. 7-29.

- “A renovação do papel do Estado contratante no comércio


internacional”, Rev. Jur. da Faculdade de Direito, Juhno-1997.- Vol. II,
pp. 187-220.

- “Os Recursos Jurisdicionais no Ante-Projecto de Reforma do Processo


Administrativo Contencioso”, Rev. Jur. da Faculdade de Direito, Dez-
1997.- Vol. III, pp. 33-67.

- “O controlo da constitucionalidade dos actos administrativos em


Direito Francês”, em, Anais da VI Jornada Técnico-Científica da FESA,
Luanda, 2002.

- “O Anteprojecto de Lei dos órgãos locais do Estado e o processo de


autarcização”, Rev. Jur. da Faculdade de Direito, Dez-2002.- Vol. V, pp.
1-45.

- “O Contencioso Administrativo da Terra na Jurisprudência do Tribunal


Administrativo”, em, Aspectos Jurídicos, Económicos e Sociais do Uso e
Aproveitamento da Terra, Coordenadores Gilles CISTAC e Eduardo
CHIZIANE, Universidade Eduardo Mondlane, 2003, pp. 169-194.

- “Como Reformar uma Constituição? (o exemplo moçambicano)”, em,


Núcleo dos Estudantes de Direito, “Palestras e Debates”, NED –
Faculdade de Direito, UEM, Maputo 2004, pp. 49-59.

- “A questão do Direito Internacional no ordenamento jurídico da


República de Moçambique”, Rev. Jur. da Faculdade de Direito, Set.-
2004.- Vol. VI, pp. 9-57.

3
- “Olhar crítico sobre o Projecto de Revisão da Constituição; Questões
de método”, em, Contributo para o Debate Sobre a Revisão
Constitucional, Coordenação Gilles CISTAC, Universidade Eduardo
Mondlane, Ed. Faculdade de Direito 2004, pp. 7-43.

- “Justiça e Contencioso Eleitoral em Moçambique”, Maputo, Ed.


Instituto Eleitoral da África Austral (EISA) e Centro de Estudos de
Democracia e Desenvolvimento (CEDE), 2005, pp. 31-65.

- “Justice and Electoral Disputes in Mozambique”, Journal of African


Elections, June 2005, 4(1), pp. 61-89.

IV – Colectâneas.

- Jurisprudência Administrativa de Moçambique, Volume I (1994-1999),


Maputo, Ed. Tribunal Administrativo – 2003 - 900 páginas.

SOB A DIRECÇÃO DO AUTOR

- Aspectos Jurídicos e Financeiros do Processo de


descentralização em Moçambique/25-27 de Março de 1996 -
Maputo (sob a direcção do Dr. Gilles CISTAC), Edição
Faculdade de Direito da UEM, Maputo - 1996, 104 páginas.

- Aspectos Jurídicos, Económicos e Sociais do Uso e


Aproveitamento da Terra, Comunicações realizadas nas
“Jornadas de estudos” organizados pelo Núcleo de Estudo
sobre a Administração Pública e o Desenvolvimento Local da
Faculdade de Direito da UEM e pela Cooperação Francesa –
Beira – 27 – 29 de Maio de 2003, Coordenadores Gilles
CISTAC e Eduardo CHIZIANE, Universidade Eduardo
Mondlane, 2003, 236 páginas.

- Contributo para o Debate Sobre a Revisão Constitucional,


Coordenação Gilles CISTAC, Universidade Eduardo
Mondlane, Ed. Faculdade de Direito 2004, 362 páginas.

4
INTRODUÇÃO

1. Definição

No sentido etimológico, o método é uma sequência ordenada de meios com


vista a atingir um objectivo, “uma maneira ordenada de fazer as coisas”1 ou como o
define Edgar MORIN, numa perspectiva cognitiva: “O que aprende a aprender, é isto
o método”2. Assim, o método é um meio e não um fim. É um simples instrumento
que deve permitir a reflexão de se desenvolver.

Para René DESCARTES (1596-1650)3, o método parecia universal, todavia,


hoje em dia os métodos são vários e diversificados, não só segundo as disciplinas
científicas mas também no âmbito da mesma disciplina.

A metodologia é o estudo dos métodos científicos e técnicos, assim como, dos


procedimentos utilizados numa disciplina científica determinada.

Assim, numa primeira aproximação, a metodologia jurídica é, logicamente, o


estudo dos métodos técnico-científicos e procedimentos utilizados no âmbito do
Direito.

Se observar-se o fenómeno jurídico, sem preconceitos, pode-se concluir que


abrange um conjunto de mecanismos de organização das sociedades humanas e de
regulação das relações sociais (estruturas organizativas, normas de condutas,
sanções). Mas especificadamente, o Direito surge através de fontes – “Fontes do
Direito” – que, manifestam-se através de vários substratos: constituições, leis,
tratados internacionais, regulamentos administrativos, costumes, jurisprudência.

Face a esses numerosos espaços de produção do Direito, um reflexo natural


incita a ordenar este conjunto de regras. Por outras palavras, é preciso classificar,
reagrupar, completar as disposições das fontes entre elas. Esta exposição sistemática
das normas que constituem o Direito, no objectivo de coordenar logicamente e
racionalmente a unidade do sistema jurídico, constitui uma verdadeira ciência.

Nesta actividade, a Ciência do Direito, que tem por objecto o fenómeno


jurídico4, usa de uma técnica de uma série de procedimentos para atingir a
sistematização. Sem este esforço conceptual, o Direito não seria praticável. Por

1
Dicionário da Língua Portuguesa, Ed. Porto Editora, 8.ª. ed., 1999, vide, método
2
MORIN E., La méthode, Tome 1. La nature de la Nature , Paris , Ed. du Seuil, 1977, p. 21.
3
Discurso do Método, Lisboa Guimarães Editores, Lda, 1997.
4
VIRALLY M., “Le phénomène juridique”, RDP 1966, pp. 5-64.

5
outras palavras, a concepção, a expressão, a compreensão e a aplicação do Direito
pressupõem “uma lógica mais ou menos rígida de conceitos, de categorias, de
classificações (...) que têm por objectivos de introduzir, na massa das regras, clareza
e praticabilidade”5. É este património intelectual específico que que faz com que o
jurista é e que o diferencia de uma pessoa que não é formada em Direito.

Os valores consagrados pela ordem jurídica e as regras que este comporta


não podem ser implementados senão com o apoio de princípios, instrumentos e
modos de raciocínios específicos. François GÉNY ensinava que “Qualquer elaboração
jurídica é dominada por operações intelectuais e por uma metodologia, baseadas
sobre princípios da lógica comum, com uma certa flexibilidade que impõe-se pela
natureza própria do objecto a investigar: as regras jurídicas”6.

Assim, a metodologia jurídica é, stricto sensu, “o estudo dos procedimentos e


dos métodos que os juristas são conduzidos a praticar nas suas actividades de
pesquisa, de criação e de aplicação do Direito e, mais geralmente, para solucionar
problemas jurídicos”7.

Esta definição abrangerá também, implicitamente, as diferentes técnicas que


permitem trabalhar eficazmente. Este ponto de vista prático é muitas das vezes
ignorado pelos investigadores da metodologia jurídica que consagram a sua atenção
sobre as questões mais “teóricas”, enquanto que o sucesso dos estudantes em
Direito, por exemplo, pode depender da aquisição de procedimentos e
comportamentos práticos, de um "saber-fazer". Todavia, essas técnicas, sendo
numerosas, não se podem expor na totalidade, mas apenas aquelas que são mais
importantes.

2. A natureza da metodologia jurídica

A ciência define-se comumente como: “conhecimento certo e racional sobre a


natureza das coisas ou sobre as suas condições de existência“8. Todavia, autores
defendem que a questão “o que é a ciência?” não tem uma resposta científica 9. Por
outras palavras, “a ciência não se conhece cientificamente e não tem nenhum meio
de se conhecer cientificamente”10. O que existe ensina Edgar MORIN, é “uma
metodologia científica para considerar e controlar os objectos da ciência”11.

Neste sentido, não há nenhum obstáculo em considerar o Direito como uma


ciência; como escreve Inocêncio GALVÃO TELLES: “O Direito é objecto de uma
verdadeira Ciência. Não se trata, evidentemente, de uma ciência do tipo das da
Natureza; nela não se pode aspirar-se a total rigor, semelhante àquele a que devem

5
DABIN J., Théorie générale du droit, Dalloz, coll. “Philosophie du droit”, 1969, n.º 264.
6
GÉNY F., Science et technique en droit privé positif, Nouvelle contribution à la critique de la méthode
juridique, t. IV, n.º 302.
7
BERGEL J.L., Méthodologie juridique, Ed. Presses Universitaires de France – 2001, p. 18.
8
Dicionário da Língua Portuguesa, Ed. Porto Editora, 8.ª. ed., 1999, vide, ciência
9
Vide, por exemplo, MORIN E., La méthode, Tome 1., op. cit., p. 14.
10
MORIN E., Ibidem
11
MORIN E., Idem

6
chegar os matemáticos e os físicos. Trata-se de uma ciência de índole diversa, mas
não menos legítima, nem menos necessária: uma ciência do espírito, cujo objecto é
esta matéria viva e palpitante – o Direito, essencialmente evolutivo, que representa
uma das mais importantes ordens normativas a que todos estamos subordinados” 12.

Mas o mais importante é a identificação da existência de uma metodologia


científica do Direito que permite, para parafrasear Edgar MORIN, “considerar e
controlar os objectos da ciência” do Direito.

Assim, da mesma maneira que o Direito é uma ciência, a metodologia jurídica


é também uma ciência. Com efeito, a metodologia jurídica tem o estatuto de uma
ciência porque constitui um sistema organizado de conhecimentos e tem, de uma
certa forma, um carácter permanente e universal13.

3. Os limites da metodologia jurídica

“O Direito não se reduz à metodologia jurídica”14, escreve JEAN-LOUIS


BERGEL, isto permite medir os limites da metodologia jurídica.

Deve-se ainda a François GÉNY uma demonstração esclarecedora sobre os


limites da metodologia jurídica, através de observações relacionadas a questão da
técnica jurídica, isto é, dos métodos que conduzem à concretização da política
jurídica entendida como o processo que visa determinar os resultados a atingir pelas
autoridades competentes.

O referido autor demonstrou que a técnica jurídica como componente


importante da metodologia jurídica comporta riscos, porque esta modela as coisas
com operações intelectuais cujo uso artificial e mecânico pode conduzir à
desnaturação das realidades concretas e das finalidades do Direito. François GÉNY
estabeleceu, também, o princípio fundamental segundo o qual a técnica deve ser
subordinada à ciência. O “dado” provindo das realidades de facto deve dominar o
“construído” que é apenas justificado para atingir um objectivo que não se pode
contradizer15.

Assim, “a metodologia jurídica não pode ser explorada até perverter ou


deformar abusivamente os factos ou os valores essenciais”16.

4. A distinção da metodologia jurídica das disciplinas científicas afins

A primeira distinção a realizar é aquela que se pode estabelecer entre a


metodologia jurídica e a Filosofia do Direito. A filosofia do Direito trata da razão de

12
GALVÃO TELLES I., Introdução ao Estudo do Direito, Vol. II (10.ª ed. 2000), Coimbra Editora, n.º
225.
13
BERGEL J.L., “Ébauche d’une definition de la méthodologie juridique“, Cahiers de méthodologie
juridique, 1990, n.º 5, p. 716.
14
BERGEL J.L., Méthodologie juridique, op. cit., p. 20.
15
GÉNY F., op. cit., t. IV, n.º 284 e seguintes.
16
BERGEL J.L., op. cit., p. 21.

7
ser do Direito, das suas origens, das suas finalidades em função de posições
essencialmente metafísicas, éticas, ideológicas, políticas e sociológicas 17; como
escreve Giorgio del VECCHIO: “A filosofia do Direito é a ciência que define o direito
na sua universalidade lógica, procura as origens e os caracteres gerais do seu
desenvolvimento histórico e apreciá-lo segundo o ideal de justiça sugerido pela
razão”18. Por exemplo, o filósofo do Direito perguntar-se-á se a segurança social é
uma instituição justa ou de progresso social. O jurista, diferentemente, estudará
quais são os mecanismos de pagamento das contribuições, quais são as prestações
oferecidas, quais são as ligações entre o Instituto de Segurança Social e o Direito do
Trabalho ou o Direito da família, os critérios de acesso às prestações, etc... Para
atingir esses objectivos, o jurista recorrerá a metodologia jurídica e ou seja, aos
métodos de qualificação, de interpretação de coordenação das diversas regras de
Direito.

Em segundo lugar, a metodologia jurídica integra-se e destaca-se ao mesmo


tempo da teoria geral do Direito. Com efeito, a teoria geral do Direito tem por
objecto o estudo da ordem jurídica na sua globalidade e define os eixos
fundamentais da construção do Direito e da sua aplicação 19. Neste sentido, a teoria
geral do Direito aproveita-se da metodologia do Direito. Todavia, a metodologia do
Direito é apenas uma parte da teoria geral do Direito. A definição do Direito, a sua
essência e as suas funções não entram no campo de investigação da metodologia do
Direito20.

Finalmente, deve-se distinguir a metodologia jurídica da epistemologia


jurídica, que tem por objecto o estudo dos modos de conhecimento do direito21. A
distanciação entre as duas disciplinas incide sobre a natureza da aproximação do
Direito: enquanto que a epistemologia jurídica tem fundamentalmente como objecto
o pensamento jurídico abstracto, a metodologia jurídica tem sempre uma abordagem
concreta das necessidades e dos interesses em causa.

5. O objecto da metodologia jurídica

A ideia da metodologia jurídica está ligada a ideia de uma construção racional


do Direito e a ideia de sistema jurídico22. Com efeito, o Direito é a disciplina que tem
por objecto a organização e a regulação de uma sociedade e as suas relações
internas. O Direito, como ordem ou como relações, deve ser percebido como um
conjunto coerente de elementos interdependentes, isto é, como um sistema23.

17
Vide, Philosophie du droit, in, Dictionnaire encyclopédique de théorie et de sociologie du droit, Paris,
LGDJ, 2.ª ed., 1993, p. 442 e seguintes.
18
DEL VECCHIO G., Philosophie du droit, Paris, Ed. Dalloz, 2004, p. 16.
19
BERGEL J.L., Teoria Geral do Direito, Martins Fontes, São Paulo, 2001, n.º 3 ; «Théorie Générale du
Droit », in Dictionnaire encyclopédique de théorie et de sociologie du droit, p. 610.
20
BERGEL J.L., “Ébauche d’une definition de la méthodologie juridique“, op. cit., p. 712-713.
21
ATIAS C., Épistémologie juridique, Paris, PUF, 1985 ; "Épistémologie juridique", in Dictionnaire
encyclopédique de théorie et de sociologie du droit, p. 610.
22
BERGEL J.L., Méthodologie juridique, op. cit., p. 23 e seguintes.
23
BERGEL J.L., idem

8
Não há dúvida sobre o facto de que os sistemas jurídicos são inspirados de
ideologias e objectivos diversos que têm uma influência sobre o seu próprio
conteúdo. Mas qualquer que seja a substância das normas jurídicas dos diferentes
sistemas jurídicos, o seu desenvolvimento, o seu funcionamento e a sua aplicação
são dominados por mecanismos, instrumentos, modos de pensamento, conceitos,
instituições que parecem comuns a todos.

Assim, a abordagem dos sistemas jurídicos através do prisma da metodologia


jurídica permite identificar numerosos elementos transversais e universais. Com
efeito, existe uma permanência dos métodos do Direito, das noções fundamentais,
das técnicas, dos instrumentos jurídicos, dos modos de raciocínio, para além da
heterogeneidade aparente das ordens jurídicas. Pode-se conceber, escreve JEAN-
LOUIS BERGEL, “que o estudo dos métodos do Direito, pelo seu âmbito de
investigação e conteúdo, seja de algum modo comum a todos os sistemas e que
existe uma certa universalidade e uma certa permanência da metodologia jurídica,
qualquer que seja a multiplicidade e a diversidade das suas aplicações”24.

O objecto essencial da metodologia jurídica é “estabelecer e aplicar soluções


de Direito a situações de facto”25. Com efeito, olhando para a actividade dos juristas,
qualquer que seja a diversidade dessa actividade e sua riqueza, esta é caracterizada
por um vaivém constante entre o facto e o Direito e consiste sempre em aplicar o
Direito aos factos, ou seja, submeter situações concretas à ordem jurídica. Para
poderem fazer isso, os juristas usam várias técnicas e métodos jurídicos para
aproximar o Direito ao facto; por exemplo a qualificação dos factos ou o raciocínio
silogístico ou, pelo contrário, para dissociar o facto do Direito, por exemplo com o
recurso as ficções.

6. Interesse da metodologia jurídica

Pode-se observar que, até a entrada em vigor da reforma curricular na


Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane em 2004, o estudo da
metodologia jurídica era negligenciado. Era uma situação bastante paradoxal.

Em primeiro lugar, do ponto de vista macro-jurídico, a produção crescente de


normas jurídicas - na sua vertente quantitativa -, na ordem jurídica moçambicana e a
interpenetração da ordem jurídica interna e regional ou internacional necessitam do
conhecimento e da aplicação dos métodos do Direito para garantir um entendimento
legível do conjunto dessas regras jurídicas.

Em segundo lugar, do ponto de vista micro-jurídico, pode-se verificar que a


maior parte dos estudantes têm carências mais ou menos graves em metodologia do
Direito. Não dominam os princípios mais elementares da metodologia jurídica. Por
várias razões e a culpa não é apenas deles. O corpo docente tem uma importante
responsabilidade na existência desta carência. Mas essas carências metodológicas
não são apenas um facto dos estudantes em Direito. É também uma situação que se

24
BERGEL J.L., op. cit., p. 31.
25
BERGEL J.L., op. cit., p. 37.

9
estende parcialmente ao legislador, ao juiz e aos advogados. A metodologia
legislativa – feitura de leis – é negligenciada; a redacção dos acórdãos não é
plenamente satisfatório (incoerência, falta de fundamentação, contradições, etc...) e
os advogados têm fraquezas em termos de argumentação, de técnica de negociação
e redacção de contratos, por exemplo.

Assim, impõe-se a todos os práticos do Direito, no sentido material da palavra,


o estudo atento das regras que dominam os procedimentos intelectuais dos juristas.

Também é preciso prestar atenção ao facto de que numa sociedade


atravessada pelas novas tecnologias de informação, o “computador”, para tomar o
exemplo mais significativo, não é panaceia. Pelo contrário, é suficiente ler as obras
dos filósofos gregos (vide, por exemplo, A Ética de Nicômaco de ARISTÓTELES) ou
dos juristas romanos (vide, por exemplo, Da República de CÍCERO) para medir o
grau de reflexão extremamente elevado de homens que viviam num tempo onde se
escrevia sobre pergaminho. A informática permanece um instrumento nas mãos dos
juristas e se os mesmos não dominam as regras básicas que lhes permitirão
entender e aplicar o fruto das suas próprias investigações. Por outras palavras, o
resultado do seu trabalho de investigação ficará desaproveitado. Com efeito, para
tomar um exemplo simples, pode-se facilmente via internet ter acesso a um banco
de dados informático e assim consultar vários modelos de contratos, mas não se
sabe qualificar o tipo de relações jurídicas em causa ou não se sabe identificar com
rigor e precisão as questões jurídicas que se colocam concretamente, o material
recolhido não será aproveitado e, em alguns casos, será inútil.

Assim, ser bom jurista26, não consiste em conhecer todas as regras duma
determinada ordem jurídica (dificilmente concebível na prática!). O conhecimento do
Direito não se reduz a uma boa memória. Sobre este aspecto, o homem não pode
rivalizar-se com o computador.

Ser bom jurista pressupõe dominar métodos e procedimentos fundamentados


sobre uma lógica e raciocínios específicos, instrumentos técnicos, classificações e
uma terminologia rica e precisa; é ainda, compreender a totalidade das dimensões
do Direito e gozar da possibilidade de construir e perpetuar o que se estuda e
inscrever o seu pensamento numa finalidade normativa27 . Tudo isso não está ainda
nos programas informáticos. Por outras palavras, sem uma metodologia jurídica
rigorosa não se pode conceber regras capazes de reger eficazmente e com
segurança a realidade social. Pode-se ir mais longe, e como afirma PAUL DELNOY:
“... se se tinha o tempo de aprender apenas uma coisa, é a metodologia que
importaria de adquirir, mais do que o conhecimento das regras jurídicas, porque
aquelas modificam-se enquanto que a metodologia permanece”28.

26
JEAN CARBONNIER defende que a função do jurista é constituída pela reunião de quatro ciências:
"ciência das sistematizações" ou ciência da classificação; "ciência da interpretação" ou hermeneútica,
"ciência da criação normativa" ou "ciência da legislação e "ciência sociológico ou estudo dos
fenómenos, citado por, LOUIS ASSIER-ANDRIEU, Le droit dans les sociétés humaines, op. cit., p. 10.
27
ASSIER-ANDRIEU L., op. cit., p. 10.
28
DELNOY P., Initiation aux méthodes d’application du droit , Presses Universitaires de Liège, 1989-
1990, Vol. I, p. 7.

10
Finalmente, dominar a coerência e a racionalidade do Direito e estudar a sua
lógica e as suas técnicas permite identificar melhor as regras de direito e interpretá-
las e aplicá-las com melhor segurança.

7. Os objectivos do curso

O ensino da metodologia jurídica aos estudantes é indispensável pela


compreensão do Direito e pela sua aplicação. Assim, para atingir esses objectivos
gerais, os objectivos mais específicos devem ser realçados.

O primeiro objectivo a atingir é a formação do espírito jurídico e a aquisição


do pensamento jurídico29. Com efeito, o jurista deve ser capaz de pensar o real, de
dominar um sistema de normas e de procurar e inventar, se for o caso, soluções aos
problemas jurídicos que lhes são colocados; como escreve MARIE-ANNE COHENDET,
“O Direito é, ao mesmo tempo, a escola da reflexão e da imaginação” 30. Por outras
palavras, a acumulação de conhecimentos não é suficiente para o jurista que precisa
de mais uma formação do seu pensamento do que memorizar regras efémeras e
especializadas. No início da sua formação, como no topo da sua vida profissional,
qualquer jurista tem a necessidade de conhecer e de implementar instrumentos,
técnicas e modos de raciocínio.

Qualquer que seja a sua profissão ou actividade profissional, o jurista deverá


ser capaz de resolver qualquer problema de Direito. Na verdade, não é suficiente
repetir o que foi aprendido, mas o jurista deve estar apto a fazer pesquisas para
conhecer todo o âmbito da questão a resolver, percebê-la, e apresentar uma solução
convincente, o que implica uma fundamentação pertinente. Até, algumas vezes é
relevante introduzir, elaborar e defender hipóteses que contradizem o direito vigente
para demonstrar que outros caminhos são teoricamente possíveis e mais vantajosos
ou úteis31.

O segundo objectivo tem directamente a ver com o lugar do jurista num


Estado de Direito. Neste tipo de sociedade, o jurista não deve ser percebido como
um travão mas, pelo contrário, como um ser favorecendo a acção e a inovação. Para
atingir este objectivo, é preciso pôr em evidência o espírito, a coerência e a
racionalidade do direito, estudando a sua lógica e a sua técnica. Essas aproximações
contribuem todas em mesmo tempo, na melhoria as normas jurídicas existentes e no
funcionamento das instituições, bem como, as relações jurídicas, que terão vocação
a ser praticadas numa determinada ordem jurídica.

Finalmente, a ambição deste curso é de melhorar os resultados dos


estudantes mudando a sua maneira de trabalhar. De qualquer forma, um processo
de aprendizagem como este, apenas pode ser gradual.

29
COHENDET M.A., Méthodes de travail. Droit Public, Ed. Montchrestien, E.J.A., 1994, p. 17 e
seguintes.
30
COHENDET M.A., op. cit., p. 17.
31
Por exemplo, situação em que a decisão de uma jurisdição não parece responder, por vários
motivos, à ideia que se pode esperar da Justiça.

11
Assim, a metodologia jurídica aparece ao mesmo tempo como uma disciplina
transversal, porque tem uma vocação de intervir em qualquer ramo do direito, e
permanente porque os juristas deverão utilizar as suas técnicas durante toda a sua
vida profissional.

8. O plano da obra

Apesar de ter demonstrado que a metodologia jurídica é uma necessidade


para o jurista, pode-se observar que existem poucas obras específicas sobre a
matéria. Além disso, a maior parte das Faculdades de Direito no mundo não
organizam um ensino específico sobre a metodologia jurídica32.

Todavia, pode-se verificar um paradoxo: se o estudo da metodologia jurídica


como um conjunto é pouco conhecido, o estudo parcelar ou sectorial desta disciplina
científica é, pelo contrário, muito desenvolvido. Por outras palavras, capítulos da
metodologia jurídica são objectos, individualmente, de estudos pormenorizados; por
exemplo: a interpretação do Direito, os raciocínios jurídicos, a feitura de leis, o
processo de decisão do juiz ou a linguística jurídica.

A questão que se coloca, portanto, é de saber como racionalmente apresentar


aos estudantes em Direito esta disciplina.

O pensamento de JEAN-LOUIS BERGEL sobre esta questão é extremamente


“aberto”. Este autor convida cada investigador “a reflectir ele-próprio sobre a
maneira de conceber e leccionar a metodologia jurídica”33. Esta reflexão pode
parecer como bastante desorientadora, mas não é. Na verdade, numa disciplina
científica caracterizada pelo estado embrionário da sua própria reflexão, impor de
imediato orientações epistemológicas rígidos seria comprometer o seu próprio
desenvolvimento. É claro que o caminho é inseguro por não existirem os grandes
tratados ou dicionários técnicos que, de uma certa forma, tranquilizam o investigador
em outras disciplinas científicas.

Esta situação, original de uma disciplina nova, posiciona o investigador face a


um desafio; é pois este desafio que será enfrentado neste curso. Até, esta
abordagem não é inovadora, PAUL FEYERABEND ensina, desde os anos 70 que “A
ciência é uma empresa essencialmente anárquica”34 e que “Um meio complexo
contendo desenvolvimentos surpreendentes e imprevisíveis reclama procedimentos
complexos, e desafia uma análise fundada sobre regras previamente estabelecidas,
que não tomam em conta as condições históricas que sempre mudam” 35. Assim,

32
Vide, Cahiers de méthodologie juridique, 1990, n.º 5 – Regards sur la méthodologie juridique.
33
Avant-propos, Cahiers de méthodologie juridique, 1990, n.º 5 – Regards sur la méthodologie
juridique.
34
FEYERABEND P., Contre la méthode. Esquisse d’une théorie anarchiste de la connaissance , Paris,
Éd. du Seuil, 1979, p. 13. Como escreve o referido autor: “A minha tese é que o anarquismo contribui
para o progresso, qualquer que seja o sentido que se lhe atribui“, op. cit., p. 25.
35
FEYERABEND P., op. cit., p. 15. Alfred EINSTEIN utilizará os termos de “oportunista sem escrúpulo”
(citado por PAUL FEYERABEND, op. cit., p. 15) para caracterizar esta maneira de ser do investigador.

12
está-se apenas a operacionalizar no mundo da metodologia do Direito, os ensinos
daqueles que experimentaram este processo no âmbito da teoria do conhecimento36.

A formação do pensamento do jurista necessita, em primeiro lugar, da


aquisição do saber, do conhecimento jurídico, o que necessita de adquirir e
conservar algumas operações técnico-materiais muito práticas para adquirir este
conhecimento. O domínio dessas técnicas é extremamente formador, porque em
mesmo tempo que se praticam essas técnicas, adquire-se comportamento e uma
disciplina de trabalho que vão permanecer durante toda a vida do jurista (PARTE I -
O SABER DO DIREITO).

Em segundo lugar, pode-se partir da hipótese que qualquer sociedade


humana implica uma organização, regras de conduta, mecanismos de produção de
normas e de sanções. Assim, qualquer sistema jurídico deve enfrentar e responder
às necessidades similares. Os modos de formação do direito e as técnicas de
conciliação ou de sanção, por exemplo, podem para além da sua diversidade 37,
identificar-se muito facilmente. Existe, assim, uma certa constância e permanência
dos métodos do direito, das noções fundamentais, dos instrumentos jurídicos e dos
modos de raciocínio, para além da heterogeneidade aparente dos diversos
ordenamentos jurídicos38. São esses traços comuns e fundamentais que serão o
objecto dum tratamento específico através do estudo das regras que dominam os
trâmites intelectuais dos juristas (PARTE II - O MÉTODO DO DIREITO).

Finalmente, uma corrente de pensamento defende, com justa razão, que “a


investigação jurídica será mais visível quando os juristas aceitarem de recorrer mais
às ciências humanas e tomarem em conta as esperanças dos seus investigadores, e
as vezes os seus métodos”39. Assim, o referido autor defende a abertura de um
processo de exploração de outras ciências, permitindo inventariar os possíveis
métodos susceptíveis de concorrer para a elaboração de uma metodologia jurídica.
Neste sentido, as ciências sociais podem ser o objecto concreto desta metodologia
exploratória (PARTE III – OS MÉTODOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADOS AO
DIREITO).

Bibliografia:

36
Para ser mais completo, pode-se realçar que alguns juristas foram até buscar na arte
cinematográfica alguns esquemas explicativos de fenómenos jurídicos. Vide, Luís filipe COLAÇO
ANTUNES, "A reforma do contencioso administrativo. O Último Ano em Marienbad", em O Direito
Administrativo e a sua Justiça no Início do Século XXI. Algumas Questões, Livraria Almedina –
Coimbra, 2001, pp. 97-121.
37
Sobre as especificidades dos principais « direitos », vide René DAVID, Os grandes Sistemas do
Direito Contemporâneo, São Paulo, Ed. Martins Fontes, 1988.
38
BERGEL J.L., “Ébauche d’une definition de la méthodologie juridique“, op. cit., p. 707.
39
ROULAND N., “Quelques réflexions sur la recherche en droit“, Sciences de l’homme et de la société,
n.º 54 – maio 1999 -, p. 21; LAPERRIÈRE R. e THOMASSET Cl., Méthodologie de la recherche
juridique, Université du Québec à Montréal, Département des sciences juridiques, 1997, p. 7.

13
- ASSIER-ANDRIEU L., Le droit dans les sociétés humaines, Paris, Éd. Nathan, 1996.
- ATIAS C., Épistémologie juridique, Paris, PUF, 1985.
- BERGEL J.L., Méthodologie juridique, Ed. Presses Universitaires de France – 2001, pp. 17-43;
- BERGEL J.L., “Ébauche d’une definition de la méthodologie juridique“, Cahiers de
méthodologie juridique, 1990, n.º 5, pp. 707-719.
- CARBONNIER J., Sociologie juridique, Paris, PUF, "Quadrige", 1994.
- DESCARTES R., Discurso do Método, Lisboa Guimarães Editores, Lda, 1997.
- FEYERABEND P., Contre la méthode. Esquisse d’une théorie anarchiste de la connaissance ,
Paris, Éd. du Seuil, 1979.
- GALVÃO TELLES I., Introdução ao Estudo do Direito, Vol. II (10.ª ed. 2000), Coimbra Editora,
n.º 225 .
- LAPERRIÈRE R., "À la recherche de la science juridique", em Le droit dans tous ses états, (Ed.
R.D. BUREAU e P. MACKAY), Montréal, Wilson e Lafleur, 1987, pp. 515-526.
- “Méthodologie juridique“, in Dictionnaire encyclopédique de théorie et de sociologie du droit,
p. 373.
- MORIN E., La méthode, Tome 1. La nature de la Nature, Paris , Ed. du Seuil, 1977;
- Regards sur la méthodologie juridique, Cahiers de méthodologie juridique, n.° 5, RRJ, 1990,
4.
- VIRALLY M., “Le phénomène juridique”, RDP 1966, pp. 5-64.

14
PARTE I – O SABER DO DIREITO

O “Saber do Direito” apresenta-se sob várias formas; manifesta-se através de


vários “saberes”40 que é preciso dominar para poder constituir um capital de
conhecimentos e de técnicas que reunidas num conjunto homegéneo constituirão o
“Saber do Direito”.

Quaisquer que sejam as suas tarefas, os juristas são sempre conduzidos a


aplicar, alterar ou modificar o ordenamento jurídico existente. Os juristas devem
conceber e conduzir a sua acção a partir do seu conhecimento do sistema jurídico.

Assim, “A metodologia jurídica deve permitir-lhes determinar o melhor


processo para mobilizar os seus conhecimentos, de outro modo, definir “um processo
racional de exploração dos conhecimentos” jurídicos”41.

Mas, esta operação requere a existência de um pressuposto fundamental sem


o qual o referido processo intelectual não terá nenhum efeito. Esta operação prévia e
necessária é a aquisição do SABER JURÍDICO (CAPÍTULO I).

A própria definição da metodologia jurídica implica, também, o estudo do


SABER-FAZER dos juristas, isto é, os métodos, as técnicas e as habilidades que
reflectem as diferentes facetas do trabalho do jurista na sua vida de
prático/profissional ou de investigador: “a sua maneira de fazer” uma determinada
operação ou um determinado acto (CAPÍTULO II).

Aprender o Direito é, também e ao mesmo tempo, adquirir uma ética. O


jurista ocupa na sociedade um lugar particular devido em grande partes aos valores
que ele reflecte (justiça, poder, etc…). Esta posição específica do jurista como
SABER-SER na sociedade dos homens merecerá um estudo autonomizado
(CAPÍTULO III).

40
Como escreve LOUIS ASSIER-ANDRIEU: “Como teoria, como maneira de considerar as relações
sociais, ele (o Direito) secreta quantidade de saberes apropriados”, Le droit dans les sociétés
humaines, op. cit., p. 5.
41
BERGEL J.L., “Ébauche d’une definition de la méthodologie juridique“, op. cit., p. 709.

15
CAPÍTULO I – O SABER JURÍDICO

O “Saber jurídico“, isto é, o conjunto de conhecimentos jurídicos adquiridos


por uma actividade intelectual, pode ser estudado sob várias perspectivas.

Em primeiro lugar, pode-se interrogar sobre os modos de aquisição do saber


jurídico (SECÇÃO 1); em segundo lugar, pode-se, também, questionar a gestão e o
desenvolvimento deste saber (SECÇÃO 2).

Além disso, a aquisição do saber jurídico é grandemente facilitado por uma


organização do trabalho pessoal racional e eficaz (SECÇÃO 3).

SECÇÃO 1. A AQUISIÇÃO DO SABER JURÍDICO

A aquisição de conhecimentos jurídicos (§2) não significa o afastamento dos


conhecimentos gerais, pelo contrário, o jurista, que tem vocação a actuar
directamente nas relações sociais, deve possuir um bom conhecimento da sociedade
onde ele vai actuar e desenvolver a sua actividade professional (§1).

§1. A aquisição dos conhecimentos gerais

A necessidade de ter uma cultura geral, isto é, a soma dos conhecimentos


adquiridos por um indivíduo através da aprendizagem, da experiência e da prática, é
quase indispensável pelo jurista. O jurista é, ou deve ser, um indivíduo curioso por
natureza. Com efeito, como um prático das relações sociais poderia afastar-se do
conhecimento ou da ecologia dessas relações?

Com efeito, o Direito é uma realidade social42. Ele é uma componente das
actividades humanas eminamente marcada pela cultura e pelas formas de
organização de cada sociedade. De uma certa forma, o Direito é o reflexo de uma
sociedade e, em mesmo tempo, “o projecto de agir sobre esta, um dado básico da
composição social e um meio de canalizar o desenrolamento das relações entre os
indivíduos e os grupos”43. Isto significa que o jurista deve adquirir uma sólida cultura
geral.

Nesta perspectiva, várias actividades podem ser indicadas como a leitura, o


cinéma, a participação às palestras, exposições de arte ou outras, a televisão, etc...
Deste modo, o jurista participa às actividades da “Cidade” como qualquer ser
sociável curioso. Mas isto constitui, também, o reflexo das escolhas intelectuais que
o indivíduo deseja previlegiar na sua vida.

42
ASSIER-ANDRIEU L., Le droit dans les sociétés humaines, op.cit., p. 5.
43
ASSIER-ANDRIEU L., Ibidem

16
Mas, dentro da cultura geral existe um bloco de conhecimentos, que sem
constituir um saber estritamente jurídico pode constituir um conjunto de informações
extremamente importantes pelo jurista que necessitará de um tratamento específico.

São, por exemplo, as informações divulgadas pelos órgãos de comunicação


social relacionadas com o direito. Vários jornais ou semanários económicos da praça
veiculam muitas informações vulgarizadas sobre o direito ou situações ligadas ao
direito (por exemplo em matéria de uso e aproveitamento de terras ou de projectos
de reforma legal em curso no País). O jurista deve estar atento a essas informações,
sobretudo quando ligadas ao seu domínio de actividade profissional 44. Pelo menos
esta actividade permite, de um certo modo, “viver” o funcionamento das instituições
e as figuras e mescanismos jurídicos que foram apresentados durante as aulas.
Desta maneira, as matérias estudadas tornar-se-ão mais concretas e menos
abstractas.

§2. A aquisição do saber jurídico stricto sensu

A aquisição do saber propriamente jurídico implica de se interrogar sobre as


fontes do conhecimento jurídico (A), sobre os espaços onde se pode adquirir esses
conhecimentos (B) e sobre o seu conteúdo (C).

A. As fontes do conhecimento jurídico

Sem pretender ser–se exaustivo, apresentar-se-ão as principais fontes do


conhecimento jurídico: os livros (a), as revistas (b) as coletâneas (c) e o Boletim da
República (d).

a) Os livros

Os livros constituem uma das fontes do saber jurídico mais antigas.


Actualmente, podem ter uma apresentação clássica em papel ou informática, o que
permite para as obras volumosas ou demasiadas técnicas um manuseamento
facilitado.

Dentro dos livros, encontramos os códigos (1), os manuais (2), as


monografias (3), os dicionários jurídicos (4) e as enciclopédias (5) que se destacam
pelas especificidades do seu conteúdo.

1. Os códigos

Nos códigos estão reunidos os diplomas legais que regulam uma matéria. Por
outras palavras, encontra-se a “Lei”, no sentido lato da palavra.

Vários códigos estão em vigor em Moçambique. Os principais são: Código


Civil, Código Penal, Código Comercial, Código de Processo Civil e Código de Processo

44
São nessas situações que o jurista deve preparar e elaborar fichas e dossiers.

17
Penal45. Editores privados ou públicos tomaram a iniciativa de publicar o conteúdo
desses códigos46 ou reunir nos códigos um conjunto de leis regulando uma mesma
matéria47.

É claro que o conteúdo dos códigos é susceptível de mudanças e como não há


edições sistemáticas e regulares destes no país, pode ser difícil de ter a certeza sobre
o direito efectivamente vigente e, pois, recomendado aos utentes dos códigos para
completar a consulta dos códigos pela consulta regular do Boletim da República Série
I para identificar os diplomas que alteraram o conteúdo do código consultado.

Recomenda-se, pelo menos, possuir um Código Civil, desde o início dos


estudos em Direito. Nas matérias onde existem códigos seria, também, útil ter o
respectivo código. De qualquer modo, é preciso tomar o custume de manusear os
códigos para conhecer melhor a sua estrutura, as suas subdivisões e o seu plano
organizacional.

Regra geral, é preciso habituar-se a referenciar sempre o texto original da Lei.


Não se pode apreciar o conteúdo de uma disposição legal através do que é exposto
oralmente por uns ou por outros. É necessário ter um conhecimento de “primeira
mão” do conteúdo do diploma legal em causa. É a aplicação do primeiro princípio do
método cartesioano: "O primeiro consiste em não tomar nenhuma coisa por
verdadeira sem que a conheça evidentemente como tal, quer dizer: em evitar
cuidadosamente a precipitação e a prevenção, e não integrar nada mais nos meus
juízos do que aquilo que se apresenta nítida e distintamente ao meu espírito, que
não tenha ensejo de duvidar dele"48.

2. Os manuais

Regra geral, cada displina jurídica tem os seus manuais. Para se convencer
desta banalidade é suficiente tornar-se utente de uma biblioteca de uma faculdade
de Direito. Os manuais são obras cujos autores apresentam as diversas matérias do
Direito de forma sistemática e didáctica, isto é, com o objectivo de instruir o leitor.

O ideal seria, pelo estudante em Direito, adquirir o manual que corresponde


ao seu programa. Todavia, Moçambique tem uma situação bastante específica,
porque até hoje existem poucos manuais de direito moçambicano em circulação na
praça49. Este balanço faz com que a informação veículada nos manuais à venda ao
público reflete uma imagem de sistemas jurídicos estrangeiros, que podem ser útil
porque muitas vezes de comuna raíz ou numa perspectiva comparatista mas que não

45
Outros como o Código Tributário Autárquico ou o Código do Notariado são já diplomas mais
especializados.
46
Vide, por exemplo, a iniciativa do Ministério da Justiça de reeditar o Código Civil com o patrocínio
do Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD) em 2004.
47
Vide, por exemplo, Código Civil e Legislação Complementar (BACELAR GOUVEIA J., BRASIL DE
BRITO S. e FEIJÃO MASSANGAI A.), Maputo, 2000.
48
Discurso do Método, op. cit., p.25.
49
Vide, por exemplo, CISTAC G. Manual de Direito das Autarquias Locais, Imprensa Universitária,
2001 - 730 páginas.

18
satisfaz plenamente o jurista porque não reflete a ordem jurídica vigente. É preciso
sempre exercer um “controlo” entre a doutrina assim divulgada e o direito vigente,
para se evitar contradições ou mal entendidos.

3. As monografias

Uma monografia é um estudo de um tema particular do Direito; por exemplo,


“O Tribunal Administratif de Moçambique”50. Essas obras são extremamente úteis por
várias razões.

Em primeiro lugar, do ponto de vista do saber jurídico esses estudos fazem o


ponto, de uma forma exaustiva, sobre uma questão ou um tema de direito em
particular e permitem conhecer com pormenores as investigações realizadas pelo
autor e as suas conclusões sobre o referido tema, e assim elas participam no
aprofundamento do conhecimento da realidade jurídica de um determinado sistema
jurídico.

Em segundo lugar, são os aspectos metodológicos que podem ser útil de


consultar: Como o autor definiu o tema a tratar? Como ele tratou do tema? Quais
são as fontes que ele utilizou? Quais são as opções que forma consagradas? Mas o
balanço desta fonte de saber é comparável à aquela das monografias: existem
poucas monografias jurídicas no mercado mozambicano.

4. Os dicionários jurídicos

Os dicionários jurídicos são destinados a dar a definição dos termos ou


expressões da linguagem jurídica. Regra geral, as palavras são classificadas por
ordem alfabética. O lugar que ocupa a terminologia jurídica na metodologia jurídica
necessita de uma consulta regular de dicionários jurídicos. É mesmo desejável que os
estudantes em direito possuem, a título pessoal, um dicionário jurídico que será útil
para todas as disciplinas jurídicas.

Dentro dos dicionários jurídicos disponíveis no mercado, pode-se aconselhar:

- Ana PRATA, Dicionário Jurídico, Livraria Almedina Coimbra;


- João MELO FRANCO, Dicionário de Conceitos e Princípios Jurídicos, Almedina
Coimbra;
- Raymond GUILLIEN e Gabriel MONTAGNIER, Lexique de termes juridiques,
Paris, Dalloz;
- CAPITANT (Association Henri), Vocabulaire juridique, 7.ª. ed., Paris, PUF,
2005;
- Henry CAMBELL, BLACK, M.A., Law Dictionary, West Publishing co.;
- Maria PAULa GOUVEIA ANDRADE, Dicionário Jurídico Inglês-Português;

5. As enciclopédias

50
CISTAC G., O Tribunal Administrativo de Moçambique, Maputo, Ed. Faculdade de Direito da
Universidade Eduardo Mondlane, 1997 – 260 páginas.

19
As enciclopédias designam, geralmente, volumosas obras colectivas que
abrangem o essencial do Direito Positivo. Regra geral, as rúbricas, escritas por
diferentes autores, estão classificadas por ordem alfabética.

Moçambique não tem ainda uma enciclopédia que corresponda às


características acima referidas no âmbito do Direito. A alternativa é utilisar
enciclopédias estrangeiras. Nesta perspectiva, a “POLIS” – Enciclopédia VERBO da
Sociedade e do Estado contem várias contribuições relacinadas ao Direito (por
exemplo: “Assento”, “Cheque”, “Código de processo Penal” ou “Contrato de
Trabalho”). O seu uso é particularmente recomendado aos estudantes, porque a
informação encontrada é clara, completa e de fácil acesso.

b) As revistas

As revistas jurídicas constituem fontes privilegiadas dos conhecimentos


jurídicos. É nas revistas jurídicas que a doutrina apresenta os desenvolvimentos mais
recentes da investigação científica sobre um tema de direito em particular, e
contribuem assim ao seu próprio crescimento e fortalecimento. A sua importância é
considerável porque as revistas jurídicas participam a propria reputação de uma
escola de direito e constitui um meio privilegiado de troca de ideiais entre centros de
investigação científica.

Até hoje, existe apenas uma revista jurídica moçambicana: a “Revista Jurídica”
editada pela Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane.

Esta revista é de extrema importância, porque é o único instrumento que


permite veicular o pensamento jurídico dos juristas/investigadores nacionais. Cada
número contem vários trabalhos da doutrina nacional ou estrangeira sobre temas ou
questões de actualidade.

Além disso, a “Revista Jurídica” contém uma “Notícias Bibliográficas da


Biblioteca da Faculdade de Direito” que informa aos leitores da revista sobre todas as
obras que foram registadas no ano em curso na Biblioteca da Faculdade de Direito e
a publicação da rúbrica “Documentos” integra a publicação de textos relevantes para
o estudo do Direito positivo vigente no País. A última rúbrica da revista está
consagrada à “Vida da Faculdade de Direito” onde a Direcção da Faculdade de
Direito apresenta o balanço académico do ano findo na Faculdade.

c) As coletâneas

As coletâneas constituem instrumentos práticos úteis. Elas apresentam-se na


forma de um agrupamento sistematizado de informações jurídicas que têm por
objectivo facilitar o acesso à mesma. Em direito existe, principalmente dois tipos de
coletâneas.

As coletâneas de legislação que integram um conjunto de diplomas legais


relacionados com uma matéria; por exemplo, um coletânea de legislação relacionada

20
às autarquias locais ou ao meio ambiente 51 e as coletâneas de jurisprudência que
têm por finalidade sistematizar as decisões das jurisdições para dar a conhecer o seu
conteúdo. Geralmente, essas coletâneas têm vários índices para facilitar a pesquisa.
Se existe algumas coletâneas de legislação no mercado moçambicano 52, existe
apenas uma coletânea de jurisprudência em Moçambique53.

d) O Boletim da República

O estudante em direito deve se familiarizar desde o primeiro ano com o


Boletim da República. É uma publicação que traz uma informação oficial ao público
sobre a quase-totalidade da legislação moçambicana e assegura a publicidade de
vários tipos de informações. Além do aspecto meramente informativo, a Constituição
da República impõe a publicação de alguns actos ou decisões praticados por alguns
órgãos do Estado sob pena de ineficácia jurídica (Artigo 144 da Constituição da
República).

O Boletim da República está dividido em 3 Série.

Na Primeira Série são publicados os actos normativos e individuais aprovados


pelos “órgãos centrais” do Estado (Leis, Decretos-Leis, Decretos, Diploma Ministerial,
Despachos, Comunicados).

Na Segunda Série são publicados vários actos aprovados por órgãos das
administrações do Estado ou com personalidade jurídica distinta (despachos, actos
aprovados pelo Conselho Universitário da Universidade Eduardo Mondlane,
deliberações da Ordem dos Advogados de Moçambique, etc.).

Na Terceira Série são publicados os anúncios judiciais e outros (pacto social


de sociedades comerciais, estatutos de associações).

B. Os espaços do conhecimento jurídico

Alguns espaços do conhecimento jurídico são comums a todos os juristas (a)


outros são mais personalizados (b).

a) Os espaços comums

Existe um conjunto de espaços que constituem lugares onde os juristas,


qualquer que seja a sua actividade profissional ou investigativa, podem ter acesso.
Trata-se mais particularmente das bibliotecas (1), dos centros de informação jurídica
(2), dos arquivos (3) e dos sítios internet (4).

51
Vide, por exemplo, WATY T.A., Autarquias locais : legislação fundamental, Maputo, W & Q editora,
1999; SERRA C., Colectânea de Legislação do Ambiente, Centro de Formação Jurídica e Judiciária,
Dezembro de 2003; Legislação de Terras, Editor, MozLegal Lda, 2004.
52
Vide, por exemplo, WATY T.A., Código do Imposto sobre o rendimento e legislação complementar ,
Maputo, W & W editora, 2001 ; VASQUEZ S., Legislação Económica de Moçambique, Lisboa, 1996.
53
Vide, CISTAC G., Jurisprudência Administrativa de Moçambique, Volume I (1994-1999), Maputo, Ed.
Tribunal Administrativo – 2003 - 900 páginas.

21
1. As bibliotecas

Regra geral, as bibiotecas são edifícios onde estão classicados livros para
consulta54. As bibliotecas jurídicas constituem, pela maior parte dos juristas,
instrumentos indispensáveis da acquisição do saber jurídico. As bibliotecas devem
tornar-se um lugar usual e habitual dos juristas. É de realçar a classificação
sistemática realizada pelo Fundo Bibliográfico de Língua Portuguesa dos arquivos,
bibliotecas e centros de documentação e informação existentes em Moçambique55.

Quais são as principais bibliotecas jurídicas da praça (1.1); como utilizá-las


(1.2).

1.1. As principais bibliotecas jurídicas

Existe duas categorias de bibliotecas jurídicas. As primeiras são espaços


exclusivamente dedicados ao saber e a pesquisa jurídicos como, por exemplo, as
bibliotecas das Faculdades de Direito pública ou privadas (exemplo: Biblioteca do
Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane 56, Instituto Superior de
Relações Internacionais (ISRI)57); outras são bibliotecas "generalistas" que fornecem
um acesso ao saber geral mas que tem fundos dedicados ao Direito como, por
exemplo a Biblioteca Nacional de Moçambique58 ou Biblioteca da Assembleia da
República59.

1.2. Como utilizar as bibliotecas

É desejável conhecer o funcionamento das bibliotecas antes de iniciar


qualquer pesquisa. É preciso conhecer os modos de classificação das obras, das
revistas, dos códigos, das enciclopédias, etc... É necessário dominar os modos de
organização dos ficheiros que permitem procurar as obras registadas. Muitas das
vezes, existe duas classificações: uma por apelidos dos autores e outra por matéria.

2. Os centros de informação jurídica

54
A "biblioteca" é o "organismo ou parte de um organismo cujo objectivo principal é de criar
colecções organizadas de livros e de publicações seriadas ou quaisquer outros documentos
audiovisuais ou gráficos, mantê-los e facilitar, graças à existência de pessoal especializado, a
utilização de documentos que respondem às necessidades de informação, investigação, de educação
ou recreativas dos utilizadores", Fundo Bibliográfico de Língua Portuguesa, Directório dos arquivos,
bibliotecas e centros de documentação e informação existentes em Moçambique , Maputo, 2003, p.
12.
55
Fundo Bibliográfico de Língua Portuguesa, Directório dos arquivos, bibliotecas e centros de
documentação e informação existentes em Moçambique , Maputo, 2003.
56
Endereço: Avenida Kenneth Kaunda, n.° 960 - Caixa Postal 257 Tel.: 21 488883 ext: 203 Fax: 21
494630 lrbenzane@yahoo.com.br
57
Endereço: Avenida Ahmed Sékou Touté, n.° 21, 3° andar, flat 35 – Maputo Tel.: 21 494494 Fax: 21
491506
58
Endereço: Avenida 25 de Setembro, n.° 1348 – Caixa Postal 141 – Maputo. Tel.: 21 311905/6 Fax:
21 304040 E-mail: biblina@teledata.mz
59
Endereço: Avenida 24 de Julho, n.° 3773, r/c – Caixa Postal 1516 – Maputo Tel.: 21 400835;
400833 E-mail: armoz@sortmoz.com

22
As bibliotecas pressupõem um acesso público dos utentes o que constitui a
sua razão de ser: trazer o conhecimento e a informação para todos. Além desses
espaços de conhecimento jurídico universal e público existe outros espaços de
conhecimentos jurídicos mais restrito. Servem fundamentalmente e principalmente
como fonte de informação para uma instituição em particular (tribunais, ministérios,
bancos, etc...). Assim, a informação jurídica acumulada nesses organismos é
especializada e tem uma finalidade utilitária: constituir meio de informação à
disposição dos serviços da instituição onde estão localizados60. Todavia, pessoas que
não pertencem à instituição (por exemplos: estudantes ou docentes universitários)
podem ter acesso aos recursos informativos desses organismos com a autorização
expressa dos órgãos competentes da instituição.

Os principais centro de recursos informativos em matéria jurídica são os


seguintes:

- Centro de documentação do Tribunal Supremo61;

- Centro de documentação do Tribunal Administrativo62;

- Centro de Documentação da Procuradoria Geral da República63;

- Centro de Documentação do Ministério da Administração Estatal 64;

- Centro de Documentação do Banco de Moçambique65.

3. Os arquivos

Tecnicamente, os arquivos não se distanciam muito das bibliotecas. Assim, o


arquivo como a biblioteca é "o conjunto documental dispondo de uma sala própria e
de uma trabalhador com a responsabilidade de zelar por esse fundo"66.

60
Como estabelece o Directório dos arquivos, bibliotecas e centros de documentação e informação
existentes em Moçambique, o Centro de Documentação é um "organismo que assume as funções de
reunião de um conjunto de documentos para fins específicos e de tratar e difundir a informação neles
contida, a diversos níveis", op. cit., p. 12.
61
Endereço: Avenida Vladimir Lenine n.° 103 – Caixa Postal: 278 – Maputo. Tel.: 21 321037 – ext:
235.
62
Endereço: Avenida Mateus Sanssão Muthemba, n.° 65 - Caixa Postal 254 – Maputo. Tel: 21
490170/1 – ext: 314 E-mail: sousa_massingue@yahoo.com.br
63
Endereço: Avenida Julius Nyerere, n.° 15 – Caixa Postal 282 – Maputo Tel.: 21 491011 E-mail:
avantina@pgrmoz.com
64
Centro de Estudos de Documentação e Formação de Moçambique (CEDIMO). Endereço: Rua da
Rádio Moçambique, n.° 112 – Caixo Postal – 4116 – Maputo. Tel.: 21 325982 Fax: 21 427574. E-mail:
Lourenço.chipenende@mae.gov.mz
65
Endereço: Avenida 25 de Setembro, n.° 1695, 1° andar – Caixo Postal 423 – Maputo. Tel.: 21
422014 Fax: 21 426704 E-mail: pam@bancomoc.mz Página Internet: http://www.bancomoc.mz
66
Fundo Bibliográfico de Língua Portuguesa, Directório dos arquivos, bibliotecas e centros de
documentação e informação existentes em Moçambique , op. cit., p. 12.

23
Existe vários tipos de "arquivos": privado, público, técnico67 ou geral. No que
concerne a realização de investigação no âmbito do Direito aconselha-se, como
ponto de partida, a consulta do Arquivo Histórico de Moçambique (AHM)68 que
integra uma biblioteca multisectorial. Este arquivo serve, ao mesmo tempo à
comunidade e aos investigadores e historiadores oriundos de vários campos
científicos.

4. Novas tecnologias e Sítios Internet

O desenvolvimento da tecnologia informática atingiu o Direito e permite o


acesso à uma informação jurídica considerável bem como a realização de pesquisas
com uma excepcional rapidez69. De facto, o tratamento da informação através de
meios informáticos tornou-se uma verdadeira necessidade. Com efeito, a
documentação jurídica conhece um desenvolvimento intenso e o jurista deve
enfrentar os problemas inerentes a este crescimento que não parece ter encontrado
um limite.

Nessas condições, os meios informáticos tornam-se uma necessidade porque


um jurista não pode humanamente acompanhar toda produção jurídica. Além disso,
a técnica informatica permite a armazenagem de milhares de documentos num
espaço muito reduzido o que tem consequências positivas em termo de tempo e de
transporte da informação.

Um dos meios informáticos existente no mercado que constitui um


instrumento extremamente útil para o jurista é o banco de dados jurídico. O Banco
de dados jurídicos "é um banco no qual são reagrupados textos, segundo diferentes
métodos, de jurisprudência, de doutrina, de leis e regulamentos ... e ofrecidos ao
práticos ou ao estudante que procura, por diversos meios, o que deseja consultar,
podendo mesmo imprimi-ló para conservar um exemplar sobre papel"70.

Regra geral, existe no mundo vários produtos em termos de bancos de


dados71. Todavia, no caso de Moçambique, são principalmente os CD-ROM jurídicos
que constituem os bancos de dados mais utilizados. PANDORA

Internet72 deveria mudar profundamente os métodos do ensino do Direito;


como refere um autor: "This is likely to provide the backbone of delivery of legal
information in the future and, in so doing, will break the connection between the
physical locale and the virtual presence of any law school. Teaching in law in the
future must assume a distributed network, will be Web-based to a significant degree,

67
Vide, por exemplo, arquivo técnico de Águas de Moçambique ou arquivo técnico as Alfândegas de
Maputo.
68
Endereço: Avenida Filipe Samuel Magaia, n.° 715, r/c – Caixa Postal 2033 – Maputo. Tel.: 21
421177/8 Fax: 21 423428 E-mail: jneves@zebra.uem.mz
69
Vide, sobre a informática jurídica, PANSIER F.J., Méthodologie du droit, Paris, Ed. Litec, 2002, n.°
267 e seguintes.
70
PANSIER F.J., op. cit., n.° 316.
71
Vide, por exemplo en França, JURIS-DATA e LEXIS.
72
PANSIER F.J., op. cit., n.° 357 e seguintes.

24
and will inevitably involve some diminution of physical presence of students. Hence,
students will not be required to be physically present at the law school for the
extendend periods which we currently expect. Though it is likely that some
attendance will always be desirable the amount will always be desirable, the amount
will surely fall"73. Esta situação é já uma realidade em Australia e na Europa74.

Existe uma multidão de sítios Internet consagrados à matéria do Direito. Na


realidade, a maior parte dos países do mundo propõe sítios jurídicos sobre Internet o
que demonstra o interesse crescente dos Estados para esta nova tecnologia.

Além dos sítes gerais ou globais como www.google.com, www.yahoo.com ou


www.altavista.com existe vários sítes especializados na pesquisa jurídica.

 Língua portuguesa

http://www.govmoz.gov.mz/index.htm

http://www.verbojuridico.net

http://www.dji.com.br

http://www.unimep.br/fd/ppgd/cadernosdedireitov11/00_Capa4.html

http://www.ambito-juridico.com.br

http://www.jus.com.br/doutrina/

http://conjur.uol.com.br

 Língua francesa

http://www.precisement.org/internet_jur/droit_fr_revues.htm

http://www.laportedudroit.com

http://www.justiceintheworld.org

http://www.droit.umontreal.ca

 Língua inglesa

http://www.journal.law.mcgill.ca

http://www1.umn.edu/twincities/index.php

73
HUNTER D., "Legal Teaching And Learning Over The Web", University of Technology, Sidney – Law
Review, em http://www.austlii.edu.au/au/journals/UTSLR/2000/8.html
74
HUNTER D., op. cit.

25
http://www.hg.org/index.html

http://www.loc.gov/law/public/law.html

http://www.loc.gov/law/guide/mozambique.html

http://jurist.law.pitt.edu/world/mozambique.htm

http://www.law.du.edu/naturalresources/Individual%20Countries/Moza
mbique.htm

http://www.austlii.edu.au/

http://www.stanford.eu

b) Os espaços específicos: aulas e trabalhos práticos

Dois espaços em particular permitem adquirir um conhecimento direccionado


e específico: as aulas (1) e os trabalhos práticos (2).

1. As aulas

O estudante deve adoptar um comportamento proveitoso das aulas (1.1) o


que deveria facilitar o entendimento do seu conteúdo (1.2).

1.1. Nas aulas

A assistência às aulas é necessária (1.1.1). A aquisição de técnicas específicas


permite rentabilizar a assistência às aulas (1.1.2).

1.1.1. A assistência às aulas

A aquisição dos conhecimentos básicos faz-se fundamentalmente nas aulas


mesmo se o estudante tem um manual que incida sobre a disciplinada jurídica
ministrada, o rendimento, em termos de aquisição de conhecimentos é mais elevado
nas aulas, do que aprender exclusivamente a matéria com a ajuda de um manual.

A aula não deve ser percebida como simples horas destinadas a copiar
mecanicamente a informação transmitida pelo docente, pelo contrário, a aula é um
espaço dinámico de trocas de informação. Existe uma relação circular entre o
docente e a turma. A turma contribui na realização de uma boa aula. Em particular o
docente é atento às suas reacções e deve sempre verificar que existe uma certa
“densidade” entre ele e a turma capaz de favorecer o circuito da informação.

Uma aula não tem a mesma tensão positiva em termos de transmissão da


informação do princípio até o fim. Existem momentos de cansaço e de lassidão e é
tudo uma arte do docente para sempre manter uma certa capacidade de transmissão

26
da informação organizando momento de repouso no caso em que a turma manifesta
momentos de cansaço (por exemplo: dar um exemplo ou relatar uma experiência
prática em relação com o tema desenvolvido) e aproveitando a boa disposição da
turma para desenvolver a parte mais técnica ou mais complexa da sua aula.

A assistência nas aulas é obrigatória por várias razões.

Em primeiro lugar, a assistência é obrigatória, mesmo pelos repetentes,


porque a assistência nas aulas permite conhecer as actualizações da disciplina ou as
modificações da estrutura do curso. O curso é vivo e integra todas as alterações do
Direito Positivo que o docente considera relevante no que diz respeito a sua
disciplina. Como conhecer esses dados se o estudante não participa às aulas?

A assistência nas aulas é também obrigatória no que concerne a própria


exposição do Direito positivo moçambicano. Como vou conhecer o direito existente
em Moçambique se não vou às aulas? Assim, neste caso pode-se verificar a
imperfeição da opção, pela exclusividade em estudar com a ajuda de um manual
estrangeiro.

Em segundo lugar, a forma da exposição oral, que é o própria da docência,


facilita a compreensão da matéria e por conseguinte contribui a sua assimilação.
Com efeito, a exposição oral como discurso irrigado de exemplos torna-se a matéria
mais compreensível do que um manual ou do conjunto das fotocópias do seu colega
da turma.

Em terceiro lugar, a assistência é recomendada porque a assistência nas aulas


permite ao estudante fazer perguntas sobre as dúvidas que ele tem em relação com
alguns conceitos, definições ou demonstrações apresentadas e desenvolvidas na
aula. Assim, pode-se organizar uma relação interactiva parcelar no quadro da aula
que permitirá não só ao estudante autor da pergunta de ter imediatamente a
resposta a sua dúvida mas támbem beneficiará aos outros estudantes quer,
esclarecendo dúvidas, quer suscitando dúvidas!

Finalmente, a assistência nas aulas permite utilizar o conjunto dos seus meios
de memorização.

Com efeito, existem principalmente três meios de memorização: visual,


auditivo e a própria tomada de notas. Na aula o estudante pode ver o docente, o
quadro no qual ele pode escrever ou desenhar alguns gráficos e assim memorizar
visualmente algumas sequências da aula como a assistência a um filme no cinema;
na aula o estudante pode ouvir o docente e memorizar auditivamente algumas
sequências da sua exposição e finalmente, na aula o estudante vai escrever e,
escrevendo, o estudante vai pelo menos memorizar uma parte daquilo que
transcrever75. Escolher não assistir às aulas é perder um meio de memorização útil e
proveitoso. Assistir às aulas é uma ocasião de participar num ambiente específico
susceptível de contribuir na aprendizagem da matéria e na constituição das relações

75
MAZEAUD H. e MAZEAUD D., Méthodes de travail, Ed., Montchrestien, EJA, 1996, p. 35.

27
de trabalho com outros estudantes que serão muito úteis durante a fase de
assimilação da matéria76.

1.1.2. A tomada de notas

A tomada de notas não é um exercício que deve ser negligenciado. A natureza


do suporte e da sua arrumação vão facilitar o acesso à informação (1.1.2.1.). A
selecção da informação a notar é um imperativo (1.1.2.2.).

1.1.2.1. O suporte

O que é que vou utilizar para escrever? Um caderno ou folhas? O estudante é


livre de escolher o seu suporte. Ambos têm vantagens e inconvenientes. Pode-se
perder folhas mas o uso das folhas permite mais flexibilidade. O caderno é mais
seguro mas dificilmente permite intercalar documentos ou acréscimos. Em todos os
casos, o estudante deve fazer o esforço de escrever legivelmente e de forma limpa.
É importante deixar uma margem do lado esquerdo da folha que terá várias funções
nomeadamente, redigir um resumo da aula, a notar investigações de origem pessoal,
a notar questões a colocar ao docente, outras definições oriundas de manuais, etc...
Durante a fase da assimilação da matéria e a sua revisão durante os testes e
examens, o conteúdo das informações assim mencionadas serão extremamente úteis
para facilitar a assimilação da matéria.

Em cada matéria tudo deve ser cuidadosamente arrumado e classificado; é


esta classificação que vai permitir a materialização do plano da disciplina jurídica.
Regra geral, é melhor autonomisar cada subdivisão. Por exemplo, cada uma das
PRINCIPAIS PARTES do Curso será arrumada numa pasta. Dentro desta pasta, cada
CAPÍTULO será arrumado numa outra pasta. É importante identificar cada pasta com
o seu título e o seu posicionamento em relação à parte principal. Este modo de
sistematização permite aprender o plano sem grande esforço.

1.1.2.2. O que anotar?

Querer anotar tudo prejudica muitas vezes a compreensão do fundo da


matéria77. É preciso partir de um princípio simples: tomando em conta, o facto de
que será impossível fisicamente anotar tudo o que foi ministrado na aula, é preciso
fazer escolhas pertinentes da matéria que será anotada. A dificuldade é que ao
mesmo tempo que o estudante ouve e escreve, ele deve selecionar a matéria que
será anotada, isto é, medir no discurso do docente o que é essencial. Isto pode
parecer difícil no início da aprendizagem do Direito, mas rapidamente o estudante vai
adquirir um saber fazer nesta matéria e a selecção da matéria será realizada com
uma certa automaticidade. Nesta operação, o dodente tem, um papel importante
para guiar o estudante. O estudante deverá estar atento ao ritmo do dircurso do
docente. Regra geral, quando o docente quer inistir sobre uma definição ou un
raciocínio ou uma demonstração, a velocidade do seu decurso será reduzida e o seu

76
Vide infra 1.2.
77
DEFRÉNOIS-SOULEAU I., Je veux réussir mon droit, op. cit., p. 23.

28
estílo será profundamente articulado para fazer perceber ao estudante que esta
parte do discurso é importante e, de facto, permitir ao estudante anotar a
integralidade do raciocínio. Caso o decurso for veloze, por exemplo, na exposição de
vários exemplos relacionados com o mesmo tema, o estudante deverá apenas anotar
um exemplo que ilustra, melhor a figura jurídica tratada na aula.

Os apontamentos devem formar um tudo coerente78. Todas as ideias


essenciais devem ser anotadas bem como todas as fases de um raciocínio importante
pela demonstração.

Quando o docente, na sequência da sua demonstração, cita algumas


referências bibliográficas (manuais, artigos de doutrina, acórdãos, etc...) é
importante de anotar escrupulosamente essas referências. Essas referências
permitirão enriquecer o conjunto dos seus apontamentos e permitirão, também,
entender melhor o raciocínio do docente bem como a sua fundamentação.

Regra geral, o estudante não deve tentar transcrever o conteúdo dos artigos
dos códigos que serão citados. O essencial é anotar a referência completa do artigo,
ele encontrará o texto da referência no respectivo código.

Nesta fase da tomada de notas, o estudante pode utilizar abreviaturas;


técnicas muito utilizadas pelos juristas.

78
MAZEAUD H. e MAZEAUD D., Méthodes de travail, op. cit., p. 24 e seguintes.

29
EXEMPLOS DE ABREVIATURAS

Código Civil..........................................................................................................C.civ.
Código comercial .............................................................................................C. com.
Código Penal .....................................................................................................C. pen.
Código de Processo Penal ...........................................................................C. pr. pen.
Código de Processo Civil ..............................................................................C. pr. civ.
Lei ...............................................................................................................................L.
Artigo.........................................................................................................................art.
(exemplo: artigo 279 do Código Civil : art. 279 C. civ.)
Jurisprudênica ..........................................................................................................jur.
Direito..........................................................................................................................dir.
Tribunal Administrativo ...............................................................................................TA
Tribunal Supremo .......................................................................................................TS
Conselho Constitucional ............................................................................................CC
Assembleia da República ..........................................................................................AR
Revista Jurídica da Faculdade de Direito .......................................... Rev. Jur. da Fdir.

1.2. Aprender o curso

Para aprender (1.2.2.) é preciso previamente entender (1.2.1.).

1.2.1. Entender

O que significa entender? Entender significa “ter ideia clara de”79. Por outras
palavras “Entender” as aulas é ter uma ideia clara sobre o conteúdo das mesmas.

Uma demonstração, uma regra ou um raciocínio é assimilado com facilidade


se previamente o estudante entende a sua lógica e a sua razão de ser 80. Por outras
palavras, não vale a pena tentar aprender a regra ou o raciocínio antes de ter tudo
percebido da referida regra ou do referido raciocínio. Um bom entendimento da
substância das aulas contribui, sem dúvida, para um melhora assimilação da matéria
divulgada.

Para concretizar esta norma várias técnicas são possíveis e podem ser
movimentadas.

Em primeiro lugar, caso em que existirem dúvidas, o estudante pode dirigir-se


ao docente e pedir-lhe os esclarecimentos necessários. É o método mais directo para
solucionar as dúvidas que podem surgir em relação ao contéudo do fluxo de
informações dado pelo docente.

79
Dicionário da Língua Portuguesa, Ed. Porto Editora, 8.ª. ed., 1999, vide, Entender
80
DEFRÉNOIS-SOULEAU I., Je veux réussir mon droit, op. cit., p. 11 e seguintes.

30
Os esclarecimentos podem ser pedidos durante as aulas, depois das aulas ou
na ocasião das sessões de trabalhos práticos.

Em segundo lugar, o debate entre estudantes pode ser extremamente útil


para confrontar ideias e esclarecer dúvidas. Assim, o trabalho em grupo permite
partilhar as dúvidas de cada um dos membros e, em comum, procurar soluçőes as
dúvidas identificadas ou inventoriar as zonas de incerteza que serão apresentadas ao
docente na aula seguinte ou na sessão de trabalhos práticos.

Em terceiro lugar, o estudante pode investigar a fonte de dúvidas com a ajuda


ou o apoio dos instrumentos de acesso ao saber jurídico consoante a natureza da
dúvida em causa e do nível académico do estudante. Assim, o estudante poderá
consultar obras jurídicas gerais (por exemplo, manuais básicos da disciplina) ou
específicas (por exemplo: monografias especializadas ou estudos publicados numa
revista jurídica especializada).

1.2.2. O processo de aprendizagem

A aquisição dos conhecimentos jurídicos, no seu conjunto, necessita de um


método racional de aprendizagem (1.2.2.1.). Todavia, o direito tem a sua linguagem
e a aprendizagem, ele induz, também, o domínio do seu vocabulário (1.2.2.2.).

1.2.2.1. Método geral para aprender

Regularidade no processo de aquisição dos conhecimentos. É


importante trabalhar, consultar o conteúdo da aula no próprio dia da sua tomada.
Isto permite, lendo, apoiando-se sobre a sua memória, verificar se a compreensão
do conteúdo é total, e se não for, providenciar todos mecanismos já desenvolvidos
anteriormente81 para chegar a uma situação de perfeita compreensão do curso. As
notas tomadas nas aulas e devidamente organizadas devem ser aprendidas
regularmente. É um aspecto fundamental da aprendizagem. Com efeito, é impossível
acreditar que uma disciplina será perfeitamente assimilada em algumas horas de
leitura ou em alguns dias. A informação é tão densa que o próprio esforço de
memorização e assimilação, não permite, num breve período de tempo, dominar o
contéudo da matéria a aprender. A regularidade no estudo da matéria é, com
certeza, um elemento preponderante do sucesso no estudo do Direito. Além disso, é
preciso aproveitar as feiras para verificar se o estudo de cada disciplina esta
actualizado e corrigir se existem alguns atrazos em algumas delas.

Resumir e realizar fichas82. Aproveitando-se dessa leitura atenta dos


apontamentos, será útil realizar um resumo detalhado do que foi ministrado na aula
e redigir este resumo no fim de cada série de notas de preferência na margem
prevista a este efeito. Com efeito, apenas pode-se aprender fazendo resumos e
fichas que contribuem à memorização dos conhecimentos.

81
Vide, supra 1.2.1. Entender
82
Vide SECÇÃO 2 infra.

31
Aprender o plano. É fundamental aprender o plano do curso por várias
razões83. Em primeiro lugar, permite melhor distinguir onde vai o docente e guiar o
estudante no programa estabelecido no princípio do ano lectivo. Em segundo lugar,
isto permite situar qualquer questão no conjunto da matéria. Na altura das
avaliações, na ocasião dos testes ou dos exames, o primeiro reflexo do estudante
será de identificar a informação útil para responder às questões colocadas. Esta
operação será facilitada a partir do momento em que o estudante conseguirá situar
no plano da disciplina as referidas questões. Com efeito, na fase das revisões ou
para responder a qualquer pergunta é preciso fazer um esforço de rememorização
dos conhecimentos adquiridos, e é possível atingir facilmente este objectivo se o
plano tiver sido bem assimilado. O cérebro funciona por associação de ideiais e
tenterá relacionar o tema ou a questão a tratar com um espaço onde se pode
conseguir identificar uma informação relacionada com ele ou ela.

Conjugar o estudo do conteúdo das aulas com um ou mais manuais .


Nesta fase de estudo da matéria, é importante conjugar o estudo da matéria com os
desenvolvimentos de um manual indicado pelo docente. O facto de perceber que
uma mesma questão ou um mesmo problema pode ser tratado de diferentes formas
permite melhorar a análise do estudante e contribui directamente para a operação
de memorização. Todavia, é preciso estar consciente de que nas disciplinas onde não
existe nenhum manual de Direito Moçambicano, que trata de uma forma substancial
a disciplina, o estudante deve estar atento no que diz respeito ao manuseamento dos
manuais estrangeiros susceptíveis de difundir conceitos completamente distintos do
direito vigente. Mesmo assim, os respectivos manuais têm um valor pedagógico
indispensável do ponto de vista do Direito Comparado e merecem, pelo menos por
esta razão, de serem consultados.

Solicitar todos os meios e técnicas de memorização. Nesta fase de


trabalho de compreensão/assimilação todos os meios de memorização devem ser
solicitados e mobilizados. Viu-se anteriormente84 que, o estudante possui uma
memoria auditiva e uma memoria visual que lhe permite adquirir uma parte das
informações difundidas durante as aulas. Nesta fase de estudo da matéria, é preciso
solicitar esses respectivos meios de memorização com vista a aprender o conteúdo
do ensino ministrado.

Em primeiro lugar, a memoria auditiva será solicitada para ouvir interiormente


a informação que foi difundida pelo docente. A associação da memoria auditiva e das
notas escritas permite a verificação de uma certa dinâmica circular entre a escrita e a
memoria auditiva no sentido de que a escrita possa ser o ponto de partida de uma
“recordação auditiva”. Assim, na fase de melhoramento e de aprofundamento dos
apontamentos, o estudante poderá aproveitar-se da sua memoria auditiva para
melhorar o conteúdo das suas notas introduzindo na margem do seu suporte as
recordações úteis para a assimilação do curso.

83
DEFRÉNOIS-SOULEAU I., Je veux réussir mon droit, op. cit., p. 12 e seguintes.
84
Vide, supra a) do A ; do §1.

32
Em segundo lugar, a memoria visual deve também ser aproveitada. Por
exemplo, se pode sublinhar com cores as partes, os títulos, os sub-títulos, os
parágrafos e as passagens importantes das notas com o objectivo de atrair a
atenção do leitor.

Existem também técnicas para avaliar a sua memoria visual como “fotografar”
visualmente o contéudo de uma página com notas e depois tentar escrever numa
outra fólia o que foi “fotografado” e comparar no sentido de verificar se todos os
elementos importantes, em termos de contéudo, foram assimilados.

Aprendizagem sistemática. Finalmente, é necessário aprender de forma


sistemática o conteúdo do curso; repetir o seu conteúdo até dominá-lo
perfeitamente. Este esforço de compreensão e de memorização depende de cada
estudante. Um estudante pode assimilar o contéudo dos seus apontamentos lendo
duas vezes, enquanto que para um outro estudante será necessário ler e repetir
sete, oito ou dez vezes. O importante em ambos os casos, é que o conteúdo do
curso seja assimilado.

1.2.2.2. A linguagem jurídica

A linguagem jurídica não tem boa reputação. Esta linguagem aparece como
complexa e incompreensível ao cidadão comum. É só pensar na situação do
estudante do primeiro ano da Faculdade de Direito confrontado, pela primeira vez,
com os conceitos de “Direito positivo” e “Direito natural”. Será que existe um “Direito
artificial”? Será que existe um “Direito negativo”?

O Direito em sí, dirige-se potencialmente a todos os cidadãos e, logicamente,


deveria identificar-se com a linguagem corrente85. Mas deve também ser mais
precisa e não escapar às exigências técnicas dos conceitos, dos mecanismos, das
prescrições e dos raciocínios jurídicos86. Com efeito, no mundo do direito é a
precisão das regras que constitui uma garantia de segurança e as palavras são os
agentes indispensáveis da expressão dos conceitos e das regras jurídicas 87. Assim, a
linguagem jurídica torna-se um instrumento necessário de comunicação das noções,
das normas e dos raciocínios jurídicos. “Como toda a ciência”, escreve JEAN-LOUIS
BERGEL, “o direito tem os seus métodos, os seus princípios e os seus conceitos. Por
conseguinte, ele não pode dispensar uma linguagem apropriada”88.

A linguagem do direito, cujas características mais salientes são a polissemia e


a fraseologia89, tira as suas particularidades da especificidade das mensagens
transmitidas aos seus destinatários, o que implica, ao mesmo tempo, palavras e
enunciados que lhe são próprios, como o são os seus conceitos e os seus métodos,

85
Vide, sobre as características da tradição jurídica occidental (a "ratio scripta"), ASSIER-ANDRIEU L.,
Le droit dans les sociétés humaines, op. cit., pp. 46-47.
86
BERGEL J.L., Teoria Geral do Direito, Martins Fontes, São Paulo, 2001, n.º 208.
87
SCHMIDT C., "La langue juridique: maux et remèdes", em http://www.uni-
trier.de/uni/fb5/ffa/lehrmaterialien.htm
88
BERGEL J.L., op. cit., n.º 208.
89
SOURIOUX J.L., "Pour l'apprentissage du langage du droit", in RTD civ. (2) avr-juin 1979, pp. 344.

33
Assim, dois tópicos permitem ordenar de forma racional as questões
relacionadas com a linguagem jurídica: o da terminologia jurídica (1.2.2.2.1.) e o da
fraseologia jurídica (1.2.2.2.2).

Os textos legislativos e regulamentares, as decisões judiciais, os documentos


contratuais estão repletos de termos e de expressões herméticas para o profano,
mas cujo sentido jurídico é bem determinado e que os juristas não podem dispensar.
Assim, coloca-se a questão da aprendizagem da linguagem jurídica (1.2.2.2.3).

1.2.2.2.1. A terminologia jurídica

A terminologia é o conjunto dos termos técnicos usados numa ciência ou


arte90, consequentemente, a terminologia jurídica é o conjunto dos termos usados na
ciência jurídica.

A necessidade de uma terminologia exacta e rigorosa impõe-se ao legislador,


ao juiz e ao jurista em geral. Para compreender o sentido dos textos jurídicos ou
prever a solução de um problema jurídico, as palavras têm de corresponder aos
conceitos que tenham um conteúdo preciso e certo; como afirma JEAN-LOUIS
BERGEL: “Cumpre que todo conceito jurídico seja susceptível de uma definição e seja
designado por um termo próprio”91. A definição do conceito é então a um só tempo a
do sentido de uma palavra. Os termos jurídicos devem, assim, designar, como afirma
Charles EISENMANN, conceitos “à maneira de um rótulo ou de um sinal algébrico”92.
Caso um termo tiver város sentidos, a linguagem jurídica deve especificar o seu
sentido com uma ou mais precisões suplementares.

Mas quais são as funções (1.2.2.2.1.1.), o particularismo (1.2.2.2.1.2.) e a


estrutura do vocabulário jurídico (1.2.2.2.1.3.)?

1.2.2.2.1.1. As funções do vocabulário jurídico

O vocabulário tem por função principal, atender a certas exigências ligadas à


qualidade da regra jurídica e à sua comunicação.

Com efeito, a regra de direito é uma proposição destinada a impor uma regra
de conduta sob a coerção social. Nesta perspectiva, esta regra deve ser precisa e
clara e por isso, esta regra deve ser constituída de termos que têm um sentido claro,
preciso e certo. Na hipótese em que esta regra comporta conceitos jurídicos
equívocos ou insuficientemente definidos, a regra fica incerta; então fica difícil prever
a solução de um eventual litígio porque “o sentido da noção evocada e o significado
da norma envolvida dependem da apreciação subjectiva do juiz”93. “A incerteza do
direito”, escreve JEAN-LOUIS BERGEL, “é um mal grave, pois aumenta a desordem

90
Dicionário da Língua Portuguesa, Ed. Porto Editora, 8.ª. ed., 1999, vide, Terminologia
91
BERGEL J.L., op. cit., n.º 209.
92
EISENMANN C., “Quelques problèmes de méthodologie des définitions et des classifications en
science juridique“, in APD, T. XI, La logique du droit, Sirey, 1966, p. 25 e seguintes.
93
BERGEL J.L., op. cit., n.º 211.

34
dos comportamentos que se querem evitar, a desordem na norma” 94. Assim, a
segurança do direito pressupõe um aparelho conceptual e uma terminologia
relativamente rígida e, algumas vezes, muita específica95.

A dificuldade reside no distanciamento entre o processo de criação da


linguagem comum que se adapta facilmente às mudanças da realidade social e a
obrigação de ter termos jurídicos com conteúdo estável, preciso e rigoroso. Não é
duvidoso que os termos jurídicos traduzem uma realidade. Quando aparecem novas
realidades sociais, o direito deve tomar em conta essas mudanças, o que pode se
traduzir, algumas vezes, pela criação de novos termos jurídicos. Como toda a
linguagem, a linguagem jurídica é um instrumento de precisão e de comunicação do
pensamento96. A questão fundamental que se levanta nesta matéria, é de saber se o
Direito deve empregrar a linguagem corrente ou uma terminologia especial97.

Pode parecer conveniente redigir a lei no linguagem corrente para pô-la ao


alcance do cidadão médio e permitir-lhe entender o seu conteúdo. Mas, como
ensina, JEAN-LOUIS BERGEL, “a inevitável complexidade da regra de direito torna
ilusória a ideia de que o cidadão médio possa, sem formação jurídica, compreender
os textos à sua mera leitura, independentemente de seus vínculos com o conjunto do
sistema jurídico”98. Pode-se mesmo chegar a pior das confusões, quando uma
palavra comum é utilizada pelo direito num sentido particular. Assim, é preciso
chegar a um acordo: “a linguagem corrente é preferível por razões de comodidade e
de clareza, quando é suficiente; mas, se apresenta o risco de gerar ambiguidade,
deve ser substituída por uma terminologia específica”99.

O jurista extrai da linguagem comum o meio de transmitir mais facilmente a


regra de direito para a vida social. Tira até as expressões necessárias para explicitar
o sentido profundo e particular dos conceitos jurídicos. Isso gera uma linguagem
técnica, que se apoia na linguagem comum, mas especificando-lhe os termos ou as
formas, às vezes desnaturando-os, quando necessário, até mudando totalmente a
aplicação, de modo que se obtenha um idioma especialmente adaptado ao objectivo
perseguido e que finalmente lhe assinale o seu lugar distinto no meio da confusões,
das obscuridades e dos equívocos da língua vulgar. A linguagem é então um
instrumento essencial para a aplicação do direito positivo; deve permitir fazer as
regras de comportamento precritas pelo direito, passar para a prática100. São as
palavras e as frases que tornam compreensíveis os preceitos jurídicos.

1.2.2.2.1.2. O particularismo do vocabulário jurídico

94
BERGEL J.L., Ibidem
95
BATIFFOL H., "Observations sur la spécificité du vocabulaire juridique", em Mélanges dédiés à
Gabriel MARTY, Université des Sciences Sociales de Toulouse, 1978, p. 36 e seguintes.
96
BERGEL J.L., op. cit., n.º 212.
97
Sobre o relacionamento "Língua" e Direito", vide, SILVA ANTUNES PIRES C. (da), "Língua e Ciência
Jurídica. Da Formulação do Direito à Transposição Linguística. Dúvidas e Perplexidades", em
http://www.dsaj.gov.mo/macaolaw/pt/mag_display.asp?issue=5&offset=0
98
BERGEL J.L., op. cit., n.º 212.
99
BERGEL J.L., Ibidem
100
BERGEL J.L., Idem

35
O particularismo do vocabulário jurídico está ligado à diversidade da origem
do seu conteúdo. Com efeito, encontram-se na linguagem jurídica três tipos de
palavras: as extraídas do vocabulário corrente (por exemplo: "privilégio", "servidão",
"competência" ou "boa-fé"), as que são oriundas de outras disciplinas (por exemplo:
"crédito", "capital" ou "mercado") e os termos especificamente jurídicos (por
exemplo: "anatocismo" ou "anticrese").

A terminologia jurídica, muitas das vezes, tem origem grega ou latina. Parte
considerável do vocabulário institucional é oriundo do grego (democracia,
monarquia, oligarquia, política) ou do latim (República, Constituição, legislatura).

Essas inspirações encontram-se em grande número em todos os ramos do


direito:

- anatocismo do grego anatokismós (“juros compostos”) - é o fenómeno de


actualização dos juros, ou de juros de juros; junção dos juros vencidos ao
capital, para que o todo proporcione novos juros101;
- anticrese do grego antikhrésis – “uso de uma coisa por outra” (garantia real
que consiste na afectação dos rendimentos de determinados bens imobiliários,
ao pagamento de certa dívida);
- enfiteuse do grego emphyteusis – “enxertia” (é o contrato pelo qual o
senhor de um prédio concede a outro o domínio útil – direito de usufruir a
coisa - dele, com reserva do domínio directo)102;
- hipoteca do grego hypothéke “penhor” (é uma garantia real das obrigações
que se traduz no direito concedido a certos credores de serem pagos, pelo
valor de certos bens imobiliários do devedor, e com preferência a outros
credores, estando os seus créditos devidamente registados)103;
- alienação do latim alienatiône (é a transmissão a título oneroso);
- codicilo do latim codicillu (escrito particular de uma pessoa contendo
disposições sobre enterro, esmolas e legados a serem feitos, após a sua
morte, de objectos de uso pessoal de pouco valor);
- de cujus (primeiras palavras do brocardo de cujus sucessione agitur – aquele
cuja sucessão está pendente; utilizada para designar o falecido autor da
sucessão);
- ab intestat (sem testamento. Diz-se de uma sucessão cujos bens são
atribuídos aos herdeiros segundo as regras legais quando o falecido não
deixou testamento ou quando, tendo redigido um testamento, este é nulo ou
caduco);
- in limine litis (no início do processo);
- intuitu personae (negócio concluído tendo em conta considerações de
carácter pessoal das partes);
- Lex rei sitae (lei do lugar da situação das coisas);
- Lex loci delicti (lei do local da prática do delito);
- Lex fori (lei do tribunal – lei do país no qual o processo se desenrola).

101
Artigo 560.º do Código Civil.
102
Artigos 1491 e seguintes do Código Civil.
103
Artigo 686.º do Código Civil.

36
A influência do direito romano foi determinante pelas ordens jurídicas dos países
de raíz romano-germánica; por exemplo, o Projecto de Código Civil (francês) de 1793
que vai influenciar quase todos os sistemas romano-germânicos seguiu a divisão dos
Institutes de Gaius104 e de Justiniano105. Tinha quatro livros: Das pessoas, Dos bens,
Dos contratos e Das acções106. O nosso Código Civil não foge muito desta
organização mesmo si a sequência é diferente: Livro I: Parte Geral, Livro II: Direito
das Obrigações, Livro III: Direito das Coisas e Livro IV: Direito da Família.

O vocabulário jurídico às vezes é oriundo de línguas vivas estrangeiras. Foram


tirados do italiano termos financeiros e comerciais usuais, tais como aval ( avallo),
bancarrota (bancarrotta), balanço (balancio) e do inglês palavras como cheque
(cheque), júri (jury). Mas estas palavras foram integradas na língua portuguesa.
Outras, em compensação, foram directamente introduzidas na prática sob a sua
forma estrangeira. É o caso do kow-how, lock out107 (n.º 3 do Artigo 87 da
Constituição da República) ou A forfait108.

1.2.2.2.1.3. A estrutura do vocabulário jurídico

No que concerne a estrutura do vocabulário jurídico109, a linguagem jurídica


comporta sobretudo substantivos de acções (exemplo: demarcação do verbo
demarcar) e substantivos de agentes (por exemplo: parte, pleitante, juiz,
contratante, etc.). Um estudo técnico recente da linguagem do direito110 mostra que
o vocabulário jurídico comporta “palavras-bases”, “derivadas” e “compostas”.

As “palavras-bases” são as numerosas palavras jurídicas simples que


constituem o fundo do vocabulário e provêm do grego e do latim, da linguagem
corrente, de termos estrangeiros.

As “derivadas” são oriundas das “palavras-bases”, acrescidas de prefixos ou


de sufixos.

Por exemplo, em relação aos sufixos:

- “ório”: cominatório, possessório (cominar (palavra-base) + sufixo – ório;


posse (palavra-base) + sufixo - ório));

104
http://encyclopedia.laborlawtalk.com/Gaius
105
Emperador bizantino (527-565). Vide, http://buscabiografias.com/cgi-bin/verbio.cgi?id=4751
106
SAGNAC Ph., La législation civile de la Révolution française (1789-1804), Paris, 1898, citado in
Naissance du Code Civil, Paris, Flammarion, 1989, p. 14.
107
Do inglês lock out « fechar, deixando fora ». É o encerramento de um local de trabalho por
iniciativa patronal como forma de pressão face a reinvindicações dos trabalhadores ou face a um
movimento grevista.
108
Por exemplo: "A forfait": viagem organizada em conformidade com as especificações do cliente e
que cujo o preço inclui todos os serviços programados" (n.° 5 do Artigo 1 do Decreto n.° 70/99, de 5
de Outubro).
109
BERGEL J.L., op. cit., n.º 216.
110
CORNU G., Linguistique juridique, Paris, Ed. Montchrestien, 1990, p. 57 e seguintes.

37
- “ura”: candidatura, primogenitura (candidato (palavra-base) + sufixo – ura;
primogénito (palavra-base) + sufixo – ura);
- “ato”: concubinato (concubino (palavra-base) + sufixo - ato);
- “ário”: fiduciário; comanditário (fidúcia (palavra-base) + sufixo – ário;
comandita (palavra-base) + ário);
- "ivo": aquisitivo, legislativo (adquirir (palavra-base) + sufixo – ivo; legislar
(palavra-base) + sufixo – ivo).

Em relação aos prefixos:

- “co”: co-autor, co-herdeiro;


- “contra”: contra-proposta, contradita;
- “”sub”: sublocação, submandato.

As “palavras compostas” do vocabulário jurídico também têm particularidades.

Algumas se caracterizam pela mistura linguística; por exemplo: uma


arbitragem ad hoc ou por “formações regressivas”, consistentes em um
complemento que precede a palavra completa, por exemplo: jurisdição ou
litispendência. Com maior frequência, as palavras compostas são formadas segundo
as características habituais dos vocabulários técnicos: substantivo e adjectivo de
relação, por exemplo: herdeiros legitimários (“São herdeiros legitimários os
descendentes e os ascendentes, pela ordem e segundo as regras estabelecidas nos
artigos 2133.º a 2138.º” – Artigo 2157.º do Código Civil), dois substantivos ligados
pela palavra "de" como "Chefe de Estado" ou "sequências estratificadas" como no
termo "interesse de agir".

"Essas estruturas terminológicas diversas", ensina JEAN-LOUIS BERGEL,


"procedem da natureza dos mecanismos jurídicos. A utilização do sufixo –ório, por
exemplo, marca que se formam instrumentos (acção possessória); os prefixos co-,
contra-, sobre-, sub- expressam as relações de cooperação, de oposição ou de
hierarquia que caracterizam a matéria jurídica. As palavras compostas traduzem
noções técnicas"111.

Exemplificando o ensino do referido autor:

 Prefixo co- : "Co-autoria", "Co-utente"112, "Co-herdeiro", "Coligação";

 Prefixo contra- : "Contrapartida", "Contraproposta", "Contraprova"113;

 Prefixo sub- : "Sub-rogação"114, "Subempreiteiro"115, Subfiança"116,


"Sublocação"117.

111
BERGEL J.L., op. cit., n.º 216.
112
Artigo 1398.º do Código Civil.
113
Artigo 346.º do Código Civil.
114
Artigo 589.º do Código Civil.
115
Artigo 1226.º do Código Civil.
116
Artigo 630.º do Código Civil.

38
1.2.2.2.2. A fraseologia jurídica

A fraseologia é o "estudo da construção das frases"118. Apesar da diversidade


das formulações e dos estilos conforme os textos jurídicos e os meios profissionais
envolvidos, pode-se destacar alguns traços constantes na construção da fraseológia
jurídica.

A formulação da regra de direito é, em princípio, directa e expressa em uma


forma impositiva119. A enunciação jurídica, ou seja, "o emprego da língua jurídica
num acto"120, revela a atitude que o seu autor toma para com seu enunciado e a
linguagem de acção, característica da linguagem do direito. As atitudes possíveis do
autor para com seu texto formam um leque limitado e se exprimem pela
impessoalidade, negação, situação e regra de conduta121.

A enunciação normativa é de facto impessoal, sendo o sujeito do verbo um


conceito jurídico e não uma determinada pessoa. Utiliza-se então para a contrução
gramatical da frase uma forma passiva; por exemplo: "A força probatória das
respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal" 122 ou uma locução impessoal
consistente num sujeito aparente seguido por um verbo passivo; por exemplo: "É
permitido ao devedor desistir a todo tempo da cessão, cumprindo as obrigações a
que está adstrito para com os cessionários"123.

A formulação negativa é também frequente para o enunciado de princípios;


por exemplo: "A ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu
cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas"124 e torna-se
restritiva quando a norma comporta um só tempo a regra e sua excepção; por
exemplo: "Nenhuma pena poderá ser substituída por outra, salvo nos casos em que
a lei o autorizar"125.

A situação ou a localização no texto é um procedimento frequente na lei e nas


certidões para marcar as referências ligadas à coerência delas, evitando ao mesmo
tempo sacrificar-lhes a concisão126. Assim, os textos jurídicos assinalam-se, por
expressões tais como "adiante", "acima referida", "precedente"127, etc.

A regra de conduta é sem dúvida de uso constante. Só pode consistir num


elenco restrito de orientações:

117
Artigo 1060.º do Código Civil.
118
Dicionário da Língua Portuguesa, Ed. Porto Editora, 8.ª. ed., 1999, vide, Fraseologia
119
BERGEL J.L., op. cit., n.º 218.
120
BERGEL J.L., op. cit., n.º 219.
121
BERGEL J.L., op. cit., n.º 220.
122
Artigo 389.º do Código Civil.
123
N.º 1 do Artigo 836.º do Código Civil.
124
Artigo 6.º do Código Civil.
125
Artigo 85.º do Código Penal.
126
BERGEL J.L., op. cit., p. 306.
127
Vide, por exemplo, Artigo 510.º do Código Civil.

39
- uma obrigação; por exemplo: "O mandatário é obrigado a transferir para o
mandante os direitos adquiridos em execução do mandato"128;

- uma proibição; por exemplo: "É proibida a utilização de meios informáticos


para registo e tratamento de dados individualmente identificáveis relativos às
convicções políticas, filosóficas ou ideológicas, à fé religiosa, à filiação partidária ou
sindical e à vida privada"129;

- uma permissão; por exemplo: "O credor hipotecário pode, antes do


vencimento do prazo, exercer o seu direito contra o adquirente da coisa ou direito
hipotecado se, por culpa deste, diminuir a segurança do crédito"130;

- uma faculdade; por exemplo: "Dentro dos limites da lei, as partes têm a
faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes
dos previstos neste código ou incluir nestes as claúsulas que lhes aprouver"131.

A linguagem jurídica é, também, uma linguagem de acção132. Consiste então


em compromissos, em constatações ou em decisões executórias.

Os compromissos pessoais enunciados pelo autor se caracterizam pela


utilização do pronome pessoal da primeira pessoa ou não seguido de certos verbos
significativos no indicativo presente.

O exemplo mais esclarecedor é o do juramento.

Juramento do Presidente da República


(n.º 2 do Artigo 150 da CRM)

Juro, por minha honra, respeitar e fazer


respeitar a Constituição, desempenhar com
fidelidade o cargo de Presidente da República de
Moçambique, dedicar todas as minhas energias
à defesa, promoção e consolidação da unidade
nacional, dos direitos humanos, da democracia e
ao bem-estar do povo moçambicano e fazer
justiça a todos os cidadãos

As decisões executórias são igualmente formuladas na terceira pessoa. Os


verbos utilizados, em número relativamente restrito, variam conforme se trate de
leis, de regulamentos ou de decisões jurisdicionais.

128
N.º1 do Artigo 1181.º do Código Civil.
129
N.º 1 do 71 da Constituição da República.
130
Artigo 725.º do Código Civil.
131
N.º1 do Artigo 405.º do Código Civil.
132
BERGEL J.L., op. cit., n.º 221.

40
Diploma Ministerial n.º 213/2004
De 30 de Novembro

O Ministro do Interior, verificando ter sido dado cumprimento ao disposto no artigo


14 do Decreto n.º 3/75, de 16 de Agosto, e no uso da faculdade que lhe é concedida
pelo artigo 12 da Lei da Nacionalidade, determina:

É concedida a nacionalidade moçambicana, por naturalização, a Renato Passini,


nascido a 12 de Dezembro de 1948, em Genova-Itália.
Ministério do Interior, em Maputo, 16 de Novembro de 2004.
- O Ministro do Interior e para Assuntos de Defesa e Segurança na Presidência da
República, Almerino da Cruz Marcos Mahenje

Exemplo de decisão executória do Ministro do Interior

O regra de direito se caracteriza por sua generalidade e pela sua


permanência133.

Por causa de seu carácter geral, a norma jurídica se expressa com a ajuda de
indefinidos como:

- "todo": "Todo o cidadão tem direito à vida e à integridade física e moral e


não pode ser sujeito à tortura ou tratamentos cruéis ou desumanos"134;

- "nenhum": "Nenhum cidadão pode ser julgado mais do que uma vez pela
prática do mesmo crime, nem ser punido com pena não prevista na lei ou com pena
mais grave do que a estabelecida na lei no momento da prática da infracção
criminal"135;

- "ninguém": "Ninguém pode ser condenado por acto não qualificado como
crime no momento da sua prática"136;

- "aquele que": "Aquele que tentar alterar a Constituição do Estado ou destruir


ou mudar a forma do Governo por meios não consentidos pela Constituição será
punido com a pena do n.º 4 do artigo 55.º"137.

A permanência da regra de direito138 se expressa o mais das vezes pelo


emprego do presente, às vezes do futuro, mas esses dois tempos geralmente são
utilizados com um valor intemporal e significam que se trata de verdades gerais, de
definições ou de máximas:

133
BERGEL J.L., op. cit., n.º 222.
134
N.º 1 do Artigo 40 da Constituição da República.
135
N.º 3 do Artigo 59 da Constituição da República.
136
N.º 1 do Artigo 60 da Constituição da República.
137
Artigo 167.º do Código Penal.
138
BERGEL J.L., op. cit., n.º 222.

41
- "A lei só dispõe para o futuro ..."139;

- "Obrigação é o vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita
para com outra à realização de uma prestação"140;

- "Confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que


lhe é desfavorável e favorece a parte contrária"141.

Assim, o pretérito perfeito e o imperfeito não têm lugar nenhum na lei.

Do ponto de vista da estilística, a norma deve ou deveria obedecer a alguns


parâmetros, magistralmente resumido por Fernando Emídio da SILVA: "A lei obedece
aos cânones da arquitectura: deve ser majestade, expressão, ordenamento e
harmonia"142.

1.2.2.2.3. O aprendizagem da linguagem jurídica

Os caracteres da linguagem jurídica – origem diversa, polissemia e fraseologia


– constituem razões suficientes para implementar uma aprendizagem séria desta
linguagem143.

Uma aprendizagem eficaz da linguagem jurídica pressupõe uma acção positiva


por parte do docente e um auto-aprendizagem permanente do jurista ou do
estudante em direito.

O papel do docente na aprendizagem da linguagem jurídica.

Na aprendizagem da linguagem jurídica o docente tem um papel fundamental.


O docente deve dominar uma didáctica de aprendizagem da linguagem jurídica que
deve situar-se ao nível de cada disciplina ministrada. Trata-se, para o docente, de
explicar a linguagem jurídica144. Nesta perspectiva, o docente deve dirigir a sua
explicação da linguagem jurídica para duas direcções. Na primeira direcção, como
refere JEAN-LOUIS SOURIOUX, "o acento é posto sobre as fases de constituição das
palavras do direito, numa perspectiva chamada diacrónica"145. A segunda direcção
está centrada sobre "o funcionamento sincrónico dessas palavras, isto é, que são
estudadas, num momento dado considerando lhes como estacionárias"146.

139
N.º1 do Artigo 12.º do Código Civil.
140
Artigo 397.º do Código Civil.
141
Artigo 352.º do Código Civil.
142
Citado por SILVA ANTUNES PIRES C. (da), "Língua e Ciência Jurídica. Da Formulação do Direito à
Transposição Linguística. Dúvidas e Perplexidades", op. cit., p. 7.
143
SOURIOUX J.L., "Pour l'apprentissage du langage du droit", op. cit., p. 343 e seguintes.
144
LERAT P., "La pratique terminologique dans le domaine du droit", Cahiers de linguistique sociale,
n.º 7, 1994, p. 22.
145
SOURIOUX J.L., "Pour l'apprentissage du langage du droit", op. cit., p. 346.
146
SOURIOUX J.L., Ibidem

42
Na primeira perspectiva, o docente terá o cuidado de apresentar o
constituição histórica do termo jurídico mas também a sua constituição recente. As
explicações históricas dependem da sua investigação etimológica. Por exemplo, a raíz
grega emphyteüse, isto é, "plantador" na palavra enfiteuse permite destacar o
aspecto rural da figura e explicar vários elementos fundamentais da sua constituição
e do seu regime juridico.

Na perspectiva sincrónica, o docente deverá insistir sobre o vocabulário


jurídico no momento mesmo do seu ensino.

Assim, é imperioso para cada docente exercitar permanentemente uma


actividade "definitória" na sua disciplina e isso mesmo em relação às noções básicas
do Direito. Com efeito, "é a definição (...) que veicula os conhecimentos que
permitem, só, entender o sentido dos termos jurídicos (...). Conhecem-se os
"significados" das terminologias na medida em que conhecem-se as ciências e
técnicas às quais elas respondem e não na medida em que conhece-se a língua"147.
Assim, a definição torna-se "a actividade didáctica fundamental por excelência"148.

Nesta perspectiva, o comentário ou a análise de diplomas legais149 nas


sessões de trabalhos práticos constitui um excelente exercício para aquisição de um
saber linguístico-jurídico.

A auto-aprendizagem permanente do jurista ou do estudante em


direito.

Trata-se, para o jurista ou para o estudante em Direito, aprender a ler os


termos do direito150. O auto-aprendizagem da leitura dos termos do direito passa
necessariamente pelo manuseamento de um dicionário jurídico151. Para incitar os
estudantes à consulta de dicionários jurídicos, pode-se recorrer ao método lúdico;
por exemplo, organizando a realização de "palavras cruzadas jurídicas". Essas
diversas actividades contribuem, igualmente, para a aquisição da "ortografia
jurídica". Neste caso, trata-se da auto-aprendizagem da escritura do direito. Nesta
perspectiva, o estudante em direito deve perceber a especificidade dessas
"escrituras". Por exemplo, o estudante pode realizar exercícios de estilística
comparada de diplomas legais. Assim, o estudante poderia comparar o estílo de uma
lei e do seu decreto de aplicação ou do diploma ministerial que se relaciona com
esta.

147
SOURIOUX J.L., op. cit., p. 347.
148
SOURIOUX J.L., Ibidem
149
Vide, por exemplo, SOURIOUX J.L., LERAT P., L'analyse de texte. Méthode générale et applications
au droit, Jurisprudence Générale Dalloz – 1986.
150
SCHMIDT C., "La langue juridique: maux et remèdes", em http://www.uni-
trier.de/uni/fb5/ffa/lehrmaterialien.htm
151
Vide, supra A., a), 4.

43
Depois, desta primeira fase de aprendizagem, pode-se pensar em organizar
(ao nível do quarto ano) sessões de iniciação à redacção de diplomas normativos 152 e
de actos jurídicos e jurisdicionais.

2. Os trabalhos práticos

Nos termos do Curricula de licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da


Universidade Eduardo Mondlane153, “As aulas passam a estar divididas em teóricas e
práticas, na proporção de 50% do horário semanal”.

O trabalho realizado nas sessões de trabalhos práticos é de uma extrema


importância porque permite aprofundar e aplicar concretamente os conhecimentos
adquiridos durante as aulas e fazer exercícios visando a preparar, por um lado, os
estudantes aos testes e exames de avaliação, e por outro lado, à vida professional.
Assim, a presença dos estudantes nessas sessões é obrigatória.

Como se preparar para as sessões de trabalhos práticos (2.1) e como se


desenrola essas sessões (2.2).

2.1. A preparação dos trabalhos práticos

O cumprimento de alguns pressupostos (2.1.1.) é necessário para permitir


uma melhor preparação das sessões de trabalho (2.1.2.).

2.1.1. Pressupostos necessários

O pressuposto necessário é de conhecer e dominar perfeitamente o contéudo


do ensino ministrado e fazer a ligação entre o ensino ministrado e o tema
desenvolvido na sessão de trabalhos práticos. A identificação da referida ligação
permite situar o tema dentro do conjunto da matéria leccionada, o que não só
permite identificar a informação teórica necessária ao tratamento do tema, mas
também tem um efeito formador em termos de procedimento metodológico. O
estudante deve aprender sempre a posicionar o tema ou a questão a tratar no
conjunto da matéria ou que lhe será extremamente útil quando ele deverá solucionar
casos práticos ou identificar o direito aplicável a uma situação de facto.

O objectivo fundamental é acquirir técnicas jurídicas através de exercícios


típicos que permitem manusear essas técnicas.

2.1.2. Preparação do trabalho pedido

Para aproveitar-se de uma sessão de trabalho prático, é preciso preparar com


seriedade o trabalho pedido pelo docente docente que vai dirigir a sessão. Isto
significa realizar as investigações necessárias, as leituras aconselhadas e estudar os
documentos distribuídos durante as sessões de trabalhos.

152
Vide, infra, PARTE IV.
153
Reforma curricular, UEM, Faculdade de Direito, Maputo, Novembro de 2003.

44
2.2. O desenvolvimento das sessões dos trabalhos práticos

Um bom aproveitamento das sessões de trabalhos práticos requere o


cumprimento de alguns condicionalismos (2.2.1.) com a finalidade de conseguir
realizar os exercícios propostos (2.2.2.).

2.2.1. Condicionalismos para um bom aproveitamento das sessões

Em regra geral, os estudantes devem ser preparados a solucionar quaisquer


tipos de exercícos práticos (dissertação jurídica, caso prático, comentário de texto ou
de acórdão de uma jurisdição).

A correcção do exercício será tanto mais útil se o estudante preparou


seriamente o trabalho pedido. A troca de informação será mais frutuosa e o diálogo
mais produtivo se previamente o estudante domina o tema a investigar ou o
problema a solucionar. Essas trocas de informação serão ainda mais rentáveis se a
troca é multipolar; isto é, se o diálogo envolve um número razoável de estudantes. A
participação de todos é recomendada.

A edificação do plano de resolução do problema ou da dissertação jurídica


deve ser concebido como um espaço de diálogo onde cada estudante pode
apresentar o seu ponto de vista. A comparação dos planos realizados pelos
estudantes pode ser um momento privilegiado para debater sobre as vantagens ou
inconvenientes de cada um e avaliar todos os processos metodológicos na sua
globalidade.

2.2.2. Tipos de exercícios

Vários tipos de exercícios podem ser realizados durante as sessões de


trabalhos práticos. Podem ser, entre outros exercícios, a realização de uma
dissertação jurídica, de um plano detalhado, de uma pesquisa bibliográfica, de uma
síntese sobre algumas questões relacionadas com as aulas, de exposições orais
sobre questões predeterminadas, de apresentação de resumos da actualidade
legislativa, de debates sobre um tema determinado ou de avalições escritas ou orais.

Há um exercício que se destaca particularmente do conjunto é a exposição


oral154. Com efeito, este exercício tem várias vantagens.

Um primeiro lugar, a exposição oral permite a iniciação à pesquisa. O


estudante deverá nesta ocasião familiarizar-se com as fontes bibliográficas e se
deslocar-se, se for o caso, nos espaços onde se encontram as referidas fontes (por
exemplo: serviços administrativos, centros de documentação de tribunais). A
exposição oral favorece assim, indirectamente, a comunicação com os práticos do
direito o que beneficia directemente ao estudante. É também a ocasião, para o

154
Sobre a técnica da exposição oral, vide, ???????????????

45
estudante/investigador, redigir fichas de leituras, o que servirá para a própria
elaboração da exposição oral, mas também para enriquecer as suas notas pessoais.

Em segundo lugar, a exposição oral favorece a expressão em público o que


implica a dominação das técnicas da expressão oral. Na sua vida profissional, o
jurista será conduzido a tomar a palavra em público, quer, num tribunal, quer, num a
reunião de um conselho de administração de uma empresa, ou quer numa
assembleia política (Assembleia da República, assembleia municipal). É a ocasião
ideal de se familiarizar com as técnicas da expressão oral e dominar os seus impulsos
pessoais.

C. O conteúdo dos conhecimentos

Qualquer que seja a natureza ou o âmbito da reflexão jurídica a elaborar, o


jurista deve adquirir conhecimentos jurídicos (a) e dominar as técnicas de pesquisa
visando a aprofundar, dado o caso, esses (b).

a) A aquisição do saber jurídico elementar

Qualquer que seja a natureza ou o âmbito da reflexão jurídica a elaborar, o


jurista deve adquirir os conhecimentos gerais que lhes serão necessários para
dominar o ambiente dentro do qual se situa ou se posiciona o problema a solucionar.

O jurista, mais particularmente, o estudante em direito, deve adquirir


conhecimentos elementares sólidos. A Faculdade de Direito, no programa de
licenciatura, apenas pode oferecer isto porque seria praticamente impossível querer
aprender todos os ramos do direito de uma forma especializada. Mesmo assim, os
conhecimentos jurídicos elementares devem ser perfeitamente dominados, porque
provalmente um dia o jurista terá a necessidade de chamá-los para utilizá-los.

Só apenas se esse saber jurídico elementar for bem dominado e adquirido que
o jurista poderá reflectir melhor sobre um problema jurídico e saber quais são as
questões que devem ser levantadas e quais são as direcções que devem ser
exploradas e pesquisadas com mais profundidade para solucionar o problema em
causa ou atingir seu objectivo.

b) A pesquisa em direito

O que significa o termo “pesquisa” em Direito? (1) Qual é o seu âmbito prático
de actuação? (2) Quais são os seus objectivos? (3) Quais são os meios da
investigação jurídica? (4)

A resposta a esta pergunta permitirá melhor delinear as operações a realizar


como investigador (2).

1. O significadodo do termo “pesquisa” em Direito

46
Regra geral, a ideia de pesquisa implica uma investigação metódica com o
objectivo de descobrir qualquer coisa.

O que significa “pesquisa” em Direito?155

A expressão pode significar pelo menos duas coisas.

Em primeiro lugar, partindo de uma observação da prática muito simples,


pode-se afirmar que as pesquisas em Direito podem simplesmente significar a
reflexão sobre uma questão de natureza jurídica e buscar os diplomas legais, a
jurisprudência e a doutrina sobre um tema ou questão jurídica determinada.

Em segundo lugar, pode-se entender por “pesquisa em direito”, o estudo de


uma questão jurídica de maneira exaustiva e fundamental com o fim de fazer
progredir o conhecimento jurídico no seu conjunto.

É claro que se o conceito de “pesquisas” em direito tem um sentido específico,


a noção de “descoberta” tem também um sentido particularmente diferente do que
pode existir nas ciências exactas. Neste sentido, o objectivo só pode ser compatível
com o objecto da metodologia jurídica. Trata-se de propor uma análise nova sobre
uma questão de direito, tomar uma posição distinta do que era defendido até então
ou descobrir novo campo de pesquisa susceptível de trazer novas propostas pela
intelegibilidade da realidade.

2. O âmbito prático de actuação da investigação em Direito

O pecado original que partilham a maior parte das instituições de ensino


superior do Direito no mundo é que a investigação jurídica consiste em mais de 90%
em determinar o que é o Direito positivo (legislação, jurisprudencia,
regulamentação)156.

Moçambique não afastou-se, infelizmente, desta tendência. É só medir as


dificuldades em dar continuidade às "Revistas jurídicas nacionais" ou em publicar
monografias críticas de Direito sobre questões jurídicas de âmbito nacional.

Esta abordagem foi criticada com muita força por alguns autores porque "Este
objectivo de pesquisa pressupõe (...) um método extremamente restrito que se
relaciona com uma filosofia do Direito fraca, o positivismo jurídico, agregado com
uma prática tecnicista e professionalista do Direito. A hipertrofia deste tipo de
pesquisa jurídica explica-se historicamente pelos objectivos prosseguidos pelas
faculdades de direito, seja a formação e a reprodução das elites profissionais
(advogados, juizes, legisladores, funcionários) vocacionados principalmente à
conservação e à consolidação do direito e da ideologia veinculada em ele"157.

155
Vide, AMSELEK P., “Éléments d’une définition de la recherche juridique“, in APD, T. 24, Les biens et
les choses, Sirey, 1979, pp. 297-305; LAPERRIÈRE R. e THOMASSET Cl., Méthodologie de la recherche
juridique, op. cit., p. 5 e seguintes.
156
LAPERRIÈRE R. e THOMASSET Cl., op. cit., p. 7.
157
LAPERRIÈRE R. e THOMASSET Cl., op. cit., p. 7.

47
Nessas circunstâncias a análise científica e crítica do direito tem muito
dificuldade a se desenvolver.

Pode-se identificar três espaços práticos da investigação jurídica: a


investigação dos práticos (2.1), a investigação encomendada (2.2) e a investigação
académica (2.3).

2.1. A investigação dos práticos

Os práticos do Direito (advogados, notários, juizes, etc.) tem uma percepção e


uma prática do Direito muito utilitária da investigação jurídica158. A sua função é de
solucionar problemas práticos do Direito e, regra geral, esses práticos não têm a
oportunidade, o tempo e a vontade de ir além do que é necessário para solucionar o
problema prático que eles devem resolver. Assim, o seu método de pesquisa é
essencialmente técnica e exprimem-se em pareceres jurídicos, actos e contratos ou
decisões judiciais e sentenças arbitrais.

Nesta perspectiva, a investigação é condiciona pelo objectivo a atingir. Este


tipo de pesquisa deveria ser, em princípio, exaustivo e exegético, mas de facto, os
práticos seleccionam constantemente no Direito os elementos favoráveis para
fundamentar a sua pretensão ou a decisão que querem aprovar 159. Outro elemento
que se deve realçar desta investigação é o seu carácter lucrativo e necessariamente
limitado pelos meios e pelo tempo à disposição do pesquisador. Regra geral, as
soluções aproximativas e expeditivas são preferidas a uma investigação científica
apurada.

A experiência demonstra que é este tipo de pesquisa que será desenvolvida e


praticada pela maior parte dos estudantes em Direito. Nessas condições, é
importante identificar os constrangimentos e dificuldades em causa e, ao mesmo
tempo, adquirir um método de trabalho que permite ultrapassar as situações
negativas acima descritas e desenvolver e praticar uma análise mais profunda dos
fundamentos do Direito e da prática jurídica relacionada à solução ou ao tratamento
de factos particulares.

2.2. A investigação encomendada

A investigação encomendada abrange um conjunto de actividades


investigativas praticadas por centros de investigação especializados, públicos ou
privados, ou por estruturas mais ou menos ligados a gabinetes de advogados ou de
empresas de auditoria especializadas na actividade de consultoria.

Em Moçambique, o sector público é grande consumidor deste tipo de


pesquisas. Os doadores internacionais alimentam substancialmente este tipo de

158
LAPERRIÈRE R. e THOMASSET Cl., op. cit., p. 8.
159
LAPERRIÈRE R. e THOMASSET Cl., op. cit., p. 9.

48
actividade investigativa – mediante os organismos estatais160 - o que criou um
verdadeiro mercado da consultoria jurídico. Este tipo de pesquisa depende
principalemente das fontes de financiamento disponibilizadas e, pois, tem uma
finalidade utilitária ligada a objectivos políticos ou institucionais precisos.

Todavia, apesar da qualidade científica de alguns estudos ou relatórios


difundidos no âmbito deste tipo de pesquisa161, a maior parte dessas investigações
permanecem limitadas a uma abordagem prática - no sentido definido na
investigação dos práticos - com os seus defeitos.

2.3. A investigação académica

A pesquisa académica concentra-se, principalmente, nas Faculdades de


Direito. A caractérística dominante deste tipo de pesquisa é, regra geral, que ela é
gratuita, desenteressada e abstracta162.

O objectivo principal é a consolidação de um ramo de Direito para lhe dar uma


apresentação coerente sobre o plano técnico. Como foi referenciado anteriormente,
existe poucas construções jurídicas "monumentais" tipo manuais em Moçambique
enquanto que o primeiro passo da pesquisa académica deveria ser a elaboração
desta visão abrangente de uma disciplina jurídica, isto é, construir em primeiro lugar
o edifício sólido da ciência jurídica nacional através dos manuais próprios a cada
disciplina e depois deste esforço indispensável e necessário, orientar a investigação
para uma temática mais específica e de actualidade.

É o desenvolvimento de uma verdadeira doutrina jurídica nacional que está


em causa articulado em torno da elaboração das bases do conhecimento académico
e de investigações mais especializadas capaz de influir sobre os espaços de produção
do Direito como o Parlamento, o Governo ou os tribunais; como ensinam René
LAPIERRE e CLAUDE THOMASSET: "Os professores de universidade têm um papel
primordial a desempenhar no desenvolvimento de uma pesquisa crítica do direito e
das instituições, porque elas gozam da liberdade académica que lhe permite
contestar o direito existente, e pois as razões da autoridade, sem correr o risco de
represálias ..."163.

3. Os objectivos da investigação em Direito

O estudo dos objectivos da investigação jurídica pode articular-se em torno de


duas questões: a pesquisa para quem (3.1.) e a pesquisa para fazer o que (3.2.)?

3.1. A pesquisa para quem?

160
Vide, por exemplo, os vários estudos encomendados pela Unidade Técnica da Reforma do Sector
Público (UTRESP) no âmbito da Estratégia Global da Reforma do Sector Público (2001-2011).
161
Infelizmente nem são todos difundidos e publicitados o que não permite avaliar objectivamente a
qualidade desses trabalhos.
162
LAPERRIÈRE R. e THOMASSET Cl., op. cit., p. 11.
163
LAPERRIÈRE R. e THOMASSET Cl., op. cit., p. 13.

49
A quem dirige-se a pesquisa?

Regra geral, o potencial público destinatário da investigação (académicos,


estudantes, público em geral ...) tem uma influência sobre o método de pesquisa
utilizado e, por via de consequência, o resultado esperado está necessariamente
influenciado por este elemento determinante164. Além disso, não é sempre fácil
determinar, a partida, aquem se dirige uma investigação jurídica (vide, por exemplo,
em matéria de pesquisas fundamentais não imediatamente utilizáveis)165.

3.2. A pesquisa para fazer o que?

Regra geral, a investigação jurídica é feita para responder a um problema


específico ou a um conjunto de problemas que se colocam numa conjuntura dada 166.
Por exemplo, a realização de uma pesquisa visando a realização de um projecto ou
proposta de lei ou de um projecto de decreto que tem por objectivo responder a
uma necessidade social (por exemplo, a normação de algumas actividades
industriais).

Dois tipos de finalidades podem ser destacadas.

Em primeiro lugar, a investigação pode ser "utilitária" e imediatamente


utilizável para responder, principalmente, a um problema conjuntural. Este tipo de
pesquisa induz, regra geral, uma produção pontual e limitada (elaboração de um
processo, redacção de documentos ou relatórios)167.

Em segundo lugar, a investigação pode tomar a forma de uma "pesquisa


fundamental" ou "substancial". Nesta perspectiva, a "utilidade" pode parecer menos
evidente mas ela existe e é real. É este tipo de pesquisa que permite fazer progredir
a análise e a reflexão do direito no seu conjunto e a construir uma verdadeira
"escola" de direito nacional.

4. Os meios da investigação em Direito

Os meios condicionam, de uma certa forma, a investigação. Por outras


palavras, antes de iniciar uma pesquisa, é preciso ser consciente que as esperanças
investigativas serão objectivamente limitadas pela quantidade e qualidade dos meios
disponibilizados e que o método utlizado deverá tomar em conta esses
constrangimentos.

Assim, vários parâmetros devem ser tomado em conta, mais


especificadamente o financiamento (4.1), o pessoal (4.2), a documentação (4.3), e o
tempo (4.4.).

4.1. O financiamento
164
LAPERRIÈRE R. e THOMASSET Cl., op. cit., p. 15.
165
LAPERRIÈRE R. e THOMASSET Cl., Ibidem
166
LAPERRIÈRE R. e THOMASSET Cl., op. cit., p. 16.
167
LAPERRIÈRE R. e THOMASSET Cl., Ibidem

50
O financiamento da pesquisa jurídica tem um impacto directo ou indirecto
sobre o investigador. Mas, num país em desenvolvimento como Moçambique, a
dificuldade é ainda mais complexa porque a investigação jurídica não é uma
prioridade das instituições públicas mais preocupadas, regra geral, pela gestão das
necessidades básicas das populações. Deve-se bem reflectir sobre este desinteresse
para o Direito.

A construção de um Estado de Direito, de uma forma geral, e as reformas


necessárias para tornar-se Moçambique atractivo para o investimento estrangeiro
sustentável implicam necessariamente uma reflexão sobre as mudanças da ordem
jurídica para responder a esses desafios. Assim, mais cedo ou mais tarde, a questão
do Direito surgirá como uma necessidade. Sem uma planificação das reformas
jurídicas a realizar e do financiamento do seu estudo, existe um risco real de produzir
uma reflexão insuficientemente madura realizada na precipitação que induzirá perda
de tempo e prejuízos para a comunidade.

Assim, para prevenir esses efeitos negativos qualquer reforma política,


económico ou social deveria integrar um vertente jurídico que delimitará, por um
lado, o quadro legal dentro do qual essas reformas deverão ser desenvolvido e
identificará, por outro lado, os poblemas jurídicos que deverão ser solucionados para
permitir aquelas reformas minimizando, assim, as dificuldades concretas da sua
aplicação.

4.2. O pessoal

As dificuldades em encontrar investigadores em direito bem como constituir


núcleos de pesquisa no âmbito do direito não é um problema próprio a
Moçambique168.

4.3. A documentação

4.4. O tempo

2. As modalidades da pesquisa: como pesquisar?

Perante uma diverdidade de métodos de pesquisa (), é preciso construir uma


estratégia adaptada ()

1. A diversidade de métodos de pesquisa

168
Vide, por exemplo, as dificuldades encontradas no Canadá, LAPERRIÈRE R. e THOMASSET Cl., op.
cit., p. 16.

51
2. A estratégia da pesquisa em Direito

Quando um estudante do primeiro ano da Faculdade de Direito deve realizar


uma trabalho pessoal ou estudar de maneira aprofundada uma questão de Direito, é
perfeitamente compreensível que terá algumas dificuldades: Como iniciar? O que
fazer169?

Para fazer face a este questionamento natural, o estudante deve perceber,


antes de tudo, quais são os objectivos a atingir. Estes podem ser apresentados da
seguinte forma: o estudante deve poder em pouco tempo procurar as informações
úteis e necessárias a sua investigação, por um lado, e as pesquisas devem ser
cuidadosamente preparadas e conduzidas de forma progressiva, por outro.

Nesta perspectiva, o jurista deve dividir o seu processo investigativo em três


fases: adquirir o conhecimento básico (2.1), concentrar o estudo sobre uma questão
precisa (2.2.) e realizar efectivamente a pesquisa (2.3).

2.1. Adquirir os conhecimentos básicos

Antes de iniciar qualquer trabalho jurídico ou tarefas investigativas, é preciso


tomar conhecimento da matéria teórica. Assim, o estudo profundo de uma questão
jurídica comença pela consulta dos instrumentos de trabalho habituais (Curso,
Manuais). Neste sentido, é preciso encontrar, ler e entender a parte do curso ou do
manual da disciplina, na hipótese onde existe, que trata da questão que precisa
investigar. Regra geral, é preciso saber utilizar a documentação próxima antes de
recorrer a outras. A aquisição de uma visão clara do contexto é um pressuposto a
qualquer estudo profundo de um problema de Direito. Nesta fase prévia, será
também necessário esclarecer o sentido dos termos técnicos com a ajuda de um
dicionário jurídico.

2.2. Concentrar o estudo sobre uma questão suficientemente


delimitada

A concentração implica um estudo profundo do tema em sí e do conteúdo da


questão a solucionar.

Em primeiro lugar, é necessário bem equacionar o problema; como ensina


Karl POPPER, “Uma pesquisa comença com um problema”170. Mas a questão

169
DEFRÉNOIS-SOULEAU I., Je veux réussir mon droit, Paris, Armand Colin, 1996, p. 61 e seguintes.
170
Citado por PAUL FEYERABEND, op. cit., p. 23.

52
fundamental é “Qual é o problema?” Esta questão não é de pura forma, pelo
contrário, ela determina o conteúdo de todas as fases subsequentes da pesquisa.

Em segundo lugar, é preciso situar a questão a tratar no conjunto da matéria,


isto significa encontar exactamente onde ela foi desenvolvida e tratada no Curso ou
num manual. O objectivo principal, nesta fase, é medir a fisionomia geral da questão
que constitui o objecto do estudo.

Em terceiro lugar, é preciso determinar com precisão o sentido do tema a


tratar. Nesta perspectiva, é preciso pesquisar o sentido das palavras e o conteúdo da
questão: quais são as noções, as ideais e normas chaves?

Essas operações deveriam permitir equacionar correctamente o problema. A


delimitação assim realizada constitui o quadro dentro do qual a pesquisa deve ser
prosseguida. Nas fases posteriores da investigação este quadro deverá sempre
constituir a referência à realização das operações subsequentes como a do
levantamento da documentação pertinente na matéria. Apenas quando o tema ou a
questão a investigar for entendida e delimitada é que se pode aproveitar da
documentação ou de obras específicas.

2.3. Realizar as pesquisas

Em qualquer obra ou documento que foi consultados na fase preliminar da


pesquisa (Curso, Manual, Tratado e outros) encontram-se mencionados as fontes da
reflexão exposta (artigos de doutrina, outros manuais ou tratados, actos normativos,
etc...). É preciso notar as referências relevantes com todas as indicações necessárias
para encontrar – nos espaços do conhecimentos jurídicos – essas fontes.

Depois de ter encontrado um conjunto de documentação sobre o tema ou a


questão de direito a investigar, é preciso ler atentamente tudo que foi encontrado.
Ao mesmo tempo que se efectua a leitura, é preciso activar sempre o tema objecto
da investigação e os objectivos da investigação, isto permite seleccionar as
informações úteis. No caso em que um extracto do documento consultado ou da
obra consultada é considerado como importante, a solução é de fotocopiá-lo. Assim,
poderá se estudadá-lo com mais ponderação e profundidade. É importante também
seleccionar, dentro do conjunto dos documentos levantados, os que são
efectivamente pertinentes pela investigação. No caso em que a pesquisa incide sobre
uma análise de jurisprudência ou tem uma relação com decisões proferidas por
tribunais, é recomendado constituir fichas de jurisprudência. Na análise da doutrina é
importante notar as principais opiniões desenvolvidas e onde foram desenvolvidas,
isto é, a sua localização; isto permitirá citar facilmente as suas fontes. Pode-se
também resumir um raciocínio ou uma argumentação.

Regra geral, é preciso habituar-se a relizar uma lista de tudo o que procurado
e o que foi útil e relevante em relação à questão investigada.

SECÇÃO 2. A GESTÃO E O DESENVOLVIMENTO DO SABER JURÍDICO

53
Qualquer jurista armazena informações – livros, revistas, relatórios, extractos
de jornais, etc... – com o objectivo de as explorar em caso de necessidade.

RESERVADO

§1. A criação de uma biblioteca de obras usuais

§2. A criação e conservação de uma documentação

Sem pretender a exaustividade, uma das técnicas mais simples é a constituição de


“dossiers temáticos” que podem reagrupar todos tipos de informações em relação a
um tema, uma disciplina ou uma questão determinada e a constituição de fichas de
leitura.

Por exemplo:

Disciplina determinada: Todas as informações veículadas pelos órgãos de


comunicação social ligadas ao Direito Constitucional (actividades da Assembleia da
República, debates nas comissões parlamentares, actividades do Governo, Questões
constitucionais, etc...).

Uma questões determinada: Todas as informações ligadas ao Direito de Uso e


Aproveitamento da Terra.

Este trabalho que pode aparecer como rotineiro, não é, pelo contrário. Em
primeiro lugar, para os investigadores de uma disciplina, isto permite sempre ter
uma informação actualizada sobre a ecologia da disciplina, o que permitirá situar
melhor a sua evolução na sociedade. Em segundo lugar, no que diz respeito a uma
questão jurídica em particular, a constitução de dossiers temáticos permite identificar
os dados práticos interligados com a questão de direito.

Um tema determinado: Todas as informações relacinadas com a “Administração


Pública”.

§3. O uso das novas tecnologias da informação

SECÇÃO 3. A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PESSOAL

54
A organização das relações de trabalho contribui (§1), assim como a gestão
do seu tempo (§2), ao aumento do seu rendimento e em criar um ambiente
favorável ao seu crescimento.

§1. A organização das relações de trabalho

Cada estudante organiza o seu trabalho como ele entende, todavia, as


necessidades da vida e do trabalho universitários impõem que o estudante tome em
consideração as relações típicas e inerentes a esta vida ou a este trabalho para
organizar melhor o seu trabalho pessoal.

Principalmente, o estudante deverá estabelecer relações de trabalho com os


docentes (A), outros estudantes (B) e práticos do Direito (C).

A. A relação de trabalho com os docentes

Quem são os docentes (a) e como se relacionar com eles (b)?

a) Os docentes

Geralmente os docentes são antigos estudantes – em princípio os melhores –


que escolheram esta profissão por vocação. Vide REGULAMENTO DA CARREIRA
DOCENTE UEM. Com efeito, não se deve pensar que a docência é a melhor via para
ganhar fortunas. Pelo contrário, o que anima o docente é um conjunto de valores
“não lucrativas”: a curiosidade científica, o gosto pela pesquisa, a vontade de
contribuir para a resolução dos problemas da sociedade, a partilha do seu saber para
contribuir ao aumento do saber na sua globalidade. Isto pode conduzir a situações
de prestígio e de grande reputação para alguns docentes mas isto, é mais o
resultado lógico do seu trabalho do que uma vontade ou uma estratégia deliberada
de produzir “honores”. Por outras, palavras, prestígio e reputação não são os fins do
docente mas as consequências hipotéticas de uma trabalho muito arduo e
desinteressado.

Contrariamente ao um conjunto de ideias preconcebidas, a actividade do


docente não se limita a dar aulas. Isto é a parte visível do iceberg. A preparação das
aulas – actualização, integração de novos conceitos e novas teorias, novas reflexões
e melhor arrumação do saber -, a correção das provas, as avaliações, as direcções
de trabalhos de fim de curso ou de teses de mestrado, a organização dos trabalhos
práticos, assim como as actividades dedicadas a pesquisa e a preparação de
comunicações para “workshops” ou palestras representam um volume de trabalho
considerável muito mais além do que dar aulas.

b) O relacionamento com os docentes

Em princípio os docentes estão à disposição dos estudantes. É o trabalho


deles de responder às questões e preocupações dos estudantes. Como imaginar ou
pensar o contrário? Neste sentido, os docentes deverão esclarecer quaisquer dúvidas
relacionadas com a organização da disciplina leccionada ou do seu conteúdo. Assim,

55
é possível, até recomendado, fazer perguntas ao docente em particular durante o
intervalo ou no fim das aulas ou marcar com ele um encontro de trabalho na ocasião
de sessões previstas para este efeito.

Para estabelecer uma relação de trabalho produtiva é ser atendido nas seus
preocupações é preciso evitar qualquer agressividade nas relações com os docentes.
Numa relação recíproca o respeito e a cortesia são essenciais; como escreve MARIE-
ANNE COHENDET: “Les enseignants vous rendent le respect que vous leur donnez,
et réciproquement”171. Respeite os seus docentes e eles te respeitarão.

Não deve ter qualquer hesitação em fazer perguntas e pedir conselhos. É um


reflexo fundamental cuja razão pedagógica já foi exposta nos desenvolvimentos
anteriores172. A instauração de um diálogo permanente entre os estudantes e os
docentes deve nortear a forma de relacionamento entre eles. Não se deve pensar
este relacionamento em termos de subordinados e de superiores mas, pelo contrário,
entre adultos responsáveis.

Este relacionamento tornará-se-à particularmente importante na fase de


elaboração do trabalho de fim de curso ou de tese de mestrado. Na preparação
desses trabalhos, os estudantes são menos numerosos e os debates muito mais
aprofundados.

Um espaço importante de diálogo pode ocorrer na ocasião da consulta das


provas. É importante dialogar com o docente que avaliou o seu trabalho não para
contestar a avaliação atribuída – salvo erro material da nota, a avaliação não será
alterada -, mas para entender o porque da sua avaliação a fim de poder melhorar a
qualidade das provas e realizar uma auto-avaliação do seu próprio trabalho. Tudo
isso poderá contribuir para corrigir algumas deficiências em termo de assimilação da
matéria ou das técnicas jurídicas desenvolvidas no âmbito dos trabalhos práticos.

B. A relação de trabalho com outros estudantes

Parafraseando MARIE-ANNE COHENDET: “La solitude est le pire ennemi de


l’étudiant”173. Com efeito, é com muita dificuldades que o estudante solitário poderá
vincer alguns problemas ou dificuldades de forma ou de contéudo. O debate entre
estudantes não permite solucionar apenas esses problemas ou dificuldades de
natureza jurídica mas, ao mesmo tempo, contribui para a formação do
comportamento social do estudante na constitução do seu lugar na sociedade. Com
efeito, defender as suas ideias, aprender a ouvir e a tomar a palavra no seio de um
grupo de colegas é extremamente formador não só no âmbito estudiantil e
universitário mas também no relacionamento com os outros em geral. Aprender o
respeito dos outros e a humildade no trabalho em grupo de estudantes contribui,
sem dúvida, à formação de uma correcta postura social e do ser do estudante numa
sociedade.

171
COHENDET M.A., op. cit., p. 63.
172
173
COHENDET M.A., op. cit., p. 63.

56
A técnica aconselhada é desde o início do ano académico constituir grupos de
trabalho, entre estudantes, por afinidades, cujo número não deveria ultrapassar
cinco ou seis estudantes – um número mais elevado poderia prejudicar o bom
rendimento do trabalho do grupo -, e estabelecer uma planificação das sessões de
trabalho semanal; por exemplo uma ou várias sessões por semana na Faculdade ou
no domicílio de cada membro do grupo.

São numerosas as acções a realizar:

- debater sobre os conceitos insuficientementes assimilados;


- preparar os trabalhos práticos;
- preparar as exposições orais;
- fazer a revisão do conteúdo das aulas;
- repartir o trabalho de investigação;
- elaborar fichas ou resumos, etc...

Regularmente, o grupo de trabalho deve fazer o ponto da situação sobre o


grau de conhecimento adquiridos dos seus membros. Por isto, os membros do grupo
podem interrogar-se em conjunto e assim avaliar o grau de conhecimento de cada
um numa determinada disciplina jurídica.

O trabalho em grupo permite também trabalhar a sua exposição oral, antes de


fazer a sua apresentação na aula prática. Este treinamento permite melhorar o seu
conteúdo, dominar o tempo e avaliar a sua compreensão pelo público.

Regra geral, os melhores estudantes fazem parte de um grupo de trabalho,


isto significa que a ajuda mútua permite melhorar as capacidades de cada um.

C. A relação de trabalho com os práticos

O relacionamento com os práticos é muito útil quando se trata de realizar uma


investigação necessitando dados concretos (a). Além disso, pode ser proveitoso
conversar com os práticos sobre o próprio conteúdo da profissão que eles exercem
(b).

a) Preparar uma investigação necessitando informações práticas

No caso de uma exposição oral, de preparação de uma tese de licenciatura ou


de mestrado necessita o conhecimento prático do Direito, a melhor solução é
encontrar os práticos que, no âmbito da sua investigação, poderão dar a melhor
informação e conhecimentos práticos no que diz respeito ao tema investigado.
Assim, funcionários da Administração Pública, magistrados, advogados, notários
poderão partilhar com o estudante investigador o seu saber-fazer num determinado
sector do Direito. Todavia, encontrar os práticos do Direito não é uma improvisação.
Em princípio, os práticos têm uma vida profissional bem carregada e é necessário
tomar algumas medidas cautelares.

57
Em primeiro lugar, o estudante deve bem conhecer – teoricamente – o tema
objecto da investigação. Sem este pressuposto seria um tempo perdido e o prático
ficaria aborecido.

Em segundo lugar, é útil preparar um lista de questões relevantes para a sua


investigação. Isto, demonstrará que o estudante é sério e que trabalhou a questão. É
importante durante a entrevista notar o máximo de informações; pode-se utilizar, se
o prático concorda com isso, um gravador. Isto será muito útil quando o investigador
deverá explorar o conjunto das informações fornecidas pelo prático.

b) Conhecer os profissionais do Direito

Os encontros com os práticos permite também conhecer concretamente o


conteúdo concreto da sua actividade. Assim, conhecer a profissão será muito
benéfico para escolher a sua via profissional ou elaborar uma estratégia para atingir
este objectivo. Neste sentido, a prática de estágios nas administrações centrais ou
locais do Estado, nas empresas ou nas associações ou organizações não
governamentais nacionais ou estrangeiras é extremamente útil para ter uma ideia
precisa sobre a actividade desses organismos ou instituições mas também para
concorrer nessas respectivas instituições ou organismos uma vez acabado o seu
percurso universitário.

§2. A gestão do tempo

O seu trabalho pessoal situa-se no tempo. Assim, se pode identificar três


planos distintos174 que necessitam uma organização específica do trabalho pessoal: a
muito curto prazo (A), a curto prazo (B), a meio prazo (C) e a longo prazo (D).

A. A muito curto prazo

Deve-se entender por curto prazo, concretamente, a preparação da exposição


oral (a), do teste ou do exame e de uma forma geral de uma prova (b).

Saber dominar o tempo na preparação desses eventos é difícil mas, em


contrapartida, é a aprendizagem de uma disciplina estruturante da sua vida
profissional e do respeito pelos outros.

a) O tempo da exposição oral

O tempo atribuído pelo docente no quadro dos trabalhos práticos para uma
apresentação oral deve ser escrupolosamente respeitado. A duração é geralmente
entre 10 a 20 minutos. O objectivo não é de não deixar o estudante se exprimir e
desenvolver o tema mas avaliar a sua capacidade de síntese e de identificação dos
elementos essenciais do tema a desenvolver. Uma exposição oral breve e clara é
muito melhor que uma demonstração demorosa onde o público percebeu 10% do
conteúdo e onde a maior parte do referido público expressa sinais de consaço.

174
Adoptar-se-à a sequência proposta por MARIE-ANNE COHENDET, op. cit., p. 65 e seguintes.

58
Uma vez a exposição pronta, é preciso treino. O treino pode ser feito sozinho
falando várias vezes e cronometrando-se para não ultrapassar o tempo previsto. É
claro que o treino pode ser, também, realizado no grupo de trabalho com o apoio
dos membros deste. Caso o estudante verifique que demorou na apresentação de
alguns desenvolvimentos da sua exposição não é aconselhavél acelerar o ritmo da
exposição a consequência seria que a maior parte do público não poderá tomar
notas ou não entenderá o conteúdo da sua exposição, É melhor, nessas condições,
amputar a exposição oral dos desenvolvimentos considerados como não
indispensáveis. O ritmo deve prevalecer sobre o conteúdo para permitir a
transmitição de uma informação clara.

b) O tempo na prova

RESERVADO

Os testes e os examens

B. A curto prazo

C. A meio prazo

D. A longo prazo

Bibliografia:

Bibliografia geral

- BATIFOULIER C. E PASQUIER M.H., Organiser sa documentation et savoir consulter d'autres


sources, Paris, Ed. du Centre de formation et de perfectionnement des journalistes, 1993;
- BERGEL J.L., Teoria Geral do Direito, Martins Fontes, São PAULo, 2001;
- COHENDET M.A., Méthodes de travail. Droit Public, Ed. Montchrestien, E.J.A., 1994;
- DEFRÉNOIS-SOULEAU I., Je veux réussir mon droit, Paris, Armand Colin, 1996;
- MAZEAUD H. e MAZEAUD D., Méthodes de travail, Ed., Montchrestien, EJA, 1996;
- PANSIER F.J., Méthodologie du droit, Paris, Ed. Litec, 2002.

A pesquisa em direito

59
- AMSELEK P., “Éléments d’une définition de la recherche juridique“, in APD, T. 24, Les biens
et les choses, Sirey, 1979, pp. 297-305.
- LAPERRIÈRE R., "À la recherche de la science juridique", em Le droit dans tous ses états,
(Ed. R.D. BUREAU e P. MACKAY), Montréal, Wilson e Lafleur, 1987, pp. 515-526.
- LAPERRIÈRE R. e THOMASSET Cl., Méthodologie de la recherche juridique, Université du
Québec à Montréal, Département des sciences juridiques, 1997.
- THOMASSET Cl., "L'enseignement critique et le rôle social du professeur", in L'enseignement
critique du droit: Journée d'étude, Dir. LOUISe LANGEVIN, Publications du GEPTUD, Faculté
de droit, Université Laval, Ste-Foy, 1996, pp. 11-23.

A Linguagem jurídica

- ASSIER-ANDRIEU L., Le droit dans les sociétés humaines, Paris, Éd. Nathan, 1996, p. 45 e
seguintes.
- BATIFFOL H., "Observations sur la spécificité du vocabulaire juridique", in Mélanges dédiés à
Gabriel MARTY, Université des Sciences Sociales de Toulouse, 1978, pp. 35-44;
- BERGEL J.L., Teoria Geral do Direito, Martins Fontes, São PAULo, 2001, pp. 289-315;
- CORNU G., Linguistique juridique, Paris, Ed. Montchrestien, 1990;
- EISENMANN C., “Quelques problèmes de méthodologie des définitions et des classifications en
science juridique“, in APD, T. XI, La logique du droit, Sirey, 1966, pp. 25- 43;
- MARINHO C., A linguagem no Direito. Análise semântica, sintática e pragmática da linguagem
jurídica, em http://cristianemarinho.vilabol.uol.com.br/16.html
- SILVA ANTUNES PIRES C. (da), "Língua e Ciência Jurídica. Da Formulação do Direito à
Transposição Linguística. Dúvidas e Perplexidades", em
http://www.dsaj.gov.mo/macaolaw/pt/mag_display.asp?issue=5&offset=0;
- SCHMIDT C., "La langue juridique: maux et remèdes", em http://www.uni-
trier.de/uni/fb5/ffa/lehrmaterialien.htm;
- SOURIOUX J.L., "Pour l'apprentissage du langage du droit", in RTD civ. (2) avr-juin 1979, pp.
343-353.

60
CAPÍTULO II – O SABER FAZER JURÍDICO

A Reforma Curricular da Licenciatura em Direito na Universidade Eduardo


Mondlane insistiu com um particular destaque sobre o “Saber Fazer” e,
nomeadamente, os espaços onde deveriam se materializar, isto é, os trabalhos
práticos.

Entende-se por “Saber Fazer”, o conjunto dos conhecimentos, experiências e


técnicas acumuladas por uma pessoa ou grupos de pessoas, que se pode por à
disposição de outrem, a título gratuito ou oneroso. Assim, trata-se de habilidades em
solucionar ou resolver problemas e competências ou experiências desenvolvidas no
exercício de uma actividade, que esta actividade seja intelectual ou não.

No mundo do Direito essas experiências ou habilidades são numerosas. Cada


jurista no seu âmbito de actividade desenvolveu um “saber fazer” próprio. Por
exemplo, a redacção de um contrato ou de uma petição, a elaboração de um ante-
projecto de lei ou de um decreto necessitam de um saber fazer específico. Cada
jurista envolvido numa operação jurídica em particular, tem as suas habilidades em
realizar um determinado trabalho jurídico.

No âmbito deste desenvolvimento trata-se da aplicação e da implementação


do pensamento jurídico através de exercício prático que representa a essência do
saber fazer jurídico. Com efeito, não seria materialmente possível no âmbito de um
curso de metodologia jurídica, com os seus constrangimentos institucionais e
temporais, analisar exaustivamente o conjunto das habilidades necessárias para
realizar um determinado trabaho jurídico em especial. A especificidade própria a
cada trabalho jurídico deveria ser analisado no âmbito de cada disciplina (por
exemplo: o método de redacção contratual no âmbito do Direito das Obrigações ou o
método de redacção de uma petição no âmbito do Direito Processual Civil). É
também uma maneira de aprender; como refere Dan HUNTER: "Though it is
important to provide conceptual framework for students, it is equally important for
students to learn by doing"175.

Assim, é preciso seleccionar alguns exercícios que podem permitir adquirir


habilidades gerais susceptíveis de ser desenvolvidas em qualquer trabalho jurídico
em especial. Neste perspectiva, o estudo do método da realização de uma trabalho
jurídico em geral permite adquirir regras metodológicas gerais neste sentido
(SECÇÃO 1). O estudo de alguns exercícios em especial permitirá aplicar e
implementar essas habilidades gerais sem ter por finalidade a exaustividade
(SECÇÃO 2).

SECÇÃO 1. O MÉTODO DA REALIZAÇÃO DO TRABALHO JURÍDICO EM


GERAL

175
HUNTER D., "Legal Teaching And Learning Over The Web", op. cit.

61
Não se deve perder de vista que as técnicas apresentadas constituem a
aplicação e a implementação do pensamento jurídico e que elas devem respeitar a
sua exigência: rigor, objectividade, pensamento analítico e de síntese, prático,
teórico e crítico.

RESERVADO

SECÇÃO 2. O MÉTODO DA REALIZAÇÃO DO TRABALHO JURÍDICO EM


ESPECIAL

A escolha dos exercícios aqui apresentado é subjectiva mas não totalmente.


Esses exercícios, praticados de uma forma regular, permitem adquirir experiências e
competências genéricas capazes de serem utilizadas ou úteis em relação à realização
de vários tipos de “maneira de fazer” prático em especial.

Assim, serão apresentados a dissertação jurídica (§1), a análise ou comentário


de texto (§2), a resolução de caso prático (§3) e a exposição oral (§4). Além desses
exercício geralmente desenvolvidos nas faculdades de direito dos países de tradição
romano-germánica, é preciso, também, aproveitar-se das experiências dos países
anglosaxónicos em matéria da “educação em direito”176. Assim, previleriar-se-à o
estudo do método casual (§5) e dos julgamentos fictícios (§6).

§1. A dissertação jurídica

RESERVADO

A. Definição. Definir é em mesmo tempo atribuir um sentido e fixar


um limite, isto é, a noção em si e em relação às outras.

A dissertação jurídica consiste em expôr, de uma maneira substancial,


coerente, e sintética, os diversos dados jurídicos referidos pelo tema a tratar.
Noutros termos, a dissertação jurídica é um trabalho que tem uma certa
originalidade, pressupondo conhecimentos sólidos; ela implica uma reflexão e uma
mestria suficiente destes para poder expô-los, combiná-los e com eles fazer uma
construção.

Em regra geral, trata-se de um tema de síntese que permite verificar que o


estudante domina, a materia e tem o espírito de síntese. Por outras palavras, na
prática a dissertação materializa-se em forma da redação de um artigo para uma
revista jurídica, da realização de uma comunicação para um seminário ou um
colóquio, de uma obra de doutrimna . Trata-se de demonstrar uma tese, ou, pelo
mesmo, no primeiro ano da faculdade uma capacidade argumentativa orientada em

176
GORDON R.W., “A educação em direito nos Estados Unidos: origens e desevolvimento”, em
http://usinfo.state.gov/journals/itdhr/08202.htm

62
torno de duas ou mais ideias centrais a partir dos conhecimentos adquiridos nas
aulas.

B. Razão de ser

A dissertação jurídica é um excelente exercício intelectual que permite medir,


em primeiro lugar, a capacidade de teorisação do autor, em segundo lugar, verificar
se o autor domina a matéria e, finalmente, se o autor tem um pensamento sintético.

C. Técnica

a) A preparação

Em primeiro lugar é preciso ler várias vezes e com cuidado o tema de maneira
articulada, com atenção, e sem nenhuma a priori (Estudar o senso do tema :
observar tudo, cada vírgula, os singulares, os plurais, as conjunções de coordenação,
etc.).

Em segundo lugar, rememorar-se as definições de todos os termos e


expressões que o compõem. Delimitar o tema em relação às noções semelhantes. O
estudo dos termos, as fórmulas e as locuções, fazem, muitas vezes, pressentir quais
serão as partes essenciais da composição.

Em terceiro lugar, localizar no plano geral das aulas, as noções por ele
tratadas.

Em quarto lugar, apresentar por escrito o inventário resumido dos


conhecimentos que se tem sobre estas noções (fixar os conceitos essenciais,
especificar as soluções e fontes do direito positivo e da ciência jurídica).

Finalmente, ter sempre um pensamento crítico sobre o tema a tratar. A crítica,


no sentido universitário do termo, não consiste em denegrir o legislador ou o juiz. Ela
consiste em dizer, duma forma objectiva e motivada, em que aspecto tal solução é,
ou não é, satisfatória ou fundamentada. Por outras palavras, a ou as análises críticas
devem ser jurídicas, o que quer dizer fundamentadas sobre argumentos relativos ao
direito e a sua coerência.

b) O plano

Um plano não é um esboço arbitrário, mas um desenvolvimento logico do


pensamento. Ele está ao serviço do discurso. O plano é o meio mais cómodo para
expôr de maneira racional, condensada, e facilmente inteligivel, os diversos dados
constitutivos duma questão. Em outros termos, o plano é uma ordem na exposição
das ideias. Ele estrutura a demonstração.

Em primerio lugar, é preciso tomar as decisões necessárias, sobre o fundo e


sobre o tipo de exercício (descrição, demonstração, discussão, comparação,
evolução) para adaptar os seus conhecimentos ao tema de dissertação ele mesmo.

63
Em segundo lugar, reagrupar as diversas observações em dois ou três blocos,
caracterizados cada um por um eixo director, de tal maneira que a composição trate
a matéria com coerência (escolher os grandes eixos e os grandes polos de
interesse). O essencial é conseguir estabelecer uma classificação dos elementos que
se deseja expôr, e ordenar assim o seu desenvolvimento em torno de duas ou três
noções ou ideias-matrizes cuja justaposição construirá um discurso claro. Em regra
geral, é o próprio tema e sobretudo a abordagem que temos, que vai impôr o plano.

c) A redacção

A dissertação está concebida, falta redigí-la.

Na dissertação jurídica a introdução é de uma peculiar importância. A


introdução177 deve apresentar o tema (situar o tema e precisar o seu conteúdo),
preparar ao estudo da matéria (pôr em evidência a importância extra-jurídica do
tema, pôr em evidência a importância jurídica do tema), e anunciar o plano.

De uma maneira sintética e resumida, MARIE-ANNE COHENDET propõe um


meio mnemotécnico para memorizar a sequência de todos os elementos que devem
integrar uma boa introdução: “D.L.A.I.C.H.P.A”178. Este guião deve ser realizado no
início da sua reflexão, no âmbito da aplicação do pensamento analítico ao tema,
antes de elaborar o plano detalhado.

D: Definição do tema.

A definição do tema é uma operação que consiste em definir palavra por


palavra os termos contidos na formulação do tema e em definir o tema no seu
conjunto. Este exercício é importante porque permite entender o tema e incita em
reflectir sobre as diferentes concepções possíveis. A definição do tema no seu
conjunto deverá ser justificada e aplicada com rigor no desenvolvimento do tema.

L: Limites do tema

Traçar os limites do tema, isto significa, delimitar o tema no tempo, no espaço


e na matéria. Quando o tema não tem nenhuma indicação expressa sobre o tempo,
o espaço ou a matéria, é melhor optar por um estudo lato do tema. Por exemplo: se
o tema é “O juiz administrativo garante das liberdades fundamentais”, o tema deve
ser estudado relacionado a todos os países (pelo menos os que conhecem esta
figura) e num período de tempo não espeficidado. Nestas circunstâncias qualquer
restrição do tema deve ser objectivamente fundamentada.

A: Actualidade do tema

177
«A introdução, é a porta que permite o acesso à casa; à conclusão, é a janela que se abre e que
permite aperceber-se de outros horizontes», Professor JEAN-PIERRE LASSALE.
178
COHENDET M.A., op. cit., p. 118 e seguintes.

64
Cada vez que o tema o permite é desejável integrar na sua introdução
elementos de actualidade relacionados com o tema.

I: Interesse do tema

(Práticos, Teóricos e Pedogógicos)

C: Direito Comparado

É importante posicionar o tema no espaço.

H: Histórico

É também importante posicionar o tema no tempo. As instituições e as regras


de Direito têm uma história que, na maior parte dos casos, determinou a sua
estrutura. As vezes apenas podem entender a sua morfologia actual se foi analisado
a sua história.

P: Problemática

A: Anúncio do Plano

Em outros termos, ela deve colocar a questão no conjunto da matéria, indicar


as suas particularidades, a sua terminologia, e finalmente, acabar anunciando o
plano. Em regra geral, ela deve começar por uma frase que deve despertar a
atenção do leitor. Ela terminará sempre pela explicação da sua problemática 179, o
que quer dizer, deve fazer entender ao leitor quais são os problemas maiores que
são colocados, e porquê se vai tratar o tema de tal maneira. A última frase
compreenderá sempre o anúncio do seu plano que será formulado de maneira
simples e clara.

— O plano deve ser claramente apresentado; por isso, indicam-se os títulos


das partes e das sub-partes.

— No fim de cada subdivisão deve-ter-se o cuidado de colocar uma frase de


transição, para evitar uma mudança de tema demasiado brusca.

— As partes devem ser equilibradas.

§2. O comentário de texto

A. Definição

179
A problemática deve ser a conclusão lógica e necessária da introdução.

65
No exercício do comentário de texto, trata-se de demonstrar porquê e como o
autor do texto tem adoptado tal ou tal atitude e construir um juizo pessoal crítico e
argumentado sobre este. Por outras palavras, comentar um texto consiste em
adoptar um procedimento temático e sintético, acompanhando-se de uma
interpretação mais ou menos livre e mais ou menos pessoal de um texto. Noutros
termos, comentar é fazer um exame crítico do conteúdo e da forma de um texto.
Vários são os textos cujos comentários são fornecidos durante as aulas e nos
manuais (artigos da Constituição, disposições de leis ou de decretos, sentenças,
extraídas de obras de doutrina, etc...). O primeiro trabalho deve consistir em situar o
texto a comentar na materia e relacioná-lo com as questões tratadas no programa.

B. Razão de ser

C. Técnica

a) A preparação

— a situação do texto consiste em indicar : a data, o autor, a referência (artigo de


uma revista, monografia, texto normativo, etc...), o tipo de texto abordado, o
contexto (isto é, a localização exacta de um extracto de texto bem como o meio
social e profissional).

— a investigação das palavras—chave : procurar os termos ou as ideais que


apresentem um interesse particular para a compreensão do texto.

— a investigação da construção do texto : ter em conta a construção tipográfica


(com isto queremos dizer essencialmente, a abertura de novos parágrafos.
Frequentemente, o número de parágrafos é um indício interessante da organização
do conteúdo. A partir da altura em que o número é reduzido, isto reflete uma
concentração da matéria tratada em alguns pontos fortes claramentes distintos; se,
ao contrário, a composição é menos densa, é necessario dar-se uma atenção
particular à coordenação das ideais), a construção gramatical (conjuncões de
coordenação, advérbios), a construção lógica (a passagem de uma forma de
raciocínio à uma outra).

— estude o sentido do texto : identifique, formule, explique o conteúdo do texto


(Qual é a situação por ele visada? Qual é o sistema por ele instituído? Quais são as
regras por ele editadas? Que noções estão aqui definidas? ou implicadas? Que
pontos de vista estão aqui expressos? ou criticados?). Deve não só identificar e
explicar o sentido geral do texto a comentar, mas também o sentido de cada um das
partes separadas.

Se a estrutura do texto não lhe fornece o plano do comentário, deve elaborar


um plano a partir do conteúdo do texto, isto é, das ideias essenciais que nele são
expressas. Para evitar sair do texto, seremos obrigado a citar regularmente, em cada
uma de subdivisões adoptadas. Cada vez que for possível, os títulos retomarão

66
certos termos ou certas expressões do texto a comentar. Todos os elementos
importantes do texto devem ser evocados. De mesma maneira, explicaremos e
criticaremos o texto com rigor e prudência, fazendo prova de uma certa finesa na
análise.

O comentário de decisões de justiça implica regras específicas. A finalidade do


comentário de acórdão é de explicar de uma maneira crítica, porquê e como um juíz
adoptou uma determinada solução em relação a um problema jurídico particular e
quais serão as consequências desta decisão para o futuro. Para analisar claramente
estes elementos, pode-se raciocinar numa ordem cronológica. Em primeiro lugar,
como se situa esta decisão em relação ao passado : o sentido da decisão (estado do
direito antes da decisão e analisar a decisão do juíz em relação ao estado do direito
anterior). Depois, como se situa esta decisão em relação ao futuro : incidência da
decisão (que consequências esta decisão terá no futuro, qual será a sua influência
jurisprudencial).

b) O plano

Em regra geral, um comentário de texto é elaborado segundo o plano do


próprio texto.

Se o texto for curto e se tiver só uma frase, deve apoiar-se na sua estrutura
gramatical e lógica.

Se o texto fôr mais longo, siga as suas divisões em alíneas, em artigos ou em


parágrafos.

Se fôr impossivel encontrar um plano na estrutura do texto, procure um plano


no seu conteúdo, nas noções por ele tratadas, as ideias que nele são expressas.
Neste caso, vale do que o seu plano abranja o conjunto do texto e lhe permita
comentá-lo na sua totalidade sem distanciar-se dele.

Deve expôr os seus conhecimentos relacionando-os sempre com o texto.

Ao conteúdo do texto, deve acrescentar uma quantidade de informações.


Cada palavra e cada frase será um ponto de partida para novos pontos de vista.

Pelo comentário de decisão de justiça : uma frase preliminar para situar o


tema, recordar os factos, evocação dos problemas secundários, apresentação dos
problemas de direito e anúncio do plano (tratar-se da problemática : qual é ou quais
são os problemas jurídicos que fazem todo o interesse da decisão?).

c) A redacção

§3. O caso prático

67
A. Definição

O caso prático é um exercício no qual o estudante é chamado a tomar


conhecimento de uma situação de facto, a descobrir as dificuldades jurídicas que
esta contêm, e enunciar para cada uma, de uma maneira fundamentada, a solução
mais verosímil no estado actual do direito positivo. O objectivo é de demonstrar qual
é a solução jurídica de um problema de direito concreto. A demonstração deve ser
clara, coerente e rigorosa, porque o objectivo do trabalho é explicar um problema
jurídico e convencer que a solução proposta é a mais pertinente180.

B. Razão de ser

O caso prático permite verificar a aptidão do estudante ao raciocínio jurídico.


Regra geral, este exercício apresenta-se sob a forma de uma pequena história que
envolve vários protagonistas e que culmina num litígio que é preciso resolver. O caso
prático constitui um exercício delicado porque é preciso bem perceber o problema
jurídico que suscita a situação de facto, depois, descobrir a solução abstracta e
finalmente, aplicar esta solução ao caso concreto em discussão.

C. Técnica

x) As fases da resolução

A técnica consiste em encontrar a solução da aplicação das regras de direito,


tendo préviamente justificado a escolha e a aplicação destas regras por uma
qualificação jurídica exacta da situação.

Em todas as respostas devem, por conseguinte, figurar estas três


componentes do raciocínio jurídico : selecção dos factos relevantes (a) qualificações
jurídicas (b), regras de direito aplicáveis (c) e soluções (d). Por outras palavras,
qualquer que seja o número de problemas, é preciso aplicar sempre esta sequência.

A demonstração sempre deve ser simples e clara para o leitor ou auditor


porque o ponto de partido é de que esses ignoram tudo da questão. Este
pressuposto é necessário porque corre-se o risco de negligenciar alguns aspectos
fundamentais do problema acreditando que estes são tão evidentes que não
precisam de ser expostos. A argumentação deve ser organizada com lógica e
coerência, em torno de um plano estruturado.

a) A selecção dos factos relevantes

180
DEFRÉNOIS-SOULEAU I., Je veux réussir mon droit, op. cit., p. 128 e sguintes; COHENDET M.A.,
op. cit., p. 156 e seguintes.

68
Nem todos os factos são relevantes e pertinentes para solucionar um
problema jurídico. Assim, é preciso seleccionar dentre dos factos do caso, os que
apresentam um interesse pela resolução do problema. São esses factos que deverão
ser qualificados juridicamente181. Por exemplo, se João compra um carro numa
empresa especializada e que depois de uma semana o motor do carro explode por
causa de um vício de fabricação do motor e que João pede o seu parecer para
responsabilizar a empresa vendedora; a cor do carro não é verdadeiramente
relevante para solucionar o seu problema jurídico. Pelo contrário, o vício de
fabricação do motor é um elemente pertinente num processo em responsabilidade.

b) A operação de qualificação jurídica

Qualificar juridicamente é nomear em termos jurídicos. Qualificam-se factos,


ou uma situação, exprimindo-os em termos jurídicos afim de ligá-los aos casos
previstos e regulamentados pela ordem jurídica considerada.

O raciocínio consiste em traduzir em termos de direito os factos e a questão


contidos no enunciado para passar do plano do caso concreto ao plano de uma
situação jurídica e de um problema de direito. Por outras palavras, a qualificação
jurídica é a tradução jurídica de dados factuais182. É preciso fazer entrar os factos
numa categoria jurídica.

Por exemplo, se João tem 23 anos de idade, isto significa, juridicamente, que
ele é maior de idade. Com efeito, ao abrigo do Artigo 122.° do CC: "São menores as
pessoas de um e outro sexo enquanto não perfizerem vinte e um anos de idade" ; se
Pedro compra um livro a João, isto é, juridicamente, um contrato de compra/venda.
Com efeito, nos termos do Artigo 874.° do CC: "Compra e venda é o contrato pelo
qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço".

Feito isso, é preciso identificar a ou as questões jurídicas que suscitam o caso


prático e expô-las com clareza e precisão.

c) As regras de direito aplicáveis

O raciocínio consiste numa descrição e numa explicação das regras aplicáveis


à situação jurídica que o estudante acaba de esclarecer. São estas regras que trazem
consigo os princípios da solução e que justificam as respostas à questão colocada.
Por outras palavras, é preciso indicar a regra de direito aplicável no caso concreto.
Todavia, não se trata ainda de apresentar a solução do problema jurídico mas de
formular a regra abstracta que permitirá de resolvé-lo.

Este exame do direito positivo incide sobre os textos legais e regulamentares,


a jurisprudência e a doutrina, isto é, as fontes do direito.

181
MAZEAUD H. e MAZEAUD D., Méthodes de travail, op. cit., p. 61.
182
PANSIER F.J., Méthodologie du droit, op. cit., n.° 138.

69
O estudante deve explicar de maneira aprofundada os pontos de direito úteis
à solução.

d) As soluções

A última etapa consiste em tirar as conclusões do raciocínio, aplicando as


regras de direito ao caso concreto. Confinam-se assim as soluções impostas pelo
direito positivo. Assim, é preciso aplicar ao caso concreto a solução jurídica abstracta
anteriormente identificada.

No plano jurídico e abstracto, trata-se de dar uma resposta aos problemas de


direito anteriormente esclarecidos e explicar de maneira clara e convincente a
solução encontrada a partir das regras expostas (podem analisar claramente o
problema aplicando o raciocínio silogístico).

No plano concreto, trata-se de responder à questão prática colocada (dar uma


resposta ou un conselho concreto e preciso).

Assim, o essencial não é de afirmar categoricamente uma solução, "mas de


explicá-la e justificá-la com uma raciocínio rigoroso e uma argumentação precisa"183.

No caso em que, a situação o permite, o estudante pode e deve expor as


diversas soluções que são susceptíveis de solucionar o problema discutindo da
fundamentação de cada uma

No concernente à apresentação do exercício, devem recordar-se sucintamente


dos elementos essenciais, afim de poder expôr o problema de direito em termos de
princípio. Quanto à solução, pode-se tanto dá-la imediatamente, e fazê-la
acompanhar das explicações necessarias, como enunciá-la no fim da argumentação.
O importante é fornecer uma resposta justificada e completa.

Assim, como ensinam HENRI MAZEAUD e DENIS MAZEAUD, "Em definitivo, os


trâmites do caso prático consistem em um silogismo que, a partir de uma situação de
facto e passando por um regra de direito, conduz à solução do caso concreto"184.

§4. A exposição oral

A exposição oral é um exercício de comunicação. Trata-se de um exercício


destinado a exercitar-vos para a locução pública, por um lado, e, por outro, a
beneficiar todo grupo do trabalho de um dos estudantes. O direito é uma arte de
expressão e quase todas as profissões jurídicas exigem um dominio da fala, de
explicação e da convicção.

A. A preparação

183
MAZEAUD H. e MAZEAUD D., op. cit., p. 61.
184
MAZEAUD H. e MAZEAUD D., Ibidem

70
Tal como uma dissertação, uma exposição deve ser preparada com um estudo
aprofundado das questões a tratar. Ela deve ser bem elaborada e centrada no tema.
Mas o texto é destinado a ser apresentado oralmente, a ser compreendido
imediatamente pelos outros estudantes, e deve captivar a sua atenção.

— Os centros de interesse ou as linhas directivas do tema devem ser


claramente realçados. A sua exposição deve estar organizada à volta de duas
grandes ideias que lhe darão um carácter coeso e captivarão a atenção. Regra geral,
deverá aliar frequentemente estas ideias directivas, o auditório poderá retê-las e não
perderá o fio da exposição.

— O plano da exposição assemelha-se ao de uma dissertação, mas ele deve


ser imperativamente muito claro. Os que estiverem a ouvir e que ainda não tenham
aprofundado o tema, devem ser capazes de compreender e de identificar o plano
logo que ele fôr anunciado. os títulos de cada parte devem, por isso, ser muito
curtos e claros, e as subdivisões devem ser claramente indicadas.

— As primeiras frases de uma exposição são muito importantes pois elas


anunciam a tonalidade. A introdução é feita para despertar o interesse (interesse do
tema, situar o tema em relação ao conjunto da matéria, evolução histórica, ideias
directivas, anunciar o plano).

B. A locução em público

Trata-se de comunicar aos outros, o resultado do seu trabalho, sem fazê-los


perder tempo nem cair na monotonia, mas de um modo que lhe seja benéfico. Para
atingir estes objectivos, esteja motivado, seguro e respeite as três regras da locução
em público :

— Falar devagar e pausadamente;

— Ler sem olhar para o papel;

— Variar o tom da voz e a cadência.

§5. O método casual

Fazer referência ao método casual (B) é fazer referência inevitavelmente a


educação em Direito nos paízes anglo-saxónicos (A).

A. A educação em Direito nos países anglo-saxónicos

A história da educação em Direito nos países anglo-saxónicos é rica e diversa


mais o que surpreende – para um jurista educado num sistema diferente - é que
esta educação ficou, por muito dentre eles e durante muito anos (por exemplo, o
sistema norte-americano), num estádio arquáico.

Porque?

71
A educação em direito é fundamentalmente o reflexo do próprio sistema
jurídico. Os sistemas jurídicos anglo-saxónicos estabelecidos sobre os fundamentos
da Commun Law priviligiam, de facto, principalmente um estudo concreto do direito
e por razões óbvias, priviligiam em particular uma profissão a do advogado. Assim, a
reflexão teórica ficou, muito tempo, numa estado vegetativo. Além disso, a influência
da evolução política nesses países houve uma influência substancial sobre a evolução
do sistema jurídico-educativo; por exemplo, se se olha para o sistema dos Estados
Unidos de América, a educação em Direito espelha a evolução da democracia norte-
americana185. No princípio da República norte-americana (Século XVIII), os padrões
profissionais eram poucos e as profissões eram privilégio de homens brancos donos
de terras. Os adogados das pequenas cidades dos tempos pós-coloniais tinha apenas
uma educação em direito que se reduzia em alguns anos de aprendizagem em um
escritório de advocacia. É clara que esta educação evolui enormemente desde os
seus primórdios até hoje.

As curricula dos Faculdades de direito norte-americana enriquerecerem


apenas a pouco tempo (algumas decadas) e ainda os curricula tradicionais estão no
início das mudanças.

Nos Estados Unidos, ser advogado significa muitas coisas. Existem adogados
ques estão presentes nos tribunais e muito outros que nunca vêem um juiz. A
estrutura dos gabinetes de advogados é estremamente diversas. Há enormes
empresas de advocacia das grandes cidades que empregam de 500 a 1000
advogados que prestam trabalho muito especializado para empresas transnacionais e
advogados que trabalham sozinhos ou em pequenas empresas que ajudam famílias e
pequenos negócios com seus problemas legais como divórcios, testamentos,
transacções de bens ou falências. O Direito é também a carreira preferida para
entrar na política.

Por mais diversos que sejam os advogados norte-americanos em suas


especialidades, rendimentos ou posição social, todos eles pertencem a uma única e
específica profissão e detêm as mesmas qualificações formais básicas, educação e
trenamento. Todos foram admitidos na Ordem dos Advogados de um ou mais dos
cincuenta estados, sob normas dispostas pelos mais altos tribunais estaduais.

O ingresso na profissão é controlado pelas OABs (), pelos tribunais estaduais e


pelas faculdades de Direito.

Como ser advogado?

 Completar 4 anos de faculdade sob graduação;

 Completar 3 anos de uma faculdade de Direito aprovada pela ABA; e, por fim,

185
GORDON R.W., "A educação em Direito nos Estados Unidos: origens e desenvolvimento", em
http://usinfo.state.gov/journals/itdhr/08202.htm

72
 Ser aprovado em um exame da ordem.

Na maoir parte dos Estados, 50 a 80% dos candidatos que prestam o exame
da ordem são aprovados. prática, este sistema torna o ingresso na faculdade de
Direito a etapa fundamental e mais difícil do ingresso na profissão.

Existem nos Estados Unidos, hoje em dia, 185 faculdades de Direito aprovadas
pela ABA, com cerca de 2 000 professores leccionando em tempo enteiro. As
faculdades são financiadas pelas mensalidades dos alunos, doações dos formados e,
no caso das faculdades públicas, dotações dos estados. A faculdade de Direito nos
Estados Unidos é pós-graduada, não subgraduada. Os ingressos são muito selectivos
e determinados por altas notas e em um teste padrão. A Faculdade de Direito de
YALE, por exemplo, possui 5 000 inscritos para 170 vagas na sua turma inicial. Os
custos são também uma alta barreira. Os alunos das faculdades privadas de Direito
pagam cerca de USD 30 000 por ano em taxas e mensalidades; mesmo nas
faculdades de Direito públicas, eles devem pagar de USD 15 000 a 20 000 por ano;
e, desta forma, muitos se formam com dívidas de USD 100 000 ou mais.

As faculdades de Direito controlam não apenas quem entra na profissão, mas


as oportunidades após a formação. Os formandos com alta notas das faculdades
mais prestigiosas são activamente contratados para os empregos de maior prestígio
e ganhos mais altos, como nas empresas de advocacia das grandes cidades,
enquanto os graduados das faculdades inferiores às vezes enfrentam problemas para
encontrar trabalho como advofgados.

Embora as faculdades estejam realmente preparando formandos para


carreiras muito diversas, seus currículos e métodos básicos são similares. Todos eles
ensinam os mesmos cursos de primeiro ano: propriedade, contratos,
responsabilidade, legislação cível e criminal e os ensinam pelo método "casual".

B. A técnica do estudo de caso

No método casual, os estudantes chegam a cada turma após lerem alguns


"casos", isto é, decisões e pareceres de tribunais federais e estaduais superiores
recolhidos em "livros de casos" publicados; e o professor incentiva o diálogo entre os
estudantes sobre os casos.

Por exemplo: o professor pode pedir a um aluno quais são os factos que
originaram o caso João contra Empresa Bolacha de Nova-York?

O estudante deve explicar com pormenores os factos da causa. Por exemplo,


que o Sr. João comprou um pacote de bolachas de Mozambique e depois de ter
consumido apareceu máculas de várias cores na barriga. Por isso, o Sr. João
apresentou uma acção contra a Empresa Bolachas de Nova-Tork por perdas e danos.

Depois o professeur pode perguntar ao aluno qual foi a defesa da Empresa


Bolacha de Nova-York.

73
A Empresa bolachas de Mozambique afirmou que respeitou todos os padrões
técnicos de elaboração de bolachas que a legislação vigente impõe e que de facto as
máculas na barriga que aparecerem na barriga do Sr. João não são imputáveis a ela.

O Professor pode perguntar então, em termos de procedimentos, como o caso


foi resolvido no tribunal? E como ele chegou ao tribunal superior estadual?

O aluno pode expor que o João recorreu ao tribunal de 1er instância e este
decidiu a favor do João. Mas que, a Empresa bolacha de Nova-York recorreu da
decisão do tribunal de 1er instância. O Tribunal Supremo confirmou a decisão do
primeiro juiz.

O professor pode perguntar mas o João não omitiui nada em relação os


factos?

Um outro estudante pode tomar a palavra e reorientar o debate. Por exemplo,


acrescentando outros elementos a argumentação do João que o primeiro aluno
omitiu.

O professor pode perguntar sobre as provas, as testemunhas, etc... Pode


também perguntar sobre a decisão do tribunal se é corecta ou não? E se vocês
estivessem defendendo o lado da Empresa bolacha de Nova-Yok, qual seria os seus
argumentos?

§6. Os julgamentos fictícios

74
CAPÍTULO III – O SABER SER DO JURISTA

O jurista ocupa na sociedade um lugar particular devido, em grande partes,


aos valores que ele reflecte (justiça, poder, etc…). Esta posição específica do jurista
como SER186 na sociedade dos homens merecerá um estudo autonomizado.

A maneira de ser no mundo do Direito do jurista, isto é, o seu modo de existir


neste mundo, levanta pelo menos duas questões fundamentais em razão do seu
posicionamento e da sua actuação na sociedade.

A primeira situação é aquela do jurista actuando na elaboração do seu


trabalho científico-investigativo que lhe impõe de agir em conformidade com algumas
normas sem as quais o seu trabalho não responderia aos critérios da “cientificidade”
(SECÇÃO 1); a segunda é a da sua relação com a própria sociedade onde ele actua
como jurista. Trata-se, neste sentido de uma questão de ética que envolve, deste
ponto de vista, o próprio relacionamento do Direito com a Ética (SECÇÃO 2).

SECÇÃO 1. AS EXIGÊNCIAS DE CIENTIFICIDADE DO TRABALHO JURÍDICO

O jurista deve observar as exigências científicas para considerar como séria a


sua demonstração, isto é as exigências impostas em qualquer disciplina que se quer
científica. Se considera-se a actividade científica como um sistema ordenado de
conhecimento, então o estudo do Direito pode ser científico.

As principais exigências impostas para considerar como científicas são o rigor


e objectividade (§1), um pensamento analítico e um pensamento de síntese (§2),
uma análise teórica e prática (§3), um pensamento crítico (§4) e uma faculdade de
adaptação (§5).

§1. O rigor e a objectividade

A combinação do rigor (A) e da objectividade (B) impõe, em qualquer análise


jurídica, analizar sistematicamente todos os elementos presentes (C).

A. O rigor

O rigor – no sentido de concisão, exactidão e precisão187 - impõe-se em todos


os aspectos da análise jurídica, quer na fase da reflexão de fundo, quer na fase da
organização das pesquisas, do desenvolvimento da argumentação ou do próprio

186
No sentido de “estar ou ficar situado” (Dicionário da Língua Portuguesa, Ed. Porto Editora, 8.ª. ed.,
1999, vide, Ser) na sociedade.
187
Dicionário da Língua Portuguesa, Ed. Porto Editora, 8.ª. ed., 1999, vide, rigor. A precisão dos
termos é necessária para saber quais são os factos que serão subsumidos na norma aplicável e o teor
do seu comando, vide, BATIFFOL H., "Observations sur la spécificité du vocabulaire juridique", op.
cit., p. 40 e seguintes.

75
estilo do jurista. Assim, é necessário organizar e apresentar racionalmente a análise,
para que seja clara e séria.

B. A objectividade

A objectividade entendida como “carácter de um objecto de pensamento


válido”188, sendo critério de tal validez a universalidade do acordo dos espíritos em
relação ao mesmo objecto, é uma exigência indispensável em Direito.

O jurista pode considerar que uma regra de Direito é odiosa e que precisa
combate-lá mas o jurista, neste caso, deve agir, antés de tudo como cidadão e não
como jurista.

Todavia, a objectividade não existe no absoluto e é possível, em alguns casos


específicos, decidir tratar de uma questão sob um ângulo ou uma perspectiva
particular, mas é sempre necessário, nesta situação, precisar esta maneira de se
aproximar da questão para que a honestidade da demonstração não podesse ser por
em causa.

Neste sentido, MARIE-ANNE COHENDET explica que “por exemplo, se estuda-


se tal questão de Direito Constitucional afirmando que o pressuposto da abordagem
da questão será este, por exemplo na busca das garantias da Democracia num
Estado de Direito, isto conduz a ter uma abordagem que não é neutro, porque esta
abordagem favorece a Democracia”189. Mas, se precisa-se expressamente a
especificidade da abordagem, esta permanece tão científica como uma aproximação
dogmática pode ser.

É certo que as normas jurídicas exprimem valores e que a análise dessas


normas pela dogmática jurídica não é também neutra e por isso que, parafraseando
MARIE-ANNE COHENDET: “o jurista deve fazer tudo por ser tão objectivo como
possível tentando não tomar em conta esses valores e/ou precisando o quadro no
qual ele raciocina”190. Por outras palavras e mais concretamente, quando o juiz
interpreta uma regra de direito, ele não pode substituir os seus juízos de valores a
aqueles do legislador.

Na maior parte dos casos, várias concepções são aceitáveis, mas devem
respeitar, quaisquer que sejam, todas as exigências da cientificidade para ser válida.

C. A combinação do rigor e da objectividade

A combinação do rigor e da objectividade impõe, em qualquer análise jurídica,


de considerar e analizar sistematicamente todos os argumentos existentes, mesmo e
sobretudo se estes são opostos a tese que se pretende defender. É preciso sempre

188
Dicionário da Língua Portuguesa, Ed. Porto Editora, 8.ª. ed., 1999, vide, objectividade
189
COHENDET M.A., op. cit., p. 30.
190

76
avaliar cada argumentação antés de se pronunciar de maneira fundamentada para
defender aquela que parece pertinente no caso concreto.

§2. Um pensamento analítico e um pensamento sintético

O pensamento analítico (A) e sintético (B) são necessáros para conduzir uma
boa análise jurídica.

A. Um pensamento analítico

O pensamento analítico consiste em examinar um objecto, parte por parte ou


decompor este nos seus princípais elementos. Assim, no Direito o pensamento
analítico traduz-se na decomposição do objecto de estudo em todos os elementos
necessários a sua reflexão.

Assim, a análise de um texto, por exemplo, necessita o seu estudo global e


frase por frase; palavras por palavras.

É preciso, também, analizar tomando em conta todos os pontos de vista


situando a questão ou problema no seu contexto geral (eventualmente contexto
histórico, sociológico, económico) e no seu contexto jurídico procurando todos os
problemas de Direito que esta ou este pode colocar. Por outras palavras, o tema ou
a questão investigada e todos os elementos necessários à reflexão deverão ser
sistematicamente analisados e ponderados.

B. Um pensamento sintético

A qualidade de uma trabalho jurídico depende muitas vezes do pensamento


sintético do seu autor.

O pensamento sintético pode ser definido como “a aptidão a reagrupar


elementos dispersos em volta de uma única ideia”191.

É uma abordagem inversa daquela que se prossegue no pensamento analítico.


Não se trata de partilhar uma ideia em vários elementos, mas, pelo contrário, reunir
numerosos elementos em torno de uma ideia.

O exercício da exposição oral192 permite experimentar concretamente e


plenamente o pensamento sintético. Com efeito, num tempo limitado e a partir de
uma documentação que pode ser, em alguns casos abundante, o estudante deve
realçar o que é essencial num tema a tratar. Nesta pespectiva, deve evitar-se perder-
se nos pormenores inúteis que prejudicam a clareza da exposição oral e realçar os
elementos mais importantes do tema. O estudante que preparou insuficientemente o
exercício será tentado de perder tempo com uma argumentação vazia para esconder
as suas deficiências mas isso não vai enganar ninguém apenas ele próprio.

191
COHENDET M.A., op. cit., p. 31.
192

77
Assim, é preciso aprender a avaliar o que importante e o que não é isto é, o
que é acessório. Por outras palavras, é preciso encontrar o elemento fundamental ou
decisivo.

§3. Análise teórica e análise prática

Um bom jurista é como uma palmeira alta: a cabeza nos nuevens e as raízes
bem ancoradas na terra. O que é difícil, mas essencial, é fazer a ligação entre os
elementos abstractos e os elementos muitos concretos de uma tema, isto é o
relacionamento entre a teoria e a prática.

Muitas vezes, pode-se observar na literatura jurídica ou nas relações laborais,


a apresentação da oposição entre os teóricos e os práticos. Os teóricos sabem tudo
mas entendem nada e, pelo contrário, os práticos sabem nada mas entendem tudo.

Esta posição do relacionamento entre teóricos e práticos é um falso


posicionamento. Em primeiro lugar, a maior parte dos teóricos conhecem
perfeitamente a prática e alguns dentres eles são também muitos bons práticos. Em
segundo lugar, os bons práticos sabem também que é necessário dominar a teoria
para analizar correctamente uma questão de Direito. Muitas vezes os práticos
percebem que as análises teóricas realizadas e apreendidas na Faculdade de Direito
que, nesta altura, poderiam aparecer como longe do problema a solucionar e inúteis,
revelam-se pertinentes na vida profissional para resolver problemas muitos concretos
e complexos.

Assim, e de uma forma concreta, é preciso sempre relacionar as questões


colocadas aos problemas teóricos, e, reciprocamente, aplicar essas teorias para
avaliar se estas têm ou não um interesse prático.

É sempre útil, na ocasião de uma demonstração, acompanhar a sua exposição


com exemplos muitos concretos para torná-la mais acessível.

Uma questão pode se levantar no que diz respeito ao facto de saber se é


preciso partir da teoria para culminar na prática, isto é, ter uma abordagem dedutiva
(do geral ou particular)193, ou pelo contrário, partir da observação da realidade para
enunciar ou formular uma teoria, isto é privilegiar uma raciocínio indutivo194.

Os dois pontos de visto são válidos mas podem ser combinados: observação –
teorização – aplicação ou seja, indução e depois dedução195.

§4. O pensamento crítico

193
A dedução é a consequência da aplicação de um raciocínio ou de um princípio (Dicionário da
Língua Portuguesa, Ed. Porto Editora, 8.ª. ed., 1999, vide, dedução).
194
A indução consiste a partir do particular e formular princípio geral ; observa-se um fenómeno
depois formula-se um princípio (Dicionário da Língua Portuguesa, Ed. Porto Editora, 8.ª. ed., 1999,
vide, indução).
195
COHENDET M.A., op. cit., p. 32.

78
A. O pensamento crítico

“Nenhum trabalho científico não poder ser sem um pensamento crítico”196, até
porque a crítica do direito vigente é indispensáveis pela realização das reformas197.

Esta afirmação ilustra perfeitamente um certo estado de espírito que consiste,


em primeiro lugar, pelo jurista, a criar um certo distanciamento entre ele e o objecto
estudado, e em segundo lugar, pôr em causa as aparências, as evidências e as ideias
pre-concebidas. Esta operação é bastante difícil porque o jurista “é um
conservador”198; como escreve GEORGES RIPERT: “A ciência jurídica cria um estado
de espírito que é comum a todos os juristas. Ela impõe um método que forma o
espírito num determinado sentido. Trata-se de estabelecer e aplicar as regras
necessárias à vida dos homens num estado social determinado, depois de examinar
como os actos e os factos se posicionam sob a aplicação dessas regras. É preciso
para uma tal ciência um espírito de ordem e de moderação, um senso do concreto
que preserva da ideologia, um cuidado da justiça que afasta as paixões, uma
previsão dos maus originados pela sua violação. É preciso, também, de algum
septicismo sobre a perfeição da ordem estabelecida que permite tolerar as infracções
menores e julgar os homens com indulgência”199.

Neste sentido, a questão fundamental que deve fazer o jurista é porque?

Porque o juiz, o legislador ou a doutrina trataram esta questão desta maneira?


Não se pode questionar o problema de uma outra forma? Qual foi a solução
adoptada no passado? Qual é a situação no Direito Comparado? Qual é a posição dos
estudiosos sobre esta questão? Esses pontos de vista não podem ser contestados?
Como ensino CLAUDE LÉVI-STRAUSS: “O sábio não é o homem que fornece as
verdadeiras respostas: é aquele que faz as verdadeiras questões”200.

É claro que o cliente do advogado não espera dele uma dissertação abstracta
sobre a sua situação mas de analizar o seu problema e demonstrar qual é a solução
concreta que é mais adequada. Mas a solução mais pertinente nesta caso apenas
pode ser apresentada se a questão foi bem entendida, isto é equacionada com um
pensamento crítico. Assim, “o pensamento crítico exerce-se em primeiro lugar
quando trata-se do tema a investigar, e depois durante todo o tempo da análise”201.

B. Um pensamento crítico-jurídico

196
COHENDET M.A., op. cit., p. 33.
197
RIPERT G., Les forces créatrices du droit, Paris, LGDJ, 1955, p. 4.
198
RIPERT G., op. cit., p. 8.
199
RIPERT G., op. cit., p. 10.
200
CLAUDE LÉVI-STRAUSS, Le cru et le cuit, Plon, citado por COHENDET M.A., op. cit., p. 33.
201
COHENDET M.A., op. cit., p. 34.

79
As análises críticas devem ser jurídicas. Isto significa, fundamentadas sobre
argumentos relativos ao direito e a sua coerência. Por exemplo, uma situação de
incompatibilidade ou de contradição entre dois diplomas legais (entre duas leis ou
entre a Constitução e a Lei ou entre a Lei e um decreto do Conselho de Ministros).

Alguns casos, a análise crítica pode tomar em conta elementos relacionados


com o funcionamento das normas jurídicas, isto é, “no que diz respeito às relações
entre as regras de direito e sociedade com a qual essas têm vocação a se aplicar” 202.
Trata-se, por exemplo, de argumentar com dados sociológicos, económicos,
religiosos, políticos ou históricos para explicar o surgimento ou a ineficácia de uma
norma jurídica.

Todavia, esta abordagem deve ser utilizado com muito cuidado sob pena de
se afastar do direito positivo sobretudo quando se trata-se de críticas relacionadas
com a vida política. É preciso distinguir claramente entre as críticas que têm uma
relação directa e necessária com a regra de direito e as que são simples alegações
de politiquice. As primeiras podem ser admitidas; as segundas são absolutamente
proibidas do ponto de vista científicas.

A análise crítica deve ser enunciada ao mesmo tempo em termos prudente na


forma e no fundo.

Preliminarmente, a crítica é fundamentada sobre argumentos precisos e


rigorosos. É preciso demonstrar porque e como uma demonstração ou um discurso
jurídico é contestável mas a crítica deve ser feito com moderação.

Em primeiro lugar, é precioso ser prudente na organização e formulação das


ideias. As certezas podem ser enunciadas claramente, mas a sapiénza incita à
moderação203. Não se pode afirmar que “o Conselho Constitucional exagerou”, mas
que “a posição do Conselho Constitucional parece excessiva no que concerne a sua
fondamentação jurídica”.

Em segundo lugar, o crítico deve ser humilde porque é muito mais fácil
demonstrar inépcias que verdades. Isto não impede que o pensamento crítico
necessita de coragem na defesa das sua ideiais.

§5. A faculdade de adaptação

As análises jurídicas podem ser diferentes segundo as situações. O regente da


disiciplina pode ensinar uma concepção ou uma figura jurídica de uma certa forma
enquanto que o seu assistente desenvolve um ponto de vista diferente ou que um
manual desenvolve um ponto de vista diferente do primeiro e do segundo.

Onde está a verdade?

202
COHENDET M.A., op. cit., p. 34.
203
COHENDET M.A., op. cit., p. 35.

80
A verdade no Direito é relativa, “o essencial é sempre respeitar as exigências
científicas explicando claramente as diferentes opções e escolhendo, de maneira
muita argumentada, aquela que parece mais convincente”204. Assim, a incerteza
prévia é aparente. Pelo contrário, a diversidade é um signo de riqueza na reflexão
jurídica. Os juristas devem ser preparados em enfrentar uma variedade de situações.

No âmbito do estudo da formação do pensamento jurídico, trata-se apenas de


bem entender a razão de ser dessas diferentes aproximações.

Assim, os métodos de abordagem do Direito podem variar em função da


relação do jurista à regra de Direito (A), segundo a concepção do Direito (B) e em
função da matéria (C).

A. Trâmites diferentes em função da posição do jurista

O jurista é susceptível encontrar-se em situações muito diferentes em relação


à regra de Direito segundo a sua profissão ou as situações nas quais ele está a
actuar. É importante entender essas diferentes aproximações porque são essas que
serão muitas vezes adoptadas na vida profissional e que, por esta razão, foram
objecto de estudo nos desenvolvimentos anteriores205.

O jurista pode intervir, em primeiro lugar no momento da elaboração de um


diploma legal (a), em segundo lugar no momento da aplicação deste (b) ou,
finalmente como mero observador do Direito (c).

a) A intervenção do jurista na elaboração de um diploma jurídico

O jurista pode intervir no momento da elaboração de um diploma legal, por


exemplo, pode ser consultado pelo próprio autor deste (por exemplo, o Parlamento
ou o Governo) ou o seu redactor (por exemplo, Departamento Jurídico de um
ministério). Pode tratar-se no que concerne o diploma, da Constituição, de leis, de
decretos mas também de uma postura municipal ou de um contrato. O jurista pode
actuar como consultor da Administração Pública para elaborar os referidos diplomas
(advogado, docente da Faculdade de Direito, etc...) ou como próprio funcionário
desta.

Qual é o método a seguir?

Em primeiro lugar, é preciso estabelecer um diagnóstico crítico das normas


jurídicas existentes nesta matéria.

Em segundo lugar, o jurista deve elaborar um estudo prospectivo pela qual


este pesquizará quais podem ser as vantagens ou os inconvenientes de aprovar tal

204
205
Vide, supra ??????????????????????

81
ou tal diploma novo. Todos esses elementos deverão ser apreciados a respeito dos
objectivos do autor do diploma, até os seus interesses206.

b) A intervenção do jurista no momento da aplicação do diploma


jurídico

O jurista pode intervir no momento da aplicação da regulamentação, por


exemplo, pode ser consultado sobre os pormenores da sua aplicação; por exemplo,
um advogado pode ser consultado por um empresa para conhecer melhor as regras
de edificação de prédios no Município de Maputo que deve ser respeitas porque tem
o projecto de ampliar o seu estabelecimento.

A consultoria jurídica implica uma resposta precisa e concreta. Não é o lugar


de desenvolver amplas dissertações teóricas mas de dar uma resposta prática
directamente utilizável pelo solicitador.

Mas, é sobretudo no âmbito de um processo que o jurista é chamado a


intervir com um particular desempenho.

Como assessor das partes – sobretudo como advogado – o jurista deverá


procurar a solução mas satisfatória pelos interesses que deve defender, não só sobre
o plano pecuniário mas também, sobre o plano humano. Nesta perspectiva, o jurista
deverá convencer o juiz da pertinência da solução proposta. A sua análise pode
necessitar elementos teóricos, mas neste caso, o jurista deverá ser muito pragmático
e não negligenciar nenhum pormenor.

Como juiz, a posição do jurista é diferente da primeira porque deve actuar


com imparcialidade e procurar a solução mais satisfatória em Direito.

c) O jurista observador do Direito

O jurista pode ser numa posição de observador. Investigadores, docentes,


estudantes estão, regra geral, numa posição de terceiro em relação aos problemas
de elaboração ou de aplicação do Direito. Nesta perspectiva, o objectivo principal da
sua actividade é analisar e explicar o Direito numa forma objectiva207.

É no âmbito da sua actividade doutrinal que as análises teóricas são mais


necessárias, mesmo se essas actividades podem se exercer sobre questões muito
práticas, por exemplo o comentário de um acórdão.

B. Aproximações variáveis em função da concepção do Direito

O ponto de partida da análise é a complexidade dos fenómenos a observar e a


riqueza das aproximações possíveis no estudo de uma mesma questão de Direito.

206
COHENDET M.A., op. cit., p. 38.
207
Vide os trabalhos publicados na Revista Jurídica da Faculdade de Direito da Universidade Eduardo
Mondlane.

82
Nesta perspectiva, acontece que os juristas podem não ter a mesma concepção do
Direito. É claro que a escolha de uma concepção em relação com outra tem uma
consequência no que diz respeito ao método escolhido.

Qual é o método a seguir? O que fazer se não concorda com a concepção do


Direito escolhida pelo seu professor?

Pode-se distinguir entre diferentes concepções do Direito como conjunto de


normas ou com ciência tendo por objecto o estudo dessas normas.

SECÇÃO 2. A ÉTICA, O DIREITO E O JURISTA

O documento do Curso de Mestrado da Faculdade de Direito da Universidade


Eduardo Mondlane208 insistiu, pelo menos em duas ocasiões, sobre a ética. Em
primeiro lugar, o referido documento lembrou que um dos objectivos fundamentais
da Faculdade de Direito é de “Desenvolver a consciência ética e cívica dos seus
alunos”209 e, mas particularmente, o referido documento na sua parte consagrada ao
“Desenvolvimento de competências genéricas” precisa que a Ética “É a capacidade
de orientar a sua conduta pessoal e profissional em conformidade com os ditames da
moral e das normas deontológicas das respectivas profissões, propugnando sempre
pela dignificação da pessoa humana”210.

208
Documento do Curso, Maputo, Julho de 2002 – policopiado.
209
Documento, p. 4.
210
Documento, p. 10.

83
84
PARTE II – O MÉTODO DO DIREITO

Os problemas colocados aos juristas são inumeráveis e variáveis no tempo e


no espaço. O estudo da actividade dos tribunais sobre esta questão é elucidativo. As
soluções jurídicas são também extremamente evolutivas e também variáveis,
segundo os países e as épocas e por isso que o estudo dos métodos jurídicos
caracterizados por uma certa permanência são indispensáveis e mais importantes
que uma colectânea de soluções pontuais.

Nesta perspectiva, é preciso pois estudar o método jurídico geral que integra
um conjunto de instituições, instrumentos e mecanismos que constituem a base de
qualquer ordenamento jurídico (CAPÍTULO I – O MÉTODO JURÍDICO GERAL).

Se situa-se a análise ao nível da implementação dos meios e dos métodos nas


diferentes actividades, legislativas, jurisdicional ou administrativas, pode-se verificar
que esta implementação varia em função do objecto porque os objectivos a alcançar
são diferentes bem como os problemas a solucionar.

Trata-se de aplicar os métodos estudados em situações meramente distintas.


Os caminhos são diferentes quando se trata de pesquisar, elaborar uma norma
jurídica ou aplicar o Direito.

Finalmente, são os mesmos conceitos ou mecanismos jurídicos que são


utilizados mas em situações concretas distintas. É esta abordagem que será
apresentada num segundo Capítulo (CAPÍTULO II – O MÉTODO JURÍDICO
APLICADO).

Assim, encontra-se, do ponto da "ciência objectiva do Direito", no Método do


Direito, as "ciências" cuja reunião constitui, segundo JEAN CARBONNIER, a função
de jurista ("ciência das sistematizações" ou ciência da classificação; "ciência da
interpretação" ou hermeneútica e "ciência da criação normativa" ou "ciência da
legislação)211.

211
JEAN CARBONNIER, citado por LOUIS ASSIER-ANDRIEU, Le droit dans les sociétés humaines ,
op.cit., p. 10. A este agregado de "ciências", JEAN CARBONNIER acrescenta a "ciência sociológica".
Esta "ciencia" por seuobjecto e seus métodos não foi contemplada na delimitação

85
CAPÍTULO I – O MÉTODO JURÍDICO GERAL

Um dos aspectos essenciais da metodologia jurídica é de estabelecer e aplicar


soluções de Direito a situações de facto.

O legislador e a doutrina devem tratar, em Direito, situações gerais


fornecendo soluções concretas ou práticas. Do mesmo modo, o juiz e o prático do
Direito devem solucionar problemas particulares e aplicar regras de direito a um
litígio, por exemplo.

Essas situações que podem aparecer como diferentes não as são por
natureza. A actividade dos juristas situa-se fundamentalmente num relacionamento
entre o Direito e os factos. É sempre aplicar o Direito aos factos ou elaborar o Direito
em função dos factos. É por concretizar esta finalidade que os juristas utilizam
diversos métodos jurídicos para aproximar o Direito dos factos. Por exemplo, pela
qualificação jurídica dos factos ou o silogismo judicial. Esta submissão dos factos
sociais às normas jurídicas será o objecto de uma primeria Secção (SECÇÃO 1).

Além disso, a implementação das normas jurídicas ou das regras de Direito


bem como a sua concepção resultam de um conjunto de operações necessárias à
aplicação do Direito. Assim, é necessário classificar, categorizar e interpretar o
Direito para proceder a sua aplicação numa situação concreta (SECÇÃO 2).

Assim, aparece com clareza a distinção operada pela sociologia do Direito


entre o Direito como "prática" (regras, conceitos, instituições) e o Direito como
"conhecimento", isto é, como um modo específico de apreender os factos sociais
numa perspectiva de, a partir da análise desses factos, induzir consequências
jurídicas212.

SECÇÃO 1. O TRATAMENTO JURÍDICO DOS FACTOS

O tratamento jurídico dos factos pressupõe tudo um conjunto de instrumentos


conceptuais, técnicos e operacionais susceptíveis de enquadrar os fenómenos e as
operações da vida humana e social. Isto implica traduzir todos os aspectos da vida
social em conceitos e em categorias jurídicas para melhor determinar as regras que
lhes serão aplicados.

O Direito, nesta perspectiva, é “totalizante” no sentido de que ele tem vocação


a abranger todas as situações da vida em sociedade. Nesta perspectiva, o argumento
a completudine constitui uma manifestação prática desta “totalização” do Direito213;
como refere LOUIS ASSIER-ANDRIEU: "... nada do que é humano é a priori estranho
ao direito"214.

212
Vide, ASSIER-ANDRIEU L., Le droit dans les sociétés humaines, op. cit., p. 37.
213
PERELMAN C., Logique juridique. Nouvelle rhétorique, Paris, Dalloz, 2.ª ed., 1979, n.° 33.
214
ASSIER-ANDRIEU L., op. cit., p. 29.

86
Assim, pode-se distinguir três espaços susceptíveis de caracterizar esta
operação de tratamento dos factos pelo Direito.

Em primeiro lugar, o Direito precisa de instrumentos (§1); em segundo lugar,


o Direito classifica, categoriza e qualifica os factos (§2); finalmente, o Direito preciso
de raciocínios para desempenhar esta operação jurídica de tratamento dos factos
(§3).

§1. Os intrumentos do Direito

O sistema jurídico para realizar a sua função e suas finalidades uza de vários
instrumentos que os juristas devem conhecer e saber implementar: “Melhor sabe
utilizar, melhor é o jurista”215.

Seria um erro considerar o Direito como uma simples sequência de regras sem
ligações e sem interacções. As regras jurídicas são o fruto da associação de conceitos
mais ou menos numerosos. Assim, uma construção intelectual é necessária para
elaborar os conceitos e realizar a coerência da ordem jurídica.

De uma certa forma, os conceitos jurídicos constituem “as bases racionais das
realidades humanas concretas”216. Será pois necessário estudar esses instrumentos
conceptuais (A). Mas além dos instrumentos conceptuais, a implentação do Direito
pressupõe instrumentos técnicos (B) necessários para a sua efectividade. Finalmente,
a implementação do Direito necessita também instrumentos operacionais (C).

A. Os instrumentos conceptuais

Do facto de que a ordem jurídica elabora regras abstractas, o Direito


necessariamente recorre aos conceitos que são a representação abstracta de
objectos materiais ou intelectuais217. Por outras palavras, "palavras investidas de um
sentido abstracto e eficaz"218.

É claro que a construção do conceito jurídico pode ser mas ou menos


elaborada. Assim, através deste esforço de abstracção e de conceptualização dos
factos o jurista sujeita esses factos ao Direito. Assim, existe uma certa apropriação
dos factos pelo Direito.

O Direito utiliza, ao mesmo tempo, “conceitos primários”, isto é,


representações de realidades concretas como o nascimento ou a morte (vide por
exemplo, o Artigo 226.º do Código Civil219, ou 207 da Lei n.° 10/2004, de 25 de

215
BERGEL J.L., Méthodologie juridique, op. cit., p. 49.
216
BERGEL J.L., op. cit., p. 50.
217
LOBO A., Dicionário de Filosofia, Lisboa, Plátano Edições Técnicas, 1999, vide Conceito
218
ASSIER-ANDRIEU L., Le droit dans les sociétés humaines, op. cit., p. 54.
219
“1. A morte ou incapacidade do declarante, posterior à emissão da declaração, não prejudica a
eficácia desta, salvo se o contrário resultar da própria declaração ...” (o sublinhado é nosso).

87
Agostol220) ou conceitos já construídos e elaborados, por exemplo, as modalidades
da declaração negocial (Artigo 217.º do Código Civil221), as associações (Artigos
167.º e seguintes do Código Civil) ou a sociedade comercial222 que representam já
um conjunto extremamente complexo de regras e de instituições jurídicas. Mas, por
natureza, todos os conceitos jurídicos são conceitos abstractos223.

Todavia, isto não significa que todos os conceitos têm um alto grau de
precisão. A maioridade, por exemplo, é um conceito jurídico muito preciso. Por
exemplo, o Artigo 73 da Constituição da República (1990) precisava : “Os cidadãos
maiores de dezoito anos têm o direito de votar”; mas existe outros conceitos menos
preciso ou indeterminados como os bons costumes ou a ordem pública (Artigo 280.º
do Código Civil) ou a imoralidade (Artigo 128 do Código Civil) que permitem
abranger uma infinidade de situações previsíveis. Os conceitos são, pois, os
instrumentos pelos quais o direito ordena o realidade. Assim, a metodologia jurídica,
sem ser a ciência dos conceitos, caracteriza-se, por tanto, por seu
“conceptualismo”224. P. 51 p. 52

Pode-se observar que dentro das noções propriamente jurídicas, existem


algumas sem as quais, não se pode conceber nenhuma organização jurídica como a
noção de norma, de direitos e obrigações, de contrato, etc.... Essas noções têm
verdadeiramente um carácter fundamental porque estam na base de qualquer
sistema jurídica. Todavia, apenas do ponto de vista metodológico que serão
equacionados esses conceitos para pôr em evidência a sua necessidade e as suas
funções na ordem jurídica.

Limitar-se-á ao estudo de três exemplos clássicos de instrumentos conceptuais


o das normas jurídicas (a), o dos direitos subjectivos (b) e o da ordem jurídica (c).

a) As normas jurídicas

GEORGES RIPERT ensinava que: “A direcção dos homens exige um conjunto


de regras gerais e permanentes que permitem a cada um de viver em paz com seus
congéneros”225. As normas jurídicas traduzem, conceptualmente, essas “regras
gerais e permanentes” idealizadas pelo referido autor (1) e cumprem funções
específicas numa ordem jurídica (2).

1. O conceito de normas jurídicas

220
“O momento da concepção do filho é fixado, para os efeitos legais, dentro dos primeiros cento e
oitenta dias dos trezentos que precederam o seu nascimento, salvas as excepções dos artigos
seguintes” (o sublinhado é nosso).
221
“1. A declaração negocial pode ser expressa ou tácita: é expressa, quando feita por palavras,
escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação da vontade, e tácita, quando se deduz de
factos que, com toda a probabilidade, a revelam ...”.
222
223
BERGEL J.L., Teoria Geral do Direito, op. cit., n.º 180 e seguintes.
224
BERGEL J.L., Méthodologie juridique, op. cit., p. 51.
225
RIPERT G., Les forces créatrices du droit, op. cit., p. 1.

88
Uma norma, no sentido lato da palavra, é um modelo concreto ou abstracto,
geral ou individual226, do que deve ser ou não deve ser, que se caracteriza por o seu
efeito obrigatório o que pode implicar, em alguns casos, a intervenção do Poder
Público. Todavia, este modelo tem um conteúdo muito específico; como escreve
MICHEL VIRALLY: “a norma jurídica ... (define-se) como uma proposta exprimindo
direitos e obrigações bem como as relações que lhes unem”227. Por outras palavras,
trata-se de uma “proposta” integrando poderes e deveres. É o instrumento básico do
Direito228.

Todavia, a norma jurídica é diferente das outras normas que organizam a vida
social como as normas morais, religiosas, de cortezia ou estéticas. Distingue-se das
outras normas sociais principalmente por suas fontes (autoridades públicas), suas
finalidades (organização da vida social), suas sanções (objectivas estabelecidas pelos
órgãos do Poder público) e pela sua enunciação que é, regra geral, expressa e
precisa.

O que caracteriza a norma jurídica é sua capacidade de apropriação de outras


normas sociais. Com efeito, o Direito pode apropriar-se de qualquer outra norma
social e transformá-la em norma jurídica com todas as suas características. Por
exemplo, uma prática administrativa pode torna-se uma norma jurídica pelo
funcionamento ou organização da Administração Pública através de um decreto do
Conselho de Ministros.

Além deste carácter, a norma jurídica tem, também, um carácter dual: um


dever jurídico ou obrigação e um poder jurídico ou direito.

Toda regra de direito integra um dever. Este pode revestir várias formas
negativa ou positiva: ordens positivas, proibições, obrigação de fazer,
reconhecimentos de faculdades ...229. Todavia, nem apenas as normas jurídicas
estabelecem obrigações; por exemplo, as normas morais estabelecem, também,
obrigações. Neste caso o que faz com que se pode distinguir uma obrigação jurídica
de uma obrigação que não tem este carácter? O que faz com que uma norma
jurídica é obrigatória? A “sanção”, como defendem alguns autores 230? MICHEL
VIRALLY fiz uma crítica muita interessante deste fundamento para chegar à
conclusão de que “Os traços próprios à obrlgação jurídica parecem assim resultar
não das características da sanção que em regra geral accompanha-lá, mas do
método específico pelo qual é estabelecido a sua validade, isto é, a validade da
norma jurídica que a expressa”231.

A norma jurídica integra também um poder jurídico ou direito. Neste sentido,


o termo “poder” implica, à carga de outrem ou de autoridades, obrigações em
relação ao seu titular como, por exemplo, as obrigações lhe fornecer serviços ou de

226
JEAMMAUD A., “La règle de droit comme modèle”, D. 1990, Chronique. – XXXI, pp.199-210.
227
VIRALLY M., “Le phénomène juridique”, RDP 1966, p. 11.
228
BERGEL J.L., op. cit., p. 54.
229
VIRALLY M., “Le phénomène juridique”, op. cit., p. 19.
230
231
VIRALLY M., op. cit., p. 25.

89
lhe transferir bens. Regra geral, este tipo de direito abrange todas as situações em
que um sujeito de direito é habilitado a obter uma prestação de um outro sujeito de
direito232.

Todavia, a norma jurídica não pode ser definida, exclusivamente, pelo seu
carácter obrigatório. Ela tem, também, um carácter “constitutivo”, isto é, “a sua
capacidade a conferir habilitações, a definir direitos ou poderes e a atribuir-lhes”233.
Com este poder constitutivo, “as normas”, escreve MICHEL VIRALLY, “estão
habilitadas a, não só de estabelecer uma hierarquia social, mas, também de criar
autoridades e, de maneira geral, estabelecer instituições. Atribuindo o poder de criar
novas normas jurídicas, o direito adquire, finalmente, esta capacidade (...) de
regulamentar a sua própria criação e mais ainda: de se criar ele-próprio”234. Este
poder constitutivo do Direito, é um elemento essencial e específico do fenómeno
jurídico: “nada de comparável encontra-se em outros sistemas normativos”235.

A estrutura da norma jurídica é também específica. A norma jurídica aplica um


efeito jurídico particular a uma hipótese determinada. Por outras palavras, a norma
estabelece uma solução jurídica aplicável à uma hipótese pressuposta. Por exemplo,
o Artigo 218 do Código Civil. Do mesmo modo, um julgamento aplica uma solução a
uma situação litigiosa.

Do ponto de vista da classificação das normas, pode-se distinguir entre regras


de organização e regras de conduta. As regras de organização determinam
essencialmente poderes e competências dos poderes públicos236 ou das instituições
do Direito Privado como a família ou das pessoas jurídicas, por exemplo. As regras
de conduta, pelo contrário fixam os deveres impostos aos sujeitos de direito.

Pode-se, também, adoptar uma classificação “hartiana” 237 e distinguir entre as


“regras primárias” que estabelecem condutas e as “regras secundárias” que atribuem
poderes ou fixam, criam e executam as “regras primárias”238.

2. As funções das normas jurídicas

V; Eiseznmann sur la definition

As normas jurídicas constituem instrumentos privilegiados da regulação da


vida social. Em mesmo tempo, elas organizam a sociedade e as relações entre os
seus componentes para atingir uma determinada paz social.

232
VIRALLY M., op. cit., p. 26.
233
VIRALLY M., op. cit., p. 27.
234
VIRALLY M., op. cit., pp. 27-28.
235
VIRALLY M., op. cit., p. 28.
236
Por exemplo, em Direito Público, essas regras consubstanciam nas normas que estabelecem
funções ou instituem órgãos.
237
HART H.L.A., The concept of law, Oxford, 1961, p. 77 e seguintes.
238
BERGEL J.L., op. cit., p. 56 e seguintes.

90
Além disso, a norma jurídica é um instrumento de política jurídica e de técnica
jurídica. A norma jurídica é um instrumento de política jurídica no sentido de que
essa integra julgamentos de valores que pressupõem escolhas de sociedade e,
portanto, de escolhas políticas. Todavia, para concretizar essas escolhas definidas
nesta política jurídica, a ordem jurídica construi procedimentos e regras técnicas para
permitir a aplicação e realização do direito. Essas elementos são igualmente
consagrados sob a forma de normas. Essas duas componentes susceptíveis de
integrar a norma são interligados; como escreve JEAN-LOUIS BERGEL: “... a política
jurídica apenas pode ser implementada graça à técnica jurídica e, pelo contrário, as
medidas técnico-jurídicas bebem dos condicionalismos da política jurídica”239.

b) Os direitos sujectivos 58e s

1. A natureza dos direitos subjectivos

Os direitos subjectivos são poderes concedidos pela ordem jurídica para tutela
de um interesse ou de um núcleo de interesses de uma ou mais pessoas
determinadas240. Por outras palavras, “trate-se de prerrogativas individuais,
atribuídas a pessoas pela satisfação de interesses pessoais e garantidos pelos meios
do Direito”241; como escreve H. COING: “A ordem jurídica reconhece a uma pessoa o
livre gozo de um bem: é isto a essência do significado da concepção do direito
subjectivo”242.

Todo direito subjectivo pressupõe a reunião de quatro elementos: um titular


(o sujeito do direito), um objecto material ou imaterial, uma relação jurídica que
consiste essencialmente em uma liberdade ou um poder de agir, e uma protecção
jurídica. A tutela jurídica dos direitos subjectivos permite, assim, impôr o respeito ou
a realização do seu direito graça a uma acção judicial243.

De uma extrema diversidade (direitos patrimoniais e direitos extra-


patrimoniais), os direitos subjectivos constituem “a expressão do reconhecimento de
poderes juídicos aos indivíduos e relacionam-se com uma filosofia individualista”244.
Pode-se conceber, assim, que a noção de direitos subjectivos responde a funções
bem determinadas de política jurídica, mas também, de técnica jurídica, e que esta
constitui a característica de um determinado tipo de sociedade245.

2. As funções dos direitos subjectivos


239
BERGEL J.L., op. cit., p. 58.
240
MELO FRANCO J. e ANTUNES MARTINS H., Dicionário de Conceitos e Princípios Jurídicos, Livraria
Almedina – Coimbra, 1993, vide, Direito sujectivo. Sobre a origem e evolução da noção, vide, COING
H., "Signification de la notion de droit subjectif", em Le droit subjectif en question, APD, tome IX,
1964, pp. 1-15.
241
BERGEL J.L., op. cit., p. 58.
242
COING H., "Signification de la notion de droit subjectif", op. cit., p. 8.
243
BERGEL J.L., op. cit., p. 59.
244
BERGEL J.L., Ibidem
245
BERGEL J.L., Idem

91
Os direitos subjectivos de uma pessoa são na sua totalidade a base da
liberdade desta pessoa no Estado e na sociedade. Tal é a sua função social
específica246.

c) A ordem jurídica

B. Os instrumentos técnicos do Direito

A técnica define-se como o conjunto de procedimentos organizados


fundamentados nos conhecimentos científicos que são utilizados para produzir uma
obra ou obter um resultado determinado247. Assim, a técnica jurídica é o conjunto
dos meios específicos que comandam à organização e à realização do Direito. As
presunções, as ficções e a qualificação são bons exemplos de técnicas jurídicas. A
técnica jurídica permite fundamentalmente a aplicação e a realização do Direito com
um conjunto de procedimentos e de meios práticos, como, por exemplo, o
formalismo, a publicidade, as ficções e até a linguagem jurídica.

Do facto de que essas construções são o resultado de operações intelectuais


específicas, próprias aos jurístas, esses instrumentos técnicos podem aparecer como
dificilmente compreensíveis para as pessoas não jurístas.

As críticas do público em geral incide sobre esses instrumentos técnico-


jurídicos. Com efeito, o público em geral considera esses instrumentos como
“artifícios dos juristas” sem procurar a sua razão de ser.

Limitar-se-á em estudar como instrumentos técnicos do Direito o formalismo


(a) e as ficções (b).

a) O formalismo jurídico

1. A noção de formalismo jurídico

O Formalismo jurídico é a técnica jurídica segunda a qual a validade e eficácia


dos actos são subordinados ao cumprimento de certas formas e formalidades 248.

No sentido jurídico da palavras, as formas são os procedimentos técnicos que


consistem em manifestações exteriores e sensíveis que condicionam o efeito jurídico
produzido pelos eventos ou circunstâncias.

246
COING H., op.cit., p. 8.
247
BERGEL J.L., op. cit., p. 61.
248
BERGEL J.L., op. cit., p. 62.

92
Por outras palavras, esta-se face ao formalismo quando um elemento de
forma exterior determinado pela ordem jurídica condiciona o efeito jurídico produzido
ou desde que a eficácia jurídica de um acto é alterada porque as formas prescritas
não foram cumpridas.

2. As funções do formalismo jurídico

O formalismo jurídico é essencialmente pragmático e utilitário. Ele tem por


objectivo facilitar as relações sociais e constitui, ao mesmo tempo, um instrumento
de segurança jurídica. É o caso, por exemplo, do direito do consumidor que
privilegia, regra geral, a protecção da parte mais fraca (mas não só249). Este ramo do
direito é rico em exemplos de formalismos destinados a garantir a protecção do
consumidor250: rôtulas explicativas, prazos de consumo do produto, informações
obrigatórias, etc...

Pelo contrário, pode ser, em alguns casos um factor de complexidade inútil. É


o caso, de alguns formalismos administrativos excessivos. Neste sentido, a UTRESP
identificou dezenas de formalismos administrativos inúteis e sem necessidades.

É sobre tudo no Direito Processual que integra, por natureza, o formalismo,


respeito das formas e dos prazos aparecem como garantia de uma boa justiça
porque são necessários para o respeito dos princípios directores do processo e
especialmente, o princípio do contraditório e o direito de defesa.

De forma resumida, a problemática circunscreve-se a escolha entre a melhor


segurança jurídica ou uma maior liberdade em termos de cumprimento de actos
jurídicos.

b) As ficções

1. A noção de ficção jurídica

Uma ficção jurídica é “procedimento de técnica jurídica pelo qual se considere


como existente uma situação manifestamente contrária à realidade e que permite
deduzir dela consequências jurídicas diferentes daquelas que resultariam da simples
constatação dos factos”251. Por outras palavras, trata-se de legitimar juridicamente
um facto que pode ser cientificamente falso ou errado.

Porque?

249
RAYMOND G., "Da necessidade do Direito do Consumidor", Rev. Jur. da Faculdade de Direito, Dez-
2002.- Vol. V, p. 104 e seguintes.
250
BEAUCHARD J., "Qual Direito do Consumidor?", Rev. Jur. da Faculdade de Direito, Dez-2002.- Vol.
V, p. 116 e seguintes.
251
BERGEL J.L., Teoria Geral do Direito, op. cit., n.° 282.

93
Em algumas situações, é necessário conciliar a estabilidade da construção
lógica, necessária à segurança jurídica, e as exigências da sua adaptação às
realidades sociais. Com este objectivo, o Direito altera a “verdade verdadeira” para
justificar soluções socialmente adequadas.

2. Das necessidades das ficções

Saber se as ficções são necessárias ou desnecessárias depende


fundamentalemente das funções que as ficções devem realizar numa ordem jurídico-
social. Isto significa que pode ser socialmente útil ou juridicamente necessário de
não tomar em conta a realidade para construir uma “verdade jurídica artificial”.

Em primeiro lugar, pode ser útil salvaguardar um elemento essencial da


organização social. Por exemplo, é o caso,

C. Os instrumentos operacionais

Para permitir a avaliação das operações jurídicas, o sistema jurídico recorre à


mecanismos muito diversificados. Trata-se, em princípio, da combinação de regras e
meios técnicos que a ordem jurídica põe à disposição dos interessados. É o caso, por
exemplo do CONTRATO. São técnicas judiciais que têm como especialidades de
produzir efeitos jurídicos e cujos juristas precisam para actuar no mundo do Direito.
Estes instrumentos operacionais têm por objectivo modificar o ordenamento jurídico.

O Contrato

Para analisar uma questão e caracterizar áreas ### o sistema jurídico utiliza vários
instrumentos muito diversificados que todos os juristas devem conhecer.
O Direito não pode apenas ser um sismples ### de regras. No caso de não evitar
mecanismos para ligar em diversos elementos um conjunto coerente o Direito ficará
impraticável.
Para conseguir isso, é preciso ### intelectual fundamentado como concreto/que
qpermite realizar ou atingir uma ordem;

Existe ### conceptuais = Normas jurídicas em Direito subjectivos.

Existe instrumentos técnicos = formalismo ou ficções.

Existe instrumentos operacionais = contrato a representar-se.

Contrato:

Para permitir a realização das operações jurídicas ( ### o direito) o sistema jurídico
utilioza mecanismos, trata-se sempre da comunicação de regras, de elementos,
meios técnicos e actos materiais ou jurídicos com ### de obter um resultado
determinado:

94
O contrato ( a prova, a reformularidade, a representação) são técnicas jurídicas,
procedimentos destinados a produzir alguns efeitos particulares cujas questões têm
necessidade por actuar ### do Direito.

Estes mecanismos constituem uma aproximação dinâmica do Direito que implicam


uma combinação de vários elementos. Sáo principalmente um conjunto de regras de
direito e de procedimentos organizados com finalidade de uma operação e
constituindo um conjunto ### são quadros atribuidos pelo Direito para a realização
de uma operação jurídica e que constituem instrumentos que o Direito se atribui
para a nova aplicação.

Características = Todos tem por objectivo modificar o ordenamento jurídico


estabeleceido.

Mecanismos e Funções do Contrato

As Funções do Contrato

O contrato é ### tempo

Um instrumento de consequências de métodos inicialmente ###. Um ponto de


encontro entre interesses opostos.

- criação de direitos e delegações;


- instrumento de antecipação sobre o futuro.

Pode-se geralmente reconhecer várias preocupações,

Do ponto de vista filosófico


O contrato aparece como um instrumento de conciliação de que é útil e justo = o
contrato é um instrumento que o Direito sanciona-se em orgnizar porque ele
permite operações socialmente úteis porque responde as necessidades concretas e
porque existe trocas de bens de serviços. O acordo do ### aparece como um
procedimento específico de criação de efeitos de Direito que tem uma
utilidadelovável.

O Contrato é apenas obrigatório se ele é justo.


O valor da vontade é subordinada 1as exigências da crítica e da boa fé. Cada parte
deve receber uma parte que equivale ao que dá e um dever de lealdade compõ-se
na formação na fase de execução do contrato.

Esta análise idealista encontra-se realmente no contrato concreto?

Do Ponto de Vista Jurídico

95
O contrato tem por função execencial de produzir identificações solicitações jurídicas
estabelecidas criando-se modificando folhas ### ou anulando Direitos patrimoniais
meios e mais obrigações.

Acordo da vontade com finalidade de produzir efeitos de Direito - conformidade com


o Direito ###, por outras palavras, o contrato é um instrumento operacional de
Direito que permite a um cordo de vontade de produzir aspectos jurídicos
modificando o ordenamento jurídico ### e cuja execução é garantida pelo poder
público.

A técnica contratual de regulação social é um progresso em relação aos medos


regulamentares e institucionais?

Do ponto de vista económico, o contrato é percebido como um instrumento de


maximização das utilidades individuais e sociais.
Nesta perspectiva, o contrato deve facilitar os trocos que permitem multiplicar as
riquezas pelas partes e valorizar mais riquezas com a perspectiva de utilidade social.

CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA E QUALIFICAÇÃO DOS FACTOS

A necessidade da operação de qualificação.


### juridicamente é relacionar um dado concreto a uma categoria jurídica abstracta
o que implica à produção de consequências jurídicas. A questão jurídica constitui
uma operação intelectual de análise jurídica de uma situação de facto ou de Direito
para identificar o seu regime jurídico.

“Considerar um facto como jurídico, é aprovar o princípio de classificação segundo


qual esta facto mais do que um outro é qualificado de jurídico”252. Assim, o Direito é
fundamentalmente “um arte da classificação”253.

Juridicamente, consiste no facto de uma função invertida de um poder legal, ou


convencional de cumprir ao nome e por conta de uma outra pessoa - um acto
jurídico cujos efeitos produzem-se como participação do representado.

Ex. Da utilização deste conceito

- Direito das Obrigações;


- Exprimir a vontade do PM de Direito Público Privado
- Direito Processual = o advogado vai representar o seu cliente
- Participação da vontade
- Delegação em Direito Público

É uma ficção, porque o representado presume-se ter agido ele próprio enquanto que
na realidade ele não agiu directamente.

252
ASSIER-ANDRIEU L., Le droit dans les sociétés humaines, op.cit., p. 7.
253
ASSIER-ANDRIEU L., op.cit., p. 9.

96
A ideia é de que "exercício de um Direito pode ser ### de um gozo ou um direito
pode ser exercido pela intromediação de um terceiro como se era efectivamente
exercido pelo seu titular.

Ficção: ANDRIEU p. 56

FUNÇÕES

- Desconhecida do Direito Romano - obrigação jurídica era uma ligação


pessoal,
- Da COMMONLOW = TWIST = Importante não é o representado , mas o
agente que celebra os actos jurídicos - Gestão do património do
representado mas em plena independência.

Por outras palavras para determinar a solução jurídica em relação a uma situação de
facto, é preciso traduzir os factos da língua jurídica, isto é dar um rótulo aos actos e
as coisas.

Há uma necessidade pelas justas de dar de dar um nome às caisas e de as


caracterizar juridicamente for a a submete-las a uma ordem jurídica estruturando e
racionalizando os processos.

As Modalidades de Qualificação Jurídica

A Determinação do Regime Jurídico

As Modalidades e Processos de Equivalência Jurídica

É preciso traduzir em Direito uma situação de facto, para fazer isto a primeira
operação consiste os factos na linguagem do Direito.

Por outras palavras, para entrar no mundo do Direito os factos precisam de ser
conceptualizados assim, é preciso subssumir nos termos da Lei, isto é, uma certa
forma de confrontar os factos aos conceitos jurídicos estabelecidos pela ordem
jurídica para conhecer aqueles que se identificam aos factos e deduzir as regras
jurídicas que devem ser aplicadas.

Qualquer jurísta em princípio, pratica naturalmente esta operação, isto é, fazer


entrar um facto, uma situação, uma pesoa uma coisa ou um acto numa categoria
jurídica ### ou aproximá-lo de um conceito jurídico conhecido para deeduzir o
regime jurídico aplicável - Isto é reconhecer ao facto as características existentes no
conceito jurídico = aplicar o Direito.

O jurísta em particular tem a obrigação de notificar um erro de qualificação das


partes. Isto é, pode apenas aceitar sem analisar a qualificação proposta pelas partes.

97
a) Conceitos e Categorias Jurídicas
b) Conceitos Jurídicos Indeterminados

a) Conceitos e Categorias Jurídicas

Os jurístas têm a obrigação de estabelecer categorias jurídicas, isto é um conjunto


de direitos , de coisas, de pessoas, de partes ou de actos que têm entre eles
características comuns ou que obedecem a um regime comum. Assim, as categorias
jurídicas agrupam conceitos jurídicos diferentes mas que têm algo de comum. Assim
é preciso reflectir os conceitos jurídicos ante de determinar os que são as categorias
jurídicas.

Os antropólogos distinguem entre as categorias jurídicas "duras" e as


"moles"254. As "duras" são as categorias jurídicas que estabelessem-se numa certa
evidência social e encarnam-se com precisão na lei e na jurisprudência dos tribunais.
É, por exemplo, o "sujeito de direito"; "é "o indivíduo humano, qual quer que seja o
seu sexo, a sua idade, a sua condição social"255.

Pelo contrário, o conceito "mole" é aquele cujo conteúdo varia segundo as


necessidades; por exemplo, a "propriedade". Marie-Angèle HERMITTE demonstrou
como foi distendido o conceito de propriedade, até o ponto de integrar realidades
completamente diferentes daqueles bens materiais e imobiliários que constituiam à
sua representação originária256. ANDRIEU p. 55.

b) Os Conceitos Jurídicos Indeterminados

Os conceitos jurídicos são representações inlectuais gerais e abstractas de objectos -


Em Direito, são determinandos pelo Direito objectivo e as próprias nulidades sociais
são elas concretas que vão organizar intelectualmente o mundo do ireito.

Devo analisar o conteúdo de cada situação específica para identificar todos os


aspectos justificativos e identificar todos os conceitos ### desta situação.

Conceito jurídico deve representar um modelo que permite uma comparação para
pemitir estabelecer uma ligação entre situações concretas e o Direito.

254
255
ASSIER-ANDRIEU L., op.cit., p. 55.
256
HERMITTE M.A., "Les concepts mous de la propriété industrielle: passage du modèle de la
propriété foncière au modèle du marché, em EDELMAN B. e HERMITTE, L'Homme, la Nature et le
Droit, Paris, Christian Bourgois, 1988, p. 85 e seguintes, citado por ASSIER-ANDRIEU L., op.cit., p. 55.
256
256
ASSIER-ANDRIEU L., op.cit., p. 55.
256
HERMITTE M.A., "Les concepts mous de la propriété industrielle: passage du modèle de la
propriété foncière au modèle du marché, in EDELMAN B. e HERMITTE, L'Homme, la Nature et le Droit ,
Paris, Christian Bourgois, 1988, p. 85 e seguintes, citado por ASSIER-ANDRIEU L., op.cit., p. 55.

98
É preciso realçar o facto de que a tarefa do ### é de estabelecer definições
cientificamente corretas, mas elaborar regras aplicáveis (###).

Função captar permanentemente a mudança social

Situações:

Ou a ordem jurídica (Lei--regulando) estabelecem a definição dos concretos.

- Ausência dos diplomas - é o Juiz


- A Doutrina pode ###
- Algumas legislações ### de comum ### um uso sistemático das
definições gerais do princípio de cada Lei.

Determinação das Categorias Jurídicas

Objectivo: Reagrupar conceitos jurídicos da mesma natureza em categorias.

§3. Os métodos de raciocínios jurídicos

A. A noção de raciocínio jurídico

a) A definição do raciocínio jurídico

O raciocínio Jurídico define-se como a operação intelectual susceptível de


conduzir a uma solução dos problemas jurídicos como o uso de meios racionais.

b) O objecto do raciocínio jurídico

O raciocínio jurídico tem sempre por objecto confrontar uma situação de facto
às regras de Direito e tem por finalidade procurar a solução jurídica mais adequada.

O problema é: como passar de uma situação de facto à regra de Direito ou da


regra de Direito à situação de facto?

Pode-se acreditar que que este relacionamento é facilmente atingido e que


sempre a solução é facilmente procurada; todavia, a diversidade das situações de
facto e dos comportamentos das pessoas não permite prever ou encontrar sempre
uma regra específica e pertinente em cada caso para solucionar o problema em
causa até porque a estrutura abstracta da regra de Direito não ajuda, as vezes, o
prático do Direito, em encontrar facilmente uma solução concreta.

99
Assim, pelo raciocínio, o jurista deve procurar, na base de um conjunto de
conhecimentos, o meio de atingir um objectivo. Com efeito, o raciocínio jurídico
apresenta-se portanto como um conjunto de argumentos cujo número, a qualidade e
a organização têm por objectivo de convencer. Mas, neste processo intelectual, o
raciocínio lógico ocupa um lugar relevante. Ele tem por objectivo de garantir a
consistência da ordem jurídica e a segurança na aplicação do Direito. Por outras
palavras, os raciocínios lógicos no Direito permitem dar uma melhor previsibilidade
do Direito o que contribui para constituir uma garantia de segurança jurídica.

B. A complexidade e flexibilidade do raciocínio jurídico

O raciocínio jurídico é complexo (a) porque utiliza, ao mesmo tempo, vários


tipos de raciocínios cuja fusão constitui a particularidade deste. Outro aspecto
importante do raciocínio jurídico é de que, este conjuga rigor lógica (factor de
segurança jurídica) e flexibilidade da argumentação para poder adaptar-se à
diversidade das situações de factos (b).

a) O raciocínio jurídico é complexo

O que caracteriza o raciocínio jurídico é a diversidade dos métodos de


raciocínio.

Como estudar esta complexidade?

Em primeiro lugar, a diversidade manifesta-se pelo uso do método indutivo e


dedutivo e do raciocínio analítico e sintético (1). Em segundo lugar, esta diversidade
manifesta-se, também, pelo uso da lógica formal (2) e da argumentação dialéctica
(3).

1. Análise e síntese / indução e dedução

1.1. Análise e síntese

Regra geral, o método analítico consiste em examinar um objecto para


identificar as suas componentes. Pelo contrário, o método sintético consiste em
construir figuras intelectuais partindo de dados elementares.

Em direito utiliza-se os dois métodos.

Na prática jurídica utiliza-se essencialmente o método analítico, isto é,


concretamente, extrair os elementos relevantes que podem caracterizar-se numa
determinada situação.

No que concerne as regras de Direito, procura-se as condições de aplicação,


os modos de execução e as consequências práticas destas. A análise tem por
objectivo aproximar melhor os dados de factos e os conceitos e as regras de direito
com a finalidade de procurar uma solução.

100
Pelo contrário, a síntese é mais importante na obra doutrinal. Neste caso, a
operação intelectual consiste em reagrupar um conjunto de elementos dispersos do
sistema jurídico para propôr uma visão geral do conjunto. Mas isto é apenas possível
depois de uma actividade de análise das situações de facto ou de regras de Direito.

O raciocínio jurídico utiliza alternativamente a análise e a síntese. Assim, a


análise e a síntese não são métodos exclusivos, mas pelo contrário, são
complementares.

1.2. Dedução e Indução

A dedução consiste a partir de um princípio geral deduzir consequências


específicas. A indução consiste partir de consequências observadas para procurar um
princípio.

Os juristas procedem por indução e por dedução. O método dedutivo


caracteriza sobretudo a lógica matemática ou seja, a partir de proposições básicas
todas as outras proposições demonstra-se como teoremas (proposição que se
demonstra por dedução lógica a partir de proposições já demonstradas ou admitidas
como verdadeiras).

O raciocínio indutivo parte de fenómenos observados para induzir princípios. Por


exemplo, se o juiz decidir num determinado sentido em termos similares em casos
similares, logicamente pode-se deduzir que este vai decidir da mesma forma em
casos similares a ocorrer no futuro. É o caso, concretamente, da elaboração dos
princípios gerais do Direito. Alguns autores no âmbito da teoria geral do
conhecimento defenderem que a constituição de hipóteses que contradizem teorias
bem aceitadas e/ou resultados experimentais bem estabelecidos podem fazer
progredir a ciência257.

Assim, introduzir e elaborar no Direito hipóteses que não concordam com


teorias estabelecidas e/ou com factos estabelecidos é útil? Será que a “contra-
indução” pode fazer progredir a ciência do Direito, em geral, e a metodologia jurídica
em particular?

Pode aparecer que os factos susceptíveis de refutar uma teoria apenas podem
ser evidenciados com a ajuda de uma “alternativa incompatível” para parafrasear
PAUL FEYERABEND258. Nesta perspectiva, pode-se pensar em criar situações de
factos que não correspondem ou que contradizem o modelo factual que decorre da
aplicação de uma teoria fundamentada empiricamente. O objectivo desta abordagem
foi evidenciado por PAUL FEYERABEND quando ensina que “Um científico que deseja
alargar no máximo o conteúdo empírico das suas concepções, e que quer
compreender-las tanto claramente como possível, deve consequentemente introduzir
outras concepções: isto é que este deve adoptar uma metodologia pluralista”259. O

257
FEYERABEND P., op. cit., p. 26 e seguintes.
258
FEYERABEND P., op. cit., p. 26.
259
FEYERABEND P., op. cit., p. 27.

101
jurista deve comparar as ideias com outras ideias e deve tentar melhorar mais do
que rejeitar as concepções que foram vencidas. Essas “contra-concepções” actuarão
como testes das concepções dominantes para medir a sua “resistência” a novas
representações/contestações e, finalmente, avaliar o seu sucesso e sua perenidade.
Assim, a contra-indução como “uma medida da crítica”260 e permite, assim, comparar
os conceitos.

Fazendo isto, o jurista pode descobrir que a teoria do acto administrativo não
é tão boa como se admite geralmente para explicar toda a acção da Administração
Pública e que é preciso, ou acrescentar outros dados a este teoria, ou mudar de
teoria explicativa. Ainda como escreve o referido autor: “O conhecimento assim
concebido não é constituído por séries de teorias coerentes que convergem para
uma concepção ideal; não é uma marcha progressiva para a verdade. É antes m
océano sempre mais vasto de alternativas mutualmente incompatíveis ...”261.

No caso da indução, isto significa que é preciso demonstrar até que ponto o
método contra-indutivo pode ser defendido por argumentação.

Assim, o raciocínio jurídico procede, ao mesmo tempo, de uma aproximação


dedutiva e indutiva, sem poder identificar-se um ou outro método.

Mais particularmente, em relação ao raciocínio dedutivo, descreve-se também


este raciocínio como um silogismo segundo o qual, se os factos correspondem à uma
situação que se enquadra numa determinada regra de Direito, devem
automaticamente ser submetidos a essas regras. Assim, é clássico apresentar o
silogismo como a base geral de toda a aplicação do Direito.

Neste raciocínio, a regra de Direito é a premissa maior; o caso


individual/concreto, a premissa menor. A conclusão é o julgamento que admite ou
rejeita a aplicação – no caso concreto – do efeito da regra de Direito (da premissa
maior).

2. A lógica formal no raciocínio jurídico

Regra geral, pode-se afirmar que a aplicação do Direito funda-se num


silogismo de subsumpcão, isto é, a conclusão jurídica é o resultado da aproximação
de duas premissas: a premissa maior que representa a questão de Direito e a
premissa menor que representa a questão de facto. Assim, o raciocínio silogístico
relaciona as três proposições cujas duas primeiras chamam-se premissas e a última
conclusão.

Nos países de tradição romano-germânica como Moçambique é, as sentenças


judiciais organizam-se sob a forma de silogismos.

260
FEYERABEND P., op. cit., p. 69.
261
FEYERABEND P., Ibidem

102
Fundamentalmente, nas decisões de Justiça, o silogismo exprime a sujeição
do juiz à regra de Direito.

Esquematicamente, o raciocínio silogístico descompõe-se da seguinte forma:

1. Se todos os ladrões são punidos (PREMISSA MAIOR);


2. e se foi provado que João robou (PREMISSA MENOR); então
3. João deve ser punido (CONCLUSÃO).

Como sublinha JEAN-LOUIS BERGEL: “Este rigor lógico garante, ao mesmo


tempo, a solidez do efifício jurídico e a aplicação sistemática da lei” 262. Todavia, isto
não significa que se deve reduzir o Direito em equações silogísticas. O Direito tem
por função de regular a vida social e não se pode ignorar nem as realidades
concretas, nem o movimento dos factos sociais.

Apesar disso, na prática, os raciocínios podem ser invertidos, isto é, se pode


partir da conclusão para legitimar um raciocínio lógico. Por exemplo, um advogado
que defende uma tese, procura os elementos de facto e as regras de Direito
susceptíveis de lhe permitir justificar esta tese ou de atingir um resultado
determinado. Até numerosos juízes començam por determinar “intuitivamente” a
solução fundamentando a sua decisão num “manto jurídico”.

Além disso, as premissas do raciocínio jurídico não têm a certeza das


premissas do raciocínio científico. Ver VIRALLY. Algumas vezes, as premissas do
raciocínio jurídico não têm a certeza das premissas do raciocínio “científico”; por
exemplo, algumas vezes, ignora-se o que de facto aconteceu. A prova não é nitida,
pode-se ter dúvidas. No que concerne as regras de Direito aplicáveis numa
determinada situação de facto, a sua escolha e a sua interpretação podem dar lugar
a hesitações.

Assim, a regra de direito positivo não resulta do único raciocínio jurídico.


Fenómenos sociais podem ter influências (ex. A policia não executa uma dedcisão
por interesse público).

3. A dialéctica no raciocínio jurídico

O raciocínio jurídico é um raciocínio dialéctico?

Os juristas da Idade Média como os romanos e os grecos praticavam a


dialéctica. Por outras palavras, não iniciavam o estudo de uma determinada questão
pelo uso de um raciocínio dedutivo ou a partir de regras pre-estabelecidas mas por
controversias para chegar a conclusões simplesmente verosímil fundamentada sobre
a argumentação.

262

103
De facto, este modo de raciocínio existe em Direito. É nas discussões, nos
debates e nas controvérsias que se encontram a crítica e a refutação que
caracterizam qualquer reflexão e particularmente a reflexão jurídica.

O raciocício dialéctica/jurídico apresenta-se como um conjunto de argumentos


cujo número, qualidade e consistência têm por objectivo convencer os seus
destinatários. Dentro do conjunto dos argumentos, alguns têm um “valor
acrescentado”, é, por exemplo, os fundamentados sobre a força obrigatória da lei,
das decisões de justiça e das opiniões doutrinais.

É na combinação dos diversos raciocínios dialéctico e lógico-formais que


encontra-se a particularidade e especificidade do raciocínio jurídico.

B. A flexibilidade e adaptabilidade do raciocícion jurídico

Um raciocínio puramento formal e lógico pode conduzir conclusões injustas ou


impraticáveis. O pensamento jurídico deve recorrer, neste caso, aos valores para
evitar esses erros.

SECÇÃO 2. A IMPLEMENTAÇÃO DA NORMA JURÍDICA

Regra geral, para determinar as soluções jurídicas mais apropriadas, é preciso


identificar as regras de Direito que são susceptíveis de se aplicar ao problema em
causa e implementar métodos e mecanismos específicos ao Direito. Além disso, para
implementá-las e integrá-las nos raciocínios jurídicos, procura-se o sentido dessas
regras.

Assim, depois de precisar os métodos e princípios de coordenação das regras


jurídicas (§1), será necessário apresentar os métodos de interpretação do Direito
(§2).

§1. Os métodos e princípios de coordenação das normas jurídicas

O Direito é constituído por um conjunto de normas jurídicas, de instituições,


de conceitos, de instrumentos integrados num sistema cujos diferentes elementos
são coordenados entre eles e, ao mesmo tempo, em interacção.

Para ser tecnicamente satisfatório, um sistema jurídico deve ter três


qualidades: deve ser completo, económico e coerente.

Um sistema jurídico deve ser completo significa que este sistema deve ser
apto a regular todas as situações que podem surgir concretamente nessa ordem; ser
ecocómico significa que o sistema jurídica deve ser desprovido de coisas inúteis e
finalmente, o sistema jurídico deve ser coerente significa que este pressupõe a
existência de métodos de coordenação apropriados para permitir escolher entre as
regras da ordem jurídica as que são aplicáveis e as combinar.

Numa ordem jurídica, a articulação

104
3. Os métodos fundamentados sobre a coerência do sistema jurídico

Para assegurar a “ordem social”263 com regras seguras numa organização


estruturada e equilibrada, a ordem jurídica deve-se constituir em uma unidade lógica
e esta deve ter uma densidade suficiente para evitar lacunas e contradições264.
Assim, o direito tem uma vocação a

B.

Bibliografia:

Bibliografia geral

263
Vide, em particular, HAURIOU M., Précis de droit constitutionnel, Paris, Sirey, 2.ª., 1929, p.34.
264
BERGEL J.L., Méthodologie juridique, op. cit., p. 203 e seguintes.

105
CAPÍTULO II – O MÉTODO JURÍDICO APLICADO

SECÇÃO 1. A METODOLOGIA NORMATIVA

SECÇÃO 2. A METODOLOGIA JURISDICIONAL

106
PARTE III – OS MÉTODOS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
APLICADAS AO DIREITO

Examinando e analizando a pesquiza em Direito, Norbert ROULAND265 escrevi:


“Pode-se, pois, pensar que a pesquisa jurídica será mais visível no exterior quando
os juristas aceitarão mais recorrer às ciências humanas e tomar em conta as
expectativas dos seus peritos, e às vezes, os seus métodos”266.

Trata-se, portanto, nesta parte, de enfrentar este desáfio e ouvir o que os


pesquizadores e das outras ciências, e em particular da área das ciências sociais têm
a dizer sobre a aplicação dos seus métodos no âmbito do Direito.

Do ponto de vista prático, é preciso de realçar que as ciências sociais ……..p. p. 716
BERGEL

Conclusão

Importantes mais limites ligadas ao próprio objecto que éo dirieto. Pois necessidade
de dominar o metodo do dirieto

Todavia, não deve-se confundir a sanção e a execução; como escreve JEAN-LOUIS


BERGEL: “É apenas a possibilidade de sancionar coercivamente que atribui
efectividade a regra de direito sem a qual o seu carácter obrigatório seria vão”267. O
Direito Internacional é, sobre esta questão, meramente elucidativo. Com efeito, a
ausência, de facto, de recorrer à força não significa que as regras de direito não têm
sanções.

265
Professor Catedrático da Universidade Aix-Marseille III (França).
266
ROULAND N., "Quelques réflexions sur la recherche en droit", Sciences de l’Homme et de la
Société, n.º 54, p. 21.
267
BERGEL J.L., Ibidem

107
BIBLIOGRAFIA GERAL

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