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27 de setembro, 2006 - 15h13 GMT (12h13 Brasília)

Bruno Garcez
De Washington

Lula está mais para Bush que para JK,


diz Skidmore
O brasilianista americano Thomas Skidmore acredita que o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva está mais para George W. Bush do que para Juscelino Kubitschek
devido à forma como reage à necessidade de planejamento a longo prazo e
investimentos em infra-estrutura no Brasil.

''Não vejo Lula fazendo programas de longo prazo. Ele é muito diferente de JK, que
tinha grandes projetos e tinha um sentido de destino do Brasil. Os estrategistas de Lula
não são sofisticados o suficiente para investir em programas de longo prazo'', disse à
BBC Brasil o historiador.

Se Lula contrasta com Juscelino, o brasilianista crê que o presidente ''está muito
parecido com nosso presidente Bush''. O historiador explica seu raciocínio: ''O Brasil
precisa investir em infra-estrutura, em estradas, portos, sistemas de transporte. Mas está
copiando os Estados Unidos, onde você depende do setor privado para investir nessas
áreas. Se o Estado tenta investir nestes setores, desperta uma oposição feroz da direita''.

Thomas Skidmore diz que ''o Brasil já teve excelentes estrategistas, pessoas que
pensavam no desenvolvimento nacional a longo prazo. Não apenas no período de JK,
mas até mesmo mais tarde''.

Mas o historiador acredita que ''o que aconteceu desde então é que o Brasil caiu na
mesma letargia que os EUA, onde é costume pensar que, se o setor privado não fizer,
não vale a pena ser feito''.

Para Skidmore, os setores onde essa suposta letargia é mais grave são educação e
investimento em tecnologia, ''setores que o Brasil segue negligenciando''.

No entender de Skidmore, se Lula for reeleito, ''tudo indica que ele seguirá adotando
políticas econômicas ortodoxas e, no campo social, seguirá aplicando políticas 'band-
aid', como o Bolsa-Família. Ele não tem a coragem de realizar um grande programa de
investimentos que transformaria, por exemplo, o Nordeste''.

Política com vizinhos

Skidmore é autor de vários livros em que analisa a história e sociedade brasileiras, entre
eles Brasil ± de Getúlio a Castelo e Brasil ± de Castelo a Tancredo, ambos publicados
no Brasil.
Em termos de política externa, o brasilianista crê que Lula será mais bem-sucedido do
que em suas políticas estruturais. O historiador acredita que em um possível segundo
mandato Lula conseguirá ter uma relação estável com países vizinhos, como a Bolívia e
a Venezuela.

''O Brasil precisa importar energia e isso implica relações mais íntimas com vizinhos
como a Bolívia.'' Por isso, diz o historiador, o governo Lula reagiu bem ao que chama
de ''golpe dado pela Bolívia'', em menção à nacionalização de recursos de gás e petróleo
pelo país andino.

Mas enquanto prevê uma relação estável com a Bolívia, Skidmore não vislumbra o
mesmo cenário em relação à Venezuela.

''A Bolívia é um símbolo de país falido. Já a Venezuela, um rival para o Brasil na


América do Sul e no Mercosul, tenta chantagear o Brasil com seu petróleo.''

Mas no entender do historiador, a suposta estratégia do presidente venezuelano, Hugo


Chávez, não deverá surtir efeito. ''O Brasil se tornou auto-suficiente em petróleo, então
não irá cair no jogo de Chávez. A tática dele é mostrar que o Brasil é um adepto da
causa americana, o braço direito dos Estados Unidos na América do Sul''.

Com isso, afirma Skidmore, a Venezuela tenta tirar da órbita brasileira países que
Skidmore qualifica como sendo ''satélites'' do Brasil, como a Bolívia e a Colômbia.
''Mas fomentar tensões em países frágeis, com movimentos guerrilheiros, é uma
estratégia perigosa''.

Política doméstica

Skidmore diz não acreditar que a base do governo fique enfraquecida, mesmo que, após
uma eventual reeleição, Lula tenha de governar com uma bancada do PT encolhida e
veja reduzido o seu número de aliados no Congresso.

''Lula controla uma vasta máquina estatal. Hoje há pessoas em todos os níveis da
burocracia que devem seus empregos ao presidente. Não ao partido ou a um ideal, mas
sim ao presidente.''

De acordo com o historiador, não só será difícil mudar esse quadro, ''como será muito
tentador continuar a governar com esta máquina''. Skidmore afirma que ''muitos vêem
em Lula um camponês de pouca instrução, mas ele mostrou ser muito astuto na hora de
saber manipular a burocracia''.

''É daí que ele retira sua autoridade. Mas isso também acabou minando o PT. Não existe
mais ideologia. Em um segundo mandato, o que teremos é uma grande máquina movida
não por ideais, mas pelo poder. Os idealistas do PT já se foram. Estão hoje trabalhando
para a Igreja ou em outro lugar, mas não estão mais no governo'', conclui Skidmore.

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22 de setembro, 2006 - 09h25 GMT (06h25 Brasília)

Bruno Garcez
em Washington

Brasilianista não vê abalo na imagem


externa de Lula
O escândalo do dossiê, que pode afetar a candidatura do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, não influiu em nada a sua imagem no exterior.

É essa a opinião de Peter Hakim, um especialista em política brasileira e presidente do


Inter American Dialogue - célebre instituto americano de análise política dedicado ao
continente americano.

Hakim disse à BBC Brasil que "fora do Brasil, ninguém está prestando atenção" à
acusação de que assessores do PT tentaram comprar por R$ 2 milhões um documento
contendo acusações contra políticos do PSDB.

O analista prevê que as maiores dificuldades para Lula se darão mesmo no cenário
doméstico, caso ele seja reeleito. ''Se vier à tona que isso (o escândalo do dossiê) foi um
truque sujo, ele poderá ter dificuldades para governar''.

Discussão secundária

"'Lula será reeleito. E o povo do Brasil o julgou. Eles não apenas irão votar nele, irão
elegê-lo novamente com uma diferença de 20% sobre o rival. Alckmim tem 0% de
chance", diz Hakim.

O analista também acredita que o escândalo os Estados Unidos também não teve
impacto junto ao governo americano.

"A postura dos Estados Unidos é a de que Lula vai ser presidente de qualquer forma.
Então por que entrar em uma discussão que é secundária para eles? Além do que, isso
poderia acabar jogando Lula nos braços de Chávez."

Além disso, acrescenta Hakim, ''Ele já garantiu que irá dar continuidade às suas
políticas macro-econômicas e garantirá a estabilidade do Brasil. Isso interessa aos EUA.
Ele deu ao Brasil um alto grau de estabilidade. Seu maior sucesso nos últimos anos é
haver sustentado o crescimento econômico.''

Boa companhia
No início desta semana, Lula abriu a Assembléia Geral da ONU e manteve encontros
com o secretário-geral da entidade, Kofi Annan, e com o presidente francês, Jacques
Chirac, e o ex-presidente americano Bill Clinton.

No entender de Hakim, estadistas estrangeiros apreciam estar lado a lado com Lula
porque ''internacionalmente, ele ainda carrega a imagem do cara que veio da classe
trabalhadora e conseguiu vencer''.

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Política
O Governo Jango segundo Skidmore
O historiador brasilianista Thomas Skidmore narrou, em seus livros, episódios
marcantes da história política brasileira. Conheça um pouco de sua análise sobre a crise
durante o governo Jango, que resultou no Golpe de 1964

Por Daniel Rodrigues Aurélio

O período que se estende da renúncia do


presidente Jânio da Silva Quadros, em 25 de
agosto de 1961, até a ascensão do governo
militar, no primeiro dia de abril de 1964, é sem
dúvida dos mais controversos da história
republicana brasileira. Não raro, a atmosfera
conspiratória que pairava sobre os céus e
corredores de Brasília durante a administração
de João Belchior Marques Goulart (1919-
1976), o Jango, é analisada sob a influência
entorpecente das paixões ideológicas. Razão
pela qual dúvidas tendem a se acumular, e as
certezas se retraírem, quando esses anos
turbulentos são rememorados.

Professor de História do Brasil em algumas das


maiores universidades dos Estados Unidos, o
João Goulart em visita a Nova York, em abril 1962 historiador brasilianista Thomas Elliot
Skidmore é um pesquisador veterano, que
sempre procurou elucidar aspectos um tanto eclipsados do Brasil pós-República Velha.
Lançada pela Oxford University Press em 1967, sua obra Brasil: De Getúlio a Castelo
(complementada pelo volume dois, Brasil: De Castelo a Tancredo) tornou-se
rapidamente um clássico da historiografi a política brasileira, apesar do nariz torcido de
alguns detratores. Um livro valioso justamente por conjugar um farto repertório de
informações a uma análise segura e objetiva dos nossos conturbados processos de
transição e manutenção do poder presidencial.

Ao drama proporcionado pelo agonizante ocaso do


Governo Jango ± João Goulart vivia o fantasma
constante de ser apeado do poder -, Skidmore dedica
os últimos capítulos do livro. Este texto, portanto,
propõe-se a examinar os capítulos ³Goulart no poder
(1961-1964)´, ³Colapso Democrático (1964)´ e, de
maneira mais breve, o ³Epílogo´. Observar esse período pelo ângulo de Skidmore tem
várias dimensões. Podemos, enfim, analisar a visão de uma ³historiador de fora´,
nascido na maior potência do pós-guerra (EUA), país que aceitou pacificamente (e de
modo até entusiasmado) a ditadura instaurada no Brasil. A evolução dos fatos e das
versões contidas nos capítulos minuciosamente descritos mostrará o desgaste da saída
legalista e democrática (Jango como chefe de Estado parlamentarista e, em seguida,
reconduzido aos plenos poderes presidenciais) e quais foram as circunstâncias sociais e
políticas que propiciaram a chegada dos militares ao governo do Brasil, na virada de 31
de março para 1° de abril de 1964.

Brasil: De Getúlio a Castelo, tornou-se rapidamente


um clássico da historiografia política brasileira

Skidmore narra uma peça repleta de erros tolos e articulações inábeis. O autor dedicase
a trazer à tona os sucessivos equívocos nas tomadas de decisão de Jango, os delicados
bailados em acordos de bastidor, e o pavor provocado, em parcela da ³sociedade civil´,
pela ameça das ³esquerdas radicais´ personificadas em Leonel de Moura Brizola (1922-
2004). Nesse contexto ruiram coligações outrora razoavelmente afinadas (PTB-PSD); a
oposicionista UDN subiu o tom dos ataques, sempre comandadas pela histeria de Carlos
Lacerda; e emergiram dos quartéis as Forças Armadas, auto-intituladas guardiãs do
republicanismo à brasileira. Em resumo, as instituições nacionais, que em um Estado
democrático saudável seriam sólidas e invioláveis, ficaram outra vez à mercê de
personalidades instáveis e das temerárias ambições dos ³donos do poder´ - e daqueles
que cortejavam o poder.

Havia, por assim dizer, cinco atores principais no elenco dessa trama. Eram quatro
homens e uma instituição: Jânio, Jango, Brizola, Lacerda e as Forças Armadas. Cada
qual representando uma gama de interesses políticos, privados e corporativos. O eixo
argumentativo de Skidmore encontra-se exatamente no personalismo e nas
idiossincrasias desses atores políticos, todos eles dispostos a ficar acima da
impessoalidade das leis e dos órgãos públicos. De todo modo, essas figuras de situação
ou oposição serão incapazes de engendrar reformas de base ou mesmo de costurar
parcerias estáveis e oposições propositivas. Ou seja, ³janguistas´ ou ³golpistas de 64´,
ninguém mostrou-se verdadeiramente republicano nos ideias, nem eficaz na gerência do
Estado.

Política
O Governo Jango segundo Skidmore
O historiador brasilianista Thomas Skidmore narrou, em seus livros, episódios
marcantes da história política brasileira. Conheça um pouco de sua análise sobre a crise
durante o governo Jango, que resultou no Golpe de 1964

Por Daniel Rodrigues Aurélio


Skidmore nos lembra que a celeuma formou-se a partir
de um rompante do presidente democraticamente eleito
do país (Jânio Quadros), que supunha possuir um
magnetismo pessoal maior do que de fato tinha.
Receoso das ³forças terríveis´, Jânio redigiu uma
cartarenúncia que foi aceita pelo Congresso Nacional
sem maiores problemas. A população não foi em
massa às ruas pedir a sua permanência. A fila andou,
como se diz. Acontece que Jânio deixou para tráz um
imenso problema. O vice-presidente eleito (as eleições
para presidente e vice corriam em paralelo naqueles
tempos) não gozava de prestígio com as elites, afinal
era herdeiro político de Getúlio Vargas (1882- 1954) e
circulava bem entre as esquerdas.

Fragilizado institucionalmente, o Brasil parecia


incapaz de fazer cumprir a própria legislação e
empossar Jango. Se o golpismo rondava o governo
Jânio, ele não se dissipou no momento de sua renúncia.
Leonel Brizola, aliado de João Goulart e líder Em viagem diplomática à China comunista, João
da rede da Legalidade
Goulart estava impossibilitado de tomar à frente da
transição. A sua sorte (leia-se a sorte do Brasil) seria decidida em tensas manobras que
consumiram aqueles dias de incertezas decorrentes da súbita abdicação de Jânio.
Segundo Skidmore, ±surgiu uma luta entre ministros militares, que se opunham a posse
de Jango, e os que apoiavam a legalidade. Constituiam estes últimos militares, políticos
e homens públicos´ (pg.255)

Skidmore mostra que a crítica udenista disparada contra Jango estava muito relacionada
ao horror, ao populismo e ao ³comunismo´. E Jango, na visão dos seus inimigos,
parecia conectar essas duas características indesejadas. A reputação piorava por ele ser
tido como o continuador do getulismo. Conforme denunciava um editorial do jornal O
Estado de S. Paulo, oportunamente mencionado pelo historiador, Jango como
presidente seria, para uma determinada parcela das elites, o sinônimo de um retorno do
ideário getulista e, por grosseira analogia, do populismo. A estratégia da oposição seria
manter o presidente da Câmara ± Pascoal Ranieri Mazzilli (1910-1975) ± na condição
de interino até que, ao fim de sessenta dias, fossem convocadas novas eleições. Mas a
Rede de Legalidade comandada por Brizola, cunhado de Jango e figura fundamental
para entendermos aquele período, somada a uma ausência de sintonia interna na cúpula
das Forças Armadas, deixaram muitos temerosos de uma guerra civil. Houve, então, um
recuo momentâneo. Conduzido ao seu posto de direito, Jango teria os poderes
esvaziados por uma ³solução de emergência´: um regime parlamentarista,
precariamente arranjado, com o intuito de conter conflitos e, nas palavras de Skidmore,
±apoiar Jango sob experiência´ (pg.259)

Jango como presidente seria, para uma determinada parcela das


elites, o sinônimo de um retorno do ideário getulista
Esse medo é bem explicado por Skidmore e outros
historiadores, sociólogos e cientistas políticos. Não permitir a
posse de Jango seria o equivalente a ignorar, quer dizer, violar
o princípio das eleições livres. No pleito de 1960, João Goulart
obtivera uma votação tão ou mais expressiva que a de Jânio
Quadros. Ele tinha algum respaldo popular. Mesmo assim, a
emenda constitucional que decretava o parlamentarismo, e o
consequente regresso de João Goulart, só puderam ser
concretizados quando os ministros militares comprometeram-
se a aceitar o sistema. Ao assumir o governo, Jango tinha a
sombra da insatisfação velada ou explícita da corporação
militar, o legado da crise gerada pela ³política independente´
de Jânio e a dor de cabeça de uma crescente inflação contraída,
sobretudo, pelo Governo JK. Tancredo Neves, primeiro-ministro
durante o breve período
parlamentarista
Não tardou, porém, para aquele improviso institucional se
degradar. O duelo entre getulistas e anti-getulistas persistia, ao passo que era gritante a
má vontade das partes em fazer prosperar o sistema de governo implementado. Durante
meses e meses, entre 1961 e 1963, Jango por um lado, e seus rivais do outro, colocavam
obstáculos para o sucesso parlamentarista. Jango por desejar recuperar a plenitude de
suas funções; a oposição radical, para provar a inutilidade daquela ³saída diplomática´.
Ao final do imbróglio, foram três os primeiros-ministros relâmpagos (Tancredo Neves,
Brochado da Rocha e Hermes de Lima) e nenhum deles deixou saudades. Para
Skidmore, ³na verdade, Tancredo e Jango seguiam um plano destinado a demonstrar
deliberadamente a inviabilidade do parlamentarismo. Seu objetivo era reforçar a
campanha por uma volta ao sistema presidencialista´ (pg.267)

Ë suposta demonstração de inoperância, comprovada pelas inúmeras greves nos


setores públicos e pela dificuldade em tocar projetos de peso, serviram como o
argumento
central de João Goulart para reivindicar a elevação de seus poderes. Dessa forma,
o
presidente conseguiu colocar em pauta um plebiscito sobre o sistema de governo;
antecipá-lo para janeiro de 1963; e fazer o presidencialismo triunfar por larga
margem de votos.

Política
O Governo Jango segundo Skidmore
O historiador brasilianista Thomas Skidmore narrou, em seus livros, episódios
marcantes da história política brasileira. Conheça um pouco de sua análise sobre a crise
durante o governo Jango, que resultou no Golpe de 1964

Por Daniel Rodrigues Aurélio

Colapso Democrático
Thomas Skidmore é direto ao apontar qual foi o
pecado capital de João Goulart: abrir mão de mobilizar
os ³centristas´ de espírito reformista. Em 1962, o
resultado das eleições para o Congresso Nacional
indicava essa tendência moderada, de diálogo. Mas
Jango não teve sensibilidade (ou vontade) sufi ciente
para perceber.

Descrito pelo historiador como ³frágil´ e ³indeciso´, o


perfil de Jango trazia instabilidade institucional e
dúvidas generalizadas. Como um típico sujeito de
temperamento inseguro (há quem discorde
frontalmente de Skidmore), João Goulart teria ficado
ainda mais confuso e hesitante após a morte da mãe.
Além do mais, poucos consideravam-no a altura do
cargo que ostentava. Diante desse quadro alarmante, o
Eleito presidente, Jânio Quadros
³consenso público´ perdia gradualmente a ³fé renuncia poucos meses depois
democrática´.

Os altos índices inflacionários (no Rio de Janeiro, por exemplo, o custo de vida subira
31% em 1963), a sangria na dívida pública, a sua relação com a Reforma Agrária e o
fracasso do Pano Trienal faziam Jango perder a sua reputação. Afastado da chamada
³esquerda positiva´, o presidente começou a tomar desesperadas atitudes populistas.
Setores do funcionalismo público e dos movimentos sindicais, historicamente cooptados
pelo ³estado cartorial´ da aliança PTBPSD, aproveitaram-se do fraqueza do governo
para realizar cobranças salariais. Nesse meio tempo, as facções anti-jango das Forças
Armadas já se articulavam para tentar convencer os colegas ainda legalistas de que
Jango seria, na verdade, um ³antidemocrata´ apto a aplicar o temido ³golpe vermelho´.

Ë crise econômica [durante o governo Jango] deflagrou


de vez o já iminente colapso democrático

A crise econômica deflagrou de vez o já iminente colapso democrático. No exterior,


ventilaram-se os rumores de que Jango decretaria uma moratória. O New York Times
publicou um artigo no qual afirmava que ³[o Brasil] só mereceria ajuda´ caso desse
³provas de estar cumprindo a promessa de deter a inflação´ (pg. 315). Opositor visceral,
Carlos Lacerda virou atração nas rádios e jornais com sua verborragia anti-Jango. O
terreno para o avanço militar estava em preparação.

O maior problema do governo era que, embora o Plano Trienal fosse socialmente
louvável e vital para os engravatados do FMI, seus resultados só poderiam ser
mensurados em longo prazo. E o capital estrangeiro tinha urgência. O Plano parecia
inviável, mas faltava a Jango talvez firmeza para defendê-lo ou abandoná-lo de vez.
Numa frase espírituosa, Skidmore resume o caos político e econômico e o talento
administrativo do presidente: ³Tendo [Jango] dado apoio pouco entusiástico a uma
política destinada a realizar o desenvolvimento sem inflação, só conseguira realizar a
inflação sem desenvolvimento´.
A ³inépcia´ de Jango, na expressão de Lacerda, se tornou mais evidente quando,
incapaz de organizar o PTB a seu favor, perdeu espaço para um político pelo qual
Skidmore parecia nutrir um misto de fascínio e horror: Leonel Brizola. Brizola seria a
figura de proa daquilo que o historiador brasilianista denominou de ³esquerda radical´.
Estimulado pelo discurso incendiário brizolista, o PTB haveria de deixar escapar o PSD,
sua base de apoio no Congresso.

Diante do alto número de greves e revoltas, Jango decretou, no dia 4 de outubro de


1963, um estado de sítio. Erro fatal. Apesar de logo voltar atrás, sob alegação de ³novas
circunstâncias´, a suspeita de um golpe de Estado transformou-se numa certeza até para
os opositores mais cautelosos. Era quase um chamamento à ação das Forças Armadas.

Com o avanço das pressões internas, a situação de Jango encobria-se de nuvens cinzas.
Na virada de 1963 para 1964, num clima nada agradável de ameaças de golpes e
contragolpes, ainda havia quem mantivesse a esperança de se discutir uma ³otimista´
sucessão presidencial. Cinco expoentes da política brasileira ambicionavam o posto e
jogavam com militares e legalistas um duvidoso jogo de interesses: Miguel Arraes,
Juscelino Kubitschek, Carlos Lacerda, Magalhães Pinto e Adhemar de Barros. O
quinteto presidenciável concordava em um ponto: ninguém aceitava abertamente o
rótulo de aliado de João Goulart.

Política
O Governo Jango segundo Skidmore
O historiador brasilianista Thomas Skidmore narrou, em seus livros, episódios
marcantes da história política brasileira. Conheça um pouco de sua análise sobre a crise
durante o governo Jango, que resultou no Golpe de 1964

Por Daniel Rodrigues Aurélio


Ë queda de Jango
A derrubada de Jango era simples questão de meses. Enquanto a direita udenista e o
Exército se organizavam, o presidente da República superestimava a sua capacidade de
mobilizar ³suas bases´, vinculadas ao sindicalismo e a alguns setores da corporação
militar ainda fiéis ao governo legalmente instituído. Se tudo correu bem para Jango no
Comício da Central que, mesmo boicotado por Carlos Lacerda, governador da
Guanabara, recebeu cerca de 150 mil pessoas, a resposta da direita veio em dobro na
³Marcha da Família com Deus pela Liberdade´, uma passeata conservadora, de
motivação religiosa e reacionária, realizada em São
Paulo.

Apesar de coordenar de maneira incansável, estoica e


heroica uma rede de resistência que incluía o controle
da rádio Mayrink-Veiga e o semanário Panfleto,
Leonel Brizola não parecia, ao menos na visão de
Skidmore, a figura ideal para tomar a frente da batalha
pela legalidade. Já os conspiradores civis e militares
estavam preparados, mas ainda precisavam convencer
generais de setores estratégicos a aderir ao golpe. Uma
vez convencidos os colegas legalistas de São Paulo e
Rio de Janeiro, sobretudo após o discurso de Jango
para militares no Automóvel Clube, o general Olimpio
Mourão Filho (1900-1972) ordenou a movimentação
de tropas em Juíz de Fora, rumo ao Rio de Janeiro.

Ciente da gravidade dos fatos, Jango foi para Porto


Alegre e, de lá, partiu em 2 de abril para Montevidéu, João Goulart com a faixa presidencial

no Uruguai. Leonel Brizola tentou comandar uma


contra-revolta, sem sucesso. Também saíu do país. Em poucas horas, o Palácio do
Planalto estaria ocupado por tanques e soldados do Exército. Era a autora do regime
militar.
No Epílogo do livro, Skidmore ressalta que, àquela altura dos fatos (meados de 1966,
quando ele conclui a obra), seria impreciso afirmar que o movimento fora um golpe
rasteiro ou uma revolução autêntica. Sabia-se, entretanto, que a queda de Jango fora
ocasionada por uma conspiração militar, com a anuência das elites civis. Tudo foi feito
fora da ordem legal. Não havia sequer um processo de impeachment contra o
presidente, aliás, a coalizão de oposição nem tinha certeza se possuiria votos para tanto.

Ë derrubada de Jango era simples questão de tempo.


Ë direita udenista e o Exército se organizavam para o golpe

Amedrontados com as possíveis consequências do impedimento do presidente João


Goulart, os políticos também não fizeram qualquer esforço no sentido de bloquear a
marcha do Exército. Skidmore informa que não ter havido qualquer quórum para
formalizar a deposição de Jango, da mesma forma que ninguém ousou clamar pelo seu
retorno. Para governar sem morosidades e truncamentos, a ação militar teve de
recrudescer por meio dos Atos Institucionais. Em pouco tempo, a coesão dos militares
se desgastaria com o agravamento da ³eterna´ divisão entre ³militares extremistas´ (a
³linha-dura´) e os moderados do ³grupo de Sorbonne´.

O maior mérito de Skidmore é não perder de vista um dos principais debates que
atravessam o ³drama político brasileiro´. Desiludido com a democracia, o povo, salvo
as exceções, resignara-se, passando a aceitar com normalidade cada vez maior a
supressão dos direitos e o ³domínio dos tecnocratas sob tutela militar´ (pg.388). Mas
essa já é uma história contada no segundo volume publicado por Skidmore, Brasil: De
Castelo a Tancredo.

Daniel Rodrigues Ëurélio é bacharel em Sociologia e Política pela Fundação Escola de


Sociologia e Política de São Paulo e pós-graduado em Globalização e Cultura pela
Escola Pós-Graduada de Ciências Sociais. É autor, entre outros livros, de Dossiê
Getúlio Vargas (Universo dos Livros, 2009) e da trilogia A extraordinária História do
Brasil (Universo dos Livros, 2010)

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31/10/2005cc


 
 
 
 




   

 
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[Programa gravado não permitindo, portanto, a participação de telespectadores]


Paulo Markun: Boa noite. Há mais de cinco décadas ele acompanha os acontecimentos
políticos e econômicos do Brasil. Pioneiro entre os chamados brasilianistas, seu olhar
atento já registrava os principais fatos ocorridos no país antes mesmo de desembarcar
aqui em 1961. Suas pesquisas resultaram em cinco livros, entre eles O Brasil: de
Getúlio a Castelo (1975) e O Brasil visto de fora (1994). Estamos falando do professor
Thomas Skidmore.

[Comentarista]: Formado em Oxford, na Inglaterra, e com doutorado em Harvard, o


professor Thomas Skidmore lecionou, além de Harvard, na Universidade Wisconsin.
Atualmente, dirige o Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Braun,
em Long Island. Desde os anos 1950 ele acompanha a política brasileira; seu primeiro
livro, Brasil: de Getúlio a Castelo, tornou-se um clássico entre os estudos sobre a
história recente do país. Em seguida publicou Brasil: de Castelo a Tancredo, onde faz
um relato sobre a ascensão dos militares ao poder, da contestação à ditadura, e da
mobilização popular que levou à redemocratização sob a liderança de Tancredo Neves
[(1910-1985) político mineiro membro, sucessivamente, do Partido Republicano, da
Arena e do PDS. Eleito presidente nas últimas eleições indiretas no Brasil, em 1984,
faleceu dias antes da posse, em 21 de abril daquele ano, em decorrência de problemas
de saúde que uma cirurgia não resolveu] e Ulysses Guimarães [(1916-1992) político
paulista ligado inicialmente ao Partido Social Democrático (PSD) e, posteriormente,
nos anos de ditadura militar, ao MDB (Movimento Democrático Brasileiro), do qual se
tornou presidente em 1979. Com o processo de redemocratização do país, tornou-se
presidente da Assembléia Nacional Constituinte, nos anos de 1987 e1988]. Em outra
obra - O Brasil visto de fora ± em dez ensaios, Skidmore comenta a política e a
economia brasileira em tempos mais recentes. Sempre atento à política brasileira, ele vê
em Fernando Henrique Cardoso [presidente do Brasil entre 1995 e 2002 pelo PSDB
(Partido da Social Democracia Brasileira)] o perfil de um político brasileiro tradicional.
Para Skidmore, o governo de FHC acabou aprofundando o endividamento externo e
falhou ao não iniciar um programa de crescimento sustentável. Sobre o atual governo, o
professor se confessa um tanto decepcionado com o Lula e acha que o PT [Partido dos
Trabalhadores] deveria retomar seus antigos ideais. Skidmore também entende que
falta ao atual governo um plano de desenvolvimento durável para o país.

Paulo Markun: Para entrevistar o brasilianista Thomas Skidmore, nós convidamos:


Carlos Marchi, coordenador de política do jornal O Estado de S. Paulo; José Paulo
Kupfer, chefe de redação do departamento de jornalismo da TV Cultura; Alexandre
Machado, editor de política da TV Cultura; Fernando de Barros e Silva, editor de
política do jornal Folha de S. Paulo; Carlos Guilherme Mota, historiador, professor da
USP e do Mackenzie; Cláudio Camargo, editor internacional da revista Isto é e Getúlio
Bittencourt, diretor de redação do jornal DCI e do site Panorama Brasil. Temos também
a participação do cartunista Paulo Caruso, registrando em seus desenhos os momentos e
os flagrantes do programa. O Roda Viva é transmitido em rede nacional de TV para
todo o Brasil.

Paulo Markun: Boa noite, professor Thomas Skidmore.

Thomas Skidmore: Boa noite.

Paulo Markun: Em agosto de 2003, o senhor deu uma longa entrevista para o jornal O
Estado de S. Paulo e o senhor disse que tinha muita esperança no governo Lula. Você
dizia que "tomando em consideração todos os fatores, o governo está indo bastante bem.
E o mais importante, Lula tem coragem e não iria repetir a trajetória de João Goulart" -
é a comparação que o senhor fazia. O senhor mantém essa esperança?

Thomas Skidmore: [risos] Agora é mais difícil, não é? As coisas mudam. Em política,
você nunca sabe exatamente o que vai acontecer. Eu achava que a promessa do PT foi
muito grande, não só para os brasileiros, mas também para os amigos do Brasil, fora do
Brasil. Infelizmente, tem esse problema de corrupção e mentira, que é natural, nós
temos [isso] no Brasil, não é desconhecido entre nós. Agora é um momento difícil... Eu
duvido [de] que o Lula possa ser reeleito no ano que vem. Ele pretende, mas a situação
é tão grave, que provavelmente vai ser difícil.

Paulo Markun: O senhor, olhando os 40 ou quase 50 anos [em] que acompanha a cena
brasileira, o senhor acha que o Brasil melhorou do ponto de vista político?

Thomas Skidmore: Isso é difícil de dizer, não é? Uma marca do melhoramento da


política brasileira foi o impeachment do Collor, que foi feito sem intervenção militar.
Foi feito completamente com o apoio do pessoal da legislatura. E eu achava, na época,
que isso era uma marca do amadurecimento da política brasileira. Eu acho que agora
tem outros problemas que estão pesando, por exemplo, o problema de financiamento
das campanhas. O Brasil tem tanto dinheiro, que está voando aqui antes das eleições ± e
dizem que muito mais do que nos Estados Unidos. Mas a explicação para minha
profecia é: "O historiador é o profeta do passado, e não do futuro".

Getúlio Bittencourt: O senhor diz em seu livro Brasil: de Getúlio a Castelo que
existem dois tipos de políticos no Brasil: os que são insiders, que são de dentro, e os
outsiders, que são de fora. Nessa sua dicotomia, o presidente Lula... estou errado em
supor que ele é claramente do pessoal "de fora"?

Thomas Skidmore: É curioso, porque o que aconteceu, vamos dizer, desde a


presidência do Juscelino, é um aumento tremendo do eleitorado. É tremendo, sabe?
Provavelmente bate recorde no mundo, a taxa de crescimento do eleitorado. De modo
que, tem muita coisa que é desconhecida. Ninguém sabe exatamente. E o PT era uma
coalizão de grupos diferentes. Vários petistas eram donas de casa, também os
sindicalizados, outros da academia [da universidade], não era um partido coeso. De
modo que, agora, é mais confuso. Você não pode dizer quem são os ³in´ e os ³outs´,
porque quem é ³in´, é aquele que foi eleito prefeito, né? E quem é out, [é aquele que
diz] que perdeu, não é? É a mesma coisa com o governador, que muitas vezes não tem
nada a ver com o partido. De modo que eu acho que está muito mais complicado agora.

Carlos Marchi: Professor, eu vou colocar outra dicotomia ao senhor. Outro dia, eu fiz
uma entrevista com o filósofo Antônio Negri [filósofo italiano que compôs o comitê
editorial do jornal ƒuaderni Rossi (Cadernos Vermelhos), que representava o
renascimento intelectual do marxismo na Itália. Acusado de liderar o seqüestro e
assassinato de Aldo Moro, líder da democracia cristã Iialiana, em 1979, foi preso.
Conseguiu, porém, livrar-se das acusações, pedindo refúgio à Universidade de Paris] e
fiz essa pergunta a ele. E ele deu uma resposta e eu queria a ouvir a sua. Essa crise que
se abate sobre o Brasil, hoje, é mais uma crise representativa ou é uma crise específica
da esquerda?
Thomas Skidmore: É difícil responder. Eu acho que tem muitos problemas na estrutura
política do Brasil, especialmente no sistema eleitoral. Quer dizer, o problema do
governo Lula... até onde eu sei, ele estava tentando comprar os votos para aprovar
legislação [refere-se à polêmica ocorrida em 2005 que ficou conhecida como mensalão].
Mas o problema é que os deputados não são disciplinados com o partido, de modo que o
dinheiro era a maneira de atraí-los. [Então] é preciso [haver] uma reestruturação do
sistema político brasileiro, especialmente no sistema eleitoral, para disciplinar mais os
membros da Câmara dos Deputados. Bom, da esquerda é outra coisa, da esquerda,
vamos falar francamente... A esquerda não tem mais idéias, nem nos Estados Unidos,
nem na Inglaterra, nem na Alemanha e nem na França. Esgotou [-se] quase que
completamente. Eu me lembro de quando eu cheguei ao Brasil, foi na década de 1960,
as livrarias eram cheias de livros sobre marxismo [conjunto de idéias filosóficas,
econômicas, políticas e sociais elaboradas por Karl Marx e Friedrich Engels, expressas
na obra O manifesto comunista (1848). No século XX, tais idéias se tornaram corrente
política-teórica que abrangem uma ampla gama de pensadores e militante]. E eu achava
aquilo interessante, um americano que chegou aqui e vai enfrentar o marxismo. Agora,
você entra na livraria e você encontra como ir às compras, como agradar sua
esposa...[risos] Quer dizer, é completamente diferente, o mundo é completamente
diferente. E não tem inspiração de fora do país, precisa ter, só que agora daqui, de
dentro do país. E o que houve no PT, houve na igreja, houve no Partidão [Partido
Comunista Brasileiro] para acelerar as reformas... Eu acho que a esquerda está muito
isolada no momento. O nosso amigo, grande amigo ± e eu o vi uma vez no Roda Viva
±, o Brizola [(1922-2004), fundador do PDT, foi presidente de honra da Internacional
Comunista e governador dos estados do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro. Ícone
da resistência ao golpe militar de 1964 e candidato derrotado às eleições presidenciais
em 1989]. Foi interessante, ele esmagou todos os jornalistas. Mas, quando ele morreu,
morreu quase a esquerda brasileira, não tem mais rosto com a capacidade de mobilizar...

Carlos Marchi: O senhor acha que o Lula é de esquerda genericamente?

Thomas Skidmore: Não sei. Ele era líder de um sindicato. Geralmente os líderes de
sindicatos, pelo menos nos outros países, são aqueles que estão tentando tirar mais
dinheiro do proprietário para os empregados. Ideologia não entra. O bom exemplo é a
Inglaterra, o =abour Party...., de modo que eu acho que o Lula é um caso muito
complicado.

[risos]

Ëlexandre Machado: Professor, em relação a essa complicação, a política brasileira o


senhor acompanha há tanto tempo e é complicada mesmo. O Markun relembrou que o
senhor, no início do governo Lula, tinha muitas esperanças. Eu li uma entrevista recente
sua, quando começou a crise vivida agora pelo governo, e o senhor dizia que o
presidente Lula iria acabar tendo uma função meramente diplomática, protocolar,
decorativa, no governo. E isso era o quê parecia, realmente, no início da crise, tal a
gravidade das denúncias. No entanto, passaram-se alguns meses e, apesar das
denúncias, [não] se aprofunda demais na questão, e hoje as pesquisas mostram que, de
certa forma, o governo está se mantendo. O senhor, com a sua visão de fora e
distanciamento, consegue dizer o que está se passando? Porque o normal seria que se
fosse à direção que o senhor apontou...
Thomas Skidmore: Trata-se, aqui, de um fenômeno político complicado. O Lula
começou como líder sindical. Ninguém o levou a sério. E, quando ele começou a fazer
política, era outra coisa, a esquerda tentou captar, não é? Mas o fato é que, agora, o
Brasil ... parece que ele entrou na correção do Brasil, porque ele ainda é popular. Essa
coisa de roubar, "deixe disso, né", ³deixe para os homens grandes"... Em certo sentido,
há uma simpatia do povo, mas o que entra aqui é a incapacidade administrativa, que vai
ser importante. Não sei se ele vai agüentar isso, não é o forte dele.

Carlos Guilherme Mota: Você mencionou o Brizola, a perspectiva do historiador,


nesse caso, é muito importante, principalmente com os seus olhos, a partir do exterior.
[Com] A morte do Brizola, todo um momento histórico está se encerrando e é natural,
observada a história de outros países, que haja essa transição mesmo. Eu não concordo
muito com essa coisa de dizer "a esquerda não tem cara". Não é assim, [tem] o Roberto
Freire, o Suplicy, o Tarso Genro, Chico Alencar. Agora, o conceito dessa...

Thomas Skidmore: Você acha que o Suplicy é carismático?

[risos]

Carlos Guilherme Mota: Talvez para muitos de nós não, mas ele tem bom eleitorado.
Então, mas o que eu queria dizer, voltando à questão do Getúlio ±"os de dentro e os de
fora"±, é engraçado esse mecanismo. Porque muita gente foi se irritando também e
saindo [do ³dentro´]. O saudoso Severo Gomes [(1924-1992) senador], ninguém mais
de dentro do que o ministro do primeiro governo, do segundo governo, e foi saindo. E,
no final, ele só falava: ³Qual é a solução, Severo? A rua!" Ele morreu falando isso. E do
lado de dentro também nós temos... Não é uma questão de discutir mais um modelo
autocrático burguês que está aí? Porque não é direita ou esquerda, ou isso ou aquilo, é
até moda dizer que a esquerda acabou, mas é claro ela está de volta. É preciso que ela
acabe, mas ela renasce, ela está presente. Você não acha que tem um modelo autocrático
em funcionamento e o Lula não consegue ou consegue conter mal?

Thomas Skidmore: Eu acho que é possível. A surpresa maior do governo Lula foi a
continuação da política econômica do Fernando Henrique. Como aconteceu? Isso é o
grupo de "ins", o grupo que gosta de falar com os banqueiros, daquela coisa toda, que
vai para o fundo, que está a sorrir, que o Brasil está sendo um bom moço, aquela coisa
toda. Isso cria uma confusão também, não é? Porque o pessoal da esquerda, que pensa
mais em reforma ±é uma coisa muito radical, que seria a distribuição de renda±, não fica
na pauta do Palocci [ministro da Fazenda no governo Lula entre 2002 e 2005. Foi
afastado do cargo devido denúncias de corrupção]. Porque ele está fazendo outra coisa,
ele está pensando em criar um país como os países da Europa do Leste ou nos Estados
Unidos. Nessa coisa de justiça social, em que foi fundado o PT, não entra, de modo que,
em certo sentido, o Palocci é o arquétipo do "homem de dentro".

Cláudio Camargo: Nesse sentido foram feitas muitas críticas ao populismo de Getúlio,
do Jango [apelido de João Goulart] e, durante muito tempo, na esquerda brasileira, pelo
menos na esquerda moderna, se criticou o populismo como um instrumento de
manipulação de massas, instrumento de demagogia etc. Hoje em dia, está se avaliando
com outros olhos, ou seja, de alguma maneira as políticas populistas, embora um pouco
autoritárias, elas promoviam um integração um pouco maior das massas, não só da
política, mas da economia, que hoje os modelos, tanto de esquerda quanto de direita,
não promovem. Qual a avaliação que o senhor faz do populismo brasileiro, se colocado
em relação às alternativas que nós temos hoje, como o governo Lula, governo Fernando
Henrique?

Thomas Skidmore: Eu acho que essa coisa... Se fala muito em Estado, fator do Estado.
Na década de 1960, a minha primeira década de Brasil, era um debate ainda muito forte
sobre o papel do Estado, a Petrobras, toda aquela coisa estatal do Brasil. E foi feito em
nome do populismo, não é? "Pertence ao povo", como falava o João Goulart.
Acontecimentos depois disso mudaram a situação. Ninguém acha que é mais possível
desenvolver o país baseado no poder do Estado. Quer dizer, a "new orthodox
economics" [neoliberais - neoliberalismo] conquistou todo mundo! Você pega uma
revista econômica ou outra revista de informação geral, não tem alternativas, ninguém
fala sobre o bem que faz o Estado. Agora, o Brasil está sofrendo com o peso dessa
mudança grande no mundo, que é contra o Estado e glorificando a empresa. Eu acho
que o Lula ficou confuso sobre isso, ele não entende disso. Mas o Palocci entende,
[Henrique] Meirelles [presidente do Banco Central] também.

Cláudio Camargo [interrompendo]: ...diferente do González, Felipe González [figura


importante na história política da Espanha, governou o país por quase catorze anos, de
1982 a 1996. Apesar de ter sido secretário geral do Partido Operário Espanhol (1974-
1977), quando assumiu o poder, optou por adotar um economia liberal: fechou algumas
estatais, privatizou outras e decidiu entrar na União Européia], que também era
socialista, veio depois a ditadura e, afinal das contas, fez um governo que reformou
muita coisa, mas no sentido de manter as estruturas econômicas capitalistas e foi
também cheio de corrupção. Ou seja, não teve muita diferença entre um Lula e o Felipe
González, uma coisa nova. As alternativas são muito menores, é isso?

Thomas Skidmore: Infelizmente, a Espanha é muito diferente do Brasil, não é? Tem


séculos e séculos de experiência, enfim, a Europa faz uma diferença grande. Toda a
pressão na Europa é diferente do Mercosul [Mercado Comum do Sul, área de livre-
comércio entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, assinado em 1991].

Fernando de Barros e Silva: Eu queria retomar a questão do Alexandre e fazer duas


indagações ao senhor: primeira, qual é a sua posição a respeito do "golpe branco" [fala
fazendo as aspas] ou do suposto golpismo das elites? Essa tese foi encampada em
determinados momentos por setores do governo, vocalizados pelo próprio presidente
Lula e por parte da intelectualidade da esquerda. Eu queria que o senhor a avaliasse,
porque ela me parece muito frágil, sem fundamento empírico. E, retomando a questão
do Alexandre, se o senhor não acha que hoje o Lula voltou a ser um candidato
competitivo, e se não pode haver um fenômeno ± é claro que isso é um exercício de
futurologia± [em que] ele perca votos nas classes médias urbanas e ganhe votos do
povão desorganizado, muito em função desses programas assistencialistas, como
[programa] Bolsa Família, que deve chegar a atingir 11 milhões de famílias, quase 50
milhões de pessoas no ano que vem. Isso tem um poder de atração, de sedução sempre
muito grande. Além da figura do presidente, que tem traços populistas, ele é
carismático, isso é inegável. Então, essas duas questões: do golpismo e se o Lula não
voltou a ser um candidato competitivo, se ele não teria furado a onda do pior...

Ëlexandre Machado: Eu podia agregar a sua pergunta? Quando você fala da


substituição do voto de opinião pelo voto mais populista, um movimento feito pelo
vice-presidente, que acaba de se filiar a um partido que é capitaneado pelo bispo Edir
Macedo, que é a grande força evangélica nascente aqui no Brasil... e se isso também não
teria haver com a busca de alternativa ao eleitorado original do PT. Posso agregar essa
pergunta?

Thomas Skidmore: Não sei exatamente... Qual foi a sua pergunta?

Fernando Machado: Não sei se o senhor acompanhou o desenrolar da crise desde o


início, a questão do "golpe branco", do suposto golpismo. De que haveria, na verdade,
uma disputa do poder diante da percepção que o Lula seria um candidato imbatível,
antes da crise, ou muito forte, houve um gesto, uma política de desestabilização do
governo. Como o senhor avalia esse discurso?

Thomas Skidmore: Eu acho que "golpe branco" não houve. O que houve durante a
campanha, você lembra, quando o Lula estava sendo muito atacado como socialista,
"ele vai comprar o seu carro, vai pegar o seu carro", aquela coisa toda. De repente, no
meio da campanha, mudou o tom e parecia que havia alguém que estava dirigindo a
cobertura da coisa. De repente, os capitalistas grandes disseram que o Lula não é tão
perigoso, dizendo que nós podemos absorver.

Fernando Machado: Tinha muita gente que achava o [José] Serra [político do PSDB,
ministro da Saúde no governo de Fernando Henrique Cardoso. Foi candidato à
presidência em 2002, porém perdeu as eleições para Lula, foi eleito governador do
estado de São Paulo em 2006] mais perigoso que o Lula...

Thomas Skidmore: Isso é outra coisa... Mas é interessante... Se houvesse alguém,


algum fantasma, durante a campanha que sabia que o Palocci ia ser o ministro da
Fazenda e ia seguir a mesma coisa... Não importa o Lula como presidente, né? Essa
coisa de Bolsa Família não tem a menor importância, não é igual à [febre] aftosa por
exemplo [referência à doença que, quando presente interfere fortemente no comércio de
bovinos, prejudicando a economia do país]. De modo que o Lula é, em certo sentido, é
um figurehead, é um "lá em cima", mas ele não faz a política econômica, porque a
política econômica é a mais importante para o Brasil. E como é possível que o
presidente do Brasil, que não diz que domina a área da política econômica, não é? De
modo que houve um golpezinho, pelo menos, na mente do Lula, para entregar toda a
política econômica...

Fernando de Barros: Mas o Lula, durante a campanha, emitiu vários sinais e o mais
eloqüente deles é a Carta ao Povo Brasileiro [documento assinado por Lula no dia 23 de
julho de 2002, que estabelecia um pacto e assumia uma série de compromissos sociais,
econômicos e políticos], essa surpresa, digamos, diante da política econômica, essa
frustração de setores da esquerda e de petistas etc, é uma frustração quase ingênua,
porque o PT emitiu todos os sinais de que iria continuar a política do Fernando
Henrique. E, de fato, a verdade seja dita, recebeu a herança, a chamada "herança
maldita" e, se existe uma herança maldita, é a dívida pública. O Fernando Henrique
deixou uma bomba-relógio para o governo do PT. Não estou querendo culpar o
Fernando Henrique pelas escolhas do governo Lula, mas, de fato, ele recebeu.

Paulo Markun: Eu gostaria [de] que ele respondesse também o segundo ponto da
questão, porque botaram três perguntas simultaneamente, se o senhor acha que vai haver
uma migração do voto populista. Quer dizer, se o Lula pode ser eleito com o voto do
povão, digamos assim, que ele nem sempre teve nessa última eleição?

Thomas Skidmore: Felizmente, o Brasil tem voto secreto desde 1932. E a maneira de
votar no Brasil é muito melhor do que votar nos Estados Unidos, o berço da
democracia, o nosso presidente vai entregar a democracia, a máquina... O Brasil tem
máquina de votar que funciona [risos]. Além disso, nós temos fabricantes de máquinas
para votar, que são fabricados pelos amigos do presidente. Isso é coisa do Brasil, né? De
modo que eu acho que é complicado, no momento, analisar a opinião pública. Talvez o
Lula só fique lá, com o símbolo, flutuando. Se ele não tiver poder sobre a política
econômica, pode [se] reeleger. É curioso isso, porque é um símbolo. Eu acho que é um
momento muito mal definido. E o que se está esperando é alguém entrar no vácuo.

José Paulo Kupfer: Deixe-me perguntar ao senhor sobre economia exatamente.


Inclusive, tentando fazer um paralelo que o senhor já fez em algumas entrevistas com
relação às grandes crises políticas do passado, dessa segunda metade do século XX: que
eram crises ligadas ao balanço de pagamento, de crises da economia do setor externo. E
que, dessa vez, para a surpresa sua, inclusive, enfim, esse setor externo está muitíssimo
bem. Eu queria fazer uma pergunta no seguinte sentido: o setor externo, no caso
brasileiro, naqueles tempos, também poderia ser lido de outra maneira, que era a
seguinte, quando as exportações iam bem, era um sinal de que a economia interna não ia
bem e havia um estímulo, um forte impulso para que os empresários buscassem
exportar. Enfim, isso ia até certo ponto, quando [se] abortava esse negócio e vinha a
crise. No momento, não é um pouco o inverso dessa história, ou seja, as exportações
estão indo muito bem, porque a economia interna não vai tão bem assim. Quanto tempo
os bons números macroeconômicos do ministro Palocci resistirão a um crescimento
insuficiente? E há investimentos insuficientes para fazer crescer a economia e absorver
o contingente de brasileiros que continuam à margem dele?

Thomas Skidmore: Isso é verdade. A capacidade de aumentar as exportações é


impressionante. Eu sempre falava, nessas cinco décadas no Brasil, sobre a necessidade
de aumentar as exportações. Veja você, você tem alguns problemas, você tem
agricultura e não tem competição no mercado interno. [Por exemplo] soja, que estão
exportando para a China. O Brasil não tem mercado para isso dentro do país. O ferro
também, outra coisa, para o Japão. De modo que eu acho que essa ligação que você
levantou entre as exportações e falta de impulso na economia doméstica, eu duvido,
pelo menos agora... ou o Brasil está captando recursos ótimos por causa do mercado
mundial. A China, outros países... a China está comprando tantas matérias-primas. Eu
acho que o problema, eu não sou economista, eu digo isso para depois falar sobre
economia... A minha mulher é economista, eu admiro. Tem vários problemas na
economia doméstica. Você tocou na taxa de investimento. É muito ruim no Brasil, que é
mais ou menos 16%.

José Paulo Kupfer: Já está em 19%. Mas teria que ser uns 25%.

Thomas Skidmore: Deveria ser uns 26. De 26 a 30%. E para o furo...

José Paulo Kupfer: E na China é quase 40% a taxa de investimento.

Thomas Skidmore: É, mas em comparação com as economias da Ásia...


[...]: Mas isso é falta de perspectiva para o futuro...

Thomas Skidmore: Esse é o problema, não é?

José Paulo Kupfer: E, do ponto de vista político, essa falta de perspectiva para o
futuro, o que faz a gente pensar, o que teria que mudar ou o que faz a gente pensar sobre
isso? Onde a gente poderá estar indo?

Thomas Skidmore: Os americanos [que] mandem os professores de business


administration [administração de negócios] para explicar o segredo. E tem muitos
aqui... E os ingressos são caros...

Paulo Markun: São os novos brasilianistas...

Thomas Skidmore: Os brasilianistas ganharam muito mais... Eu acho que o modelo


interno da economia brasileira está muito confuso. Por exemplo, a carga de impostos é
incrível. Quando eu comecei a estudar o Brasil, todo mundo disse: "Ah, não é possível
aumentar os impostos, porque o Brasil não paga os impostos". "Ele é como o italiano. O
italiano bonzinho, mas ele não paga os impostos", de modo que todo programa [de] que
precisa, de impostos, não vai dar certo. Agora, o Brasil está matando a gente com
impostos. É preciso uma reforma tremenda. Outra coisa é o sistema judiciário, é incrível
quando chega a revista Veja na minha casa, eu pego e falo: "Tem mais um conto de
horror sobre o processo jurídico no Brasil". De modo que ninguém tem possibilidade de
voltar, no caso do sistema brasileiro, tanto tempo. Muito disso é tecnocrático, é da
política, não da esquerda, mas é tecnocrático.

José Paulo Kupfer: O Palocci não é tecnocrático?

Thomas Skidmore: Acho [que] sim. Um exemplo perfeito, não é? Mas sem visão para
o futuro. Eu li no jornal ontem, encontrei um artigo do nosso grande amigo Delfim Neto
[economista, professor universitário e político brasileiro, ligado, historicamente, aos
setores conservadores, tendo sido, inclusive, ministro de governos militares] Delfim
Neto manda aqui ainda, né? E você não pode eliminar o Delfim Neto; ele falava sobre a
necessidade de baixar a taxa de juros. Não é coisa nova. E seria possível para a
economia brasileira crescer de uma maneira maior. E isso foi escrito em 1967.
Exatamente a mesma coisa que ele falou, mas funcionava em 1967, talvez funcionasse
agora, de modo que eu acho que precisa [haver] uma reforma bastante grande na
administração da economia interna do Brasil.

Paulo Markun: Professor, o senhor acha que é possível ser otimista ± bem humorado o
senhor já mostrou que é ± e que o país pode avançar em direção à solução dos
problemas políticos, econômicos e sociais? A propósito, nós temos uma pergunta feita
pelo historiador Jaime Pinsky, vamos ver o que ele diz.

[VT Jaime Pinsky]: Durante o regime militar, muitos de nós lutávamos para que a
democracia plena se instalasse no Brasil. Já temos 20 anos de democracia plena,
contudo as coisas não caminham do jeito que nós gostaríamos. Qual é o problema?
Dizem as ³más línguas´ que, numa nação que tem uma elite arrogante e um povo que
aprendeu a ser dissimulado para sobreviver, a democracia não tem muita esperança. É
verdade? A democracia tem esperança, Skidmore? O Brasil tem esperança?
Thomas Skidmore: Pelo menos em termos da saúde do povo brasileiro, é
impressionante. Você pega as estatísticas sobre a população brasileira. Aumentou, desde
1950... aumentou tremendamente a expectativa de vida e também baixou muito a taxa
de analfabetismo. Também a porcentagem das casas com água fluente, esse tipo de
coisa. De modo que no Brasil, com todos os problemas, o brasileiro vive mais ou menos
67 anos, é impressionante. Isso é quase igual a muitos países da Europa. De modo que a
vida física melhorou, especialmente nas cidades, apesar das favelas, o pessoal na cidade
tem acesso aos serviços sociais que não tem na roça. Mas tem outros problemas. O
Brasil pode ter um sistema mais sofisticado de política, é um país de democracia muito
jovem, muito jovem em comparação com Inglaterra, França ou Estados Unidos, de
modo que vai ter que aperfeiçoar o sistema. E eu acho que a Constituição de 1988 tinha
muita coisa que agora não está funcionando muito bem. Ontem eu estava aqui na cidade
e o táxi parou atrás de uma caminhonete. E estava escrito na caminhonete: "Velocidade
contra o órgão do buraco" [risos]. Aqui também no Brasil a democracia é controlada por
buracos. O buraco não é para sempre, é possível sair do buraco. Vamos ver, eu acho que
agora a parte mais frágil do sistema é a parte dos partidos, que não está funcionando
infelizmente.

Getúlio Bittencourt: Professor, como o senhor distingue o Brasil dos Estados Unidos
em relação à questão da esperança que o Jaime Pinsky colocou? Nós temos um
problema da corrupção que está deixando o Brasil meio chocado agora. O PT, que era
uma grande esperança de reforma e de justiça social, também se enredou nesse lamaçal,
mas isso também tem no seu país. O senhor vê as acusações que se tem contra o Dick
Cheney, o seu vice-presidente [vice-presidente de George W. Bush], antes dele com o
presidente Clinton [presidente dos Estados Unidos entre 1993 e 2000], enfim...

Thomas Skidmore: Nunca foi provado.

Getúlio Bittencourt: É verdade, ele é um democrata... Nós temos esse problema aqui.
Mas, nos Estados Unidos, a principal diferença que eu vejo, o senhor me corrija se eu
estiver errado, é que freqüentemente esses políticos acusados vão para a cadeia. Agora
mesmo, o líder do presidente Bush na Câmara teve que sair do cargo. Mas lá, as
pessoas, em geral, a Justiça põe o sujeito na cadeia. Aqui no Brasil isso não acontece. O
senhor diria que esta é a principal diferença em relação à corrupção?

Thomas Skidmore: Isso é verdade. Por exemplo, a minha cidade nos Estados Unidos,
Providence, uma cidade da Nova Inglaterra, que tem muitos séculos de experiência... E
o prefeito foi um ladrão e foi para o xadrez, está no xadrez. Ele perdeu o último apelo
para sair. Mas ninguém achava que a cidade ia entrar em colapso, só achavam que
alguns italianos seriam presos. É uma doença da democracia. Na cidade de Chicago, no
momento, o ex-governador de Ilinois ± Ilinois é um estado muito importante ±, ele está
sendo processado por causa de muito dinheiro, provavelmente vai para o xadrez. Você
tem razão, mas esse problema de corrupção é complicado. Eu sempre penso que a
diferença entre corrupção em um regime militar e corrupção no regime aberto é que no
regime militar você não sabe, não é?

Carlos Marchi: Professor, eu queria voltar um pouco na questão do populismo, que já


foi levantada aqui antes, e eu acho que a gente poderia divagar mais um pouco sobre
isso. Eu queria acentuar a questão do recurso que o governo está usando para conquistar
votos das camadas mais baixas. Repetindo o Fernando [Henrique Cardoso], o programa
Bolsa Família vem mais ou menos na época da eleição presidencial, vai atender a mais
ou menos 11 milhões de famílias. Isso significa mais ou menos 45 milhões de pessoas e
a gente pode dizer que 22 milhões são eleitores, ou seja, dos 120 milhões de eleitores do
Brasil, 22 milhões estão sendo diretamente atendidos pelo governo. É claro que precisa
fazer o Bolsa Família, porque as pessoas têm fome. Agora, ao mesmo tempo isso, de
certa maneira, esvazia a construção dessa jovem democracia que o senhor mencionou.
Como fica essa questão do populismo no Brasil recente? E o populismo e a construção
da democracia?

Thomas Skidmore: Populismo foi [uma] palavra inventada para analisar o Perón
[(1895-1974) presidente da Argentina de 1946 a 1955 e de 1973 a 1974. Seu governo
populista era apoiado pela Igreja Católica, pelo Exército e pelo movimento sindical, e
baseava-se num forte nacionalismo, centralizado no poder do Estado], Vargas, vários
presidentes da América Latina ,dizendo que não são marxistas, mas são da esquerda e
são radicais e são antiestrangeiros, isso é importante. Agora, você pode ter essa coisa de
"comprar" o voto, mas ele já estava comprando o voto das multinacionais pela entrada
no Brasil, porque um tema muito importante para Vargas e para Jango e também para
Jânio [Quadros (1917-1992), foi deputado, prefeito por duas vezes, em 1953 e em 1985,
e governador de São Paulo. Foi presidente do Brasil em 1961, renunciando após sete
meses de mandato num gesto polêmico que marcou a história política brasileira] era a
conspiração estrangeira ± os fantasmas ±, de modo que houve um certo efeito
psicológico, dizendo que nós temos que defender o país contra o estrangeiro.
"Skidmore, você é da CIA? Explique melhor essa coisa", "você é pago pela CIA?" Eu
acho que está faltando um pedaço importante do populismo, mas populismo é
obviamente uma conseqüência de sistema de massas, de ganhar votos certamente. Tem
outros que ganham votos, como o Paulo Maluf [político paulista, foi prefeito,
governador e deputado, historicamente ligado aos governos militares tem eleitorado
cativo apesar de já ter sido acusado de adotar políticas de segurança contrárias aos
direitos humanos, corrupção, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e crime
contra o sistema financeiro] mostrou, fazendo metrôs e obras para ganhar votos. Faz
parte da democracia. Mas o problema é você querer ter um confinamento para o poder
oficial, para preservar uma certa independência.

Carlos Guilherme Mota: Skidmore, nós estamos aqui em uma reflexão, que é
interessante, porque você acompanha essa história como historiador e possivelmente
como um dos historiadores mais lidos aqui. Como você disse que na minha pergunta eu
iria brincar com você, que José Honório Rodrigues [historiador] perguntava lá em um
livro: "E o que estava fazendo Thomas Skidmore no dia 31 de março de 1964 [data do
golpe que inatalou a ditadura militar no Brasil], junto com Lincoln Gordon [embaixador
dos Estados Unidos no Brasil entre 1961 e 1966]?". Está escrito lá.

Thomas Skidmore: A resposta: jantando!

[risos]

Carlos Guilherme Mota: Eu fiquei perplexo, uma vez, nos anos 1980, eu estava em
casa ouvindo o Lincoln Gordon em uma entrevista e você ia me antecipando o que ele ia
falando e eu fiquei meio preocupado também...

Thomas Skidmore: Ele está vivo ainda, o Lincoln Gordon.


Carlos Guilherme Mota: Mas, veja, a questão não é essa. Eu queria perguntar o
seguinte: você... A esquerda já foi decretada morta, mas existe uma palavra,
brasilianista, que está escrita embaixo do seu nome no crédito, aqui na TV, eu acho que
acabou também. É o fim dos brasilianistas, porque parece que, com a globalização... ou
então nós criarmos os nossos próprios brasilianistas. Elio Gaspari [jornalista, autor da
famosa série sobre a ditadura no Brasil: A ditadura envergonhada; A ditadura
escancarada; A ditadura derrotada; A ditadura encurralada], por exemplo, é um, fala
português perfeitamente e é italiano. O que eu queria perguntar é o seguinte: há uma
geração anterior à sua que estudou muito bem, Stanley Stein, que está vivo, um grande
historiador marxista que está em Princeton... Depois o nosso saudoso amigo Morse,
Richard Morse, aí vem o grupo da sua geração, depois vem essa turma maravilhosa, o
Warren Dean [historiador norte-americano, professor do Departamento de História da
Universidade New York. Ficou conhecido por dois livros publicados no Brasil na
década de 1970: A industrialização de São Paulo e Rio Claro: um sistema brasileiro de
grande lavoura, 1820-1920] e tal. E, hoje, o que aconteceu com os brasilianistas? Quer
dizer, não há mais? Ou como você vê isso?

Thomas Skidmore: Estão sonhando uma vida melhor para os brasileiros e dizendo que
[o país] precisa, antes de tudo, elevar a renda. De modo que são liberais, ingênuos,
[tanto] nos Estados Unidos, [como] também no Brasil, têm uma certa simpatia. Não é
como foi durante o governo militar, houve muitos brasilianistas ajudando,
pessoalmente, vítimas da tortura.

Carlos Guilherme Mota: Você mesmo fez um documento com alguns amigos quando
Caio Prado Júnior [(1907-1990) grande intelectual brasileiro. Formado em direito, é
autor de vários livros importantes sobre o Brasil, entre esses A formação do Brasil
contemporâneo (1942)] esteve preso aqui. Agora eu queria fazer outra pergunta, sobre a
sua obra mesmo. Preto no branco [:raça e nacionalidade no pensamento brasileiro
(1976)] é um livro que teve uma repercussão importante aqui, um debate. Como você
vê Nova Orleans, para abrir um pouco o foco, não ficarmos só no Brasil? O Terceiro
Mundo chegou ou já estava lá em Nova Orleans? As suas teses servem para lá também?

Thomas Skidmore: Bom, saiu na televisão, durante a enchente [refere-se ao furacão


Katrina ,que passou em 2005 pela cidade de Nova Orleans causando grandes desastres
no local], era o sul negro dos Estados Unidos, coisa incrível, pareciam ser pretos
trabalhando [na plantação do algodão]. Nova Orleans é notória por ser progressista,
não? Eu acho que o nosso problema em relação ao processo é muito grave. Nós temos,
agora, mais ou menos 20%, talvez 30% da população afro-americana na classe média,
mas isso deixa 80% ou 70% que estão nas favelas por causa das drogas e dessa coisa
toda. É uma coisa muito triste que o nosso presidente, agora, não tem o menor interesse
para isso. Precisa ainda ter programas para as minorias. De modo que o problema nos
Estados Unidos talvez seja mais grave do que foi em 1954, quando veio a decisão na
Suprema Corte, não é? [O historiador se refere à decisão que acabou com a segregação
racial nas escolas]

Carlos Guilherme Mota: Você é um homem de formação liberal e o Wisconsin,


Madison, aquela coisa de gente firme. Essa é a sua formação. Eu pergunto: esse pessoal
vai voltar? Eu não estou nem preocupado com o futuro do governo brasileiro...
Thomas Skidmore: Sim, [mas] no momento, não tem incentivo para isso. Todo o
romantismo, aquela coisa de dizer "vamos alcançar a Lua", isso não existe mais. "Nós
vamos arranjar um emprego bom". É bem diferente, realmente. Ainda tem alguns cistos
desse período nos Estados Unidos, mas são muito pequenos e não têm influência, de
modo que a situação é que estamos esperando uma mudança de atmosfera intelectual
mundial, só isso.

Claudio Camargo: Esse gancho de Nova Orleans, [de] que o professor Mota falou,
como o senhor vê a questão da ação afirmativa, tanto nos Estados Unidos como no
Brasil, a questão da política de cotas para que os negros possam se integrar à sociedade,
que foi adotada ± uns dizem que com sucesso ± nos Estados Unidos, outros dizem que
no Brasil está sendo uma mera reprodução, uma mera cópia. Como o senhor vê essa
questão?

Thomas Skidmore: Bom, eu conheço bastante bem o sistema nos Estados Unidos, está
funcionando bem em termos de promover alguns membros das minorias. Mas, ao
mesmo tempo, isso tem um custo, porque custa alguma coisa nos brancos, não é? Se
você fizer cota aqui na USP para afro-brasileiros, isso vai tirar o lugar de um branco, de
modo que você precisa de uma motivação dos brancos, que são a maioria, [para] fazer
isso pela consciência. É muito difícil.

Claudio Camargo: No Brasil isso é mais difícil ainda.

Thomas Skidmore: Bom, eu acho que é mais difícil, eu estudei o sistema brasileiro há
muitos anos e eu acho que, no Brasil... [a situação se] complica aqui devido à sutileza
da sociedade brasileira: "eu não tenho problema com minha negra, tudo bem. Aquela
mulatinha, ótimo". Quer dizer, all those things, tudo isso. Nos Estados Unidos é muito
mais difícil. No Brasil, pelo menos, vocês têm um contato íntimo... O brasileiro branco,
ele não fica com pavor de abraçar uma negra. Nos Estados Unidos, muitas vezes, não há
a capacidade de fazer isso. Em termos humanos, a intimidade no Brasil é muito maior,
mas isso não exclui a discriminação.

Claudio Camargo: Mas o que é pior: esse racismo declarado ou o nosso racismo
cordial?

Thomas Skidmore: Por isso [é] que eu viajo entre o Brasil e os Estados Unidos.

Paulo Markun: Professor, eu gostaria de saber como o senhor se informa sobre o


Brasil. Hoje ainda é mais fácil, a gente tem internet, várias publicações nesse meio
eletrônico, até mesmo a transmissão de informações é mais rápida. Mas, de todo jeito,
isso não é suficiente para se tirar o pulso do país. Como é que o senhor faz?

Thomas Skidmore: Eu sou assinante da Veja, eles têm um ponto de vista deles, mas,
pelo menos, dão muita informação. Além disso, eu sou assinante do Financial Times,
que é muito melhor do que o New York Times e dá uma cobertura sobre a América
Latina muito melhor, muito sofisticada. O jornalista britânico é muito mais sofisticado
que o jornalista americano. E, terceiro, o [The] New York Times, que publica
informações sobre o Brasil de vez em quando. E quem mais? Eu assino outro serviço
que se chama Brazil Watch, esse é muito bem feito. A cada duas semanas eu recebo
informações sobre economia e também sobre política.
Paulo Markun: Mas, no tempo do regime militar, o senhor conversava com gente do
governo militar aqui regularmente e era talvez mais fácil, porque eles tinham menos
medo de falar com o senhor do que com um historiador brasileiro. Mas a pergunta é se
hoje o senhor continua tendo contato com gente do governo, com gente que está na
política.

Thomas Skidmore: Um pouquinho. Eu venho para cá menos, mas, em certo sentido...


você começa a estudar o Brasil em 1960, 1961 você tem um cardápio das caras e,
quando morreu Roberto Campos, eu disse: "Isso é para me chatear", porque ele era
acompanhante de toda a história. E, quando esses homens de muitos anos estão
morrendo, eu fico muito zangado com eles.

José Paulo Kupfer: E tem novos homens que possam ser tão bons interlocutores como
foi Roberto Campos, por exemplo?

Thomas Skidmore: Tem alguns.

José Paulo Kupfer: Quem são?

Thomas Skidmore: Tem um professor de ciência política, que é um americano, mas ele
é quase brasileiro, David Fleischer, da Universidade de Brasília, ele é muito bem
informado. Também eu tenho amigos brasileiros lá no "Privador", nós temos um
departamento de estudos brasileiros e portugueses que é muito bom. E, além disso, a
gente fica em contato com amigos, por cartas e e-mails. Mas essa coisa de morrer é
chato, né?

Ëlexandre Machado: Professor, eu queria fazer uma pergunta, voltando ao tema que
eu tentei introduzir na pergunta do Fernando, agora pouco. Eu gostaria de relembrar que
o ex-prefeito da nossa cidade também está preso, não é só o da sua. Mas o que eu queria
perguntar é o seguinte: vem crescendo nos últimos anos muito o movimento evangélico
no Brasil,e esse movimento vem adquirindo cada vez mais força política. E,
recentemente, o vice-presidente da República saiu do Partido Liberal, que estava
envolvido em toda essa questão de corrupção no governo, e foi se filiar a um novo
partido, que foi criado pelo bispo Edir Macedo. [fundador da Igreja Universal,
evangélica, neopetencostal, com forte crescimento no Brasil e outros países,
influenciando a política com a eleição de parlamentares estaduais e federais] E eu
gostaria de saber se o senhor tem acompanhado esse movimento e se o senhor acredita
que um fundamentalismo religioso poderá ter um papel importante na política brasileira
nos próximos tempos.

Thomas Skidmore: Isso é bem possível. Eu me lembro que, quando eu cheguei aqui
pela primeira vez, eu estava conversando com um homem de negócios americano e eu
disse para ele: "Como é a situação para você com os empregados?". E ele disse: "Ah, eu
tenho a solução 100%. Sempre arranjo aqui um protestante como empregado". "Por
quê?". Ele disse: "Ele não chega bêbado na segunda-feira, ele é honesto, segue as
instruções e mostra solidariedade com os outros". Eu achava parte da era das linhas
tortas do Brasil. Mas o fato é que essa comunidade cresceu tanto e também nos Estados
Unidos, é uma influência muito conservadora. É completamente oposta ao Brasil,
aquela coisa do tipo samba, aquela coisa do sexo no Brasil, que você tem que ir ao Rio
para entender sobre essa coisa etc. Isso é completamente diferente da igreja evangélica.
É possível que eles vão apoiar os candidatos mais conservadores, eu não sei. Deve ter
algumas pesquisas sobre isso, sobre a votação dos protestantes, mas, sem dúvida
nenhuma, é um bloco novo e é muito forte.

Fernando de Barros e Silva: Professor, eu queria perguntar ainda, dando seqüência a


esse assunto: que importância o senhor dá para a reforma eleitoral e à reforma política?
Porque me parece que, nesse momento, colocar a discussão soa um pouco como uma
manobra diversionista quase. O governo tem feito um discurso de atribuir todo o
problema da corrupção a um problema de "caixa dois". A gente sabe que não é isso, que
tem drenagem de recursos públicos estatais, têm pedágios de empresários, isso não tem
nada a ver com o financiamento de campanha. Pode ser que você esteja pagando uma
coisa ou outra. Agora, não há uma reforma em um financiamento público que seja que
vai resolver esse problema. Então, por um lado, isso me parece um pouco à vocação que
nós temos como brasileiros, vocação para cosmética, discutir o assunto por cima e não
ir ao problema que interessa. Então, eu queria saber se o senhor acha que isso é
importante. E, que eu acho que falar em reforma social no Brasil é muito mais
importante do que falar em reforma política, e não se fala; o governo Lula não vai fazer
nenhuma reforma social segundo o partido.

Thomas Skidmore: É verdade que é difícil para nós pensarmos que a evolução para a
democracia é uma subida. E que você chega até o fim, que é a Inglaterra. Inglaterra é
terrível, chato, mas funciona muito bem, quase não tem corrupção. Por isso o latino não
gosta do inglês, porque é inumano, ele é severo, aquela coisa toda. De modo que, na
Inglaterra, você tem limites muito estritos para financiamento da campanha, também
nos outros países da Europa do Oeste, Alemanha, França, Itália é outra coisa. De modo
que eu acho que é possível poder disciplinar esse processo. Eu acho que sem disciplinar
os financiamentos das campanhas você vai ficar no mesmo buraco.

Getúlio Bittencourt: Eu queria perguntar sobre essa questão dos brasilianistas, porque
os Estados Unidos inventaram as relações públicas no início do século XX. E os países
que ficam conhecidos nos Estados Unidos são aqueles que têm maiores facilidades para
fazer negócios com os americanos, os mexicanos usam isso muito bem, por exemplo. E
o interesse do seu país pelo Brasil tem sido muito cíclico. Então, teve um período no
século XIX que vieram alguns pastores protestantes aqui e escreveram livros. Depois,
na década de 1920 e 1930, teve um bom estudo sobre economia brasileira publicado lá.
Depois, na década de 1940 teve o Robert C. Smith [historiador da arte e arquitetura da
Universidade da Pensilvânia. Escreveu importantes obras como A investigação na
história da arte] que veio de Portugal para o Brasil, da arte portuguesa para cobrir a arte
brasileira, divulgou a arte brasileira, magnificamente lá. O caminho inverso de
Maxwell, que foi do Brasil para Portugal. Porque o resto é um pessoal que veio da
década de 1960 com o senhor. O senhor, Stanley Stanford foi citado aqui, [tem ainda] o
Joseph Law, essa turma toda. E depois o Warren Dean, na década de 1970, com a
história da industrialização de São Paulo e tal. Tem gente, por exemplo, que cobria o
Brasil, como Ralph Della Cava, que fez o Milagre de Juazeiro, [e depois] foi embora
cobrir a Romênia, o Leste da Europa. Eles foram atrás do que estava acontecendo de
novo no mundo. Quando o senhor veio para cá, na década de 1960, o Brasil tinha ainda
o problema da Guerra Fria, que aqui era um pequeno quintal americano e precisava ver
se o esquerdismo iria virar uma outra Cuba. Então, havia preocupações geopolíticas
americanas as quais [fizeram] a Academia Americana [vir] para cá estudar isso aqui e
ver que confusão era isso. E agora? Para o Brasil começar a ficar interessante de novo
para os Estados Unidos o que falta?

Thomas Skidmore: Tem muito interesse para o mundo acadêmico, para o mundo em
geral, mas nos Estados Unidos tem muito pouco interesse. Mas, [por outro lado], o
número de brasilianistas nunca foi maior que agora nos Estados Unidos. Só na
antropologia, na história, na ciência política, tem centenas de livros. Tem, por exemplo,
dois antropólogos que fizeram pesquisas sobre favelas no Rio, publicaram livros bem
diferentes que refletem as visões desses pesquisadores, e que são da mesma época, é
muito interessante. Eu vi uma conferência sobre isso. O interesse do mundo acadêmico
é muito grande. Porque tem tantos problemas sociais que são de interesse para os
americanos. Isso continua. O problema é outra coisa, que o Rockfeller não tem interesse
para o problema, ele vai ficar lá no banco dele muito feliz. Mas sempre encontro essa
idéia no Brasil: "Ah, coitado dos brasileiros, desapareceram, sumiram, não tem mais, o
nosso Brasil não é mais o mesmo...".

José Paulo Kupfer: Sr. Skidmore, nesta sua... O senhor tem falado que a democracia
tem uma evolução, vai indo em degraus, em escada. No domingo que vem, nós vamos
ter aqui um referendo popular obrigatório. Então, 120 milhões de brasileiros vão ser
chamados às urnas para decidir [sobre] o comércio de arma, uma coisa confusa. Eu não
quero saber se o senhor é à favor do comércio de arma, ou não, pelo menos neste
momento não. Eu quero saber se processos como esses na democracia mais direta são
importantes, deveriam ser mais freqüentes, não servem para nada, atrapalham. Como o
senhor vê, no processo do amadurecimento da nossa democracia, e das democracias,
este referendo?

Thomas Skidmore: Em geral, os peritos, não como eu, outros, dizem que o plebiscito
atrapalha a política. O laboratório para isso é a Califórnia. A Califórnia tem um
regulamento muito forte para referendo, porque criaram muitos problemas na
administração do estado. São idéias loucas que são votadas. Quer dizer, em certo
sentido, a democracia destrói a si mesma, é suicídio, de modo que a opinião nos Estados
Unidos é que referendo é pior do que ficar na votação legislativa. Mas é coisa popular,
se houver um líder popular como o líder na Califórnia, que prometeu baixar os impostos
das bases: "Ah, vamos ver se ele votou à favor de baixar os impostos". E agora você
tem um desnível muito grande nos impostos por causa daquele referendo. Mas é
populismo. Populismo.

Paulo Markun: Professor, tem gente que acredita que a crise atual do governo e do PT
poderia ter sido controlada em algum momento, e com isso evitaria um maior desgaste
do governo. A pergunta é se o senhor acredita nisso e, a propósito, nós temos uma
pergunta feita por uma jornalista Mírian Ibañez: "Em que momento o governo deveria
ter agido de uma maneira bastante clara para evitar essa perda impressionante de
credibilidade?"

Thomas Skidmore: Qual foi a pergunta?

Paulo Markun: Que momento poderia ter [agido] e evitado essa perda de
credibilidade?
Thomas Skidmore: Eu acho que dependia do presidente. O problema é que o
presidente não tinha controle do partido. Ele não exerceu o prestígio pessoal que ele
tinha, ele foi decepcionado pelos homens mais cínicos, dizendo: "Nós tínhamos que
fazer isso...". "Veja você, nós precisamos fazer isso para passar a legislação que é para o
povo". É tentação de fazer o mal para melhorar o bom. De modo que eu acho que
dependia do Lula. Agora, o drama é exatamente isso, o que é que todo o público
brasileiro está pensando? Ele sabia ou não sabia?

Fernando Barros: O senhor acredita que o presidente ignorava o que se passava no


governo?

Thomas Skidmore: Não. É impossível né. Mas ele disse para você, isso é outra coisa.
Você não sabe o que acontece em todo departamento seu. E também, ele, obviamente,
cresceu muito cinicamente no Brasil dizendo que "no Brasil todo mundo fazia isso",
"que as elites fazem isso". O Fernando Henrique, um grande professor também, "ele
deixou corrupção crescer"... Mas é um drama, agora, para o Lula. Eu não sei se ele tem
a capacidade pessoal para enfrentar a opinião pública do Brasil, isso vai levar meses e
meses, todo mundo esperando ele... É interessante observarmos se ele vai cair sob a
pressão. [E] a pressão vai ser muito grande.

Cláudio Camargo: O senhor gosta da instalação de um parlamentarismo para resolver


essas crises de instabilidade política no Brasil. Volta e meia essa questão vem sendo
colocada. Já houve um plebiscito sobre isso, e perdeu. Mas como o senhor vê essa
proposta de instalar um parlamentarismo no Brasil para manter um sistema político no
Brasil mais estável?

Thomas Skidmore: Na época do plebiscito, eu achava que não ia ser aprovado, porque
o Brasil era muito presidencial, muito afoito ao sistema de presidentes. Mas agora eu
acho que provavelmente imitando o sistema americano não foi a idéia mais brilhante
para o Brasil, dizer que o Rui Barbosa e todo o sistema americano transferido para cá,
nós temos provas que desde 1945 da dificuldade na relação entre presidente e
legislatura. Por exemplo, em 1945 caiu o Getúlio Vargas, depois ele foi eleito e caiu
mais uma vez. Depois veio o João Goulart, e foi deposto. Depois veio o Jânio Quadros,
que renunciou. Além disso, foi o Tancredo, que morreu, que chato, e depois
continuaram com esses problemas. Eu disse, na época, que a pessoa mais importante no
Brasil é o vice, que vai ser o presidente...

Carlos Marchi: Professor, no seu livro, Brasil: de Getúlio a Castelo, do qual eu sou
um grande admirador, eu me permito dizer, que talvez o senhor tenha cometido uma
pequeníssima injustiça a respeito do Juscelino. O senhor disse que ele agiu nos limites
da improvisação. Talvez um observador mais afeito a Juscelino pudesse dizer que ele
foi extraordinariamente pragmático, parece que deve ter sido, porque ele foi o único
presidente eleito no pós-guerra que se elegeu com um programa de candidato e que
cumpriu esse programa no governo. Bem, visto de Juscelino, de lá para cá, o que a gente
vê depois de todas as dificuldades que ele teve no governo, uma rebelião que ele teve no
começo e outra no fim, dificuldades no parlamento, o rompimento com o FMI, enfim,
todos os episódios do governo Juscelino, ele acabou deixando um legado interessante.
Todo presidente do Brasil que se elegeu depois dele, os eleitos, querem parecer
Juscelino. Por quê?
Thomas Skidmore: Interessante, né? Em parte eu acho que é porque o Juscelino
mostrava os talentos de negociar. Ele foi um grande negociador. Isso é fundamental na
democracia, você não mata o inimigo, você tem que negociar com o inimigo, de modo
que Juscelino sempre fez acordo, always made a deal. Talvez sujo, mas funciona.
Primeiro. Segundo, ele tinha coragem, quer dizer, ele enfrentava os inimigos.
Pessoalmente também. Ele tinha aquela coisa de chegar em Brasília antes de Brasília,
você se lembra daquela coisa de aterrissar do avião, não havia nada.

Bittencourt: O que eu admiro nele é que ele se propôs a fazer 50 anos em 5, ele
desenvolveu a economia, ele conseguiu taxas de crescimentos muito altas...

Thomas Skidmore: O financiamento foi o problema grave dele.

Paulo Markun: Aliás, o senhor fala em algumas entrevistas que, justamente, o Brasil
está perdendo o seu espaço no futuro, porque a sociedade não está disposta a fazer
nenhum tipo de sacrifício para que esse desenvolvimento se estabeleça. Quem faz esse
acordo, esse trato? Porque se a gente tem um governo que é eleito prometendo uma
coisa e faz outra, fica difícil...

Camargo: Só complementando... A sociedade já não está suficientemente sacrificada?


Quer dizer, não há um sacrifício social, o que para o Celso Furtado [(1920-2004) um
dos economistas mais importantes do Brasil. Na década de 1950 trabalhou para o
governo de Juscelino Kubitschek, assumindo a diretoria do BNDE, momento em que
criou ainda a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). Autor do
livro Formação econômica do Brasil (1959) - ver entrevista com Furtado no Roda
Viva] significava a socialização das perdas é permanente, de Juscelino, passando pelos
militares, que, aliás, valeria um comentário...

Thomas Skidmore: Eu acho que o espírito é outro no momento. Aqui no sul do Brasil
é um país muito próspero. Eu passei três vezes no Rio Grande do Sul no ano passado.
Impressionante a prosperidade do Rio Grande do Sul, quer dizer, nas casas, na comida,
em tudo, nos carros. Mas acontece que é uma prosperidade muito compacta, não entra
aqui o Nordeste. A meu ver, o que é preciso seria haver um movimento carismático,
talvez populista, em nome do Brasil esquecido. O profeta mais importante sobre isso,
que o Carlos citou, é o Celso Furtado. Esquecido, agora, no Brasil. E ele acabou de
morrer, também para chatear o Skidmore... Mas a última coisa que ele escreveu foi
muito interessante. Ele tinha a coragem de acompanhar todo o sistema repressivo e
também todo o sistema econômico do Delfim [Netto], analisar e explicar como estava
funcionando. Os outros esquerdistas, muitas vezes, só atacando... Mas o Celso,
realmente, explicou como foi possível para o Delfim Netto fazer aquela magia dele.
Bom, não sei se o rapaz dos Estados Unidos... Obviamente, não sou mendigo, de modo
que... Eu estava pensando nisso. A minha mulher é inglesa. A Inglaterra depois da
Segunda Guerra Mundial era bancarrota, completamente. Não tinha dinheiro nenhum. O
que houve? Houve uma disciplina muito dura para os ingleses gastarem dinheiro fora do
país. Eu me lembro que havia a mãe da minha mulher, e ela trazia na bolsa dela 160
dólares para ela justificar os gastos pessoais... Mas eu cheguei na Inglaterra para
estudar em Oxford em 1954, que foi o dia que terminou o racionamento de meat, carne.
Imagine? Nove anos depois da guerra. Eu achava, depois, que o Brasil tinha uma
sociedade de capacidade de disciplinar fascinante. Por quê? Para assegurar ao outro
racionamento. O inglês gostava demais de racionamento.
Cláudio Camargo: O senhor acha que nos faltou a experiência de guerras e revoluções
que países da Europa e mesmo nos Estados Unidos, que teve a guerra civil, para
podermos assim avançarmos mais na democracia e na construção de um Estado mais
justo?

Thomas Skidmore: O Brasil está seguindo o modelo dos Estados Unidos, não é? Que é
a coisa mais interessante... Na televisão eu ouço o novo "modelo da Ford", o Kia... Quer
dizer, tudo está voltado para o consumo. E o Brasil está seguindo isso completamente.
De modo que eu acho que está gastando muito dinheiro, mas eu sou puritano... Eu acho
que se está gastando muito dinheiro em cachaça e menos em escolas. Mas parece que
isso não existe... Nem no México, que é muito legal...

Fernando de Barros: Professor Skidmore, completa 30 anos da morte do Vladimir


Herzog, dia 25 de outubro. Eu queria fazer duas questões. O senhor se lembra da época?

Thomas Skidmore: Me lembro bem.

Fernando de Barros: O que o senhor pode contar a respeito? E se o senhor, na época,


já tinha claro que ali se tratava de um divisor de águas, um ponto de inflexão, um ponto
de enfraquecimento do regime e de mobilização da sociedade civil...

Thomas Skidmore: Foi um drama e quem pintou muito bem foi o nosso amigo, que o
Carlos falou no livro dele, a luta entre os castristas [adeptos das idéias de Fidel Castro,
dirigente político de Cuba que organizou a revolução cubana em 1959 e implantou no
pais um regime socialista], que era gente linha dura... Todo mundo estava esperando
para o confronto. E aquele confronto veio com um general muito reacionário, que era o
comandante do Segundo Exército, que cortou completamente a cabeça do pessoal,
mostrando quem era o chefe. E, ao mesmo tempo, foi um sinal de esperança para o
Brasil.

Paulo Markun: Professor Skidmore, muito obrigado pela sua entrevista, é um prazer
tê-lo aqui mais uma vez, e eu agradeço aos nossos entrevistadores e a você, que está em
casa, e o convido para estar aqui na próxima segunda feira às 10:30 da noite para mais
um Roda Viva. Uma ótima semana e até segunda.

30/5/1988
O historiador norte-americano comenta o cenário político, econômico e social do Brasil
à época da promulgação da nova Constituição e do lançamento de seu livro Brasil: de
Castelo a Tancredo

Augusto Nunes: Boa Noite. Começa aqui mais um Roda Viva pela TV Cultura de São
Paulo. Este programa é apresentado simultaneamente para a Rádio Cultura AM, e
retransmitido pelas TVs Educativas de Porto Alegre e dos seguintes estados: Piauí,
Bahia, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Espírito Santo. O programa Roda Viva é
apresentado ao vivo, portanto podemos receber perguntas encaminhadas pelos
telespectadores, pelo número 252-6525 begin_of_the_skype_highlighting 252-
6525 end_of_the_skype_highlighting, repito, 252-6525
begin_of_the_skype_highlighting 252-6525 end_of_the_skype_highlighting,
à Bernardete, à Iara e à Claudia. Nosso entrevistado de hoje é o brasilianista Thomas
Skidmore. Thomas Skidmore é professor de história do Brasil e de história da América
Latina na Universidade de Wisconsin, e é o autor de dois livros. Um dos livros de
Thomas Skidmore já é considerado um clássico da historiografia brasileira: Brasil: de
Getúlio a Castelo, leitura obrigatória para os que quiserem entender a história brasileira
nesse período. O outro tem tudo para se tornar um segundo clássico da lavra de Thomas
Skidmore, é Brasil: de Castelo a Tancredo, que está sendo lançado agora, nestes dias, no
Rio de Janeiro e em São Paulo. Thomas Skidmore vai conversar sobre a sua experiência
como estudioso da história do Brasil e como autor desses dois livros; vai conversar,
também, sobre o Brasil de agora, ao centro de uma Roda Viva formada pelos seguintes
entrevistadores: Fernando Mitre, diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes de
Televisão; Ricardo Noblat, colunista do Jornal do Brasil, em Brasília; Paulo Sérgio
Pinheiro, sociólogo; Pedro Del Picchia, repórter da Folha da Tarde; André Singer,
secretário de redação do jornal Folha de S. Paulo; Ricardo Carvalho, jornalista da
produtora independente Argumento, e Rodolfo Konder, jornalista e escritor. Estará
conosco, também, acompanhando e registrando cenas deste programa, o cartunista
Paulo Caruso. Também estamos esperando a presença de um dos convidados, retido em
Belo Horizonte, que é o jornalista Luciano Ornellas, editor-chefe do jornal O Estado de
S. Paulo. Agradecemos também a presença de convidados da produção aqui na platéia.
Repetimos que o nosso telefone para receber perguntas é 252-6525
begin_of_the_skype_highlighting 252-6525 end_of_the_skype_highlighting.
Augusto Nunes: Professor Thomas Skidmore, o senhor costuma dizer que, quando vem
ao Brasil, na primeira semana o senhor entende tudo, na segunda semana o senhor fica
meio confuso e na terceira o senhor acha tudo muito complicado. Há quanto tempo o
senhor está no Brasil?

Thomas Skidmore: Estou aqui já na segunda semana.

Augusto Nunes: Quer dizer, está um pouco confuso.

Thomas Skidmore: É, está começando a ficar muito confuso [sorri].

Augusto Nunes: Em meio a esse começo de confusão, o senhor esteve hoje, agora há
pouco, no Palácio do Planalto com o presidente José Sarney durante uma hora. É isso?

Thomas Skidmore: Sim.

Augusto Nunes: Pois bem, que tipo de esclarecimentos ou de contribuições à confusão o


presidente José Sarney deu ao senhor?

Thomas Skidmore: Muito bom. Ele... foi uma conversa muito simpática, ele é um
homem muito aberto. Ele já arranjou dois almoços nos Estados Unidos para os
chamados brasilianistas. Um foi em 1985, quando o presidente viajou para fazer um
discurso nas Nações Unidas, e convidou uns quarenta, cinqüenta brasilianistas. Um
almoço lá muito simpático. Ele ofereceu um brinde para os brasilianistas que estão
contribuindo para entender o Brasil. Eu achei muito simpático isso, porque, às vezes,
estou estarrecido com a paciência dos brasileiros em ficar aqui recebendo todas as
informações dos estrangeiros, dos "gringos" chegando aqui, não é? Mas, na conversa
com o presidente, ele levantou alguns aspectos interessantes.

Augusto Nunes: Por exemplo, professor?

Thomas Skidmore: Por exemplo, sobre a política externa. Falou que para ele foi um
objetivo muito importante evitar uma corrida nuclear, uma corrida de armas nucleares
entre o Brasil e a Argentina. E o destino dessa tentativa de aproximar-se da Argentina
era exatamente para evitar esse tipo de coisa, porque a integração econômica também é
importante. Fala-se pouco sobre isso no momento, porque agora todo mundo está
falando sobre mandato e Constituição. É um aspecto que eu achava interessante...

Augusto Nunes: [Interrompendo] O senhor conversou com ele sobre a situação política
interna do Brasil?

Thomas Skidmore: Um pouco, quer dizer, sim [assente com a cabeça].

Augusto Nunes: O senhor achou ele muito otimista? O senhor achou que ele está
entendendo o quadro que o senhor viu nesses primeiros dias de Brasil, ou não?

Thomas Skidmore: Acho que sim. Acho que a preocupação dele é mais ou menos
garantir a chegada do Brasil a um estado de democracia, plena democracia até o fim do
mandato dele, que é uma obra difícil. O fato é que o Brasil agora tem, mais ou menos,
uma plena democracia. Não tem censura. Tem grupos, inclusive da esquerda, que
sempre foram ilegais no Brasil e que são agora partidos legais. Eu acho que isso é um
indicador da madureza do sistema. Mas, além disso, tem esses problemas grandes, como
a economia. Ele acha que um problema muito fundamental do sistema político é o
sistema de voto proporcional [sistema de eleição de deputados e vereadores, segundo o
qual os candidatos mais votados de cada partido preenchem tantas cadeiras quantas são
determinadas pela proporção dos votos que o partido obteve]. Isso foi muito discutido
aqui no Brasil, mas ele acha que isso cria um problema: enfraquece os partidos. Os
partidos, realmente, são partidos de um Estado e não partidos nacionais.

Augusto Nunes: Ele é a favor do voto proporcional.

Thomas Skidmore: Não! Ao voto distrital [sistema em que cada estado é dividido em
distritos, nos quais deve haver distribuição equivalente do número de eleitores, e o
candidato mais votado em cada distrito é eleito para uma das cadeiras do legislativo].

Augusto Nunes: Ao voto distrital. Perfeito. Rodolfo Konder.

Rodolfo Konder: Professor, o senhor disse que chamou a sua atenção a questão da
política externa. Eu me pergunto se não é mais um elemento, uma afinidade entre o
governo Sarney e o governo João Goulart, já que, sob muitos aspectos, a política
externa do presidente Sarney tem muitos elementos, ainda, da política externa do
presidente João Goulart. O senhor veria algumas outras afinidades e, entre elas, o risco
de um chamado retrocesso político nessa comparação?

Thomas Skidmore: Não, é difícil. Para o historiador, situações diferentes sempre são
diferentes. Nós temos uma preocupação profissional de diferenciar as épocas ou as
etapas históricas. Eu acho que tem algumas semelhanças. Inflação, por exemplo, que é
muito alta, mas, ao mesmo tempo, tem a correção. Eu entendo que todo mundo tenha
renda que está sendo reduzida. Quem está em frente eu não consegui descobrir, quem
está em frente da inflação, mas não é a situação como em [19]64, quando não houve
nenhuma correção monetária. Eu acho que, também, esse consenso a favor da
democracia é fundamental. Ninguém está falando na lei ou "na marra", aquela coisa que
foi falada em 1964. E também, ambos, na esquerda e na direita, naquela época, houve a
idéia de pegar armas ou pelo menos fazer uma pressão que não era democrática. É uma
segunda diferença entre [19]64 e agora. A semelhança é a balança de pagamentos
[registro de transações econômicas e financeiras entre um país e o exterior]. Esse é um
problema muito grave, não é?

Augusto Nunes: [Interrompendo] Paulo...

Thomas Skidmore: Sim.

Augusto Nunes: Por favor, pode completar a resposta.

Thomas Skidmore: Ok. Não, não. É só isso.

Augusto Nunes: Paulo Sérgio Pinheiro.

Paulo Sérgio Pinheiro: Como você gosta de dizer, sempre que vem ao Brasil eles
preparam alguma coisa especial para você. Você veja que nesta madrugada [abre um
jornal, mostrando a notícia sobre a qual comenta] o exército acabou com uma greve na
Cia Siderúrgica de Volta Redonda[/RJ]. Como você sabe, nesse período da Nova
República nunca se usaram tantos tanques urutus [blindados de transporte de tropas,
com diversas versões e possibilidades de incorporação de equipamentos, utilizados pelo
Exército e pelos fuzileiros navais] para lidar com o problema do conflito social. Não é a
primeira vez que se termina greve com tanques. Uma semana atrás, para assegurar a
posse de um diretor do manicômio Juliano Moreira, também usaram urutu. Tudo isso
para perguntar a você o seguinte: como é que você vê essa convivência de militarização
dos conflitos sociais e transição democrática?

Thomas Skidmore: É uma boa pergunta. Ao lado desse processo, por exemplo, arranjar
um diálogo com o urutu [sorri], que é bastante difícil, tem também o processo de
negociação. Quer dizer, mudou bastante em alguns setores, especialmente na grande
São Paulo. O processo de relações entre sindicato e empregador, empresários, ao
mesmo tempo tem o problema das fábricas e das firmas que são nacionais, de modo que
tem ainda essa combinação. O Brasil não encontrou ainda um sistema de relações
industriais que é moderno. Mas eu acho que o avanço nisso é o fato [de] que tem um
representante do Dieese [Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos
Socioeconômicos, criado em 1955 pelo movimento sindical brasileiro para o
desenvolvimento de pesquisas que fundamentem as reivindicações dos trabalhadores],
sempre, nas negociações, ou, geralmente, nos debates. Isso é muito construtivo, muito
melhor do que em [19]64, quando houve os termos, porém, muito mais radicais. Mas
isso nós estamos esperando para um novo sistema realmente ser elaborado.

Augusto Nunes: Fernando Mitre.


Fernando Mitre: Professor, os urutus também são usados como argumento nas
negociações políticas, com relação a...

Thomas Skidmore: [Interrompendo] Pois é. Ameaça de prisão.

Fernando Mitre: Pois é.

Thomas Skidmore: Isso é verdade.

Fernando Mitre: Mas, professor, o senhor esteve hoje com o presidente e ele deve ter
falado sobre a questão do mandato. Na quinta-feira [1º junho de 1988], muito
provavelmente, a questão do mandato será decidida. Tudo indica que vai dar cinco anos.
Eu gostaria que o senhor nos explicasse, no seu entendimento, qual é a diferença que o
senhor vê entre o mandato de quatro anos para presidente e o de cinco anos? O que um
tem de positivo e de negativo e o outro também?

Thomas Skidmore: É, bom... isso é meio difícil. Eu acho que é difícil se houver a cada
ano uma eleição - eleições importantes -, é difícil de governar, porque os políticos estão,
obviamente, pensando em eleições. Com o mandato de quatro anos você tem a
vantagem, porque seria a eleição "Diretas Já". Quer dizer, a transição desde... Quando
foi a campanha para [eleições] diretas, foi em [19]84, né? Estamos no ano de [19]88,
mais quatro anos. E tem uma frustração grande. Eu acho que é por isso que o público se
desinteressa pela política. Talvez isso estimularia mais interesse do público no processo,
porque agora tem um desalento grande. Mas eu acho que a favor de [um mandato] de
cinco anos, talvez, do ponto de vista do governo, dá um pouco mais de tempo para o
novo ministro da Fazenda, realmente, arrumar, não ter mais moratória...

Fernando Mitre: [Interrompendo] Do ponto de vista do governo, certamente. E do ponto


de vista do país?

Thomas Skidmore: Bom, eu acho que tem que arranjar um acordo com os bancos, que
está saindo agora. Provavelmente, um fator a favor - provavelmente - é o fato de que o
mandato vai ser de cinco anos. Dá mais estabilidade, ³chamada´ [faz um sinal de aspas
com as mãos].

Augusto Nunes: André Singer. Depois para a banca de cá [aponta para o lado].

André Singer: Professor, eu queria perguntar como o senhor vê essa peculiaridade da


história brasileira em que nós temos mais tempo de transição do que propriamente de
regime autoritário? Podemos caracterizar o regime autoritário como tendo prevalecido,
fortemente, entre 1964 e 1974, [19]75. De lá pra cá, nós vivemos um lento processo de
abertura política e de transição em direção à democracia, que já dura quatorze anos.

Augusto Nunes: [Interrompendo] Aqui nós temos as gerações da "transição já".

André Singer: As gerações da transição.

[Risos]

Thomas Skidmore: É verdade.


André Singer: E como é que o senhor, que analisou todo esse período e é um espectador
externo e, portanto, tem certa distância que nós talvez não tenhamos por estarmos muito
envolvidos com o processo, como é que o senhor vê essa transição tão curiosa, tão
peculiar?

Thomas Skidmore: É curiosa. Eu tentei explicar no meu livro, mas eu vou tentar agora
fazer um resumo. Eu acho que o Brasil tem a vantagem de sair do sistema autoritário,
gradualmente, em comparação com o Uruguai, Argentina. Obviamente houve mais
repressão nos outros países, no Uruguai, na Argentina, em termos humanos - mortos,
aquela coisa toda. O Chile não saiu ainda. O Brasil conseguiu uma transição gradual. Eu
acho que é bom para equilibrar de novo. O papel das Forças Armadas, por exemplo.
Todo mundo ficava preocupado com isso, e com razão, porque as Forças Armadas têm
um papel muito importante na história do Brasil, têm possibilidades de fazer
intervenções a qualquer hora. Tudo bem. Tem a ver, aqui também, com o famoso
instinto de conciliar do político brasileiro. Aquela coisa de conciliação. Quer dizer, o
Tancredo Neves seria o homem para fazer a transição e, de fato, ele era um PSD
[Partido Social Democrático] mineiro, que era o mais cívico do espírito conciliador.
Não sei exatamente, [mas] eu acho que tem essa revolução contra os exageros. O
consenso a favor da democracia faz parte do processo, mas o perigoso é que a gente vai
ficar desiludido. Tanto tempo, aí está o problema.

Paulo Sérgio Pinheiro: Então, você não acha, voltando àquela questão dos cinco anos,
que esses aspectos positivos que você levantou nos cinco anos não agravam, justamente,
esse desânimo, essa... mais um ano de governo sem a legitimidade popular?

Thomas Skidmore: É bem possível. É bem possível. É um perigo.

Augusto Nunes: Vamos jogar aqui para outra bancada. Pedro Del Picchia.

Pedro Del Picchia: O Brasil tem um ministério... existem pelo menos seis ministérios
reservados a oficiais generais das Forças Armadas: o Ministério do Exército - salvo
engano, se tiver mais algum, alguém me lembre -, Exército, Marinha, Aeronáutica, o
ministro-chefe do SNI [Serviço Nacional de Informação] - o general -, o ministro-chefe
da Casa Militar, e o ministro-chefe do Estado Maior das Forças Armadas.

Thomas Skidmore: Pois é.

Pedro Del Picchia: Isso mostra uma forte presença militar na estrutura de poder real no
Brasil. É possível fazer democracia com essa presença militar?

Thomas Skidmore: Eu acho que sim. Eu acho que sim. Quer dizer, vai depender da
opinião dos militares, mas não tem uma opinião homogênea. O fato é que o pensamento
militar mudou com as gerações. E isso, para mim, por exemplo, é impressionante a
legalização do Partidão ou PCB [Partido Comunista Brasileiro], do MR8 [Movimento
Revolucionário Oito de Outubro, organização de esquerda contra o regime militar e pelo
socialismo no Brasil, que atuava por meio de militância armada. A data que dá nome ao
movimento é da captura do guerrilheiro argentino Che Guevara pela CIA, na Bolívia], e
todos aqueles grupos sem grandes repercussões. E, também, o voto [do] analfabeto, que
era uma coisa que não se podia falar em [19]64. Foi muito controverso. Mas isso vai
depender do espírito cívico dos militares.

Augusto Nunes: [Interrompendo] Professor, desculpe. Os livros do senhor são


perpassados pela teoria de que o Brasil ainda se encontra sob a tutela dos militares. O
senhor esteve hoje com o presidente José Sarney. O senhor saiu com a impressão de
encontrar um homem tutelado pelos militares?

Thomas Skidmore: Não. Acho que não.

Augusto Nunes: Mas, então, isso contraria a teoria do senhor. Ele é independente em
relação às Forças Armadas?

Thomas Skidmore: Independente não, mas [ser] tutelado [com o dedo em riste] é outra
coisa.

Augusto Nunes: Então, eu queria que o senhor qualificasse, com exatidão, o presidente
José Sarney em relação às Forças Armadas.

Thomas Skidmore: [Thomas ri] Vamos ver.

Augusto Nunes: [Sorrindo] Como o senhor sabe, nós vivemos uma democracia, então o
senhor pode falar.

Thomas Skidmore: [Risos] Eu posso falar de qualquer coisa, não é? Bom... Primeiro, o
fato é que falta...

Augusto Nunes: [Interrompendo] Até por ter cidadania americana. [risos]

Thomas Skidmore: [Rindo] É perigoso isso também, não é?

[Risos]

Thomas Skidmore: Mas o certificado, eu tenho aqui, que sou cidadão americano. Vou
guardar [faz gesto como se guardasse o certificado no bolso]. Tudo bem. Essa coisa da
situação do presidente... o José Sarney nunca foi pensado como presidente do Brasil, e
nem se falou sobre isso. Era o vice. O vice? Ninguém liga para o vice. Nos Estados
Unidos é uma piada o vice, para o homem, o [...]. Bom, [isso em] primeiro [lugar].
Segundo, falta base política. Quer dizer, ele vem do Nordeste, ele sabe isso, ele acha
que, às vezes, o centro-sul não faz justiça ao nordestino. Ele está muito sensibilizado
sobre isso. Terceiro, o partido do governo chamado, não é o partido dele, o PMDB
[Partido do Movimento Democrático Brasileiro]. A herança da época militar era a
herança de um partido grande, da oposição, contra o governo. De repente, quem está na
presidência é aquele representante do PDS [Partido Democrático Social] antigo, era o
presidente da comissão nacional, não é? De modo que ele fica aqui [mostra com as
mãos uma linha na altura de seus ombros], mais ou menos no ar. Obviamente, uma
coluna aqui para ele são as Forças Armadas. Sem dúvida nenhuma. Mas eu acho que ele
também tem o temperamento, a intuição de um político; a coisa é negociar. O problema
é que ele não tem base forte para negociar...

Augusto Nunes: [Interrompendo] [Base] Política. Ricado Noblat.


Ricardo Noblat: E aí, no caso, professor, para o senhor que estudou aí nesse período da
transição, poderia dar seu testemunho - ou não - sobre isso, o mais indicado não teria
sido um mandato menor, mais curto, de quatro [anos] ou de menos tempo, para gerir
essa transição do que continuar com um presidente que, de certa forma, foi o
representante de um partido político que apoiou o regime anterior e que não tem base
política, como o senhor disse? O senhor não acha que, no caso, não teria sido mais
conveniente ou seria mais conveniente que se desse um mandato menor?

Thomas Skidmore: Eu conheço gente que fala em [mandato de] três anos [sorri].

Ricardo Noblat: Bom, já passou.

Thomas Skidmore: Já é um pouco tarde. Não, talvez. Mas estamos aqui com um fato
que é - quase -, de fato, que ele vai ser [presidente] por cinco anos. Seria melhor não
ter? Não sei. Em termos históricos, o melhor teria sido o PMDB assumir a presidência,
a responsabilidade. Agora, o PMDB tem a responsabilidade. Está lá na Constituinte,
mas não tem a responsabilidade para, por exemplo, implantar a política econômica,
fazer acordo com o Fundo [Fundo Monetário Internacional]. Quem está fazendo é o
presidente. O problema é que ele não é do partido grande, o partido que ganhou tudo, o
Ulysses [Ulysses Guimarães], aquela cruzada contra os militares. Ironicamente não são
eles. Eles estão aqui tentando criar um novo partido. Não sei se...

Augusto Nunes: Ricado Carvalho, depois Luciano Ornellas, que acabou de chegar e já
está entre a gente.

Ricardo Carvalho: Professor, o seu primeiro livro, De Getúlio a Castelo engloba mais
ou menos 34 anos: de 1930 a 1964. O seu segundo livro, De Castelo a Tancredo, 20
anos. O seu terceiro livro: [se chamará] De Tancredo a... quem? E quanto tempo vai
demorar para ser escrito?

Thomas Skidmore: [Rindo] Ah, não sei, sabe?

Ricardo Carvalho: O que eu quero dizer é o seguinte: essa transição, ou esse período
histórico que foi marcado aqui nos seus livros, de Getúlio a Castelo e de Castelo a
Tancredo, e o Tancredo como um marco. Qual é o próximo marco que o senhor entende
que dá para escrever um livro?

Thomas Skidmore: Estou pensando em desistir desses livros. Sabe por quê?

[Risos gerais]

Thomas Skidmore: Por que eu cheguei aqui e perguntei a um amigo meu: "quais são os
presidenciáveis do Brasil?". Ele falou: ³Leonel Brizola, obviamente, e outro fantasma
da década de [19]50 que é o prefeito Jânio Quadros´. Eu disse: "não é possível." [coloca
as mãos na cabeça, admirado]. É [...] político do que eu já vi.

Augusto Nunes: Acho que está entrando na máquina do tempo. [risos]

Thomas Skidmore: Pois é. É difícil saber.


Ricardo Carvalho: Se o senhor tiver que escrever De Tancredo a Brizola ninguém vai
entender nada. É verdade ou não?

Thomas Skidmore: [Rindo] Talvez...

Ricardo Carvalho: Mas, quanto tempo o senhor acha que pode durar essa próxima
transição?

Thomas Skidmore: [Interrompendo] Transição? Já é campeão.

Ricardo Carvalho: [Continuando] Ou esse período histórico, [para] que o Brasil volte
firme ou venha a se firmar politicamente?

Thomas Skidmore: Suponho que vá até [19]89. A eleição de [19]89 vai ser [19]90 mais
dois anos para o novo presidente ser eleito e inaugurado.

Pedro Del Picchia: O senhor falou do espírito democrático das Forças Armadas. O
senhor é um estudioso...

Thomas Skidmore: [Interrompendo] [...].

Pedro Del Picchia: ... da nossa história e da história das Forças Armadas no Brasil. Se o
Brizola ganhar a eleição, na sua opinião, ele será o presidente e implantará de fato a
democracia no país, e daí adiante ele...

Ricardo Carvalho: [Interrompendo] Ou, por partes. Ele assume a presidência?

Rodolfo Konder: [Interrompendo] Entrando de carona na pergunta do Ricardo. Então aí


o senhor poderia escrever De Tancredo a Getúlio e fechava o ciclo. Porque o Brizola
não é o herdeiro do Getúlio? [risos] Fazer um... [movimenta a mão em círculo] ...
negócio redondo.

Thomas Skidmore: [Rindo] A história gaúcha.

Augusto Nunes: [interrompendo] Professor, por partes: O Brizola assume? O que o


senhor acha? Se ele for...

Thomas Skidmore: [Interrompendo] Bom. Todo mundo fala sobre isso. Ao meu ver é
especulação pura. Eu estou aqui há oito dias, não falei com nenhum ministro, militar,
nenhum general...

Ricardo Carvalho: Mas falou com o presidente da República.

Thomas Skidmore: Não, mas...

Augusto Nunes: Que é o comandante chefe...

Thomas Skidmore: Mas nesse assunto tem menos importância.


[Risos]

Thomas Skidmore: Mas eu acho que o Brizola, a meu ver, é populista. Quer dizer, o
governo dele, aqui no Rio, foi um governo mais ou menos populista. Quer dizer, ele
jogou tudo em cima da educação, os "brizolões" aquela coisa toda, um pouco aquilo do
³socialismo moreno´ [conforme o respeitado cientista social e um dos dirigentes do
PDT na década de 1980, Darcy Ribeiro, seria uma proposta de socialismo adaptada à
realidade do Brasil e de seu povo moreno, conjugada com o trabalhismo varguista]. Mas
foi um grito populista. E não acho que isso vá criar grandes problemas para os militares.
Grandes problemas.

Fernando Mitre: O senhor não acha que um confronto entre populistas, como Brizola e
Jânio Quadros, poderia criar alguma situação muito complicada neste país?

Thomas Skidmore: Pode.

Fernando Mitre: Que complicações seriam essas?

Thomas Skidmore: Bom, o problema é que a reação a Brizola é muito forte. Eu acho
que isso melhorou um pouco, tem mais possibilidades de se pensar como presidente o
Brizola. Porque o Brizola era o primeiro a criticar o Plano Cruzado. A posição dele, em
termos da eleição presidencial, é uma posição boa. Ele pulou para o outro lado, ao
começo do Plano Cruzado. E agora todo mundo está lembrando daquilo. Além disso, eu
acho que o governo dele no Rio [de Janeiro] não foi um governo subversivo ou mesmo
radical. Era aquela coisa de ser ³tudo pelo social´, vamos dizer. A reação contra ele é o
que a gente pergunta. Sobre a chance de o Brizola ganhar, isso é outra coisa. Outra
coisa. Eu duvido, no segundo turno, que o Brizola ganharia.

Fernando Mitre: [Interrompendo] O Jânio ganharia?

Augusto Nunes: [Interrompendo] De quem?

Ricardo Carvalho: [Interrompendo] De quem?

Fernando Mitre: Entre o Jânio e o Brizola, o senhor acha que o Jânio ganharia? [rindo]
Como é que o senhor vê essas possibilidades?

Thomas Skidmore: Não estou falando sobre Jânio. Estou falando sobre...

[Sobreposição de vozes, câmara focada em Thomas Skidmore]

Augusto Nunes: Brizola contra qualquer candidato.

Ricardo Carvalho: Mas no segundo turno ele não ganharia, professor? Ou disputando
com quem?

Augusto Nunes: Contra qualquer candidato, presumo.

Thomas Skidmore: Quércia.


Ricardo Nunes: Quércia?

Thomas Skidmore: [Com uma expressão de dúvida] Não sei. Mas eu estou dizendo que
o Brizola tem a fortaleza dele no Rio Grande do Sul e Rio. Só. Foi muito votado como
deputado federal nas eleições de [19]72, no Rio, não é? Duvido que o apoio dele...

Augusto Nunes: [Interrompendo] [19]62.

Thomas Skidmore: ... aqui em São Paulo é tão grande. Ele vem para cá a cada
oportunidade para estimular a coisa. Em Minas Gerais, não tem...

Augusto Nunes: [Interrompendo] Professor, vamos completar a roda. Luciano Ornellas,


do jornal O Estado de S. Paulo.

Luciano Ornellas: Professor, por analogia, para que o telespectador faça uma diferença
entre o seu país e o nosso. O senhor não acha que se o caso de Watergate [o caso
Watergate foi o escândalo político ocorrido na década de 1970 nos EUA que, ao vir à
tona, acabou culminando na renúncia do presidente americano Richard Nixon.
Watergate, de certo modo, tornou-se um caso paradigmático de corrupção] tivesse
acontecido no Brasil, os jornalistas já estariam presos?

Thomas Skidmore: Como é?

Luciano Ornellas: Os jornalistas aqui [no Brasil] já não estariam presos?

Augusto Nunes: Se o caso... repete, acho que ele não ouviu a primeira parte.

Luciano Ornellas: Se o caso de Watergate tivesse acontecido no Brasil, o senhor não


acha que os jornalistas iriam pra cadeia?

Augusto Nunes: Os jornalistas.

Thomas Skidmore: Aqui no Brasil?

Augusto Nunes: É.

Thomas Skidmore: [Olha fixamente para Luciano Ornellas e sorri] Está com medo?

[Risos e sobreposição de vozes]

Augusto Nunes: Acho que vale a pena até a gente se estender sobre essa pergunta. O
que existe, professor, é uma sensação de profundo desencanto em relação à disposição
da máquina judiciária, ou da máquina do executivo em apurar casos de corrupção. Um
caso desse tamanho - presumo que seja isso - envolvendo o governo brasileiro
[enfatiza], o senhor acha que geraria as conseqüências que o caso Watergate gerou ou o
tiro sairia pela culatra?

Thomas Skidmore: Mas o jornalista dos Estados Unidos não foram para a cadeia.

Augusto Nunes: Pois é, mas o Luciano está dizendo é que aqui o tiro sairia pela culatra,
como dizem os brasileiros, os jornalistas é que iriam para a cadeia.

Thomas Skidmore: Não sei. A tradição jornalística no Brasil é muito forte, tem muitos
anos. Eu acho que mesmo durante o governo militar, essa tradição continuava. A minha
impressão atual é que não tem essa tendência. Se houver emergência, alguém vai
chamar para estado de sítio [suspensão temporária dos direitos e garantias
constitucionais dos cidadãos acionada pelo chefe de Estado, mediante autorização do
Congresso Nacional, em casos extremos, como: agressão por forças estrangeiras, grave
ameaça à ordem constitucional democrática ou calamidade pública. Em estado de sítio,
os poderes legislativo e judiciário submetem-se ao executivo], aquela coisa toda, é
possível, claro. Inclusive gringos... [risos] Me chamaram [apontado para si] para a
polícia uma vez...

Augusto Nunes: Professor, eu vou insistir nesse filão que o Luciano Ornellas descobriu
agora. O senhor certamente deve estar ouvindo muitos relatos sobre... envolvendo casos
de corrupção, quase todos ligados a funcionários do governo. São casos de corrupção
que envolvem grandes cifras, sobretudo para os padrões brasileiros. O senhor acha que,
primeiro, o nível de corrupção é semelhante nos Estados Unidos e no Brasil? Segundo,
a corrupção nos Estados Unidos é tão impune quanto parece ser aqui no Brasil?

Thomas Skidmore: Isso é difícil de dizer. Eu não fiz pesquisa sobre isso, não é? Mas a
impressão que eu tenho é que no Brasil as instituições não funcionam no mesmo nível
do que nos Estados Unidos. Por exemplo, nós temos o General Accounting Office
[Escritório Geral de Contabilidade dos Estados Unidos], que é, realmente, o centro onde
eles fazem a contabilidade de todo o governo. É independente, subordinado ao
Congresso e tem independência. E ninguém vai subornar o General Accounting Office.
Tenho a impressão [de] que no Brasil isso não existe. Quer dizer, ainda tem muito para
fazer nesse assunto.

Augusto Nunes: Professor, antes de... Desculpe. Em seguida, Paulo Sérgio Pinheiro.
Alguns telespectadores, entre os quais Vicente Bianchi, do Campo Limpo e César
Brigante, desculpe, Sérgio Pinto Dias, de Alphaville, eles querem saber se o senhor acha
que o Brasil...

Thomas Skidmore: [Interrompendo] Só para fazer uma... Nós [Estados Unidos] temos
também corrupção [risos]. Bastante.

Augusto Nunes: Perfeito. Se o senhor acha que o Brasil, visto à distância, é um país
sério? O senhor certamente sabe da frase que foi atribuída, parece, a Charles De Gaulle
[(1890-1970) general e estadista francês que liderou as forças francesas livres durante a
Segunda Guerra Mundial], segundo a qual o Brasil não seria um país sério. É?

Thomas Skidmore: Eu acho que sim. Inclusive, nos meus cursos nos Estados Unidos,
quando eu vou fazer conferência lá, tem muito interesse no Brasil. Geralmente começa
com a música brasileira. Todo mundo conhece. Depois disso tem outras coisas, tem
sobre a Amazônia, sobre o sistema político, sobre futebol, sobre samba, sobre... e depois
a gente fica aqui com outras coisas. Mas eu acho que o Brasil é um país sério. Às vezes,
o nosso país é sério demais.

Paulo Sérgio Pinheiro: Voltando ainda a essa questão da corrupção. Graças ao que o
Luciano lembrava, talvez a visibilidade da transição, nunca a corrupção foi tão explícita
no país. Você, que conhece a longa duração republicana, por que essa resistência? Você
já deu uma explicação, o problema das instituições.

Thomas Skidmore: Sim.

Paulo Sérgio Pinheiro: Mas você não acha que, numa transição política, esses temas da
corrupção, que, evidentemente, interessam à população e aos eleitores, por que é que
eles não têm uma conseqüência ao nível dos governantes?

Thomas Skidmore: Eu acho que entra aqui também o sistema partidário. O sistema
partidário, que está funcionando bem, quem controla, em certo sentido, é a oposição.
Com esse sistema que não funciona bem, que alguém que está no governo não tem
oposição realmente para criticar, isso só deixa a imprensa para fazer controle, para fazer
investigação. Eu acho que isso seria melhor com um sistema partidário melhor
organizado. Inclusive, muitas vezes, tem corrupção que é disciplinada pelos partidos.
Corrupção é inevitável, muitas vezes. Porque o que um chama de corrupção, para outro
é renda, porque, talvez, o salário dele seja muito baixo, e funciona, nessa base. Mas,
precisa de um sistema que discipline. Quando não tem sistema partidário bem
organizado, bem montado, eu acho que isso é maior. E também tem a mentalidade que
"Vamos pegar o 'nosso' rapidamente, porque não tem mais chance.". É a nossa única
oportunidade.

André Singer: Professor, eu gostaria de perguntar justamente sobre o sistema partidário,


que o senhor levantou. O regime militar instaurou um bipartidarismo seguindo o modelo
norte-americano. Esse bipartidarismo...

Thomas Skidmore: [Interrompendo] Pensando que foi.

André Singer: Pois é. Mas esse bipartidarismo sobreviveu durante algum tempo e
depois se desfez numa certa etapa da transição. Hoje o senhor está assinalando que há
um sistema partidário pouco estruturado. Eu gostaria de saber a sua opinião. Se num
país como o Brasil a tendência é o sistema partidário se estruturar ao redor de dois
grandes partidos - um do governo e outro da oposição - ou o multipartidarismo e esse
certo esfacelamento partidário que está ocorrendo hoje é a tendência natural? E,
gostaria, também, de agregar a isso a observação feita pelo próprio presidente Sarney,
de que não existem partidos nacionais, nós temos partidos por Estado. E mencionar que
a Assembléia Constituinte aprovou novamente o voto proporcional e não o voto
distrital. Quer dizer, o senhor acha que o sistema partidário brasileiro tende a se
estruturar por onde? Qual é o modelo que o senhor enxerga?

Thomas Skidmore: Bom, o experimento com o bipartidarismo, a meu ver, foi


ingenuidade do presidente Castelo Branco. Ele achava que o segredo da democracia
americana, e também a inglesa, era o bipartidarismo. O fato é que bipartidarismo é um
mito. No nosso país sempre houve alguns outros partidos. Também na Inglaterra.
Agora, por exemplo, a Tatcher [Margaret Thatcher] tem a maioria tremenda, mas a
votação dela, popular, é menos do que 50%. De modo que não é verdade que eles
precisam... a verdade histórica é que sempre houve mais partidos, conosco também.

André Singer: Mas nos Estados Unidos, predominantemente, há dois partidos, não é?
Thomas Skidmore: Predominante, é. Às vezes tem variações. Ao meu ver, seria melhor
para o Brasil - especulação minha - ter o sistema de voto distrital em termos de
fortalecer os partidos e com isso articular partidos nacionais, que precisam, que vai
distribuir. Quer dizer, tem a máquina governamental que cresceu tremendamente
durante o governo militar, não é? É um monstro que fica lá dividindo as coisas,
seguindo a opinião dos tecnocratas, sem a influência ou pouca influência dos políticos.
O que precisa é articular os partidos com o poder, com o governo central e também
descentralizar bastante, para os estados. E eu acho que isso estimularia muito o sistema
político brasileiro. O fato é que você vai ter conflitos setoriais, ou de classe, isso é
inevitável. Mas com partidos bem articulados, nacionais, tem a possibilidade de
negociar, negociar o acordo, coisa que agora não tem.

Fernando Mitre: Professor, o senhor se refere no seu livro ao enorme talento que as
nossas elites têm para passar ao largo das questões fundamentais relativas à justiça
social e econômica, como o senhor diz. E ainda com relação ao quadro partidário, o
nosso quadro partidário não é nitidamente ideológico. Então, o eleitor quando vota não
sabe muito bem em que programa ele está votando. Agora, o senhor acha possível, num
país com as diferenças sociais do Brasil, se aplicar eficientemente uma democracia
política sem cuidar da democracia social? Quer dizer, com essas disparidades?

Thomas Skidmore: [Interrompendo] Eu acho que não. Eu acho que não é possível.

Fernando Mitre: Não é possível. Então, podemos concluir que nós estamos ainda
praticamente na estaca zero na construção da democracia. Porque estamos cuidando de
problemas institucionais ainda. E o problema social, este está distante, muito longe
ainda. Seria isso? Estamos tão longe assim então de uma democracia plena?

Thomas Skidmore: Bastante distante. Bom, primeiro, os fatos políticos ainda são fatos
vindos do sistema militar, do governo militar. O que houve durante o governo militar?
Dois partidos: um partido do governo, que tinha que ganhar, e a oposição, que não
podia ganhar. E o governo militar manipulou o sistema. O que aconteceu? O MDB
[Movimento Democrático Brasileiro] se tornou o grande partido do Brasil. E a bandeira
era, exatamente, liberdade contra a repressão e também justiça social. Isso fica muito
claro nos manifestos. Em [19]82, nas campanhas para governadores, foi muito bem
articulado lá, e também quando o presidente Sarney convidou o Hélio Jaguaribe [(1923-
) sociólogo, cientista político e escritor. Durante o governo de Sarney, em 1985,
coordenou o Projeto Brasil 2000, que resultou em livro intitulado Brasil 2000: para um
novo pacto social. Em 1988, o segundo volume do projeto foi publicado - Brasil:
reforma ou caos - e Jaguaribe auxiliou a fundação do PSDB (Partido da Social
Democracia Brasileira)], sociólogo, para fazer aquele estudo sobre o Brasil democrático
e os seus problemas, estava tudo lá, uma radiografia do problema social no Brasil, sem
dúvida nenhuma.

Paulo Sérgio Pinheiro: Mas o presidente não fez nada, ele preferiu jogar no lixo.
[Thomas ri]

[...]: Professor, ...

Thomas Skidmore: Mas eu acho que é essencial fazer isso. Não tenho a menor dúvida.
O Brasil tem essa divisão que é muito grande. É a preocupação com mudanças
institucionais...

Fernando Mitre: [Interrompendo] O senhor acha que a Nova República não caminhou
nessa direção por enquanto?

Thomas Skidmore: Muito pouco.

Fernando Mitre: Quer dizer, o ³tudo pelo social´ do Sarney é mais uma frase?

Thomas Skidmore: Eu não conheço profundamente o orçamento, mas duvido [sorri].

Fernando Mitre: Então quer dizer que o PMDB...

Augusto Nunes: Cláudio, ...

Thomas Skidmore: Houve uma coisa que era o Plano Cruzado... quando começou o
Plano Cruzado

Fernando Mitre: Mas que não era também para distribuir renda. Aquilo foi...

Thomas Skidmore: [Interrompendo] Foi no começo. Eles aumentaram os salários,


houve um rush, uma euforia de prosperidade, muita gente de baixo... Lembro-me muito
bem o Pazzianotto [Almir Pazzianotto Pinto (1936-) foi ministro do Trabalho no Brasil,
de 1985 a 1988. Depois de promulgada a Constituição de 1988, Pazzianotto foi indicado
pelo presidente Sarney para o Tribunal Superior do Trabalho, do qual foi ministro
vitalício até 2002, quando se aposentou] dizendo: "Mal dá para o operário aqui comprar
um par de sapatos".

Fernando Mitre: Naquele momento, trinta milhões de brasileiros que não conheciam o
mercado de consumo chegaram lá, mas parece que já voltaram.

[Sobreposição de vozes]

Augusto Nunes: Professor, só pra estabelecer um pouco de ordem...

Thomas Skidmore: Pois não.

Augusto Nunes: É o Paulo Sérgio, depois o Rodolfo, depois o Luciano Ornellas.

Thomas Skidmore: Ok.

Paulo Sérgio Pinheiro: Voltando a essa questão dos partidos, você acha que o poder fez
mal ao PMDB, quer dizer, essa degenerescência que hoje nós assistimos ocorrer no
PMDB, você acredita que, mal ou bem, eles estiveram no poder, apesar dessa Nova
República vir sendo governada por decreto-lei? [risos] Você sabe, o presidente Sarney
só governa por decreto-lei. Você acha que o poder fez mal ao PMDB, a todas essas
bandeiras que você se referia: da liberdade, da democracia, do projeto social?

Thomas Skidmore: O problema é que o Tancredo teria sido a ponte entre o sistema
antigo e os problemas atuais, não é?

Augusto Nunes: [Interrompendo] Aliás, professor...

Thomas Skidmore: Pois não.

Augusto Nunes: Desculpe interromper, eu quero aproveitar esse assunto levantado pelo
Paulo Sérgio para dizer o seguinte: vários telespectadores têm muita curiosidade em
saber que tipo de paralelo o senhor estabelece entre o Sarney e o Tancredo. Então, por
exemplo, o Rui Santana, que é meu conterrâneo, de Taquaritinga, pergunta se, levando
em conta que o Tancredo sequer tomou posse, se é legal ou legítima a situação do
presidente José Sarney. O José Augusto de Vasconcelos, de Campinas, ele entende que
a maior obra do governo Sarney, até agora, foi a própria consolidação do seu governo,
porque ele acha que isso configura uma guinada conservadora, na medida em que
provocou um desvencilhamento progressivo dos compromissos que Tancredo Neves
havia assumido com setores progressistas. Ele pergunta como é que o senhor vê esse
período do governo Sarney. César Brigante, de São Carlos, interior de São Paulo, ele
acha que com o Tancredo no governo a transição estaria encerrada... aliás, ele pergunta
ao senhor se com o Tancredo no governo a transição estaria encerrada em quatro anos e
se o PMDB estaria no poder. Eu queria que o senhor juntasse a pergunta do Paulo
Sérgio, que fala do PMDB, também, e essas perguntas dos telespectadores que estão
curiosos quanto a uma comparação entre o Tancredo e o Sarney, que o senhor falasse
desse assunto.

André Singer: Augusto, eu poderia tomar uma carona e acrescentar só mais uma
coisinha? O senhor, no seu livro, se refere ao Tancredo como um peessedista.

Thomas Skidmore: Mas, você já leu o livro? [risos]

André Singer: [Rindo] Eu li partes do livro. O senhor se refere ao Tancredo Neves como
um peessedista de centro-esquerda.

Thomas Skidmore: [Interrompendo] Em [19]85.

André Singer: Eu gostaria de perguntar se o senhor acha que realmente esse era o perfil
dele, porque muitos o vêem como um homem de centro e até como um conservador e,
também, num outro momento do seu livro, o senhor diz que o presidente Tancredo
eleito era o presidente que teve maior legitimidade de todos os presidentes [que já
foram] eleitos. Eu lhe pergunto se isso não é um pouco contraditório com o fato de que,
apesar de ele ter sido eleito com certo apoio popular, ele foi eleito por um colégio
eleitoral limitado, que era determinado pela constituição militar, do regime militar
[Thomas assente com a cabeça]. Enquanto houve na história do país alguns presidentes
eleitos diretamente pelo voto. Essa atribuição de presidente com maior legitimidade de
todos os presidentes eleitos no país, não seria contraditória com esse fato?

Thomas Skidmore: É possível. É possível, mas a votação foi espantosa. Bom, o


Tancredo tinha uma posição contraditória, porque o primeiro ministro da Fazenda que
ele escolheu era o Dornelles [Francisco Dornelles, sobrinho de Tancredo Neves, foi
ministro da Fazenda entre março e agosto de 1985], que é um homem da política
bastante ortodoxa, não muita coisa de justiça social. Aconteceu que houve, durante os
dois primeiros anos do governo Sarney, que o crescimento econômico foi bastante bom,
cresceu bastante a economia, coisa que o governo não notou quando começou em
março, de modo que houve muitas contribuições nas posições do Tancredo. Mas
naquele momento, o espírito, o apoio, o alívio emocional foi uma coisa incrível!
Quando ele morreu o luto foi uma coisa incrível. Em certo sentido, ele também tinha a
vantagem da reação contra o outro candidato presidencial naquela época, que era o
governador Paulo Maluf, uma reação tremenda contra ele. A meu ver, um pouco da
reação contra o Maluf era um pouco contra as Forças Armadas, mas ele era o bode
expiatório, em certo sentido. De modo que o Sarney está enfrentando as dificuldades
que também o Tancredo teria encontrado, sem a menor dúvida. O problema é que o
Sarney representa outra tradição, que é a do Nordeste, que é a do bastião [fortaleza,
bastião do coronelismo político] do eleitorado durante o governo militar. [Já] O
Tancredo tinha outras ligações, por isso que foi mais difícil para o Sarney. Mas também
o Tancredo é do PMDB, e se tornou o representante do partido que era de grande
oposição ao governo.

[Sobreposição de vozes]

Augusto Nunes: Rodolfo Konder.

Rodolfo Konder: É sempre bom lembrar, professor, que, apesar de todos esses rótulos -
isso é só para deixar um registro -, o Tancredo nunca esteve do lado do "cabo do
chicote", em mais de cinqüenta anos de vida pública. Isso eu sempre gosto de recordar.

Thomas Skidmore: Sim.

Rodolfo Konder: Inclusive, a alguns amigos meus de esquerda que gostavam de criticar
o Tancredo, eu sempre gosto de lembrar que o Tancredo nunca esteve do lado da
repressão. Agora, a minha... eu queria também trazer o senhor para uma questão que nos
envolve mais diretamente aqui em São Paulo. O senhor disse que todo historiador é um
mau profeta, então eu gostaria de aproveitar o seu conhecimento na avaliação do
passado, já que em relação ao futuro o senhor é muito cauteloso...

[Risos gerais]

Rodolfo Konder: ... mesmo com essa sua irreverência. [Thomas põe as mãos na cabeça
e ri] A idéia... veja bem... O senhor falou da candidatura Jânio Quadros e esse é um
problema que nos aturde a todos. Eu gostaria que o senhor relembrasse um pouco para
este país, para os nossos telespectadores que vivem num país de memória curta, quem é
o senhor Jânio Quadros e o episódio da renúncia. Que papel ele desempenhou no
episódio da renúncia, que é uma coisa que as pessoas parecem que já se esqueceram.

Thomas Skidmore: É... Não, eu me lembro muito bem. Eu cheguei no Brasil, a primeira
vez foi em [19]61, dois meses depois da renúncia de Jânio. Era uma desilusão tremenda,
um desalento, um repúdio aos políticos, em geral. Entre [19]61 e [19]64, muitas vezes,
eu encontrei pessoas e conversávamos sobre o golpe de [19]64, e ³o culpado´, muitas
vezes o brasileiro diz: ³Foi o Jânio´, porque ele renunciou ao mandato que não foi
cumprido. Houve aqui falta de compreensão, [porque] o Jânio tinha prometido explicar
toda a coisa. Muitas vezes. Eu tenho em casa milhares de recortes sobre as explicações,
que nunca chegaram.
Rodolfo Konder: Era o grande mudo, como o senhor lembrou.

Thomas Skidmore: É. O grande mudo. De modo que é um sinal, talvez, da falta de


memória. Também a situação aqui era partidária, quer dizer, houve uma divisão entre os
candidatos e ele se elegeu com 33%. Mas a renúncia foi um soco [faz o gesto do soco e
sorri] no estômago do brasileiro.

André Singer: Professor, eu gostaria de saber se o senhor concorda com a tese de que a
renúncia do Jânio era a tentativa de um golpe, pelo menos de um golpe que daria
poderes, ao estilo De Gaulle para fazer a Quinta República na França. Eu queria saber o
que o senhor acha dessa tese que, em seu livro, o senhor passa por ela, mas não deixa
muito claro qual é o seu entendimento desse episódio.

Thomas Skidmore: Ninguém sabe. O fato é que ninguém sabe, porque ele viajou
imediatamente de Brasília e não deixou contatos. Quer dizer, foi impossível, logo
depois da renúncia, entrar em contato com ele, praticamente. Falava-se na época disso:
que ele queria mais poderes. Decreto-lei, coisa a que ele chegou. [Thomas sorri]

André Singer: É o precursor.

Thomas Skidmore: [Risos] É o precursor.

Augusto Nunes: Professor, nós vamos fazer agora um pequeno intervalo. O programa
Roda Viva com o brasilianista Thomas Skidmore volta já, já.

[intervalo]

Augusto Nunes: Retomamos aqui nossa conversa com o brasilianista Thomas Skidmore.
Skidmore é professor de história do Brasil e história da América Latina na Universidade
de Wisconsin, e autor de dois livros: Brasil: de Getúlio a Castelo, e outro que está sendo
lançado agora Brasil: de Castelo a Tancredo. Professor Thomas Skidmore, a Francisca
de Castro Moura, da cidade de Rio Claro, interior de São Paulo, gostaria de saber do
senhor se é verdade que os Estados Unidos teriam patrocinado o golpe militar de
[19]64. O Roberto Soares, de Pinheiros, que leu o seu livro [Brasil:] de Getúlio a
Castelo, disse que nesse livro o senhor nega a participação dos Estados Unidos no golpe
de [19]64. Ele pergunta se, diante das revelações contidas em arquivos americanos
recentemente divulgados, o senhor manteria a sua opinião. Em seguida, a pergunta do
Luciano Ornellas. Professor Skidmore [aponta para ele].

Thomas Skidmore: Pois não. Eu acho que... eu pus um apêndice no meu livro: ³o papel
dos agentes nos arquivos João Goulart ´. No primeiro livro, Brasil: de Getúlio a Castelo.
Naquela época não houve a documentação do arquivo do Johnson [Lindon Johnson,
sucessor da presidência dos Estados Unidos, depois da morte de John Fitzgerald
Kennedy, em 1963], em Texas. O que foi revelado naquela documentação e foi
publicado em livro aqui no Brasil, também, de Phyllis Parker [Parker, Phyllis R. 1964:
O papel dos Estados Unidos no golpe de Estado de 31 de março. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1977], mostra que houve uma preocupação grande do governo
americano. Além disso, houve... o governo americano tinha mandado uma frota para o
Brasil de dois petroleiros, com a idéia de que, com as forças rebeldes, ia faltar petróleo
para eles.

Augusto Nunes: Iam decretar um território livre.

Thomas Skidmore: Exatamente. Exatamente. Os Estados Unidos iriam fornecer


petróleo, combustível para eles. Aconteceu que a resistência contra o golpe foi muito
fraca, quase não houve. De modo que não houve necessidade de pedir aos americanos
para fornecerem combustível. Nesse aspecto, não houve participação. Mas o fato é que a
posição do governo americano foi claríssima. Não tenho a menor dúvida de que o papel
do embaixador americano Lincoln Gordon [(1913-), nova iorquino nomeado
embaixador no Brasil em agosto de 1961, cuja efetivação foi adiada pelo governo norte-
americano até a solução da crise causada pela renúncia do presidente Jânio Quadros -
em agosto de 1961 - e pela recusa dos ministros militares em permitir a posse do vice-
presidente João Goulart, então em visita à China. Goulart foi empossado em 7 de
setembro de 1961 e no mês seguinte Gordon tornou-se embaixador efetivo] era o de
apoiar os governadores da oposição, como, por exemplo, o governador Lacerda, que foi
muito bem financiado para as obras públicas do estado de Guanabara. Além disso,
houve... provavelmente houve financiamento para políticos brasileiros, que é muito
comum com a CIA [Central Intelligence Agency; serviço de inteligência dos Estados
Unidos da América cujas atribuições são: coletar informações de fontes humanas;
correlacionar e avaliar inteligência ou informações relativas à segurança nacional
americana, divulgando-as de forma apropriada; fazer outras funções de inteligência
(informações e contra-informações) ligadas à segurança nacional que o presidente
decidir] Já foi feito... O Gordon, ele confessou isso nas eleições de [19]62.
Financiamento americano. Mas eu acho que participação direta não houve. O
importante é reconhecer que houve um golpe militar brasileiro [enfatiza] com o apoio
civil. Muito importante. Quer dizer, muito bem preparado.

Augusto Nunes: Luciano Ornellas.

Luciano Ornellas: Professor, como estudioso das coisas brasileiras, relembrando o


passado recente e o presente, o senhor vê alguma diferença entre o PDS do regime
militar e o PMDB da Nova República?

Thomas Skidmore: [Risos] Acho que sim. Espero que sim. O PDS era sustentado,
completamente, pelos militares, e sem o apoio militar não teria sido possível, realmente,
[se] eleger. A prova disso foi a eleição de [19]70. Na eleição de [19]70, o governo
ganhou muito bem no Brasil. Aconteceu que, na véspera da eleição de [19]70, houve,
pelo menos, cinco mil prisões. De modo que saiu tudo bem. Aqui no Brasil, também,
alguns diplomatas estrangeiros diziam: ³Não. O Médici, o presidente Médici [Emílio
Garrastazu Médici foi presidente do Brasil de 1969 a 1974. Seu governo ficou
conhecido como "os anos negros da ditadura", período de forte repressão policial aos
movimentos estudantil e sindical, em que se deram muitos desaparecimentos políticos e
práticas de tortura nos DOI-CODIs, órgãos governamentais de repressão política], tem
tudo aqui na mão, não tem problema nenhum.´ Em [19]74, quando o Geisel [Ernesto
Geisel, presidente da República a partir de março de 1974, representando o triunfo dos
castelistas, que queriam redemocratizar o Brasil gradativamente. Seu governo se
estendeu até março de 1979 e foi marcado pelo fim do chamado milagre econômico e
pela forte e crescente insatisfação popular com o regime militar] deixou o pessoal da
oposição chegar à televisão, foi o contrário, completamente. De modo que eu acho que
realmente o PMDB é o herdeiro desse papel da oposição. O problema é que fica agora
na ambigüidade: está no poder ou não está no poder.

Paulo Sérgio Pinheiro: [Interrompendo] Só insistindo nessa pergunta do Luciano. Você


acha que o procedimento do PMDB no governo, por exemplo, no governo federal, você
acha que o fisiologismo do PMDB foi diferente do fisiologismo do PDS?

Thomas Skidmore: São políticos pegando dinheiro dentro [faz gesto de pegar], favores,
influências. Isso é...

Pedro Del Picchia: Fisiologismo de esquerda.

[Sobreposição de vozes e risos]

Thomas Skidmore: O problema é que com a democracia todo mundo sabe, e com o
regime militar ninguém sabe, porque tem censura.

Augusto Nunes: [Interrompendo] Desculpe-me, professor, antes de passar ao Pedro Del


Picchia, por falar em pegar dinheiro, já se sabe hoje, com as revelações ligadas à época,
que muitos políticos brasileiros receberam dinheiro da CIA. Hoje, o senhor acredita que
essas contribuições continuam?

Thomas Skidmore: Não sei. É bem possível.

Augusto Nunes: Pedro Del Picchia.

Pedro Del Picchia: Queria voltar...

Thomas Skidmore: [Interrompendo] Só um minuto. Houve aqui um empresário


americano, muito famoso, que construiu a estrada de ferro na Amazônia: [Percival]
Farquhar [(1864-1953) explorou diversos empreendimentos ferroviários no Brasil,
sobretudo no sul do país; também construiu o porto de Belém. Atuou com
empreendimentos em outras partes do mundo], o nome dele, muito famoso. Ele se
queixou que aqui no Brasil você dá dinheiro para o político brasileiro e ele não entrega,
quer dizer, ele trai. [muitos risos]

Thomas Skidmore: Muitas vezes, o político não é honesto.

Augusto Nunes: [Interrompendo] É que eles são independentes. [risos] Nem sempre é
dando que se recebe, às vezes, só recebe e não dá.

[Sobreposição de vozes e risos gerais]

Thomas Skidmore: O corrupto não tem, quer dizer, ele fica lá sem graça...

Pedro Del Picchia: O senhor me permite, eu queria voltar um pouquinho para trás. O
senhor estava falando aí do período da revolução, do movimento de 1964, que teve
apoio popular, em sua opinião.

Thomas Skidmore: Apoio civil.


Pedro Del Picchia: Apoio civil. Teve apoio civil. E que os Estados Unidos não tiveram
uma participação direta. O argumento que se usou, a justificativa que foi usada na
ocasião é que o governo João Goulart estava conduzindo o Brasil para o comunismo.
Pergunto ao senhor: o senhor acha que se não tivesse havido o golpe de [19]64 e João
Goulart, se ele tivesse concluído o seu mandato, nós teríamos ido para um regime
comunista?

Thomas Skidmore: [Silencia alguns instantes e diz:] Ah... isso eu duvido.

Pedro Del Picchia: Seria a eleição?

Thomas Skidmore: A política não. Ninguém estava preparado para isso, nem o Partidão
[Partido Comunista Brasileiro]. Ninguém.

Pedro Del Picchia: Haveria eleição, portanto?

Thomas Skidmore: Bom, isso é especulação. Mas o comunismo era quase ridículo, na
época, com as divisões tremendas. Inclusive o Partidão não estava em condições, era
muito cauteloso com o governo Goulart. Houve aquela euforia na esquerda: os
populistas, o pessoal da Igreja [Católica]. Mas não... acho que não houve... Para o
americano, para o governo americano é outra coisa; falar em comunismo quer dizer um
governo que vai escapar do controle ou vai criar núcleos de resistência na América
Latina às políticas norte-americanas. Mas a fumaça [passa as mãos em círculos diante
de si, aludindo à fumaça] é sempre sobre o comunismo.

[Sobreposição de vozes chamando o professor Thomas Skidmore]

Augusto Nunes: Professor, o João Luis Batista, do Ipiranga, relembra uma velha
bandeira das esquerdas brasileiras, hoje um tanto em desuso, mas que fez muito barulho
há alguns anos, que é do imperialismo americano. E ele pergunta ao senhor: "De que
forma o imperialismo americano atinge, se manifestou ou se manifesta no Brasil?". Faz
sentido essa bandeira do ponto de vista da esquerda?

Thomas Skidmore: Bom, isso foi, para muitos brasileiros, sinônimo de presença
econômica. Você vai para o Citibank... Houve aquele panfleto muito famoso, faz vinte e
cinco anos, Um dia na vida do brasileiro: que acorda e pega a...

Augusto Nunes: Um dia na vida do brasileiro.

Thomas Skidmore: ... pasta dental, que é a Colgate, depois come flocos Kellogs's, e
depois anda no Volkswagen, aquela coisa toda que é a presença estrangeira na
economia. Bom, tem que analisar isso: o que é e o que dá conseqüências boas para o
Brasil, e não o que não dá, nao é? Tem que analisar friamente. Outra coisa é a pressão
americana ou de outro país na política externa, e o Brasil já sofreu isso muitas vezes.
Neste assunto o Brasil está em melhores condições agora de articular uma política
externa que não seja subordinada aos Estados Unidos. Um país muito mais maduro,
inclusive quanto às condições econômicas. A política externa é muito mais diversificada
agora e, muitas vezes, simplesmente não responde aos Estados Unidos.
André Singer: Professor, voltando, ainda, a [19]64, eu me surpreendi que no seu livro o
senhor trata o movimento militar por revolução, que é o nome que esse movimento se
"auto-deu". As revoluções, normalmente, são entendidas como processos de mudanças
culturais...

Thomas Skidmore: [Interrompendo] Mudanças sociais.

André Singer: Mudanças culturais na sociedade. O senhor acha que, de fato, o


movimento militar de 1964 foi [realmente] uma revolução?

Thomas Skidmore: Não, em termos de mudanças sociais obviamente não. Obviamente


não. Mas não houve simplesmente um golpe de um grupo de oficiais, aquilo foi
articulado lá atrás. O movimento militar era um movimento de uma grande parte da
burguesia. Mostrou isso no livro o René Dreyfuss [(1905-1993) cientista político PhD
pela universidade de Oxford, autor de numerosas obras, entre as quais 1964: a conquista
do Estado. Foi professor do Departamento de Ciência Política da UFRJ (Universidade
Federal do Rio de Janeiro)], que realizou a articulação. Eu tive uma entrevista, foi no
ano passado - eu acho - com o Golbery. Ele falou sobre a rede de legalidade de [19]61, a
tentativa de evitar a sucessão de Jango, mas com aquela mobilização com o Brizola que
montou muito bem aquela coisa toda, o Terceiro Exército, não foi possível. O Golbery
disse: ³Bom, nós tínhamos aprendido muito com isso´. Exatamente a mobilização civil
para apoiar. Mas não foi uma revolução em termos sociais, como em Cuba, e mesmo,
obviamente, como na Rússia ou na China.

André Singer: O senhor distingue o movimento militar de [19]64, aqui no Brasil, dos
outros golpes militares na América Latina, professor? O senhor acha que tem um caráter
inteiramente diferente do que houve na Argentina, no Uruguai e do que houve no Chile?

Thomas Skidmore: Não inteiramente, mas tem algumas semelhanças entre... Tem
semelhanças. Tem uma onda aqui [na América Latina] de golpes: na Argentina, no
Uruguai... No Chile foi o mais dramático, o país mais democrático da América Latina
foi o último a sair do sistema autoritário. O Brasil, em certo sentido, conseguiu alguma
coisa. Em termos, vamos dizer, da tecnocracia. Diversificaram as exportações, por
exemplo. A coisa do "leão" no Brasil: em 1961, o imposto de renda foi uma piada aqui
no Brasil. Ninguém ligava, como na Itália, na França, não é? [Dizia-se:] "A Gina
Lollobrigida [(1927-) atriz de cinema e fotógrafa italiana, famosa por seus papéis
sensuais no cinema, ganhou o título de "a mulher mais bela do mundo" após interpretar
a cantora lírica Lina Cavalieri no filme La donna più bella del mondo, em 1955], ela não
paga a multa.", aquela coisa toda. Mas uma coisa que funciona aqui no Brasil, é
impressionante, é o "leão".

Pedro Del Picchia: [Interrompendo] Professor, amanhã, nós vamos...

[Sobreposição de vozes]

Thomas Skidmore: Pois é, pois é. Isso é a coisa menos brasileira que eu vi. Isso é
conseqüência, pelo menos, do governo tecnocrata.

Rodolfo Konder: Só uma caroninha na pergunta do André.


Augusto Nunes: Em seguinda, Ricardo Noblat. Rodolfo Konder.

Rodolfo Konder: O senhor falou das semelhanças entre esses golpes: no Brasil,
Argentina, Chile, e todos eles se dão na década de [19]60 e começo da década de
[19]70, talvez como uma resposta à Revolução Cubana de 1959 [movimento de
guerrilha iniciado em 1956, liderado pelo advogado Fidel Castro, contra o ditador de
Cuba, Fulgêncio Batista, a revolução culminaria com a destituição do ditador em 1959.
Seus objetivos eram conduzir Cuba à democracia, à libertação social e à autonomia
nacional. Com o tempo, Fidel deu à revolução uma orientação marcante de socialismo
de Estado].

Thomas Skidmore: Sem dúvidas. Sem dúvida nenhuma.

Paulo Sérgio Pinheiro: Só uma notinha de rodapé. Outra personagem muito querida
nesse período é o atual embaixador na ONU, o general Vernon Walters [ex-embaixador
dos Estados Unidos na ONU e um dos expoentes da política e diplomacia norte-
americana no século 20].

Thomas Skidmore: [Interrompendo] O nosso amigo. [risos]

Paulo Sérgio Pinheiro: É, o nosso amigo.

Thomas Skidmore: Tem que aparecer.

Paulo Sérgio Pinheiro: Ele escreveu as memórias, que você conhece, As missões
silenciosas, imagina o falastrão.

Thomas Skidmore: Fala demais.

Paulo Sérgio Pinheiro: Você acha que ele fala demais ou que, efetivamente, ele teve um
papel importante na articulação, na interligação entre os golpistas de [19]64?

Thomas Skidmore: Tem a ver. Não há duvidas que ele estava articulando isso. Ele já
conhecia o general Castelo Branco da Itália, e o papel dele era exatamente o de informar
o governo americano sobre isso. Mas ele não mandou. Não tenho a menor dúvida de
quem mandou foi o grupo de conspiradores militares brasileiros. Mas ele alertou o
Gordon. O Gordon tinha um problema para viajar, naquela época, e ele tinha dito para o
Walters: "I dont want any surprises.", ³Não quero nenhuma surpresa!´ [risos]

Paulo Sérgio Pinheiro: [Interrompendo] Não é pra já! O golpe não é logo.

[Risos]

Thomas Skidmore: ³Você fala para mim´, ele falou. De modo que ele foi muito bem
informado, e isso eu falei lá. Obviamente a indicação era a tremenda ajuda econômica
dos Estados Unidos, que veio logo do USAID [Agência dos Estados Unidos para o
Desenvolvimento Internacional]. [Foram] 100 milhões de dólares no primeiro ano.
Sustentou muito o governo.

[Sobreposição de vozes]
Augusto Nunes: Depois, eu queria assegurar a palavra, aqui, do...

Rodolfo Konder: O senhor estava falando do Citibank e interrompeu. O Citibank teve,


também, um papel nisso?

Thomas Skidmore: O Citibank? No golpe?

Rodolfo Konder: Nessa ajuda financeira aos elementos que conspiraram.

Thomas Skidmore: Não. Eu acho muito pouco para a época. Os bancos comerciais,
naquela época, não tinham nada para [...]. Isso é uma coisa posterior. Muito posterior.

Ricardo Noblat: Professor, em resposta à uma pergunta anterior, o senhor descartou,


praticamente, o risco de que caminhávamos para um regime comunista ou quase isso...

Thomas Skidmore: Em [19]64.

Ricardo Noblat: É. Em [19]64. A seu ver, quais as verdadeiras causas do golpe militar
de 1964?

Thomas Skidmore: Falou muito bem...

Augusto Nunes: [Interrompendo] Aliás, desculpe professor, ...

Thomas Skidmore: Pois não.

Augusto Nunes: Só para incorporar à pergunta do Noblat, a preocupação do José


Antônio Rodrigues, do Ipiranga, que diz o seguinte: ³O senhor afirma que os
americanos não tiveram influência direta no movimento militar de [19]64. Então, como
é que o senhor explica a seqüência de movimentos semelhantes em outros países como
Uruguai, Argentina, Chile?´. O senhor identifica as origens às quais se referem o
Noblat, e em seguida responde a essa pergunta.

Thomas Skidmore: Sim. Bom, o que houve? Depois da Revolução Cubana houve uma
preocupação muito grande nos Estados Unidos com a possibilidade de uma onda
comunista na América Latina. Todo mundo falava: ³A revolução vem aí´, aquela coisa
toda. Então, os exércitos latino-americanos notaram que a primeira instituição liquidada
em Cuba foi o exército, não é? E, também, o governo americano começou a dar ajuda
no treinamento. O Brasil já tinha ligações antigas vindas desde a Segunda Guerra
Mundial. Treinamento no Panamá. Inclusive, um programa chamado de segurança
pública. A idéia era, na época do Kennedy, ³vamos com a Aliança para o Progresso´
[programa, criado por Kennedy, de ajuda norte-americana aos países da América Latina,
objetivando alcançar uma situação de desenvolvimento econômico, social e político que
se contraporia às "vantagens" do comunismo] quer dizer: crescimento econômico,
reforma social, democracia. Só isso. Se não der certo, nós temos aqui as boininhas
verdes [refere-se aos boinas verdes, forças especiais do Exército dos Estados Unidos],
que é outra resposta ao problema, quer dizer, contra a insurgência. O que predominou
nos exércitos latino-americanos e em alguns setores civis, também, era a preocupação
com a necessidade de [se ter] uma resposta militar, de modo que os reacionários
trabalharam muito bem com isso, em todos os países. De modo que o golpe militar era a
resposta às crises econômicas.

Ricardo Carvalho: Mas o senhor acha que se os Estados Unidos não tivessem dado o
apoio, talvez não muito explícito, mas implícito, aos golpistas, os golpes existiriam?

Thomas Skidmore: Não. Isso tinha um papel importante.

Ricardo Carvalho: O apoio dos Estados Unidos.

Thomas Skidmore: O apoio. O apoio implícito que era financeiro. Tremendo. E também
técnico. Eles mandaram para cá, por exemplo, o [Dan] Mitrioni [agente da CIA (o
serviço secreto americano), que durante três anos organizou os cursos de inteligência e
técnicas de interrogatório a policiais civis e militares no comando da Polícia Militar,
acusado de incluir a tortura em suas aulas, Dan Mitrioni, dava nome a uma rua no
Bairro Industrial, em Belo Horizonte, até 1983], que foi morto no Uruguai. Toda a
tecnologia, a segurança pública [...].

Ricardo Carvalho: Quer dizer, os Estados Unidos não colocaram os marines aqui, mas o
apoio houve, com certeza, em todos os países. E sem o apoio não haveria golpe?

Thomas Skidmore: Não. Ironicamente não houve nenhum [sorrindo] movimento


guerrilheiro no Brasil. Precisava criar depois.

Ricardo Carvalho: Mas eu digo do Cone Sul: Chile, Argentina, Uruguai e Brasil.

Thomas Skidmore: É, mas foi necessário justificar depois, [porque] o golpe no Brasil
foi o primeiro, o precedente da América Latina e, os Estados Unidos apoiando,
obviamente, era a indicação para os outros. Eu acho que houve, depois, uma certa
desilusão. A Revolução Cubana não espalhou. Tem a Nicarágua, que não é uma coisa
muito parecida. O fato é que os comunistas não estão aqui batendo às portas. A coisa é
muito mais complicada. O general agora, que era o capitão, o major antigamente, ele
não acha mais que o pessoal do PC do B vai tomar conta do país, que é coisa de louco.
Mas é uma visão um pouco mais sofisticada da democracia. De modo que [é] outro
momento. Mas a orientação anticomunista era conseqüência, também, da influência
americana que marchava com a idéia da ³Aliança para o Progresso´.

Augusto Nunes: Pedro Del Pichia.

Pedro Del Picchia: Quando o senhor falou que não havia guerrilha antes de [19]64,
depois o senhor...

Thomas Skidmore: Aqui, no Brasil.

Pedro Del Picchia: ... foi necessário justificar depois. O que quer dizer exatamente isso?
O senhor acha que, de alguma forma, a extrema direita contribuiu para que se
instaurasse a guerrilha no Brasil, depois?

Thomas Skidmore: Não. Estou dizendo que a segunda seção do exército, que é uma
coisa de inteligência... eles fizeram "batidas", e não houve nenhum... [sorrindo] Eram
muito poucas armas no Brasil. No Nordeste tem ligas camponesas, mas não armadas.
Tem pouca coisa. Foi difícil para eles justificar a coisa. Quer dizer, tinha que
superestimar o movimento... Inclusive, todo mundo na época esperava pelos IPMs
[Inquérito Policial Militar, mecanismo de poder destinado a operacionalizar a Grande
Estratégia da Doutrina de Segurança Nacional. Comissões especiais de inquérito foram
criadas em todos os níveis de governo, em todos os ministérios, empresas estatais,
universidades federais e em entidades ligadas ao governo federal, com o objetivo de
identificar e expurgar da estrutura governamental as pessoas identificadas como
"subversivas"] Eu tenho os IPMs que foram publicados, pouca coisa. E começaram a
falar em corrupção. Outra coisa é o Juscelino, de modo que foi difícil. Veio depois o
movimento guerrilheiro que justifica a repressão, mas a repressão chegou primeiro.

André Singer: Professor, eu queria perguntar ainda sobre esse período - é rápido. Se na
sua interpretação desse período o presidente João Goulart estava disposto a alimentar a
idéia de um golpe militar, não de uma sublevação civil, não de uma sublevação social,
mas de um golpe militar com os eventuais apoios que ele tivesse. Essa é uma das
versões que o golpe de [19]64 teria sido um golpe preventivo contra um golpe em
andamento do próprio João Goulart.

Thomas Skidmore: Sim, sim.

André Singer: Qual é o seu entendimento desse episódio?

Thomas Skidmore: Eu acho que ele tinha razão, porque o presidente Goulart estava
promovendo generais fora do lugar. Ele estava tentando criar um "generalato" favorável
à política dele. Isso foi bem notado no Exército, de modo que, também, houve o
incidente de novembro de [19]63, uma mobilizaçãozinha, a tentativa de um golpe,
talvez, do governo contra... quer dizer, criar um tipo de regime militar com o Jango
como presidente. Eu acho que entra aqui também a ameaça à hierarquia das Forças
Armadas. É que tem, talvez...

Fernando Mitre: [Interrompendo] A própria rebelião dos marinheiros.

Thomas Skidmore: Talvez a pessoa mais interessante do que os outros seja o próprio
cabo Anselmo [José Anselmo dos Santos (1942-), conhecido por cabo Anselmo, ex-
militar brasileiro líder do episódio conhecido por "revolta dos marinheiros", em 1964.
Expulso da Marinha, entrou na clandestinidade, sendo preso pelo Dops, em 1971. Logo
depois trocou de lado e começou a colaborar com a represssão, denunciando muitos
companheiros da luta armada contra a ditadura militar].

Fernando Mitre: Não sei se o senhor leu tudo, mas esta semana saiu uma crítica numa
revista de São Paulo, a Veja, dizendo que o senhor não tratou adequadamente a questão
da revolta dos marinheiros.

Thomas Skidmore: Sim.

[Sobreposição de vozes]

Fernando Mitre: O senhor passou ao largo daquela questão como causa desencadeante,
mas não fundamentou.
Augusto Nunes: [Interrompendo] E mais ainda, professor, desculpe: como é que o
senhor vê a figura do cabo Anselmo? Respondendo ao Mitre.

Thomas Skidmore: Pois não. Primeiro, sobre a crítica na Veja, o problema é que eu já
tinha publicado um livro sobre isso, [risos de Skidmore], que é outro livro. Não é justo
pedir ao resenhista ler o outro livro. Mas o fato é que eu tratei muito do assunto naquele
outro livro. Deixei ali por acidente. Um capítulo da introdução para explicar a origem.
O cabo Anselmo: que caso curioso. Como é que um cabo vai chegar lá e vai montar o
[...]? Como é? Aquela película da Revolução Russa? [Skidmore leva as mãos à cabeça,
indigando] Um cabo arranjou isso? Não tinha vídeo, na época, como é que ele vai
arranjar toda a película? Que coisa louca.

Fernando Mitre: E depois, ele surgiu como um elemento ligado a CIA.

Thomas Skidmore: [Interrompendo] E [inclusive] tem dois livros sobre ele. Que coisas
incríveis! Eu acho que ele estava exagerando também...

Fernando Mitre: [Interrompendo] Mas ele era um agente provocador, ou não?

Thomas Skidmore: Pois é. Ele denunciou toda aquela gente em Pernambuco... liquidou
a resistência. Ficou sinistro.

Fernando Mitre: Ele era um agente provocador, professor?

Thomas Skidmore: Em [19]64? Eu acho que talvez foi.

Fernando Mitre: Quando ele levantou os marinheiros, ele estava a serviço de quem?

Thomas Skidmore: Exatamente. Eu acho que...

Rodolfo Konder: [Interrompendo] Ele diz que se tornou um agente depois.

Thomas Skidmore: Depois. Em Cuba, em Cuba.

Rodolfo Konder: Eu estive com o cabo Anselmo em 1964 na embaixada no México, e


ele já tinha todas as características de um agente provocador.

Fernando Mitre: [Interrompendo] Ele já estava envolvido com o...

Thomas Skidmore: É. Exatamente.

Augusto Nunes: Ricardo Carvalho.

Ricardo Carvalho: Eu tenho uma curiosidade a respeito do papel do brasilianista.


Durante um bom tempo os brasilianistas eram vistos como agentes infiltrados, se falava
muito isso neste país. O senhor, como brasilianista, o senhor encontra dificuldades nas
suas pesquisas? Já encontrou mais? O senhor, por acaso, não seria consultado pelo
governo norte-americano que, todos sabemos, é muito cioso na coleta de informações
sobre os países, particularmente, da América Latina. Além do Departamento do Estado,
tem subsecretarias e todos aqueles outros departamentos. Como é o papel do
brasilianista, e o que leva um... ?

[Risos]

Augusto Nunes: [Interrompendo] Aliás, professor, até antes de responder ao Ricardo, eu


pediria que o senhor explicasse por que é que o senhor começou a se interessar pelo
Brasil.

Ricardo Carvalho: Exatamente. O que levou o professor a se interessar pelo Brasil e


pela América Latina?

Thomas Skidmore: Essa é uma velha história que eu contei várias vezes, inclusive a
Veja não gostou.

[Risos]

Thomas Skidmore: Eu fiz uma conferência na UNB [Universidade de Brasília], eu acho


que foi em [19]74, saiu uma reportagem na Veja: ³Música na Unb´, porque era lá numa
aula de música. Eu não sabia na época, mas era a primeira conferência geral permitida
pelo reitor José Azevedo. Eu [já] contei essa história. Toda a minha orientação e
formação era orientada para a Europa. [Eu] me formei em uma universidade em Ohio,
que é meu estado natural, depois eu fui para a Inglaterra, para Oxford, obviamente tem
aqui a [...], que é aquele charme, aquela atração. Fiquei lá estudando filosofia, que [não
tem] nada a ver com nada. Eu me interessei pela Alemanha. Eu achava a Alemanha um
país fascinante, porque você tem os altos e os baixos: você tem aqui o [...] e o [...].
Como enigma histórico é fascinante. Eu voltei para Harvard e fiz o meu doutoramento
lá. Escrevi uma tese sobre um chanceller [alemão] que veio depois de Bismark [Otto
von Bismarck, chamado de chanceler de ferro, é considerado o mais importante
estadista da Alemanha do século XIX. Lançou as bases do II Reich (1871-1918), que
levaram o país a superar a existência de mais de 300 entidades políticas diferentes e a
instituir pela primeira vez um Estado Nacional único. Bismarck desprezou os recursos
do liberalismo político, como o consenso ou o voto das maiorias, apostando numa
política de força (dita de sangue e ferro) para moldar assim o novo Estado alemão
dentro da blindagem do antigo sistema autoritário prussiano]. É um homem que
ninguém conhece o nome dele. Ele merece ser completamente esquecido.

Augusto Nunes: [Interrompendo] O senhor gosta de temas complicados.

Thomas Skidmore: O nome dele é Caprivi [Leo von Caprivi (1831-1899), ocupou o
cargo de chanceler alemão de 1890 a 1894] É. Essa tese fica lá numa estante em
Harvard e ninguém a tocou. [risos] Nunca. [enfaticamente] Eu mesmo nunca reli a tese.
Tudo bem. Mas era a formação indicada. Eu comecei a dar aulas em 1960. Acontece
que houve um mau entendimento em Cuba. O Fidel [Castro, líder da revolução cubana,
em 1959, governou o país até 2008. Ver entrevista com Castro no Roda Viva], estava
tomando conta de tudo, inclusive do Jardim Botânico de Harvard. Isso é demais: um
revolucionário vai pegar o nosso jardim?! Em Harvard tinha poucos professores na
época fazendo especialidade na área da América Latina. Eles acharam que era
necessário criar mais elementos. Mas como? Houve excedente [...] aqui da Alemanha e
mudo para a América Latina, e eles me ofereceram uma bolsa de três anos.
Ricardo Carvalho: Quem ofereceu?

Thomas Skidmore: Harvard, na época. Salário e viagens. Eu não conhecia nada, nem
português, nem espanhol, nada da América Latina. América Latina era o México, aquela
coisa do bang-bang.

Ricardo Carvalho: Mas o senhor sabia onde era o Brasil?

Thomas Skidmore: Mais ou menos. Vagamente. [risos] Quer dizer, [sabia que era] ao
sul do México [faz gesto de rebaixamento com as mãos].

Ricardo Noblat: Como capital Buenos Aires.

[Risos]

Thomas Skidmore: Não. O problema era como começar. Na época, um professor de


português, muito bom, ele me pegou e disse: ³Skidmore, se você começar com o
espanhol, o seu português vai ser ruim. Começando com o português, o espanhol depois
vai ser razoável´. Tudo bem. Eu tinha que fazer um curso de verão em [19]61. A aula de
espanhol era às oito [horas] da manhã; a aula de português, às onze. A combinação da
teoria com a prática, obviamente, era em português. Na época, houve poucos
especialistas no Brasil. Eu fiz uma viagem ao Brasil por dois meses, gostei
tremendamente, e achava um país interessante...

Augusto Nunes: [Interrompendo] Sobre a pergunta do Ricardo. Por favor, Pedro.

[Sobreposição de vozes]

Ricardo Carvalho: Só complementando. Durante um bom tempo os brasilianistas foram


muito mal vistos, até pelos intelectuais brasileiros, particularmente pela esquerda,
obviamente.

Thomas Skidmore: Sim, sim.

Ricardo Carvalho: O senhor se sentiu, durante algum tempo [em que fazia] as suas
pesquisas, olhado de soslaio, com desconfiança em relação ao senhor? E [sentiu] se o
governo norte-americano do Departamento de Estado chega a consultar brasilianistas ou
especialistas em América Latina?

Thomas Skidmore: Muito pouco. Muito pouco. Eu tinha boas relações com o
embaixador [James] Clement [Dunn] [(1890-1979) diplomata norte-americano que foi
embaixador dos Estados Unidos na Itália, na França, na Espanha e no Brasil]. Na época,
ele é que estava aqui e tinha boas relações com os brasilianistas. Mas, em geral, o
governo americano não liga muito para os que estão fora. Muito pouco. Nessa pergunta
sobre a situação de pesquisa no Brasil, não. Naquela época, o brasilianista tinha uma
vantagem tremenda [por]que era financiado e também era livre, mais ou menos, para
fazer o que quisesse. Se eu falasse uma gafe, iria viajar para a América do Norte. O
brasileiro não, ele tem que ficar. Houve uma certa rivalidade: ³Você tem dinheiro, você
tem acesso, você tem tudo isso´. E eu acho isso completamente compreensível. Apesar
disso, eu tinha, e tenho ainda, muitos amigos brasileiros que me ajudaram naquele
tempo.

Ricardo Carvalho: E na relação dos governos militares com as suas pesquisas, o senhor
chegou a ser pressionado, houve algum fato [que o fez pensar em dizer]: ³Até logo, vou
para os Estados Unidos´, alguma coisa?

Thomas Skidmore: Não. Mas houve um caso: Caio Prado Junior [(1907-1990)
historiador, geógrafo, escritor e político brasileiro] ficou preso em [19]70, e eu assinei
um manifesto, um protesto contra isso, que saiu no New York Review Books. No
mesmo ano, a Unicamp [Universidade Estadual de Campinas] tinha me convidado para
dar um seminário e o visto foi negado pelo governo brasileiro, sem explicação. Eu
fiquei muito bem na minha [...] porque os alunos da esquerda diziam: ³O Skidmore é
perigoso. Que coisa! Nós achávamos que ele era um liberal, não é que não tem nada,
deve ser outra coisa.´. Mas no ano seguinte, em [19]71, me convidaram para participar
de um seminário em São Paulo, o governo de confissões. Obviamente eu fui seguido
por aqui, aquela coisa toda, telefonemas e...

Ricardo Carvalho: Ah! O senhor foi seguido?

Thomas Skidmore: Sem dúvida nenhuma.

Fernando Mitre: Professor, a verdade é que o senhor é uma obra do Fidel Castro, porque
se não houvesse a revolução.

Thomas Skidmore: Pois é! Eu sou filho [dele].

[Risos]

Fernando Mitre: Professor, o senhor se refere, nesse último livro, quando fala da
questão agrária, sobre aquela teia de relações que existe... o senhor localizou nessa
questão do campo - mas eu imagino que está em toda a sociedade brasileira - aquilo que
amortece os conflitos de classe, quer dizer, o patrão é padrinho do empregado etc. O
senhor diz até que esse retardamento de um movimento coletivista no campo se deve em
parte a isso. Aqui na cidade, nas relações de classe entre... fora o ABC [região paulista,
formada por cidades industriais e onde surgiu o moderno sindicalismo brasileiro que
deu origem ao Partido dos Trabalhores e às centrais sindicais] que é uma exceção no
Brasil, mas o senhor não acha que esse tipo de amortecimento tende a diminuir? Ou ele
vai permear ainda essas relações...

Thomas Skidmore: [Interrompendo] Existe ainda, mas eu acho que está atenuando nas
grandes cidades. Isso é uma mudança importante. Mesmo durante o governo militar,
essa mobilização da sociedade civil é importante. Não é uma coisa que vai dominar
tudo, mas os CEBs [Comunidades Eclesiais de Base, da Igreja Católica], o novo
sindicalismo, quer dizer, uma dinâmica que é mais autônoma.

Fernando Mitre: Mas essa teia de relações tem ainda uma função por muito tempo?

Thomas Skidmore: Tem. Eu acho, sem dúvida nenhuma.


Augusto Nunes: Professor Skidmore, o Eduardo Cajias, da Chácara Santo Antonio e
vários telespectadores fazem duas perguntas ao senhor: ³Em quem o senhor votaria para
presidente da República no Brasil, quem o senhor acha que seria um bom presidente
para o Brasil? E em quem o senhor vai votar para presidente dos Estados Unidos, caso
se mantenham as candidaturas do Bush [Geroge H. W. Bush (1924-), do Partido
Republicano, fora o anterior vice-presidente dos Estados Unidos] e do Michael Dukakis
[(1933-) do Partido Democrata]?´. [nessas eleições, realizadas em 8 de novembro de
1988, Bush venceu com maioria do voto popular e do colégio eleitoral]

Thomas Skidmore: Tudo bem. No caso do Brasil não sou eleitor, não tenho cartão de
eleitor. Nos Estados Unidos eu sou, nos nossos termos, um professor que é liberal, que é
aquela coisa aqui do centro, um pouquinho para a esquerda. Um pouquinho. Para
Dukakis, obviamente. Não tenho dúvida nenhuma.

Paulo Sérgio Pinheiro: Professor, eu li o seu livro, e Rodolfo e eu estávamos


conversando sobre isso. Você mostra um traço importante dessa nossa transição que é,
apesar da tortura aos presos políticos ter terminado, mas a tortura e a violência - você
mostra isso muito claramente - continuam em plena transição democrática. Na semana
passada mesmo, o relatório do Americas Watch mostrava que em São Paulo e no Rio de
Janeiro a tortura é uma prática endêmica nos distritos policiais do Rio e de São Paulo.

Thomas Skidmore: Sim.

Paulo Sérgio Pinheiro: Você acha que - nessa linha que o Mitre colocava - tanta
violência é necessária por quê? Para manter esses 70% de miseráveis, pobres e
indigentes ou porque a classe dominante, mesmo democrática, só sabe lidar através da
violência com as classes populares? Como é que você explica esse traço que você
mostra?

Thomas Skidmore: Você aqui vai até o coração, quer dizer, até a essência da sociedade,
falando sobre isso.

Fernando Mitre: E, ao mesmo tempo, existe aquele mito da não-violência. Uma


contradição.

Thomas Skidmore: Pois é. Isso combina, isso é muito poderoso, Mitre. Primeiro, você
tem em todos os países, inclusive no meu país, você tem sadistas que gostam de
torturar. Aqueles que dizem: ³Nós estamos ganhando muito pouco, mas, outra renda
emocional é a oportunidade de bater no outro". Isso existe. Bom, a questão é o controle
sobre isso, quem vai ser contratado. Sabe que eu não sei. Essa coisa da sociedade
patriarcal: ³sim senhor´, ³não senhor´, isso é uma coisa que não temos. Hoje, falando
com o presidente, eu não consegui falar "o senhor" [risos], falei você, e depois eu fiquei
chateado. Não pode, [porque] é com o presidente. Mesmo na linguagem tem todo esse
sistema nas esferas.

Fernando Mitre: O professor Roberto Da Mata [autor de diversas obras de referência na


antropologia, sociologia e ciência política, aborda a distinção entre indivíduo e pessoa
em seu original trabalho sobre a pergunta: "Você sabe com quem está falando?"], que o
senhor cita no começo do livro, ele cita esse tipo de relação...
Thomas Skidmore: [Interrompendo] É. ³Você sabe com quem está falando?´.

Fernando Mitre: É. Exatamente.

Thomas Skidmore: Provavelmente a violência ajuda. Porque todos nós sabemos, com a
experiência do regime militar, sobre o medo que você pode impor... não reprimindo
todo mundo, não é? Os torturados, quantos foram? Cinco, dez mil? E a população é de
120 milhões. O autocontrole é a coisa. Não sei se a violência é necessária para isso.
Duvido. Mas o problema é democratizar a sociedade, incentivar a participação. Mas isso
é muito conveniente para as classes dominantes.

Rodolfo Konder: O senhor faz uma referência à experiência do José Carlos Dias [(1939-
), advogado e político, foi secretário da Justiça de São Paulo no governo Franco
Montoro e ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso. Defendeu centenas de
presos políticos nos anos de ditadura, tendo sido, ele mesmo, preso por três vezes], aqui
da Secretaria da Justiça. Quais, em sua opinião, são os principais obstáculos que, no
caso, levaram ao fracasso da tentativa do secretário José Carlos Dias de impor uma
política mais humana ao pessoal do...

Thomas Skidmore: [Interrompendo] Eu não conheço de perto a história, mas me parece


que, primeiro: o José Carlos Dias era um dos poucos advogados que defendeu os presos
políticos. Era um homem corajoso, e muito, porque na época foi muito perigoso;
segundo: tem essa citação dentro das forças de segurança que é ³Nós contra todo
mundo´. Qualquer advogado que chega e vai mexer: ³Ah! Isso não pode. Isso é nosso
campo.´. Eles ficam acima da violência. Também, na repressão, é um tipo de uma tribo,
quase, primitivo. Você tem o athos de iniciar, que é matar, bater, ou qualquer coisa. Fica
aqui uma fraternidade e, quando entra o outro, especialmente um político que tem um
passado de liberar os presos políticos, já é uma dificuldade muito grande. Também a
sociedade não gosta de pensar sobre isso. Nós [os americanos] também. Temos casos
tremendos sobre Attica [prisão nova iorquina onde ocorreu o maior e mais violento
motim da história penitenciária dos Estados Unidos]: rebelião de prisão, o Tom Wicker
[repórter que acompanhou os acontecimentos em Attica e escreveu um livro sobre o
episódio] estava lá, os jornalistas, e eles não conseguiram evitar a invasão da polícia, e
mataram muita gente. Por quê? Porque a pressão social foi grande. ³Eles merecem ser
esmagados, pois são os perdidos. Vamos!´. Essa reação, com a resistência das forças de
segurança, é difícil. Houve rebelião, talvez, incentivada pelos guardas.

Augusto Nunes: Professor, o Ismael Pfifer, do Butantã, depois de lembrar que o senhor
admite que o movimento militar de 1[96]4 foi apoiado pelo governo norte-americano,
pergunta se uma suposta eleição... de uma hipotética eleição do ex-governador Leonel
Brizola, causaria alguma inquietação ao governo americano, hoje. O senhor acha que
isso ocorreria?

Thomas Skidmore: Ah, acho, sem a menor dúvida. Já deve ter alguns trabalhos no
Departamento de Estado sobre isso. Por exemplo, o fato de o deputado Fernando Lyra
[(1938-), um dos principais articuladores da candidatura de Tancredo Neves à
presidência; foi ministro da Justica por onze meses, no governo Sarney. Em 1989 foi
candidato a vice-presidente na chapa de Leonel Brizola] estar trabalhando, fazendo a
articulação para o Brizola, é interessante, isso vai mudar um pouco o entendimento do
Departamento de Estado, porque o Fernando Lyra é o ex-ministro da Justiça. Como
pode?

Fernando Mitre: Está procurando um tancredista para ser vice do Brizola.

Thomas Skidmore: Pois é. Vai criar preocupações, sem a menor dúvida.

Ricardo Carvalho: O senhor disse que já deve existir trabalhos no Departamento de


Estado sobre isso. O que quer dizer isso? [sorri]

Thomas Skidmore: Estou especulando.

Ricardo Carvalho: Um tipo de estudo sobre isso?

Thomas Skidmore: Claro.

Ricardo Carvalho: E eles correspondem à realidade?

Thomas Skidmore: Não sei. Não li. [Thomas ri discretamente]

Ricardo Noblat: [Interrompendo] Por que essa preocupação com o Brizola, o que ele
representa, visto de lá?

Thomas Skidmore: A preocupação é aqui no Brasil, porque a preocupação é da


imprensa com o Brizola, ou das classes dominantes com o Brizola. É a mesma coisa. É
o "homem" que parece que é um líder. O único que é carismático, que tem a capacidade,
no momento, de realmente de falar. Eu estive aqui no ano passado, participei aqui do
Roda Viva com o Leonel Brizola, e foi impressionante a capacidade de se comunicar
que ele tem. Em termos comparativos é impressionante.

Paulo Sérgio Pinheiro: Mas [durante] todo o período que ele passou lá no Hotel
Roosvelt, ele pareceu tão bonzinho, era uma pessoa tão simpática. Ele não virou social-
democrata?

Thomas Skidmore: Eu acho que essa é a posição dele.

Paulo Sérgio Pinheiro: Mas isso ainda inquieta? Um social-democrata brasileiro ainda
inquietará o Departamento de Estado, hoje, da administração de hoje?

Thomas Skidmore: Mas tem aqui também o passado, a ficha dele.

Paulo Sérgio Pinheiro: E o passado condena?

Thomas Skidmore: Não, não. Eu estou explicando. Não sou um membro do


Departamento de Estado. [risos] Não escrevi nada sobre isso, mas eu estou tentando
explicar. [Paulo Sérgio ri]

Paulo Sérgio Pinheiro: Você acha que o passado dele o condena?

Thomas Skidmore: Não, condenar não, mas porque ele era...


Paulo Sérgio Pinheiro: [Interrompendo] Na perspectiva do governo americano?

Thomas Skidmore: Vai provocar preocupações, sem dúvida nenhuma. E também ele era
um nacionalista. Isso já... O que ele vai nacionalizar? No Rio Grande do Sul ele
nacionalizou o Bond & Share [truste que detinha a Companhia Rio-Grandense de
Eletricidade, nacionalizada por Leonel Brizola em 1959, quando de suas encampações
contra as multinacionais no Brasil].

Thomas Skidmore: Pois é.

Ricardo Carvalho: Que políticos brasileiros na presidência da República não


preocupariam o Departamento de Estado?

Augusto Nunes: Que políticos espalhariam a tranqüilidade?

[Risos]

Ricardo Carvalho: A boa vizinhança...

Thomas Skidmore: Eu acho que outros são considerados melhores. Aqui no Brasil todo
mundo fala sobre isso. O que são...

Ricardo Carvalho: [Interrompendo] Mário Covas...

Thomas Skidmore: Não, quer dizer, ninguém... A impressão que você tem aqui com a
imprensa é que não tem candidato forte.

[Sobreposição de vozes]

Fernando Mitre: O partido que está nascendo dentro do PMDB, que perspectiva que o
senhor vê para ele?

Thomas Skidmore: Que não tem nome ainda?

Fernando Mitre: É, que não tem nome ainda, mas tem: o José Richa, Mario Covas,
Fernando Henrique, Montoro, Euclides Scalco e tantos outros. São nomes nacionais.
Seria um Partido Social Democrata. Essa linha do social-democrata, do...

Thomas Skidmore: [Interrompendo] A meu ver, você tem um aspecto ideológico. Eles
estão pensando em criar um partido com mais coerência saindo da maior máquina
partidária do Brasil, que é a máquina do PMDB aqui em São Paulo. Dividindo São
Paulo? É difícil; é muito difícil. Quer dizer, se houver a candidatura do Quércia, a
dissidência vai ficar aqui fora. É difícil. Provavelmente precise [se] fazer isso, já se
falava há muito tempo. Você se lembra sobre a divisão do PMDB: uma ala da esquerda,
uma ala da... O Partido Popular em certo sentido foi a tentativa de... Quer dizer, o Brasil
não tem partidos que são coerentes agora [faz um gesto de cisão com as mãos, levando
uma para cada lado], e precisa. Mas, pensando na eleição presidencial, ...

Augusto Nunes: Luciano Ornellas, professor.


Luciano Ornellas: O senhor já foi assessorado no Brasil em [19]84, se eu não me
engano, disseram que o senhor não podia falar sobre os nossos problemas políticos por
causa da lei dos estrangeiros. Como é que o senhor vê essa sua experiência fantástica?
[risos]

Thomas Skidmore: Assim, não tem problema [Thomas sorri]. Meu problema é que,
naquela época, eu falei uma coisa na televisão, e é mais perigosa a televisão. Porque
falando com jornalista aqui, se ele publicar alguma coisa, eu posso dizer: ³eu não disse
isso.´.

[Risos]

Augusto Nunes: Aqui está gravado. Mas a culpa é da imprensa, né? [risos]

Thomas Skidmore: [Eu poderia dizer:] ³Aquele lá é um alucinado, não entendeu meu
português mal mastigado.´. [risos] Na televisão não pode, porque está na fita.

Augusto Nunes: Professor, para que o senhor não deixe nenhuma resposta incompleta, o
Antonio Carlos, de Campinas, ele pede mais explicações sobre dois assuntos: primeiro,
ele quer saber por que o senhor diz... mais exatamente, por que o senhor qualifica o
Tancredo Neves como uma ponte entre os dois governos; depois, ele pergunta com que
objetivos a CIA enviou ou envia dinheiro para os políticos brasileiros.

Thomas Skidmore: No caso do Tancredo, ponte no sentido de que houve o partido da


oposição, o grande PMDB, e também os elementos de dentro, quer dizer: os militares, o
pessoal, também, do PDS. Ele tinha a capacidade de dialogar com todo mundo. Era a
forma dele. Foi isso, esse aspecto, né? Segundo, sobre a CIA...

Augusto Nunes: [Interrompendo] Com quais objetivos a CIA enviou e envia dinheiro
aos políticos brasileiros?

Paulo Sérgio Pinheiro: [Interrompendo] Augusto, eu poderia pegar uma caroninha nessa
sua pergunta...

Augusto Nunes: Última pergunta do programa, então.

Paulo Sérgio Pinheiro: Nessa sua rica metáfora, se o presidente Tancredo era uma
ponte, o presidente Sarney seria o quê? O fosso?

[Risos]

Thomas Skidmore: Não sei. [risos]

Paulo Sérgio Pinheiro: Um buraco negro.

Thomas Skidmore: Não sei. Essa é especulação minha. Quer dizer, agora você tem...

Augusto Nunes: [Interrompendo] Não, especulação não. Com certeza enviou-se


dinheiro. Comprovadamente. Com quais objetivos?
Thomas Skidmore: Às vezes, estão pagando por informações. Por exemplo, o general
Noriega [Manuel Antonio Noriega (1938-), ex-líder militar ligado ao golpe de Estado
que derrubou o governo de Arnulfo Arias, no Panamá. Treinou-se em contra-
espionagem na CIA e envolveu-se com o tráfico de drogas. Em 1982, passou a chefiar o
Estado Maior, autopromovendo-se ao posto de general, com o poder absoluto sobre o
Exército e atuando despoticamente, como presidente do país. Governou o Panamá entre
1983 e 1989], no Panamá, era pago pela CIA. Provavelmente, para dar informações e
também para ficar ao lado dos Estados Unidos. Por isso que tem problemas tão grandes
agora. [...] Ele está criando problemas.

Ricardo Noblat: O Noriega não foi correto, não foi honesto?

Thomas Skidmore: Não foi correto. O corrupto tem que...

Ricardo Noblat: Tem que ser correto nessas coisas.

Thomas Skidmore: Ser correto e bem comportado.

Pedro Del Pecchia: O senhor falou em político, depois o senhor falou em general.

Augusto Nunes: Pedro, então, você faça a última pergunta.

Pedro Del Pecchia: No Brasil, o senhor tem notícias de algum general que tenha
recebido algum dinheiro da CIA?

Thomas Skidmore: Não. Graças a Deus. [risos] Senão, eu teria que viajar
imediatamente.

Augusto Nunes: Professor, nós agradecemos a sua presença aqui no programa Roda
Viva, a paciência e a clareza com que o senhor respondeu às nossas perguntas durante
uma hora e meia.

Thomas Skidmore: [Interrompendo] Eu também quero...

Augusto Nunes: Principalmente as perguntas relacionadas com o passado.

Thomas Skidmore: Pois é. Eu quero também agradecer a paciência dos telespectadores


que mais uma vez escutaram um brasilianista falando tanto sobre o Brasil.

Augusto Nunes: Muito obrigado [dirigindo-se ao professor Skidmore]. Muito obrigado


aos entrevistadores que colaboraram na entrevista com o professor Thomas Skidmore,
que é autor de Brasil: de Getúlio a Castelo, e Brasil: de Castelo a Tancredo, livro que
está sendo lançado nestes dias no Rio de Janeiro e em São Paulo. Agradecemos,
também, aos telespectadores que nos telefonaram, encaminhando perguntas ao professor
Skidmore, e também à presença dos convidados da produção. O Programa Roda Viva
volta na próxima segunda-feira, às 9h25min. Boa noite.

[Thomas Skidmore voltou ao Roda Viva nos anos de 1992, 1997 e 2005]

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