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APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO N.

º
1.190.348-5 DA 2.ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE
CASCAVEL.
REMETENTE : Juízo de Direito.
APELANTE : Município de Cascavel.
APELADA : Comercial Cirúrgica Rioclarense Ltda.
RELATOR : Des. Xisto Pereira.

APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO.


MODALIDADE PREGÃO ELETRÔNICO. FORNECIMENTO DE
MEDICAMENTOS. ATRASO NA ENTREGA. AUSÊNCIA DE CULPA.
FATO ATRIBUÍVEL A TERCEIRO. PENALIDADE DE SUSPENSÃO
DO DIREITO DE LICITAR E CONTRATAR COM A
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (ART. 87, III, DA LEI FEDERAL N.º
8.666/1993). VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE
E PROPORCIONALIDADE. RECURSO A QUE SE NEGA
PROVIMENTO. SENTENÇA CONFIRMADA EM SEDE DE
REEXAME NECESSÁRIO.

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de


APELAÇÃO CÍVEL N.º 1.190.348-5, da 2.ª Vara Cível da Comarca de Cascavel,
em que figuram como remetente JUÍZO DE DIREITO, apelante MUNICÍPIO DE
CASCAVEL e apelada COMERCIAL CIRÚRGICA RIOCLARENSE LTDA.

I – RELATÓRIO

Comercial Cirúrgica Rioclarense Ltda., adiante identificada


como “apelada”, impetrou mandado de segurança contra ato do Prefeito
Municipal de Cascavel.
Disse que participou da licitação, na modalidade Pregão
Eletrônico, n.º 692/2009, ocorrida em 09.12.2009, sagrando-se vencedora para o

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fornecimento de medicamentos; que em 10.03.2011 recebeu notificação


cientificando-a de irregularidade contratual consistente no atraso da entrega do
medicamento Levodopa 250mg + Carbidopa 25mg; que, por conta disso, foi lhe
imposta penalidade de suspensão temporária do direito de participar de licitação e
de contratar com a Administração Pública pelo período de um ano, prevista no art.
87, inciso III, da Lei Federal n.º 8.666/1993; que o atraso na entrega do produto se
deu por culpa do laboratório fabricante, não podendo ser responsabilizada por
fato atribuível a terceiro; que, apesar do atraso, o medicamento foi devidamente
entregue; que postulou a conversão da penalidade de suspensão em multa, o que
foi condicionado à sua expressa concordância com o pagamento a esse título do
valor de R$ 47.284,67, equivalente a 5% do total da Ata de Registro de Preços
n.º 406/2009; que essa condição foi arbitrária, abusiva e violou o princípio da
legalidade e o Decreto Municipal n.º 9.032/2009; que a pena de suspensão é
ilegal, pois afronta o princípio da razoabilidade e que a rescisão contratual e/ou
aplicação de advertência “já são sanções aptas a puni-la adequadamente e a atingir a
finalidade almejada pela administração, sendo despropositada qualquer outra
penalidade”. Pediu liminarmente, a título cautelar, a imposição de ordem de
suspensão da penalidade e, ao final, o seu cancelamento definitivo, assegurando-
se à impetrante o direito de contratar com os órgãos da Administração Pública,
excluindo-se os apontamentos junto ao cadastro do Tribunal de Contas do Estado
do Paraná (fls. 05/39).
Pela decisão interlocutória de fl. 308 foi indeferida a
liminar pleiteada. Contra essa decisão foi interposto o agravo de instrumento de
fls. 312/324, registrado neste Tribunal sob o n.º 797.879-4, ao qual foi dado
provimento para conceder a liminar (fls. 379/388).
Pela sentença recorrida, da lavra da Juíza de Direito
Sandra Dal’Molin, a segurança foi concedida ao fundamento de que, no caso, “não
é possível imputar à impetrante a responsabilidade pelo atraso na entrega do
medicamento”, “não há indício de que tenha agido de má-fé” e “não há prova de

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prejuízos à administração pública”. Em razão da sucumbência, o impetrado foi


condenado ao pagamento das custas processuais (fls. 392/406).
O Município de Cascavel, adiante identificado como
“apelante”, em suas razões recursais, sustenta que a imposição da penalidade
de suspensão do direito de participar de licitação e contratar com a Administração
Pública apresenta-se regular e adequada; que não restou caracterizada a
violação a direito líquido e certo porque “a decisão de aplicação da sanção é
vinculada e, depois do regular processo administrativo, a comissão não teve alternativa
senão a aplicação do comando contratual”; que o Poder Judiciário não pode interferir
nos critérios adotados pela Administração Pública, “já que o contrato administrativo
firmado entre as partes prevê sanção de multa e de proibição de contratar com a
Administração em caso de descumprimento contratual” e que a sanção aplicada está
acobertada pela legalidade (fls. 412/416).
Sem contrarrazões (fls. 422).
A Procuradoria-Geral de Justiça opina no sentido de ser
desprovido o recurso (fls. 429/432).
É o relatório.

II – VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO

A sentença recorrida é irrepreensível.


Cinge-se a controvérsia em torno da legalidade ou não
da aplicação da penalidade de suspensão por um ano do direito de participar
de licitação e contratar com a Administração Pública (Lei Federal n.º
8.666/1993, art. 87, III).
A aludida penalidade foi imposta à apelada em razão
da não entrega do produto descrito no item 116 do instrumento convocatório,
qual seja, do medicamento Levodopa 250mg + Carbidopa 25mg (fl. 74).

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É dos autos que, conforme observado pela juíza da


causa, a apelada, não por culpa sua, apenas atrasou a entrega do mencionado
medicamento.
Esse atraso se deu pela falta de matéria prima, que
comprometeu a fabricação do medicamento em nível mundial, conforme
demonstram os documentos de fls. 176/177.
A apelada, na busca de alternativas para atender ao
contrato de fornecimento do medicamento, propôs ao apelante a alteração da
marca do laboratório, de TEUTO para NEO QUÍMICA, o que foi aceito pelo
apelante (fls. 179/180).
Após a troca de laboratório, o conglomerado
HYPERMARCAS adquiriu o laboratório NEO QUÍMICA, o que acarretou novo
atraso na entrega do aludido medicamento (fl. 186).
Tais fatos, como se observa, não podem ser atribuídos
à apelada, aplicando-se nessas circunstâncias a cláusula rebus sic standibus
que, no dizer de Celso Antonio Bandeira de Mello, “De acordo com ela, as
obrigações contratuais hão de ser entendidas em correlação com o estado de coisas
ao tempo em que se contratou. Em consequência, a mudança acentuada dos
pressupostos de fato em que se embasam implica alterações que o Direito não pode
desconhecer” (Curso de Direito Administrativo. 26.ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.
648).
Não se comprovou, além do mais, efetivo prejuízo ao
apelante, pois os medicamentos acabaram sendo recebidos de acordo com o
edital de licitação. Nem se demonstrou, tampouco, a má-fé da apelada pelo
atraso que, como visto, não se deu por sua culpa.
Destarte, tomando-se por base essas circunstâncias, a
penalidade de suspensão do direito da apelada de participar de licitação e de
contratar com a Administração pelo prazo de um ano não se mostrou razoável
e proporcional.

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A razoabilidade, a propósito, importa em “aferir a


compatibilidade entre os meios e os fins, de modo a evitar restrições desnecessárias
ou abusiva por parte da Administração Pública, com lesão aos direitos fundamentais”,
sendo-lhe ínsito ao princípio da proporcionalidade que veda a “imposição de
obrigações e sanções em medida superior aquelas estritamente necessárias ao
atendimento do interesse público” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo
Brasileiro. 24.ª ed., São Paulo: Malheiros, 2007, p. 93).
Consoante a jurisprudência e doutrina atuais, e ao
contrário do que alega o apelante, ao Poder Judiciário é permitido analisar os
fundamentos dos atos administrativos discricionários, a fim de verificar sua
conformidade com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
Além disso, a aplicação das penalidades previstas no
art. 87 da Lei Federal n.º 8.666/1993 (Lei de Licitações) deve se dar de
maneira proporcional ao descumprimento do contrato. Nesse sentido, a
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
“ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. LICITAÇÃO.
INTERPRETAÇÃO DO ART. 87 DA LEI N.º 8.666/93.
1. Acolhimento, em sede de recurso especial, do acórdão de
segundo grau assim ementado (fl. 186): ‘DIREITO ADMINISTRATIVO. CONTRATO
ADMINISTRATIVO. INADIMPLEMENTO. RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA.
ART. 87, LEI 8.666/93. MANDADO DE SEGURANÇA. RAZOABILIDADE. 1. Cuida-se
de mandado de segurança impetrado contra ato de autoridade militar que aplicou a
penalidade de suspensão temporária de participação em licitação devido ao atraso no
cumprimento da prestação de fornecer os produtos contratados. 2. O art. 87, da Lei
n.º 8.666/93, não estabelece critérios claros e objetivos acerca das sanções
decorrentes do descumprimento do contrato, mas por óbvio existe uma
gradação acerca das penalidades previstas nos quatro incisos do dispositivo
legal. 3. Na contemporaneidade, os valores e princípios constitucionais relacionados à
igualdade substancial, justiça social e solidariedade, fundamentam mudanças de
paradigmas antigos em matéria de contrato, inclusive no campo do contrato
administrativo que, desse modo, sem perder suas características e atributos do

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período anterior, passa a ser informado pela noção de boa-fé objetiva, transparência e
razoabilidade no campo pré-contratual, durante o contrato e pós-contratual. 4. Assim
deve ser analisada a questão referente à possível penalidade aplicada ao
contratado pela Administração Pública, e desse modo, o art. 87, da Lei nº
8.666/93, somente pode ser interpretado com base na razoabilidade, adotando,
entre outros critérios, a própria gravidade do descumprimento do contrato, a
noção de adimplemento substancial, e a proporcionalidade. 5. Apelação e
Remessa necessária conhecidas e improvidas.’
2. Aplicação do princípio da razoabilidade. Inexistência de
demonstração de prejuízo para a Administração pelo atraso na entrega do objeto
contratado.
3. Aceitação implícita da Administração Pública ao receber
parte da mercadoria com atraso, sem lançar nenhum protesto.
4. Contrato para o fornecimento de 48.000 fogareiros, no
valor de R$ 46.080,00 com entrega prevista em 30 dias. Cumprimento integral do
contrato de forma parcelada em 60 e 150 dias, com informação prévia à
Administração Pública das dificuldades enfrentadas em face de problemas de
mercado.
5. Nenhuma demonstração de insatisfação e de prejuízo por
parte da Administração.
6. Recurso especial não-provido, confirmando-se o acórdão
que afastou a pena de suspensão temporária de participação em licitação e
impedimentos de contratar com o Ministério da Marinha, pelo prazo de 6 (seis) meses”
(1.ª Turma, REsp. n.º 914.087/RJ, Rel. Min. José Delgado, j. 04.10.2007, destacou-se)
Nessas condições, impõe-se negar provimento à
apelação e confirmar a sentença recorrida em sede de reexame necessário.
É como voto.

III – DISPOSITIVO

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ACORDAM os magistrados integrantes da Quinta Câmara


Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em
negar provimento à apelação e confirmar a sentença recorrida em sede de
reexame necessário.
Acompanharam o voto do Relator o Juiz Convocado
Edison de Oliveira Macedo Filho e o Desembargador Carlos Mansur Arida.
Presidiu o julgamento o Desembargador Nilson Mizuta,
sem voto.
Curitiba, 21.10.2014.

Des. Xisto Pereira,


Relator.

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