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ecebo uma mensagem do Nelson Eu preciso escrever uma entrevista com o
Alexandre Medeiros Studart, já tarde da noite, me senhor sobre as ONDAS GRAVITACIO-
Departamento de Física, Universidade pedindo para que eu faça uma da- NAIS.
Federal Rural de Pernambuco, Recife, quelas minhas entrevistas construídas, - Bem! Essa é uma longa história. Por
PE, Brasil desta vez com o Einstein, sobre a Relati- onde quer que eu comece?
E-mail: alexmed.df@gmail.com vidade Geral e as Ondas Gravitacionais - Pelo início, se for possível.
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recentemente detectadas em setembro de Neste momento chegam os meus
2015. Mas, logo agora eu queria dar um amigos e um deles, o físico francês Charles
passeio até a praia de Galinhos, no Rio Robert, toma um susto ao ver o velho
Grande do Norte. Assim, eu vou dormir Albert sentado ao meu lado e deixa o seu
pensando na tal entrevista e sonhando copo cair ao chão. Os outros também
com a Praia de Galinhos. ficam mudos de surpresa e espanto ao
De repente percebo como o Sol já está verem o velhinho ali.
brilhando no horizonte, lá na praia, e me Para quebrar o gelo, eu os apresento
sento em um barzinho de onde posso ver, ao velho Albert.
ao longe, o farol vermelho e branco de - Calma; amigos! Não me perguntem
Galinhos. Meus amigos físicos foram como isso pode ser possível. Apenas cur-
pedir uma água de coco ao garçom, lá no tam a presença aqui do nosso amigo Herr
balcão. Neste momento, um senhor de Einstein e relaxem. Deixem-me apresenta-
cabelos brancos se aproxima de mim e me los a ele. Herr Einstein, estes são meus
pergunta onde se pode conseguir uma amigos que certamente vão querer me
daquelas charretes de burro que levam até ajudar nessa conversa com o senhor sobre
ao farol. Eu, ainda preocupado com a as Ondas Gravitacionais. Este que deixou
escrita da tal entrevista respondo reflexi- cair o copo é o físico experimental francês
vamente, olhando para dentro do bar e Charles Robert Des Saints, nascido na
sem olhar direito para o seu rosto. pequena cidade de Sable Blanc. Ele conhece
- É lá no porto; junto ao rio! Se quiser bem a sua biografia e a sua obra e até já
pode sentar aqui que daqui a pouco passa escreveu um livro sobre o senhor.
uma delas. - Muito prazer, Monsieu Des Saints.
- Obrigado! Vou aceitar. Foi o senhor quem escreveu aquele livro
Eu me viro e tomo um susto. O su- sobre minha visão da Educação?
jeito é a cara do Einstein. O mesmo que Charles Robert, ainda espantado; re-
eu entrevistei alguns anos atrás em Cam- sponde de modo entrecortado ao velho
pina Grande para um artigo na FnE. Albert:
- Não pode ser! Que sorte, a minha! - Não, Herr Einstein! Eu escrevi um
Apresentamos neste texto, de uma forma leve
É o senhor, mesmo? livro criticando alguns detratores que o
e introdutória, a complexa questão das origens - Claro! Não está me vendo? acusavam de plágio. Quem escreveu sobre
históricas da Teoria da Relatividade Geral de um - É que o senhor sumiu de repente, sua visão de Educação foi justamente o
modo pretensamente divertido como uma sem dar uma palavra, naquele dia lá em Alexandre.
entrevista fictícia com Albert Einstein. Neste Campina Grande. - Herr Einstein, digo eu tomando
contexto discutimos o conceito da constante - Pois, sou eu, mesmo! Gostei do forró novamente a palavra; este aqui é o meu
cosmológica e preparamos o terreno para que lá de Campina Grande e resolvi vir conhe- amigo, o físico camaronês, Dr. Cyrano
em um artigo seguinte, a ser publicado na
cer também essa praia quase deserta de Bahr Etto. Ele é um especialista em
próxima edição da revista FnE como uma
sequência desta conversa construida; possamos
Galinhos sobre a qual me falaram lá na cristais; mas há muito tempo vem traba-
enveredar pela discussão do tema das ondas Paraíba. lhando com o ensino da Física. E esta é
gravitacionais, desde a sua histórica concepção - Nem sei o que lhe dizer; Herr sua estudante, a senhora Calina que ensi-
até a sua recente detecção observacional. Einstein. O senhor apareceu na hora certa. na Física em escolas em Cabaceiras, no

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sertão da Paraíba. Teoria de Princípios e baseado neles eu não - Isso mesmo, Dom Carlos!
Herr Einstein cumprimenta os dois apenas obtive as tais transformações do Meu amigo camaronês, Cyrano Bahr
com um sorriso educado. Lorentz; mas, sobretudo mostrei que elas Etto entra em cena tentando organizar a
- Prazer, Monsieur Bahr Etto. En- faziam parte de uma nova visão de mun- narrativa do velho Albert.
chanté, madame Calina. do que revolucionava os nossos conceitos - No que diz respeito ao problema do
- E estes outros dois são meus amigos, intuitivos de TEMPO e ESPAÇO. ensino desse assunto, se nós pensarmos
o geofísico holandês Gil Van Borbha. Ele Preocupado com o rumo da nossa em uma abordagem histórica, pelo que
trabalha com Plasmas e é um estudioso conversa, que temo ficar muito longo, co- eu entendi; acho que seria interessante se
da Ionosfera; além de ser um apaixonado meçando pela Relatividade Restrita, eu separar um histórico de como a ideia das
por foguetes e pela História da Física. Ele interrompo a mesma; tentando redire- Ondas Gravitacionais surgiu e também
diz que é descendente do Conde Mauricio cioná-la. algo a ser dito sobre o seu significado e
de Nassau, aquele mesmo que passou em - Eu gostaria muito de conversar so- finalmente falar também sobre a possibi-
Olinda e morou em Recife no século XVII. bre isso com o senhor, meu caro Herr Eins- lidade de uma detecção das mesmas, que
E este é o físico cubano Carlos Reys que tein; afinal o nascimento da Teoria da Rela- é o que se conseguiu recentemente. Seria
trabalhou com Espectroscopia Raman e tividade Restrita é um tema interessan- possível tomar um caminho assim, Herr
que há muito tempo trabalha também tíssimo; mas, no momento, a minha Einstein?
com o Ensino da Física. preocupação é com as Ondas Gravitacio- - Pois, não Monsieur Bahr Etto! Faça-
- Muito prazer, Mr. Van Borbha; nais que são uma coisa bem posterior na mos isso! Vamos seguir sua sugestão. Pri-
muito prazer Dom Carlos. obra do Einstein. meiro, eu vou falar de como surgiu a ideia
Vejo que os amigos ainda estão meio O velho Albert parece não apreciar das Ondas Gravitacionais, no contexto de
sem jeito com aquela surpresa e os convi- muito a minha súbita interrupção e me minha Teoria da Relatividade Geral para
do a se sentarem para conversarmos com corrige com certa ironia: só depois falarmos em suas consequências
o velho Albert. - Na minha obra, você quer dizer. teóricas e nas tentativas de testar a referida
- Vejam, amigos, eu havia dito a Herr Eu dou um sorriso e topo entrar na teoria. Isso nos conduzirá, ao final, a dis-
Einstein que preciso fazer uma entrevista brincadeira do velhinho. cutir esse experimento recente realizado
com ele sobre as Ondas Gravitacionais e - OK! Na sua Teoria, Herr Einstein! em setembro de 2015 pela equipe do LIGO
vocês poderiam me ajudar nessa conversa. Então, por favor, conte como isso acon- e anunciado, com alarde, apenas em fe-
Claro! Dizem todos quase ao mesmo teceu. vereiro de 2016.
tempo. - Pois, bem! A Relatividade Restrita, - Obrigado, Herr Einstein; por favor,
- Quem quer começar? como eu estava falando, apesar de ter sido prossiga sua narrativa!
Calina toma logo a palavra e per- realmente revolucionária e de haver alte- - Bem, como disse Dom Carlos; no
gunta: rado os nossos conceitos clássicos de tem- final de 1915 eu publiquei minha Teoria
- Como nasceu essa ideia de Ondas po e de espaço, ainda tinha uma clara da Relatividade Geral e com ela expliquei
Gravitacionais, Herr Einstein? O que é que limitação. Ela não considerava a acelera- a Gravidade como sendo uma consequên-
ela tem a ver com a Relatividade? Ou não ção dos corpos. E para dar conta disso; para cia da curvatura do espaço-tempo pela
tem nada a ver? ampliar a Relatividade e incorporar nela a massa e energia. Assim, eu pude recons-
O velho Albert sorri amistosamente aceleração, eu passei aproximadamente dez truir a antiga ideia de Gravidade e resolver
e se dirige a Calina: longos anos, até o final de 1915. alguns problemas que a Teoria Clássica da
- Como a senhora sabe; madame - Nós sabemos disso, Herr Einstein; Gravitação de Newton não conseguia re-
Calina. diz o Charles Robert, também tentando solver. Desde então, ela passou em dezenas
- Pode me chamar de Cacá. abreviar o relato inicial! No final de 1915 de testes observacionais e experimentais
- Pois bem, madame Cacá; você deve o senhor finalmente apresentou ao mundo aos quais foi submetida.
saber que eu já havia escrito a minha Teoria a sua Teoria da Relatividade Geral que era, - Mas, e as Ondas Gravitacionais;
da Relatividade Restrita desde 1905. na verdade, uma nova Gravitação ou uma como é que elas apareceram nesse con-
Naquela época, em 1905, eu estava preo- Geometria do Espaço-Tempo. texto? Arremata Calina.
cupado com questões ligadas à simultanei- - Isso! Foi isso mesmo que eu fiz, - Bem, madame Cacá; é que a Teoria
dade de eventos e ao conflito entre a Monsieur Des Saints. estabelecia que objetos maciços curvam o
Mecânica Clássica e o Eletromagnetismo. Eu dou um sorriso e continuo dando tecido do espaço-tempo; e estas curva-
Aquela coisa de que as Equações do Ele- corda para que o velhinho chegue logo ao turas se propagam como uma forma de
tromagnetismo mudavam os seus forma- ponto: vibrações gravitacionais como se fossem
tos matemáticos mediante as clássicas - OK, Herr Einstein! Mas, e as Ondas verdadeiras ondas ou uma nova espécie
Transformações de Coordenadas de Galileu. Gravitacionais? Como e quando elas en- de radiação.
- Isso nós sabemos, meu caro senhor traram em cena? - Mas, como elas são geradas?
Albert; diz o Gil Van Borbha. As equações Nosso amigo cubano Carlos Reys se - Simplificadamente, imagine uma
do Eletromagnetismo não pareciam ser apressa e responde antes que o velho Al- analogia com o caso eletromagnético que
covariantes mediante aquelas transforma- bert possa dizer alguma coisa e mudar o é mais conhecido. Note que, como eu dis-
ções e sim mediante as recentes transfor- rumo de sua prosa: se, a atração gravitacional observada en-
mações de Lorentz; mas aquelas transfor- - O Einstein publicou a sua Teoria da tre duas massas é concebida na Relativi-
mações do Lorentz estavam ligadas à sua Relatividade Geral em 1915 e já no ano dade Geral como sendo o resultado da
recente Teoria do Elétron. seguinte de 1916 fez a previsão da exis- curvatura do espaço-tempo por estas
- Isso, Mr. Van Bohrba! Eu apresentei tência das Ondas Gravitacionais. Agora mesmas massas. No caso eletromagné-
uma nova e revolucionária heurística para essa previsão completa 100 anos. tico, as cargas aceleradas emitem uma
chegar às mesmas transformações de co- Albert dá um sorriso de aprovação e radiação eletromagnética que se propaga
ordenadas do Lorentz. Construí uma diz: na forma de uma onda eletromagnética;

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na Relatividade Geral, por analogia, as senhor quer dizer quando fala em um corpo, uma estrela, por exemplo, e
oscilações das massas criam ondas “curvatura do espaço-tempo”; ou mesmo diz que ela exerce diretamente uma força
gravitacionais que se propagam à veloci- simplificando a linguagem utilizada em sobre outro corpo celeste; um planeta em
dade da luz no espaço-tempo de Min- “curvatura do espaço”. Porque o estudan- movimento, por exemplo. E a força exer-
kowsky. Mas, a coisa, na verdade, não é te não percebe facilmente o espaço como cida pela dita estrela faz com que a traje-
assim tão simples como possa parecer, sendo algo que se possa curvar, como se tória deste corpo se curve. Uma forma
pois enquanto no caso eletromagnético há ele fosse, por exemplo, uma folha de papel. equivalente de você descrever a situação,
um momento de dipolo; na Relatividade Esse é um primeiro ponto. O espaço, na porém mais geral e que se aplica até mes-
Geral há a necessidade de um momento visão tradicional, penso eu, é visto mais mo para a luz, é afirmar que a estrela cur-
de quadrupolo mais complexo. de forma cartesiana, como sendo um va o espaço. E ela curva o mesmo mais
- O que isso significa em termos mais mero repositório inalterável de coisas. acentuadamente quanto maior for a sua
simples, Herr Einstein? Algo como um baú onde se joga as coisas massa e mais perto o corpo estiver dela.
- Significa que enquanto as fontes das lá dentro. E o segundo ponto me parece Calina parece não se satisfazer com a
ondas eletromagnéticas são vistas classi- ser a dificuldade de se compreender a explicação dada e insiste nesse mesmo
camente como dipolos oscilantes, como necessidade, mais técnica, da introdução ponto.
em uma antena; as fontes das ondas do momento de quadrupolo. Talvez, essa - Mas, Herr Einstein; curva como se
gravitacionais são objetos mais comple- segunda dificuldade pudesse ser suavizada a gente não consegue ver o espaço se cur-
xos, como halteres em rotação, o que na se a narrativa do conteúdo fosse feita em var? Como a gente sabe que ele está curvo?
prática pode ser concebido como, por uma perspectiva histórica que mostrasse Os olhos do velho Albert brilham ao
exemplo, um sistema de estrelas binárias a necessidade de aparecimento do mesmo. ouvir aquela observação.
ou como dois buracos negros espiralando O que o senhor acha disso? - Ótima observação! Parabéns! Como
em torno de um centro de massa comum, O velho Albert fica alguns instantes a gente sabe que ele está curvo? Veja! Se o
um em direção ao outro. em silêncio refletindo e finalmente res- espaço que você considera é uma folha de
Nosso amigo cubano Carlos Reys, ponde, lentamente, à colocação de Van papel; você poderia imaginar uma formi-
entra mais uma vez na conversa preocu- Borbha: ga se movimentando na mesma em linha
pado com a questão pedagógica de se - Sua observação é muito pertinente, reta; certo?
explicar algo assim tão complexo: meu caro Mr. Van Borbha. No tocante à - Certo!
- O que me preocupa, Herr Einstein é questão do quadrupolo é realmente neces- - Se, agora, você curvasse, no sentido
como levar isso para a sala de aula. Como sário se entrar em alguns detalhes mate- clássico que você está acostumada, de ver
fazer a “transposição didática” dessa sua máticos mínimos para se perceber a sua a folha mudar de forma, de tal modo que
bela metáfora de forma que os nossos alu- necessidade; mas, eu concordo que sua a trajetória da formiga, agora, se tornasse
nos possam compreender. compreensão ficaria suavizada se esta uma curva, o que estaria diferente?
- Realmente, não é algo simples, Dom necessidade fosse colocada em uma pers- - A folha agora estaria visivelmente
Carlos; principalmente se o estudante não pectiva histórica e também metafórica curva.
percebe a razão de ser do momento qua- como tentei fazer momentos atrás. Entre- - Certo! Ela estaria visivelmente cur-
drupolar. Mas, de toda forma, a ideia de tanto, foram vocês mesmo que me pedi- va; mas tente descrever essa curvatura da
que na Teoria da Relatividade Geral a ram para apressar o passo para que eu folha de papel que você está vendo sem
gravidade é tratada como sendo um fenô- chegasse logo nas Ondas Gravitacionais. falar nessa visão. O que teria mudado na
meno resultante da curvatura do espaço- Talvez nós possamos retroceder um pouco folha, que é o seu espaço, quando você a
tempo me parece algo mais palpável. E a e contar como eu desenvolvi a Teoria da dobrou?
ideia de que essa mesma curvatura é Relatividade Geral e de onde nasceu essa -Como, assim?
causada pela presença da massa também necessidade. Risos... - Pense no que ocorreu com a traje-
me parece mais palatável do que se falar Ele diz isso e olha para mim com um tória da formiga.
logo no momento quadrupolar associado fino olhar irônico e eu me sinto envergo- - Ficou curva também. O que era uma
à massa. Geralmente, quanto mais massa nhado de ter tentado, inadvertidamente, reta virou uma curva.
está contida em um dado volume de espa- apressar a sua narrativa histórica. Ele vai - Isso! – Diz o velho Albert sorrindo,
ço, maior será a curvatura do espaço-tem- ter de contar um pouco mais sobre como embora, no caso específico da folha de pa-
po no limite do seu volume. Assim, quan- essa coisa surgiu e eu vou tentar explicar pel seja possível curvar a mesma e a for-
do os objetos com grande massa se isso ao Nelson se a entrevista ficar muito miga ainda continuar a se mover sobre a
movimentam aceleradamente no espaço- longa. De todo modo, o velho Albert con- aresta da possível dobra que tivéssemos
tempo, as curvaturas introduzidas pelos tinua sua resposta ao Van Borbha: introduzido na mesma e que poderia ainda
mesmos mudam de modo a refletirem as - No tocante à sua outra observação poderia ser uma reta; mas, imagine, ago-
localizações alteradas desses mesmos de não ser algo trivial se compreender o ra, que você transformasse sua folha em
objetos. De certo modo, objetos acelerando significado da expressão “curvar o espa- uma esfera.
geram mudanças nessa curvatura, que se ço”, eu também estou de pleno acordo. - E pode?
propagam com a velocidade da luz na Vamos tentar refletir logo sobre uma - Ótima observação, madame Cacá!
forma de uma onda. São esses fenômenos possível “transposição didática”, para usar Imagine que sua folha é feita de borracha
de propagação o que denominamos como essa feliz expressão de origem francesa ou de massa plástica. Ela pode esticar;
ondas gravitacionais. utilizada por Dom Carlos Reys. pode dobrar; ela é perfeitamente deformá-
- Eu entendo a questão pedagógica Nosso amigo cubano dá um sorriso vel. Pense, agora, na esfera que era uma
que o Carlos levanta; Herr Einstein – diz de felicidade ao ser mencionado desse mo- folha plana. Agora faça a sua formiga
o nosso amigo holandês, o Van Borbha – do tão gentil pelo velho Albert, enquanto caminhar em linha reta.
como dividida em dois pontos: um deles é este prossegue a sua explicação. - Em cima da esfera, Herr Einstein?
a dificuldade de se compreender o que o - Na Física Newtoniana, você imagina Não pode!

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- Isso! Muito bem! Não pode mais! madame Cacá, que durante um Eclipse ceder um pouco na história para ver como
Mas, antes da deformação introduzida nós observássemos algo assim; observás- eu cheguei até essa questão das Ondas
podia. Então quer dizer que ao “curvar o semos que a estrela tivesse mudado de Gravitacionais. Não é um relato linear;
seu espaço” deste modo você introduziu posição; como poderíamos explicar isso? mas, sim cheio de idas e vindas, de mu-
neste seu espaço uma proibição ou uma - O raio de luz que vem da segunda danças de direção interpretativa. Percebam
restrição de certo tipo de trajetória. Agora, estrela teria sido puxado de lado. logo que da explicação metafórica que eu
ele não pode mais conter retas. Você intro- - Mas, aplicar a lei da Gravitação Uni- dei à madame Cacá sobre as mudanças
duziu nele uma restrição de caminho; versal Newtoniana a um reles fóton de topológicas depreende-se que eu precisei
causou uma modificação típica das que luz, ao meu querido “lichtquanta”, é algo usar não exatamente a Geometria Clás-
se consegue fazer em folhas de borracha bastante problemático. Que outra expli- sica, mas sim a Geometria Diferencial e o
e que se chama matematicamente de uma cação você poderia dar se agora a trajetória Cálculo Tensorial para lidar com os
modificação topológica e não apenas mudasse? problemas confrontados.
puramente geométrica em seu sentido - Saquei! Ao falar que a trajetória da - Mas, como foi, resumidamente, essa
clássico. luz mudou, nós podemos dizer que foi o história? – Pergunta; já inquieto, o nosso
- Puxa! Que legal! Saquei! espaço onde ela se move que se curvou. amigo camaronês Cyrano Bahr Etto.
- Sacou o que, madame Cacá? – Diz - Isso! - Bem, Monsieur Bahr Etto; como
o velho Albert sorrindo. - Mas, Herr Einstein, quem curvou a vocês todos sabem, a gravidade tem sido
- Saquei que a gente pode descrever a trajetória da luz? A estrela próxima da um grande mistério desde a Antiguidade.
curvatura da folha de borracha sem falar qual a luz vinda da outra passou? Ao ouvir Herr Einstein falar na
na sua forma visual; mas se referindo à - Sim! A estrela é um objeto cósmico palavra “Antiguidade” eu penso logo: “es-
reta que não se pode mais traçar na mes- com uma massa enorme e isso é determi- tou frito!”. Essa conversa do nosso bom
ma; que agora está proibida por essa tal nante para que ela consiga curvar per- velhinho vai ficar muito longa e a
de modificação topológica. ceptivelmente o espaço ao seu redor ou, entrevista não vai ser publicada. Mas, o
- Isso! E se você tem um feixe de luz dizendo de outro modo, seja capaz de que fazer se ele já não gostou de minha
se propagando no espaço, como é a tra- introduzir restrições topológicas perceptí- primeira tentativa de apressar o passo de
jetória dele? veis no mesmo, o que é fundamental- sua narrativa? E, agora, com essa de expli-
- Em linha reta, claro! mente outra forma de se interpretar o pró- car a origem de sua Relatividade Geral para
- Você está fazendo um pressuposto prio conceito de Campo. só então continuar sua narrativa sobre as
sobre o espaço sem sentir. Qual? - Entendi! Mas, como se pode relacio- Ondas Gravitacionais é que a vaca vai para
- Eu estou imaginando apenas que a nar de uma forma simples a massa da o brejo.
luz se move sempre em linha reta e isso estrela com a curvatura que desvia a luz? Enquanto penso isso, o velho Albert
não se pode mudar. - Vou usar uma metáfora criada pelo prossegue a sua atraente narrativa histó-
- Será que não? Se um raio de luz John Archibald Wheeler que foi o orien- rica.
vindo de uma estrela distante chegar até tador de doutorado do Richard Feynman: - A gravidade é algo invisível e que
aos nossos olhos e nós percebermos a con- “A matéria diz ao espaço como se curvar foi relacionada, originalmente e de forma
figuração da referida estrela em relação a e o espaço diz à matéria como se mover”. misteriosa, à queda dos corpos.
outras estrelas no Céu e em determinado Você ainda pode refinar essa frase e tro- Calina emenda a observação:
momento a posição de nosso planeta for car a palavra espaço por espaço-tempo; - E como era vista a força gravitacio-
tal que a luz proveniente da mesma estrela mas para o efeito do que você me per- nal na Antiguidade?
passe perto de outra estrela; será que isso guntou isso já basta. Risos ... - Na verdade, madame Cacá – diz o
mudaria a posição que vemos aquela pri- - Puxa, Herr Einstein! Isso é compli- velho Albert – nem como uma “força” ela
meira estrela? cado; mas é também muito bonito! Eu era exatamente vista na Antiguidade; mas,
- Acho que não! A luz vem sempre acho que já estou percebendo que essa coi- sim como uma propriedade intrínseca dos
em linha reta. Se ela mudasse de posição sa já não me parece mais um completo corpos. Para Aristóteles, por exemplo, os
seria como o caso da formiga. Mas, não absurdo. Valeu! corpos que caiam em direção à Terra, os
pode. Neste momento, após essa longa con- ditos “graves”, assim o faziam segundo
- Como é que você sabe que não pode? versa do velho Albert com a Calina, o nos- um movimento tido como sendo “natu-
Já fez uma observação desse tipo? so amigo holandês Van Borbha relembra ral” e para o qual não se fazia necessário
- Não! Mas, isso é algo intuitivo! o velho Albert de sua outra colocação an- invocar algo externo como uma “força”
- Pois, esse tipo de observação cuida- terior. ou “vis”, como nos movimentos de
dosa ele já foi feita e é preciso termos mais - Muito interessante essa sua “trans- lançamentos de projéteis que eram ditos
cuidado com as nossas intuições; afinal posição didática”, Herr Einstein; mas e “forçados”. O corpo caia para, segundo
elas englobam parte de nossos precon- quanto ao percurso histórico evolutivo Aristóteles, “realizar” aquilo que já pos-
ceitos, de nossa própria formação cul- que lhe levou a essas concepções e que o suía em “potência” buscando o seu “estado
tural. Nossas percepções aparentemente senhor mesmo falou que poderia servir natural” em seu “lugar natural”. O “peso”
mais óbvias não estão livres dessas para esclarecer a questão matemática do era visto, nesse contexto aristotélico, como
influências. Meu colega na Universidade momento quadrupolar no caso das ondas sendo uma “propriedade inerente” do obje-
de Berlim, o psicólogo alemão Max gravitacionais? Como o senhor chegou a to e não como o resultado de uma ação
Wertheimer conversava muito comigo elas? externa e exercida sobre o mesmo. Trata-
sobre essas coisas estranhas da mente hu- - Ótima pergunta, Van Borbha; se de uma perspectiva histórica e cultural
mana e ele até elaborou, inspirado parcial- emenda o nosso amigo Charles Robert Des completamente diversa da visão galileana
mente nessas nossas conversas, uma Saints. e newtoniana; de outra “visão de mundo”.
Psicologia baseada nessas coisas: a Teoria - Pois bem, meus caros Mr. Van Bor- A Física aristotélica era uma Física teleo-
da Gestalt. Imagine; apenas imagine, bha e Monsieur Des Saints! Vamos retro- lógica, ou seja, que estava baseada nas

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busca de “causas finais”. Mas, deixemos - Exatamente, meu caro Mr. Van Bor- Teoria da Relatividade Geral ou da Gra-
de lado esse antigo capítulo da história da bha! E essa angustiante questão epistemo- vitação.
Física e seus conceitos de há muito já lógica da falta de explicação para essa - Herr Einstein, por favor, desenvolva
abandonados e vejamos como a coisa pas- “ação à distância” serviu de crítica ao um pouco mais os seus comentários sobre
sou a ser vista nos tempos mais recentes Newton por parte do bispo Berkeley. O essas limitações explicativas da Teoria de
de Galileu e Newton. Bentley foi em auxílio do Newton respon- Newton em comparação com suas
Eu fico aliviado em ouvir o Albert dendo que a gravidade era uma proprie- evidentes e reconhecidas potencialidades
dizer aquilo, apesar de eu certamente estar dade da Natureza; mas o próprio New- em relação à sua nova Teoria da Relativi-
curtindo aquelas suas digressões histó- ton não assumiu esta resposta do Bentley dade Geral – pede o Carlos Reys.
rico-culturais sobre a formação de nossos e preferiu dizer cautelosamente que “não - Ótima lembrança, Dom Carlos! Não
conceitos mais básicos, pois já estava com sabia a resposta”. Mas, na verdade, para podemos apenas criticar as limitações da
medo que ele se demorasse demais nessas ele o tempo fluía de forma contínua e o Teoria Newtoniana; mas é conveniente
questões fundamentais mais antigas e a espaço era isotrópico e visto mesmo como mostrar como mesmo suas potenciali-
sua entrevista se tornasse inviável de ser sendo o “sensório de Deus”. Desde a dé- dades quando devidamente exploradas
publicada por se tornar muito longa. cada de 1930 se descobriu que existem conduziram a alguns importantes impas-
- No final do século XVI e início do quatro forças fundamentais na Natureza: ses, como eu já me referi antes. Para falar
século XVII – prossegue o Albert – Galileu a gravitacional, a eletromagnética, a nu- um pouco mais de tais limitações e
inaugura uma nova atitude realista e ex- clear forte e a nuclear fraca e que a força potencialidades, eu gostaria de lembrar
perimental diante da interpretação da gravitacional é a mais débil das quatro, que o conceito de Buraco Negro, nasceu
Natureza, ainda que baseada nas contri- ainda que seja ela talvez a mais impor- como uma consequência direta de minha
buições de muitos outros pensadores mais tante das quatro por sua vasta atuação Teoria da Relatividade Geral; mas que já
antigos, como Platão e Arquimedes. De cósmica e que de certo modo deu forma havia sido antecipado, ainda que de forma
Platão ele captura a valorização da Mate- ao Universo. Mas, notem que na época paradoxal, no contexto da Teoria Newto-
mática na representação da realidade e de em que eu elaborei a Teoria da Relatividade niana.
Arquimedes ele se apodera do recurso, Geral, na segunda década do século XX, - Como assim? - Indaga Cyrano – Não
agora abertamente assumido, ao experi- apenas as forças gravitacional e eletro- entendi!
mento; seja ele real ou “em pensamento” magnética eram conhecidas. - É que no final dos anos 1700, Mon-
como os que eu mesmo sempre gostei de - E como isso se deu Herr Einstein? – sieur Bahr Etto, o professor britânico John
desenvolver. Digo eu, tentando disfarçadamente apres- Michell e o astrônomo e matemático
- O que o senhor diria que Galileu sar o passo de sua interessante, porém francês Pierre-Simon Laplace apresenta-
trouxe de novo, no tocante à abordagem longa narrativa histórica. Ele, entretanto, ram a arrojada ideia daquilo que Laplace
da gravidade? – arremata Cyrano. parece não ligar muito para o meu esforço chamou de “corpos escuros” e que se
- Eu diria, Monsieur Bahr Etto, que de apressar sua narrativa e ainda comple- aproxima muito do moderno conceito de
Galileu descobriu que um objeto pesado, menta: “Buracos Negros”. Usando conceitos de
assim como um objeto leve; caem na ver- - Antes de falar sobre como surgiu a luz e de gravidade retirados da Teoria de
dade em “queda livre” com a mesma minha Teoria da Relatividade Geral, notem Newton, eles argumentaram que a força
“aceleração” atingindo a mesma veloci- que antes do advento da mesma, a Lei da gravitacional de uma estrela maciça
dade em um “vácuo” idealmente construí- Gravitação Universal de Newton tinha poderia ser suficientemente grande a pon-
do e que isso lhe revela que a gravidade sido aceita por mais de duzentos anos to de impedir que a luz escapasse da mes-
não pode ser algo meramente “intrínseco” como uma descrição válida e coerente da ma. Infelizmente, porém, a Teoria de New-
ao corpo dito “grave”, como supunha força gravitacional entre as massas, em- ton não poderia descrever o que acontece
Aristóteles; mas, que deve estar também bora o próprio Newton não tenha consi- quando a gravidade cresce de modo tão
relacionado a algo exterior ao mesmo. E derado sua teoria como a palavra final exagerado. Esse entendimento só viria a
serve muito bem para ele se introduzir sobre a natureza da gravidade. Dentro de partir do desenvolvimento de minha Teo-
no estudo posterior das quedas em meios um século desde a formulação da Teoria ria da Relatividade Geral na segunda déca-
resistivos mais complexos. Isso lhe per- Gravitacional de Newton, observações da do Século XX e que trata a gravidade,
mite também “matematizar” esta situa- astronômicas cuidadosas revelaram como eu já mencionei anteriormente em
ção para além de seu “experimento em variações inexplicáveis entre sua teoria e nossa conversa, como sendo uma distor-
pensamento” e lhe leva também a realizar as tais observações. No modelo de New- ção do espaço-tempo e que permite que
experimentos reais com pêndulos e com ton, a gravidade era o resultado de uma os físicos possam descrever os buracos
planos inclinados. força de atração entre objetos maciços. negros em detalhes surpreendentes.
- Sim, observa nosso amigo holandês Embora, como eu já disse, até mesmo o - E que outras potencialidades ou pre-
Van Borbha; mas, essa gravidade invisível próprio Newton tenha se mostrado inco- visões de sua Teoria da Relatividade Geral
de que o senhor fala, agia de forma modado com a natureza desconhecida e o senhor destacaria? – Pergunta o nosso
misteriosa, mesmo para Newton. De enigmática dessa força gravitacional, a amigo camaronês.
forma, digamos um tanto fantasmagó- estrutura matemática básica descritiva da - A Teoria da Relatividade Geral prevê
rica, sinistra, pois parece se manifestar atuação da mesma por ele elaborada foi vários novos efeitos da gravidade, Mon-
através do espaço para alcançar os objetos extremamente bem sucedida em descrever sieur Bahr Etto; tais como as já mencio-
por uma enigmática “ação à distância” o movimento em geral. Dentre as coisas nadas Ondas Gravitacionais, as Lentes
sem que nenhum óbvio mecanismo justi- inexplicáveis, entretanto, segundo a Teoria Gravitacionais e um surpreendente efeito
ficasse essa propriedade. É certo para todos Newtoniana, estavam as anomalias obser- da gravidade sobre o tempo que é conhe-
que aquilo que sobe tem de descer, mas vadas nas órbitas de Mercúrio e de outros cido como “dilatação gravitacional do
exatamente “porque” isso nunca pareceu planetas e que só teriam uma explicação tempo” e que foi bem explorado pelo físico
óbvio. plausível após o advento de minha própria americano Kip Thorne no recente filme

44 As origens da Relatividade Geral e a Constante Cosmológica Física na Escola, v. 14, n. 1, 2016


Interestellar. Muitas destas previsões já fo- importantes fenômenos previstos pela quanto que uma teoria que, desde o início
ram confirmadas pela experiência observa- Relatividade Geral e já devidamente não privilegiasse nenhum estado especial
cional, enquanto outras são ainda objetos verificados seria muito longa; mas vale a de movimento (mesmo aqueles acelera-
de intensas investigações ainda em curso... pena lembrar-se de uma forma um pouco dos) me parecia algo bem mais satisfatório
Calina não se contém e observa: mais precisa desses principais fenômenos. que ela. Assim, enquanto eu ainda estava
- Mas, o senhor não morreu em - Isso me parece bastante ilustrativo, trabalhando no Escritório de Patentes em
1955? Como é que sabe sobre esse filme Herr Einstein! Diz o nosso amigo cubano Berna, em 1907, eu tive o que costumo
recente? – O senhor poderia listar esses fenômenos? chamar de “o pensamento mais produ-
- Madame Cacá, mais absurdo do que - Eis, sucintamente, algumas previ- tivo” de toda a minha vida. Eu percebi que
ter assistido esse filme recente é eu estar sões confirmadas da Teoria da Relatividade o Princípio da Relatividade poderia ser
aqui, agora mesmo, conversando com Geral, Dom Carlos. Primeiramete, o desvio estendido para os Campos Gravitacionais
vocês, não acha? Risos ... dos raios de luz ao passar nas cercanias ao imaginar um pintor em queda livre.
Todos dão um riso sem graça mistu- de estrelas; um fenômeno observado por Eu publiquei no ano seguinte um artigo
rado com a mesma sensação de estarem Arthur Eddington em 1919. Depois, a no qual tecia considerações sobre a acele-
simultaneamente curtindo a conversa sem existência dos Buracos Negros; algo cor- ração, ainda no escopo da Relatividade
conseguirem compreender direito como roborado por múltiplas observações Restrita. Nesse artigo, eu argumentava
ela possa estar ocorrendo; mas preferem astronômicas. A ideia de que o tempo que para um observador em queda livre
dar sequência à mesma sem questionar transcorre mais lentamente onde a gravi- as regras da Relatividade Restrita deveriam
esse ponto paradoxal. dade é mais intensa; um fenômeno medi- também ser aplicáveis. Este meu argu-
- E como o senhor definiria as poten- do por Hafele e Keating em 1971. O con- mento fundamental é chamado de “Princí-
cialidades explicativas atuais da Relati- ceito de que o Universo se expande; um pio da Equivalência”. Nesse mesmo artigo,
vidade Geral? – Emenda o nosso amigo fenômeno constatado observacionalmente eu já previ também, ainda que de forma
francês Charles Robert. por Edwin Hubble em 1929. A afirmativa embrionária, o fenômeno da dilatação
- A Relatividade Geral, Monsieur Des de que os objetos astronômicos em rota- gravitacional do tempo.
Saints; tornou-se uma ferramenta essen- ção arrastam o espaço como se este fosse - Mas, isso ainda era feito de modo
cial na Astrofísica moderna. Ela fornece a um mel; um fenômeno observado com o intuitivo ou já perfeitamente sistema-
base para a compreensão atual dos auxílio do satélite Gravity Probe B em tizado do ponto de vista matemático? –
Buracos Negros, essas regiões do espaço 2011. A consequência de que o periélio de Arremata Van Borbha.
onde a atração gravitacional é tão forte Mercúrio se desloca a cada ano por uma - Meu artigo era ainda bastante in-
que aparentemente nem mesmo a luz po- distância apreciável; um fenômeno que já tuitivo; aliás, eu sempre fui muito intui-
deria escapar, embora haja controvérsias havia sido observado por astrônomos no tivo e sempre raciocinei muito por
quanto aos limites rigorosos dessa ques- século XIX. A ideia de que um par de estre- imagens para elaborar meus famosos
tão que foram levantadas pelo Stephen las circulando um centro de massa co- “experimentos em pensamento”. Risos ...
Hawking ao introduzir mais recentemente mum emite ondas gravitacionais; um Meu pensamento sempre foi assumida-
a sua frutífera ideia da radiação emitida fenômeno observado indiretamente por mente imagético por natureza. Mas, a
pelos Buracos Negros que agora leva o seu Hulse e Taylor em 1975 e que lhes valeu coisa toda ainda estava em seu estado ger-
nome e que em última instância os faz o prêmio Nobel de 1993. A ideia de que a minal e para ser sincero, eu ainda não pos-
“evaporar”. Sem adentrar mais profun- frequência da luz é afetada pela gravidade; suía as necessárias ferramentas matemá-
damente nesse debate mais recente, certo um fenômeno observado por Pound e ticas para enquadrar devidamente o
é que a sua forte gravidade é pensada tam- Rebka em 1960. O conceito de que a gra- complexo problema teórico então apenas
bém como sendo a responsável pela vidade e a inércia são equivalentes; algo inicialmente enfocado.
intensa radiação emitida por certos tipos comprovado por Roll, Krotkov e Dicke em - E como o senhor progrediu em dire-
de objetos astronômicos enigmáticos 1964. A previsão de que os Buracos ção à sua Teoria da Relatividade Geral,
como os núcleos galácticos ativos e os Negros que espiralam em torno de um Herr Einstein? – Pergunta o nosso amigo
quasares. A Relatividade Geral é também centro de massa comum, um em direção Cyrano.
parte fundamental do quadro do Modelo ao outro, emitem ondas gravitacionais; - Em 1911, Monsieur Bahr Etto, eu
Padrão do Big Bang da Moderna Cosmo- um fenômeno observado em setembro de publiquei outro artigo expandindo aquele
logia. Uma teoria em Física não tem valor 2015 pela equipe de físicos do LIGO e meu artigo mais intuitivo. Ali eu já pensei
científico se não é capaz de fazer previsões comunicado ao mundo neste ano de 2016. sobre o caso hipotético de uma caixa uni-
específicas que possam ser testadas em - Excelente resumo das previsões e formemente acelerada não em um campo
laboratórios ou em observatórios astro- confirmações da Relatividade Geral, Herrr gravitacional e observei que os efeitos
nômicos. Neste aspecto, a Teoria da Relati- Einstein! observados seriam indistinguíveis daque-
vidade Geral brilha de forma espetacular. - Obrigado, Dom Carlos. O senhor é les observados em uma caixa que estivesse
- É interessante notar, Herr Einstein muito gentil. imersa em um campo gravitacional esta-
– diz Van Borbha – que, infelizmente, mui- - Mas, e as origens de sua Teoria da cionário. Eu usei ainda a Relatividade Res-
tos leigos e até mesmo alguns estudantes Relatividade Geral sobre as quais o senhor trita para mostrar que a taxa de avanço
e professores de Física têm uma ideia disse que ia falar, Herr Einstein? – Cobra de relógios colocados na referida caixa
equivocada de que a Relatividade Geral é o nosso amigo holandês. dependeriam de suas posições no campo
algo meramente abstrato e sem conexão - Isso, Mr. Van Borbha! Como eu já gravitacional, e que a diferença das taxas
direta com a realidade; quase uma futili- disse antes, eu apresentei a Teoria da Rela- deveria ser proporcional ao potencial
dade matemática; talvez em face de sua tividade Restrita em 1905 e a razão para gravitacional em primeira aproximação.
evidente complexidade. o desenvolvimento da Relatividade Geral Eu também fiz então a previsão de que a
- De fato, Mr. Van Borbha! – Diz o foi a preferência do movimento inercial luz sofreria uma deflexão causada por
velho Albert – Uma lista completa de no escopo da Relatividade Restrita, en- corpos massivos. Embora minha aproxi-

Física na Escola, v. 14, n. 1, 2016 As origens da Relatividade Geral e a Constante Cosmológica 45


mação fosse ainda rudimentar, ela já me tein! Eu vou buscar uma para o senhor apenas por alto o significado geral das
permitia mostrar que tal deflexão deveria no balcão, já que esse garçom não passa suas equações para que essa coisa tão
existir e que não seria nula. As aproxi- aqui. complexa fique mais palatável. Não
mações ainda não funcionavam bem para Vou até ao balcão; volto com a tapi- precisa entrar em detalhes mais técnicos.
objetos próximos da velocidade da luz e oca e encontro Herr Einstein já no meio da Albert faz uma careta de quem não
apenas mais tarde, quando eu consegui conversa contando como ele progredira em gostou muito daquela recomendação;
concluir minha formulação da Teoria da seu trabalho, já então bastante mate- mas diz que fará o o que estiver ao seu
Relatividade Geral, foi que este erro foi matizado pelas novas ferramentas teóri- alcance para tentar ser o mais claro pos-
retificado e a previsão correta da deflexão cas por ele introduzidas e oriundas da Geo- sível.
da luz pelo Sol foi feita. metria de Riemann, durante o ano de 1915. - Eu sei bem das dificuldades de com-
- Mas, como as novas Matemáticas, - Eu percebi que a covariância geral preender a Relatividade. Até escrevi um
especialmente a Geometria Riemanianna, era algo realmente defensável e consegui livro sobre ela para leigos. Na parte refe-
entraram em sua Teoria, Herr Einstein? – compatibilizá-la com o determinismo em rente à Relatividade Restrita eu até criei
Indaga o nosso amigo Carlos Reys. que eu sempre acreditei. Só então, já em aquela metáfora que vocês ainda usam
- Se bem me lembro, Dom Carlos, isso outubro de 1915, eu consegui rapidamen- muito em sala de aula dos espelhos em
me foi bastante facilitado pela ajuda de te completar o desenvolvimento das Equa- um trem em movimento; lembram-se
meu velho amigo e antigo colega na ETH, ções de Campo que vieram a receber o meu dela?
o Marcel Grossmann que sugeriu as nome. No entanto, eu cometi um erro que - Claro, Herr Einstein; nós a usamos
leituras adequadas das ferramentas mate- agora é famoso. frequentemente em nossas aulas de Física
máticas que ainda me faltavam. Mas, do - O que? O senhor cometeu um erro, Moderna como uma “transposição didá-
ponto de vista de sua necessidade a coisa Herr Einstein: – Diz, surpresa, Calina. tica” mais palatável para os nossos estu-
surgiu no contexto de meus novos - Isso, madame Cacá! Eu usei as pode- dantes na Universidade do que a discussão
“experimentos em pensamento” sobre a rosas ferramentas matemáticas do tensor mais detalhada do experimento de Michel-
natureza do campo gravitacional de um de Ricci e do tensor momento-energia em son-Morley como gostam de fazer muitos
disco rotativo. Eu imaginei um observa- minhas Equações de Campo e fiz previsões livros. Prossiga! – Diz o Carlos Reys.
dor realizando os experimentos em uma a respeito da precessão do periélio de - Pois, bem! No caso da Relatividade
plataforma giratória. Eu percebi que este Mercúrio; mas logo percebi que elas eram Geral, a coisa é um pouco mais complexa.
observador iria encontrar um valor dife- incompatíveis com a Conservação local do Em quatro artigos, apresentados em no-
rente para a constante matemática π que momento e da energia a não ser que o vembro 1915 à Academia Prussiana de
aquele previsto pela geometria euclidiana. Universo tivesse uma densidade constante Ciências, em Berlim, eu introduzi uma no-
- Como, assim, Herr Einstein? – Inter- de massa-energia-momento; ou seja, que va formulação dos conceitos que relacio-
rompe o nosso amigo Cyrano. Essa me as pedras, a água e até mesmo o ar e o navam o espaço com a gravidade. Ao fi-
parece ser uma constante universal. vácuo tivessem todos eles a mesma nal desse empreendimento, eu cheguei a
- A razão para isso, Monsieur Bahr densidade, o que era flagrantemente uma Equação do Campo Gravitacional
Etto; é que o raio de um círculo seria me- absurdo. Tive de refazer os cálculos e só que indica que a gravidade é uma mani-
dido com uma régua não contraída; mas, consegui obter as Equações de Campo festação da curvatura do espaço.
de acordo com a Relatividade Restrita, a corretas no final de 1915; mais precisa- Ele pega um guardanapo na mesa e
circunferência deveria parecer maior para mente eu as apresentei à Academia Prus- tira uma velha caneta tinteiro do bolso
este observador porque a régua sofreria siana de Ciências no dia 25 de novembro. da camisa que é certamente mais antiga
uma contração em seu comprimento. Com a publicação das Equações de Campo, que a já velha Parker 51 e com ela rabisca
Como eu acreditava que as leis da Física o problema passou a ser resolvê-las para a famosa expressão matemática de sua
eram localmente válidas; descritas por vários casos diferentes e interpretar as Equação Relativística do Campo Gravita-
campos locais, eu conclui que o espaço- soluções obtidas. Vale salientar que este é cional, o coração da Teoria da Relatividade
tempo poderia ser curvado localmente. Foi um problema ainda válido e em andamen- Geral:
isso que me levou a estudar a Geometria to e que inclui também a verificação ex-
de Riemann e a formular a Relatividade perimental de tais conclusões obtidas e ele
Geral nesta nova linguagem matemática. tem dominado a pesquisa em Relatividade
- Muito interessante, Herr Einstein! Geral desde aquela época. Os trabalhos Vejam! Esta é a minha Equação Rela-
– Observam juntos Charles Robert, Carlos recentes relacionados com a observação tivística do Campo Gravitacional!
Reys e Van Borbha. das Ondas Gravitacionais fazem ainda Calina olha apavorada para Cyrano,
O velho Albert sorri encabulado com parte desta longa e complexa agenda. mas ainda assim interrompe a narrativa
a apreciação dos nossos amigos e eu apro- Calina insiste nesse ponto e pergunta do velho Albert e diz arrojadamente:
veito para lhe oferecer uma água de coco ao velho Albert como eram essas suas tais - É apenas uma equação, Herr Eins-
que ele aceita, de imediato, evidenciando Equações Relativistas do Campo Gravita- tein? Eu pensei que o senhor tinha falado
já estar com a garganta seca. Ele olha para cional. Carlos Reys olha apreensivo para no plural: “as equações”.
mim e me pergunta, meio sem jeito: o Van Borbha e em seguida para o Charles - Boa pergunta, madame Calina! – Diz
- Aqui também tem aquela deliciosa Robert. Eu sinto que eles percebem que o o velhinho sorrindo, mas sem usar o ape-
panqueca branca que eu comi lá em Cam- tempo pode fechar se o velhinho começar lido “Cacá” que ele até agora empregara –
pina Grande? a falar agora na espinhosa Matemática da Trata-se, realmente, de um sistema de
- Que panqueca é essa, Alexandre? – Análise Tensorial de suas equações. O equações; mas elas podem ser resumidas
Pergunta Cyrano. Cyrano também percebe a enrascada em didaticamente em uma única equação,
- Não é uma panqueca, Cyrano. É que que nossa conversa pode cair e alivia a como eu vou tentar explicar.
o Albert não sabe o nome. É a nossa velha pergunta da Calina. - OK, professor! Obrigada! Desculpe!
e conhecida tapioca. Tem, sim, Herr Eins- - Por favor, Herr Einstein; explique - Não há porque se desculpar, ma-

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dame Cacá! Sua dúvida é perfeitamente o gμν ou o “tensor métrico” ou simples- funciona e que a Relatividade Geral está
válida e eu vou explicar por que. Vejam! mente a “métrica” que é um tensor cova- correta. E, portanto, se há algo que pode
O lado esquerdo da Equação Relativística riante de segunda ordem, algo que deter- parecer realmente bizarro é a estrutura
do Campo Gravitacional descreve a geo- mina todas as propriedades do espaço matemática inerente à própria Natureza;
metria do espaço-tempo (R), enquanto o curvo. Em um tradicional espaço eucli- mas essa bizarrice tende a se transformar
lado direito da mesma controla a distri- deano, a soma dos ângulos internos de na mais pura beleza se for devidamente
buição de energia e momento (T). Ou, um triângulo é 180 graus; mas na Geo- compreendida. No fundo, eu sempre acre-
como disse o John Wheeler de forma metria Riemanniana esta soma pode ter ditei que a Natureza segue rigorosos e
metafórica e muito feliz: “o espaço (do um valor diferente. Sem curvatura, a so- elegantes princípios “estéticos” que podem
lado esquerdo) diz à matéria como se mo- ma dá 180 graus; mas com curvatura ser bem contemplados tanto na Relativi-
ver, enquanto a matéria (do lado direito) positiva ela é maior que 180 graus e com dade Geral quanto, por exemplo, no Teore-
diz ao espaço como se curvar”. Os índices curvatura negativa é menor que 180 ma de Noether que relaciona os Princípios
subscritos representados pelas letras graus. O “espaço-tempo” é simplesmente de Conservação com as Simetrias da Rea-
gregas representam as quatro dimensões um espaço Riemanniano com 4 dimensões lidade física.
do espaço e do tempo. Pode não necessa- e com uma métrica. As soluções dessa - Essa beleza é fogo de se contemplar,
riamente parecer, mas essas letras gregas equação nos dizem muito sobre a realidade professor! E o que é aquele V de cabeça
subscritas são como uma oferta inope- física. para baixo em sua equação? – Pergunta
rante. Os símbolos aqui não representam - Como assim? O que isso nos diz, sorrindo a Calina.
apenas números quaisquer; eles represen- professor? – Pergunta ainda Calina meio - A dialética da contemplação da bele-
tam tensores, que podem livremente ser aflita. za expressa em suas formas mais simples
pensados como sendo uma generalização - Ela nos diz que a presença de matéria e sua aparente e intrínseca dificuldade de
do conceito de vetores; como sendo ma- provoca uma mudança na maneira de se revelar é um enigma inerente à Natu-
trizes 4 × 4 de números, com as suas pró- medir a distância e o tempo, dependendo reza, madame Cacá. Quanto ao “V de
prias regras especiais para a multiplicação de onde você está em relação a um objeto cabeça para baixo” da equação do campo
e para a divisão. Esta é na verdade uma de grande massa. Isto significa que aquilo gravitacional, ele é na verdade a letra
forma compacta de representar as dez que um observador vê como uma distân- maiúscula grega Lambda.
equações que precisam ser resolvidas cia no espaço parece para outro observa- - Mas, o que eu quero saber é o que
simultaneamente para que se possa fazer dor em uma posição distante como sendo esse tal letra Lambda significa fisicamente
qualquer previsão sobre a realidade física. uma mistura da distância tanto no espaço na sua equação, Herr Einstein.
- Mas, fisicamente – observa o Cyra- quanto no tempo. Um observador senta- - Ela é a misteriosa constante cosmo-
no – o que esta sintética equação tenta do perto de um objeto massivo na super- lógica, Calina. - Diz o Carlos Reys.
comunicar sobre a realidade, Herr Eins- fície da Terra; vai observar o tempo passar - E o que é essa tal constante cosmoló-
tein? a uma taxa diferente daquela que um gica? Insiste Calina.
- Ela nos diz, monsieur Bahr Etto, que observador que está mais distante, como Eu ouço aquilo e penso cá com o meus
qualquer matéria nas vizinhanças de um por exemplo, em um satélite em órbita vê botões: “lascou!” Se o velhinho for respon-
objeto massivo irá se mover ao longo de o mesmo fenômeno. E um comprimento der a essa pergunta nossa conversa não
curvas geodésicas através do espaço- medido por um observador próximo a um termina mais hoje, pois vamos facilmente
tempo curvo e que não são necessaria- objeto de grande massa não vai estar de cair no problema ainda não resolvido da
mente linhas retas no espaço. acordo com a mesma distância medida por Energia Escura. Mas, o Albert parece se
- Mas, qual é o resultado disso, pro- um observador mais longe deste objeto divertir com as respostas dos nossos ami-
fessor? – Pergunta novamente Calina. massivo. gos à dúvida de Calina e se dispõe a expli-
- O resultado, madame Cacá é que pa- - Desculpe, Herr Einstein – Diz Cyra- car mais detalhadamente a questão, para
ra um observador assistindo a um objeto no – Mas, isso tudo me parece um bocado o meu desespero de que ele não volte mais
material se mover, este lhe parecerá estar bizarro. Risos... ao tema central das Ondas Gravitacionais.
sujeito a uma hipotética “força”. A su- - Isso pode até parecer mesmo com- E para completar o meu receio, o Van
posta “força” neste caso é a gravidade; pletamente bizarro, mas é absolutamente Borbha ainda completa de forma direta:
mas é importante notar que esta é apenas e inequivocamente verdade, como foi de- - Isso está relacionado com a Energia
uma espécie de “tradução vulgar para os monstrado, por exemplo, pelo Sistema de Escura, não é mesmo Herr Einstein?
termos clássicos”, pois rigorosamente Posicionamento Global (GPS) que vocês Pronto! – Penso eu – É só o que faltava
falando, não há força gravitacional na usam atualmente de forma corriqueira, para o velhinho não voltar mais para o
Relatividade Geral e a gravitação é vista até mesmo em seus aparelhos celulares. assunto. E neste exato momento, ele co-
como devida à curvatura do espaço. E, Os satélites que compõem o sistema de meça a explicar a questão levantada sobre
para complementar; o símbolo nesta GPS contêm relógios atômicos que trans- o tal “V de cabeça para baixo”.
equação que, na verdade, representa um mitem um sinal de tempo, e a taxa em - Vejam! Para vocês entenderem o sig-
número já bastante familiar é o G maiús- que esses relógios “avançam” tem de ser nificado desse tal “V de cabeça para baixo”,
culo, que é a mesma constante gravita- ajustada para se levar em conta a Relati- como disse a madame Cacá, eu vou pre-
cional contida na Equação de Newton para vidade Geral. Sem a correção relativística, cisar de contar um pouco da minha pró-
a Gravitação. os relógios derivariam por cerca de 38 mi- pria história a esse respeito.
- Mas, qual é o objetivo da Relativi- crossegundos por dia; correspondendo a O Carlos Reys se anima com essa
dade ao fazer isso, Herr Einstein? – Diz aproximadamente 11 km da incerteza na observação do velhinho e diz logo:
mais uma vez Calina. posição. Como o sistema trabalha para dar - Vá em frente, Herr Einstein. Temos
- O objetivo da Relatividade Ge- a você a sua posição sobre a Terra em uma todo o tempo do mundo. Somos todos
ral é resolver esta equação, madame Cacá; faixa de poucos metros (na maioria das ouvidos. Conte a sua história.
ou, na verdade, essas equações; para vezes); sabemos que a correção relativista Ainda bem que o velho Albert leva

Física na Escola, v. 14, n. 1, 2016 As origens da Relatividade Geral e a Constante Cosmológica 47


na brincadeira essa estória do Carlos dizer que todas as galáxias, fora do Grupo Local ela continha realmente uma preciosa infor-
que nós “temos todo o tempo do mundo”. (ao qual pertence a nossa Via Láctea) mação sobre algo fundamental no Uni-
Se ele pegasse para valer nessa afirmativa, estavam se afastando umas das outras, o verso. – Diz nosso amigo holandês.
a conversa não acabaria mais hoje. que implicava que o Universo estava em - Isso, Mr. Van Borbha! A partir dos
- Pois bem! Quando eu propus a minha expansão. anos 1990, vários desenvolvimentos obser-
Teoria da Relatividade Geral em 1915 e início - E ai, o que o senhor fez? – Pergunta o vacionais na Astronomia, especialmente a
de 1916, eu ainda não sabia que o Universo Charles Robert. descoberta de que o Universo está não
estava em expansão. Em minha mente, o - Nestas condições, Monsieur Des apenas em expansão; mas, sim em Expan-
tamanho do cosmos era fixo e, portanto, o Saints, eu tive de rever minha ideia da Cons- são Acelerada; mudaram o cenário a esse
Universo era estático. Entretanto, as tante Cosmológica e naquele mesmo ano respeito.
soluções iniciais da minha Equação de 1929, eu a retirei das Equações Rela- - Por que essas descobertas mudaram
Relativística do Campo Gravitacional tivísticas para o Campo Gravitacional. Eu a forma de se encarar a constante cosmo-
apontavam para um Universo em expan- passei, desde então, a me referir a ela como lógica, Herr Einstein? – Questiona Cyrano.
são; o que me parecia algo inaceitável. o maior erro de minha vida. Eu não tinha - Porque esta mudança, Monsieur
- E o que o senhor fez com aquilo que como perceber, naquela época, que na Bahr Etto, foi uma decorrência das
lhe parecia um desencontro? – Pergunta o verdade, adicionar a Constante Cosmoló- observações de distantes supernovas feitas
Cyrano. gica às referidas equações é algo que não em 1998, assim como também das evi-
- Descontente com esta situação, Mon- leva necessariamente a um Universo Está- dências independentes obtidas a partir da
sieur Bahr Etto, eu inclui em minha tico em equilíbrio, pois o equilíbrio uni- observação da Radiação Cósmica de Fundo
Equação Relativística do Campo Gravita- versal é instável. Se o Universo se expande e dos altos valores do deslocamento para
cional um termo aditivo ao qual denomi- um pouco, então a expansão libera energia o vermelho das galáxias. Este novo pano-
nei de Constante Cosmológica para a do vácuo, o que provoca ainda mais rama de um Universo em expansão ace-
Relatividade Geral, sem o qual as equações, expansão. Da mesma forma, um Univer- lerada levou os cosmólogos a propor a
aparentemente, não permitiriam a exis- so que contrai ligeiramente continuará a existência de um novo construto teórico,
tência de um Universo Estático, já que a se contrair. Mas, a Teoria como um todo ou seja a existência de algo misterioso
gravidade faria com que o Universo; que ainda estava tomando forma em minha semelhante a uma força repulsiva univer-
estava inicialmente em equilíbrio dinâmico, cabeça, sem que eu dispusesse de dados sal que seria fisicamente responsável por
entrasse em colapso. Foi, portanto, para observacionais hoje facilmente disponíveis. esta referida expansão universal e ao qual
contrabalançar este indesejável efeito - E todos que trabalhavam com Rela- se convencionou denominar de Energia
colapsante da gravidade que eu adicionei a tividade Geral também abandonaram essa Escura. Os estudos seguintes levaram à
tal Constante Cosmológica que é simbo- ideia da constante cosmológica, nessa épo- conclusão de que esta coisa misteriosa e
lizada pelo tal lambda ou “V de cabeça para ca? – Pergunta nosso amigo holandês. repulsiva denominada de Energia Escura
baixo”. Risos... - Não, exatamente, Van Borbha! A deveria compor em torno de 68% do valor
- Mas, qual é o significado dessa cons- constante cosmológica permaneceu ainda da densidade massa-energia do Universo.
tante, Herr Einstein? – Atalha o Cyrano. viva como um assunto de interesse teórico Embora o conceito de Energia Escura ainda
- O significado físico da Constante e empírico. Trazendo a discussão para o seja enigmático a um nível fundamental,
Cosmológica lambda (Λ), Monsieur Bahr presente, podemos dizer que, empiricamen- as principais propriedades necessárias para
Etto, é o valor da densidade de energia do te, a descoberta de novos dados cosmoló- a Energia Escura são tais que ela funciona
vácuo. gicos nas últimas décadas sugere fortemen- como se fosse um tipo de anti-gravidade
- E o que isso mudaria no Universo te que o nosso Universo tem uma constante que se dilui muito mais lentamente que a
com ela ou sem ela? – Pergunta Calina. cosmológica positiva. A explicação para este matéria na medida em que o Universo se
- Sem ela, madame Cacá, o Universo seu pequeno, mas positivo valor é um expande e também que se aglomera muito
teria se contraído ou expandido de acordo desafio teórico bastante atual. Se eu ainda mais fracamente que a matéria, ou talvez
com a quantidade de massa existente no estivesse “na ativa” gostaria de trabalhar que nem mesmo se aglomere.
mesmo. Ela atuaria, portanto, como se com esse problema. Risos... - Mas, Herr Einstein! – Diz Cyrano –
fosse uma força repulsiva misteriosa e seria - Ela, então, naquela época, virou uma O que é que isso tudo tem a ver com sua
aquilo que manteria tudo junto em seu espécie de curiosidade matemática? – constante cosmológica?
respectivo lugar. Pergunta nosso amigo cubano. - Há uma enorme semelhança entre
- Mas, o Universo não é estático. – - Mais ou menos, Dom Carlos! Final- esse recente construto teórico da Energia
Observa Cyrano. mente, deve-se notar que algumas gene- Escura e a minha velha Constante Cos-
- Sim, Monsieur Bahr Etto! Mas, eu já ralizações iniciais da minha Teoria da Gra- mológica, Monsieur Bahr Etto, pois se
disse que eu não sabia naquela época que o vitação, conhecidas como Teorias Clássicas sabe hoje que esta é em certa medida a
Universo não era estático. Aliás, ninguém do Campo Unificado, ou introduziram forma mais simples possível da Energia
sabia! A referida questão era ainda uma uma constante cosmológica em termos Escura, desde que ela é constante tanto
matéria opinativa e em discussão que teóricos ou descobriram que ela surgia no espaço quanto no tempo e isto leva ao
dependia mais de convicções filosóficas e naturalmente da Matemática empregada. atual Modelo Padrão da Cosmologia co-
religiosas ou não. Contudo, em 1929 as O certo é que desde 1929 até o início dos nhecido como Modelo Lambda-CDM ou
observações astronômicas do Edwin anos 1990, a maioria dos pesquisadores mais sucintamente ΛCDM (Lambda Cold
Hubble indicaram que o Universo parecia assumiu que a constante cosmológica era Dark Matter) que é uma forma do Modelo
estar se expandindo; o que era consistente igual a zero. Cosmológico do Big Bang no qual o Uni-
com uma solução para as minhas Equações - Mas, como a história revelaria verso contém uma Constante Cosmoló-
Relativísticas originais que havia sido posteriormente, Herr Einstein, a introdu- gica denotada pela letra maiúscula grega
encontrada pelo matemático russo Alexan- ção da constante cosmológica não havia Lambda (Λ), associada com a Energia
der Friedmann. Hubble havia descoberto sido um erro assim tão ruim. Na verdade, Escura e a Matéria Escura Fria (Cold Dark

48 As origens da Relatividade Geral e a Constante Cosmológica Física na Escola, v. 14, n. 1, 2016


Matter ou CDM). É este Modelo Lambda- ouvir bem direitinho. É preciso manter dade Geral, mas eu temo pela demora do
CDM que atualmente dá suporte e confere esse ritmo da nossa conversa sem deixar velhinho chegar lá. É preciso dar um jeito
significado às muitas observações cosmo- o velhinho perder o rumo da prosa. de fazê-lo tomar esse rumo. Mas, como
lógicas recentes como as anunciadas Em primeiro lugar, porque mesmo se fazer isso? E justamente nesse momento,
recentemente em fevereiro de 2016 sobre esforçando para ser didático, o velho o velho Albert para e diz sorrindo:
a observação das Ondas Gravitacionais. Albert ainda insiste em detalhar alguns - Estou com fome! Aqui não tem
Todos sorriem aliviados com o trata- aspectos matemáticos mínimos que lhe comida? Risos ...
mento “light” e informativo que o velho parecem relevantes; mas, que, mesmo as- - Claro! – Dizemos todos ao mesmo
Albert tenta nos dar naquele momento so- sim, não são tão simples para o leitor ini- tempo.
bre um assunto tão importante e com- ciante compreender. E, em segundo lugar, - O que o senhor quer comer? –
plexo da Física; e eu fico aliviado com o porque essas suas considerações mais Pergunta o Van Borbha.
fato de que ele citou as Ondas Gravitacio- gerais o estão afastando do nosso assunto - Peixada com molho de camarão!
nais no contexto bem atual; mas, ele ainda principal que são as Ondas Gravitacionais. Depois do almoço a agente continua a
não contou como chegou à conclusão que Certamente, essas coisas estão todas conversa. Risos ...
elas deveriam existir; e isso eu ainda quero ligadas ao tecido mais amplo da Relativi-

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