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I.

Introdução TEXTO 5 MARIA BONIFÁCIO A GUERRA DE TODOS CONTRA TODOS


Este artigo pretende explicar as causas da instabilidade política e governativa durante o período da
monarquia constitucional (1834-1851) a partir do exame do funcionamento do sistema político.
Inicialmente, o artigo aborda a ilegalidade e a violência que rodeava toda a conjuntura política das
décadas de 30 e 40 do século XIX. De facto, segundo a autora, os jornais da época, focavam, essencialmente,
a agressividade que marcava as eleições, a campanha e ato eleitoral. Tecendo, alguns cometários,
relativamente ao enunciado: “Tratava-se do recurso aberto à violência física mais brutal, que incluía acções
tão variadas como autênticos raids de caceteiros, «descargas cerradas» sobre cidadãos indefesos, «cutiladas»
desferidas sobre mesários inocentes, assaltos à mão armada contra portadores de actas isolados, violação,
roubo e incêndio de urnas eleitorais.” (Bonifácio, 1992, p.91).
De uma outra perspetiva, a autora chama a atenção para a ausência dos pressupostos essenciais de um
sistema de governo representativo, no qual, o poder reside no povo, que o exerce de maneira indireta,
escolhendo os seus representantes, que atuam mediante a vontade e as aspirações da população. Invocando-
se, igualmente, o conceito de consentimento, levantado por Bonifácio, como um dos princípios básicos do
pensamento político liberal.
Ora, a imagem que a autora transmite das eleições, vai contra os princípios políticos liberais, instituídos
na Convenção de Évora Monte (um diploma assinado entre
liberais e miguelistas na vila alentejana de Evoramonte, a 26 de Maio de 1834, que pôs termo à Guerra Civil
Portuguesa (1828-1834)). Realmente, até à Regeneração, a política portuguesa é marcada pela falsificação, a
ilegitimidade, o suborno, o roubo, a intriga e a violência.
A verdade, é que recorrentemente os resultados das eleições eram colocados em causa, muitos eram
aqueles que acreditavam que eram extrapolados. Algo que nos transporta para uma citação importante,
mencionada por Bonifácio: “em política, em Portugal, estamos todos desacreditados […]”. Os próprios
partidos derrotados, tinham dificuldades em aceitar a derrota e recorriam às mais variadas formas de
manifestação, “enchem os periódicos de protestos incendiários, intrigam nos clubes, conspiram nas casernas,
organizam golpes de Estado ou apelam à insurreição.” (Bonifácio, 1992, p.92). Demonstrando que se
desenvolveram meios extralegais de luta pelo poder, que conduziram à alteração da constituição em Portugal,
três vezes em apenas 15 anos.
Basicamente, a autora propõe-se a “explicar a violência política que caracterizou o constitucionalismo
monárquico antes da Regeneração: a fraude eleitoral, ferindo as maiorias de ilegitimidade, dava origem à
guerrilha política, condenando o regime à instabilidade permanente. A hipótese foi-me sugerida pelo confronto
entre os pressupostos teóricos do sistema representativo e as realidades da vida política de então.” (Bonifácio,
1992, p.93).
O sistema representativo, já mencionado anteriormente, define-se pelas noções interligadas de
consentimento e representatividade, isto é, através das eleições, o povo exercia de forma indireta o poder,

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escolhendo os seus representantes, e legitimando o poder dos mesmos. Contrariamente, ao que se processava
em outras épocas, em que a tradição e o carisma eram as principiais fontes de autoridade.
Posteriormente, M. Fátima Bonifácio discorre acerca da legitimidade, isto é, como é que era possível
atingi-la. De facto, segundo a autora, não era através da quantificação ou então averiguando a verdade ou
justiça de um dado resultado, mas sim, verificando se as eleições tinham seguido as normas e as formalidades
processuais em vigor, “As eleições serão legais desde que se processem de acordo com as leis que prescrevem
as normas e formalidades processuais a serem observadas e cumpridas. É totalmente irrelevante averiguar se
os resultados eleitorais exprimem efectivamente a vontade, a escolha ou a opinião dos cidadãos: não é isso
que as torna válidas. O que as valida é o facto de decorrerem na mais estrita legalidade (…)” (Bonifácio, 1992,
p.95).
Referir a quantificação, implica refletir acerca do sufrágio, ou seja, é deveras legítimo afirmar que nas
décadas de 30 e 40 era impossível falar num sufrágio universal, este só viria a surgir muito tempo depois.
Mas, a verdade, é que não era a maior ou menor extensão do sufrágio que traria mais veracidade a determinado
resultado eleitoral. Desde que, o sufrágio tivesse sido devidamente delimitado e estipulado, os resultados eram
legítimos.
Mais adiante, Bonifácio tenta explicar o motivo pelo qual, o período da Regeneração é marcado por
uma certa paz e estabilidade política, enquanto que, o período anterior (1834-1851), é caracterizado pela
ilegalidade, violência e instabilidade. Emerge então, a conclusão de que tudo depende da existência de normas
e regras no sistema político, que são aceites e respeitadas por todos, disciplinado a concorrência entre os
diferentes partidos políticos.
Em seguida, a autora tenta justificar o motivo para os partidos tenderem a anarquizar a competição
política, instituindo o recurso sistemático a meios ilegais e violentos de luta pelo poder. Segundo Bonifácio,
a explicação está no facto de não existirem partidos políticos, isto é, o que existia era efetivamente fações
políticas, com o único objetivo de eliminar os seus rivais. O que não permitia que existisse concórdia na
partilha do poder. Nestas circunstâncias, todo o poder é visto como ilegítimo, o que, por seu turno, legitima a
ilegalidade e a violência. Este círculo vicioso, apenas é quebrado com a pacificação constitucional e a
recomposição partidária operadas pela Regeneração. “as deficiências do sistema político explicam só por si,
largamente, a violência política que marcou a implantação do constitucionalismo monárquico entre 1834 e
1851” (Bonifácio, 1992, p.99)
Por fim, M. Fátima Bonifácio expõe o que se propõe a analisar neste artigo: as eleições de agosto de
1838, que funcionaram como meio para compreender o funcionamento do sistema político entre 1834-1851.
Não são os resultados ou a geografia eleitoral que interessam à autora, mas sim, os problemas que decorrem
destes resultados e o que eles implicam em termos práticos. A autora tem ainda consciência que o seu estudo,
pode gerar dúvidas e questionamentos, sobretudo, em dois pontos:

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• Primeiramente, “será legítimo adiantar uma explicação para todo um período de (ca. de) quinze anos
a partir de uma única observação?” (Bonifácio, 1992, p.100). Ao qual ela responde, que a dúvida é
justificável, mas ainda assim, dissipável. Isto porque, praticamente todas eleições que ocorreram
durante os 15 anos, foram atípicas, pois nenhuma delas se realizou por um processo normal de
legislatura, tendo ocorrido na sequência ou da dissolução das cortes decretada pela rainha ou de uma
alteração revolucionária na ordem constitucional;
• Seguidamente, surge o problema em torno do que é típico ou não, de facto, as eleições de 1838 podem
não ser típicas, mas a verdade é que, os problemas que elas levantam são típicos do período
considerado – “as facções, buscando a apropriação exclusiva do poder através de eleições fraudulentas,
inviabilizam a legitimação dos governantes, com a dupla consequência da instauração da guerrilha
política permanente e do recurso sistemático a formas de luta subversivas do sistema.” (Bonifácio,
1992, p.101).

II. «A guerra de todos contra todos»


a) A lei eleitoral
As eleições de 12 de agosto de 1838, foram reguladas pela lei eleitoral de dezembro de 1837, elaborada
por uma câmara de deputados quase exclusivamente setembrista. A sua análise interessa à autora, sobretudo,
do ponto de vista das oportunidades de fraude que proporciona aos responsáveis pela condução do processo
eleitoral, em particular os funcionários da administração local.
Primeiramente, Bonifácio diz-nos que os elementos recrutados, para guiar o processo eleitoral,
aparentemente eram escolhidos pelas assembleias de cidadãos probos e meritórios (bons cidadãos/dignos),
mas a verdade é que as autoridades administrativas competentes (administradores-gerais, presidentes de
câmara e vereadores municipais), tinham algo a dizer a esta parte, geralmente, eram eles que escolhiam estes
elementos, seguindo uma via de certa forma ilegal, optando, essencialmente por indivíduos com ideias
políticos semelhantes aos seus.
Tudo começa de forma leve, desde “tráfego de influências, à exploração da ignorância e à coacção
psicológica mais ou menos reforçada com ameaças de retaliação.” (Bonifácio, 1992, p.101). Numa fase
posterior, a fraude surge na sua manifestação mais nítida e violenta, que vai do “simples desrespeito por certos
«cerimoniais» e «solenidades» que a lei prescreve até ao saque das urnas, ao incêndio de listas e ao
espancamento de cidadãos.” (Bonifácio, 1992, p.101).
A lei de dezembro de 1837 determina que as eleições sejam diretas. Isto é, “os vinte e três círculos
eleitorais do país elegem um deputado por cada 7000 fogos. Por seu turno, os círculos eleitorais são divididos
num número indeterminado de assembleias eleitorais (nenhuma devendo compreender menos de 2000 fogos
nem exceder 8000). A este nível obtêm- -se resultados parciais, que são depois reunidos e sujeitos a
apuramento final pela junta do círculo eleitoral, que para tanto se congrega em sessão pública no edifício da

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câmara municipal da cabeça do círculo eleitoral. Deputados e senadores são eleitos por maioria absoluta de
votos.” (Bonifácio, 1992, pp.101-102).
Exposto isto, a autora identifica que a falsificação dos resultados se opera ao longo de quatro fases
principais do processo eleitoral:
b) Operações de recenseamento;
O recenseamento consiste em que os cidadãos provem que estão aptos para exercer o direito de voto.
A lei de dezembro de 1837 estipula o recenseamento permanente (tanto de eleitores como de elegíveis), o qual
é sujeito a uma revisão anual. O direito de voto, estava longe de ser universal, os eleitores eram escolhidos
mediante os seus rendimentos e as suas supostas capacidades de um cidadão exemplar. O recenseamento,
estava entregue às juntas e aos regedores das paroquias, que tinham a função de averiguar os indivíduos que
perdiam ou adquiriam a capacidade eleitoral. No entanto, este método acabou por se revelar ineficaz, pois deu
lugar a uma série de arbitrariedades (abuso de poder). A falsificação do recenseamento, mostrou-se uma das
primeiras fases da fraude eleitoral.
Havia ainda, na teoria, espaço para que os cidadãos reclamassem da sua situação eleitoral. Estes,
deveriam queixar-se junto da sua paróquia, que numa fase posterior, encaminhava a queixa para outros setores,
até chegar à câmara dos deputados ou senadores. Porém, esta via acabava por se mostrar um desperdício de
recursos, já que a situação em nada se modificava.
c) Apuramento de votos nas assembleias eleitorais;
Os presidentes da câmara desempenhavam uma série de funções a esta parte: após o governo central
ter procedido à divisão do país em círculos eleitorais, cabe aos presidentes da câmara formar a assembleia
eleitoral do seu concelho, agregando ou desagregando paróquias, ou reunindo uma ou maus câmaras numa
única assembleia eleitoral; compete-lhes determinar em quais das igrejas funcionarão as mesas de voto e
designar os párocos que irão confirmar a identidade dos votantes.
Seguidamente, nas assembleias eleitorais, o presidente de câmara propõe de entre os presentes, “«dois
cidadãos de reconhecida honra, probidade e inteligência para servirem de escrutinadores, dois para secretários
e três para os revezarem» “(Bonifácio, 1992, p.103). E a assembleia os aprovará ou desaprovará, levantando
a mão direita. Ora, na prática, a eleição não acontecia de forma pacifica, e muitas vezes dava lugar a desordem
e violência. Nota: escrutinador – é o responsável por contar o número total dos votos tendo atenção ao número
obtido por cada candidato; Três para os revezarem – substituir em caso de necessidade.
Inerente aos cidadãos que participavam nesta etapa do processo eleitoral, existia uma certa suspeita. A
lei determinava que ao pôr do Sol as operações fossem suspensas e se retomassem no dia seguinte, e que tanto
as listas como os documentos elaborados, fossem colocados num cofre, fechado e que as chaves fossem
entregues aleatoriamente a três mesários. De facto, vários são os jornais da época que denunciava cofres
arrombados durante a noite.
Durante a assembleia eleitoral, era necessário ter atenção a uma série de possíveis burlas: os mesários
recriam uma certa atenção, era necessário verificar se “«descarregavam» os votantes nas listas de eleitores à
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medida que iam entregando o seu voto; ver se não metiam listas nas mãos dos votantes; ver se efectivamente
depunham dentro da urna as listas que recebiam dos eleitores; etc.” (Bonifácio, 1992, p.104); era também
necessário, ter atenção à troca de identidade dos eleitores, muitas vezes realizadas através do consentimento
dos párocos; verificar se, depois de abertas as urnas, o escrutinador lia os nomes inscritos nas listas e não
outros, se os próprios secretários escreviam os nomes corretos, entre outros.
Os resultados parciais, das listas mais votadas, eram afixados na porta da igreja.
d) Transporte das atas parciais (e demais documentos, como listas dos eleitos) para a cabeça de círculo;
Relativamente ao transporte das atas, das listas e demais documentos produzidos nas assembleias
eleitorais, é denotar que era arriscado transportá-los até à cabeça da junta do círculo eleitoral. São vários os
registos de assaltos aos portadores, sobretudo, por parte dos partidos rivais derrotados, que se negavam a
aceitar que tinham perdido. A verdade é que muitas atas não chegavam ao destino, fosse por falta de portadores
ou então, os assaltos. Algumas atas foram mesmo falsificadas ainda antes de serem transportadas. Outras,
eram transportadas por pessoas sem qualificação para tal.
Algo que nos leva a concluir que, quando se dá início ao apuramento dos votos na cabeça da junta do
círculo eleitoral, estes dados encontram-se muitas vezes falsificados ou então incompletos. Sendo, os
resultados uma ficção.
e) Apuramento de votos pela junta do círculo eleitoral.
A junta do círculo eleitoral é composta pelo presidente da câmara e pelos portadores de atas de todas
as assembleias eleitorais do respetivo círculo, que devem reunir para tratar os resultados das várias assembleias
eleitorais.
Confrontando os votos obtidos pelos demais candidatos nas várias assembleias eleitorais, a junta
identifica os candidatos com maioria absoluta. No entanto, nem sempre a tendência política que reina nas
assembleias, é a mesma daqueles que estão responsáveis por contabilizar os votos. Então, é a partir deste
pressuposto que surgem as manobras de falsificação.
Uma falsificação simples, é complicado, já que a lista dos vencedores parciais é anexada nas portas
das igrejas. Para contornar este problema, os responsáveis da junta seguem outra via, optando pela averiguação
da legalidade e boa forma das eleições parciais. Estas deveriam seguir uma série de formalidades, caso
estivessem em incumprimento com alguma delas, como seria de esperar, a junta anulava esses resultados.
A anulação dos resultados considerados desagradáveis, não implicava a vitória imediata dos candidatos
favoritos. Assim, existiam outras manobras para contornar este problema, nomeadamente, malabarismos
aritméticos. Ora se descontava os votos de determinada eleição anulada, mas se considerava o número total
dos votantes, ou, contavam-se os votos de todas as eleições, mas descontavam-se os votantes das que tivessem
sido anuladas, para que facilmente os candidatos obtivessem maioria absoluta.
Por fim, o processo eleitoral acabava com a verificação de poderes dos eleitos durante preparatórias
da abertura das cortes. Este constituía o momento crucial e o verdadeiro fecho das eleições.
f) O contexto histórico das eleições de 1838
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A revolução de 9 de setembro de 1836, colocou os setembristas no poder (movimento que surgiu
diretamente do vintismo), motivada pelo descontentamento produzido pela política de pendor cartista. A
Constituinte de 1837-38 era esmagadora, quase exclusivamente, composta por setembristas e a Constituição
de 1838, era o símbolo dessa preponderância.
O faccionalismo apoderou-se do congresso, que rapidamente se dividiu em várias alas, que guerreavam
entre si. Quanto mais crescia a extrema-esquerda, mais prosperava uma direita de tendência «ordeira», que
ambicionava ser o centro entre setembristas e cartistas. Por altura das eleições de 1838 era efetivamente esta
ala ordeira que predominava no governo. Contrariamente ao que era habitual, as eleições foram disputadas
por dois «partidos», setembristas e cartistas, embora nenhum deles monopoliza-se ou hegemoniza-se o
governo.
O partido setembrista nutria contra o governo de então alguns ressentimentos, associados, ao
favorecimento de cartistas, no acesso a cargos civis e militares, a partir dos decretos promulgados a 4 de abril
de 1838. Por outro lado, a preponderância dos «ordeiros» no governo era-lhes suspeita.
Relativamente, aos «ordeiros», que sabemos que surgiram devido à crescente radicalização da
esquerda, embora fossem considerados os senhores do governo, a verdade é que a sua participação na política
não era sólida. Por exemplo, eles não podiam aspirar a apresentar listas próprias, então, grande parte deles
optava por integrar listas setembristas ou cartistas. O que nos leva a concluir, que estas listas, tinham na sua
composição membros opositores aos ideais.
Os ordeiros, também não podiam atacar diretamente os setembristas, pois, grande parte destes
membros, havia saído das fileiras dos setembristas e devia o seu poder à revolução de setembro de 1836.
Necessitando ainda do seu apoio para enfrentar os cartistas, tal como necessitava dos cartistas para conter o
setembrismo. Basicamente, os ordeiros sozinhos não eram ninguém.
Quanto aos setembristas, é notório que sofreram alterações internas, que conduziram ao surgimento de
fações distintas dentro do próprio movimento. Fala-se essencialmente, dos ordeiros, já referidos
anteriormente, dos moderados e o chamado bando exagerado. Resultando na apresentação de três listas de
candidatos diferentes.
Embora os setembristas se tenham enfraquecido com as divisões internas, dispunham de alguns trunfos
que utilizaram largamente: “As vagas surgidas com as demissões em massa dos cartistas (voluntárias ou
involuntárias), na sequência da revolução, foram preenchidas pela «gente de Setembro», que, além destas,
beneficiou ainda de outras oportunidades de emprego criadas pela introdução da elegibilidade para cargos
inferiores e intermédios da administração local; adquiriram maior influência graças à reactivação das guardas
nacionais; ascenderam na hierarquia das guarnições militares.” (Bonifácio, 1992, p.108). Estando assim, bem
organizados na hora das eleições.
Por último, a autora enuncia ainda um outro apontamento, relativamente à situação insustentável que
o país vivenciava na altura das eleições de 1838. Nomeadamente, situações complicadas no Algarve e
Alentejo, mas também, por todo o território nacional, assombrado por uma série de bandidos que espalhavam
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o terror pela população e guerrilhas políticas. O que em certa medida desviou a atenção do governo das
eleições, ficando estas entregues à ferocidade dos dois grandes partidos: setembrista e cartista.
g) A verificação de poderes: o (des)fecho das eleições
Neste ponto, a autora estabelece uma relação entre a contestação das eleições, a ilegitimidade do poder
e a guerrilha política.
Começa por nos falar, que após a saída dos resultados das eleições de agosto de 1838, que
determinaram que os setembristas elegiam um maior número de deputados, a fação «ordeira», se aproximou
da ala setembrista, aceitando esta nova ordem constitucional. Enquanto que, os cartistas não aceitaram de bom
grado esta suposta vitória.
Posto isto, é aberto um debate acerca da legitimidade dos resultados das eleições, que são, sobretudo,
colocados em causa pelos cartistas, que apelam a uma averiguação da veracidade dos mesmos. De facto, os
cartistas parecem muito preocupados com a dignidade do regime. Os setembristas, por sua vez, têm perfeita
consciência que investigar os resultados das eleições, ia comprometer a posição que tinham alcançado, então,
apelam à salvação nacional, já assombrada pelos problemas da altura, que só se complicariam com uma guerra
entre os dois partidos.
Muito embora, o esforço do partido derrotado para que as eleições fossem, efetivamente, questionadas
e, porventura, o ato eleitoral até anulado. A verdade, é que nada se fez, e todas as eleições acabaram por ser
aprovadas em bloco (com exceção do círculo de Braga). De facto, nenhuma das partes estava livre de ser
acusada de fraude e falsificação, ambas cometeram atrocidades, mas ainda assim a reconstituição do ato
eleitoral, prejudicaria mais os setembristas.

III. O IMPOSSIVEL ACORDO DAS FAÇÕES


1. UM CONCEITO TRANSITÓRIO DE LEGITIMIDADE
A autora defende que a fraude eleitoral, nas condições históricas determinadas pelo processo de
implantação do constitucionalismo monárquico, não constitui, em si e por si só, um motivo de ilegitimidade
do poder. Quando fala em processo de implantação, a autora sugere a ideia de que o estabelecimento duma
ordem legitima legal terá ocorrido através duma fase de transição entre a ordem política do antigo regime
(fundada na autoridade tradicional da monarquia), e a ordem política dos Estados liberais modernos (fundada
num sistema de dominação legal). Neste último, o principal mecanismo de validação da autoridade legitima
são as eleições legais, um fenómeno relativamente recente. Temos então de admitir que durante a transição,
caracterizada por eleições fraudulentas, devia existir um meio de produzir a legalização da fraude. Por outras
palavras, é preciso entender como se combinavam e conjugavam então, e em que proporções, diversos modos
de validação da autoridade legitima.
Na realidade, o sistema de dominação legal nunca existiu na sua pureza conceptual, visto que todos os
regimes conhecem, a par de um dominante, modos secundários de legitimação. Por exemplo, ao lado do
sufrágio, a tradição e o carisma continuaram por perto a servir de legitimação, durante o constitucionalismo
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monárquico. No entanto, num sistema representativo terá de predominar uma conceção contratual do poder,
o que implica consentimento e representatividade. Como conciliar esta exigência com a prática eleitoral
fraudulenta?
Temos de admitir a existência de formas de autolegitimação. A autora explica que uma
representatividade virtual pode fornecer, àqueles a quem ela é reconhecida, a base da autoridade que lhes
permita proclamar como legais umas eleições que não o são. Nestes termos a legitimidade, em matéria de
eleições, consiste na representação dos interesses cardeais (Esquerda, Centro e Direita) do País.
Os deputados não representam o eleitorado propriamente dito, mas sim os interesses do país. Mesmo
que não tenham sido escolhidos pelos eleitores, os deputados continuam a ser os “mais hábeis” que ocupam
as cadeiras legislativas, como se de um direito próprio se tratasse. Assim, na sessão preparatória das cortes
quando se decide “receber as eleições como vieram” (das juntas de círculo eleitoral), os membros da
assembleia estão a validar eleições fraudulentas em nome de uma legitimidade própria vinda da sua condição
social e capacidades intelectuais. Como Weber explica: “Tal legalidade pode ser considerada legitima porque
foi imposta com base no que é considerado uma autoridade legitima por algumas pessoas sobre outras”.
Mas para que um grupo de pessoas possa utilizar a representatividade virtual como base de autoridade,
é necessário que entre elas não haja oposição sobre aquilo cuja legalidade lhes compete proclamar. Ora isto
não aconteceu nas eleições de 1838: os vencidos declararam que a “verificação de poderes” foi mais uma
“guerra de supremacia facciosa” do que uma negociação de um compromisso genuíno

2. PROTOPARTIDOS, FAÇÕES E PARTIDOS


Agora abordamos a questão de saber se a propiá natureza dos partidos de então, bem como a situação
do país e do Estado, podem contribuir para explicar a incapacidade de formar um consenso entre as forças
políticas em competição pelo poder.
A definição de Giovanni Sartori de “partido” é: um partido é qualquer grupo político que se identifica
com um rótulo oficial, apresentado nas eleições, e que é capaz de colocar, através das eleições, candidatos
para cargos públicos. Para o autor esta definição satisfaz alguns requisitos: mostra como as eleições, embora
não sejam livres, marcam uma distinção entre partidos, outros grupos políticos (movimentos, associações,
lobbies, etc.) e fações; desvaloriza deliberadamente os aspetos organizativos e a dimensão da implantação
partidária visto que o autor acredita ser suficiente que um partido, para que o seja, demonstre capacidade de
organização/mobilização mais ou menos informais; e finalmente, mostra que o autor considera que a
“identificação através de um rótulo oficial” é um indicador de que um grupo possui coesão e assim possa ser
considerado um partido. Será que na altura que estamos a analisar, os partidos correspondem a esta definição?
Os partidos não se identificavam através de um rótulo oficial. Foram vários e diferentes entre si foram
os grupos que se reclamaram como sendo “cartistas” ou “setembristas”. Antes de Setembro, estes diziam-se
serem os verdadeiros cartistas e designavam-se por “oposição constitucional” ou “patriotas”, para assim se
distinguirem dos miguelistas. Depois de Setembro dividiram-se em “ordeiros”, “moderados defensores da
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revolução” que acreditavam serem os verdadeiros “patriotas”, e em “arsenalistas”. Nas eleições de 1838, os
cartistas apresentaram-se como os verdadeiros liberais, coisa que os “patriotas” também diziam ser.
Podemos então ver que não havia rótulos oficias que servissem como forma de identificar os partidos
como distintos e distinguíveis. Cartismo e Setembrismo eram como duas grandes famílias políticas, onde no
seu interior existiam subgrupos maiores ou menos, entre os quais havia conflitos, frequentemente mais
pequenos que os conflitos entre as duas famílias em si. O que caracterizava os partidos de então era, não a
existência de um rotulo oficial que mostra coesão, mas sim a presença de uma fluidez que provocava uma
ausência de imagem clara para o exterior.
Visto que os requisitos acima indicados, não são correspondidos, uma disputa eleitoral não basta para
definir grupos políticos como partidos, distinguindo-os de fações. As vitórias e derrotas, eram pessoais e/ou
das fações. Estamos por isso numa época de protopartidos, caracterizada pela existência de “agrupamentos
transitórios” que se sobrepunham á tradicional divisão genérica entre cartistas e setembristas. Estes
agrupamentos transitórios tendem a juntarem-se em torno de núcleos que podem ser qualificados de fações:
grupos políticos dotados de menor durabilidade e permanência, desprovidos de especialização de funções
internas, de organização formal e de rótulo oficial, mas dominados pelas ambições pessoais dos seus membros.
As fações competem por prestígio e pelo controlo de recursos, e por isso o faccionalismo é mais comum em
épocas em que a participação política é limitada a indivíduos que competem entre si no meio de alianças e
agrupamentos transitórios. As fações normalmente identificam-se por referência ao nome de líderes influentes,
e a sua coesão é fundada em fidelidades pessoais.
Não só era comum se confundir os conceitos de fações com partidos, como até era difícil distingui-los
na vida real, de tal modo a atuação de umas e outros se assemelhavam. Em Portugal, os publicistas
desesperavam sob as hostilidades entre partidos, e a rebelião que as fações demonstravam contra a ordem.
Quando os vencedores se apoderavam da gerência do governo, mudavam tudo para adequar aos seus
interesses, enquanto os derrotados declaravam guerra á administração. Assim é explicado a oposição d’O
Diretor à Administração de 26 de novembro de 1839. Concluindo, tendo como referência os partidos que
existem agora, as grandes famílias políticas aparecem-nos como formações protopartidárias onde surgem
obrigatoriamente fações, devido às suas características e natureza.
Então por que motivo não era possível aos partidos chegarem a um acordo que, validando os resultados
das eleições, legitimasse o poder e abrisse caminho à alternância partidária? Porque, por natureza, as fações
relacionavam-se antagonicamente entre si e com o agrupamento político mais vasto em que se inseriam. Ou
seja, o seu objetivo natural seria a eliminação de concorrentes e não o estabelecimento de compromissos para
uma partilha de poder. Pode-se então dizer que o problema da ilegitimidade do poder e da consequente
instabilidade política provocada, reside no facto que existia uma contradição no sistema político que se dizia
representativo antes de ter criado um subsistema partidário.
Sartori explica que as formações protopartidárias são formadas por indivíduos de classes mais altas da
sociedade, e os partidos são formados por indivíduos do país em geral. As primeiras surgem em sociedades
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pouco politizadas e economicamente pouco desenvolvidas e, portanto, as elites políticas são naturalmente, as
elites sociais.
3. OS EMPREGOS DA POLÍTICA E A POLÍTICA DOS EMPREGOS
Em Portugal questionavam-se os partidos e o seu comportamento faccioso. A população esperava que
fossem um mal necessário, e que, embora carregados de defeitos, se conseguissem corrigir a fim de evitar a
autodestruição e continuação do desgoverno, até que a nação “abrisse os olhos” e os “castiga-se”. O problema
era que a nação não dispunha de meios para os castigar, o que obviamente favorecia a tirania exercida por uns
sobre outros.
Este progresso não é visto como uma transição história entre fações e partidos, mas sim como um
provável efeito do aperfeiçoamento dos homens, resultante da voluntária moralização da vida política.
Insistindo nesta ideia de “purificação”, espera-se que as fações se tornem generosas, tolerantes, sérias,
respeitadoras, e unidas na tarefa de melhorar a pátria. Espera-se o que não é possível.
A população portuguesa concordava que os partidos se assemelhavam mais a fações e faziam
distinções entre ambos: nas fações não há lei, dever ou obediência, e a sua força provem da opressão; os
partidos compostos por indivíduos empenhados em alcançar os empregos ou em fazer adotar um sistema de
administração, são legítimos e indispensáveis ao sistema representativo, enquanto não fazem uso de violência.
Porém, esta distinção não é de todo correta, visto que, os partidos prioritariamente vocacionados a alcançar os
empregos são inevitavelmente contra a ordem e violentos e nunca poderão ser isentos na escolha de um
“sistema de administração” destinado a promover o interesse público e a atingir objetivos nacionais.
Os partidos modernos também possuem uma vocação de “alcançar empregos”, porém não se definem
publicamente como um instrumento usado para tal, visto que para um partido ser considerado como tal deve
formular objetivos gerais e nacionais. Para além disso, um partido que se apresentar como uma associação de
clientes sofre o risco de perder eleitorado e militantes e deixa de existir como partido eleitoral, perdendo a
eficácia como instrumento de angariação de recursos e benefícios. Portanto, a satisfação de clientela partidária
é só tolerável nos dias de hoje, se for feita de forma discreta e não manche a figura do partido publicamente.
Nesta época estudada, no entanto, acreditava-se numa compatibilidade entre as aspirações individuais
e o interesse público geral, visto que a esfera da vida privada se confundia largamente com a esfera da vida
pública, ou seja, os negócios e empregos de cada um eram de certa forma inseparáveis da atividade política.
A demissão dos adversários políticos justificava-se pela convicção de que os lugares na administração
eram um direito dos “co-partidários” dos que estão no poder. Aliás, aquando da vitória setembrista, vários
foram os empregados cartistas que foram demitidos, e as noticias enchiam os periódicos de questões: Devem
os empregados públicos setembristas que ocuparem lugares de onde cartistas foram retirados, ser demitidos
ou não, para permitir que os empregados cartistas se reintegrem? As opiniões dividiam-se.
Em Portugal, a interdependência entre atividade politica e fortuna pessoal era tão grande quando a
pobreza de oportunidades de emprego que o país tinha para oferecer, e por isso, eram poucos os que

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voluntariamente se iam dispor a abandonar o poder, muito menos para o ceder a outros (sistema partidário
competitivo).
Uma curiosa observação a ser feita é que o extremo faccionalismo é também o que pode conduzir a
uma conciliação entre partidos. O que se passa na camara de deputados saída das eleições de 1838, demonstra
que a conciliação entre partidos se deveu a um momento de relativo equilíbrio de forças entre fações rivais e
á perceção dos interessados, de que o agravamento da guerrilha politica podia levar ao colapso do sistema, e
aí todos saiam prejudicados. Era então necessário frear a competição política temporariamente e assim garantir
que todos continuassem a beneficiar do sistema, até que uma das fações pudesse garantir a supremacia.
A Coroa em nada ajudou a moderar o faccionismo das forças políticas portuguesas, aliás chegou a
agravar a situação através do “modo como utilizava uma das suas mais importantes prerrogativas, […] o poder
de dissolução das Cortes.” (pág. 128). Quando a maioria que sustentava um governo inicialmente, se dividia
em fações, os resultados das votações tornavam-se imprevisíveis o que deixava o governo na minoria. Sem
intenções de se demitir, o governo pedia então ajuda á Coroa para que esta decretasse dissolução. Com uma
assinatura, a Coroa encerrava as Cortes e intensificava a atividade do executivo, que aproveitava sempre para
decretar medidas controversas e impopulares. Enquanto legislava, preparavam-se as próximas eleições,
colocando peões pelos postos estratégicos da administração civil e militar, que depois, com a distribuição de
promessas de empregos e negócios, procuravam ganhar novos clientes fiéis que pudessem orientar localmente
as eleições. Com uma maioria fresca na camara, apresentava-se “um bill de indemnidade pelos abusos
legislativos”, e tudo começava de novo outra vez. Como a Coroa sempre pendia mais á direita, o sistema
político português funcionava constantemente a favor da mesma tendência política. Isto significa que a Coroa
ao invés de apoiar a alternância do poder, a bloqueava favorecendo sempre a direita, eternizando-a no poder.

IV. UM CÍRCULO VICIOSO HISTÓRICO?


Como foi visto antes, em um sistema representativo cuja unidades políticas são fações torna-se
impossível haver um verdadeiro consenso, e na ausência deste, as eleições fraudulentas não são legitimadoras
do poder porque os vencidos não aceitam os resultados e não reconhecem os vencedores. Esta ilegitimidade
do poder vai legitimar formas de luta como a insurreição ou o golpe de Estado, como formas de acesso ao
poder. Este cenário todo alimenta ainda mais o faccionismo. Como poderão as fações se transformar em
partidos e instaurar as “regras de jogo do pluralismo político?” (pág.129). Sartori diz que “partido” pressupõe
paz sobre uma regra constitucional, que investe, não em uma guerra interna, mas no estabelecimento de uma
constituição. Um conflito sobre o fundamental não é uma base para a democracia, porque pede guerra interna
e secessão como a sua única solução.
Entre 1834 e 1842, Portugal mudou de Constituição 3 vezes e sempre por via insurrecional, ou seja,
através de revoltas. Veremos, a 1844 foi a revolta setembrista de Torres Novas, e em causa estava a reforma
do regime constitucional. A 1846 foi a revolta da Maria da Fonte e a sua pacificação ocorreu também na base
da promessa de uma revisão constitucional. A Patuleia foi outra revolução ocorrida, devido á anulação da
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promessa feita anteriormente. Finalmente a 1852 é proclamado do Ato Adicional à Carta Constitucional, que
dá fim às revoltas armadas que procuravam alterações constitucionais.
Depois da Regeneração, cartismo e setembrismo desaparecem, e surgem os primeiros partidos do
constitucionalismo monárquico português: o partido histórico e o partido regenerador. Termina assim “a era
das fações enquanto unidades políticas de base” (pág.130), embora continuem a existir, assim como nos dias
de hoje. Ora, isto não significa que haja finalmente uma estabilidade política governativa, que os deputados
agora votem disciplinadamente ou que a duração média dos governos aumentou. A mudança que se verifica é
que a guerra existente de todos contra todos, transforma-se em uma luta que responde a determinadas regras,
ou seja, as eleições, se bem que fraudulentas e não passando de “cerimónias exteriores”, passam a assegurar
a função de legitimar o poder (embora á escala das elites).
Pouco a pouco os partidos, que ainda são essencialmente parlamentares, vão-se tornando partidos
eleitorais, visto que reparam na necessidade de “angariar” votos, ao invés de apenas os “colecionar”, o que os
obriga a uma “definição programática em termos de propostas de interesse público geral e de objetivos
nacionais”. Para além disto, o Estado começa a oferecer mais do que a oferta de empregos no centro e periferia,
passando a oferecer uma variedade de benefícios que os partidos podiam usar como moeda de troca para a
angariação de votos. Este processo irá conduzir a uma crescente estruturação partidária e vai favorecer o
estabelecimento de um vínculo entre o partido e o eleitorado. Por mais restrito que este seja, vão sendo criadas
cada vez mais condições de publicidade da política e dá-se a crescente responsabilização dos governantes e
das elites.
É difícil definir teoricamente a fronteira entre os dois fenómenos do faccionismo e partidarismo. Na
prática a mutação só é detetável depois de algo ter ocorrido, por exemplo, quando o partidarismo excede certos
limites e mutasse para faccioninalismo, essa evolução implica a destruição do próprio partido.
Mas o que terá levado á superação do círculo vicioso da vida política portuguesa entre 1834 e 1851?
Como se deu por cessada a guerra de todos contra todos? A autora diz que não lhe cabe a ela dar a resposta
com rigor, porque exigiria uma outra utensilagem teórica e uma investigação histórica especifica. Em termos
sintéticos, no entanto, consegue deixar uma possível explicação.
A Regeneração aproveitou uma herança que Costa Cabral, um “ditador” deixou: bases de um Estado
capaz de exercer um vasto e efetivo domínio sobre todo o território nacional. Progressivamente, a partir destas
bases, foi imposto um melhor cumprimento das leis, criada uma burocracia disciplinada, afirmado o
“monopólio coercitivo do Estado”, “liquidado o estado de múltiplas soberanias em que o país chegara a viver”,
melhorada a “segurança de bens e pessoas”, e procedeu-se a um saneamento da situação financeiro do país.
Outra herança de Cabral foi a domesticação forçada da esquerda portuguesa, o que permitiu a recomposição
de alianças políticas que viabilizaram a Regeneração. Finalmente, um dos motivos para o fim do círculo
vicioso foi o cansaço dos partidos perante 20 longos anos de guerrilha política que podiam muito bem culminar
no gigante colapso do sistema político e á instauração da tirania.
CONCLUSÃO
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O panorama político que a autora mostra durante o teto, contrasta com o panorama descrito por J. M.
Sobral e P. T. Almeida no seu estudo dobre mecanismo do rotativismo instituído a partir de 1876. Estes autores
mostram a Regeneração como “o momento a partir do qual se assiste a uma primeira edificação de um sistema
bipartidário”, que culmina no rotativismo monárquico, cujas eleições são marcadas pela “ausência de lutas”,
sendo o acordo o seu mecanismo fundamental. Para os autores, “a constituição de uma rede de clientelas
locais, nacionalmente sujeitas às chefias partidárias do centro, aliada a uma utilização eficaz do aparelho do
Estado e ao amplo recurso a spoils system, permitia a partilha do poder através da fórmula da alternância”
(pág.133). Isto não significava que não existia competição política, mas esta acontecia antes das eleições
(negociações entre a maioria e minoria partidária), e depois destas os resultados eleitorais eram aceites e o
vencedor reconhecido.
Neste tipo de circunstância é aceitável de aceitar que eleições fraudulentas do rotativismo monárquico
servem uma função legitimadora do poder, pois eram rituais genuínos de confirmação que exigiam disciplina
na luta político-partidária, sendo então um fator de estabilidade do sistema político.
Num período, antes da Regeneração, as eleições não foram um meio de legitimação do poder, mas sim
um pretexto para o constante questionamento dos governos, e por isso, não foram um fator de disciplinamento
da luta política, mas sim um “elemento de anarquia e violência” (pág. 133). Os protopartidos de então,
divididos por fações, eram incapazes de lutar pelos interesses da sociedade em geral, perpetuando o poder em
si mesmo como principal forma de afrontamento político, pondo em causa constantemente a própria norma
constitucional.
Este trabalho pretende sugerir que a instabilidade política não deve ser tomada como uma “função
linear e direta da acuidade das contradições socioeconómicas presentes na sociedade”. A autora refere que a
histografia existente dos anos 30 e 40 do século XIX, ignora quase que completamente os problemas de
adaptação que surgiram da transição do absolutismo para um regime monárquico constitucional. Esquece que
esta transição obrigou á edificação de um novo sistema político (incluindo novas formas de legitimação de
poder e a difusão de uma nova cultura política), um processo longo e complexo.
Este esquecimento leva ao tratamento injusto do campo político, crendo-se que a realidade política é
apenas um “efeito da projeção em miniatura das grandes transformações estruturais que levaram á implantação
do capitalismo como modo de produção dominante”. Por exemplo, alguma historiografia contemporânea
trabalhou afincadamente na perseguição de quem seriam os representantes político-partidários dos interesses
económicos de classe, de cujo antagonismo resultaria os conflitos políticos.
Para a autora são as naturais e inevitáveis deficiências do sistema político global, que provocam os
conflitos. Nestas deficiências destacam-se a inexistência de um sistema partidário vocacionado a promover a
alternância de poder, o que gera uma crise de legitimidade que se alimenta pelos constantes conflitos políticos,
“a guerra de todos contra todos”.

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