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escolhendo os seus representantes, e legitimando o poder dos mesmos. Contrariamente, ao que se processava
em outras épocas, em que a tradição e o carisma eram as principiais fontes de autoridade.
Posteriormente, M. Fátima Bonifácio discorre acerca da legitimidade, isto é, como é que era possível
atingi-la. De facto, segundo a autora, não era através da quantificação ou então averiguando a verdade ou
justiça de um dado resultado, mas sim, verificando se as eleições tinham seguido as normas e as formalidades
processuais em vigor, “As eleições serão legais desde que se processem de acordo com as leis que prescrevem
as normas e formalidades processuais a serem observadas e cumpridas. É totalmente irrelevante averiguar se
os resultados eleitorais exprimem efectivamente a vontade, a escolha ou a opinião dos cidadãos: não é isso
que as torna válidas. O que as valida é o facto de decorrerem na mais estrita legalidade (…)” (Bonifácio, 1992,
p.95).
Referir a quantificação, implica refletir acerca do sufrágio, ou seja, é deveras legítimo afirmar que nas
décadas de 30 e 40 era impossível falar num sufrágio universal, este só viria a surgir muito tempo depois.
Mas, a verdade, é que não era a maior ou menor extensão do sufrágio que traria mais veracidade a determinado
resultado eleitoral. Desde que, o sufrágio tivesse sido devidamente delimitado e estipulado, os resultados eram
legítimos.
Mais adiante, Bonifácio tenta explicar o motivo pelo qual, o período da Regeneração é marcado por
uma certa paz e estabilidade política, enquanto que, o período anterior (1834-1851), é caracterizado pela
ilegalidade, violência e instabilidade. Emerge então, a conclusão de que tudo depende da existência de normas
e regras no sistema político, que são aceites e respeitadas por todos, disciplinado a concorrência entre os
diferentes partidos políticos.
Em seguida, a autora tenta justificar o motivo para os partidos tenderem a anarquizar a competição
política, instituindo o recurso sistemático a meios ilegais e violentos de luta pelo poder. Segundo Bonifácio,
a explicação está no facto de não existirem partidos políticos, isto é, o que existia era efetivamente fações
políticas, com o único objetivo de eliminar os seus rivais. O que não permitia que existisse concórdia na
partilha do poder. Nestas circunstâncias, todo o poder é visto como ilegítimo, o que, por seu turno, legitima a
ilegalidade e a violência. Este círculo vicioso, apenas é quebrado com a pacificação constitucional e a
recomposição partidária operadas pela Regeneração. “as deficiências do sistema político explicam só por si,
largamente, a violência política que marcou a implantação do constitucionalismo monárquico entre 1834 e
1851” (Bonifácio, 1992, p.99)
Por fim, M. Fátima Bonifácio expõe o que se propõe a analisar neste artigo: as eleições de agosto de
1838, que funcionaram como meio para compreender o funcionamento do sistema político entre 1834-1851.
Não são os resultados ou a geografia eleitoral que interessam à autora, mas sim, os problemas que decorrem
destes resultados e o que eles implicam em termos práticos. A autora tem ainda consciência que o seu estudo,
pode gerar dúvidas e questionamentos, sobretudo, em dois pontos:
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• Primeiramente, “será legítimo adiantar uma explicação para todo um período de (ca. de) quinze anos
a partir de uma única observação?” (Bonifácio, 1992, p.100). Ao qual ela responde, que a dúvida é
justificável, mas ainda assim, dissipável. Isto porque, praticamente todas eleições que ocorreram
durante os 15 anos, foram atípicas, pois nenhuma delas se realizou por um processo normal de
legislatura, tendo ocorrido na sequência ou da dissolução das cortes decretada pela rainha ou de uma
alteração revolucionária na ordem constitucional;
• Seguidamente, surge o problema em torno do que é típico ou não, de facto, as eleições de 1838 podem
não ser típicas, mas a verdade é que, os problemas que elas levantam são típicos do período
considerado – “as facções, buscando a apropriação exclusiva do poder através de eleições fraudulentas,
inviabilizam a legitimação dos governantes, com a dupla consequência da instauração da guerrilha
política permanente e do recurso sistemático a formas de luta subversivas do sistema.” (Bonifácio,
1992, p.101).
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câmara municipal da cabeça do círculo eleitoral. Deputados e senadores são eleitos por maioria absoluta de
votos.” (Bonifácio, 1992, pp.101-102).
Exposto isto, a autora identifica que a falsificação dos resultados se opera ao longo de quatro fases
principais do processo eleitoral:
b) Operações de recenseamento;
O recenseamento consiste em que os cidadãos provem que estão aptos para exercer o direito de voto.
A lei de dezembro de 1837 estipula o recenseamento permanente (tanto de eleitores como de elegíveis), o qual
é sujeito a uma revisão anual. O direito de voto, estava longe de ser universal, os eleitores eram escolhidos
mediante os seus rendimentos e as suas supostas capacidades de um cidadão exemplar. O recenseamento,
estava entregue às juntas e aos regedores das paroquias, que tinham a função de averiguar os indivíduos que
perdiam ou adquiriam a capacidade eleitoral. No entanto, este método acabou por se revelar ineficaz, pois deu
lugar a uma série de arbitrariedades (abuso de poder). A falsificação do recenseamento, mostrou-se uma das
primeiras fases da fraude eleitoral.
Havia ainda, na teoria, espaço para que os cidadãos reclamassem da sua situação eleitoral. Estes,
deveriam queixar-se junto da sua paróquia, que numa fase posterior, encaminhava a queixa para outros setores,
até chegar à câmara dos deputados ou senadores. Porém, esta via acabava por se mostrar um desperdício de
recursos, já que a situação em nada se modificava.
c) Apuramento de votos nas assembleias eleitorais;
Os presidentes da câmara desempenhavam uma série de funções a esta parte: após o governo central
ter procedido à divisão do país em círculos eleitorais, cabe aos presidentes da câmara formar a assembleia
eleitoral do seu concelho, agregando ou desagregando paróquias, ou reunindo uma ou maus câmaras numa
única assembleia eleitoral; compete-lhes determinar em quais das igrejas funcionarão as mesas de voto e
designar os párocos que irão confirmar a identidade dos votantes.
Seguidamente, nas assembleias eleitorais, o presidente de câmara propõe de entre os presentes, “«dois
cidadãos de reconhecida honra, probidade e inteligência para servirem de escrutinadores, dois para secretários
e três para os revezarem» “(Bonifácio, 1992, p.103). E a assembleia os aprovará ou desaprovará, levantando
a mão direita. Ora, na prática, a eleição não acontecia de forma pacifica, e muitas vezes dava lugar a desordem
e violência. Nota: escrutinador – é o responsável por contar o número total dos votos tendo atenção ao número
obtido por cada candidato; Três para os revezarem – substituir em caso de necessidade.
Inerente aos cidadãos que participavam nesta etapa do processo eleitoral, existia uma certa suspeita. A
lei determinava que ao pôr do Sol as operações fossem suspensas e se retomassem no dia seguinte, e que tanto
as listas como os documentos elaborados, fossem colocados num cofre, fechado e que as chaves fossem
entregues aleatoriamente a três mesários. De facto, vários são os jornais da época que denunciava cofres
arrombados durante a noite.
Durante a assembleia eleitoral, era necessário ter atenção a uma série de possíveis burlas: os mesários
recriam uma certa atenção, era necessário verificar se “«descarregavam» os votantes nas listas de eleitores à
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medida que iam entregando o seu voto; ver se não metiam listas nas mãos dos votantes; ver se efectivamente
depunham dentro da urna as listas que recebiam dos eleitores; etc.” (Bonifácio, 1992, p.104); era também
necessário, ter atenção à troca de identidade dos eleitores, muitas vezes realizadas através do consentimento
dos párocos; verificar se, depois de abertas as urnas, o escrutinador lia os nomes inscritos nas listas e não
outros, se os próprios secretários escreviam os nomes corretos, entre outros.
Os resultados parciais, das listas mais votadas, eram afixados na porta da igreja.
d) Transporte das atas parciais (e demais documentos, como listas dos eleitos) para a cabeça de círculo;
Relativamente ao transporte das atas, das listas e demais documentos produzidos nas assembleias
eleitorais, é denotar que era arriscado transportá-los até à cabeça da junta do círculo eleitoral. São vários os
registos de assaltos aos portadores, sobretudo, por parte dos partidos rivais derrotados, que se negavam a
aceitar que tinham perdido. A verdade é que muitas atas não chegavam ao destino, fosse por falta de portadores
ou então, os assaltos. Algumas atas foram mesmo falsificadas ainda antes de serem transportadas. Outras,
eram transportadas por pessoas sem qualificação para tal.
Algo que nos leva a concluir que, quando se dá início ao apuramento dos votos na cabeça da junta do
círculo eleitoral, estes dados encontram-se muitas vezes falsificados ou então incompletos. Sendo, os
resultados uma ficção.
e) Apuramento de votos pela junta do círculo eleitoral.
A junta do círculo eleitoral é composta pelo presidente da câmara e pelos portadores de atas de todas
as assembleias eleitorais do respetivo círculo, que devem reunir para tratar os resultados das várias assembleias
eleitorais.
Confrontando os votos obtidos pelos demais candidatos nas várias assembleias eleitorais, a junta
identifica os candidatos com maioria absoluta. No entanto, nem sempre a tendência política que reina nas
assembleias, é a mesma daqueles que estão responsáveis por contabilizar os votos. Então, é a partir deste
pressuposto que surgem as manobras de falsificação.
Uma falsificação simples, é complicado, já que a lista dos vencedores parciais é anexada nas portas
das igrejas. Para contornar este problema, os responsáveis da junta seguem outra via, optando pela averiguação
da legalidade e boa forma das eleições parciais. Estas deveriam seguir uma série de formalidades, caso
estivessem em incumprimento com alguma delas, como seria de esperar, a junta anulava esses resultados.
A anulação dos resultados considerados desagradáveis, não implicava a vitória imediata dos candidatos
favoritos. Assim, existiam outras manobras para contornar este problema, nomeadamente, malabarismos
aritméticos. Ora se descontava os votos de determinada eleição anulada, mas se considerava o número total
dos votantes, ou, contavam-se os votos de todas as eleições, mas descontavam-se os votantes das que tivessem
sido anuladas, para que facilmente os candidatos obtivessem maioria absoluta.
Por fim, o processo eleitoral acabava com a verificação de poderes dos eleitos durante preparatórias
da abertura das cortes. Este constituía o momento crucial e o verdadeiro fecho das eleições.
f) O contexto histórico das eleições de 1838
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A revolução de 9 de setembro de 1836, colocou os setembristas no poder (movimento que surgiu
diretamente do vintismo), motivada pelo descontentamento produzido pela política de pendor cartista. A
Constituinte de 1837-38 era esmagadora, quase exclusivamente, composta por setembristas e a Constituição
de 1838, era o símbolo dessa preponderância.
O faccionalismo apoderou-se do congresso, que rapidamente se dividiu em várias alas, que guerreavam
entre si. Quanto mais crescia a extrema-esquerda, mais prosperava uma direita de tendência «ordeira», que
ambicionava ser o centro entre setembristas e cartistas. Por altura das eleições de 1838 era efetivamente esta
ala ordeira que predominava no governo. Contrariamente ao que era habitual, as eleições foram disputadas
por dois «partidos», setembristas e cartistas, embora nenhum deles monopoliza-se ou hegemoniza-se o
governo.
O partido setembrista nutria contra o governo de então alguns ressentimentos, associados, ao
favorecimento de cartistas, no acesso a cargos civis e militares, a partir dos decretos promulgados a 4 de abril
de 1838. Por outro lado, a preponderância dos «ordeiros» no governo era-lhes suspeita.
Relativamente, aos «ordeiros», que sabemos que surgiram devido à crescente radicalização da
esquerda, embora fossem considerados os senhores do governo, a verdade é que a sua participação na política
não era sólida. Por exemplo, eles não podiam aspirar a apresentar listas próprias, então, grande parte deles
optava por integrar listas setembristas ou cartistas. O que nos leva a concluir, que estas listas, tinham na sua
composição membros opositores aos ideais.
Os ordeiros, também não podiam atacar diretamente os setembristas, pois, grande parte destes
membros, havia saído das fileiras dos setembristas e devia o seu poder à revolução de setembro de 1836.
Necessitando ainda do seu apoio para enfrentar os cartistas, tal como necessitava dos cartistas para conter o
setembrismo. Basicamente, os ordeiros sozinhos não eram ninguém.
Quanto aos setembristas, é notório que sofreram alterações internas, que conduziram ao surgimento de
fações distintas dentro do próprio movimento. Fala-se essencialmente, dos ordeiros, já referidos
anteriormente, dos moderados e o chamado bando exagerado. Resultando na apresentação de três listas de
candidatos diferentes.
Embora os setembristas se tenham enfraquecido com as divisões internas, dispunham de alguns trunfos
que utilizaram largamente: “As vagas surgidas com as demissões em massa dos cartistas (voluntárias ou
involuntárias), na sequência da revolução, foram preenchidas pela «gente de Setembro», que, além destas,
beneficiou ainda de outras oportunidades de emprego criadas pela introdução da elegibilidade para cargos
inferiores e intermédios da administração local; adquiriram maior influência graças à reactivação das guardas
nacionais; ascenderam na hierarquia das guarnições militares.” (Bonifácio, 1992, p.108). Estando assim, bem
organizados na hora das eleições.
Por último, a autora enuncia ainda um outro apontamento, relativamente à situação insustentável que
o país vivenciava na altura das eleições de 1838. Nomeadamente, situações complicadas no Algarve e
Alentejo, mas também, por todo o território nacional, assombrado por uma série de bandidos que espalhavam
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o terror pela população e guerrilhas políticas. O que em certa medida desviou a atenção do governo das
eleições, ficando estas entregues à ferocidade dos dois grandes partidos: setembrista e cartista.
g) A verificação de poderes: o (des)fecho das eleições
Neste ponto, a autora estabelece uma relação entre a contestação das eleições, a ilegitimidade do poder
e a guerrilha política.
Começa por nos falar, que após a saída dos resultados das eleições de agosto de 1838, que
determinaram que os setembristas elegiam um maior número de deputados, a fação «ordeira», se aproximou
da ala setembrista, aceitando esta nova ordem constitucional. Enquanto que, os cartistas não aceitaram de bom
grado esta suposta vitória.
Posto isto, é aberto um debate acerca da legitimidade dos resultados das eleições, que são, sobretudo,
colocados em causa pelos cartistas, que apelam a uma averiguação da veracidade dos mesmos. De facto, os
cartistas parecem muito preocupados com a dignidade do regime. Os setembristas, por sua vez, têm perfeita
consciência que investigar os resultados das eleições, ia comprometer a posição que tinham alcançado, então,
apelam à salvação nacional, já assombrada pelos problemas da altura, que só se complicariam com uma guerra
entre os dois partidos.
Muito embora, o esforço do partido derrotado para que as eleições fossem, efetivamente, questionadas
e, porventura, o ato eleitoral até anulado. A verdade, é que nada se fez, e todas as eleições acabaram por ser
aprovadas em bloco (com exceção do círculo de Braga). De facto, nenhuma das partes estava livre de ser
acusada de fraude e falsificação, ambas cometeram atrocidades, mas ainda assim a reconstituição do ato
eleitoral, prejudicaria mais os setembristas.
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voluntariamente se iam dispor a abandonar o poder, muito menos para o ceder a outros (sistema partidário
competitivo).
Uma curiosa observação a ser feita é que o extremo faccionalismo é também o que pode conduzir a
uma conciliação entre partidos. O que se passa na camara de deputados saída das eleições de 1838, demonstra
que a conciliação entre partidos se deveu a um momento de relativo equilíbrio de forças entre fações rivais e
á perceção dos interessados, de que o agravamento da guerrilha politica podia levar ao colapso do sistema, e
aí todos saiam prejudicados. Era então necessário frear a competição política temporariamente e assim garantir
que todos continuassem a beneficiar do sistema, até que uma das fações pudesse garantir a supremacia.
A Coroa em nada ajudou a moderar o faccionismo das forças políticas portuguesas, aliás chegou a
agravar a situação através do “modo como utilizava uma das suas mais importantes prerrogativas, […] o poder
de dissolução das Cortes.” (pág. 128). Quando a maioria que sustentava um governo inicialmente, se dividia
em fações, os resultados das votações tornavam-se imprevisíveis o que deixava o governo na minoria. Sem
intenções de se demitir, o governo pedia então ajuda á Coroa para que esta decretasse dissolução. Com uma
assinatura, a Coroa encerrava as Cortes e intensificava a atividade do executivo, que aproveitava sempre para
decretar medidas controversas e impopulares. Enquanto legislava, preparavam-se as próximas eleições,
colocando peões pelos postos estratégicos da administração civil e militar, que depois, com a distribuição de
promessas de empregos e negócios, procuravam ganhar novos clientes fiéis que pudessem orientar localmente
as eleições. Com uma maioria fresca na camara, apresentava-se “um bill de indemnidade pelos abusos
legislativos”, e tudo começava de novo outra vez. Como a Coroa sempre pendia mais á direita, o sistema
político português funcionava constantemente a favor da mesma tendência política. Isto significa que a Coroa
ao invés de apoiar a alternância do poder, a bloqueava favorecendo sempre a direita, eternizando-a no poder.
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