Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Fotografia Cultura Visual e Historia Pes
Fotografia Cultura Visual e Historia Pes
PESQUISAS RECENTES
Chanceler
Dom Dadeus Grings
Reitor
Joaquim Clotet
Vice-Reitor
Evilázio Teixeira
Conselho Editorial
Ana Maria Lisboa de Mello
Bettina Steren dos Santos
Eduardo Campos Pellanda
Elaine Turk Faria
Érico João Hammes
Gilberto Keller de Andrade
Helenita Rosa Franco
Ir. Armando Luiz Bortolini
Jane Rita Caetano da Silveira
Jorge Luis Nicolas Audy – Presidente
Jurandir Malerba
Lauro Kopper Filho
Luciano Klöckner
Marília Costa Morosini
Nuncia Maria S. de Constantino
Renato Tetelbom Stein
Ruth Maria Chittó Gauer
EDIPUCRS
Jerônimo Carlos Santos Braga – Diretor
Jorge Campos da Costa – Editor-Chefe
CAROLINA ETCHEVERRY
CHARLES MONTEIRO (ORG.)
MARIA CLÁUDIA QUINTO
PATRICIA CAMERA
RODRIGO DE SOUZA MASSIA
Fernanda Lisboa
Rodrigo Valls
ISBN 978-85-397-0154-4
CDD 770.981
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos,
fotográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra
em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos
autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos, do Código Penal), com pena de prisão e multa, conjuntamente com busca e apreensão e indenizações diversas
(arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ....................................................................................06
Ana Maria Mauad
1
A pesquisa foi apresentada no Minissimpósio Temático História, Imagem e Cultura Visual, no XXIV Simpósio
Nacional de História da ANPUH, realizado de 15 a 20 de julho de 2007, na UNISINOS (São Leopoldo/RS/Brasil),
e coordenado pelos Professores Doutores Iara Lis Franco Schiavinatto (UNICAMP) e Charles Monteiro (PUCRS),
bem como no VII Congresso Internacional de Estudos Ibero-Americanos, realizado de 21 a 23 de outubro de
2008, na PUCRS (Porto Alegre/RS/Brasil). Versões parciais foram publicadas em: MONTEIRO, Charles. Imagens
sedutoras da modernidade urbana: reflexões sobre a construção de um novo padrão de visualidade urbana nas
revistas ilustradas na década de 1950. Revista Brasileira de História, 2007, Vol. 27, n. 53, p. 159-176; MONTEIRO,
Charles. A construção da imagem dos “outros” sujeitos urbanos na elaboração da nova visualidade urbana de Porto
Alegre nos anos 1950. Urbana, 2007, ano 2, n. 2, p. 1-21.
2
Doutor em História Social (PUCSP/Lyon 2), Professor Adjunto de História do Programa de Pós-Graduação em
História (PPGH) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Brasil/RS/Porto Alegre). Desenvolve
pesquisas na área de História, Fotografia e Cultura Visual; ministra Seminário “História, Fotografia e Cultura
Visual: Imagens das cidades brasileiras séc. XIX e XX” no PPGH da PUCRS; orientou cinco dissertações sobre
História e Fotografia; publicou vários artigos em revistas nacionais e papers em anais de congressos nacionais e
internacionais sobre o tema; coordenou organizou simpósios temáticos em congressos; organizou dossiês sobre
História e Fotografia; faz parte do Grupo de Pesquisa interinstitucional do CNPQ Imagem, Cultura Visual e História.
Endereço: PPGH/PUCRS Av. Ipiranga, 6681, Prédio 3, Sl. 303 – Porto Alegre – Brasil – CEP. 90619-900. E-mail:
monteiro@pucrs.br.
3
Sobre Cultura Visual, História e Fotografia, cf. MENESES (2003, 2005); KNAUS (2006); sobre fotografia e
imprensa ilustrada, cf. MAUAD (2004, 2005); sobre fotografia e cidade, cf. LIMA e CARVALHO (1997).
10 Imagens da cidade de Porto Alegre nos anos 1950
4
KNAUSS (2006, p. 108-110).
5
DEBRAY (1994, p. 22-30).
11 Charles Monteiro
14
KOSSOY (2002).
15
MENESES (2003, 2005).
15 Charles Monteiro
A pesquisa de Ana Maria Mauad16 representa uma nova fase dos estudos
sobre cidade e fotografia, pesquisando a construção da visualidade urbana do Rio de
Janeiro em revistas ilustradas na primeira metade do século XX. Seu trabalho, além
de tratar dos usos privados da fotografia pelo grupo familiar, abordou a fotografia
de imprensa a partir das revistas Careta e O Cruzeiro, tendo sido esta última a mais
importante e inovadora revista ilustrada brasileira entre as décadas de 1930 e 60.
Uma das principais contribuições desse estudo é o tratamento da problemática
do espaço na construção de códigos de representação fotográfica do comportamento
da sociedade burguesa carioca entre 1900 e 1950. Mauad17 estabeleceu para sua
análise das imagens fotográficas cinco categorias espaciais que abrangem tanto o
plano do conteúdo quanto o da expressão: o espaço fotográfico, o espaço geográfico,
o espaço do objeto, o espaço da figuração e o espaço da vivência.
Mauad relacionou e cruzou os padrões técnicos envolvidos na forma de
expressão das imagens com os padrões de conteúdo para elaborar a sua interpretação
dos códigos de representação social da classe dominante carioca. Esse trabalho
sugere uma série de questões sobre a predominância de certas imagens (urbanas,
de determinadas zonas da cidade, de determinados grupos sociais, em determinados
espaços urbanos, de um gênero sobre outro, de certos objetos a eles associados, as
ordenações dos grupos, as poses e os tipos de performances etc.) em detrimento
de outras que ficam fora do quadro fotográfico, bem como da forma de fotografar
proporcionada por uma técnica e de publicar essas imagens nas páginas das revistas,
criando séries e narrativas que enfatizam determinados códigos de representação
social de certos grupos urbanos excluindo outros.
O livro Fotografia e Cidade,18 de Solange Ferraz de Lima e Vânia Carneiro
de Carvalho, deu uma contribuição significativa aos estudos sobre o tema ao propor
uma metodologia própria para a análise icônica e formal das imagens de cidade, no
caso de São Paulo, em álbuns de fotografias produzidos entre 1887-1919 e 1951-
1954. A importância desse estudo está no fato de construir uma metodologia voltada
para a interpretação dos padrões visuais de representação da cidade, remetendo à
análise dos modos específicos de tratamento fotográfico do espaço urbano.
Os descritores icônicos (relativos aos conteúdos e espaços das fotografias)
são agrupados a partir de um vocabulário controlado em: tipologias do espaço;
localização; tipologia urbana; abrangência espacial; acidentes naturais/vegetação;
infraestrutura/processos/serviços; infraestrutura/comunicações; infraestrutura/
mobiliário urbano; infraestrutura/paisagismo; estrutura/funções arquitetônicas;
elementos móveis/ gênero/idade; elementos móveis/personagem/categoria;
16
MAUAD (1990, 2004, 2005, 2006, 2008).
17
MAUAD (2004, p. 19-36).
18
LIMA e CARVALHO (1997).
16 Imagens da cidade de Porto Alegre nos anos 1950
O fotojornalismo conheceu o seu auge nos anos 1950 com novas narrativas
fotográficas – série de imagens de tamanhos variados que contam uma história visual
– ocupando cada vez mais lugar nas páginas dos jornais e revistas. A Revista do Globo,
os jornais A Hora e Última Hora estão na vanguarda desse processo no âmbito local.
No plano formal, multiplicam-se as fotos aéreas, a fotorreportagem, a foto
de publicidade e as fotos instantâneas de grandes manifestações políticas, bem
como inovações na composição e no uso da luz. A cultura visual está marcada pela
introdução da televisão no final da década de 1950 e pelo período áureo dos filmes
hollywoodianos, apresentados no formato cinemascope nas grandes salas de cinemas
de calçada do centro da cidade e nos bairros.
Os fotógrafos passam a ser mais valorizados nas revistas ilustradas e a
terem seus nomes mencionados como autores das imagens. Em Porto Alegre,
Leo Guerreiro, Pedro Flores e Sioma Breitman se destacam no fotojornalismo, na
fotografia de publicidade e na produção de retratos em estúdio. Leo Guerreiro é autor
de famosas vistas aéreas da cidade, que acompanham o processo de modernização
e verticalização da área central. Muitas dessas fotos também eram ampliadas,
tornando-se painéis e comercializadas para decorar escritórios e casas comerciais.
O fotojornalismo vai privilegiar a mobilização política envolvendo o
processo de discussão sobre nacionalização do subsolo, a estatização de empresas de
energia e transporte públicos. Nesse período ocorreu a irrupção das massas na cena
urbana, ora como ator ora como coadjuvante dos processos políticos.
Em 24 de agosto de 1954, a morte de Getúlio Vargas constitui-se em um
momento significativo de mobilização e utilização da rua como espaço político. A
fotografia de imprensa perpetuou os conflitos e as depredações no centro da cidade
de Porto Alegre.
As fotos desse período, produzidas pela Assessoria de Imprensa do Palácio
Piratini (Acervo do Setor de Fotografia do Museu de Comunicação Social Hipólito
José da Costa), representam os governadores em plena ação, visitando e inaugurando
obras, recebendo delegações de políticos ou lideranças dos movimentos sociais. O
populismo transformou algumas fotografias em imagens de culto ao poder político.
Na segunda metade dos anos 1950, a Assessoria de Imprensa e o serviço
fotográfico do Palácio Piratini crescem em importância e ocorre um salto no
número de fotografias e na forma de documentação das ações dos governadores e
secretários de Estado. Alguns fotojornalistas trabalhavam simultaneamente para a
Revista do Globo e para repartições públicas (Secretaria de Educação e Secretaria de
Agricultura), como nos casos de Pedro Flores e Léo Guerreiro.
No início da década de 1960, foram as imagens da Campanha da Legalidade
que marcaram uma nova postura através do uso consciente e maciço dos meios de
19 Charles Monteiro
desde política internacional, política nacional, artes, vida social, cotidiano, esportes,
variedades e publicidade – buscando equilibrar informação, formação de opinião
e entretenimento.24 As revistas trabalhavam com polaridades como “nós” e os
“outros”,25 “presente e passado”, “tradição e modernidade” etc., seguidamente
propondo uma abordagem sensacionalista dos acontecimentos. Através de imagens
e palavras, as revistas construíram representações sociais, agregando novidade e
promovendo consenso sobre determinados significados sociais. Quanto menor a
competência na decifração dos códigos verbais, maior a importância das imagens
fotográficas que ocupavam a maior parte do espaço das páginas.
As fotorreportagens construíram uma imagem da cidade em processo de
mudança para o consumo das elites e das camadas médias, bem como uma imagem
dos novos sujeitos urbanos que chegam à cidade: os “outros”. Uma cidade cada vez
maior e difícil de abarcar pelo olhar humano, que necessitava da mediação dos meios
de comunicação para promover a compreensão e a legitimação das mudanças na
paisagem urbana em um tempo cada vez mais acelerado. Ao congelar fragmentos de
temporalidade, a fotografia permitiu condensar e recriar a nova imagem das cidades
brasileiras em processo de mutação: a destruição de espaços tradicionais e a criação
de espaços modernos submetidos à lógica da sociedade de consumo.
Ou seja, a fotografia nas revistas ilustradas e, em especial, as fotorreportagens
“davam a ver a cidade”, promovendo uma reeducação do olhar, sintetizando e
ressignificando esse processo de expansão horizontal e vertical urbana. Permitiram,
também, a difusão de toda uma nova cultura urbana, com novos parâmetros de
sociabilidade, de civilidade e de consumo, que passariam ser almejados e buscados
pelos leitores desses periódicos, ávidos em participar da modernidade urbana.
O estatuto da imagem fotográfica que predominava nas revistas ilustradas
era o da cópia da realidade e de documento verídico, que procurava apresentar como
objetiva e verdadeira a interpretação dos fatos abordados. As revistas ilustradas,
através das fotorreportagens, visavam ensinar uma nova maneira de ver, que
tanto entretinha e deleitava quanto cumpria a tarefa de informar e difundir uma
nova imagem moderna da cidade e da cultura urbana entre as camadas médias da
população brasileira.
Segundo Costa, “a fotorreportagem é uma narrativa que resulta da conjugação
de texto e imagem, ou seja, de duas estruturas narrativas totalmente distintas e
independentes, dentro de uma armação própria realizada pela edição”.26
De forma geral, as fotorreportagens iniciavam-se com uma fotografia de
página inteira ou página dupla, uma “imagem síntese” do tema, que visava mobilizar
24
COSTA (1992, p. 53-68).
25
BAITZ (2003).
26
COSTA (1992, p. 58), SOUSA (2004).
21 Charles Monteiro
privadas), as novas formas de sociabilidade públicas (muitas dessas ligadas aos novos
padrões de consumo), os novos equipamentos culturais, problemas de segurança
pública, de habitação, de transportes e, também, de política municipal. A revista
valorizava o processo de modernização e também abordava alguns dos “problemas
urbanos” de Porto Alegre.
Pode-se dividir a década de 1950 em duas metades. Na primeira metade,
observa-se a formulação dessa nova visualidade urbana moderna, mas ainda com
a presença de imagens das contradições sociais e dos problemas urbanos: a falta
de habitações, de energia, de água tratada, de esgotos, de hospitais, bem como os
vendedores ambulantes (camelôs), os acidentes de automóveis, as filas de ônibus
etc. Na segunda metade dos anos 1950, a revista se engaja no projeto e discurso
desenvolvimentista da administração do Presidente Juscelino Kubitschek (1956-
1960), de realizar “50 anos em 5”, e passou a privilegiar o processo de transformação
e modernização da sociedade e do espaço urbano, deixando em segundo plano as
críticas e as contradições que acompanhavam esse processo. Passa-se, então, à análise
de algumas das fotorreportagens sobre a elaboração da nova visualidade urbana.
28
Marco Inicial, Revista do Globo, n. 527, 2/3/1951, p. 61-63, 79.
23 Charles Monteiro
Fonte: “Marco inicial”, Revista do Globo, n. 527, 1951, p. 61 (esquerda), 62 (centro), 63 (direita.).
722, p. 38-42.
25 Charles Monteiro
Fonte: CARNEIRO, Flávio; FARIAS, Thales. “Porto Alegre cresce para o céu e para o rio”.
Revista do Globo, 1958, nº 722, p. 38-39.
26 Imagens da cidade de Porto Alegre nos anos 1950
Fonte: CARNEIRO, Flávio; FARIAS, T. “Porto Alegre via aérea, 1959”. Revista do Globo, 1959, nº 742, p. 10-11.
30
CARNEIRO, Flávio; FARIAS, T. “Porto Alegre via aérea, 1959”. Revista do Globo, 1959, nº 742, p. 10-16.
27 Charles Monteiro
31
“Bairro sem rua nem terra nem destino”, Revista do Globo, 30/9/1950, p. 54-57.
28 Imagens da cidade de Porto Alegre nos anos 1950
Fonte: “Bairro sem rua nem terra nem destino”, Revista do Globo, 30/9/1950, p.54-55.
na cidade. Porém, o texto também alerta que o bairro estava com os dias contatos diante
do projeto de aterro e construção do novo cais da zona norte (Bairro Navegantes).
Essa é uma das poucas reportagens que apontam para o problema da expulsão
dos moradores de uma área em decorrência da realização de grandes obras urbanas
pelo poder público. Entretanto, o texto e as fotografias da reportagem promovem a
estigmatização e a segregação desses sujeitos – chamados de “curiosa mistura de
trabalhadores, mendigos e malandros” – associando-os à sujeira, à degradação e a um
estado primitivo de vida social (falta de saneamento, escola, assistência médica etc.).
Tudo o que aqui falta reaparece no ano seguinte nos projetos habitacionais da Vila
dos Comerciários e na Vila IAPI, visando dar aos trabalhadores todos os confortos e
as comodidades da vida em habitações higiênicas e modernas com aluguéis módicos.
A fotorreportagem “Amarelou o sorriso da cidade”,32 com texto de Joseph
Zukauska e fotos de Pedro Flores e Wilson Cavalheiro, amplia o elenco dos
problemas urbanos – falta de água, de luz, de transporte e de moradia – através
de uma série de 15 fotos, a maioria de pequeno formato. As fotografias que
acompanham o texto apontam para a contradição entre os altos e modernos edifícios
do centro da cidade e as malocas
nas vilas populares da periferia
de Porto Alegre. Porém, o sentido
das fotos, sugerido pela leitura
da esquerda para a direita, parece
sugerir a sua superação por obras
que estavam em curso na cidade.
Fonte: ZUKAUSKA, Joseph; FLORES, Pedro, CAVALHEIRO, Wilson. “Amarelou o sorriso da cidade”.
Revista do Globo, 1954, nº 607, pp. 48-55.
ZUKAUSKA, Joseph; FLORES, Pedro, CAVALHEIRO, Wilson. Amarelou o sorriso da cidade. Revista do Globo,
32
Fonte: TAJES, T.; FLORES, P.; CAVALHEIRO, W. “Porto Alegre: Uma cidade entregue aos ladrões”.
Revista do Globo, 1953, n. 580, p. 60, 61.
Elas parecem conversar ou jogar, pois estão todas olhando para o centro
da roda. A fotografia em P&B, tirada de cima para baixo, ao nível dos olhos de
um adulto, com luz forte do meio dia, salienta os contornos e os volumes. Ao pé
da página, três pequenas fotografias no estilo retrato de meio-corpo e de formato
retangular vertical apresentam três homens de terno e gravata, sentados em fotos de
interior. O primeiro deles está sentado, com apenas ¾ de seu corpo aparecendo na
foto; o segundo está de perfil, sentado, falando ao telefone. O terceiro está de frente,
tendo ao fundo uma parede neutra.
Em uma delas, a fotografia central, é possível identificar que o local é um
escritório, pois o homem está sentado atrás de uma escrivaninha e fala ao telefone. A
análise da diagramação das fotografias na página da revista aponta para uma oposição/
tensão entre a fotografia dos meninos descalços representados acima da página e
as fotografias dos três homens de terno e gravata na parte de baixo da página. Essa
oposição é construída também no plano formal, pois a primeira fotografia é externa
e enquadra um pequeno grupo na rua, enquanto as três fotografias abaixo enquadram
planos fechados do interior de um escritório. A primeira é tirada de cima para baixo
apontando uma hierarquia do olhar (superioridade do fotógrafo/repórter/adulto que tira
a foto) e cortada no formato retângulo horizontal salientando o chão, no qual as crianças
encontram-se sentadas, já as outras três fotografias são tomadas da mesma altura dos
olhos dos homens de terno e são cortadas em um retângulo vertical (ascensão).
Na página seguinte, outras quatro fotos de formato pequeno e retangular
vertical completam a fotorreportagem. As legendas dessas fotos ampliam essa
contradição e aprofundam a tensão social entre esses dois grupos. Sobre o primeiro
grupo se projeta um olhar externo, que é um ser visto pelo outro, ou seja, a objetiva
do repórter fotográfico, e no segundo há um “dar-se a ver” da autoridade policial que
olha para a câmera do fotógrafo.
A legenda da primeira foto afirma que “sessenta por cento dos larápios que
agem em Porto Alegre são menores” e completa que “não é de estranhar, pois a
qualquer momento, em qualquer parte da capital, podem-se ver grupos de garotos
na malandragem, sem lar, sem escola, sem assistência”.36 As legendas das seis fotos
menores de homens de terno e gravata indicam que se trata do delegado Homero
Schneider, do delegado-adjunto Miranda Meira, do inspetor-chefe Osmar Barreto,
dos inspetores Osvaldo Scherer e Alfredo Vitorino Vargas e do depositário Agostinho
F. Pena. Todos individualizados ao serem retratados de perto em seu ambiente
de trabalho, no exercício de suas funções e identificados pelo nome, sobrenome
e respectivos cargos na polícia. A ordem policial é representada pelos policiais e
objetos relacionados ao seu trabalho (telefone, livros, cofre).
TAJES, T.; FLORES, P.; CAVALHEIRO, W. “Porto Alegre: Uma cidade entregue aos ladrões”. Revista do Globo,
36
37
Id., Ib., p. 60.
38
Id., Ib., p. 60.
39
Id., Ib., p. 61.
40
Id., Ib., p. 61.
41
Id., Ib., p. 61.
42
TOLEDO, D.; FLORES, P. Não é doce nem é lar. Revista do Globo, 1953, n. 616, p. 48-50, 56.
35 Charles Monteiro
Fonte: TOLEDO, D.; FLORES, P. “Não é doce nem é lar”. Revista do Globo, 1953, n. 616, p. 48-49.
Fonte: TOLEDO, D.; FLORES, P. Não é doce nem é lar. Revista do Globo, 1953, n. 616, p. 50, 56.
37 Charles Monteiro
44
Id., Ib., p. 50.
45
Id., Ib., p. 50.
46
Id., Ib., p. 50.
47
GOULART, A.; GUERREIRO, L. O novo lar para o pequeno marginal. Revista do Globo, 1957, n. 697, p. 36-41.
39 Charles Monteiro
Fonte: GOULART, A.; GUERREIRO, L. O novo lar para o pequeno marginal. Revista do Globo,
1957, n. 697, p. 36,37.
roupa”.48 A segunda foto é uma vista parcial que, em primeiro plano, apresenta uma
grande árvore e, em segundo plano, em toda a sua extensão um longo edifício de dois
andares, em terceiro plano, o céu ocupa boa parte do espaço da fotografia.
No plano formal, observa-se que o fotógrafo construiu uma foto tirada a
distância para enquadrar a árvore alta que se sobrepõe e projeta a sua sombra sobre
o longo prédio de dois andares com uma generosa porção de céu ao fundo. A árvore
alta parece proteger o edifício novo ao projetar sua sombra sobre ele. A tomada a
distância enfatiza o tamanho do prédio e sua integração com a natureza (árvore e
céu) construindo significados de salubridade e amplidão. O que também é destacado
na legenda e no início do texto da fotorreportagem: “Num amplo descampado, atrás
de uma colina, ergue-se o moderno edifício do Novo Lar de Menores”.49 O adjetivo
moderno coloca-o em sintonia com os objetivos reiterados da revista de ser porta-
voz do homem e da mulher moderna. No terceiro parágrafo descreve-se o Novo Lar:
Fonte: GOULART, A.; GUERREIRO, L. “O novo lar para o pequeno marginal”. Revista do Globo,
1957, n. 697, p. 38-39.
esclarece: “No refeitório este grupo, sem nenhuma cerimônia, mistura no café da
tarde conversa e risadas gostosas”. A foto é um instantâneo, a análise icônica sugere
o binômio formado pela amplidão da sala e a unidade do grupo ao redor da mesa para
a refeição. A descontração do grupo é vigiada e controlada pelo padre ao fundo, que
representa a autoridade e a ordem na instituição. O grupo que está bem centralizado
e em foco é núcleo significante da imagem. O contraste entre a luminosidade clara
da sala e os tons mais escuros das roupas dos meninos do grupo ao redor da mesa
complementa esse significado de unidade do grupo.
Referências
1
Mestre em História pela PUCRS. E-mail: rodrigo.massia@gmail.com.
2
BREITMAN (1976.).
3
SILVA (1978, 2006.).
4
Cf. POSSAMAI (1998, p. 95).
51 Rodrigo Massia
Trata-se de uma fonte textual na qual o escritor teve a oportunidade de escrever, corrigir
e enfatizar momentos de sua trajetória, bem como relegar outros ao esquecimento. O
processo de escrita permite maior controle sobre a edição e a escolha das palavras. A
motivação para a elaboração do livro teria sido de ordem pessoal, ou seja, responderia,
segundo Sioma Breitman, a uma demanda de memória familiar.
No caso de João Alberto, as entrevistas realizadas não obedeceram a um
roteiro estabelecido por esta pesquisa. Foram produzidas para registrar a trajetória
do fotógrafo, de modo que abarcasse a totalidade de sua atividade profissional.5 As
entrevistas, ocorridas em tempos distintos, não contaram com a presença ou com
qualquer sugestão de pauta para este trabalho. O contato com a fonte foi feito a
partir do áudio e da transcrição das falas do fotógrafo registradas nas fitas cassete.
Apesar de o autor não exercer o papel de entrevistador, a pesquisa contribuiu para
um momento decisivo do acervo oral: quando ele se torna um documento textual. O
material foi digitalizado e entregue ao Museu, que agora conta com o arquivo textual
e sonoro em formato digital.
Dentre os diferentes tipos de enfoque da História oral, este trabalho
caracteriza-se como uma história oral temática.6 Nessa abordagem o pesquisador
faz um uso direcionado da fonte, pois ela conduz as entrevistas ou as utiliza em
função de um tema que tem relação com a história de vida do entrevistado. Não
se mensurou aqui a tradição oral, mas os aspectos da memória individual de João
Alberto. Entende-se aqui a memória individual como “uma reconstrução psíquica e
intelectual que acarreta de fato uma representação seletiva do passado, um passado
que nunca é aquele do indivíduo somente, mas do indivíduo inserido num contexto
familiar, social, nacional”. A concepção teórica sobre a memória visa pensar em que
medida estas fontes podem auxiliar a pensar no circuito social da fotografia em Porto
Alegre nas décadas de 1940 e 1950.
11
Cf. MAUAD; KNAUSS (2007, p. 9).
12
Cf. COELHO (Opus cit., p. 95).
13 *
O trabalho de traço era a técnica que tornava possível o encaixe de uma fotografia aérea na outra. Essa técnica
era desenvolvida com o auxílio de aparelhos que aumentavam o foco das fotografias, para que o encaixe fosse o
mais exato possível.
14
Fala-se de inovação aqui em termos locais. A fotomontagem foi bastante utilizada na “nova arte” da Revolução Russa
e ainda timidamente na arte modernista e fotografia moderna brasileira. Sobre estes assuntos ver respectivamente:
FABRIS (2005, p.99-132.) e CHIARELLI (2003, p. 67-81).
15
Cf. LIMA; CARVALHO (1997, p. 99-100).
54 A técnica de João Alberto Fonseca da Silva e a arte de Sioma Breitman
nos anos de 1950. Este tipo de imagem respondia bem à demanda por realismo
e equilíbrio de proporções. Essas fotografias buscavam a exatidão em termos de
simetria que, em última análise, era produzida a partir do olhar humano.16 Nesse caso
aqui a presença do observador que visualiza a cena in loco era condição necessária
para a produção da fotomontagem.
Cabe ressaltar aqui que estes efeitos de realismo tendem a migrar, da imagem
para a cidade.17 Esse tipo de imagem tinha uma circulação bastante ampla e cumpria
funções técnicas e estéticas. As fotografias de arquitetura também exerceram forte
influência no fotojornalismo em ascensão nos anos 1940 e 1950. Essas imagens
fotográficas tinham um forte apelo de veracidade ao apresentar a modernização e
o crescimento urbano das cidades brasileiras e eram muito utilizadas pelas revistas
ilustradas.18 Além das revistas, é possível citar o uso desse tipo de fotografia pelo
fotoclubismo19 e pelos álbuns fotográficos. Em Porto Alegre também identificou-se
essa influência na produção de painéis fotográficos, que eram imagens de grande
formato produzidas a partir de fotografias. João Alberto fez parte do grupo de
fotógrafos pioneiros nesse tipo de fotografia.
Como é possível observar, a trajetória de João Alberto se confunde com a
própria história da fotografia. Muitas vezes o fotógrafo teve que achar suas próprias
soluções para as ideias apresentadas, como no caso de sua primeira fotomontagem,
que será abordada mais adiante. Do ponto de vista da estética sua obra não se
encontra isolada. Porém, mais importante do que localizar a imagem do ponto de
vista da estética, seria conhecer as condições sociais de produção da obra.20 A busca
de compreensão a partir desse enfoque aproxima-se de uma História da fotografia em
Porto Alegre. O depoimento de João Alberto permite que a compreensão de algumas
de suas imagens extrapole o campo estético.
A fotomontagem do edifício Formac na área central de Porto Alegre foi feita
sob encomenda de um arquiteto carioca que sugeriu ao fotógrafo João Alberto que
fizesse a montagem do prédio, ainda inexistente. A fotomontagem causou impacto
ao ser exposta na Casa Comercial Herrmann situada na esquina da Rua dos Andradas
com a Uruguai. Esse fato data de 1953 ou 1954, conforme o relato do fotógrafo. A
casa em questão vendia materiais fotográficos, relógios e joias. João Alberto, pelas
suas relações de amizade com o dono do estabelecimento, deixou a fotomontagem
exposta na vitrine da loja. O fotógrafo relata sobre os comentários que ocorriam
entre os transeuntes. Uma das falas que ficou marcada na memória de João Alberto
16
Cf. MENESES (2005).
17
Cf. LIMA; CARVALHO (Opus cit., p. 99-104).
18
Cf. MONTEIRO (2007, p. 159-176).
19
Notadamente os de São Paulo e Recife. Cf. LIMA; CARVALHO (Opus cit.), COSTA; SILVA (2004) e SILVA (2005).
20
Cf. BOURDIEU (1996, p. 11-16).
55 Rodrigo Massia
foi que a cidade na imagem não deveria ser Porto Alegre e muito menos que tivesse
sido feita por um fotógrafo local. Conforme o relato do fotógrafo:
causou um choque visual, pois uma imagem tida como reflexo da realidade estava ali
criando ficções, conforme é possível observar em seu produto final.
Figura 1: João Alberto Fonseca da Silva. Espaço de inserção da maquete e construção do prédio. In: CANEZ, p. 129.
Figura 2: João Alberto Fonseca da Silva. Fotomontagem do edifício Formac no espaço urbano de Porto Alegre,
1953. In: CANEZ (Idem).
57 Rodrigo Massia
27
Cf. SILVA (2006).
28
Cf. DUBOIS (1993).
59 Rodrigo Massia
29
MASSIA (2008).
30
Sobre Marcel Gautherot ver: ANGIOTTI-SALGUEIRO (2007).
31
Sobre Pierre Verger ver: LÜHNING (2002).
32
Cf. COELHO (Op. cit.).
33
Essa prática fazia parte dos grandes estúdios do século XIX e início do XX. A citação do nome desses artistas que
trabalhavam com os fotógrafos era recorrente nos anúncios publicitários dos estúdios, pois conferia ao mesmo o
status de espaço de produção de arte. Cf. LIMA (1991, p. 59-82).
60 A técnica de João Alberto Fonseca da Silva e a arte de Sioma Breitman
perguntar o ‘grosso’ cliente como era o penteado do falecido que figurava no retrato,
a resposta era: ‘Quando você tirar o chapéu, verá – não vale rir...”.34
Em meados dos anos 1960 o fotógrafo já havia trabalhado em uma gama
enorme de atividades como, por exemplo, estúdios de retrato,35 as vistas urbanas, as
festas e os casamentos da elite porto-alegrense, fotografia para as peças teatrais que
passavam pela cidade, publicação de álbuns e os concursos de arte fotográfica que
lhe renderam inúmeros títulos e distinções em nível nacional e internacional. Além
de participar com trabalhos fotográficos, Sioma foi membro ativo na organização
das exposições de arte fotográfica em Porto Alegre, captando recursos e firmando
parcerias com empresas distribuidoras de material fotográfico. Ministrou cursos de
fotografia e aulas de russo. Viajou para fora do país com a Exposição: Rio Grande
do Sul através da fotografia e Arte Fotográfica, no ano de 1958. Percorreu Portugal,
Espanha, França, Alemanha, Itália e Israel. No ano de 1959, com patrocínio da Varig,
expôs estes mesmos trabalhos em Nova York.
Depois de mais de 40 anos dedicados ao ofício da fotografia, grande parte
dele exercido em Porto Alegre, Sioma escreveu um livro de memórias sobre sua
trajetória profissional, o qual fala das suas atividades, da sua condição judaica, relata
histórias sobre alguns de seus registros fotográficos, os lugares por onde passou, as
premiações, os colegas de trabalho, a fundação da associação. O livro, intitulado
Respingos de Revelador e Rabiscos, foi editado por seu filho, Irineu Breitman. A
obra não contou com a parceria de nenhuma editora, sendo seu acesso ainda feito em
uma edição caseira, com as folhas batidas à máquina e as fotografias fotocopiadas
ao longo do livro, utilizadas como ilustração dos temas abordados pelo fotógrafo.
No início da obra, Sioma revela que o objetivo do livro era contar sua
trajetória aos netos e bisnetos, como forma de relatar parte da saga da família, que
partiu de uma Europa em guerra e com muito trabalho conseguiu êxito no Brasil,
superando as dificuldades naturais do choque entre culturas distintas. Contudo é
inegável que se trata de uma obra na qual o autor imaginou outras possibilidades
de circulação. As evidências de um texto que se aproxima do histórico são latentes.
Muitas vezes o autor se coloca quase que como uma terceira pessoa, outras vezes
relata experiências pessoais. O texto alterna momentos de narração de estórias com
relatos de memórias afetivas, ao mesmo tempo em que apresenta trechos de elevada
erudição, com referências literárias e análises de cunho histórico e antropológico.
Os textos e imagens de Sioma Breitman são itinerários possíveis para
percorrer parte do universo da fotografia em Porto Alegre entre os anos de 1930 e
1960. A sua atuação constitui-se em um conjunto amplo de possibilidades da prática
34
BREITMAN (Op. cit., p. 32).
35
Sioma montou cinco estúdios fotográficos. Quatro deles tinham o nome de Aurora e ficaram sob a gerência de seus
irmãos. O mais importante deles foi montado em 1937 e levava o seu nome: Sioma. Cf. BREITMAN (Ibdem, p. 28.).
61 Rodrigo Massia
fotográfica. Muitas delas se caracterizam por ser uma novidade para o período. São
elementos que se referem à própria expansão da atividade fotográfica, por inovações
de ordem técnica e social. Não se pode perder de vista que a fotografia é uma
invenção moderna, que surgiu em plena vigência da segunda revolução científico-
tecnológica, de forte influência da filosofia positivista. A própria ideia de progresso
material, tão em voga no período, fez da fotografia elemento estratégico da demanda
social por realismo e objetividade. Cabe aqui avaliar essa dimensão da fotografia,
pois é justamente esse o caminho de abertura – o fotojornalismo, a publicidade e os
eventos sociais – que melhor responderam a esse tipo de demanda que só a imagem
técnica era capaz de proporcionar no período a um público amplo e variado.
Apesar de todas as inovações advindas das máquinas portáteis e das
possibilidades de trabalho fora dos estúdios fotográficos, esses ainda constituíam-se
no espaço por excelência da produção fotográfica. O retratista mantinha seu status
de artista-fotógrafo, qualidade atribuída a quem atingia algo próximo do sublime em
fotografia: captar a personalidade do retratado e fixá-la em uma imagem fotográfica.
Os estúdios fotográficos do centro da cidade ainda mantinham seu status de espaços
consagrados à nobre arte do retrato. O estúdio Sioma era um deles,36 no qual as grandes
personalidades políticas e artísticas confeccionavam seus retratos. Localizado na rua
dos Andradas, na área central da cidade, o estúdio era um catalisador de atividades
fotográficas. Além dos tradicionais retratos, se confeccionavam ampliações,
revelações, lembranças de aniversário e casamento. O estúdio era também um
espaço de sociabilidade, onde fotógrafos se reuniam. A vitrine, onde Sioma expunha
seus retratos, fazia publicidade do retrato artístico, como uma capacidade de que
poucos fotógrafos eram dotados, conforme afirmava seu material publicitário:
“Para o melhor retrato procure Sioma. Um retrato artístico... sempre Sioma”.37 O
retrato artístico foi o modo de representação do indivíduo burguês, como forma de
construção da sua distinção social.38
No estúdio Sioma foram produzidos os retratos oficiais de personalidades
políticas como Getúlio Vargas, Flores da Cunha, Cordeiro de Farias, diversos
funcionários do alto escalão do estado,39 do escritor Erico Verissimo, do ator e produtor
36
O estúdio Sioma mantinha a tradição dos grandes estúdios de retrato, tributários do séc. XIX, no qual a localização
se constitui em uma evidência de distinção, frente a um contexto de vulgarização, tanto dos estúdios como da
produção de retratos. Cabe lembrar aqui que a área central ainda era o espaço de maior valorização, tanto econômico
quanto social, da cidade. Cf. POSSAMAI (2005.) e SANTOS (1997.).
37
BREITMAN (Opus cit., p. 148.).
38
Para saber mais sobre a historicidade da relação entre o retrato e o modo de vida burguês ver em especial
FREUND (1999.).
39
Em uma edição da Revista do Globo alusiva aos feitos do Estado Novo e as comemorações do bicentenário de
Porto Alegre, foi feita uma extensa reportagem sobre o crescimento do Estado, no qual grande parte dos retratos
dos prefeitos das cidades em destaque foi produzida por Sioma Breitman. É interessante notar que a assinatura do
fotógrafo assume destaque na imagem, pelas dimensões, localizada logo abaixo do rosto, na parte inferior à direita.
Cf. Revista do Globo (1940, p. 72-160.).
62 A técnica de João Alberto Fonseca da Silva e a arte de Sioma Breitman
música erudita, a pintura. Fazer da fotografia uma forma de arte é, conforme aponta
Bourdieu, uma atitude transgressora.49
Sioma Breitman observa que a prática corrente impede que novas formas
de expressão em fotografia sejam desenvolvidas, o que também obstaculiza a
constituição de espaços de formação e aperfeiçoamento da atividade fotográfica.
Sioma evidencia em seu discurso uma visão tradicional, legado pela fotografia
pictorialista,50 na qual o fotógrafo deve ser um sujeito versado nas artes e na
literatura. Sua bagagem cultural deve lhe permitir a obtenção de uma fotografia que
fuja à prática corrente e aos imperativos do mercado. Para que tal realidade fosse
possível em Porto Alegre, fazia-se necessário a organização de uma associação
que promovesse salões de arte fotográfica e oferecesse cursos de fotografia,
concebendo-a como forma de expressão artística.
O fotógrafo também comenta sobre o contexto de produção de algumas de suas
fotografias premiadas, o que permite compreender a apropriação de certas concepções
e práticas fotográficas que vigoravam no período. A ideia de uma fotografia cândida,51
na qual o fotógrafo é uma testemunha silenciosa e discreta do acontecido é uma
postura, que surge em decorrência das novas possibilidades técnicas (máquinas de
pequeno formato que independem do uso do flash), que foi utilizada no fotojornalismo.
No campo da arte fotográfica, esse tipo de fotografia exigia do sujeito a sensibilidade
de observar uma cena fugidia e lançar um olhar poético sobre a realidade exterior.
Fotos posadas eram práticas associadas à fotografia corrente, produzida em eventos
sociais, como casamentos, festas, aniversários e demais eventos de cunho familiar. A
arte fotográfica praticada entre os anos 1940 e 1960 procurou se afastar deste tipo de
fotografia. A máquina fotográfica era entendida como uma espécie de arma silenciosa,
na mira de um instante decisivo, único. Esta concepção encontra tradução nas palavras
do fotógrafo francês Henri Cartier-Bresson, quando este diz que a fotografia é um
momento de cruzamento entre o “cérebro, olho e o coração”.52 A partir da narrativa
de Sioma, é possível entender um pouco mais das motivações pessoais e as soluções
encontradas por ele para fotografar o cenário, de acordo com a sua ideia. A discussão
recairá sobre a fotografia intitulada por ele de “Súplica”.
49
BOURDIEU (Opus cit., p.80-87.). O autor faz aqui uma divisão entre o que ele caracteriza por uma fotografia
corrente e uma fotografia exigente. Estas duas tipologias são analisadas dentro da perspectiva de uma fotografia
amadora. Outra ressalva importante é que o autor faz suas considerações sobre o contexto francês dos anos 1960.
50
Ver em linhas gerais e sob uma perspectiva nacional e internacional, respectivamente: MELLO, (Opus cit.) e
NEWHALL, (2002, p.141-166.).
51
A fotografia cândida, conforme refere o adjetivo, constitui-se em uma imagem na qual a presença do fotógrafo não
foi percebida pelos retratados. Esta prática só se tornou possível pela existência das máquinas portáteis como a Leica,
a Ermanox e a Rolleiflex, para citar as mais conhecidas. Esse tipo de fotografia passou a ser praticada principalmente
pelo fotojornalismo alemão dos anos 1920, tendo como principal referência o fotógrafo Erich Salomon. Na arte
fotográfica brasileira dos anos 1950 identifica-se essa mesma postura, só que para fins diferentes. Ver por ordem das
referências abordadas: FREUND, (Opus cit., p. 99-123) e COSTA; SILVA, (Opus cit., p.63-70.).
52
CARTIER-BRESSON (2004.).
66 A técnica de João Alberto Fonseca da Silva e a arte de Sioma Breitman
Sioma conta que certa vez uma de suas inúmeras clientes que solicitavam
seu trabalho nos casamentos foi ao seu Estúdio para retirar as fotografias. Na ocasião
estava com luvas de couro e as tirou para manusear suas fotos. A cliente teria ficado
tão satisfeita com o resultado do trabalho que ao sair esqueceu-se de seu par de
luvas, o que prontamente despertou o interesse do fotógrafo. Ao ver que as luvas,
pela maciez do couro ainda mantinham a forma das mãos com suas rugosidades
o fotógrafo começou a pensar em um projeto fotográfico com o objeto. A luva
clara sob um fundo escuro com os efeitos de luz artificial sugeriu uma imagem de
um gestual de súplica, de conotação fortemente religiosa. De tão satisfeito com o
resultado, Sioma decidiu inserir esta imagem em sua Exposição de 1958, chamada
“Arte Fotográfica”, que percorreu diversos países da Europa e América.
da expressão artística contida na foto seria perdida com o tempo, fazendo de suas
fotografias expressões mudas, completando o caminho de uma imagem automática
para uma imagem autônoma.56 Os propósitos de Sioma ao fazer seus registros seriam
perdidos sem o recurso das palavras. Mesmo para um homem que viveu imerso
no mundo das imagens, o recurso da palavra se constitui em algo definitivo, que
revelaria e estabilizaria a “verdade” da cena retratada?
Referências
As questões sobre a publicação de imagens têm sido cada vez mais discutidas
e analisadas pelos diversos saberes em estudos que abordam desde a análise de
imagens até entrevistas com o público receptor. Segundo o historiador Peter Burke
(2004, p. 24), “deve-se aconselhar alguém que planeje utilizar o testemunho de
imagens para que se inicie estudando os diferentes propósitos dos realizadores dessas
imagens”. Tais propósitos, às vezes, se distanciam do resultado final – a imagem
publicada – e o processo que existe por trás das imagens nos informa muito sobre a
lógica dessas publicações.
A fotografia, surgida em 1839, de acordo com Susan Sontag (2004, p. 13),
atua como uma ponte entre o mundo e nós, tornando próximo o que está distante,
informando outras realidades e outros tempos. Como aponta Ivan Lima (1989,
p. 9), a fotografia “mudou a visão das massas. Até então o homem comum só
visualizava os acontecimentos que ocorriam ao seu lado, na rua, em sua cidade”.
Hoje, temos acesso a uma gama enorme de situações, dos grandes feitos dos homens
às catástrofes que mobilizam o público. Os acontecimentos são congelados pela
lente do fotógrafo, pois “a fotografia jornalística fixa um acontecimento e as suas
impressões. O fotógrafo é o relator desse acontecimento: o intermediário visual entre
a notícia e o público”, como indica Lima (1989, p. 35). Por ser um intermediário
visual, o profissional também filtra e altera a realidade a ser mostrada, no sentido
de que escolhe o quê, como e quando fotografar. Os primeiros periódicos no Brasil
possuíam poucas imagens e, no século XIX, o acesso a essas fotos era restrito. Dessa
forma, as imagens causavam grande impacto nas pessoas, como afirmam Marco
Morel e Mariana Barros (2003). De acordo com os autores, as primeiras imagens na
mídia impressa, no Brasil, tinham a guerra – do Paraguai e de Canudos, por exemplo
– como principal tema. Já com relação à revista, o jornalista Eugênio Bucci (2000, p.
1
Mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. O presente artigo é parcialmente
baseado na Dissertação de Mestrado em Psicologia intitulada “Imagens de morte na mídia impressa: o olhar do
fotógrafo”, defendida em 2007, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, sob orientação da Dra.
Monique Augras.
73 Maria Cláudia Quinto
109) aponta que “a fórmula da revista semanal de informação” foi criada pela revista
Time na década de 1920.
No Brasil, Lima (1989, p. 71) indica que “o ciclo das revistas semanais de
informação com a fotografia em cores surgiu no final dos anos 1960, e teve início
com a revista Veja e Leia”. Segundo o autor (p. 71), a revista Veja surgiu em 1968,
e em março de 1976 foi lançada a revista Isto É. Sobre esta última, Lima (1989, p.
74) afirma que “o surgimento da revista Isto É foi fundamental para o surgimento
de grupos de fotógrafos independentes e para a posterior criação de agências de
fotógrafos”. Finalmente, de acordo com Lima (1989, p. 74), em 25 de maio de 1977,
na edição 22, a revista Isto É viria a publicar “a sua primeira grande reportagem
fotográfica. Na época, foram mostrados, em várias fotografias, os conflitos da Polícia
com estudantes universitários”.
A partir desse momento, informar passou a significar mostrar, como indica
Muniz Sodré (1972, p. 52), e essa regra parece persistir até hoje, até porque a
fotografia é compreendida de maneira mais direta e rápida do que o texto. Como
ressalta Lima (1989, p. 10), “a facilidade do entendimento e a força da imagem é
que colocaram a imagem produzida pela fotografia na vanguarda da transmissão
da informação nos meios impressos”. De acordo com o autor (p. 39), “a notícia
vinculada com a fotografia em um jornal é sempre mais lida”.
Para abordar sobre o tema fotografia é preciso, inicialmente, registrar que
as primeiras máquinas fotográficas surgiram na França e na Inglaterra, no início da
década de 1840, de acordo com Susan Sontag (2004, p. 18), e “só contavam com os
inventores e os aficcionados para operá-las”. Conforme a obra citada, a fotografia,
nessa época, “não tinha nenhuma utilidade social clara” (p. 18), sendo que sua
importância, como registro da realidade, foi reconhecida somente mais tarde. Em
termos de estrutura, a fotografia de imprensa – e, dentro dela, o fotojornalismo -
é considerada como uma vertente da fotografia documental, de acordo com Lima
(1989, p. 11). O valor da fotografia documental é inquestionável, no sentido de
mostrar e denunciar realidades às quais não teríamos acesso de outras maneiras.
As primeiras guerras “registradas por fotógrafos” foram a Guerra da Crimeia
(1854-56) e a Guerra Civil Espanhola (1936-39), de acordo com Sontag (2003, p.
21). A autora comenta que “até a Primeira Guerra Mundial, o combate propriamente
dito esteve fora do alcance das câmeras” e que as imagens da guerra “publicadas
entre 1914 e 1918, quase todas anônimas, eram, em geral [...] de estilo épico” (p.
21-22). A filósofa cita o exemplo da Guerra Civil Espanhola, como sendo “a primeira
guerra testemunhada (‘coberta’) no sentido moderno: por um corpo de fotógrafos
profissionais nas linhas de frente e nas cidades sob bombardeio” (p. 22). Em relação
à fotografia de guerra, Sontag (2004, p. 51) oferece um interessante relato:
74 Por trás das lentes, uma história
atual afirma que “o jornalista não pode divulgar informações [...] de caráter mórbido,
sensacionalista ou contrário aos valores humanos, especialmente em cobertura de
crimes e acidentes”. O artigo 12 informa que o jornalista deve “rejeitar alterações
nas imagens captadas que deturpem a realidade, sempre informando ao público o
eventual uso de recursos de fotomontagem, edição de imagem, reconstituição de
áudio ou quaisquer outras manipulações”. Esses são alguns exemplos da atual
preocupação da Comunicação com as questões de ordem ética.
As questões sobre a ética na Comunicação também dividem os profissionais
do meio, e, como ressalta Eugênio Bucci (2000, p. 11), “o jornalismo é conflito,
e quando não há conflito, um alarme deve soar. Aliás, a ética só existe porque a
Comunicação Social é lugar de conflito”. O jornalista (p. 10) comenta, ainda, que
maiores abstrações. Após a publicação de uma foto, uma nova pauta é recebida,
e uma nova imagem deve ser feita. A dinâmica da velocidade na imprensa acaba
por servir de justificativa para o não pensar a reação do público. E dessa forma
os dias se passam, pauta após pauta, com profissionais despejando imagens às
vezes impensadas sobre um público consumidor que pode querer dedicar tempo a
essas imagens. O receptor pode se tornar consciente de tais imagens, nutrindo uma
autoridade no assunto que o emissor nem sempre parece ter, por estar algumas vezes
mais envolvido com a velocidade da informação do que com o conteúdo. Nesse
caso, a posse da imagem pode passar do emissor distraído ao receptor mais atento,
que dispõe de tempo para analisar e absorver a imagem. Durante todo o processo,
a imagem interage mais com o receptor do que com o emissor, que está focado,
naturalmente, com a pauta do dia seguinte.
Sobre o conteúdo da mensagem, despertar a emoção no público parece
significar que, assim, a comunicação é humanista. É possível perceber isso pelo
relato de Bucci (2000, p. 95) ao dizer que “banir a emoção da informação é banir a
humanidade do jornalismo. E é banir o público. Os leitores, internautas, ouvintes e
telespectadores reagem emocionalmente [...] aos acontecimentos”. Será que podemos
afirmar que reagir ao acontecimento significa que a comunicação é humanista?
Despertar emoção significa necessariamente que a comunicação é humanista, se o
sentimento gerado for negativo e angustiante para seus consumidores?
Para Dominique Wolton (2002a, p. 64), doutor em Sociologia, “a comunicação
torna-se um setor explosivo se, ao lado da técnica e da economia, não se incluem
orientações humanistas”. A comunicação, segundo Wolton, “é um grande desafio
científico e político do século XXI” (2002b, p. 1). Para o autor, através dela “joga-se
em definitivo a relação de cada um de nós com o mundo” (p. 3). Wolton (2005, p.
12-13) indica, ainda, que “o essencial da comunicação é o respeito ao outro, diálogo
entre as culturas, construção da tolerância. E é sobre isso que a comunicação é
certamente responsável”. Dessa forma, Wolton (2003b, p. 42) salienta quatro pontos
a serem considerados sobre as imagens: (1) “valorizar a importância do contexto,
da história”; (2) “reconhecer a dimensão crítica do receptor”; (3) “jamais pensar a
imagem ‘em si’” (independente do seu público-alvo, considerando-o como um “ser
universal, sem identidade”) e (4) “não há imagem sem imaginário” (o imaginário
do produtor da imagem pode ser diferente do receptor). Refletir sobre essas quatro
dimensões é fundamental para aquele que deseja pesquisar sobre imagens publicadas
na mídia. Ainda hoje, a capacidade crítica do receptor nem sempre parece ser
valorizada como deveria e o público é frequentemente visto como um ser universal –
é comum supor o que o público gosta ou deseja e usar tais argumentos para legitimar
as formas como as notícias são produzidas.
80 Por trás das lentes, uma história
Relato de Pesquisa
ser publicada ou não, o que deve contar é o bom-senso. Outros acreditam que, nesse
momento, o respeito às pessoas deve ser a prioridade, assim como a reação do
público. Sobre a aprovação do público, os relatos enfatizaram a importância de estar-
se atento à forma como esse reage diante da publicação de imagens violentas, através
de contatos feitos com a redação do jornal ou revista. Vários fotógrafos entrevistados
relataram preocupação em não expor imagens violentas. Outra preocupação relatada
foi no sentido de produzir fotos de qualidade, resgatando um aspecto artístico e
valorizando o fotojornalismo perante o campo da Fotografia.
Durante as entrevistas, apareceram, também, elementos importantes sobre a
subjetividade e emotividade dos profissionais, alguns relataram sobre dificuldades
encontradas em situações nas quais se depararam com notícias tristes sobre pessoas
conhecidas ou sobre o medo que sentiram em situações de risco na cobertura de certas
matérias, enfatizando a dicotomia entre a procura da beleza nas situações e a possibilidade
real de estar exposto a riscos. Em algumas situações relatadas, a preocupação em
captar o instante parece se sobressair ao cuidado com a própria segurança: o fotógrafo
deseja conseguir tal foto e ser reconhecido por isso, inclusive, pelo risco ao qual se
submeteu. Lima (1989, p. 37) observa que “o fotógrafo também não pode ser um
espectador passivo nem se envolver emocionalmente com o acontecimento”. Porém, a
busca desse equilíbrio parece fácil em teoria, mas difícil de ser aplicada no momento
em que cenas chocantes acontecem diante dos olhos do fotógrafo.
Sobre as imagens selecionadas para as capas de revistas, vários entrevistados
lembraram-se de imagens de situações difíceis, mas que foram captadas de maneira
bela e sensível por outros fotógrafos, enfatizando a importância da sensibilidade do
profissional e também da identificação que certas imagens são capazes de produzir
nas pessoas. O importante é que sejam consideradas as diferenças nos imaginários
dos consumidores e dos produtores das imagens. Nesse aspecto, Wolton (2003b, p.
42) sinaliza que “entre a intenção dos autores e a dos receptores não operam somente
os diferentes sistemas de interpretação, de codificação e de seleção, mas igualmente
todos os imaginários”.
Como vimos, a discussão sobre as imagens publicadas na mídia impressa
abarca uma série de questões sobre variadas práticas. O processo precisa ser
compreendido cada vez mais a partir de um olhar múlti e interdisciplinar, que possa
compreender e respeitar os diversos campos de atuação, mas que também possa
lançar um olhar crítico sobre os fenômenos contemporâneos que nos cercam. A
proliferação das imagens abre margem a uma espécie de anestesia social na qual o
risco da banalização está intrínseco no processo. Cada vez mais, parece ser necessário
despertar para essas questões, lançar um olhar atento às imagens, às subjetividades
envolvidas nos processos e à própria necessidade de se consumirem tantas imagens.
83 Maria Cláudia Quinto
Referências
Sites consultados
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE JORNAIS. Disponível em: <http://www.
anj.org.br>. Acesso em: 22 mar. 2009.
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS EDITORES DE REVISTAS. Disponível
em: <http://www.aner.org.br>. Acesso em: 05 jun. 2007.
88 Por trás das lentes, uma história
Pode-se perceber que o critério utilizado pelos autores para definir o que
seria a fotografia moderna e onde ela se posicionaria dentro do panorama geral da
fotografia está baseado na sua inserção em um meio legitimador – o Foto Cine Clube
Bandeirante. As contribuições esparsas, ainda que relevantes, são colocadas em
segundo plano por não se inserirem nesta categorização.
1
Mestre em História, Teoria e Crítica da Arte e Doutoranda em História do PPGH/PUCRS. E-mail: etchev@gmail.com.
2
Cf.: Kossoy (1998, 2002 a, 2002 b, 1983), Fabris (1998, 2007, 2008), Pedro Karp Vasquez (1985, 2002, 2003),
Solange Ferraz de Lima (1997), Vânia Carneiro de Carvalho (1997), Zita Possamai (2005).
3
Cf. Helouise Costa e Renato Rodrigues da Silva (2004).
4
Cf. Tadeu Chiarelli (2003).
5
Cf. Rubens Fernandes Júnior (2006).
6
Helouise Costa e Renato Rodrigues da Silva (2004, p. 36). As especulações a que os autores referem-se dizem
respeito às imagens de Jorge de Lima, Athos Bulcão e Fernando Lemos, os dois primeiros ligados à fotomontagem,
em textos escritos por Paulo Herkenhoff, Annateresa Fabris, Fernando Cocchiarale e Ricardo Mendes.
91 Carolina Etcheverry
dos principais textos escritos sobre Geraldo de Barros e José Oiticica Filho; a quarta
parte deste texto é dedicada à inserção das fotografias no contexto geral da História
da Fotografia brasileira e, por fim, a quinta parte dedica-se a analisar as imagens dos
fotógrafos dentro do contexto nacional das Artes Visuais. Com isto buscamos abarcar as
principais questões relacionadas às fotografias de Geraldo de Barros e de José Oiticica
Filho, fornecendo um panorama de sua obra, procurando facilitar estudos posteriores.
Neste ponto é preciso fazer uma digressão para entendermos de que modo as
fotografias de Geraldo de Barros e de José Oiticica Filho podem ser entendidas em
termos conceituais, visto que os vários autores que pensaram a respeito de tais imagens
(e não apenas as destes artistas) as denominam de modos bastante diferentes. É preciso
definir estes modos, a fim de melhor entender as implicações de cada um deles.
As fotografias de Geraldo de Barros e José Oiticica Filho podem ser inseridas
na ideia de “campo expandido” da fotografia. Segundo Rubens Fernandes Júnior,
criador da ideia,
experimentos que culminariam na série Vorticism (na qual ele se utiliza de prismas
para criar a imagem). Também foi o responsável pela organização de uma exposição
de fotografia abstrata, na qual buscava a “apreciação do extraordinário”. Entretanto,
no caso de Gernsheim – conhecido fotógrafo e historiador da fotografia – o termo
“fotografia abstrata” não tem um uso crítico, apenas operatório.
Na esteira desta terminologia, Paulo Herkenhoff, em 1983, escreve para o
catálogo da exposição de fotografias de José Oiticica Filho aquilo que entende por
fotografia abstrata. Segundo o autor,
19
Paulo Herkenhoff (1983, p. 13).
20
Filiberto Menna (1977, p. 50-52, tradução nossa).
97 Carolina Etcheverry
Nota-se que o que parece ser fácil – encontrar um termo justo para referir-se a
determinadas fotografias – mostra-se, em realidade, uma reflexão bastante profícua.
Percebe-se que o termo “fotografia abstrata” não explica por si só as imagens
fotográficas de Barros, Oiticica Filho e muitos outros. Ela apenas refere-se ao fato
de que o objeto da fotografia não se faz claro aos nossos olhos, mostra-se à nós
de maneira “abstrata”. Mas se a fotografia é o registro de luz emanada por objetos
reais em uma superfície fotossensível, é possível pensar em abstração, em oposição
à existência de uma figura? Não seria mais apropriado buscar outros modos de
referir-se a determinadas imagens, sem engessá-las em uma terminologia demasiado
genérica e, por vezes, inapropriada? Em alguns casos, fotografia não narrativa
basta, em outros é preciso ir além, identificando-a como fotografia construtiva, de
composição geométrica, com referente não identificável, não denotativa – o que
melhor se aplicar à fotografia que se tem à frente.
O debate dos críticos: uma revisão historiográfica
Sobre Geraldo de Barros e José Oiticica Filho, foram escritos alguns textos,
de pesquisadores e críticos de renome, que servem como baliza para uma primeira
aproximação à pesquisa sobre tais personagens. Ao revisar tais textos, pretendemos
reafirmar a importância que tiveram na divulgação e na valorização do trabalho destes
fotógrafos no contexto da fotografia nacional. Assim, trataremos de textos de Pietro
28
Arlindo Machado (1984, p. 155).
100 História da fotografia moderna brasileira
Maria Bardi, Radhá Abramo, Annateresa Fabris, Maria Teresa Bandeira de Mello,
Antonio Fatorelli, Helouise Costa, Paulo Herkenhoff, Heloísa Espada Lima e Paulo
Henrique Camargo Batista. Entre artigos, ensaios, capítulos de livros e dissertações
de mestrado, pretendemos mostrar como estes fotógrafos foram construídos enquanto
objeto de estudos pelos mais diversos autores, preocupados em sistematizar o estudo
a respeito das obras de Geraldo de Barros e José Oiticica Filho.
Procurando manter uma ordem cronológica na abordagem dos textos, de
modo que fique visível a tentativa de reconstrução crítica da historiografia a respeito
destes fotógrafos, parece-nos conveniente iniciar este percurso pensando sobre dois
pequenos ensaios, escritos por Pietro Maria Bardi, em 1950, para o catálogo da
exposição de Geraldo de Barros, Fotoformas, e por Radhá Abramo, em 1977, para o
catálogo da exposição Geraldo de Barros: 12 anos de pintura 1964 a 1976, realizada
no MAM-SP, em 1977.29 Bardi inicia este ensaio para o catálogo da exposição
Fotoformas afirmando que Barros tinha a composição como um dever, transformando
segmentos lineares em harmonias formais agradáveis. Para o autor, o fotógrafo
utiliza a fotografia como meio de fugir dos verismos da pintura, pois, ainda que a
fotografia seja um meio verista por excelência, ela também “se presta a transformar
a sensação numa expressão sem “artisticidade”, pura derivação de sombras e por
isso mais ligada à abstração”.30 Bardi encerra a apresentação às fotografias de
Geraldo de Barros anunciando sua viagem de estudos a Paris, da qual ele voltaria,
certamente, muito enriquecido. O texto de Radhá Abramo busca apresentar o artista
e sua criação, por ocasião de sua exposição de pinturas. A autora não aborda tanto as
fotografias quanto suas pinturas, que são caracterizadas por ela como “ambíguas”.31
Entretanto, ao traçar a biografia de Barros, Abramo acaba por pincelar sua pesquisa
fotográfica, elencando seu papel na organização do Laboratório de Fotografia do
Masp, em 1949, e sua participação em inúmeras exposições fotográficas, nas quais é
inclusive fotógrafo premiado.
Paulo Herkenhoff32 escreveu três textos importantes para o tema em estudo.
O primeiro deles, de 1983, é sobre José Oiticica Filho, e os dois últimos, de 1987 e
1989, são sobre Geraldo de Barros. O texto A trajetória: da fotografia acadêmica
ao projeto construtivo busca traçar um panorama da obra de José Oiticica Filho,
enumerando as quatro fases pelas quais o fotógrafo teria passado: o utilitário, o
fotoclubista, o abstrato e o construtivo. Segundo Herkenhoff,
Na mesma linha, o autor encerra o artigo afirmando que, nos anos 50, a
arte concreta podia ser relacionada com a utopia do desenvolvimento nacional.
Do mesmo modo, as fotografias de Geraldo de Barros podem ser entendidas como
pertencentes a este ideal, em razão do rigor compositivo. Todos os textos de Paulo
Herkenhoff têm como mérito o fato de terem realizado um apanhado crítico da obra
destes fotógrafos, alçando-os a um outro patamar de reconhecimento pelo público e
pelos estudiosos acadêmicos.
Merece destaque também o livro A fotografia moderna no Brasil, publicado em
1995, com reedição em 2004, escrito por Helouise Costa e Renato Rodrigues da Silva.
Este livro pioneiro tem a importância de trazer à tona a formação de uma fotografia
moderna brasileira, gestada no Foto Cine Clube Bandeirante (FCCB), em São Paulo.
No que tange Geraldo de Barros e José Oiticica Filho, os autores os colocam como a
expressão máxima da fotografia moderna no Brasil. Geraldo de Barros ganha destaque
por ser o primeiro fotógrafo moderno, membro do FCCB a intervir no processo clássico
de produção da fotografia – fotografar, revelar, ampliar –, “dando corpo a um profundo
questionamento dos limites da linguagem fotográfica”.39 Esta liberdade a que Barros
se permitia ao criar suas imagens o manteve ao largo das atividades do fotoclube, que,
na época, não se encontrava aberto aos seus experimentos fotográficos. Entretanto, o
fotógrafo, como já mencionado anteriormente, teve profunda influência nas relações
entre o FCCB e a Bienal de São Paulo.
38
Paulo Herkenhoff apud Geraldo de Barros (2006, p. 157). Este texto foi publicado originalmente em 1989, para o
catálogo da exposição no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.
39
Helouise Costa e Renato Rodrigues da Silva (2004, p. 43).
103 Carolina Etcheverry
No FCCB, Oiticica Filho é visto como “um dos mais destacados mestres do
abstracionismo fotográfico com suas derivações e recriações”.42 Com esta análise,
Costa e Silva reafirmam a importância do trabalho do fotógrafo, e mostram como
este passou pelas diversas fases da fotografia, como apresentado por Herkenhoff.
Na edição de 1995 do livro, os autores encerram a parte dedicada à Oiticica Filho
situando-o não como pioneiro da fotografia moderna, mas como pertencente à fase
de diluição desta experiência. Já na edição de 2004 há uma reformulação desta
posição, como é possível perceber no seguinte excerto:
Com isto podemos perceber que houve, por parte dos autores, uma percepção
de que José Oiticica Filho extrapola o ambiente fotoclubista, sendo considerado um
artista que explora seu potencial poético através da fotografia, em consonância com
o panorama das artes visuais brasileiras.
40
Neste sentido José Oiticica Filho tem uma série de artigos publicados a respeito das principais técnicas pictorialistas
de fotografar.
41
Ibidem, p. 72.
42
Ibidem, p. 73.
43
Ibidem, p. 75. Ver também a edição de 2005 da obra: Helouise Costa e Renato Rodrigues da Silva. A fotografia
moderna no Brasil. Rio de Janeiro: Funarte/IPHAN/Editora UFRJ, 2005.
104 História da fotografia moderna brasileira
54
Annateresa Fabris (1998, p. 77-8).
55
Antonio Fatorelli (2000). Fatorelli expande suas ideias sobre as diversas fases da história da fotografia, culminando
com uma expansão do campo fotográfico, um apagamento das fronteiras entre fotografia e artes visuais, através da
ideia de suspeita na fotografia, presentes neste artigo sobre José Oiticica Filho, no seu livro intitulado Fotografia e
Viagem. Ver Antonio Fatorelli (2003).
56
Antonio Fatorelli (2000, p. 141).
107 Carolina Etcheverry
O Photo Club Brasileiro foi fundado em 1923. O primeiro fotoclube de que se tem notícias no Brasil foi o Sploro
61
Photo Club, fundado em 1903, em Porto Alegre. Este foi seguido pelo Photo Club do Rio de Janeiro, de 1910 e pelo
Photo Club Hélios, em 1916, em Porto Alegre.
109 Carolina Etcheverry
Com este breve panorama, que certamente deixa de lado algumas nuances da
história da fotografia brasileira,64 como, por exemplo, a importante participação da
fotografia nas revistas ilustradas e nos jornais, pretendemos mostrar que a fotografia
começou a ganhar espaço na cultura brasileira. A história da cultura visual não pode
deixar de lado estes aspectos aqui abordados.
Assim, é possível ver que estava em jogo um debate não apenas entre
figuração e abstração, mas também entre os diferentes tipos de abstração. Este debate
ocorre também na fotografia, ainda que de forma marginal. Marcada pela homologia
com o real, a fotografia sempre foi figurativa, sendo este, justamente, seu grande
atrativo. Ao entrar na abstração a partir do contato dos fotógrafos com este ambiente
artístico experimental e inovador, a fotografia altera seu estatuto, ingressando de
modo mais direto no campo das artes plásticas.
Mário Pedrosa, importante crítico e defensor da arte abstrata, escreveu a
respeito dos trabalhos fotográficos de Geraldo de Barros, no texto “A Bienal cá e
lá”, de 1970,
uma preocupação com a cor e ausência de meios-tons, ele também realiza, com a
série Ouropretenses, fotografias abstratas informais, na qual há uma ligação com o
sentimento, mais do que com a razão.
A fotografia concreta de Oiticica Filho foi chamada, por ele próprio, de
Recriações, pois, como explica Herkenhoff:
Desse modo, o fotógrafo insere seu trabalho como fotografia e explica o que
interessa a ele no momento de feitura da imagem: a forma e a dinâmica do plano.
75
Paulo Herkenhoff (1983, p. 15).
76
“A proposta de uma cor pura, abstrata, seria encontrável, segundo ele [Mondrian], “na cor primária claramente
definida”, chapada, sem meios-tons, matérias ou texturas.” (COCCHIARALE, GEIGER, 1987, p. 16). É importante
mencionar, a este respeito, que José Oiticica Filho é pai de Hélio Oiticica, importante artista brasileiro, vinculado
ao concretismo e neoconcretismo. Com isto podemos depreender que o fotógrafo tinha trânsito entre as artes visuais
e a fotografia.
77
Oiticica: “fotografia se faz no laboratório”, Jornal do Brasil, 24/08/1958, suplemento dominical de artes plásticas.
113 Carolina Etcheverry
Referências
Sites consultados
http://www.heliooiticica.com.br/home/home.php
http://www.itaucultural.org.br
Capítulo 5
social). Desta forma, o presente texto busca comunicar o valor histórico da expressão
artística de “Mujeres Presas”, elaborada por Lestido.
meio Barthes escreve em 1980 o livro A Câmara Clara,18 defendendo a mesma linha
de pensamento, isto é, que o referente adere à imagem.
Em oposição à defesa da fotografia como espelho do real, Machado19
comenta:
18
Barthes (1984).
19
Machado (1984, p. 40).
20
No livro O ato fotográfico (DUBOIS, 1999), o pesquisador aborda essa problemática citando diferentes
pensadores da área com principal atenção à análise dos conceitos “ícone”, “índice” e “símbolo” junto ao
entendimento do ato fotográfico.
21
“You press the button, we do the rest” (Frizot, 1998).
121 Patricia Camera
34
Touraine (2007).
35
Touraine (2008).
36
Touraine (2008, p. 119).
37
Touraine (2008, p. 14).
38
Principal exemplo: estudiosos que compõem a Escola de Frankfurt.
125 Patricia Camera
Com essas duas citações, observa-se que das posturas intelectuais referentes
à “morte” do sujeito, Touraine não compartilha integralmente porque o objeto central
de sua discussão é o sujeito. Sendo assim, não poderia concordar nem com a “morte”
deste, como também com o conceito de “humanidade” – quando pensado a partir da
ideia de homogeneização presente na clássica teoria desenvolvida por Comte na obra
O sistema de política positiva (1851-1854).
Sendo o sujeito o foco central da pesquisa, Touraine parte para problematizá-
lo levando em conta uma série de análises sobre o Ser. Para isso, considera
diversas situações históricas, sociais e econômicas para entender o sujeito de modo
simultâneo às mudanças filosóficas que orientam a defesa ou não deste sujeito
como ator social. Desloca o clássico objeto de estudo das ciências sociais, ou seja,
39
Touraine (2008, p. 159).
40
Touraine entende que este contexto contribuiu para o fortalecimento do sujeito (self-identity). Assim, Touraine vai
ao encontro de Anthony Giddens (2002) quando estuda sobre a necessidade e a busca do sujeito em refletir sobre sua
condição pessoal (Touraine, 2007, p. 119-120).
41
Touraine (2008, p. 99)
42
Touraine (2008, p. 99-100).
126 A dimensão histórica em “Mujeres Presas”
45
Touraine (2008, p. 119).
46
Touraine (2008, p. 123)
47
Touraine (2008, p. 132).
48
Touraine (2007, p. 120-121).
49
Touraine (2007, p. 120-121).
128 A dimensão histórica em “Mujeres Presas”
50
Touraine (2007, p. 215) explica: “[...] nossa experiência já não é mais transtornada pela sociedade de massa apenas
na ordem de produção, mas também na ordem do consumo e da comunicação”.
130 A dimensão histórica em “Mujeres Presas”
Referências