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The rise of popular music genres for piano in the Carioca belle époque
Resumo
Os símbolos da nova música popular que surgiu a partir da década de 1870 na cidade do Rio de
Janeiro são inequívocos. O piano, representando status e poder para a classe dominante e
emblema do próprio romantismo, foi incorporado paulatinamente aos salões das classes
populares, onde ocupou aí um lugar privilegiado no grupo do choro, marco da música popular
na belle époque. Ao mesmo tempo, o surgimento de novos gêneros musicais populares, entre
eles o tango brasileiro, que dominaram neste momento a produção musical para piano,
trouxeram como protagonistas os chamados pianeiros.
Abstract
The symbols of the new popular music that arose, starting in the 1870's in the city of Rio de
Janeiro are unmistakable. The piano, representing status and power for the dominant class and
an emblem of its very romanticism, was, little by little, incorporated in the living rooms of the
popular classes, where it occupied a very special place in the "choro" group, the mark of popular
music in the belle époque. At the same time, the flourishing of new popular musical genres,
among them the Brazilian tango, that dominated at this very moment the musical production
for piano, brought as protagonists the so-called "pianeiros".
Key-words: Brazilian tango - carioca belle époque - popular music for piano - musical genres.
Palavras-chave: tango brasileiro– belle époque carioca – música popular para piano– gêneros musicais
Data de submissão: Setembro de 2013 | Data de publicação: Dezembro de 2013.
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PAULO ROBERTO PELOSO AUGUSTO - Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo
e Professor Associado do Departamento de Composição da Escola de Música da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (cursos de Graduação e Pós-Graduação). Correio eletrônico paulopeloso@yahoo.com
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já fazia enorme sucesso nos teatros parisienses, tendo, por isso mesmo, logo interessado
a compositores brasileiros, como Henrique Alves de Mesquita, que logo o introduziram
em suas operetas.
Esta predileção nos revela, também, que as camadas subalternas, longe de
rejeitarem por completo o código musical das elites e em especial seus gêneros musicais
favoritos - como forma de resistência à dominação e discriminação - assimilaram no
discurso musical popular elementos importantes das falas dominantes, como as próprias
formas musicais, com todas as implicações tonais, rítmicas e culturais.
Um outro elemento forte de assimilação das falas dominantes na música popular
foi a incorporação do piano no conjunto instrumental do Choro. Este último possuiu,
sem dúvida, a formação que melhor caracterizaria a música popular urbana na chamada
belle époque: flauta, violão, cavaquinho, entre outras possibilidades, com a participação
do piano, que se tornou indispensável em conjuntos de choro, como o de Chiquinha
Gonzaga.
A incorporação do piano teria um significado especial. Na realidade, tratava-se
de um símbolo importante, não somente musical, mas principalmente de poder e de
ascensão social. Isto porque o piano era o símbolo de status da burguesia europeia e
veículo privilegiado do código musical burguês dominante: o romantismo.
Podemos observar, então, que a interpretação de obras populares ao piano, a
aquisição deste instrumento - de preço elevado - e a localização do mesmo, em lugar de
destaque nas salas das casas de família, bem como a estilização de diversos gêneros
oriundos da elite, sinalizavam um indicativo de promoção ou integração social. Estava,
assim, o músico popular em busca da respeitabilidade, sem se opor frontalmente à
música da classe dominante, símbolo da repressão.
Assim, observamos um diálogo entre a música popular e a da elite, em que há
mais sintonias do que oposições radicais, propriamente ditas. Notamos uma
aproximação das falas, pela incorporação de diversos códigos musicais dominantes, que
serão analisados neste artigo. O signo musical, contudo, é polissêmico, devendo-se ter
cautela, então, na análise destas comparações, que remetem, por vezes, ao campo
subjetivo das interpretações.
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2. O tango brasileiro
Podemos, assim, observar que o gênero tango, nunca apresentou uma estrutura
modelar fixa, variando muito a célula rítmica geradora, o andamento, a forma e a
própria denominação, já que os títulos faziam, frequentemente, alusão a outras danças.
Daí ser mais apropriado falar em “tangos brasileiros”.
Na década de 1870 , o Rio de Janeiro assistiria à representação, em teatro, de
uma nova dança: a habanera. Em 1871, o maestro Henrique Alves de Mesquita ao
adaptar duas habaneras espanholas da peça “O jovem Telêmaco” deu-lhes o nome de
tango.
A habanera, popularizada em Havana, Cuba, logo foi difundida na Espanha e o
seu ritmo característico no acompanhamento , era o mesmo do tango, este na
origem uma dança mexicana, que se diferenciava basicamente da habanera pela
variação no andamento, acelerando aos poucos até acabar abruptamente. Da mesma
forma que a habanera o tango mexicano difundiu-se na Espanha, ambas as danças foram
posteriormente executadas em números teatrais em Paris, de onde Henrique Alves de
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Mesquita foi buscar o modelo para compor, então, o primeiro tango brasileiro, o qual
denominou “Olhos matadores”, no mesmo ano em que fizeram sucesso as suas
transcrições das duas habaneras espanholas, ou seja 1871, conforme relacionamos
anteriormente.
Efetivamente, a acolhida do público a este novo gênero foi calorosa, tanto assim
que no ano seguinte, 1872, compunha outro tango, agora para uma peça teatral,
intitulado “Ali-babá ou os quarenta ladrões”, que obteve uma tal receptividade, que
levou Machado de Assis a escrever na Semana Illustrada: “Ninguém se mata porque
não tirou a sorte ou porque perdeu o primeiro ato do Ali-babá do Mesquita”
(SIQUEIRA, 1969, p. 29).
Nesta obra, o Ali-babá, as características do tango nativo mexicano, recém
chegado ao Brasil após um longo percurso via Espanha-Paris-Rio, são bem explicitadas,
ou seja, é uma composição que inicia em andamento moderado, na segunda parte, poco
più, já está bem mais movimentado, até que nos últimos seis compassos surge a
indicação stringendo o que leva a acelerar cada vez mais, concluindo abruptamente.
Entretanto, esta composição não tem a mesma linguagem que os similares
tangos espanhóis. A célula rítmica da habanera e do tango estão presentes na primeira
parte ; na melodia podemos notar a célula frequente no lundu, , que pode
ser entendida, também, como uma transposição popular (carioca), da rítmica
musicais das classes menos privilegiadas, tanto quanto às músicas de salão das elites
dominantes, sempre ao gosto francês.
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Termo algo depreciativo com que se chamavam os pianistas que tocavam música popular durante a
belle époque carioca, independentemente de sua técnica bem apurada.
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Compartilhamos esta afirmação, uma vez que a análise das obras de Ernesto
Nazareth, em confronto com as composições de seus contemporâneos, revela um
conteúdo e linguagem próprios.
A influência da habanera sobre este compositor, como em nenhum outro, a
ponto de anotar esta designação em dois de seus tangos, foi decisiva para que
ambientasse suas músicas com as características próprias desta dança, merecendo em
especial o título de tango, devido à originalidade.
Podemos, ainda notar uma outra particularidade em Nazareth, que foi a sua
formação musical, fortemente clássico romântica, o que transparece nas suas
composições, que não são cantadas (à exceção de duas obras cujas letras foram
acrescentadas por Catulo da Paixão Cearense), e nem foram feitas para serem dançadas,
conforme instrução do próprio compositor, que por várias vezes criticou a velocidade
exagerada com que os intérpretes as executavam3.
Uma das possibilidades formais mais frequentes nas estruturas dos tangos é a
apresentação do ritmo da polca, seja no acompanhamento ou na melodia. Em Ernesto
Nazareth podemos observar claramente este procedimento. Por exemplo, no tango Nenê
onde, após a introdução, toda a primeira parte se apresenta, no acompanhamento, com
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Verifica-se que esta crítica de Nazareth aos andamentos rápidos exagerados não tem sido acatada pela
maioria de seus intérpretes pósteros.
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Uma das fórmulas rítmicas mais usuais na construção do tango era o emprego
da célula , que em certos tangos, como Tambyquererê de Chiquinha Gonzaga,
aparece de forma constante no acompanhamento.
Este ritmo é mais um dos comprovantes de que sob o título de tango se escondia
o maxixe, uma vez que é um dos mais propícios e usados nesta dança proibida.
Anteriormente, quando foi apresentado o maxixe Bafo de Onça de Zequinha de Abreu,
pudemos notar justamente o emprego desta célula rítmica constante.
Por comparação, podemos constatar na obra de Zequinha de Abreu, Os
pintinhos no terreiro, a mesma célula rítmica constante, encontrada nos tangos
anteriores, com a denominação de Chorinho Sapeca. Assim como observamos
semelhante emprego rítmico no tango Talisman de Ernesto Nazareth.
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5.5 Tanguinho
Uma outra possibilidade estrutural para os tangos era a combinação entre si, no
acompanhamento e na melodia, dos ritmos vistos anteriormente, ou seja, de polca,
lundu, maxixe, habanera e, principalmente, das variações possíveis entre eles, o que
traria uma pluralidade de interpretações, no que se refere ao conhecimento da
proveniência da música, como à sua execução pelo pianista. Uma amostra desta
combinação está no tango Zênite de Ernesto Nazareth.
6. A memória sonora
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Em 1997 foi publicada pelo Centro de Pesquisas Folclóricas da Escola de Música da Universidade
Federal do Rio de Janeiro a obra Música popular gravada na segunda década do século, de autoria da
professora Dulce Martins Lamas e com revisão minuciosa da prodessora Rosa Zamith, que apresenta um
catálogo importante deste acervo trazendo novas luzes sobre este tema.
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das poucas ocasiões de escutar música, fato este que propiciava prestígio e concorrência
entre estes conjuntos.
Observamos que, sendo estes músicos vindos das classes subalternas, incluíam
nos repertórios destas bandas a chamada música proibida, inclusive animando bailes
carnavalescos ou comemorações oficiais em que estava presente o tango brasileiro.
Como amostra do levantamento das partituras da época, na Biblioteca Nacional,
publicadas como tango brasileiro, encontramos duzentos e sessenta e cinco partituras
para canto com acompanhamento instrumental; trezentas e cinqüenta para piano solo;
quinze para conjunto instrumental. Estes dados refletem, proporcionalmente, que os
compositores das duas primeiras categorias possivelmente dominavam a escrita
musical, por isso veiculavam suas obras através de partituras. Já o terceiro grupo não
apresentava esta habilidade, registrando e divulgando as suas composições através de
discos, cedendo os direitos autorais aos proprietários das indústrias fonográficas.
Quanto à divulgação dos termos tempo e gênero musical, pode-se concluir que
a larga divulgação do tango argentino, em fins da década de 1920, no Rio de Janeiro,
contribuiu para que o tango brasileiro pouco a pouco desaparecesse, dada a
ambiguidade do nome com aquela dança e, ainda, as contradições internas relacionadas
anteriormente, O surgimento do samba despertou a preferência entre as camadas
populares.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
KIEFER, B. (1986). Música e dança popular: sua influência na música erudita. Porto
Alegre: Movimento.