Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
ASPECTOS GERAIS
A introdução de um capítulo dedicado aos aspectos históricos da psicologia
social é justificada pela noção de que a qualquer forma de compreensão da
verdadeira natureza de uma ciência exige que tenhamos em consideração o
contexto histórico em que a mesma aparece e se desenvolve.
Assim, daremos neste capítulo uma perspectiva geral da história da psicologia
social.
11
“Jornal de Psicologia dos Povos e Estudo da Língua”.
AS PRIMEIRAS PUBLICAÇÕES
Uma perspectiva histórica sobre qualquer processo social, nomeadamente
como é o nosso caso agora ao abordarmos a génese e evolução da psicologia
social começa naturalmente com a questão central de saber como e onde
tudo começou.
Se adoptarmos um critério operatório para responder a esta questão,
podemos definir como critério do nascimento da psicologia social o momento
em que se começou a falar e a escrever sobre temáticas nesta área ou a
utilizar-se a designação de psicologia social para identificar esses trabalhos.
Posto isto, podemos verificar que a psicologia social nasce precisamente no
momento da transição do século XIX para o século XX pois a designação
"psicologia social" parece ter sido utilizada pela primeira vez por James M.
Baldwin em 1987 nos seus trabalhos sobre o desenvolvimento moral e social
da criança e retomada por Edward Ross numa conferência em 1899. No que
respeita a trabalhos escritos, verifcamos que dois textos (Le Bunge, 1903;
Anos 20 e 30 do Século XX
Segundo Gouveia Pereira (in Vala & Monteiro, 1993) as atitudes foram de
alguma forma o construto central à volta do qual se organizou o nascimento
da psicologia social como disciplina científica autónoma. O conceito de atitude
é, com efeito um conceito nuclear porque congrega dentro de si uma
componente cognitiva envolvendo a percepção e crença sobre uma realidade
social, uma componente afectiva que leva o sujeito a sentir-se atraído ou a
rejeitar determinados aspectos da realidade social e uma componente
comportamental que leva o sujeito a agir sobre essa realidade de uma
maneira específica.
Com efeito, é de forma geral aceite que o impulso decisivo para para o
desenvolvimento acelerado da psicologia social nos anos 20 e 30 do Século
XX nos EUA, foi dado pela necessidade de construção de métodos
suficientemente válidos, fiáveis e precisos de medida das atitudes. Esta
necessidade de avaliação das atitudes de determinados grupos sociais surge,
por outro lado, da intenção de fazer com que a psicologia social deixasse de
ser uma ciência puramente teórica e especulativa, e começasse a
interessar-se em contribuir para a resolução dos problemas sociais, dentro
daquela perspectiva funcionalista a que fizemos referência mais atrás.
Exploremos um pouco esta idéia: - A resolução de um problema social, como
aliás de qualquer outro problema, tem necessariamente que passar por um
processo composto por três etapas fundamentais: em primeiro lugar um
momento que poderíamos chamar observação diagnóstica, em que se
pretende identificar o problema, a sua natureza e amplitude; um segundo
momento, designado por análise, leva-nos a compreender a relação desse
problema com o contexto em que aparece; e finalmente, um terceiro
momento de intervenção em que adoptamos os procedimentos concretos que
nos parecem mais adequados para o resolver. Ora, um problema que se
punha, e de certa maneira ainda se põe, com alguma acuidade nos EUA, que
é uma sociedade tipicamente multicultural e multiracial era o problema do
preconceito de uns grupos sociais face a outros. Ora, o preconceito é uma
atitude, e, por isso, não espanta que os primeiros instrumentos de medida
das atitudes, normalmente conhecidos como Escalas de Atitudes12, tenham
sido precisamente desenvolvidos para medir atitudes como o racismo.
O exemplo mais acabado do que acabamos de afirmar é precisamente a
primeira escala de atitudes a aparecer em termos cronológicos, que foi
desenvolvida pelo sociólogo Emory S. Bogardus (1882-1973) publicada pela
primeira vez em 1925 e que ficou conhecida como Escala de Distância Social
de Bogardus. Efectivamente esta escala mede a distância social ou grau de
aceitação social que existe entre determinadas pessoas e determinados
grupos sociais. Apesar da escala poder ser adaptada para medir a distância
12
Neste ponto vamos limitarmo-nos a fazer uma referência breve às Escalas de
Atitudes desenvolvidas nesta época. Mais adiante, quando estudarmos as atitudes,
estudaremos estas escalas com mais detalhe.
sexual, etária, de classe, ocupacional, religiosa, etc., ela foi na sua primeira
edição usada para medir a distância racial e é neste campo que efectivamente
tem sido mais utilizada.
Outra escala de atitudes desenvolvida mais ou menos por esta altura foi a
Escala Intervalar de Thurstone, publicada em 1928 por Louis Leon Thurstone
(1987-1955). Curiosamente Thurstone foi um cientista originário de uma área
que pouco tinha a ver com as ciências sociais, pois começou por ser um
engenheiro electrotécnico que chegou a ser colaborador de Thomas Edison.
Segundo as suas próprias palavras o seu interesse pela psicologia resultou do
facto de ter assistido a uma série de conferências realizadas por G. H. Mead
sobre psicologia social. Com efeito, a sua formação em engenharia levou-o a
preocupar-se com o problema do rigor da medida das variáveis psicológicas,
tendo centrado a sua atenção especialmente na medida das atitudes e da
inteligência, através da aplicação da técnica estatística da análise factorial.
Uma escala intervalar é aquela em que os intervalos entre os items dizem
quanto as pessoas, objectos ou factos estão distantes entre si em relação a
determinada característica. Assim, uma escala intervalar de Thurstone é
constituída por um conjunto de afirmações relativas a um determinado
objecto. Cada uma dessas afirmações reflecte uma posição que pode variar
desde uma atitude extremamente favorável até uma atitude extremamente
desfavorável face a esse mesmo objecto, normalmente numa escala de 11
pontos. Os sujeitos que respondem à escala são depois solicitados a exprimir
a sua concordância ou discordância com cada uma dessas afirmações. A
vantagem de escalas deste tipo é que permite uma série de operações
estatísticas e por isso são mais rigorosas do ponto de vista psicométrico.
Um terceiro tipo de escala de medida de atitudes e talvez a mais conhecida e
utilizada, é a Escala de Likert, assim designada por ter sido criada por Rensis
Likert (1903–81) em 1932. Likert começou por estudar economia e sociologia,
mas acabou por se interessar pela psicologia tendo obtido doutoramento
nesta área em 1932 na Universidade de Columbia. A popularidade da escala
de Likert deriva do facto de ser uma escala ao mesmo tempo fácil de
construir, de aplicar e de apurar os resultados. A escala é composta por um
número variável de afirmações acerca de um determinado objecto e
solicita-se aos sujeitos que respondem à escala que manifestem o seu acordo
ou desacordo com cada uma das afirmações numa escala de cinco pontos que
tipicamente corresponde às seguintes posições: - 1- Discordo absolutamente;
2- Discordo; 3- Não concordo nem discordo; 4- Concordo; 5- Concordo
absolutamente. Assim, um valor numérico total pode ser calculado a partir de
todas as respostas. As escalas de Likert são de alguma forma semelhantes às
escalas de Thurstone pois incluem uma série de afirmações relacionadas com
o objecto pesquisado, porém, ao contrário das escalas de Thurstone, os
sujeitos não se limitam a responder se concordam ou não com as afirmações,
mas também informam qual seu grau de concordância ou discordância. Uma
desvantagem, contudo, associada a essa escala ocorre quando há um
problema de interpretação que não existe na escala de Thurstone. Por
exemplo, uma pontuação de 9.2 na escala de Thurstone representa uma
Anos 40 e 50 do Sec XX
Uma ideia com que podemos ficar da leitura do ponto anterior é que apesar
dos primórdios da psicologia social como campo de estudo estarem
relacionados com o estudo das atitudes, podemos também constatar que os
cientistas que começaram por contribuir para este campo, nomeadamente
através da construção de escalas de medida, nenhum deles se identicaria a si
próprio como psicólogo social, sendo mesmo dois deles oriundos de áreas
científicas muito distantes das ciências sociais. Com efeito, apesar de muitos
dos tópicos estudados se enquadrarem já claramente no âmbito do que viria a
ser a psicologia social, só em finais dos anos 30 e mais acentuadamente
durante os anos 40 e 50 esses trabalhos se começaram a identificar como tal
e os seus autores a intitularem-se psicólogos sociais. De acordo com Morales
et al. (1994) este desenvolvimento foi sustentado por duas pedras angulares
que foram a adopção da perspectiva cognitivista e o início da experimentação
em laboratório.
A EXPERIMENTAÇÃO EM LABORATÓRIO
Ainda de acordo com Francisco Morales (1994, p.15), os estudos de Kurt
Lewin e de outros autores deram ainda outra contribuição fundamental para a
história da psicologia social pois “ajudaram a criar um estilo especial de
experimentação em laboratórios de psicologia social.” Como veremos mais
adiante quando nos referirmos mais em pormenor aos aspectos
metodológicos em psicologia social a experimentação em laboratório, ainda
que caracterizada por um certo artificialismo, é muito importante,
especialmente nos momentos iniciais de fundamentação teórica e
metodológica de uma disciplina científica. Vamos desenvolver um pouco mais
esta ideia. Com efeito, o laboratório, ao permitir a criação de uma situação
experimental simplificada e controlada13, permite ao experimentador pode
13
Mais adiante, nos aspectos metodológicos, discutiremos mais detalhadamente a
noção de controlo na metodologia experimental. Para já, e para se compreender o
que é aqui dito, diremos que o controlo refere-se aos procedimentos adoptados pelo
experimentador para se assegurar que os comportamentos que observa nos sujeitos
experimentais (variável dependente) são unicamente um efeito da condição
experimental (variável independente) que está a estudar, e não de outras
Textbooks de referência
Como já tivemos oportunidade de referir, os anos 30 marcaram o
aparecimento de um conjunto de temáticas que posteriormente iriam ser
objecto de estudo no campo ad psicologia social, de entre os quais temos que
destacar a definição do conceito de atitude e a construção de várias escalas
de medida das atitudes.
Contudo, os anos trinta assistiram igualmente ao aparecimento de outro
marco importante que foi o aparecimento de um dos primeiros manuais
universitários dedicados especificamente à psicologia social, o Handbook of
Social Psychology editado por Carl Murchison em 1935 a partir de
contribuições de autores importantes neste campo como Gordon Allport, e
que, nas palavras de Hogg & Vaughan (1998) consistia num “pesado volume
que sugeria que existia um campo de estudo que tinha que ser tomado a
sério”. Este trabalho não ficou por aqui pois desde a sua primeira edição em
1935 tem sido considerada uma obra de referência oferecendo uma
perspectiva história, integradora e aprofundada dos tópicos mais relevantes
em psicologia social. Na sua 4ª edição publicada em 1998 esta obra é
coordenada por Daniel T. Gilbert da Universidade de Harvard, Susan T. Fiske
da Universidade de Princeton e Gardner Lindzey, do Center for Advanced
Study in the Behavioral Sciences, mas cada um dos capítulos é escrito pelas
maiores autoridades a nível mundial e apresenta um relato circunstanciado do
que tem preocupado os psicólogos sociais, que abordagens têm utilizado e
que descobertas têm realizado.
Una anos mais tarde Gardner Mrphy e a sua esposa Lois Barclay Murphy
editaram em 1937 um volume intitulado Experimental Social Psychology: An
Interpretation of Research upon the Socialization of the Individual que viria a
ser objecto de várias re-edições. Esta obra acabou por ter alguma importância
na História da psicologia social pois apresentava um resumo dos resultados de
mais de 1.000 trabalhos de investigação abrangendo tópicos tais como a
abordagem genética do comportamento social, estudos qualitativos sobre
diferenças individuais e interpretação do processo de socialização. Não
podendo ser considerado propriamente um manual universitário esta obra foi
usada essencialmente como referência fundamental acerca do estado da arte
no que respeita à investigação em psicologia social.
Outros manuais dignis de referência são, por exemplo, a obra Social
Psychology publicada por R. T. LaPiere e P. R. Farnsworth em 1936 que foi
talvez o manual mais geralmente utilizado na época. Ainda outra obra
igualmente intitulada Social Psychology publicada por Otto Klineberg em
1940, para além de ter sido igualmente popular na época tem ainda um
interesse especial por incluir contribuições da antropologia cultural, chamando
a atenção para o papel crucial que a cultura joga na forma como a
personalidade individual se desenvolve. Logo após a II Guerra Mundial uma
obra clássica publicada por D. Krech e R. S. Crutchfeld em 1948 enfatiza uma
abordagem fenomenológica da Psicologia Social, isto é, uma abordagem
centrada na forma como as pessoas efectivamente experienciam o mundo à
sua volta e dão conta das suas experiências.
A partir dos anos 50 o número de manuais disponíveis cresceu
exponencialmente, especialmente nos EUA de tal forma que se torna
irrelevante ou até mesmo impossível referi-los individualmente.
Experiências marcantes
Diversas razões fizeram com que algumas investigações tenham de alguma
forma contrariado a erosão do tempo, permanecendo um motivo de interesse
e até de fascínio para todos aqueles que se têm interessado pela psicologia
social. Com efeito, mais uma vez seguimos a proposta de Hogg & Vaughan
(1998) e seleccionámos uma lista de estudos que tiveram um impacto qure
ultrapassou largamente os limites da psicologia social acabando por alcançar a
14
O conceito de obediência destrutiva resulta do dispositivo experimental utilizado em
que os sujeitos, para obedecerem às instruções de um experimentador, eram levados
a infligir dor e sofrimento a outro sujeito.
sujeito era enganado pois nem os choques eléctricos eram reais, nem o
sujeito “vítima” sofria qualquer tipo de dano. Quem efectivamente acabava
por sofrer algum dano era o sujeito “agressor” que poderia ficar afectado
psicologicamente por ter sido levado a pensar que tinha provocado sofrimento
a outra pessoa. Não é difícil de perceber que as opções metodológicas deste
estudo levantam alguns problemas do ponto de vista ético pois podemos
questionar-nos se será legítimo induzir os sujeitos experimentais em erro
numa questão tão delicada como esta. Naturalmente podem admitir-se várias
posições sobre esta matéria, mas o facto é que esta experiência tornou-se
involuntariamente o ponto focal de uma crise em o futuro da investigação
experimental em psicologia social.
Para terminar, pensamos que é importante fazer referência ao trabalho de
Henri Tajfel e colaboradores que já em 1970 desenvolveram uma linha de
investigação extremamente relevante no campo da categorização social e
discriminação intergrupal em que mostrou que o simples facto de alguém ser
categorizado como pertencendo a um grupo tornava essa pessoa
automaticamente uma potencial vítima de discriminação.
Desenvolvimentos posteriores
Como vimos, a II Guerra Mundial representou um momento especialmente
marcante do ponto de vista do desenvolvimento da psicologia social nos EUA.
Esta noção justifica que faça todo o sentido fazer referência a tabalhos
especialmente signicativos do ponto de vista do desenvolvimento da
psicologia social realizados posteriormente à guerra. Lembramos mais uma
vez que neste ponto cada trabalho será referenciado de forma muito breve,
pois o objectivo é somente dar uma ideia global dos caminhos trilhados pela
psicologia social ao longo do tempo.
Assim, uma linha de investigação claramente inovadora face ao que tinha sido
feito até aí é representada pelo trabalho de John Thibaut e Harold Kelley,
que, a partir de 1959 – desenvolveram uma abordagem global e de grande
alcance ao estudo das relações interpessoais baseados num modelo
económico de troca social. Este modelo inaugurou uma área de investigação
que viria a estimular o aparecimento de outras teorias até mesmo meados
dos anos 80.
Aquilo a que poderíamos chamar a modernidade da psicologia social foi
contudo dominada, pelas abordagens cognitivas, essencialmente a partir dos
anos 60. Um dos modelos teóricos mais interessantes nesta área foi
provavelmente a teoria da atribuição lançada por Fritz Heider com o seu livro
The Psychology of Interpersonal Relationships em finais do anos 50, que
jogou um papel central na génese e definição da noção de atribuição causal.
Contudo, o impuso decisivo viria ser dado pelo trabalho de Edward Jones e
Keith Davis e Horld Kelley, . Nomeadamente Jones & Davis publicaram em
1965 um ensaio intitulado "From Acts to Dispositions.15" que centraram a sua
atenção nas ideias das pessoas comuns acerca das causas dos
comportamentos dos outros e propuseram um conjunto sistemático de
15
Pode ser traduzido por “Das acções às disposições” em que o conceito de disposição
deve ser entendido no sentido de “estar disposto a”, “ter tendência para”, “ter a
intenção de”.
Revistas científicas
Considerando que a ciência é uma actividade pública, a partilha de
conhecimentos e resultados de investigações é claramente um outro aspecto
pelo qual podemos aferir o desenvolvimento de uma área científica.
Assim, vamos mais uma vez considerar dois períodos distintos, um período
até aos anos 50 e outro a partir dessa data.
Até aos anos 50 as revistas científicas mais importantes em psicologia social
eram naturalmente publicadas nos EUA e de entre as mesmas podemos
destacar:
16
Pode ser traduzido por “O observador não reactivo: Porque ele não ajuda?”
17
Pode ser traduzido por “A iinferência humana: Estratégias e limitações do
julgamento social”.
A terceira Conferência foi realizada desta vez perto de Paris, França nos dias
27 de Março a 1 de Abril de 1966. Esta conferência teve um significado
especial pois foi totalmente organizada e financiada por europeus tendo