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ASPECTOS HISTÓRICOS, EVOLUÇÃO DA


PSICOLOGIA SOCIAL

ASPECTOS GERAIS
A introdução de um capítulo dedicado aos aspectos históricos da psicologia
social é justificada pela noção de que a qualquer forma de compreensão da
verdadeira natureza de uma ciência exige que tenhamos em consideração o
contexto histórico em que a mesma aparece e se desenvolve.
Assim, daremos neste capítulo uma perspectiva geral da história da psicologia
social.

A GÉNESE EUROPEIA DA PSICOLOGIA SOCIAL


A psicologia social é geralmente considerada uma ciência americana. Esta
noção tem o seu fundamento no facto de ter sido nos EUA que esta ciência
teve um maior desenvolvimento inicial e foi aí também que adquiriu uma
maior relevância tanto em termos científicos como em termos do seu impacto
social e cultural. Contudo, também é verdade que, se quisermos encontrar as
raízes mais profundas da psicologia social enquanto preocupação científica
global temos que recuar em termos temporais à segunda metade do século
XIX e em termos contextuais ao mundo científico europeu, ou melhor,
anglo-europeu. Com efeito, os primeiros trabalhos onde, no âmbito da
psicologia, se começa a colocar o problema do social enquanto tal,
apareceram por esta época na Alemanha com um conjunto de autores que
desenvolveram trabalhos numa área que ficou conhecida como
Völkerpsychologie, ou seja, psicologia dos povos. Esta linha de investigação
chegou mesmo a dar origem a uma revista científica entitulada "Zeitschrift für
Völkerpsychologie und Sprachwissenschaft11" que foi fundada em 1860 por

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“Jornal de Psicologia dos Povos e Estudo da Língua”.

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Hermann Steinthal juntamente com o seu cunhado Moritz Lazarus e em que


eram publicados tanto trabalhos teóricos como de investigação empírica
(Hogg & Vaughan, 1998) . Esta designação é interessante pois, por um lado,
assume que entidades supraindividuais de tipo grupal também poderiam ser
objecto de estudo psicológico e é esta precisamente a posição de base em
psicologia social e, por outro, associa dois aspectos que nos parecem hoje
fundamentais, que são a sociabilidade e a comunicação. Assim, alguns anos
antes mesmo de Wilhelm Wundt ter fundado em 1875 em Leipzig o primeiro
laboratório de psicologia experimental, em que se preocuparia a estudar os
conteúdos da mente individual, podemos encontrar outros cientistas
adoptando como objecto de estudo várias formas da colectiva. De realçar que
o próprio Wundt parecia cavar em ambos os campos, pois publicou um
trabalho com o título “Elementos de Psicologia dos Povos”.
Um outro aspecto que nos parece importante salientar é que, como já
referimos anteriormente, esta noção de mente colectiva não é uma noção
simples, prestando-se a múltiplas interpretações e abordagens. Podemos logo
aqui neste ponto da pré-história da psicologia social verificar isso mesmo, pois
estes dois autores Steinthal e Lazarus tinham perspectivas conflituantes sobre
a mente colectiva (Haines, 1960, cit. In Hogg & Vaughan, 1998), ora sendo
entendida como uma forma socializada de pensamento dentro do indivíduo,
ora vista como uma espécie de supramentalidade que poderia compreender
um todo um grupo de pessoas. Um exemplo da noção de mente grupal pode
ser encontrado no trabalho de um autor francês, Gustave Le Bon (1841-1931)
que em 1895 publicou uma obra entitulada Psychologie des foules, ou seja,
Psicologia das multidões. Nesta obra Le Bon procura explicar a razão pela qual
as multidões cometem por vezes actos terríveis recorrendo à hipótese de que
o comportamento dos indivíduos fica sujeito ao controlo de uma mente
grupal.

AS PRIMEIRAS PUBLICAÇÕES
Uma perspectiva histórica sobre qualquer processo social, nomeadamente
como é o nosso caso agora ao abordarmos a génese e evolução da psicologia
social começa naturalmente com a questão central de saber como e onde
tudo começou.
Se adoptarmos um critério operatório para responder a esta questão,
podemos definir como critério do nascimento da psicologia social o momento
em que se começou a falar e a escrever sobre temáticas nesta área ou a
utilizar-se a designação de psicologia social para identificar esses trabalhos.
Posto isto, podemos verificar que a psicologia social nasce precisamente no
momento da transição do século XIX para o século XX pois a designação
"psicologia social" parece ter sido utilizada pela primeira vez por James M.
Baldwin em 1987 nos seus trabalhos sobre o desenvolvimento moral e social
da criança e retomada por Edward Ross numa conferência em 1899. No que
respeita a trabalhos escritos, verifcamos que dois textos (Le Bunge, 1903;

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Orano, 1901) abordaram problemáticas ligadas à psicologia social, mas como


não estavam escritos em inglês não foram muito conhecidos no Reino Unido
nem nos Estados Unidos.
Com efeito, apesar de a obra de Charles Horton Cooley, Human Nature and
the Social Order publicada pela primeira vez em 1902 ser um bom candidato
ao lugar de primeiro texto de psicologia social, as primeiras obras científicas
que assumiram decisivamente a designação de psicologia social e que
abordaram problemas relacionados com o seu objecto de estudo foram
curiosamente publicadas ambas no ano de 1908. Referimo-nos ao livro do
psicólogo inglês, residente na América, William McDougall, intitulado An
Introduction to Social Psychology e à obra do mesmo ano Social Psychology,
an Outline and Sourcebook, da autoria do sociólogo americano Edward
Alsworth Ross .
A génese da psicologia social ficaria assim logo à
partida marcada por esta coincidência curiosa
desde logo assinaladora da sua dupla paternidade,
a psicologia e a sociologia. Com efeito, embora
assumindo ambos a designação de Social
Psychology, cada uma delas assume uma
orientação específica procurando construir uma
psicologia social mais de cariz psicológico ou mais
de cariz sociológico.
Com efeito, a obra de McDougall acentua a
perspectiva centrada sobre a pessoa, salientando o
carácter instintivo do sentido gregário humano,
isto é, propõe que o social está inscrito na
natureza biológica do indivíduo. Neste sentido os
comportamentos sociais eram fundamentalmente
influenciados pelas características de personalidade
dos seus autores, por exemplo, um
comportamento agressivo seria função de uma
personalidade agressiva, enquanto que um comportamento conformista seria
o mais natural numa personalidade conformista. Embora se admita a
existência de determinantes sociais, esta análise acentua o papel dos factores
pessoais na modelagem da sociedade e da interacção social. Esta abordagem
estava de tal forma em conflito com a tendência behaviorista emergente na
psicologia Americana que acabou por não gerar linhas de investigação
significativas. Ironicamente a abordagem de McDougall foi recentemente
reabilitada pelas perspectives sociobiologistas.
Por outro lado, a obra do sociólogo Edward A. Ross, propõe como unidade de
princípio explicativo a “sugestão-imitação” definindo uma perspectiva de
compreensão do comportamento social centrada sobre os factores sociais, isto
é, procurando explicar a uniformidade das crenças, dos sentimentos e das
acções como sendo desencadeada pela interacção dos seres humanos. Neste
contexto o comportamento social é explicado mediante a análise das

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condições ou circunstâncias sociais em que tal comportamento se verifica,


podendo mesmo tentar estabelecer-se as condições gerais em que um
determinado comportamento é evocado e posto em prática pela maioria das
pessoas.
Convém referir que apesar dos respectivos títulos,
nenhum destes livros tem alguma semelhança,
ainda que remota, com um texto de psicologia
social actual, mas também é verdade que a
ciência é uma actividade em constante
redefinição. Ainda, de acordo com Gouveia Pereira
(in Vala & Monteiro, 1993, p. 33), apesar do
pioneirismo reconhecido a McDougall e Ross, foi
outro autor já anteriormente referido, James M.
Baldwin que, com a sua obra The Individual and
Society publicada em 1919, de certa forma
acabou por definir e legitimar o espaço e a
importância que a psicologia social viria a ter no
âmbito das ciências sociais. Para além disso a
obra de McDougall irá paradoxalmente ter um
efeito retardador no desenvolvimento da própria área que define em título,
porque, ao radicar-se na teoria dos instintos, veio provocar a contestação de
alguns pensadores importantes da época, tais como C. Wallas e John Dewey,
para não falar daqueles psicólogos que poderíamos designar por
proto-comportamentalistas, que, pelo contrário davam maior importância a
factores externos ao indivíduo como sejam a aprendizagem e a educação.
Dewey, nomeadamente defendia que se do ponto de vista biológico o instinto
deve ser considerado como factor primário, do ponto de vista sociológico é o
hábito que deve ser considerado como determinante fundamental,
inaugurando assim um debate entre natura e cultura de que a psicologia
social ainda hoje não se libertou completamente. Esta controvérsia teve maior
impacto do lado sociológico do que do lado psicológico, podendo até
afirmar-se que os psicólogos tiveram pouco a ver com o pensamento e
preocupações iniciais em psicologia social. Muitos investigadores em História
da psicologia social defendem que os factores decisivos para o arranque final
da psicologia social, como campo de estudos científico claramente enquadrado
no âmbito da psicologia, ficará a dever-se a Kurt Lewin e continuadores,
assim como à emergência do conceito de atitude, em paralelo com o conceito
de comportamento da psicologia geral.
O que se segue a estes primórdios é a controvérsia teórica que gira à volta
dos instintos e hábitos, as célebres natura e cultura a que já fizemos
referência. Mais recentemente, podemos dizer que se bem que até certo
ponto a necessidade de clarificar posições parece tornar paralelas as vias da
psicologia social e da sociologia, parece assistir-se a uma nova tentativa de
convergência baseada nas noções de estrutura, relação e sistema.

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Esta dupla referência do social e do psicológico continua ao longo da história


da psicologia social, sendo que vai constituir o objecto de análise dos
próximos artigos, tendo em conta, quer a psicologia social americana, que
possui uma orientação mais psicológica, quer a psicologia social europeia, que
se tem interessado mais pelos fenómenos colectivos.

A PSICOLOGIA SOCIAL NO SEC XX


Apesar de a preocupação com os aspectos sociais do comportamento
individual e grual ter efectivamente nascido na Europa, foi nos EUA que, na
primeira metade do Século XX, a psicologia social social se constitui como
uma disciplina científica autónoma. Esta circunstância tem certamente a ver
com o facto de ter sido aí que se verificou o contexto social, cultural e até
económico favorável ao desenvolvimento de uma área do conhecimento que,
ao analisar os mecanismos sociais era claramente desafiadora dos sistemas
sociais tradicionais em vigor na maior parte dos países europeus no dealbar
do Século XX. A psicologia social efectivamente teve sobretudo tendência a
desenvolver-se em ambientes marcados por uma grande efervescência social.
Nos EUA, com efeito, a ciência foi sempre vista numa perspectiva
funcionalista, isto é, encarada a partir da sua função na sociedade, isto é, a
sua utilização como instrumento de compreensão dos processos ou resolução
de problemas em vários domínios como a educação, opinião pública,
economia, medicina, etc.. Enfim, a nossa compreensão deste processo pode
ser facilitada se utilizarmos uma metáfora agrícola – a América forneceu o
solo adequado para o nascimento e crescimento da seara da psicologia social,
mas as sementes mais importantes vieram da Europa. Com efeito, como bem
nota Gouveia Pereira (in Vala & Monteiro, 1993, p. 32) as principais figuras
que impulsionaram o desenvolvimento da psicologia social nos EUA foram um
inglês, Frederic Bartlett (1886-1969); um turco emigrado, Muzafer Sherif
(1906-1988); um alemão fugido ao nazismo, Kurt Lewin (1890–1947); um
austríaco emigrado Fritz Heider (1896-1988); e um polaco também emigrado
Solomon E. Asch (1907-1996). Ao mostrarem de que forma o social emergia
da interdependência de comportamentos individuais todos eles contribuíram
para a construção do objecto específico da psicologia social fazendo-o sair da
oposição dicotómica, entre, por um lado, uma posição protagonizada por
McDougall centrada sobre a pessoa que explicava os mecanismos sociais
através de processos puramente psicológicos, e outra protagonizada por Ross
centrada sobre a situuação social que, pelo contrário, fazia do psicológico um
mero sucedâneo do social. Com efeito, a afirmação da psicologia social como
disciplina autónoma foi desencadeada pela existência de estudos que
sustentavam um novo domínio do conhecimento: o da interferência dos
outros no comportamento dos indivíduos.

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Anos 20 e 30 do Século XX
Segundo Gouveia Pereira (in Vala & Monteiro, 1993) as atitudes foram de
alguma forma o construto central à volta do qual se organizou o nascimento
da psicologia social como disciplina científica autónoma. O conceito de atitude
é, com efeito um conceito nuclear porque congrega dentro de si uma
componente cognitiva envolvendo a percepção e crença sobre uma realidade
social, uma componente afectiva que leva o sujeito a sentir-se atraído ou a
rejeitar determinados aspectos da realidade social e uma componente
comportamental que leva o sujeito a agir sobre essa realidade de uma
maneira específica.
Com efeito, é de forma geral aceite que o impulso decisivo para para o
desenvolvimento acelerado da psicologia social nos anos 20 e 30 do Século
XX nos EUA, foi dado pela necessidade de construção de métodos
suficientemente válidos, fiáveis e precisos de medida das atitudes. Esta
necessidade de avaliação das atitudes de determinados grupos sociais surge,
por outro lado, da intenção de fazer com que a psicologia social deixasse de
ser uma ciência puramente teórica e especulativa, e começasse a
interessar-se em contribuir para a resolução dos problemas sociais, dentro
daquela perspectiva funcionalista a que fizemos referência mais atrás.
Exploremos um pouco esta idéia: - A resolução de um problema social, como
aliás de qualquer outro problema, tem necessariamente que passar por um
processo composto por três etapas fundamentais: em primeiro lugar um
momento que poderíamos chamar observação diagnóstica, em que se
pretende identificar o problema, a sua natureza e amplitude; um segundo
momento, designado por análise, leva-nos a compreender a relação desse
problema com o contexto em que aparece; e finalmente, um terceiro
momento de intervenção em que adoptamos os procedimentos concretos que
nos parecem mais adequados para o resolver. Ora, um problema que se
punha, e de certa maneira ainda se põe, com alguma acuidade nos EUA, que
é uma sociedade tipicamente multicultural e multiracial era o problema do
preconceito de uns grupos sociais face a outros. Ora, o preconceito é uma
atitude, e, por isso, não espanta que os primeiros instrumentos de medida
das atitudes, normalmente conhecidos como Escalas de Atitudes12, tenham
sido precisamente desenvolvidos para medir atitudes como o racismo.
O exemplo mais acabado do que acabamos de afirmar é precisamente a
primeira escala de atitudes a aparecer em termos cronológicos, que foi
desenvolvida pelo sociólogo Emory S. Bogardus (1882-1973) publicada pela
primeira vez em 1925 e que ficou conhecida como Escala de Distância Social
de Bogardus. Efectivamente esta escala mede a distância social ou grau de
aceitação social que existe entre determinadas pessoas e determinados
grupos sociais. Apesar da escala poder ser adaptada para medir a distância

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Neste ponto vamos limitarmo-nos a fazer uma referência breve às Escalas de
Atitudes desenvolvidas nesta época. Mais adiante, quando estudarmos as atitudes,
estudaremos estas escalas com mais detalhe.

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sexual, etária, de classe, ocupacional, religiosa, etc., ela foi na sua primeira
edição usada para medir a distância racial e é neste campo que efectivamente
tem sido mais utilizada.
Outra escala de atitudes desenvolvida mais ou menos por esta altura foi a
Escala Intervalar de Thurstone, publicada em 1928 por Louis Leon Thurstone
(1987-1955). Curiosamente Thurstone foi um cientista originário de uma área
que pouco tinha a ver com as ciências sociais, pois começou por ser um
engenheiro electrotécnico que chegou a ser colaborador de Thomas Edison.
Segundo as suas próprias palavras o seu interesse pela psicologia resultou do
facto de ter assistido a uma série de conferências realizadas por G. H. Mead
sobre psicologia social. Com efeito, a sua formação em engenharia levou-o a
preocupar-se com o problema do rigor da medida das variáveis psicológicas,
tendo centrado a sua atenção especialmente na medida das atitudes e da
inteligência, através da aplicação da técnica estatística da análise factorial.
Uma escala intervalar é aquela em que os intervalos entre os items dizem
quanto as pessoas, objectos ou factos estão distantes entre si em relação a
determinada característica. Assim, uma escala intervalar de Thurstone é
constituída por um conjunto de afirmações relativas a um determinado
objecto. Cada uma dessas afirmações reflecte uma posição que pode variar
desde uma atitude extremamente favorável até uma atitude extremamente
desfavorável face a esse mesmo objecto, normalmente numa escala de 11
pontos. Os sujeitos que respondem à escala são depois solicitados a exprimir
a sua concordância ou discordância com cada uma dessas afirmações. A
vantagem de escalas deste tipo é que permite uma série de operações
estatísticas e por isso são mais rigorosas do ponto de vista psicométrico.
Um terceiro tipo de escala de medida de atitudes e talvez a mais conhecida e
utilizada, é a Escala de Likert, assim designada por ter sido criada por Rensis
Likert (1903–81) em 1932. Likert começou por estudar economia e sociologia,
mas acabou por se interessar pela psicologia tendo obtido doutoramento
nesta área em 1932 na Universidade de Columbia. A popularidade da escala
de Likert deriva do facto de ser uma escala ao mesmo tempo fácil de
construir, de aplicar e de apurar os resultados. A escala é composta por um
número variável de afirmações acerca de um determinado objecto e
solicita-se aos sujeitos que respondem à escala que manifestem o seu acordo
ou desacordo com cada uma das afirmações numa escala de cinco pontos que
tipicamente corresponde às seguintes posições: - 1- Discordo absolutamente;
2- Discordo; 3- Não concordo nem discordo; 4- Concordo; 5- Concordo
absolutamente. Assim, um valor numérico total pode ser calculado a partir de
todas as respostas. As escalas de Likert são de alguma forma semelhantes às
escalas de Thurstone pois incluem uma série de afirmações relacionadas com
o objecto pesquisado, porém, ao contrário das escalas de Thurstone, os
sujeitos não se limitam a responder se concordam ou não com as afirmações,
mas também informam qual seu grau de concordância ou discordância. Uma
desvantagem, contudo, associada a essa escala ocorre quando há um
problema de interpretação que não existe na escala de Thurstone. Por
exemplo, uma pontuação de 9.2 na escala de Thurstone representa uma

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atitude favorável, já na escala de Likert pode, por exemplo, haver confusão


para determinar o que significa uma pontuação de 78 pontos numa escala
com 20 afirmações. Não é possível afirmar que essa pontuação represente
uma atitude favorável, tendo como base a pontuação máxima de 100 (20 x
5).

Anos 40 e 50 do Sec XX
Uma ideia com que podemos ficar da leitura do ponto anterior é que apesar
dos primórdios da psicologia social como campo de estudo estarem
relacionados com o estudo das atitudes, podemos também constatar que os
cientistas que começaram por contribuir para este campo, nomeadamente
através da construção de escalas de medida, nenhum deles se identicaria a si
próprio como psicólogo social, sendo mesmo dois deles oriundos de áreas
científicas muito distantes das ciências sociais. Com efeito, apesar de muitos
dos tópicos estudados se enquadrarem já claramente no âmbito do que viria a
ser a psicologia social, só em finais dos anos 30 e mais acentuadamente
durante os anos 40 e 50 esses trabalhos se começaram a identificar como tal
e os seus autores a intitularem-se psicólogos sociais. De acordo com Morales
et al. (1994) este desenvolvimento foi sustentado por duas pedras angulares
que foram a adopção da perspectiva cognitivista e o início da experimentação
em laboratório.

A PERSPECTIVA COGNITIVISTA E A INFLUÊNCIA DA GESTALT


Ainda segundo Morales et al. podemos definir cognição como o termo que
“descreve os processos psicológicos implicados na obtenção, uso,
armazenamento e modificação do conhecimento acerca do mundo e das
pessoas. […] as pessoas desenvolvem estruturas psicológicas de
conhecimento (quer dizer, estruturas cognitivas) tais como crenças,
opiniões, expectativas, hipóteses, teorias, esquemas, etc., que usam para
interpretar os estímulos de maneira selectiva e que as suas reacções são
mediadas por estas interpretações.” (1994, p. 14)
Em nosso entender há aqui dois pontos que importa fazer notar. Em primeiro
lugar, muitas das estruturas psicológicas acima referidas estão já subjacentes
ao conceito de atitude, como veremos quando estudarmos esta temática mais
em pormenor; em segundo lugar, apesar de a psicologia geral ter adoptado
uma perspectiva cognitivista somente a partir dos anos 60 do século XX,
fugindo assim ao elementarismo da tradição behaviorista, a psicologia social
tem sido cognitivista desde o seu início. Porquê, poderão perguntar. Porque
só assim a psicologia social poderia impor a sua especificidade dentro do
campo das ciências sociais e da própria psicologia. Com efeito, se a psicologia
social se tivesse mantido presa à posição behaviorista, isto é, limitando-se a
estudar as conexões observáveis entre estímulo e resposta, então seria
facilmente confundida com o estudo dos processos de aprendizagem que é
tarefa da psicologia geral. Para a psicologia se poder constituir como uma
disciplina bem definida dentro da psicologia teria que ser capaz de mostrar

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que os processos interpessoais, isto é, os processos que nos permitem situar


face uns aos outros - o mundo das pessoas, são algo de significativamente
diferente dos processos que nos permitem situar face ao mundo das coisas.
Seguindo mais uma vez Morales et al. , é hoje claro que os trabalhos pioneiro
de Solomon Asch (1946) sobre a formação de impressões e a teoria de Fritz
Heider (1958) sobre o equilíbrio cognitivo e a psicologia ingénua de alguma
forma aplanaram o caminho para a perspectiva cognitivista em psicologia
social que conduziu aos estudos mais recentes sobre percepção interpessoal e
cognição social. Contudo, o autor que inaugurou a perspectiva cognitivista em
psicologia social e que de alguma forma é considerado o pai da psicologia
social moderna é Kurt Lewin que, com a teoria do campo, considera os
indivíduos como membros de um sistema social e os seus comportamentos
como sendo determinada e regulada pelas propriedades dinâmicas desse
sistema, estabelecendo assim os fundamentos teóricos para uma psicologia
social com uma identidade verdadeiramente estabelecida. Voltaremos a este
autor mais em pormenor nais adiante quando abordarmos os modelos
teóricos de base, mais concretamente a perspectiva ecológica em psicologia
social.
A perspectiva cogntivista inaugurada por Kurt Lewin conduziu uma linha de
investigação continuada pelos seus estudantes e colaboradores que deu os
seus frutos e constituem a coluna vertebral do que há de mais interessante na
psicologia social actual, como sejam os estudos sobre a atracção interpessoal
e outros tipos de relações interpessoais, estrutura grupal, motivação,
conformismo, tomada de decisões em grupo e liderança.

A EXPERIMENTAÇÃO EM LABORATÓRIO
Ainda de acordo com Francisco Morales (1994, p.15), os estudos de Kurt
Lewin e de outros autores deram ainda outra contribuição fundamental para a
história da psicologia social pois “ajudaram a criar um estilo especial de
experimentação em laboratórios de psicologia social.” Como veremos mais
adiante quando nos referirmos mais em pormenor aos aspectos
metodológicos em psicologia social a experimentação em laboratório, ainda
que caracterizada por um certo artificialismo, é muito importante,
especialmente nos momentos iniciais de fundamentação teórica e
metodológica de uma disciplina científica. Vamos desenvolver um pouco mais
esta ideia. Com efeito, o laboratório, ao permitir a criação de uma situação
experimental simplificada e controlada13, permite ao experimentador pode

13
Mais adiante, nos aspectos metodológicos, discutiremos mais detalhadamente a
noção de controlo na metodologia experimental. Para já, e para se compreender o
que é aqui dito, diremos que o controlo refere-se aos procedimentos adoptados pelo
experimentador para se assegurar que os comportamentos que observa nos sujeitos
experimentais (variável dependente) são unicamente um efeito da condição
experimental (variável independente) que está a estudar, e não de outras

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estar razoalvelmente seguro de que os comportamentos que observa nos


seus sujeitos experimentais efectivamente dependem da condição que
pretendeu estudar. A experiência em laboratório é, assim, um método
especialmente adequado para encontrar e confirmar relações causais entre o
comportamento e as situações em que ocorre.
Como já dissemos as situações laboratoriais acabam por ser altamente
artificiais e, por isso, muitas vezes dificilmente generalizáveis para as
situações da realidade quotidiana, não sendo por isso um bom método para
obter descrições naturalistas sobre o comportamento das pessoas no real
social nem para descobrir como se correlacionam e interagem no mundo real
as variáveis e processos psicossociológicos. Contudo, o seu rigor científico
torna-o um método excelente de investigação teórica, isto é, para estabelecer
contrastes entre teorias e para desenvolver as propriedades conceptuais das
teorias. A experimentação em laboratório permite assim aos investigadores
desenvolver ideias conceptuais rigorosas definindo um conjunto de hipóteses
que podem servir de pontos de partida, simplificados, mas seguros
importantes no estabelecimento de uma ciência nova. Para concluir, as
experiências em laboratório
“não nos dizem directamente o que acontece no mundo real; em vez
disso, ajudam-nos a desenvolver boas teorias que poderemos usar mais
tarde para fazer inferências verosímeis acerca dos acontecimentos no
mundo real. (Morales, 1994, p.15)
São assim geradas hipóteses que poderão depois ser estudadas em estudos
de campo mais alargados e mais próximos da realidade social chegando assim
à construção de um conhecimento psicossociológico cada vez mais situado.
O papel de Lewin e dos seus colaboradores e seguidores foi demonstrar que
era possível fazer experiências em labratório sobre o complexo objecto de
estuda da psicologia social e indicar a forma como essas experiências
deveriam ser conduzidas. Ora, isto não era de forma alguma evidente para os
autores que trabalhavam nesta área até esse momento.

A II GUERRA MUNDIAL E O DESENVOLVIMENTO DA INVESTIGAÇÃO EM PSICOLOGIA


SOCIAL

A II Guerra Mundial, constituiu uma oportunidade histórica para o


desenvolvimento da psicologia social, porque, digamos assim, implicou que
esta disciplina evoluísse claramente no sentido de uma ciência aplicada. Com
efeito, se analisarmos os acontecimentos deste período verificamos que a
situação de conflito bélico forneceu os meios e criou as necessidades, que,
como se sabe, são as duas condições básicas para que algo se desenvolva.
Efectivamente, a II Guerra Mundial, ao mesmo tempo que na Europa
provocava a paralisia das ciências sociais, levou ao aparecimento nos EUA o

condicionantes estranhas à situação. Isto é fundamental porque só assim ele poderá


dizer que um comportamento X está relacionado com uma situação Y.

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de um conjunto de circunstâncias favoráveis ao desenvolvimento do estudo


de alguns tópicos centrais em psicologia social. No que respeita ao
fornecimento dos meios, como bem nota Francisco Morales, isso teve a ver
com a circunstância de alguns dos cientistas europeus mais brilhantes nesta
área trabalharem na Alemanha e serem de origem judaica o que fez com que
tivessem que emigrar para a América para fugirem à ameaça nazi,
encontrando aí, para além de liberdade pessoal, uma situação social, cultural
e económica favorável à investigação e desenvolvimento científico. No que
respeita às necessidades, quando os EUA abandonaram a sua posição de
neutralidade e decidiram entrar na guerra, esta colocou um certo número de
desafios à sociedade americana que por um lado era uma sociedade “nova”
sem os mecanismos de controlo social presentes na sociedade europeia, e,
por outro, até um certo ponto viveu a guerra como algo exterior a si própria.
Isto significou que o estudo do impacto social da guerra fosse considerado
relevante para o esforço bélico. Consequentemente, como já dissemos acima,
os anos 40 e 50 constituiram um momento de expansão do estudo em
algumas áreas centrais em psicologia social, como seja a investigação sobre
atitudes, persuasão, dinâmica de grupos, influência e conformismo, relações
inter-grupais, percepção social, etc..
Mais concretamente, Carl Hovland juntamente com Irving Janis , e Harold
Kelley na Universidade de Yale, conceberam e executaram experiências
cuidadosamente controladas em que isolando as ”partes componentes” do
processo de comunicação, procuraram testar a eficácia das diferentes
variáveis ao nível do emissor, mensagem, canal e receptor. Tal como muitos
investgadores nesta área e nesta época, o objectivo fundamental era estudar
a influência dos meios de comunicaçao de massas nos processos de
persuasão e mudança de atitudes. Este problema estava claramente
relacionado com o esforço de guerra americano, pois havia a necessidade de
promover vários tipos de campanhas de informação junto da opinião pública
americana para, por exemplo, levar as pessoas a compreenderem a razão de
ser da entrada dos EUA na guerra, aceitarem as várias restrições ao nível do
abastecimento de bens de consumo como os combustíveis, colaborarem em
campanhas de recolha de materiais utilizados na indústria bélica como metais,
borracha, etc..
Outras áreas da psicologia social que beneficiaram de um notável incremento
nesta altura foi a temática da influência social, muito particularmente com os
estudos de Solomon Asch (1952) sobre o conformismo e e as teorias da
dinâmica de grupos de Leon Festinger que foi um discípulo de Kurt Lewin na
Universidade de Iowa, sobre o mesmo tema. Segundo Morales a teoria de
Festinger de 1950 explicava o conformismo como resultando das pressões no
sentido da uniformidade em grupos pequenos orientados para a tarefa.
Contudo Leon Festinger viria a ficar especialmente conhecido por ter proposto
o conceito de comparação comparação social em 1954, processo de tal forma
relevante que acabou por se tornar o processo de explicação central em
psicologia social. Este conceito postula que as pessoas mostram uma
necessidade de avaliarem continuamente as suas capacidades, pensamentos,

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opiniões, atitudes, enfim, os vários processos através dos quais nos


relacionamos com o mundo social, e que quando isso não pode ser feito
através de meios físicos, objectivos e não sociais, recorrem ao
estabelecimento de comparações com outras pessoas, procurando assim de
alguma forma reduzir a incerteza acerca da adequação dos seus
comportamentos, sentimentos e crenças relativas a uma situação particular.
Para concluir esta nossa abordagem dos primeiros passos da psicologia social
como ciência autónoma, queremos realçar uma noção já exposta, mas que
poderá porventura não ter ficado suficientede clara. Referimo-nos ao facto de
que o desenvolvimento da psicologia social, depois de ultrapassado o
espartilho inicial do behaviorismo, se orientou no sentido de duas áreas
fundamentais, qualquer delas situadas um pouco fora da psciologia tradicional
– o problema da medida das atitudes com a construção de diversas escalas
para o efeito (Bogardus, 1925; Thurstone, 1928 e Likert, 1932) e os estudos
sobre os grupos sociais, correste esta iniciada por Kurt Lewin. Após estas
considerações de carácter mais geral parece-nos que será talvez interessante
passar a aspectos mais concretos, apontando nomeadadamente aqueles que
nos parecem ser alguns marcos importantes na História da psicologia social.

ALGUNS MARCOS IMPORTANTES


Como dissemos, neste capítulo iremos ser bastante concretos no sentido em
que apontaremos aqueles que consideramos serem alguns marcos
importantes na História da psicologia social. Neste conceito de marcos
importantes seguiremos a proposta de Hogg & Vaughan (1998) e assim
incluiremos referências pontuais organizadas a partir de três categorias que
nos parecem ser os melhores indicadores do nível de desenvolvimento de
uma área cientifica – Textbooks de referência, experiências marcantes e
Programas de Investigação que de alguma forma adquiriam uma notoriedade
especial, acabando algumas vezes por fazer escola na psicologia social.

Textbooks de referência
Como já tivemos oportunidade de referir, os anos 30 marcaram o
aparecimento de um conjunto de temáticas que posteriormente iriam ser
objecto de estudo no campo ad psicologia social, de entre os quais temos que
destacar a definição do conceito de atitude e a construção de várias escalas
de medida das atitudes.
Contudo, os anos trinta assistiram igualmente ao aparecimento de outro
marco importante que foi o aparecimento de um dos primeiros manuais
universitários dedicados especificamente à psicologia social, o Handbook of
Social Psychology editado por Carl Murchison em 1935 a partir de
contribuições de autores importantes neste campo como Gordon Allport, e
que, nas palavras de Hogg & Vaughan (1998) consistia num “pesado volume
que sugeria que existia um campo de estudo que tinha que ser tomado a

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ASPECTOS HISTÓRICOS, EVOLUÇÃO DA PSICOLOGIA SOCIAL 32

sério”. Este trabalho não ficou por aqui pois desde a sua primeira edição em
1935 tem sido considerada uma obra de referência oferecendo uma
perspectiva história, integradora e aprofundada dos tópicos mais relevantes
em psicologia social. Na sua 4ª edição publicada em 1998 esta obra é
coordenada por Daniel T. Gilbert da Universidade de Harvard, Susan T. Fiske
da Universidade de Princeton e Gardner Lindzey, do Center for Advanced
Study in the Behavioral Sciences, mas cada um dos capítulos é escrito pelas
maiores autoridades a nível mundial e apresenta um relato circunstanciado do
que tem preocupado os psicólogos sociais, que abordagens têm utilizado e
que descobertas têm realizado.
Una anos mais tarde Gardner Mrphy e a sua esposa Lois Barclay Murphy
editaram em 1937 um volume intitulado Experimental Social Psychology: An
Interpretation of Research upon the Socialization of the Individual que viria a
ser objecto de várias re-edições. Esta obra acabou por ter alguma importância
na História da psicologia social pois apresentava um resumo dos resultados de
mais de 1.000 trabalhos de investigação abrangendo tópicos tais como a
abordagem genética do comportamento social, estudos qualitativos sobre
diferenças individuais e interpretação do processo de socialização. Não
podendo ser considerado propriamente um manual universitário esta obra foi
usada essencialmente como referência fundamental acerca do estado da arte
no que respeita à investigação em psicologia social.
Outros manuais dignis de referência são, por exemplo, a obra Social
Psychology publicada por R. T. LaPiere e P. R. Farnsworth em 1936 que foi
talvez o manual mais geralmente utilizado na época. Ainda outra obra
igualmente intitulada Social Psychology publicada por Otto Klineberg em
1940, para além de ter sido igualmente popular na época tem ainda um
interesse especial por incluir contribuições da antropologia cultural, chamando
a atenção para o papel crucial que a cultura joga na forma como a
personalidade individual se desenvolve. Logo após a II Guerra Mundial uma
obra clássica publicada por D. Krech e R. S. Crutchfeld em 1948 enfatiza uma
abordagem fenomenológica da Psicologia Social, isto é, uma abordagem
centrada na forma como as pessoas efectivamente experienciam o mundo à
sua volta e dão conta das suas experiências.
A partir dos anos 50 o número de manuais disponíveis cresceu
exponencialmente, especialmente nos EUA de tal forma que se torna
irrelevante ou até mesmo impossível referi-los individualmente.

Experiências marcantes
Diversas razões fizeram com que algumas investigações tenham de alguma
forma contrariado a erosão do tempo, permanecendo um motivo de interesse
e até de fascínio para todos aqueles que se têm interessado pela psicologia
social. Com efeito, mais uma vez seguimos a proposta de Hogg & Vaughan
(1998) e seleccionámos uma lista de estudos que tiveram um impacto qure
ultrapassou largamente os limites da psicologia social acabando por alcançar a

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ASPECTOS HISTÓRICOS, EVOLUÇÃO DA PSICOLOGIA SOCIAL 33

perspectiva mais geral da psicologia geral e mesmo até outras disciplinas


adjacentes.
Obviamente, dado que o seu interesse aqui é meramente de carácter
histórico, cada um destes tabalhos será objecto de uma breve referência
pontual uma vez que os mesmos serão abordados em detalhe mais à frente
nos capítulos em que for tratada a respectiva temática.
Um dos primeiros trabalhos de carácter claramente experimental a merecer
referência é a linha de investigação conduzida por Muzafer Sherif a partir de
1935 sobre a influência grupal na formação de normas. Estes trabalhos
captaram a atenção dos psicólogos sociais tendo em conta a necessidade
sentida nos anos trinta para tentar perceber o que de “social” tinha a
psicologia social. Abordaremos mais em detalhe este trabalho mais à frente
no capítulo dedicado á influência social.
Outra linha de investigação não menos significativa, igualmente na área da
influência social, foi a investigação realizada por Solomon Asch em 1951 a
partir da qual demonstrou o efeito surpreendente que a pressão do grupo
poderá ter no sentido de presuadir um indivíduo a adoptar um
comportamento conformista e a responder de uma forma claramente
contrária à evidência perceptiva num problema simples de comparaçaõ do
tamanho de várias linhas.
Uns bons anos mais tarde, em 1959, Leon Festinger trabalhando no campo
da mudança de atitudes, usou a sua teoria da dissonância cognitiva numa
linha de investigação conjunta com James Carlsmith mostrou que, ao
contrário do que ingenuamente poderámos pensar, uma pequena recompensa
era mais eficaz para induzir uma mudança de atitude numa pessoa que uma
grande recompensa. Este resultado teve um significado especial porque de
alguma forma desafiava a perspectiva linear defendida pelas teorias do
reforço que eram claramente dominantes na psicologia americana até aos
anos 60.
Outro estudo que teve um profundo impacto que ultrapassou largamente as
fronteiras da psicologia social e até mesmo da psicologia em geral tendo
provocando ondas de choque cujos efeitos se fizeram sentir a nível societal,
cultural, político e até religioso, foi o trabalho de pesquisa conduzido por
Stanley Milgram a partir de 1963 sobre a obediência destrutiva14. O impacto
dos resultados deste estudo na sociedade em geral deveu-se ao facto de
reproduzir o dilema moral enfrentado por uma pessoa a quem uma figura de
autoridade, neste caso o próprio experimentador, dá ordem para cometer um
acto imoral, o que nesta experiência concreta significava aplicar supostos
choques eléctricos extremamente dolorosos a outro sujeito participante na
experiência. De facto esta experiência criava uma siltuação falsa em que o

14
O conceito de obediência destrutiva resulta do dispositivo experimental utilizado em
que os sujeitos, para obedecerem às instruções de um experimentador, eram levados
a infligir dor e sofrimento a outro sujeito.

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ASPECTOS HISTÓRICOS, EVOLUÇÃO DA PSICOLOGIA SOCIAL 34

sujeito era enganado pois nem os choques eléctricos eram reais, nem o
sujeito “vítima” sofria qualquer tipo de dano. Quem efectivamente acabava
por sofrer algum dano era o sujeito “agressor” que poderia ficar afectado
psicologicamente por ter sido levado a pensar que tinha provocado sofrimento
a outra pessoa. Não é difícil de perceber que as opções metodológicas deste
estudo levantam alguns problemas do ponto de vista ético pois podemos
questionar-nos se será legítimo induzir os sujeitos experimentais em erro
numa questão tão delicada como esta. Naturalmente podem admitir-se várias
posições sobre esta matéria, mas o facto é que esta experiência tornou-se
involuntariamente o ponto focal de uma crise em o futuro da investigação
experimental em psicologia social.
Para terminar, pensamos que é importante fazer referência ao trabalho de
Henri Tajfel e colaboradores que já em 1970 desenvolveram uma linha de
investigação extremamente relevante no campo da categorização social e
discriminação intergrupal em que mostrou que o simples facto de alguém ser
categorizado como pertencendo a um grupo tornava essa pessoa
automaticamente uma potencial vítima de discriminação.

Programas de investigação famosos


Enquanto que no ponto anterior referimos algumas linhas de investigação
normalmente desenvolvidas à volta de uma pesquisa de um autor particular,
neste ponto faremos referência a projectos ou programas de investigação de
âmbito mais global e ocorrendo durante um período mais alargado de tempo.
Assim, provavelmente o grupo de estudos sobre grupos organizado a partir de
1944 à volta do carismático Kurt LEWIN no célebre e conceituado
Massachusetts Institute of Technology (M.I.T.) teve um impacto notável sobre
outros psicólogos sociais, primeiramene nos EUA e posteriormente pelo
mundo inteiro. Um dos discípulos de Lewin foi Leon Festinger já referido no
ponto anterior. Foi este grupo que lançou as bases para o que viria a ser a
abordagem cognitivista em psicologia social.
Para além deste, podemos referenciar outros grupos de investigadores cujo
impacto foi até mais evidente e imediato dada a natureza dos conceitos que
foram derivados dos seus programas de investigação. Dois desses grupos
adquiriram uma relevância particular devido a uma circunstância a que já
fizemos referência, que foi o conjunto de necessidades relacionadas com a II
Guerra Mundial.
Um deles foi o Programa de Estudos sobre a Personalidade Autoritária
conduzido por Theodor Adorno e colaboradores no quadro do Institute of
Social Research então sediado em New York. Alguns dos colaboradores de
Adorno foram E. Frenkel-Brunswik , Daniel J. Levinson e R. Nevitt Sanford.
Estimulado pela possibilidade de a explicação para a ascenção e manutenção
da autocracia hitleriana na Alemana residir na personalidade e práticas
educativas de toda uma nação, embarcou na realização de um ambicioso e
monumental estudo intercultural sobre o autoritarismo nos EUA. O resultado

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ASPECTOS HISTÓRICOS, EVOLUÇÃO DA PSICOLOGIA SOCIAL 35

deste trabalho é publicado sob o título de Estudos Sobre o Preconceito em


1950.
Um outro programa de investigação directamente relacionado com a situação
de guerra foi o Programa de Mudança de Atitudes de Yale liderado por Carl
Hovland que decorreu durante os anos 40 e 50, tendo os respectivos
resultados sido publicados em 1953. O Programa de Yale tinha como objectivo
essencial com as temáticas da persuasão e mudança de atitude visando de
alguma forma estudar a teoria e técnicas da propaganda. Este grupo de
psicólogos, alguns dos quais continuam activos, de alguma forma definiram o
rumo do programa através da sua investigação de problemas como a as
relações entre frustração e agressão, formação da opinião pública e as bases
cognitivas do comportamento social.

Desenvolvimentos posteriores
Como vimos, a II Guerra Mundial representou um momento especialmente
marcante do ponto de vista do desenvolvimento da psicologia social nos EUA.
Esta noção justifica que faça todo o sentido fazer referência a tabalhos
especialmente signicativos do ponto de vista do desenvolvimento da
psicologia social realizados posteriormente à guerra. Lembramos mais uma
vez que neste ponto cada trabalho será referenciado de forma muito breve,
pois o objectivo é somente dar uma ideia global dos caminhos trilhados pela
psicologia social ao longo do tempo.
Assim, uma linha de investigação claramente inovadora face ao que tinha sido
feito até aí é representada pelo trabalho de John Thibaut e Harold Kelley,
que, a partir de 1959 – desenvolveram uma abordagem global e de grande
alcance ao estudo das relações interpessoais baseados num modelo
económico de troca social. Este modelo inaugurou uma área de investigação
que viria a estimular o aparecimento de outras teorias até mesmo meados
dos anos 80.
Aquilo a que poderíamos chamar a modernidade da psicologia social foi
contudo dominada, pelas abordagens cognitivas, essencialmente a partir dos
anos 60. Um dos modelos teóricos mais interessantes nesta área foi
provavelmente a teoria da atribuição lançada por Fritz Heider com o seu livro
The Psychology of Interpersonal Relationships em finais do anos 50, que
jogou um papel central na génese e definição da noção de atribuição causal.
Contudo, o impuso decisivo viria ser dado pelo trabalho de Edward Jones e
Keith Davis e Horld Kelley, . Nomeadamente Jones & Davis publicaram em
1965 um ensaio intitulado "From Acts to Dispositions.15" que centraram a sua
atenção nas ideias das pessoas comuns acerca das causas dos
comportamentos dos outros e propuseram um conjunto sistemático de

15
Pode ser traduzido por “Das acções às disposições” em que o conceito de disposição
deve ser entendido no sentido de “estar disposto a”, “ter tendência para”, “ter a
intenção de”.

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ASPECTOS HISTÓRICOS, EVOLUÇÃO DA PSICOLOGIA SOCIAL 36

hipóteses acerca da percepção da intenção. Por sua vez, Kelly publicou em


1967 a obra "Attribution in Social Psychology". Estas duas contribuições
fizeram com que nos anos 70 o campo da psicologia social fosse dominado
pelos investigadores e teóricos da atribuição, rivalizando com a temática da
dissonância cognitiva como uma das teorias dominantes em psicologia social.
Outra temática interessante foi a investigação sobre comportamento
pró-social desenvolvida a partir de 1968 por John Darley e Bibb Latané ,e
que em 1970 publicaram o trabalho intitulado “The Unresponsive Bystander:
Why Doesn't He Help16” como resposta a um caso que teve um enorme
impacto na opinião pública americana referente à chocante inacção
demonstrada por pessoas que assistiram ao assassínio de uma mulher à
navalhada numa rua do bairro de Queens em New York em 1968. Estes
autores usaram um modelo gognitivo inovador para tentarem lançar alguma
luz sobre a forma como as pessoas são levadas a interpretar uma situação de
emergência e comoessa interpretação as leva a não fazerem nada para ajudar
a vítima dessa situação.
Outro desenvolvimento digno de nota foi uma linha de acção que, partindo de
trabalhos anteriores de Fritz Heider (1946) e Solomon Asch (1946) num
campo descrito de forma pouco rigorosa como percepção social, reorganizou e
sistematizou os dados e conceitos mais relevantes lançando as bases para o
que modernamente é conhecido como cognição social. Vários autores deram
valiosas contribuições para este desenvolvimento, de entre os quais podemos
indicar Walter Mischel e Nancy Cantor (1977) que estudaram a forma como
traços de comportamento percepcionados numa pessoa podem funcionar
como protótipos para avaliar essa pessoa. Também dignos de nota são
Richard Nisbett e Lee Ross que iniciaram o estudo das heurísticas cognitivas
(atalhos para o pensamento social). Nisbett & Ross publicaram em 1980 um
livro intitulado “Human Inference: Strategies and Shortcomings of Social
Judgment”17.

Revistas científicas
Considerando que a ciência é uma actividade pública, a partilha de
conhecimentos e resultados de investigações é claramente um outro aspecto
pelo qual podemos aferir o desenvolvimento de uma área científica.
Assim, vamos mais uma vez considerar dois períodos distintos, um período
até aos anos 50 e outro a partir dessa data.
Até aos anos 50 as revistas científicas mais importantes em psicologia social
eram naturalmente publicadas nos EUA e de entre as mesmas podemos
destacar:

16
Pode ser traduzido por “O observador não reactivo: Porque ele não ajuda?”
17
Pode ser traduzido por “A iinferência humana: Estratégias e limitações do
julgamento social”.

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ASPECTOS HISTÓRICOS, EVOLUÇÃO DA PSICOLOGIA SOCIAL 37

• Journal of Abnormal and Social Psychology. O título desta revista científica


é curioso pois, ao ligar os tópicos da psicologai social e da psicologia dos
comportamentos anormais, de alguma forma reflecte as dificuldades de
relação da psicologia social com a psicologia geral nesta altura;
• Journal of Personality.
Após os anos 50 verificou-se o número crescente de auotres na área da
psicologia social o que acabou por implicar um crescimento exponencial dos
meios para divulgarem os seus trabalhos. De entre as inúmeras publicações
que foram aparecendo parece-nos poder destacar as seguintes:
• Journal of Personality and Social Psychology. Esta revista começou a
publiar-se em 1965 e resultou da divisão do Journal of Abnormal and Social
Psychology, já referenciado, em duas publicações, sendo a outra o Journal
of Abnormal Psychology;
• Journal of Experimental Social Psychology, começou igualmente a ser
publicado em 1965;
• Social Psychology Quarterly. Esta revista começou a ser publicada a partir
de 1979, tendo resultado da alteração da designação de uma revista já
existente, Sociometry, de forma a poder reflectir mais adequadamente o
forte peso da psicologia social no seu conteúdo.
• Journal of Applied Social Psychology iniciou a sua publicação em 1971;
• Personality and Social Psychology Bulletin, apareceu em 1975;
• Social Cognition começou a publicar-se em 1982.
O que podemos concluir desta apresentação é que, do ponto de visa dos
artigos publicados, se verificou uma explosão do interesse pela psicologia
social na década que ligou os anos 60 aos anos 70 do século XX.

A PSICOLOGIA SOCIAL NA EUROPA

O período da influência americana


Como já tivemos ocasião de assinalar mais atrás quando nos referimos àquilo
que poderíamos designar pela pré-história da psicologia social, o interesse
pelo estudo dos factores sociais e psicossociais do comportamento humano
nasceu efectivamente na Europa na última metade do século XIX e princípios
do século XX. Contudo, por razões históricas a que também já fizemos
referência, os EUA acabaram por assumir a liderança nesta área a partir dos
anos 30 de século XX de tal forma que foi aí que nasceu a psicologia social
como área científica autónoma. Apesar de a partir dos anos 50 a psicologia
social começar igualmente a adquirir relevância na Europa, podemos dizer,
que essa liderança se tem mantido até aos dias de hoje tanto em termos de

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ASPECTOS HISTÓRICOS, EVOLUÇÃO DA PSICOLOGIA SOCIAL 38

investigação empírico como de produção conceptual, número de revistas


científicas, livros e monografias e organizações ou instituições.
Uma razão importante para esta deslocação da hegemonia científica teve a
ver, como também já dissemos, com um aspecto de fundo que era o
tradicionalismo e autoritarismo inerentes às sociedades europeias na altura,
incompatíveis com o carácter inovador da actividade científica, e com um
aspecto mais imediato que foram as circunstâncias associadas à ascensão do
nazismo e do fascismo no final dos anos 30 na Europa. Por exemplo, na
Alemanha em 1933 os professores de origem judaica foram expulsos das
universidades, e, desde esse momento até ao final da II Guerra os nomes de
cientistas judeus foram expurgados dos manuais universitários que eram
entendidos como estando ao serviço do nazismo que defendia a supremacia
da raça ariana face às outras raças humanas, posição essa que, temos que
concordar, muito dificilmente poderá ser compatibilizada com qualquer
perspectiva séria que tenhamos do que é ciência. A perseguição aos judeus
na Alemanha nazi e, por arrastamento, em alguns outros países da Europa
conduziu a um êxodo em massa dos psicólogos sociais europeus, assim como
de outros cientistas, para os EUA, de tal forma que por volta dos anos 40 a
psicologia social na Europa tinha ficado reduzida quase à insignificância,
especialmente se compararmos com o que se passou na América.
Com o fim da Guerra, a partir de 1945, é conhecido de todos que os EUA
tiveram um papel importante no apoio aos esforços de recuperação da Europa
em vários campos e, por isso, também no campo científico e no que respeita
à psicologia social em particular. Efectivamente providenciaram recursos tanto
financeiros como insitucionais no sentido de apoiaram a formação de centros
de psicologia social na Europa. Parece hoje óbvio que, apesar de haver aqui
claramente um sinal de boa vontade e até de solidariedade mundo académico
e científico americano para com os seus colegas europeus, pois não nos
podemos esquecer que muitos deles eram de origem europeia, também é
verdade que muito deste esforço, especialmente no que se refere aos
recursos financeiros, teve igualemente a ver com a estratégia global
americana face à Guerra Fria no sentido de instalar na Europa ocidental um
ambiente intelectual e científico que pudesse contrariar a influência que
pudesse ser exercida pelo bloco comunista.
Ora, há qui um aspecto que não queríamos deixar de realçar. Esta
circunstância de o ressurgimento da psicologia social na Europa ter acontecido
no quadro de uma dependência, ou pelo menos de uma ligação estreita com
os EUA, teve obviamente enormes benefícios, mas teve também uma
consequência menos positiva, que foi o acto de os centros de psicologia social
na Europa terem desenvolvido e mantido ligações mais fortes e funcionais
com os seus congéres americanos do que com os seus parceiros europeus.
Esta situação iria influenciar decisivamente o rumo da psicologia social
europeia e podemos pensar que os seus efeitos ainda hoje se fazem sentir.
De facto, sabendo nós que a ciência, para além de uma actividade pública, é
também uma activiade colectiva, e que nessa altura não havia ainda esse

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ASPECTOS HISTÓRICOS, EVOLUÇÃO DA PSICOLOGIA SOCIAL 39

poderoso recurso de comunicação e troca de conteúdos que é a Internet,


torna-se evidente que a fragilidade dos laços e das linhas de comunicação
entre os psicólogos sociais europeus levou a que muitas vezes não se
conhecessem entre si, estando muitas vezes mais a par dos tabalhos
desenvolvidos pelos seus colegas americanos do que pelos seus colegas
europeus. Em conclusão, a Europa, incluindo a Grã Bretanha era
essencialmente um entreposto da psicologia social americana, pois no período
que vai do final da guerra até finais do anos 60, a psicologia social na Grã
Bretanha, tal como nos Países Baixos, Alemanha (então RFA) França e
Bélgica, os trabalhos realizados eram muitas vezes extensãoes das linhas de
investigação americanas sendo, por isso, a respectiva produção teórica
também muito influenciada pelas ideias americanas.
Contudo, especialmente a partir de finais dos anos 60, os psicólogos sociais
europeus foram gradualmente tomando consciência da hegemonia das ideias
americanas, e chegando à conclusão que essa situação, se bem que num
primeiro momento tivesse gerado o impulso decisivo para o relançamento da
psicologia social europeia, poderia tornar-se num factor gravemente limitador
e enviesador do seu desenvolvimento, dadas as claras diferenças ao nível
intelectual, cultural e até histórico entre a Europa e a América. Por exemplo a
experiência recente europeia tinha sido de guerra enquanto que nos EUA o
último grande conflito intrafronteiras tinha sido a guerra civil em 1860. Não
admira por isso que os psicólogos europeus estivesem particularmente
interessados em estudar tópicos tais como relações inter-grupais e grupos
sociais, linha de uma psicologia social mais social (sociológica), enquanto que
a psicologia social americana estaa nesta época mais proeocupada com a
problemática das relações interpessoais, numa linha, se quisermos, mais
psicologizante. Daí que começasse a haver consciência da necessidade de
mais e melhores canais de comunicação entre os psicólogos sociais europeus
assim como um certo grau de independência intelectual e organizacional dos
EUA.
Segundo Hogg & Vaughan (1998) um dos primeiros passos a ser dado neste
sentido não aconteceu curiosamente num país da Europa central, mas sim na
Noruega onde logo no início dos anos 50, Eric Rinde em colaboração com
David Crech dos EUA conseguiram juntar alguns psicólogos sociais
americanos e mais de 30 psicólogos sociais europeus para constituírem uma
rede que levasse à prática um estudo ienvolvendo vérios países sobre a
problemática da ameaça e rejeição. Existe a ideia de que o objectivo mais
geral deste estudo era o de encorajar a colaboração internacional e fazer
aumentar o número de locais de formação para os psicólogos sociais na
Europa.

A primeira Conferência Europeia de Psicologia Social


Experimental
Apesar de sabermos que em termos históricos os pontos de viragem não
acontecerem num momento determinado, contudo, para nos situarmos em

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ASPECTOS HISTÓRICOS, EVOLUÇÃO DA PSICOLOGIA SOCIAL 40

termos da evolução da psicologia social na Europa, parece-nos importante,


ainda que com algum grau de arbitrariedade, definir um marco, um
acontecimento pontual que possa assinalar esse ponto de viragem a partir do
qual se pode começar a falar de uma psicologia social europeia. Assim, de
forma geral considera-se que esse marco é a realização da primeira
Conferência Europeia de Psicologia Social Experimental que teve lugar em
Sorrento, Itália de 12 a 16 de Dezembro de 1963.. Curiosamente, mesmo
neste ponto, a psicologia social americana teve um papel relevante pois este
encontro foi organizado por John Lanzetta, um psicólogo social americano,
que era então director do Centro de Pesquisas em Comportamento Social, no
estado do Delaware, e que calhava estar a passar o seu primeiro ano de
licença sabática em Londres como cientista de ligação do Ramo de Psicologia
de Grupos do Departamento de Pesquisa Naval da Marinha dos EUA. O chefe
do do Escritório de Washington era Luigi Petrullo, o bem conhecido editor da
obra de 1958 Person Perception and Interpersonal Behavior. O facto de
ambos serem de origem italiana aliado a outro tipo de afinidades científicas
esteve provavelmente na origem da realização da conferência em Itália.

Figura 3 –Fac-símile da 2ª página do programa da primeira Conferência Europeia de


Psicologia Social Experimental de 12 a 16 de Dezembro de 1963 em Sorrento, Itália.

Numa carta de convite a potenciais participantes na conferência fazia-se


referência aos seguintes objectivos gerais da conferência europeia.
a) Criar uma oportunidade para um pequeno grupo de psicólogos sociais
europeus partilharem as suas experiências e perspectivas acerca da
utilização de métodos experimentais no estudo de problemas sociais
importantes;
b) Providenciar trocas de informação acerca de investigação experimental em
curso no campo da psicologia social assim como partilha de instalações e

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ASPECTOS HISTÓRICOS, EVOLUÇÃO DA PSICOLOGIA SOCIAL 41

pessoal entre diferentes centros europeus envolvidos em pesquisa


experimental em psicologia social;
c) Permitir a discussão informal de problemas comuns assim como alguma
medida de contactos pessoais que facilitem o estabelecimento de uma
comissão internacional para encorajar e apoiar o desenvolvimento da
psicologia social experimental.
Os temas principais das comunicações, lidas em inglês ou francês, e
discutidas durante os cinco dias que durou a conferência fora, por ordem de
apresentação:
A. Questões metodológicas e teóricas no desenvolvimento e teste de
hipóteses em psicologia social;
B. Estudos experimentais da socialização;
C. Questões metodológicas e teóricas em estudos experimentais
interculturais;
D. Modelos matemáticos da interacção social, percepção social e
psicolinguística comparativa;
E. Influência e poder nas relações grupais;
F. Processos de comunicação;
G. Conflitos intragrupos e intergrupos;
H. Competição e acção grupal;
Na sessão final os participantes fizeram unanimemente uma avaliação positiva
da conferência e expressaram a esperança de que se fizesse algo para
continuar a troca de informação e dar oportunidades aos estudantes de
psicologia social para receberem aqui na Europa uma formação mais
avançada em áreas de pesquisa e métodos especializados. Consequentemente
John Lanzetta escreveu um documento intitulado Proposal for Contributions to
the Development of Experimental Social Psychology in Europe (Proposta de
Contribuição para O Desenvolvimento da Psicologia Social Experimental na
Europa). Esta proposta de 1964 incluía as seguintes acções a empreender em
que provavelmente a ordem de apresentação corresponde a uma ordem de
exequibilidade e proridade:
(1) Uma segunda conferência europeia de psicologia social experimental;
(2) Um curso de Verão de 4-6 semanas a ser realizado numa localização
central na Europa, para estudantes de nível médio e avançado que
tenham dificuldade em obetr formação em métodos experimentais nas
suas universidades de origem;
(3) Um programa de intercâmbio de cientistas dentro da Europa consistindo
em curtas visitas para realização de palestras e actividades de
consultadoria em investigação;

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ASPECTOS HISTÓRICOS, EVOLUÇÃO DA PSICOLOGIA SOCIAL 42

(4) Seminário especializados, ajuda na obtenção de apoio para a


investigação;
(5) Um Centro Internacional de Pesquisa e Formação em Psicologia Social.
Assim, foi realizada uma segunda Conferência Europeia de Psicologia Social
Experimental na localidade de Frascati, perto de Roma, em Itália, de 11 a 15
de Dezembro de 1964. No final da conferência foi decidido eleger uma
Comissão Europeia de Planeamento, constituída por Jozef Nuttin, Gustav
Jahoda, Serge Moscovici, Henri Tajfel e Mauk Mulder.que ficou encarregada
de:
A. planear alguma forma de estrutura organizacional de suporte às
actividades subsequentes;
B. planear em detalhe essas actividades;
C. explorar a possibilidade de recolher fundos na Europa;
D. reportar à próxima conferência.
Umas semanas após a conferência de Frascati, esta comissão organizadora
reuniu-se pela primeira vez em Lovaina, Bélgica, tendo pouco tempo depois
sido adoptada pela primeira vez a designação da nova associação: European
Association for the Advancement of Experimental Social Psychology, à qual
presidia Serge Moscovici e que no fundo envolvia os participantes europeus
nas conferências de Sorrento e Frascati.

Figura 4 –Membros da comissão eleita na Conferência de Frascati, durante a sua


primeira reunião em Lovaina (Da esq. Para a direita: - J.M. Nuttin, G. Jahoda, S.
Moscovici, H. Tajfel, M. Mulder)

A terceira Conferência foi realizada desta vez perto de Paris, França nos dias
27 de Março a 1 de Abril de 1966. Esta conferência teve um significado
especial pois foi totalmente organizada e financiada por europeus tendo

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ASPECTOS HISTÓRICOS, EVOLUÇÃO DA PSICOLOGIA SOCIAL 43

participado somente dois cientistas americanos como convidados. Durante


esta conferência foi realizada a primeira assembleia geral da nova associação,
tendo os membros da anterior comissão sido re-eleitos e juntamente com M.
Irle e R. Rommetveit constituído a primeira Comissão Executiva formal da
associação que passava a designar-se Associação Europeia de Psicologia
Social Experimental que teve S. Moscovici, como seu primeiro presidente e
contou à partida com 44 membros.
O curso de Verão acabou por ser realizado em Lovaina, na Bélgica em 1967,
tendo como anfitrião uma figura bem conhecida da psicologia social europeia
o belga Jozef Nuttin Jr. juntamente com o psicólogo social holandês, Jos
Jaspars.

Figura 5 – Grupo de participantes no primeiro Curso de Verão European Research


Training Seminar in Experimental Social Psychology.

A escolha do local de realização do curso deveu-se provavelmente ao facto


de, uns anos antes, em 1963, Nuttin ter fundado na Katholieke Universiteit
Leuven (Universidade Católica de Lovaina) um laboratório de Pscologia Social
Experimental, que era à época um dos mais avanados, mesmo em termos
mundiais.
É hoje óbvio que a Associação Europeia de Psicologia Social Experimental teve
um enorme sucesso, tendo estado na base do notável renascimento a que a
psicologia social europeia tem assistido a partir dos anos 70, contando hoje
com mais de mil membros, entre os quais 16 portugueses.
Apesar de do ponto de vista metodológico não terem aparecido grandes
novidades, o facto é que, do ponto de vista teórico, a psicologia social
europeia, de forma perfeitamente consciente, se definiu em oposição à
psicologia social americana caracterizada por uma posição global
explicitamente mais crítica face à sociedade, mais política, se quisermos.
Contudo, apesar de não ter abandonado totalmente a sua perspectiva crítica
inicial, é notório que, pelo menos a partir dos anos 80, a psicologia social
europeia atingiu um grau de auto-confiança e reconhecimento internacional

JOSÉ FARINHA VER. 1.12- 2005-11-20


ASPECTOS HISTÓRICOS, EVOLUÇÃO DA PSICOLOGIA SOCIAL 44

que tem permitido a sua institucionalização como área científica


perffeitamente integrada no mundo académico em geral, podendo hoje
dizer-se que a investigação europeia começa já ter um impacto significativo e
reconhecido nos próprios EUA e mesmo no resto do mundo. Por exemplo, o
recente ressurgimento do interesse pela investigação sobre grupos foi quase
que exclusivamente devida às perspectivas e trabalhos de investigação
europeus. Para além desta área, o impacto da psicologia social europeia
tem-se revelado particularmente em áreas como as representações sociais,
identidade social, comportamentos intergrupo e influência de minorias.
Cada uma destas temáticas tem sido tradicionalmente alvo de ênfases
diversos nos diversos países europeus onde a psicologia social tem tido um
maior destaque. Assim, podemos ver que as representações sociais têm sido
particularmente estudadas em França, os processos de grupo apontando para
uma psicologia social de carácter mais políico na Alemanha, a cognição social
tem sido mais estudada nos Países Baixos, o desenvolvimento social da
cognição na Suíça francófona e a acção orientada para objectivos na Suíça
alemã. Em termos de autores europeus têm igualmente sido produzidos
trabalhos de relevância e certamente ao longo deste manual teremos
oportunidade de abordar pormenorizadamente alguns deles. Para já
parece-nos importante destacar os trabalhos de Henri Tajfel e Serge Moscovici
que numa altura em que a investigação sobre grupos entrava em declínio nos
EUA avançaram nesta área abrindo novas perspectivas sobre o
comportamento grupal e a influência social, perspectivas essas que
asseguraram a continuação de produtiva investigação neste campo
importante da psicologia social. Igualmente os trabalhos de Tajfel e
colaboradores sobre a identidade social, categorização social e
comportamento intergrupal e de Moscovici e coloboradores sobre a
polarização de grupo e influência das minorias têm-se constituído como temas
fundamentais da psicologia social dos últimos 20 anos, não somente na
Europa, mas igalmente em outras partes do mundo. Para mais estes
trabalhos têm conduzido a conceptualizações sociocognitivas, por exemplo na
analise da formação de impressões e processo de estereotipização.

JOSÉ FARINHA VER. 1.12- 2005-11-20

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