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Volume II - nº 2 - Julho - Dezembro 2006
6 | TEOLOGIA PA R A VIDA – VOLUME II – NÚMERO 2
| 1
v o l u m e I I – n ú m e r o 2
TEOLOGIA
PARA
VIDA
|
J2unta de Educação Teológica: Pb. Francisco
T e o lSoolano
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o lresidente – nRev
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o 2
Roberto Batista Anglada (Vice-presidente), Pb. Gilson Alberto Novaes (Secretário),
Pb. Eli dos Santos Medeiros (Tesoureiro), Rev. Jaime Marcelino de Jesus, Rev. Ashbel
Simonton Redua, Rev. Wilson Emerick de Souza.
Junta Regional de Educação Teológica: Rev. Daniel Fogaça (Presidente), Rev. Pb. Roberto Tambelini
(Vice-presidente), Pb. Ronaldo Brisola (Secretário), Rev. Nelson Duilio Bordini Marino.
Diretoria da Fundação Educacional Rev. José Manoel da Conceição: Pb. Dante Venturini de
Barros (Presidente), Rev. Roberto Brasileiro Silva (Vice-presidente), Rev. Fernando de
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Congregação do Seminário Teológico Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição: Rev. Ageu
Cirilo de Magalhães Jr. (Diretor), Rev. Onezio Figueiredo (Capelão), Rev. Leandro Antônio
de Lima, Rev. George Alberto Canêlhas, Rev. Alderi Souza de Matos, Rev. Dario de Araújo
Cardoso, Rev. Cláudio Antônio Batista Marra, Maestro Parcival Módolo, Rev. Elieser Fer-
reira, Rev. Gildásio Jesus Barbosa dos Reis, Sem. Francisco Alexandre Ferreira Nascimento.
Conselho Editorial: Rev. Ageu Cirilo de Magalhães Jr., Rev. Leandro Antônio de Lima, Rev.
George Alberto Canêlhas, Rev. Alderi Souza de Matos, Rev. Dario de Araújo Cardoso,
Rev. Cláudio Antônio Batista Marra, Maestro Parcival Módolo.
Sumário
Ed i t o r i a l ..................................................................................................................... 05
A r t i g o s
Re s e n h a
Conselheiro capaz
Fernando Jorge Maia Abraão ......................................................................... 143
A r t i g o s e s e r m õ e s d o s a l u n o s
Editorial
Boa reflexão!
A rtigos
8 | Teologia para V i d a – V o l u m e II – número 2
Departamento de Teologia
bíblica e exegética
Parte I
Parte I
Resumo
O Salmo 130 tem importante presença na história do cristia-
nismo. Homens como Lutero e John Wesley foram tocados
por seu ensino e deram testemunho de seu valor. O presente
estudo nos conduzirá na contemplação dos ricos tesouros
desse salmo, que fala tanto de nossa miséria quanto de nossa
esperança e redenção. Poderemos também observar como o
estudo exegético pode nos auxiliar no levantamento de temas
concernentes ao texto e sua interpretação, tanto no aspecto
acadêmico quanto pastoral. Ferramentas de interpretação
como o estudo dos gêneros literários, a pesquisa estrutural e
a pesquisa de termos-chaves serão utilizadas sob a perspectiva
exegética reformada e corroboradas pela citação de diversos
comentaristas bíblicos da atualidade.
Palavras-chave
Salmos Penitenciais; Confissão; Interpretação Bíblica; Crítica
Literária; Crítica da Redação.
Abstract
The Psalm 130 has an important presence in the history of the
Christianity. Men as Luther and John Wesley were touched
by its teaching and gave testimony of its value. The present
study will drive us in the contemplation of the rich treasures
of that psalm, that speaks as much of our poverty as about
our hope and redemption. We will also be able to observe
how the exegetical study can help us in stressing the themes
Keywords
Penitential psalms; Confession; Biblical interpretation; Lite-
rary criticism; Redaction criticism.
Introdução
A história do Salmo 130 nos oferece alguns fatos interessantes
e dignos de nota. O De profundis, como ficou conhecido devido à
sua expressão inicial na versão latina, é um dos 15 hamma´aloth, ou
cânticos dos degraus. Consta na liturgia católico-romana como o
sexto dos sete salmos penitenciais (6, 32, 38, 51, 102, 130, 143).1
Também era grandemente valorizado por Lutero. Quando ques-
tionado sobre os melhores salmos, o reformador o citou como um
dos salmos paulinos2 e o chamava de “um digno mestre e doutor
1
DAHOOD, Mitchell. Psalms:101-150. New York: Doubleday, 1970, v. III, p. 234. Catholic Encyclo-
pedia, “Psalms” < http://www.newadvent.org/cathen/12533a.htm> acessado em 29/11/2004.
MOLL, Carl Bernhard. The Psalms. In: LANGE, John Peter, SCHRÖEDER, Wilhem Julius (eds.).
A commentary on the Holy Scriptures: critical, doctrinal and homiletical, with special reference to
ministers and students. Grand Rapids: Zondervan Publishing House, 1971, p. 624. SCHÖKEL,
Luís Alonso. Salmos: tradução, introdução e comentário. São Paulo: Paulus, 1998, v. II, p. 1512.
2
Os outros salmos chamados de paulinos por Lutero são o 32, o 51 e o 143. cf. LOCKYER, Herbert.
Psalms: a devotional commentary. Grand Rapids: Kregel Publications, 1992, p. 667. PEROWNE,
J. J. Stewart. Commentary on the Psalms. Grand Rapids: Kregel Publications, 1989, v. II, p. 402.
das Escrituras”, querendo dizer com isso que o salmo ensina a ver-
dade básica do evangelho; encontra-se “nele a expressão da graça
imerecida e perdão que são o coração do evangelho”.3 John Wesley
ouviu o cântico desse salmo na tarde do dia 24 de maio de 1738 na
Catedral de Saint Paul e “o salmo certamente foi um dos fatores que
direcionaram o seu coração para receber a certeza da salvação pela
fé. Na noite daquele dia ele visitou um encontro de santos numa sala
da Rua Aldersgate, onde seu coração foi estranhamente aquecido”.4
Estudar o Salmo 130 fará com que adentremos esse maravilhoso
mundo da graça e do perdão, e nos ensinará a buscar e confiar em
Deus tendo em vista nossa miserável condição de seres corrompidos
e pecadores.
Começaremos nosso estudo atentando para o aspecto literário
e estrutural, buscando definir, pela sua forma, o melhor modo de
abordarmos a mensagem do salmo. Feito isso, passaremos ao estudo
do conteúdo desse salmo procurando entendê-lo em suas partes
para, finalmente, compreendê-lo como um todo.
1. Classificação e estrutura
3
MILLER, Patrick D.. “Psalm 130” em: Interpretation 33.02, Abr. 1979, p. 176 <http://63.136.1.23/
pls/ eli/eli_bg.superframe?pid=n0020-9643_033_02_0176&artid=ATLA0000770843> acessado
em 18/11/2004.
4
LOCKYER, op. cit., p. 667; MAYS, James L.. Psalms interpretation: A Bible commentary for teaching
and preaching. Louisville: John Knox Press, 1994, p. 405.
5
GUNKEL, Hermann; BEGRICH, Joachim. Introduction to Psalms: the genres of the religious lyric
of Israel. Macon: Mercer University Press, 1998, p. 140.
6
MAYS, op. cit., p. 405.
7
WESTERMANN, Claus. Psalms: the structure, content and message. Minneapolis: Augsburg
Press, 1980, p. 53.
8
SCHÖKEL, op. cit., p. 1512.
9
Para numeração dos versos e cláusulas seguiremos o texto da BHS.
10
ALLEN, Leslie C. Psalms: 101 - 150. Waco: Word Books Publishers, 1983, p. 192.
11
Cf. ibid., p. 192.
12
Cf. ibid., p. 193.
13
PEROWNE, op. cit., p. 403.
14
BARNES, Albert. Notes on the Old Testament: Psalms. Grand Rapids: BakerBooks, 1870, 1998
reimp., vol. III, p. 258.
- Pedido:
- Endereçamento ou invocação. Um vocativo dirigido a Yahweh.
- Queixa. A exposição da situação desesperadora.
- Petição. Um pedido para que Deus aja decisivamente.
- Motivações. Apresenta as razões porque Deus deve agir.
- “Imprecação”. Uma afirmação de que Deus, em sua justiça,
punirá o ímpio.
- Louvor:
- Garantia de ser ouvido. Afirmação de certeza de ter sido ouvido.
- Pagamento de votos. O compromisso de servir a Deus conforme
prometido.
- Doxologia e louvor. O reconhecimento de que Deus é fiel e
salvador15
15
Cf. WESTERMANN, op. cit., p. 60-61; BRUEGGMANN, Walter. The message of the Psalms: a
theological commentary. Minneapolis: Augsburg Publishing House, 1984, p. 54-56.
16
Cf. Westermann, ibid., p. 193. BRUEGGMANN, ibid., p. 104.
17
Cf. DAHOOD, op. cit., p. 235.
18
KRAUS, H.-J., Psalmen, p. 1048, 1050-51, apud: ALLEN, op. cit., p. 193.
19
WESTERMANN, C., “Psalm 130” in: Herr, tue meine Lippen auf, v. 5, p. 609, apud: ALLEN, ibid.,
p. 193.
20
HOUK, Cornelius B., “Syllables and Psalms: a statistical linguistic analysis”. Journal for the study
of the Old Testament, 14.01 [1979], p. 58. < http://63.136.1.23/pls/eli/eli_bg.superframe?PID=
n0309-0892_014_01_0055&artid=ATLA0000775689 >
21
Cf. DAHOOD, op. cit., p. 235.
22
CERESKO. Anthony R.. “The chiastic word pattern in hebrew”. Catholic biblical quarterly, 38.03
[1976], p. 308. < http://63.136.1.23/pls/eli/eli_bg.superframe?pid=n0008-7912_038_03_
0303&artid=ATLA0000756766 > acessado em 1/12/2004.
23
Cf. ALLEN, op. cit., p. 194.
24
ALDEN, Robert L. “Chiastic Psalms III: a study in the mechanics of semitic poetry in Psalms
101-150”. Journal of the Evangelical Theological Society, 21.03 [1978], p. 210. < http://63.136.1.23/
pls/eli/ eli_bg.superframe?PID=n0360-8808_021_03_cov1> acessado em 18/11/2004.
25
Cf. ALLEN, ibid., p. 194-195.
2. Exposição
Passemos ao estudo do conteúdo do Salmo 130. Seguiremos,
para isso, o enfoque temático.
26
Cf. SCHÖKEL, op. cit., p. 1513.
27
Salmo 69.2,14; Salmo 130.1; Isaías 51.10 e Ezequiel 27.34.
28
Almeida Revista e Atualizada.
“águas”. Mas ali, como no Salmo 130, não são os ímpios e perversos
egípcios ou fenícios que estão nas profundezas, mas o crente que
clama a Deus. Ali, a expressão “profundezas das águas” indica a
condição de grande dificuldade e aflição em que o salmista se en-
contrava por causa da perseguição dos seus inimigos. No Salmo 69,
o poeta pede para que Deus o tire das profundezas, ou seja, não o
deixe sucumbir diante de seus inimigos. Eles eram numerosos e po-
derosos, e o cercavam por todos os lados como se estivesse submerso
em profundas águas. Era certamente uma situação desesperadora
da qual somente o Senhor poderia livrá-lo.
Mesmo aparecendo isolada no Salmo 130, podemos atribuir à
expressão essa mesma descrição de sofrimento, de estar sendo en-
coberto pelas águas do mar. Certamente uma tremenda angústia,
apropriada para os que se opõem a Deus, mas insuportável para o
fiel. Por isso o seu clamor e a desnecessidade de uma mais acurada
descrição da angústia enfrentada.
29
SCHÖKEL, op. cit., 1514.
2.1.2 A petição
Temos uma das mais básicas petições: yliAqb. h[‘m.vi (“escuta a
minha voz”, v. 2). O salmista deseja ser ouvido. Quer que Yahweh
disponha seus ouvidos para lhe escutar o clamor.31 Sua condição
de lançado às profundezas tem obstruído sua relação pactual. A
tremenda distância entre as moradas do Altíssimo e as profundezas
do salmista tem causado enorme angústia ao salmista, a terrível
sensação de não estar sendo ouvido. O salmista não pede por cura
ou livramento dos inimigos, por vitória nas batalhas ou sustento
diário. Embora pudesse necessitar de uma ou de todas essas coisas,
ser ouvido pelo seu Senhor, e assim, ter restabelecida a comunicação
com ele, é tudo o que o escritor requer para alívio da sua angústia
e elevação da sua alma.
A expressão tAbVuq; ^yn<z>a’ (“teus ouvidos atentos”) só é encontra-
da aqui e no contexto da dedicação do templo. No final dela em 2
Crônicas 6.40, Salomão diz: “Agora, pois, ó meu Deus, estejam os
teus olhos abertos, e os teus ouvidos atentos à oração que se fizer
deste lugar”. E na resposta dada em seguida por Deus em 2 Crônicas
7.15: “Estarão abertos os meus olhos e atentos os meus ouvidos à
oração que se fizer neste lugar”.32
Mas o que dava ao salmista a sensação de não estar sendo ou-
vido? Qual era o problema que afligia o salmista? Os versos 3 e 4
nos dão um indício.
30
ALLEN, op. cit., p. 195.
31
Cf. BARNES, op. cit., p. 258-259.
32
Cf. ibid., 1514.
33
MCKEATING, Henry, “Divine Forgiveness in the Psalms”. Scottish Journal of Theology, vol. 18, n.
1 Março 1975, p. 73-74. E.g., em Gênesis 4.23, a Edição Almeida Revista e Atualizada traduz o
termo por “punição”.
Até quando não apartarás de mim a tua vista? Até quando não me
darás tempo de engolir a minha saliva? Se pequei, que mal te fiz a
34
Cf. ibid., 1515.
35
MILLER, op. cit., p. 177.
36
Cf. ibid., p. 1513.
37
BARNES, op. cit., p. 259.
ti, ó Espreitador dos homens? Por que fizeste de mim um alvo para
ti, para que a mim mesmo me seja pesado? Por que não perdoas a
minha transgressão e não tiras a minha iniqüidade? Pois agora me
deitarei no pó; e, se me buscas, já não serei.
38
Cf. PEROWNE, op. cit., p. 403.
39
Cf. PHILLIPS, Exploring the Psalms. Neptune, New Jersey: Loizeaux Brothers, 1988, vol. II, p. 515.
40
ALLEN, op. cit., p. 195.
41
MAYS, op. cit., p. 406.
42
BRUEGGMANN, op. cit., p. 104.
43
ALLEN, op. cit., p. 195-6.
44
Cf. PEROWNE, op. cit., p. 403.
45
Cf. MILLER, op. cit., p. 179.
46
Cf. SCHÖKEL, op. cit., 1514.
47
MILLER, op. cit., p. 179.
48
Ibid., p. 177.
49
SCHÖKEL, op. cit., p. 1515
50
LOCKYER, op. cit., p. 670.
51
PEROWNE, op. cit., p. 404.
52
BARNES, op. cit., p. 259.
Calvino e Aquino
p a r t e fi n a l
Calvino e Aquino
p a r t e fi n a l
Resumo
O autor sustenta que a fé é o ponto de contato entre Cal-
vino e Aquino, os dois defendem o cristianismo conforme
compreendido por meio das Escrituras Sagradas em suas
respectivas épocas. Mas os diferentes contextos intelectuais
em que viveram, a escolástica para Aquino e o humanismo
para Calvino, influenciaram grandemente seus métodos de
interpretação bíblica, que foram determinantes para a história
da igreja cristã. Nesta parte final do artigo, o autor apresenta
a avaliação dos princípios da hermenêutica dos dois impor-
tantes teólogos.
Palavras-chave
Hermenêutica, Tomás de Aquino, João Calvino, Dogmas
católicos romanos; Escolástica.
Abstract
The author defends the faith as the point of contact between
Calvin and Aquinas, both of them defending Christianity as
understood through the Holy Scriptures in their respective
times. But the different intellectual contexts in that they li-
ved, the scholastic for Aquinas and the humanism for Calvin,
influenced largely their methods of biblical interpretation,
which became decisive for the history of the Christian chur-
ch. In this final part of the article, the author presents the
evaluation of the hermeneutical principles of both important
theologians.
Keywords
Hermeneutics; Thomas Aquinas; John Calvin; Roman Ca-
tholic Dogmas; Scholastic.
4. A Hermenêutica de Aquino
Ao estudar a história da hermenêutica, do ponto de vista da
história do cristianismo, nos deparamos com dois períodos funda-
mentais, que direcionam os caminhos tomados pela igreja desde sua
formação. São eles o período Medieval e o período da Reforma. Fica
claro que dois rumos estão estabelecidos a partir dos dois momentos.
O primeiro, influenciado por aquilo que se chama de regula fidei, “que
significa uma afirmação compendiada da fé da igreja”;1 ou seja, a
infalibilidade da igreja ao traçar normas de conduta. Já o segundo,
um período totalmente influenciado pela Renascença, que tem na
busca pelos originais – a Bíblia – a autoridade suprema; isto é, contra
a infalibilidade da igreja abraçou-se a infalibilidade das Escrituras.2
1
BERKHOF, Louis. Princípios de interpretação bíblica, p. 24.
2
Ibidem, p. 29.
3
Vd. GILSON, Etienne. A Filosofia na Idade Média, p. 656-657. Com isso observamos o quanto
é séria a consideração de Tomás de Aquino com a revelação natural, pois para ele os filósofos
atingiram um padrão digno de compreensão quanto ao ser de Deus; parece que isso deu margem
para uma supervalorização da Filosofia a ponto de a Escritura ficar em alguns casos submissa ao
pensamento filosófico. Mas, historicamente, sabemos que o que aconteceu foi que os ditames da
igreja ajudaram a conter tal problema; porém, a supervalorização de Aquino mais adiante levará
a Teologia ser analisada pela Filosofia e, como sabemos, isso traria grandes prejuízos para a igreja.
segundo ele, é isto que exige a doutrina sagrada.4 Isto ele escreve
antes de abordar uma das principais argumentações da Suma: Do
que é e do que abrange a doutrina sagrada, no seu prólogo. Num
período tão ligado à elitização da cultura, este tipo de pensamento
é revolucionário, e Aquino foi tão querido por muitos devido à
acessibilidade de suas obras.5
Aquino compreendeu que a doutrina sagrada, além das outras
doutrinas – e por outras doutrinas aqui se entende aquelas da
Filosofia, racionalmente obtidas6 –, é necessária para a salvação.
Esta doutrina sagrada também é ciência, pois deriva-se de princí-
pios conhecidos à luz da revelação, que para Aquino é uma ciência
superior.7 Contudo, é ciência, segundo ele, mais especulativa que
prática, “por conhecer antes as coisas divinas que os atos humanos,
tratando destes, enquanto o homem por eles se ordena ao conheci-
mento perfeito de Deus, essência de felicidade eterna”.8 A doutrina
sagrada é mais digna do que outras ciências, pois as outras estão
limitadas pelo erro humano, porém a sagrada está na segurança da
perfeição de Deus.9
4
AQUINO, Tomás. Suma teológica, v. 1, VII, p. 1.
5
Lembrando que, como vimos na primeira parte do artigo, a educação estava voltada aos nobres e
não ao povo, e se assim não fosse, talvez a linguagem de Aquino ficasse inacessível.
6
AQUINO, Tomás. Suma teológica, v. 1, VII, p. 2-3.
7
AQUINO, Idem, p.4.
8
Ibidem, p.5.
9
Apesar de não reconhecer em Aquino um grande filósofo, chegando a dizer que “há pouco do
verdadeiro espírito filosófico em Aquino”, Russell, por outro lado, faz elogios a Tomás de Aquino
como sistematizador, principalmente pela clareza com que distingue os argumentos derivados da
razão e os derivados da revelação. Como diz: “Foi ainda mais notável pela sistematização que
pela originalidade. Mesmo que cada uma de suas doutrinas fosse errônea, a Summa permaneceria
como imponente edifício intelectual. Quando deseja refutar alguma doutrina, ele a expõe primeiro,
às vezes com grande força e, quase sempre, procurando ser justo. A penetração e a clareza com
que distingue os argumentos derivados da razão e os argumentos derivados da revelação são ad-
miráveis.” Cf. RUSSELL, Bertrand. História da Filosofia ocidental. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1957. v. 1, p. 182-183.
10
A história da filosofia cristã dos séculos 13 e 14 é essencialmente um debate vivo e intenso em
torno das várias formas da filosofia aristotélica. De início predominam, ainda, certos elementos
neoplatônicos; paulatinamente, porém, estes elementos vão cedendo terreno, sem contudo desa-
parecer completamente. Várias sínteses emergem do vigoroso processo de fermentação que então
se inicia. Na segunda metade do século 13 observa-se uma nítida delimitação de fronteiras. S.
Alberto, S. Boaventura e, mais tarde, Henrique de Gand, representam o ponto culminante de
uma corrente predominantemente neoplatonizante, e por esta razão mais próxima a Agostinho.
A síntese levada a termo por S. Tomás tende a assimilar o mais fielmente possível o aristotelismo
puro. Em Duns Escoto manifesta-se uma tendência intermédia. Com ele inicia-se também a crítica.
Começa o período de seleção e discriminação, o qual irá culminar na obra de Guilherme Ockham.
Em Mestre Eckhart, finalmente, as tendências místicas do neoplatonismo recebem sua expressão
clássica. Cf. GILSON, Etienne; BOEHNER, Philotheus. História da filosofia cristã. Petrópolis: Vozes,
1982. p. 361,362.
11
Dois filósofos desta época, Avicena (980-1037) e Averróis (1138-1198), foram os responsáveis pelo
contato do Aristotelismo com a teologia cristã na Idade Média. Esta filosofia chegou ao Ocidente
por meio das invasões árabes na Espanha, Sicília, Nápoles e Portugal. Desta forma os séculos 11
e 12 presenciaram as lutas bélicas e ideológicas que gerariam no século 13 o total acolhimento da
filosofia de Aristóteles. Cf. Ibidem, p. 361,362.
12
AQUINO, Tomás. Suma teológica, v. I, VIII, p. 10.
13
BERKHOF, Louis, Princípios de interpretação bíblica. p. 26-27.
14
AQUINO, Tomás. Suma teológica, v. I, X, p. 13 (Grifos meus). Augustus Nicodemus, tratando deste
assunto, escreve que Tomás de Aquino não abandonou o método alegórico, mesmo evidenciando
o método literal. Cf. LOPES, Augustus Nicodemus. A Bíblia e seus intérpretes: uma breve história
da interpretação. p. 156.
15
BERKHOF, Louis, Princípios de interpretação bíblica. p. 27.
16
AQUINO, Tomás. Suma teológica, v. I, VIII, p. 10.
17
AQUINO, Tomás. Verdade e conhecimento. Tradução, estudos introdutórios e notas de: Luiz Jean
LAUAND e Mario Bruno SPROVIERO. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 291.
18
AQUINO, Tomás. Suma teológica, v. I, X, p. 10.
19
Nicolau de Cusa (1401-1464) estudou com os Irmãos da Vida Comum em Deventer, e nas Uni-
versidades de Heidelberg e Pádua, onde conheceu o cardeal Giuliano Cesarani, seu futuro amigo
e protetor. A princípio se interessou principalmente pela ciência do Direito, mas estudou também
com grande fervor as ciências naturais. Seu método, que tem por base o sentido socrático e místico,
é meramente aproximativo das coisas intramundanas e supramundanas; desta forma, entende-se
que a realidade última permanece inacessível aos nossos conceitos.
20
BERKHOF, Louis. Princípios de interpretação bíblica. p. 27. Ver também: VIRKLER, Henry A..
Hermenêutica: princípios e processos de interpretação bíblica. p. 47.
5. A Hermenêutica de Calvino
Seguem agora alguns pontos que evidenciam a hermenêutica
de Calvino.21
1º Calvino não aceitava a supremacia do subjetivo sobre o obje-
tivo, pois a Bíblia autentica a própria Bíblia;22 o que a Igreja
Católica Romana fizera em tantas ocasiões fora errado, pois
é da Bíblia que se deriva a igreja e, pela fidelidade para com
a Bíblia que a igreja de Cristo é reconhecida.23
2º Antes da razão, por si mesma, temos o testemunho interno do
Espírito Santo. Calvino escreve: “Devemos reconhecer, pois,
que o evangelho não pode ser adequadamente conhecido a
não ser através da iluminação do Espírito; e, conhecendo-o
dessa forma, somos afastados deste mundo e elevados até ao
céu; e ao percebermos a benevolência de Deus, descansamos
em sua Palavra”.24
3º Mais que a visão especulativa filosófica, Calvino buscava a
autoridade interna da Bíblia. No seu comentário sobre a Carta
aos Hebreus ele ressalta isso: “Sempre que o Senhor se nos
acerca com sua Palavra, ele está tratando conosco da forma
mais séria, com o fim de mover todos os nossos sentidos mais
profundos. Portanto, não há parte de nossa alma que não
receba sua influência”.25 Seria, na verdade, submeter todo o
nosso entendimento às verdades de Deus.
4º Lição importantíssima, a Escritura deve ser estudada à luz da
Escritura. Com essa premissa, Calvino tem um identificador
de verdade e falsidade diferente de Aquino; o ponto de in-
terpretação não é a dialética entre filosofia e teologia, mas a
21
O que segue é uma reflexão sobre as aulas do Rev. Hermisten M. P. Costa no curso do Mestrado
em Ciências da Religião.
22
Esta expressão é apresentada por Costa ao ressaltar o posicionamento da Igreja Romana quanto
à sua forma de interpretação das Escrituras, mostrando a autoridade da interpretação à luz da
compreensão da igreja. Cf. COSTA, Hermisten M. P. Anotações sobre a Hermenêutica de Calvino.
Texto apresentado em sala de aula, no curso da Faculdade Mackenzie 1ª semestre de 2005, p. 27.
23
CALVINO, Juan. Institucion de la religion cristiana. Buenos Aires: Nueva Creación, 1967. p. 606.
24
CALVINO, João. Hebreus. São Paulo: Edições Paracletos, 1997, p. 153.
25
Ibidem, p. 108.
26
Cf. COSTA, Hermisten M. P. Anotações sobre a Hermenêutica de Calvino. Texto apresentado em sala
de aula, no curso da Faculdade Mackenzie, 1ª semestre de 2005, p. 27.
27
Hermisten ressalta um dado muito interessante quando escreve que Calvino ampliava as Institutas
da Religião Cristã à medida que escrevia seus comentários da Bíblia. (cf. Ibidem, p. 42).
28
CALVINO, Juan. Institucion de la religion cristiana, p. 616.
29
CALVINO, João. As pastorais. São Paulo, Paracletos, 1998, p. 123.
30
CALVINO, Juan. Institucion de la Religion Cristiana, p. 1223.
31
Ibidem, p. 176. Cf. AQUINO, Tomás. Suma teológica, v. I, parte 1 questão 83.
32
Salvação pela graça somente (Reforma), salvação pela graça e as obras (Pensamento católico).
33
CALVINO, Juan. Institucion de la religion cristiana, p. 616. AQUINO, Tomás. Suma teológica, v. I,
parte 2, art. 4.
mais nada a não ser o próprio Cristo: “Ao sermos cobertos pela
limpeza de Cristo nossas faltas e imundícies de nossas imperfeições
não são mais imputadas [...]”.34
34
CALVINO, Juan. Institucion de la religion cristiana, p. 602.
35
Ibidem, p. 998.
36
A Igreja Católica faz esta diferenciação para mostrar que existem pecados que podem ser graves
e que, se não forem absolvidos na hora da morte, tais pessoas morrem e vão para o inferno; já os
pecados veniais não são tão graves assim. O pecado venial constitui uma desordem moral reparável
pela caridade. Cf. Novo catecismo para o futuro. São Paulo: Ed. Santuário, 1999, p. 139.
37
CALVINO, Juan. Institucion de la religion cristiana, p. 306.
38
Ibidem, p. 306.
39
AQUINO, Tomás. Suma teológica, capítulo 2, 1, questão 108, art. 4.
40
CALVINO, Juan. Institucion de la religion cristiana, p. 304.
41
Ibidem.
42
Ibidem, 1139.
43
Ibidem.
44
CALVINO, Juan. Institucion de la religion cristiana, p. 1140.
45
CALVINO, Juan. Institucion de la Religion Cristiana, p. 478.
46
Esta crítica é tirada da Suma Teológica de Aquino, Suma Teológica, III, suplem. qu. 8; art. 4-5. in,
Ibidem.
47
CALVINO, Juan. Institucion de la Religion Cristiana, p. 481.
48
CALVINO, Juan. Institucion de la Religion Cristiana, p. 496.
49
CALVINO, Juan. Institucion de la religion cristiana, p. 496 (citando 1Jo 2.1 – 2.12).
50
Ibidem, p. 1115.
7. Considerações Finais
Para nossas considerações finais ressaltamos que Aquino foi um
homem sério e responsável dentro de seu desejo de estabelecer os
meios que seriam usados para transmitir o conhecimento de Deus.
Podemos dizer que no seu afã, Deus o usou como um meio para
impedir certo panteísmo que se estruturava por meio da filosofia
árabe. Talvez, sem as obras de Aquino, poderíamos ter um misto
de filosofia e religião anticristã vigentes em nossos dias, o que nos
levaria a desafios muitos maiores dos que temos hoje, principal-
mente ao falarmos de nossa pátria que ainda mantém a estrutura
de pensamento católico.
Quanto a Calvino, sabemos que o seu valor se dá como um dos
principais apologetas da Reforma, um sistematizador, que por meio
de sua obra mostrou ao mundo as referências fundamentais da fé
em meio à efervescência do humanismo e renascimento.
Temos por certo que entre Calvino e Aquino há muitas divergên-
cias que correspondem ao desenvolvimento histórico de séculos de
51
Ibidem, p. 743.
52
GEORGE, Timothy. Teologia do Reformadores. São Paulo: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova,
p. 198.
53
Ibidem, 200.
Damos graças a Deus por ter em nosso bojo uma teologia que,
por meio de sua fidelidade à Palavra, sabe manter uma posição fir-
me e irredutível às modas filosóficas que, por vezes, tentam minar
a fé do crente.
Departamento de Música
As fontes do
coral luterano
As fontes do
coral luterano
Resumo
O uso de música litúrgica nas igrejas filhas da Reforma é
um capítulo à parte na história da igreja. Os reformadores,
especialmente Lutero, deram grande atenção à música sacra
como meio de adoração a Deus e doutrinação dos fiéis. Neste
artigo, a importante obra do reformador alemão no âmbito
da música será abordada pelo Mst. Parcival, que analisará as
fontes utilizadas por Lutero. Este trabalho se concluirá com
outro, “As fontes do salmo calvinista”, a ser publicado no
próximo número desta revista.
Palavras-chave
Música Sacra; Música Litúrgica; História da Reforma; Mar-
tinho Lutero; Coral Luterano.
Abstract
The use of liturgical music in the churches proceeding of the
Reformation is a remarkable chapter in the Church History.
The reformers, especially Luther, payed great attention to
the sacred music as means of worship God and of believers
doutrination. In this article, the important musical work of
the German reformer will be approached by Mst. Parcival,
that will analyze the sources used by Luther. This work will
be concluded with another, “The sources of the Calvinist
Psalm”, to be published in our next issue.
Keywords
Sacred music; Liturgical music; History of Reformation;
Martin Luther; Luther Choral.
1
“Boa Música” nesse caso é valor objetivo. Sobre os conceitos de “boa música” e “música má” no
final da Idade Média, cf. MÓDOLO, Parcival. Musica: explicatio textus, praedicatio sonora. Fides
Reformata, v. 1, n. 1, Janeiro-Junho 1996, p. 60-64.
2
LEITH, John H. A tradição reformada. São Paulo: Pendão Real, 1997, p. 299.
3
O “Coral Reformado”, “Coral Luterano”, “Coral Alemão” ou ainda “Coral Protestante”, foi o gênero
nascido com a Reforma luterana. É muito diferente do canto gregoriano em todos os sentidos,
tanto a estrutura musical, o texto, a execução e a finalidade. Deixemos a professora Henriqueta
descrevê-lo: “língua vulgar ao invés do latim usado no canto gregoriano. Melodia no soprano e
7
A Dieta de Augsburgo foi convocada por Carlos V e iniciada no mês de junho. Lutero não pôde
participar por já ter sido excomungado pelo papa em 1520.
8
Até mesmo por respeito às idéias de Lutero sobre traduções, talvez a melhor tradução de Sendbrief
vom Dolmetschen seja, mesmo, Carta aberta sobre Tradução Interpretativa, já que qualquer Sendschreiben
(inclusive Brief) sempre se refere a uma missiva circular, enviada para ser divulgada, lida por muitos.
E Dolmetschen é “interpretar, servir de intérprete”, mais que “traduzir” (=Übersetzen). Nesse mesmo
sentido, Lutero também utiliza a expressão verdeutschen, algo como alemanizar, germanizar o texto.
9
A sendbrief de Lutero aparece integralmente publicada em inúmeros autores. Utilizamos o traba-
lho de STÖRIG, Hans Joachim, Das Problem des Übersetzens. Wissenschaftliche Buchgesellschaft:
Darmstadt, 1973.
10
Para Lutero, o princípio da sola scriptura destinava-se a salvaguardar a autoridade das Escrituras de
qualquer dependência servil à igreja. As Escrituras são a norma normans (norma determinadora), não
a norma normata (norma determinada) para a vida. Elas são superiores à igreja. A igreja depende
da Escritura e não a Escritura da igreja.
Lutero e os cancioneiros
11
EBELING, Gerhard. O pensamento de Lutero. São Leopoldo: Sinodal, 1986, p.21.
12
LUTHER. Encomion musices. In: D. Martin Luther Werke. Weimar, 1944. v. 50. p. 372.
13
Lutero In. KARL, Anton. Luther und die Musik. Zwickau: W.E. Buszin 1948, p. 53, tradução nossa.
14
Apud KARL, Anton. Luther und die Musik. Zwickau: W.E. Buszin 1948, p. 50, tradução nossa.
15
Novamente remetemos o leitor ao artigo de MÓDOLO, Parcival. Musica: explicatio textus, pra-
edicatio sonora. Fides Reformata, v. 1, n. 1, Janeiro-Junho 1996, p. 60-64.
16
Entre 1524 e 1545 Lutero compilou e publicou nove hinários.
17
Johann Walther (1496-1570), compositor e Kantor (mestre responsável por toda a vida musical
de uma igreja) alemão. Estudou na Universidade de Leipzig. Atuou em Capelas de várias cortes,
especialmente as de Torgau e Dresden. Luterano rigoroso, teve seu hinário prefaciado por Lutero
e o viu amplamente difundido. Ao lado de sua produção musical para o cântico congregacional,
há obras mais ambiciosas para coros de quatro a sete vozes, oito Magnificats e duas Paixões. Seu
trabalho ao lado de Lutero, sua atividade como músico de igreja devotado e suas composições
litúrgicas alicerçadas em inabalável fé cristã, garantiram-lhe reconhecimento como músico sacro
modelo da Reforma Protestante.
18
O Moteto foi uma das formas mais importantes de música polifônica desde aproximadamente o
ano 1250 até 1750. Originou-se no século 13 da prática dos músicos da Catedral de Notre Dame
de Paris de acrescentar palavras (“moteto” deriva do francês mot, “palavra”) em linhas puramente
melódicas que faziam contraponto com um cantus firmus. Era o início das experiências de polifonia
na música vocal religiosa.
Essa preciosa dádiva [a música] foi dada somente aos homens para
lembrá-los de que eles foram criados para louvar e exaltar o Senhor.
Mas, quando música natural é aguçada e polida pela arte, aí se pode
principiar a ver, maravilhado, a grande e perfeita sabedoria de Deus
em sua maravilhosa criação, a música, quando uma voz principia
cantando uma simples linha em torno da qual são cantadas três,
quatro ou cinco vozes, saltando, movendo-se ao redor da primeira,
acima e abaixo, magistralmente enfeitando a simples melodia, como
uma dança coreografada no céu, com encontros de parceiros, abraços,
reverências entre amigos. Aquele que não acha isso um inexplicável
milagre do Senhor é de fato um tolo.19
19
LUTHER, Martin. Luthers sämmtliche Schriften. BUSZIN, W.E. (ed.). St. Louis Edition 1972, p.
XXI, tradução nossa.
20
A mesma expressão, Wbyjiyh, aparece em Oséias 10.1c: “Quanto melhor a terra, ...” (a Bíblia de
Jerusalém traduz “...quanto mais bela se tornava sua terra...”), utilizada, ali também, com o sentido
de “mais trabalhada”, “mais tratos culturais”.
21
Spalatin, cujo nome era Georg Burkhardt (1484-1545), nasceu em Spalt, cidade próxima a
Nürnberg – daí o epíteto “Spalatin”. Doutorou-se em Artes (Filosofia) na então nova Universi-
dade de Wittenberg, onde havia ingressado em 1502. Logo passou a servir Frederico, o Sábio,
príncipe eleitor da Saxônia, tornando-se educador do jovem príncipe Johann Friedrich. Pouco
depois foi nomeado secretário privado do próprio príncipe, e a seguir, seu conselheiro. Defendeu
salmos alemães para o povo [...] para que a Palavra de Deus seja
conservada no meio do povo através dessas canções”.22
Segundo o atual estado das pesquisas, se reconhece com certeza
36 canções da autoria de Lutero, assim classificados: 12 adaptações
de hinos latinos; 4 transcrições do folclore religioso alemão; 7 salmos
métricos parafraseados; 8 hinos baseados em versos bíblicos e 5
hinos totalmente originais. Além dos cânticos de sua comprovada
autoria, portanto, Lutero adaptou outros, extraindo-os de várias
fontes, para compor o acervo musical da igreja luterana. Sempre
se esforçando por não lançar fora o que a tradição litúrgica trazia
de bom e procurando aproximar-se do povo sem criar uma ruptura
com tudo o que era conhecido, Lutero utilizou muitas canções sacras
pré-reformadas. Obviamente, traduzia as canções para o alemão
quando estavam em qualquer outra língua, adaptando métrica e
ritmo para a nova realidade, para o estilo musical que nascia e que
seria chamado Coral Alemão.
É necessário lembrar que, embora nas cerimônias litúrgicas roma-
nas formalmente só cantasse o clero, com muito pouca ou nenhuma
participação dos fiéis, havia muita música sacra do povo e pelo
povo – música “folclórico-eclesiástica”, portanto – nas procissões,
nas peregrinações, nas reuniões informais e na devoção individual.
Bons compositores sempre compuseram boas músicas sobre temas
religiosos, que se tornaram conhecidas e utilizadas fora da igreja.
Assim, cânticos religiosos acompanhavam o povo em sua história
muito antes da Reforma, mesmo que não pudessem cantá-los na
liturgia romana. Eram canções entoadas pelo povo, portanto, mas
apenas durante atos privados de devoção, já que o canto dos fiéis
havia sido praticamente suprimido do culto cristão oficial por volta
do século 6º.
a causa da Reforma na corte, mesmo que o príncipe Frederico ainda permanecesse fiel à doutrina
católica, influenciando na atitude benevolente do príncipe em relação ao próprio Lutero, com
quem mantinha relações estreitas. Seu conselho era muito apreciado também na escolha dos
professores da Universidade, o que contribuiu para que esta alcançasse sua máxima glória: du-
rante o período de sua supervisão o número de matrículas excedia o de todas as demais escolas
superiores da Alemanha.
22
LUTHER, Martin. Briefwechsel. In: D. Martin Luthers Werke. Weimar,1969. v. 3. p. 590, tradução
nossa.
23
HUSTAD, Donald P. Jubilate!: a música na igreja. São Paulo: Vida Nova, 1986, p. 126.
24
Os trovadores (troubadours e trouvères), foram músicos poetas da tradição francesa de canção e
poesia lírica cortesã secular que floresceu particularmente entre os séculos 12 e 14. Os Minnesänger
podem ser considerados uma versão germânica dos troubadours e trouvères da França, mas foram
movimentos independentes.
25
Seqüência era um tipo de cantochão medieval que floresceu entre 850 e 1150 aproximadamente.
Era uma peça de canto sacro extensa, de grande âmbito, com texto latino, mas musicada silabi-
camente, isto é, sem melismas. Após o ano 1000 os textos foram cada vez mais se escandindo e
rimando, até se transformarem finalmente em versos. Esses textos estavam associados às datas do
ano litúrgico e eram cantados durante a missa imediatamente após o Aleluia, como uma acrésci-
mo ao Ordinarium. Com o passar do tempo algumas seqüências foram ganhando importância e
autonomia, podendo subsistir mais tarde como peça musical independente.
26
Tropos são acréscimos ou interpolações aos corais gregorianos, completando ou interpretando os
textos litúrgicos. Podiam servir também como introduções a esses cantos, constituindo-se de mú-
sica com ou sem palavras. Nos manuscritos do século 10 e 11 aparecem tropos introdutórios para
o Intróito, Ofertório, Comunhão e outros cantos do Proprium da missa. A prática, porém, aparece
com mais freqüência a partir dos manuscritos do século 12. Um tropo podia ganhar independência
e ser cantado no lugar da liturgia onde originalmente se cantava um coral gregoriano tradicional,
desde que, naturalmente, transmitisse o mesmo significado daquele coral. Há casos em que os
tropos são tão apreciados que passam a substituir definitivamente o canto original ao qual foram
inicialmente acrescidos.
27
“Antífonas” são cantos litúrgicos com texto em prosa, cantados por dois coros, ou oficiante e coro,
que se respondiam.
28
Coletânea de corais luteranos, não necessariamente para uso na igreja, mas especialmente para
as casas, como expresso no próprio título. A melodia, não harmonizada, vinha anotada acima das
palavras do texto, facilitando a leitura e o aprendizado da melodia por toda a família.
29
Justus Jonas (1493-1555) estudou jurisprudência e depois teologia na Universidade de Erfurt,
tornando-se Mestre em Artes em 1510. Em 1521 foi a Wittenberg como professor, retornando a
Erfurt em 1514 ou 1515. Tornou-se amigo e colaborador de Lutero tanto na tradução da Bíblia
quanto nas discussões teológicas – acompanhou Lutero a Worms, por exemplo.
30
Ou da Liturgia Milanesa, da tradição de Ambrosio, bispo de Milão (339-397).
31
Sedulius [Caelius Sedulius] (primeira metade do século 5º), poeta cristão latino, tornou-se conhe-
cido especialmente por seu Carmen paschale, um épico bíblico em cinco livros de textos poéticos
em hexâmetros dáctilos (dactylic hexameter), provavelmente escritos no período entre 425–50.
O Carmen paschale ainda era bem conhecido até o fim do quinto século e permaneceu popular até
pelo menos o século 12; ele era freqüentemente copiado e citado, e foi a fonte para o texto intro-
dutório da Missa Votiva à Virgem, Salve, sancta parens, e para a Antífona de natal Genuit puerpera
regem. Outros dois breves poemas são também atribuídos a Sedulius: um texto sobre a historia da
salvação, Cantemus socii Domino, e o famoso hino alfabético em metro iâmbico, A solis ortus cardine,
a que aqui nos referimos, e que reconta a vida de Cristo da encarnação à ascensão. Tanto o A
solis ortus cardine quanto o Carmen paschale influenciaram significativamente os poetas medievais.
As Leisen
Outra fonte importante para a música da Reforma foram as
Leisen (pronuncia-se “Láizen”), antigas estrofes devocionais, espécie
de refrão, que vinham sendo cantadas pelos fiéis excepcionalmente
até mesmo durante a liturgia. Na celebração da missa esses cânticos
estróficos concluídos por Kyrie eleison eram acrescidos ao próprio
Kyrie da liturgia, mas fora da igreja eram cantados pelo povo em
sua devoção individual como hinos independentes. Lutero utilizou
algumas das Leisen que já vinham sendo cantadas pelo povo e adap-
tou várias outras: a seqüência Grates nunc omnes tornou-se a canção
de natal Gelobet seist du, Jesu Christ (“Louvado sejas, Jesus Cristo”).
A seqüência pascal Victimae paschali laudes tornou-se Christ lag in
Todesbanden (“Cristo jazia nas amarras da morte”). Para a antífona
Media vita in morte sumus, que já no fim do século 15 era cantada em
alemão como Mitten wir im Leben sind (“No meio da vida estamos”),
Lutero escreveu mais duas estrofes.
Canções de peregrinação
Eram inúmeras as boas composições musicais sacras cantadas nas
peregrinações, a caminho de Santiago de Compostella, nas cruzadas
a Jerusalém, nas romarias a Colônia, por exemplo, durante as quais,
com maior liberdade e longe da autoridade do clero, todos os fiéis
podiam cantar enquanto caminhavam, ou nas paradas para descan-
so. Da conhecida canção de peregrinação In Gottes Namen fahren wir
(“Em nome de Deus nós vamos”), do século 12, Lutero utilizou a
música para sua canção de catecismo Dies sind die heilgen zehn Gebot
(“Estes são os dez mandamentos sagrados”) (Cf. ANEXO B).
Salmos metrificados
Um outro grupo é composto pelos salmos, isto é, canções cujos
textos são os próprios salmos bíblicos metrificados por Lutero: o
Salmo 12, Ach Gott vom Himmel, sieh darein (“Ah, Deus, do céu olhe
para nós”); o Salmo 46, Ein feste Burg ist unser Gott (“Castelo forte
é nosso Deus”); o Salmo 67, Es wolle Gott uns gnädig sein (“Queira
Deus apiedar-se de nós”); o Salmo 124, Wär Gott nicht mit uns diese
Zeit (“Se Deus não estivesse conosco”); o Salmo 130, Aus tiefer Not
schrei ich zu dir (“Das profundezas clamo a ti”); e muitos outros.
É fato que, dentre todas as composições de Lutero, há especial
predileção pelo seu famoso Ein feste Burg (“Castelo forte”). E essa
predileção não é recente, nem localizada: tornou-se desde sua com-
posição e em todos os países onde foi cantado, o principal coral
luterano (Cf. ANEXO C).
Diferentemente dos salmos reformados posteriores, cujos textos
conservaram-se substancialmente fiéis aos textos dos salmos bíblicos,
apenas metrificados e organizados em estrofes, os salmos de Lutero
traziam, declarada ou implícita, a mensagem do Cristo, isto é, os
salmos luteranos foram “cristianizados”.
Poesia latino-germânica
Outra curiosa fonte para a hinódia protestante foi a antiga poesia
mista, da qual se fez menção acima, aquela que se compunha de
algumas frases em alemão e outras em latim. Era prática relativa-
mente comum, já que muitas frases latinas faziam parte da rotina
litúrgica dos fiéis, que as ouviam domingo após domingo durante a
missa. Além do exemplo acima transcrito (In dulci jubilo, nun singet
uns sei froh), há vários outros, bem conhecidos, como os tradicionais
Quem pastores laudavere, den die Hirten lobten sehre (“Quem os pastores
louvaram”, apelidado de Quempas, por flexão das duas primeiras
palavras do texto), o Resonet in laudibus e a antiga canção de ninar
Joseph, lieber Joseph mein (“José, meu querido José”).
32
O movimento dos Irmãos boêmios e morávios foi um movimento pré-reformatório dos séculos
15 e 16 originado em Johann Hus (1369-1415).
33
Contracfaturas são canções originalmente não-sacras, mas adaptadas, conservando metro e melodia,
mas com o texto alterado. O novo texto, agora sacro, era derivado do original, secular, sem prejuízo
para o novo: a idéia central do texto original devia ser preservada e, assim, enriquecer o novo texto
(nesse ponto o Contrafactum difere da paródia). É óbvio que poucas canções prestavam-se a esse
tipo de adaptação, pois o texto original deve ser, já, bastante apropriado para o novo tema, sacro.
Há pouquíssimos bons exemplos dessa espécie.
Contrafactura de
nüremberg36, 1555 Tradução (nossa)
O Welt, ich muß dich lassen, Ó mundo, eu vou deixar-te,
Ich fahr dahin mein Straßen Vou seguir minha estrada,
Ins ewig Vaterland. Vou para a eterna pátria do Pai.
Mein Geist will ich aufgeben, Meu espírito quero entregar,
Dazu mein’ Leib und Leben E com ele meu corpo e minha vida
Legen in Gottes gnädig Hand. Deporei na mão misericordiosa de
Deus.
34
Heinrich Isaac (1450-1517) serviu aos Médici em Florença onde foi organista da catedral. Traba-
lhou em Viena e Constança. Foi o mestre de capela da corte imperial de Innsbruck e compositor
da corte em Augsburgo e Torgau, até retornar a Florença, onde faleceu.
35
Dessa forma e com essa finalidade ainda é muito cantada nos países europeus de fala germânica.
Vezes sem conta pudemos nós também cantá-la na Alemanha em várias despedidas, e ouvi-la
cantada na nossa, quando regressávamos ao Brasil.
36
Já havia uma adaptação sacra anterior à Reforma, de 1505.
37
Apesar do empréstimo da expressão “paralelismo antitético” do ambiente da análise da poesia
hebraica – e semita em geral – não pretendemos com isso fazer nenhuma relação entre uma técnica
poética e outra.
38
“Das heylige Evangelion[...] treyben und ihn schwanck [...] bringen”. M. Lutero, no prefácio da 1ª edição
do Geistlichen Gesanbüchlein de Wittenberg, editado por J. Walther, 1524 (edição fac-simile), p. 3,
tradução nossa.
39
Cf. BLANKENBURG, Walter. Kirche und Musik. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1979, p. 327.
40
Vide, sobre esse tema, MÓDOLO, Parcival. Musica: explicatio textus, praedicatio sonora. Fides
Reformata, v. 1, n. 1, Janeiro-Junho 1996.
ANEXO C
72 | TEOLOGIA PA R A VIDA – VOLUME II – NÚMERO 2
ANEXO D
| 73
Relatório pastoral do
Rev. George W. Chamberlain
Edição Diplomática
Relatório pastoral do
Rev. George W. Chamberlain
Edição Diplomática
Resumo
Dentre os muitos nomes estrangeiros importantes para a his-
tória da implantação do Protestantismo em nosso país, figura
o do Rev. George Whitehill Chamberlain (1839-1902), que
apesar de ter vindo ao Brasil por recomendação médica, logo
se ligou aos missionários presbiterianos, trabalhando como
evangelista em São Paulo e Bahia. Foi em sua residência que
iniciou a Escola Americana (1870). Nesta edição, trazemos
seu relatório pastoral, apresentado ao Presbitério do Rio de
Janeiro em 1866.
O relatório pastoral do Rev. Chamberlain é parte da “Coleção
Carvalhosa”, conjunto de documentos primários reunidos e
compilados pelo Rev. Modesto Perestrello Barros de Carva-
lhosa (1846-1917), encontrados no Arquivo Histórico da
IPB, a quem, novamente, agradecemos a gentileza da cessão.
Palavras-chave
História da Igreja; História da Igreja Presbiteriana do Brasil;
Coleção Carvalhosa; Rev. George Whitehill Chamberlain.
Abstract
Among the many important foreign names in the history of
the implantation of the Protestantism in our country, figures
Rev. George Whitehill Chamberlain (1839-1902), that in
spite of having come to Brazil for medical recommendation,
quickly joined the Presbyterian missionaries, working as
Keywords
Church History; History of the Presbyterian Church of Brazil;
Carvalhosa Collection; Rev. George Whitehill Chamberlain.
5.
10.
15.
20.
“E guiarei os cegos pelo caminho qual n’unca souberam; os farei caminhar pelas veredas
que não souberam; tornarei as trevas em • 5 lúz perante elles; e as cousas tortas farei
direitas; estas cousas lhes farei e núnca as desampararei.” Esaias XLII:16. Sirvo-me d’estas
palavras • 10 que ha muito se tornarão uma lampada para os meus pés, afim de indicar e
louvar a Divina Providencia que me ligou á missão da Igreja Presbyteriana no Brasil. • 15
Partindo de minha terra em junho de 1862, não tinha em vista senão recoperar a vista
estragada em estudos, por uma viagem de már que durasse 4 me- • 20 zes. No fim de 4
annos, chamado
78 | TEOLOGIA PAR A V IDA – VOLUME II – NÚMERO 2
5.
10.
15.
20.
como membro como membro da Egreja Presbyteriana do Rio de Janeiro a narrar alguns
dos trabalhos nos quais tem sido o meu • 5 previlegio participar. Tencionei passar uns
dias n’este porto como melhor me aprouvesse. Desembarquei no dia 21 de julho de
1862, e logo no mes • 10 mo dia travei relações com o Rev. Blackford (por via d’uma carta
de recomendação) que tinhão um alcance imprevisto – relações que hoje não posso con-
templar sem • 15 recordar-me das palavras bellas e cheias de consolação que acima hei
citado. Estes annos são cheios de gratas recordações, “mas não é aqui • 20 o lugar de
fallarmos de tudo isto
|
5.
10.
15.
20.
individualmente.” Passo por alto uns meses que occupou uma visita ao Rev. F. J. L.
Schneider da nossa missão aos colonos Alle- • 5 mães do interior da Provincia de S. Paulo,
como também o anno que em seguida gastei na província de S. Pedro do Rio Grande do
Sul. Annuindo ao • 10 pedido do Rev. A. G. Simonton a tomar parte nos trabalhos do seu
ministério, deixei Porto-Alegre, capital daquella província a 16 de Maio de 1864, chegan-
do á Côr- • 15 te no dia 23 do mesmo. Na providencia de Deos estas relações forão
suspensas, e no dia 1º de Novembro, parti para S. Paulo, onde dividi o meu • 20 tempo no
ensino de Inglês e tra-
80 | TEOLOGIA PAR A V IDA – VOLUME II – NÚMERO 2
5.
10.
15.
20.
5.
10.
15.
20.
a Brotas ajudar na missão já empreendida pelo nosso digno irmão o Rev. Jose M. da
Conceição. A elle cabe por direito a narra- • 5 ção do acontecido nessa sua antiga parochia.
Visto ser o seu relatorio mui resumido neste poncto, passo a dar alguns pormenores. • 10
A igreja de Brotas, não por ser importante em si, mas em razão da sua posição é calculada
para prestar grande auxilio na Evangelisação do interior • 15 Hoje é digna das ricas pro-
messas. O interesse do Evangelho manifesta-se mais nos sitios circunvizinhos do que na
propria villa. • 20 A vantagem nisso é: 1º A obra
82 | TEOLOGIA PAR A V IDA – VOLUME II – NÚMERO 2
5.
10.
15.
20.
não dá tanto na vista dos adversarios, e por isso é livre de embaraços que aliás serião postos
nos caminhos. • 5 2º A simplicidade da vida dos occupados em lavoura offerece a propaga-
ção mais rapida da verdade. Vivem mais isolados, sabem menos das afamadas “con- • 10
viniencias sociais,” e não na luz destas, mas na sua propria luz encarão o Evangelho. Teêm-
no ouvido e aceito muitas vezes, antes de saberem o que disem fula- • 15 no e sicrano, e
estão firmes em oppiniões formadas sobre a palavra de Deos, e independente prevenções
dos homens. São mais mestre de si mesmos. • 20 3º Será mais difficil organisar
|
5.
10.
15.
20.
opposição. Além destas razões, por dirigirem a nossa attenção principalmente aos Sítios,
como esta é a obra de Deos e não dos • 5 homens, não nos resta senão seguir os indicios da
sua providencia, para alcançar o fim o estabelecimento do Reino do Nosso Salvador. Com
quanto, • 10 pois, não deixássemos de pregar na villa em tempo e fóra de tempo, foi princi-
palmente nos sitios que colhemos fructos. De 15 pessoas que se offerecerão para fa- • 15 zer
profissão de sua fé, só 4 erão moradores na villa. Depois de algumas semanas de pregação
dentro e fóra da povoação, com auditorio que n’um- • 20 ca a excedia a 50 pesoas e ás
84 | TEOLOGIA PAR A V IDA – VOLUME II – NÚMERO 2
5.
10.
15.
20.
vezes consistião dos membros de uma só familia. Celebrámos a Céa do Senhor no dia 6
de Maio na casa pertencente á • 5 viuva de Pedro Garcia d’Almeida. Forão recebidas (e
batizadas confórme a fé Evangelica em nome do Pai, do Filho e do Espírito Sancto, septe
pessoas á • 10 communhão da Igreja. O Rev. F. J. C. Schneider dirigiu os exercicios ajuda-
dos pelos Snrs. Conceição e Chamberlain. Foi baptizada a filha de José Rufino e Gertruda
• 15 C. Leite, que nesta occasião fizerão profissão de fé. A principal opposição que expe-
rimentamos tinha por alvo tirar-nos a casa que o Senhor Jesus • 20 nos preparou para
nella comer
|
5.
10.
15.
20.
mos a nossa Paschoa. Frustrados os esforços dos nossos inimigos, vierão-nos á lembrança
as palavras de David: • 5 “Aparelhas a meza perante mim, em frente de meus adversarios.”
(Sal. XXIII. Almeida) Na volta passei por Sorocaba onde preguei no dia 20 dia 20 • 10 de
Maio. Demorei-me em S. Paulo até 25 de Junho desempenhando os deveres com que me
incubiu o pastor da Igreja nessa cidade, partimos nesta da- • 15 cta a assistir na actual
reunião, Sessão do Presbyterio que hoje tem de findar. Rio de Janeiro 10 de Julho de
1866. (Assignado) George Chamberlain.
86 | Teologia para V i d a – V o l u m e II – número 2
Anotações sobre a
Hermenêutica de Calvino
Compreensão a serviço da
piedade e do ensino
Parte I
Anotações sobre a
Hermenêutica de Calvino
Compreensão a serviço da
piedade e do ensino
Parte I
Resumo
Este artigo inicia uma série que procurará expor os princípios
e a importância do método de interpretação bíblica desen-
volvido por João Calvino. Nesta primeira parte, num texto
fartamente documentado, o autor traça um breve panorama
biográfico do reformador, destacando sua formação intelec-
tual e sua relação com os valores humanistas que floresciam
em sua época.
Palavras-chave
Hermenêutica; João Calvino; Reforma Protestante; Huma-
nismo.
Abstract
This article begins a series that will try to expose the rudi-
ments and the importance of John Calvin’s method of biblical
interpretation. In this first part, in a richly documented text,
the author presents a brief biographical panorama of the re-
former, enhancing his intellectual formation and relation to
the humanistic values that bloomed in his times.
Keywords
Hermeneutics; John Calvin; Protestant Reformation; Hu-
manism.
Introdução
Calvino, falando das diversas calúnias que levantavam contra
ele,4 partindo inclusive de falsos irmãos, diz: “Só porque afirmo e
mantenho que o mundo é dirigido e governado pela secreta provi-
dência de Deus,5 uma multidão de homens presunçosos se ergue
contra mim alegando que apresento Deus como sendo o autor do
pecado.”6 “Outros tudo fazem para destruir o eterno propósito di-
1
SCHAFF, Philip e SCHAFF, David S. History of the christian church. Peabody, Massachusetts: Hen-
drickson Publishers, 1996, v. III, p. 261.
2
BARTH, Karl. Revolutionary theology in the making. p. 101. Apud GEORGE, Timothy. Teologia dos
Reformadores. São Paulo: Vida Nova, 1994, p. 163. Também citada em PARKER, T. H. L. Calvin’s
Old Testament Commentaries. Edinburgh: T &T Clark, 1993 (reprinted), na folha de rosto.
3
SILVA, Moisés. Em favor da Hermenêutica de Calvino: In: KAISER, Walter C. SILVA, Moisés.
Introdução à Hermenêutica bíblica. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, p. 256.
4
Comentando o Salmo 64 Calvino extrai um exemplo extremamente prático concernente a este
ponto: “Ao ouvirmos Davi, homem em todos os aspectos muito mais santo e justo em sua conduta
do que nós, suportava as infundadas afrontas contra seu caráter, não temos razão alguma para
ficarmos perplexos ante o fato de que é possível sermos expostos a uma semelhante provação. Este
conforto pelo menos sempre temos, a saber, que podemos recorrer a Deus e obter sua defesa para a
causa justa” [CALVINO, J. O Livro dos Salmos. São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2, (Sl 64.4), p. 601].
5
Esta expressão é comum a Calvino. Ver: O Livro dos Salmos. São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, p.
37-38; Vol. 2, (Sl 47.3), p. 343. Depois de ser expulso de Genebra (O exílio foi votado pelo
Conselho de Genebra em 23 de abril de 1538 – cf. Calvin, Textes Choisis par Charles Gagnebin,
Egloff Paris, c. 1948, p. 297), escreveria a Farel (04/8/1538): “Se sabemos que eles não podem
caluniar-nos, exceto na medida em que Deus permitir, sabemos também o objetivo que ele tem
em vista em dar essa permissão. Portanto, humilhemo-nos, a menos que desejemos lutar contra
Deus.” CALVIN, J., To William Farel, Letters. John Calvin Collection. Albany, OR: Ages Software,
1998, (CD-ROM), (04/08/1538), n. 22.
6
Ver: CALVINO, J. O Livro dos Salmos. v. 2, (Sl 51.4), p. 429.
7
CALVINO, J. O Livro dos Salmos. São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, p. 44,45. Vd. também: CAL-
VIN, J., “To the Seigneurs of Berne,” John Calvin Collection. Albany, OR: Ages Software, 1998,
(CD-ROM), nº 398.
8
“Quando comparados com os escritos de Crisóstomo, a maior parte dos escritores subseqüentes
parecia prolixa” [SILVA, Moisés. Em favor da Hermenêutica de Calvino. In: KAISER, Walter C.;
SILVA, Moisés. Introdução à Hermenêutica bíblica. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, p. 245-246].
9
Ver: OLD, Hughes Oliphant. The reading and preaching of the Scriptures in the worship of the christian
church. Grand Rapids, Mi./Cambridge, UK.: Eerdmans, 1998, v. 2, p. 173.
10
GAMBLE, Richard C. Current trends in Calvin research, 1982-1990. In: NEUSER, Wilhelm H.
(ed.). Calvinus Sacrae Scripturae professor: Calvin as confessor of Holy Scripture. Grand Rapids,
MI.: Eerdmans, 1994, p. 95.
11
Vejam-se: REID, W. Stanford. Bernard of Clairvaux in the thought of John Calvin. In: GAMBLE,
Richard C. (ed.). Articles on Calvin and Calvinism. New York & London: Garland Publishing, Inc.,
1992, p. 35-53 e TAMBURELLO, Dennis E. Union with Christ: John Calvin and the mysticism of
St. Bernard. Louisville, Kentucky: Westminster John Knox Press, 1994, 167p.
12
CALVIN, J. Commentaries on the Prophet Jeremiah. Grand Rapids, Michigan: Baker Book House,
(Calvin’s Commentaries, v. IX), 1996 (reprinted), (Carta Dedicatória do seu comentário do Livro
de Jeremias), p. xxi.
13
“[Deus] jamais abençoou a seus servos numa medida tal que nenhum deles chegasse a possuir
pleno e perfeito conhecimento de todas as áreas do saber humano” [CALVINO, J. Exposição de
Romanos. São Paulo: Edições Paracletos, 1997, p. 24].
14
“Ainda quando, sob outros aspectos, é algo extremamente desejável, não devemos esperar que haja
na presente vida concordância durável entre nós na exposição de passagens da Escritura. Quando,
pois, dissentimos dos pontos de vista de nossos predecessores, não devemos, contudo, deixar-nos
estimular por algum forte desejo a inovação, nem impelidos por algum intuito de difamar outros,
1. A formação de Calvino18
Calvino foi, sem dúvida, o principal arquiteto da tradição refor-
nem despertados por algum ódio, nem induzidos por alguma fortuita ambição. A nossa única
necessidade é a de não ter em vista nenhum outro objetivo além do desejo sincero de só fazer o
bem” [CALVINO, J. Exposição de Romanos. São Paulo: Edições Paracletos, 1997, p. 24].
15
“A imagem de Calvino, organizador e disciplinador, como pai da frouxidão na ética social, é uma
lenda” [TAWNEY, R. H. A religião e o surgimento do capitalismo. São Paulo: Editora Perspectiva, 1971,
p. 113]. Richard C. Halverson, faz comentário semelhante a respeito do estereótipo puritano.
Veja-se: HALVERSON, Richard C., na Introdução da obra de Richard Baxter, O pastor aprovado,
São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1989, p. 15.
16
Hermenêutica provém da junção de duas palavras gregas: ermnneu/w e texnh/ (“arte de interpretar”).
Ainda que esta palavra não apareça desta forma no Novo Testamento, encontramos a sua raiz em
algumas ocasiões: ermhneu/w (“explicar”, “interpretar”, “traduzir”, “tornar claro”: Jo 1.38,42; 9.7;
Hb 7.2); ermhnei/a (“interpretação”, “tradução”, “explanação”: 1Co 12.10; 14.26); diermhneuth/j
(“intérprete”, “tradutor”: 1Co 14.28); diermhneu/w (“traduzir”, “interpretar”, “explicar”, “expor”:
Lc 24.27; At 9.36; 1Co 12.30; 14.5,13,27). Todas estas palavras são derivadas de Ermh=j (“Her-
mes”), deus grego (Mercúrio na mitologia romana) filho de Júpiter e Maia, sendo considerado o
intérprete e porta-voz dos deuses, tido também, como modelo de eloqüência (At 14.12). Paulo
saúda um cristão de Roma chamado Hermes (Rm 16.14).
17
A palavra “exegese” é uma transliteração do grego ech/ghsij, que significa “narração, “exposição”.
A palavra é formada por ec (fora de) e hge/omai (conduzir, guiar, liderar), daí o sentido de “tirar”,
“trazer para fora”, “relatar”, “explicar”, “expor” (O substantivo não ocorre no NT, contudo o verbo
echge/omai, é encontrado seis vezes: Lc 24.35; Jo 1.18; At 10.8; 15.12,14; 21.19). Aplicando a
palavra ao texto, significa extrair a mensagem do texto (Vd. BARTH, Karl. La Proclamacion del
Evangelio. Salamanca: Ediciones Sigueme, 1969, p. 57). Portanto, a função da exegese bíblica
é, humanamente falando, trazer à luz a mensagem da parte de Deus conforme registrada nas
Escrituras. Deste modo, a “exegese” é oposta à eish/ghsij (introdução), atitude que consiste em
tentar fazer o texto dizer o que queremos, torcer as evidências em favor de nossas concepções
previamente dogmatizadas.
18
Cabe aqui uma nota de advertência: alguns dados referentes à juventude de Calvino são incertos,
havendo disputa quanto à datas e lugares.
19
Cf. BATTLES, Ford Lewis. Preface. In: BATTLES, F. L. e TAGG, Stanley (eds.). The Piety of John
Calvin: an anthology illustrative of the spirituality of the reformer. Grand Rapids, Michigan: Baker
Book House, 1978, p. 7.
20
Cidade eminentemente religiosa, que distava cerca de 92 quilômetros de Paris com uma população
de aproximadamente 12 mil pessoas. “Noyon a Santa, como se dizia por vezes, tantas eram as
igrejas e as relíquias que possuía – era a sua cidade natal, capital diocesana, dotada de um clero
poderoso e de um bispo com assento entre os doze pares da França” (DANIEL-ROPS, Henri. A
igreja da Renascença e da Reforma: a reforma protestante. São Paulo: Quadrante, 1996, p. 365-366).
21
Ver: BEZA, Theodoro. A vida e morte de João Calvino. Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 2006, p. 8.
22
Ver: BEZA, Theodoro. A vida e morte de João Calvino. Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 2006,
p. 10; FERREIRA, Wilson de Castro. Calvino: vida, influência e teologia. Campinas, SP.: Luz para
o Caminho, 1985, p. 32-33; LESSA, Vicente Temudo. Calvino 1509-1564: sua vida e sua obra.
São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, [s.d.], p. 27-28; GEORGE, Timothy. Teologia dos Reforma-
dores. p.168-169. Havia quatro capelães em Noyon os quais alternavam na recitação da missa
matinal. Calvino sendo ainda muito jovem, não podendo portanto ser ordenado, pagava a um
padre para cobrir a sua escala. (Cf. SCHAFF, Philip. History of the christian church. v. VIII, p. 300;
LESSA, Vicente Temudo. Calvino: 1509-1564: sua vida e sua obra, p. 27; WILEMAN, William,
John Calvin: his life, his teaching and influence. John Calvin Collection. Albany, OR: Ages Software,
1998, (CD-ROM), p. 11-12.
23
O Comentário de Calvino sobre Sêneca publicado em abril de 1532 seria dedicado a Claude; na
Dedicatória, redigida em Paris (04/4/1532), reconhecendo a sua dívida para com a família de seu
amigo, diz: “Nosso Comentário que recomendo à sua guarda, receba-o como os primeiros frutos
de nossa colheita, dedicado e inscrito por direito e mérito a você; não só porque eu devo a você
tudo que sou e que tenho, pois desde bem cedo, ainda menino fui educado dentro da sua casa e
iniciado nos mesmos estudos junto com você, eu estou endividado com a sua mui nobre família
por meu primeiro aprendizado na vida e nas letras” (CALVIN, J. “Commentary on Seneca’s de
Clementia.” John Calvin Collection. Albany, OR: Ages Software, 1998, (CD-ROM), p. 8.
24
McGrath discute a possibilidade de esta interpretação tradicional ser equivocada. Em sua opinião
Calvino não estudou do Collège de la Marche (Ver: MCGRATH, Alister E. A vida de João Calvino.
São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004, p. 37-43).
25
As regras do Collège de Montaigu eram bastante rígidas e a alimentação precária. É famosa a
descrição de Erasmo a respeito desta Escola. Entre outros trabalhos, vejam-se: BAINTON, Roland
H. Erasmo da Cristandade. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, (1988), p. 39ss.; MCGRATH,
Alister E. A vida de João Calvino. p. 44-45. Para um estudo detalhado de Montaigu, a obra clássica
é: GODET, Marcel. La Congrégation de Montaigu. Paris: Libraire Ancienne Honoré Champion,
1912, 220p.
26
Foi aqui que Calvino se familiarizou com a teologia de Aquino, Agostinho e Jerônimo, entre
outros teólogos antigos. (Cf. FERREIRA, Wilson de Castro. Calvino: vida, influência e teologia,
p. 41. Do mesmo modo: WALLACE, Donald S. Calvino, Genebra e a Reforma. São Paulo: Editora
Cultura Cristã, 2003, p. 10).
27
Cf. BEZA, Theodore. Life of John Calvin. John Calvin Collection. Albany, OR: Ages Software, 1998,
(CD-ROM), p. 4. Ver: TORRANCE, Thomas F. The Hermeneutics of John Calvin. Edinburgh: Lindsay
& Co. Ltd., 1988, p. 80.
28
A amplitude da influência de seus professores é discutível. McGrath dá-nos um resumo de algumas
posições, Ver: MCGRATH, Alister E. A vida de João Calvino, p. 53ss.
29
WALLACE, Donald S. Calvino, Genebra e a Reforma, p. 10.
30
Torrance diz que Major considerava a lógica como “A arte das artes e a ciência das ciências”
(TORRANCE, Thomas F. The Hermeneutics of John Calvin, p. 27).
31
Cf. TORRANCE, Thomas F. The Hermeneutics of John Calvin, p. 80ss. Para uma visão panorâmica
do pensamento de Major, ver: TORRANCE, Thomas F. The Hermeneutics of John Calvin, p. 23ss.
32
SCHAFF, Philip. History of the christian church, v. VIII, p. 302. Loyola contudo, ficaria pouco tempo
no Colégio de Montaigu; em 01/11/1529 foi estudar Filosofia no já tradicional Colégio de Santa
Bárbara (fundado em 1460), dirigido pelo padre português Diogo de Gouveia, o Velho (nascido
por volta de 1471), que se propusera, entre outras coisas, à formação de teólogos portugueses com
bolsas fornecidas pela coroa portuguesa. (Vd. CARVALHO, Rómulo. História do ensino em Portugal.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, (1986), p. 143-144, 170ss; 284).
33
Ver: TORRANCE, Thomas F. The Hermeneutics of John Calvin, p. 74-75. Ver também: WALLACE,
Donald S. Calvino, Genebra e a Reforma. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2003, p. 10, 158-160.
Segundo Peter Toon, a obra de Kempis tem hoje mais de 2000 edições impressas (Peter Toon,
Tomas de Kempis: In: DOUGLAS, J. D. (ed.). Diccionario de Historia de la iglesia. Miami: Editorial
Caribe, 1989, p. 632).
34
Ver outras correlações em: TORRANCE, Thomas F. The Hermeneutics of John Calvin, p. 75ss.
35
CALVINO, J. A verdadeira vida cristã. São Paulo: Novo Século, 2000, passim.
36
Beza apenas registra que o pai de Calvino fê-lo estudar Direito, “vendo que seria um meio melhor
para chegar às riquezas e às honrarias” (BEZA, Theodoro. A vida e morte de João Calvino. Campinas,
SP.: Luz para o Caminho, 2006, p. 10).
37
MCGRATH, Alister E. Teologia sistemática, histórica e filosófica: uma introdução à teologia cristã. São
Paulo: Shedd Publicações, 2005. p. 103.
38
Cf. FERREIRA, Wilson de Castro. Calvino: vida, influência e teologia, p. 45.
39
Cf. LESSA, Vicente T. Calvino 1509-1564: sua vida e obra, p. 50.
40
Cf. BEZA, Theodoro. A vida e morte de João Calvino, p. 10.
41
Cf. DE GREEF, W. The writings of John Calvin: an introductory guide. Grand Rapids, Michigan:
Baker Book House, 1993, p. 21.
42
Beza diz que Calvino se recusou a receber este privilégio (Ver: BEZA, Theodoro. A vida e morte de
João Calvino. Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 2006, p. 11;Theodore Beza. Life of John Calvin:
In: Tracts and Treatises on the Reformation of the Church, v. I, lxi; Theodore Beza. “Life of John Calvin.”
John Calvin Collection, [CD-ROM], (Albany, OR: Ages Software, 1998), p. 5 . Vejam-se: SCHAFF,
Philip. History of the christian church. v. VIII, p. 306;. LESSA, Vicente T. Calvino 1509-1564: sua
vida e obra, p. 51; FERREIRA, Wilson de Castro. Calvino: vida, influência e teologia, p. 45-46.
43
Cf. BEZA, Theodoro. A vida e morte de João Calvino. Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 2006, p. 11.
44
Ladurie, Emmanuel Le Roy. O mendigo e o professor: a saga da família Platter no século XVI. Rio de
Janeiro: Rocco, 1999, v. 1, p. 325.
Quando era ainda bem pequeno, meu pai me destinou aos estudos
de teologia. Mais tarde, porém, ao ponderar que a profissão jurídica
comumente promovia aqueles que saíam em busca de riquezas, tal
prospecto o induziu a subitamente mudar seu propósito. E assim
aconteceu de eu ser afastado do estudo de filosofia e encaminhado
aos estudos da jurisprudência. A essa atividade me diligenciei a
aplicar-me com toda fidelidade, em obediência a meu pai; mas Deus,
pela secreta providência, finalmente deu uma direção diferente ao
meu curso.45
Calvino recebeu um encargo no curato de Saint-Martin de
Martheville (05/09/1527); mas em 30 de abril de 1529 resignou
a capelania de La Gesine em favor do irmão mais jovem, Antoine
e, em 5 de julho de 1529, trocou o cargo de Saint-Martin pelo da
aldeia Pont-l’Evèque (local de nascimento de seu pai). Com a morte
de seu pai (25 ou 26 de maio 1531) tornou a Paris para continuar
seus estudos literários e durante certo período voltou a Orléans para
concluir seu curso de Direito.
Quando um de seus amigos, Nicolás Cop foi eleito reitor da
Universidade de Paris, Calvino talvez o tenha ajudado a pre-
parar o seu discurso,46 que foi lido na igreja dos Maturinos,47
como de costume no dia 1º de novembro de 1533. Neste discurso
propunha-se uma reforma na igreja. A resposta foi imediata: Cop
e Calvino tiveram de fugir de Paris; Cop voltou à sua terra natal,
Basiléia, e Calvino para outras cidades francesas. Em 1534, Cal-
vino completaria 25 anos, idade legal para ser ordenado; agora é
o momento de assumir de fato a sua fé e ofício. Assim, em 4 de
maio de 1534, voltou a Noyon e renunciou aos seus benefícios
45
CALVINO, J. O Livro dos Salmos. São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, p. 37-38.
46
Este ponto não é consensual entre os especialistas. Ver: Alexandre Ganoczy. The Young Calvin. Phi-
ladelphia: The Westminster Press, 1987, p. 80-83; DANIEL-ROPS, Henri. A igreja da Renascença e
da Reforma: a reforma protestante. p. 370; Jacques Pannier em Introdução. As Institutas da Religião
Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 1, p. 10.
47
Cf. DANIEL-ROPS, Henri. A igreja da Renascença e da Reforma: a reforma protestante, p. 370.
2. A conversão de calvino
48
Vejam-se: Alexandre Ganoczy. The Young Calvin. Philadelphia: The Westminster Press, 1987, p.
85; MCGRATH, Alister E., A Vida de João Calvino, p. 91-92.
49
Ver: LESSA, Vicente Temudo. Calvino: 1509-1564: sua vida e sua obra, p. 63; FERREIRA, Wilson
de Castro. Calvino: vida, influência e teologia, p. 64-65.
50
SCHAFF, Philip. History of the christian church, v. VIII, p. 310. Bem mais tarde, seu discípulo
e sucessor, Theodore Beza (1519-1605), escreveria: “Estes são os eventos principais na vida
e morte de Calvino que eu mesmo testemunhei durante os últimos dezesseis anos. Eu penso
que estou qualificado para declarar que nele foi exibido diante de todos os homens, um dos
mais belos e ilustres exemplos de vida piedosa e morte triunfante de um verdadeiro cristão; que
será fácil pela malevolência caluniar, como será difícil devido a sua exaltada virtude imitar”.
[Theodore Beza. “Life of John Calvin.” John Calvin Collection. Albany, OR: Ages Software, 1998,
(CD-ROM), p. 65; Outra tradução: Beza Theodore. Life of John Calvin: In: Tracts and Treatises on
the Reformation of the Church, v. I, p. cxxxviii. Vd. SCHAFF, Philip. History of the christian church,
v. VIII, p. 272].
51
Fala-se também de Jacques Lefèvre D’Étaples (1455-1536), a “estrêla-d’alva” da Reforma, e de
seu discípulo, Melchior Wolmar († 1561), professor de grego de Calvino e “fanático de Lutero”,
conforme expressão de DANIEL-ROPS, Henri, A igreja da Renascença e da Reforma: a reforma pro-
testante, p. 367. Vd. SCHAFF, Philip, History of the christian church, v. VIII, p. 305, 310; MCNEILL,
John T. The history and character of calvinism. New York: Oxford University Press, 1954, p. 110,195;
IRWIN, C. H. Juan Calvino: su vida y su obra. Barcelona: CLIE., (1991), p. 22. O sábio Lefèvre
desejava uma reforma na igreja romana. O historiador católico Daniel-Rops (pseudônimo de Henri
Petiot, 1901-1965) mesmo não admitindo que Lefèvre nutria simpatia para com o luteranismo (p.
356), escreve: “Na prática, o que ele preconizava era uma reforma levada a cabo na igreja e pela
igreja, uma reforma intelectual que substituísse a degenerada escolástica por uma teologia positiva,
baseada no estudo da Escritura e dos Santos Padres, e também uma reforma moral e disciplinar que
pusesse fim aos abusos gritantes. Por que meios se realizaria tal reforma? Por um regresso da alma
fiel à verdade de Cristo e por uma penetração do evangelhoevangelho em todas as consciências.
Era à Escritura, à palavra sagrada, que, muitos anos antes de Lutero, Lefèvre d’Étaples confiava
as possibilidades da indispensável renovação” (DANIEL-ROPS, Henri, A igreja da Renascença e da
Reforma: a reforma protestante, p. 352).
52
MCNEILL, John T., The history and character of calvinism, p. 108-117; LESSA, Vicente T. Calvino
1509-1564: sua vida e obra. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, [s.d.], p. 47; CAIRNS, E. E.
O Cristianismo através dos séculos: uma história da igreja cristã. São Paulo: Vida Nova, 1984, p.
252; Schaff, Philip. The creeds of christendom. 6ª ed. Revised and Enlarged, Grand Rapids, Mi-
chigan: Baker Book House, (1931), v. I, p. 425ss.; BIÉLER, André. O pensamento econômico e social
de Calvino. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990, p. 115 e 121; MCGRATH, Alister, The
intellectual origins of the european Reformation, p. 54; HARKNESS, Georgia. John Calvin: the man
and his ethics. New York: Abingdon Press, 1958, Preface, p. 6-7; FERREIRA, Wilson de Castro.
Calvino: vida, influência e teologia. Campinas,SP.: Luz para o Caminho, 1985, p. 50-51; FISHER,
Jorge P. Historia de la Reforma. Barcelona: CLIE., (1984), p. 196-198; WILLIAMS, William R. Eras
and characters of History. New York: Harper & Brothers, p. 207; DANIEL-ROPS, Henri, A igreja da
Renascença e da Reforma: a reforma protestante, p. 368ss.; WENDEL, François. Calvin. New York:
Harper & Row, Publishers, 1963, p. 37ss.
53
FÉLICE, G. de. História dos protestantes da França. São Paulo: Typographia International, 1888, p.
51. Provavelmente, a “Bíblia” mencionada por Félice, seja a edição do Novo Testamento de 1534.
54
CALVINO, J. Respuesta al Cardeal Sadoleto. 4ª ed. Barcelona: Fundación Editorial de Literatura
Reformada, 1990, p. 63; CALVIN, J., Tracts and Treatises on the Reformation of the Church, v. I, p. 62.
55
Este ato “súbito” não precisa ser entendido necessariamente como “repentino”. Pode indicar
também algo “não-premeditado” (Cf. GEORGE, Timothy, Teologia dos Reformadores, 174).
56
CALVINO, J., O Livro dos Salmos, v. 1, p. 38. Veja-se: GEORGE, Timothy, Teologia dos Reformadores,
p. 171-185 (especialmente).
57
Vd. CALVINO, J., Respuesta al Cardeal Sadoleto, p. 61-64.
58
Olivétan estudou grego e hebraico com Bucer em Estrasburgo (1528). (Cf. SCHAFF, Philip, History
of the christian church, v. VIII, p. 299).
59
Cf. TRON, Ernesto. Historia de los Valdenses. Colonia Valdense: Libreria Pastor Miguel Morel,
1952, p. 25; LINDER, Robert. D. Olivétan: In: DOUGLAS, J. D. (ed. ger.). The new international
dictionary of the christian church. p. 730; LESSA, Vicente Temudo, Calvino 1509-1564: sua vida e
obra, p. 47; FRITZSCHE, O. F., Bible Versions: In: SCHAFF, Philip, ed. Religious encyclopaedia: or
dictionary of biblical, historical, doctrinal, and practical theology, v. I, p. 288; DE GREEF, W. The writings
of John Calvin: an introductory guide. Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1993, p. 90.
60
Contudo Olivétan valeu-se também de outras traduções, especialmente da realizada por Lefèvre
D’Étaples (1455-1536) (NT 1523 e AT 1530). (Cf. DE GREEF, W., The Writings of John Calvin,
p. 90).
61
Cf. LINDER, Robert. D., Olivétan: In: DOUGLAS, J. D. (ed. ger.). The new international dictionary
of the christian church, p. 730.
62
Cf. ANGUS, J. História, doutrina e interpretação da Bíblia. 3ª ed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora
Batista, 1971, p. 126; LESSA, Vicente Temudo, Calvino 1509-1564: sua vida e obra, p. 47. Nunca
é demais lembrar, que Calvino dominava o latim, hebraico e grego (Vd. WALKER, W., História da
igreja cristã, v. II, p. 69-71; LATOURETTE, K. S., Historia del Cristianismo, II, p. 100-101; SCHAFF,
Philip, The creeds of Christendom, v. I, p. 424ss; KRAUS, Hans-Joachim, Calvin’s exegetical principles.
Interpretation 31, 1977, Virginia, p. 14-15.
63
Cf. SILVA, Moisés. Em favor da Hermenêutica de Calvino. In: KAISER, Walter C.; SILVA, Moisés.
Introdução à Hermenêutica bíblica. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, p. 246-247.
64
Não consideramos aqui o prefácio de Calvino ao trabalho de seu amigo Nicholas Duchemin,
Antapologia, (6/3/1531).
65
Cf. CALVIN, J. “To Francis Daniel,” John Calvin Collection, Albany, OR: Ages Software, 1998,
(CD-ROM), (23/05/1532), nº 5, p. 37 e CALVIN, J. “To Francis Daniel,” John Calvin Collection,
Albany, OR: Ages Software, 1998, (CD-ROM), (1532), nº 6, p. 38.
66
MCNEILL, John T., The history and character of calvinism, p. 104. “Os Comentários sobre Sêneca
foram de certo modo a culminação do humanismo do jovem Calvino” (BREEN, Quirinus. John
Calvin: a study in french Humanism. Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1931, p. 67).
67
BOISSET, Jean, História do Protestantismo, p. 57.
68
PARKER, T. H. L. Portrait of Calvin. London: SCM Press, 1954, p. 19.
69
GANOCZY, Alexandre. The young Calvin. Philadelphia: The Westminster Press, 1987, p. 179.
70
George a denomina de “Obra-prima de erudição” (GEORGE, Timothy, Teologia dos Reformadores,
p. 171).
71
Vd. WARFIELD, B. B. Calvin and Calvinism. Grand Rapids, Michigan: Baker Book House [The
works of Benjamin B. Warfield; v. V], 1981, p. 4; GEORGE, Timothy, Teologia dos Reformadores, p.
171; MCGRATH, Alister C., The intellectual origins of the european Reformation, p. 54; FERREIRA,
Wilson C., Calvino: vida, influência e teologia, p. 141ss.; WALLACE, Ronald S. Calvin, Geneva and
the Reformation. Grand Rapids, Michigan/Edinburgh, UK.: Baker Book House/Scottish Academic
Press, 1990, p. 5; GONZALEZ, Justo L., A era dos reformadores, p 109; SCHAFF, Philip, The creeds
of Christendom, v. I, p. 424-425; SCHAFF, Philip, History of the christian church, v. VIII, p. 308-309;
SILVA, Moisés. Em favor da Hermenêutica de Calvino. In: KAISER, Walter C.; SILVA, Moisés.
Introdução à Hermenêutica bíblica. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, p. 246-247.
72
Aristóteles escrevera que “Na tirania há pouca ou nenhuma amizade. Com efeito, onde nada aproxi-
ma o governante dos governados não pode haver amizade, uma vez que não há justiça” (Aristóteles.
Ética a Nicômaco. São Paulo: Abril Cultural, 1973, VIII.11, 1160 30. p. 391 [Os Pensadores, v. IV]).
73
CALVIN, J. Commentary on Seneca’s de Clementia. John Calvin Collection. Albany, OR: Ages Software,
1998, (CD-ROM), p. 133. “Muitas farpas que disparava tinham em vista a ordem estabelecida, a
igreja e a escolástica” (DANIEL-ROPS, Henri, A igreja da Renascença e da Reforma: a reforma pro-
testante, p. 367-368). Mais tarde, escreveria em lugares diferentes: “Os príncipes e os magistrados
devem, pois, recordar de Quem são servidores quando cumprem seu ofício, e não fazer nada que
seja indigno de ministros e lugar-tenentes de Deus. A primeira de suas preocupações deve ser a
de conservar, em sua verdadeira pureza, a forma pública da religião, conduzir a vida do povo com
boas leis, e procurar o bem, a tranqüilidade pública e doméstica de seus súditos” (CALVINO, J.
Breve instruccion cristiana. Barcelona: Fundación Editorial de Literatura Reformada, 1966, p. 83).
Partindo do princípio de que as formas de governo estão sujeitas a falhas, escreve: “É verdade que
o rei, ou qualquer indivíduo que exerça o poder monárquico, facilmente baixa à condição de tirano.
Mas é igualmente fácil, quando elementos de alta posição exercem o governo, eles conspirarem
para impor uma dominação iníqua. E ainda é muito mais fácil o surgimento de sedições quando
é o povo que exerce a autoridade”, conclui, mostrando que Deus Se digna em manifestar a Sua
providência através da variedade de governos, aos quais devemos nos submeter: “se deixarmos
de fixar o nosso olhar só numa cidade e observarmos o mundo inteiro ou alguns países, por certo
veremos que não é sem a ação da providência de Deus que diversas regiões sejam governadas por
formas diversas de governo. Porque, assim como não se podem manter os elementos senão com
uma proporção e uma temperatura desiguais, assim também não se pode manter os governos
senão por meio de uma certa desigualdade. Contudo, não há necessidade de demonstrar todos os
aspectos disto para aqueles para os quais a vontade de Deus é argumento suficiente. Porque, se é
da vontade de Deus constituir reis sobre os reinos, e outras formas de autoridade sobre povos não
sujeitos à monarquia, a nós compete sujeitar-nos e obedecer às autoridades que nos dominarem onde
vivermos” (CALVINO, J. As Institutas, (1541), IV.16). “[Os governantes] encontram amplíssima
consolação ao verificarem que a sua vocação não é algo profano nem alheio a um servo de Deus,
mas um cargo sacratíssimo, já que, ao exercê-lo, eles fazem as vezes de Deus e executam o Seu
ofício” (CALVINO, J. As Institutas, (1541), IV.16). “[Davi] prescreve uma norma aos reis terrenos,
a saber: que, devotando-se ao bem público, seu único desejo para que sejam preservados é o bem
de seu povo. Quão longe a realidade se acha disto, nem é preciso dizer. Cegados de soberba e
presunção, desprezam o resto do mundo, como se sua pompa e dignidade os elevassem totalmente
acima do estado comum do homem. Nem é para se admirar que a humanidade seja tão insolente
e habitualmente pisoteada pelos pés dos reis, já que a maioria rejeita e desdenha carregar a cruz
de Cristo” [CALVINO, J. O Livro dos Salmos. São Paulo, Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 28.9), p. 610].
Comentando o Salmo 45, faz uma crítica aos reis de sua época que governam pela força e não
pela persuasão dos argumentos: “Quão manifestamente isso reprova a pobreza de espírito dos reis
de nossos dias, por quem é considerado como derrogatório de sua dignidade dialogar com seus
súditos e empregar a censura a fim de assegurar sua submissão; mas qual? exibem um espírito de
bárbara tirania, buscando antes compeli-los pela força do que persuadi-los com humanidade; e
em preferir antes abusar deles, como se fossem escravos, do que governá-los por leis e com justiça
como pessoas tratáveis e obedientes” [CALVINO, J., O Livro dos Salmos, v. 2, (Sl 45.2), p. 307].
Ver: MCNEILL, John T., Los Forjadores del Cristianismo, v. II, p. 210.
74
Cf. REID, W. Stanford, Calvin and the founding of the Academy of Geneva: In: Westminster
Theological Journal, 18, (1955), p. 4.
2) Amigo de humanistas:75
O “humanismo” de Calvino é visível em sua formação, escritos
e atitudes. Ele apoiou o humanista Guillaume Budé (1467-1540),
que era chamado de “Prodígio da França”, e, juntamente com Eras-
mo (1466-1536) e Juan Luis Vives (1492-1540), foi considerado o
“triunvirato do humanismo europeu”.76
Budé, como historiador, filósofo e helenista, contribuiu para o
reavivamento do interesse pela língua e literatura gregas e colaborou
na introdução do Humanismo na França. Calvino também dedicou
o seu Comentário da Primeira Epístola aos Tessalonicenses (Genebra,
17/02/1550) ao seu mestre de gramática e retórica, conhecido hu-
manista, Maturinus Corderius (1479-1564) – que foi fundamental
na formação do estilo de Calvino –, a quem Calvino chama de
“homem de eminente piedade e erudição”,77 reconhecendo a sua
dívida para com ele.78 Posteriormente, Corderius já convertido ao
Protestantismo, Calvino o convidou a lecionar na Academia de
Genebra, o que Corderius aceitou, sendo inclusive durante algum
tempo diretor daquela instituição, permanecendo ali até a sua morte
em 08/09/1564, quatro meses depois de Calvino.79 Corderius, além
75
Veja-se um bom resumo a respeito da influência de seus professores sobre a sua formação em
BATTLES, Ford L. Interpreting John Calvin. Grand Rapids, MI.: Baker Books, 1996, p. 47-64.
A discussão sobre este assunto é extensa. Vejam-se, entre inúmeros outros: BREEN, Quirinus.
John Calvin: a study in french Humanism. Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1931; GAMBLE,
Richard C. (ed.). Articles on Calvin and Calvinism, New York & London: Garland Publishing, Inc.,
1992; MCGRATH, Alister E. A vida de João Calvino. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004, p.
37ss. Para uma revisão bibliográfica, ver: COMPIER, Don H., The independent pupil: Calvin’s
transformation of Erasmus’ theological Hermeneutics. The Westminster Theological Journal, Phila-
delphia, Pennsylvania: Westminster Theological Seminary, (1992) 217-233.
76
Cf. FRAILE, Guillermo. Historia de la Filosofia. Madrid: La Editorial Catolica, S.A. 1966, v. III, p. 62.
77
CALVIN, J. Calvin’s Commentaries. Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, 1981,
v. XXI, (Prefácio do seu comentário de 1ª Tessalonicenses) p. 234.
78
Na Dedicatória de 1ª Tessalonicenses, disse: “Eu me reconheço endividado para com você pelo
progresso que foi feito desde então. E isto eu estava desejoso de testemunhar à posteridade que, se
qualquer vantagem provirá a eles de meus escritos, eles saberão que, em algum grau, se originaram
com você” (CALVIN, J. Calvin’s Commentaries, v. XXI, p. 234).
79
Vd. Theodore Beza. Life of John Calvin. John Calvin Collection, Albany, OR: Ages Software, 1998,
(CD-ROM), p. 4; GEORGE, Timothy, Teologia dos Reformadores, p. 170; FISHER, Jorge P. Historia
de la Reforma. Barcelona: CLIE., (1984), p. 195-196; IRWIN, C. H., Juan Calvino: su vida y su
obra, p. 16s.; MCNEILL, John T., The history and character of calvinism, p. 98,192; MCNEILL,
John T., Los Forjadores del Cristianismo, v. II, p. 207; SCHAFF, Philip, History of the christian church,
v. VIII, p. 301-302.
80
Beza registra que Corderius (Cordier) faleceu em Paris “aos oitenta e cinco anos, instruindo alunos
do sexto ano, até três ou quatro dias antes de morrer” (BEZA, Theodoro. A vida e morte de João
Calvino, Campinas. SP.: Luz para o Caminho, 2006, p. 9).
81
Beza testemunha a respeito de seu generoso mestre: “De quem me lembro com tanto maior agrado
em que foi ele meu fiel preceptor e guia de toda a minha juventude, pelo que louvarei a Deus por
toda minha vida” (BEZA, Theodoro, A vida e morte de João Calvino, p. 12).
82
Vd. MCNEILL, John T., The history and character of calvinism, p. 110,195; IRWIN, C. H., Juan
Calvino: su vida y su obra, p. 22; SCHAFF, Philip, History of the christian church, v. VIII, p. 305.
83
CALVINO, J. Exposição de 2 Coríntios. São Paulo: Paracletos, 1995, Dedicatória, p. 8.
84
Cf. As Institutas, II.2.16-17,27; II.3.4. Esta doutrina, que nada mais é do que a compreensão de
que o Espírito Santo exerce influência comum sobre os homens em geral, pode ser resumida em
três pontos: 1) Uma atitude favorável da parte de Deus para com a humanidade em geral – eleitos
e réprobos –, concedendo-lhes os bens necessários à sua existência: chuva, sol, água, alimento,
vestuário, abrigo; 2) A restrição do pecado feita pelo Espírito Santo na vida dos indivíduos e na
sociedade: “A obra da graça divina se vê em tudo que Deus faz para restringir a devastadora influ-
ência e desenvolvimento do pecado no mundo....” (BERKHOF, L. Teologia Sistemática. Campinas,
SP.: Luz para o Caminho, 1990, p. 436); 3) A possibilidade da aplicação da justiça civil por parte
do não regenerado: Aquilo que é certo nas atividades civis ou naturais. No entanto, deve ser dito
que esta graça: a) Não remove a culpa do pecado; b) Não suspende a sentença de condenação,
portanto, o homem continua sob o juízo de Deus. Deste modo, esta ação do Espírito deve ser
distinta da Sua operação efetiva no coração dos eleitos através da qual Ele os regenera.
85
CALVINO, J. As Pastorais. São Paulo: Paracletos, 1998, (Tt 1.12), p. 318. Vd. também: As Institutas,
I.5.2; I.15.6; II.2.13,15, 16. CALVIN, J., To Bucer, “Letters,” John Calvin Collection, Albany, OR:
de Deus a fonte única da verdade mesma, onde quer que ela haja
de aparecer, nem a rejeitaremos, nem a desprezaremos, a menos
que queiramos ser insultuosos para com o Espírito de Deus”.86 Por
exemplo em passagem magistral, analisando Gênesis 4.20, destaca
o fato de que mesmo na amaldiçoada descendência de Caim há
espaço para a graça de Deus, concedendo-lhe dons que permitissem
a invenção das artes e de outras coisas úteis para a vida presente.
“Verdadeiramente é maravilhoso, que esta raça que tinha caído
profundamente de sua integridade superaria o resto da posteridade
de Adão com raros dons”.87 Entende que Moisés registrou isso para
realçar a graça de Deus que não se tornou vã sobre estes homens,
visto que “havia entre os filhos de Adão homens trabalhadores e
habilidosos, que exerceram sua diligência na invenção e no cultivo
da arte”.88 Por isso, as “artes liberais (Humanidades) e ciências
chegaram até nós pelos pagãos. Realmente, somos compelidos a
reconhecer que recebemos deles a astronomia e outras partes da
filosofia, a medicina e a ordem do governo civil”.89
Hooykaas (1906-1994) resume o humanismo de Calvino: “Ele
era um humanista talentoso e realista demais para aceitar que a
Ages Software, 1998, (CD-ROM), Fevereiro de 1549, nº 236. Fiel a esse princípio, na Academia
de Genebra, estudavam-se autores gregos e latinos, tais como: Heródoto, Xenofonte, Homero,
Demóstenes, Plutarco, Platão, Cícero, Virgílio, Ovídio, entre outros. (Ver: SCHAFF, Philip, History
of the christian church, Vol. VIII, p. 805; WALLACE, Ronald S., Calvin, Geneva and the Reformation,
p. 99). NAs Institutas, escreveu: “Admito que a leitura de Demóstenes ou Cícero, de Platão ou
Aristóteles, ou de qualquer outro da classe deles, nos atrai maravilhosamente, nos deleita e nos
comove ao ponto de nos arrebatar” [CALVINO, J., As Institutas, (1541), I.24]. Calvino conside-
rava Platão, “entre todos o mais religioso [filósofo] e particularmente sóbrio” [CALVINO, J. , As
Institutas, I.5.11]. Ver também: CAMPOS, Heber Carlos, A “filosofia educacional” de Calvino e
a fundação da Academia de Genebra. Fides Reformata, São Paulo: Centro Presbiteriano de Pós-
Graduação Andrew Jumper, 5/1, 2000, 41-56, p. 51.
86
CALVINO, J., As Institutas, II.2.15. Ele acrescenta: “Se o Senhor nos quis deste modo ajudados pela
obra e ministério dos ímpios na física, na dialética, na matemática e nas demais áreas do saber,
façamos uso destas, para que não soframos o justo castigo de nossa displicência, se negligenciarmos
as dádivas de Deus nelas graciosamente oferecidas” (CALVINO, J., As Institutas, II.2.16). (Vd.
CALVINO, J., As Institutas, II.2.12-17).
87
CALVIN, J. Calvin’s Commentaries. Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, 1996
(Reprinted), v. I, (Gn 4.20), p. 217.
88
CALVIN, J., Calvin’s Commentaries, Vol. I, (Gn 4.20), p. 218.
89
CALVIN, J., Calvin’s Commentaries, Vol. I, (Gn 4.20), p. 218. “É bem verdade que os que recebe-
ram instrução sobre as artes liberais, ou que provaram algo delas, têm nesse conhecimento uma
ajuda especial para aprofundar-se nos segredos da sabedoria divina” (CALVINO, J., As Institutas
(1541), I.11).
4) Objetividade desejada
Calvino procurava ser objetivo em sua análise bíblica, teoló-
gica e mesmo nas questões cotidianas. Analisando a divergência
entre os zuinglianos e os luteranos concernente à ceia do Senhor,
comentou: “Uns e outros erraram em não ter paciência para
escutar-se a fim de seguir a verdade sem parcialidade, onde quer
que se encontrasse”.92
90
HOOYKAAS, R. A religião e o desenvolvimento da ciência moderna. Brasília, DF.: Editora Universidade
de Brasília, 1988, p. 152. Ver: CALVINO, J., As Institutas, II.12-13; WALLACE, Donald S., Calvino,
Genebra e a Reforma. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2003, p. 91-96.
91
WALLACE, Donald S. Calvino, Genebra e a Reforma. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2003, p.
11-12. Veja-se uma boa análise em: ENGEL, Mary Potter. John Calvin’s perspectival anthropology.
Eugene, Oregon: Wipf and Stock Publishers, 2002, p. 199-205.
92
CALVINO, J. Breve tratado sobre la santa cena. In: Tratados Breves. Buenos Aires/México, La Au-
rora/Casa Unida de Publicaciones, 1959, p. 46. Vd. Packer, J. I. “Fundamentalism” and the Word
of God. Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1988 (Reprinted), p. 34.
93
“Paulo, pois, nos ensina [Ef 5.11] que, quando não reprovamos os maus, essa é uma espécie de
comunhão com as obras infrutíferas das trevas. É certamente um modo de agir muito perverso
quando certas pessoas, buscando alcançar o favor humano, indiretamente desdenham de Deus;
e todos são coniventes em fazer com que seus negócios sejam do agrado dos perversos. Davi,
contudo, sente deferência, não tanto pela pessoa do perverso, mas pelas suas obras. O homem
que vê o perverso sendo honrado, e pelos aplausos do mundo se torna ainda mais obstinado em
sua perversidade, e que de bom grado dá seu consentimento ou aprovação, com isso não estará
enaltecendo o vício, em vez da autoridade, e o envolvendo de soberano poder?” [CALVINO, J.,
O Livro dos Salmos, v. 1, (Sl 15.1), p. 293].
94
CALVINO, J., As Institutas, IV.1.12. Em outro lugar: “Onde se professava o Cristianismo, se
adorava um único Deus, se praticavam os Sacramentos e se exercia algum gênero de ministério,
ali permaneciam as marcas da igreja. Nem sempre encontramos nas igrejas tal pureza como era
de se desejar. Ainda a mais pura tem suas máculas, e algumas têm não só umas poucas manchas
aqui e ali, mas são quase que completamente deformadas. Não devemos ficar tão desconcertados
pelo ensino e vida de alguma sociedade que, se não ficamos satisfeitos com tudo o que se procede
ali, então prontamente negamos ser ela uma igreja” [CALVINO, J. Gálatas. São Paulo: Paracletos,
1998, (Gl 1.2), p. 25].
95
CALVINO, J. O Livro dos Salmos. São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2, (Sl 50.4), p. 401.
96
CALVINO, J., O Livro dos Salmos, v. 1, (Sl 15.1), p. 287-289.
97
CALVINO, J., As Institutas, IV.1.15. Em outro lugar Calvino diz: “Deus só é corretamente servido
quando sua lei for obedecida. Não se deixa a cada um a liberdade de codificar um sistema de
religião ao sabor de sua própria inclinação, senão que o padrão de piedade deve ser tomado da
Palavra de Deus” (CALVINO, J., O Livro dos Salmos, v. 1, (Sl 1.1), p. 53).
b) Humildade necessária
Na sua concepção a humildade se constitui num primeiro passo
para alcançar a unidade. Continua:
98
CALVINO, J., Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 10.25), p. 272.
99
CALVINO, J., Exposição de Hebreus, (Hb 10.25), p. 273.
100
CALVINO, J. Efésios. São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 4.1), p. 108.
101
CALVINO, J., Efésios, (Ef 4.1-4), p. 109.
102
Veja-se: BEZA, Theodoro, A vida e morte de João Calvino, p. 30-31.
c) Unidade na Palavra
Após argumentar contra aqueles que chamavam os reformados
de hereges, ressalta que a unidade cristã deve ser na Palavra:
103
CALVINO, J. O Profeta Daniel: 1-6. São Paulo: Parakletos, 2000, v. 1, p. 26.
104
Cf. CALVIN, J. Calvin’s Commentaries. Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company,
1996, (Reprinted), v. XV, (Ag 2.1-5), p. 351.
105
CALVINO, J., Gálatas, (Gl 5.15), p. 165.
106
CALVINO, J. As Pastorais. São Paulo: Paracletos, 1998, (2Tm 2.22), p. 244.
107
CALVINO, J., As Institutas, IV.2.5. Calvino entendia que “onde os homens amam a disputa,
estejamos plenamente certos de que Deus não está reinando ali” (CALVINO, J. Exposição de 1
Coríntios. São Paulo: Edições Paracletos, 1996, (1Co 14.33), p. 436). T. George comenta com
acerto que “Calvino não estava disposto a comprometer pontos essenciais em favor de uma paz
falsa, mas ele tentou chamar a igreja de volta à verdadeira base de sua unidade em Jesus Cristo”
(GEORGE, Timothy, Teologia dos Reformadores, p. 182-183).
108
CALVINO, J., Efésios, (Ef 4.12), p. 125.
109
CALVIN, J. To the brethren of Wezel, “Letter.” John Calvin Collection. Albany, OR: Ages Software,
1998, (CD-ROM), nº 346, p. 32-34.
110
CALVINO, J., Exposição de 1 Coríntios, (1Co 14.33), p. 437.
111
Arcebispo de Canterbury, que em 1549 havia elaborado o Livro de Oração Comum, no qual dava
ênfase ao culto em inglês, à leitura da Palavra de Deus e, ao aspecto congregacional da adoração
cristã.
112
Melanchthon, mesmo sendo luterano e amigo pessoal de Lutero, desfrutou também de boa amizade
com Calvino, mantendo com este ampla correspondência. Nos dizeres de Schaff, Melanchthon
“permaneceu como um homem de paz entre dois homens de guerra” (SCHAFF, Philip, History
of the christian church, v. VIII, p. 260). O seu principal trabalho teológico foi Loci Communes (abril
de 1521). Este tratado foi a primeira obra de teologia sistemática protestante do período da
Reforma, marcando época portanto, na história da teologia. Nele Melanchthon segue a ordem
da Epístola aos Romanos. (Ver: SCHAFF, Philip, History of the christian church, v. VII, 368-370).
A tradução francesa do trabalho de Melanchthon foi prefaciada por Calvino (1546). (Cf. DE
GREEF, W. The writings of John Calvin: an introductory guide. Grand Rapids, Michigan: Baker
Book House, 1993, p. 205).
113
Bullinger foi amigo, discípulo e sucessor de Zuínglio (1484-1531), tendo escrito cerca de 150
obras, entre elas, A segunda Confissão Helvética (1562-1566).
114
Cranmer, na carta a Calvino, escreve: “Como nada mais tende a separar as igrejas de Deus que
as heresias e diferenças sobre as doutrinas de religião, assim nada mais eficazmente os une, e
fortalece a obra de Cristo mais poderosamente, que a doutrina incorrupta do evangelho, e união
em opiniões reconhecidas. Eu tenho freqüentemente desejado, e agora desejo que esses homens
instruídos e piedosos que superam outros em erudição e julgamento, constituíssem uma assembléia
em um lugar conveniente, onde se realizasse uma consulta mútua, e comparando as suas opiniões,
eles poderiam discutir todas as principais doutrinas da igreja.... Nossos adversários estão agora
organizando o seu concílio em Trento, no qual eles podem estabelecer os seus erros. E devemos
nós negligenciar convocar um sínodo piedoso que nos possibilite refutar os erros deles, e purificar
e propagar a verdadeira doutrina?” (Thomas Cranmer to Calvin, “Letter.” John Calvin Collection.
Albany, OR: Ages Software, 1998, (CD-ROM), 16).
115
Cranmer era um teólogo e estadista; a sua preocupação com Trento era pertinente e a história já
demonstrou amplamente esse fato.
116
Letters of John Calvin: selected from the Bonnet Edition. Edinburgh, The Banner of Truth Trust,
1980, p. 132-133. Comentando sobre o egoísmo humano que gera divisões na igreja e, ao mesmo
tempo a falta de tolerância, Calvino escreve, exortando-nos a amar os nossos irmãos (retomo,
aqui, parte de citação feita acima) “Há tanta rabugice em quase todos esses indivíduos que, es-
tando em seu poder, de bom grado fariam para si suas próprias igrejas, porquanto se torna difícil
acomodarem-se aos modos das demais pessoas. Os ricos invejam uns aos outros, e raramente se
encontra um entre cem que acredite que os pobres são também dignos de ser chamados e incluídos
entre seus irmãos. A menos que haja similaridade em nossos hábitos, ou alguns atrativos pessoais,
ou vantagens que nos unam, será muitíssimo difícil manter uma perene comunhão entre nós.
Essa advertência, pois, se torna mais que necessária a todos nós, a fim de sermos encorajados a
amar, antes que odiar, e não nos separarmos daqueles a quem Deus nos uniu. Torna-se urgente
que abracemos com fraternal benevolência aqueles que nos são ligados por uma fé comum. É
indubitável que a nós compete cultivar a unidade da forma a mais séria, porque Satanás está alerta,
seja para arrebatar-nos da igreja, ou para desacostumar-nos dela de maneira furtiva” (CALVINO,
J. Exposição de Hebreus. São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 10.25), p. 272-273). Schaff analisa: “A
igreja de Deus era a sua casa, e aquela igreja não conhece nenhum limite de nacionalidade e
idioma. O mundo era a sua paróquia. Tendo rompido com o papado, ele ainda permaneceu um
católico na melhor acepção da palavra, e orou e trabalhou para a unidade de todos os crentes”
(SCHAFF, Philip, History of the christian church, v. VIII, p. 799).
117
Apud NOLL, Mark A. Momentos decisivos na história do Cristianismo. São Paulo: Editora Cultura
Cristã, 2000, p. 204.
d) Humanismo teológico
1) A valorização do homem como imagem de Deus:
Robert D. Knudsen, tratando da visão “humanística” de Cal-
vino, diz:
118
KNUDSEN, Robert D. O Calvinismo como uma força cultural. In: REID, W. Stanford (ed.).
Calvino e sua influência no mundo ocidental. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990, p. 13-14.
119
KNUDSEN, Robert D. O Calvinismo como uma força cultural. In: REID, W. Stanford (ed.),
Calvino e sua influência no mundo ocidental, p. 19
120
KNUDSEN, Robert D. O Calvinismo como uma força cultural. In: REID, W. Stanford (ed.),
Calvino e sua influência no mundo ocidental, p. 20.
2) A Academia de Genebra
Fiel ao seu princípio de que “...as escolas teológicas [são] berçá-
rios de pastores”,127 Calvino (1509-1564), criou uma Academia em
121
BIÉLER, André. O humanismo social de Calvino. São Paulo: Edições Oikoumene, 1970, p. 12-13.
122
“Esse humanismo cristocêntrico, essa nova imagem do homem, redescoberta pelo Cristianismo
reformado, permitia a cada indivíduo compreender que sua natureza atual era uma natureza
degradada e que devia ser restaurada. Mas essa nova concepção permitia-lhe também descobrir
que ele trazia em si, como toda pessoa, os traços maravilhosos de sua identidade primeira. Cada
indivíduo podia, portanto, conhecer-se a si mesmo e redescobrir que toda a criação era também
convidada para sua renovação (Rm 8.20-21)” (BIÉLER, André. A força oculta dos protestantes. São
Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999, p. 47).
123
Vejam-se: CALVINO, J., As Institutas, I.15.3 e 4; CALVIN, J. Commentaries on the first book of Moses
called Genesis. Grand Rapids, Michigan: Eerdamans Publishing Co., 1996 (Reprinted), v. 1, (Gn
1.26-27), p. 92, (Gn 5.1), p. 227; CALVINO, J., A Verdadeira Vida Cristã, p. 37-38; CALVINO, J.,
O Livro dos Salmos, v. 1, (Sl 8.7-9), p. 173-174; CALVINO, J. Breve instruccion cristiana. Barcelona:
Fundación Editorial de Literatura Reformada, 1966, p. 25;
124
Vd. ERICKSON, Millard J. Introdução à teologia sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1997, p. 207.
125
CALVIN, J. Commentaries on the Epistle of James. Grand Rapids, Michigan: Baker Book House
Company, 1996, (Calvin’s Commentaries, v. XXII), (Tg 3.9), p. 322.
126
Cf. CALVINO, J., As Institutas, I.2.2.
127
CALVINO, J., As Pastorais, (1Tm 3.1), p. 82. Schaff usa essa expressão referindo-se à Academia
de Genebra, um “berçário de pregadores evangélicos” (SCHAFF, Philip, History of the christian
church, v. VIII, p. 820).
128
Data da sessão solene de inauguração, presidida por Calvino na Catedral de São Pedro. (A. Biéler,
O pensamento econômico e social de Calvino, p. 192; SCHAFF, Philip, History of the christian church,
v. VIII, p. 805; Calvin, Textes Choisis par Charles Gagnebin. Egloff, Paris, c. 1948, p. 302; Van
Halsema, Thea B. João Calvino era assim, p. 195). Na ocasião estavam presentes todo Conselho
e os ministros. Calvino rogou a bênção de Deus sobre a Academia, a qual estava sendo dedicada
à ciência e religião. Michael Roset, o secretário de Estado, leu a Confissão de Fé o os estatutos
que regeriam a instituição. Beza foi proclamado reitor, ministrando uma aula inaugural em latim.
A reunião foi encerrada com uma breve palavra de Calvino e oração pelo próprio. (Cf. SCHAFF,
Philip, History of the christian church, v. VIII, p. 805; VAN HALSEMA, Thea B., João Calvino era
assim, p. 195). John Knox (1515-1572), que estudou na Academia, escreveria mais tarde a uma
amiga (09/12/1556) dizendo ser a Igreja de Genebra “a mais perfeita escola de Cristo que jamais
houve na terra desde os dias dos Apóstolos” (MCNEILL, John T., The history and character of
calvinism, p. 178; SCHAFF, Philip, History of the christian church, v. VIII, p. 263; SCHAFF, Philip,
The creeds of Christendom, v. I, p. 460; GEORGE, Timothy, Teologia dos Reformadores, p. 167; HALL,
Basil, John Calvin: humanist and theologian. London: The Historical Association by George Philip
& Son, Ltd., 1956, p. 6, 36; Schaff observa que havia uma faculdade em Genebra, desde 1428,
chamada “Faculdade Versonnex”, que se destinava à preparação de clérigos; no entanto ela havia
entrado em decadência, sendo reorganizada por Calvino em 1541. A instrução era gratuita. Ain-
da segundo Schaff, Calvino incentivou a educação fundando diversas escolas estrategicamente
distribuídas na cidade. As taxas eram baixas até que foram abolidas (1571) conforme pedido de
Beza. “Calvino às vezes é chamado o fundador do sistema de escola pública”. Calvino desejava
criar uma grande universidade, contudo os recursos da República eram pequenos para isso, as-
sim ele se limitou à Academia. Contudo até para criar a Academia ele teve de pedir de casa em
casa donativos, conseguindo arrecadar a soma respeitável de 10,024 guilders de ouro. Diversos
estrangeiros que ali residiam contribuíram generosamente, havendo também um genebrino,
Bonivard, o Velho, que doou toda a sua fortuna à instituição. (Cf. SCHAFF, Philip, History of the
christian church, v. VIII, p. 804-805).
129
Cf. SCHAFF, Philip, History of the christian church, v. VIII, p. 805; WALLACE, Ronald S., Calvin,
Geneva and the Reformation, p. 99. Em 1564 a Academia contaria com 1200 alunos nos cursos
superiores e 300 nos inferiores. (Cf. FERREIRA, Wilson C., Calvino: vida, influência e teologia,
p. 196; A. Biéler, O pensamento econômico e social de Calvino, p. 192; DANIEL-ROPS, Henri, A igreja
da Renascença e da Reforma: a reforma protestante, p. 413).
130
Genebra chegou a abrigar mais de 6 mil refugiados vindos da França, Itália, Inglaterra, Espanha
e Holanda (Cf. SCHAFF, Philip, History of the christian church, v. VIII, p. 802; CERNI, Ricardo.
Historia del Protestantismo. 2ª ed. Corregida, Edinburgh: El Estandarte de la Verdad, 1995, p.
63), aumentando este número com os estudantes que para lá se dirigiram com a fundação da
Academia de Genebra (1559). Lembremo-nos que a população de Genebra era de 9 a 13 mil
habitantes (9 mil segundo REID, W. S. A propagação do calvinismo no século XVI. In: REID, W.
Stanford (ed.). Calvino e sua influência no mundo ocidental, p. 52; 12 mil conforme MCNEILL, J. T.,
Los forjadores del Cristianismo, v. II, p. 211; 13 mil de acordo com NICHOLS, Robert H. História
da igreja cristã. São Paulo: CEP., 1978, p. 164; em torno de 10 mil conforme NAPHY, William
G. Calvin and the consolidation of the genevan reformation. Louisville: Westminster John Knox Press,
2003, p. 21, 36). Em 1550 Genebra dispunha de 13.100 habitantes, saltando para 21.400 em
1560. Dez anos depois, em 1570, a população voltaria a 16.000. A casa dos 20 mil habitantes
134
CALVIN, J. Calvin’s Commentaries. Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, 1996
(Reprinted), v. XVII, (Mt 28.19), p. 384.
135
CALVINO, J., As institutas da religião cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, v.
3, (III.9.39), p. 124.
136
CALVIN, J. Calvin’s Commentaries. Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, 1996
(Reprinted), v. VII, (Is 12.5), p. 403.
137
VENARD, Marc. O Concílio Lateranense V e o Tridentino. In: ALBERIGO, Giuseppe (org.). His-
tória dos Concílios Ecumênicos. São Paulo: Paulus, 1995, p. 339. Do mesmo modo escreve Willemart:
“Genebra torna-se o centro de formação dos pastores que serão enviados para todas as comu-
nidades francesas e que permitirão a unidade da Igreja Evangélica Reformada” (WILLEMART,
Philippe. A Idade Média e a Renascença na literatura francesa. São Paulo: Annablume, 2000, p. 42).
138
DANIEL-ROPS, Henri, A igreja da Renascença e da Reforma: a reforma protestante, p. 414.
139
Cf. BAIRD, Charles W. A liturgia reformada: ensaio histórico. Santa Bárbara D’Oeste, SP.: SOCEP.,
2001, p. 29.
140
Apud BAIRD, Charles W., A liturgia reformada: ensaio histórico, p. 30.
141
DELUMEAU, Jean. A civilização do Renascimento. Lisboa: Editorial Estampa, 1984, v. I, p. 128-
129; DANIEL-ROPS, Henri, A igreja da Renascença e da Reforma: a reforma protestante, p. 415 e
EISENSTEIN, Elisabeth L. A revolução da cultura impressa: os primórdios da Europa moderna. São
Paulo: Editora Ática, 1998, p. 185. Expressão já usada por Schaff. Vd. The creeds of Christendom, v.
I, p. 445. É curioso que mesmo Calvino tendo uma alma francesa, ele jamais deixaria a igreja de
Genebra; quando foi convidado a pastorear a Primeira Igreja Protestante de Paris, não aceitou.
(Cf. SCHAFF, P. History of the christian church, v. VIII, p. 807).
142
“No Cristianismo evangélico não existe papa que possa falar ex catedra, e assim impor pronun-
ciamentos infalíveis aos fiéis” (DE WITT, John Richard. O que é a fé reformada? In: DE WITT,
John Richard; JOHNSON, Terry L.; PORTELA, F. Solano. O que é a Fé Reformada? São Paulo:
Editora Os Puritanos, 2001, p. 9).
143
Barth combatendo a figura de Genebra como a Roma do Protestantismo, escreveu que era um
equívoco revestir “a Instituição cristã, as ordenanças eclesiásticas e a própria pessoa de Calvino
de uma autoridade profética e apostólica. [...] Primeiramente, o termo Roma protestante é uma
flor de retórica sentimental. A ‘Roma protestante’ nunca existiu – senão em caricaturas, bem-
intencionadas ou malévolas” (BARTH, Karl, em introdução à obra. Calvin, Textes Choisis par
Charles Gagnebin, p. 11).
144
Conforme mencionamos, Calvino pessoalmente chegou a sair pedindo donativos de casa em
casa para a escola. Vd. BIÉLER, André, O pensamento econômico e social de Calvino, p. 192-193;
SCHAFF, Philip, History of the christian church, v. VIII, p. 804-805. Veja-se, também, LUZURIAGA,
L. História da educação e da pedagogia. 17ª ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1987, p.
108-116; NUNES, Ruy A. C. História da educação no Renascimento. São Paulo: EPU/EDUSP, 1980,
p. 97-102; GILES, T. R. História da Educação. São Paulo: EPU., p. 119-128; FERREIRA, Wilson
C., Calvino: vida, influência e teologia, p. 193,196.
145
Vd. BIÉLER, André, O pensamento econômico e social de Calvino, p. 28; FERREIRA, Wilson C.,
Calvino: vida, influência e teologia, p. 188-189.
146
CALVIN, J. Golden booklet of the true christian life. 6ª ed. Grand Rapids, Michigan: Baker Book
House, 1977, p. 17. Ver também; CALVINO, J., As Institutas, (1541), IV.17.
147
SCHAFF, P., The creeds of Christendom, v. I, p. 445.
Resumo
Diante de um cenário evangélico onde a prática pastoral é
pautada pelas novidades do momento, muitas vezes sem uma
reflexão bíblica, o autor deste artigo procura defender a ne-
cessidade de uma filosofia ministerial pautada nas Escrituras
Sagradas. Assim, expõe os fundamentos bíblicos e teológicos
que determinam uma prática pastoral reformada: uma correta
compreensão de Deus, do homem, da Palavra de Deus, da
igreja e da liderança eclesiástica.
Palavras-chave
Ministério pastoral; Liderança eclesiástica; Autoridade bíblica.
Abstract
Before an evangelical scenery where the pastoral practice is
ruled by the innovations of the moment, sometimes without a
biblical reflection, the author of this article defends the need
of a ministerial philosophy rooted in the Holy Scriptures.
Thereby, he explains the biblical and theological foundations
that establish a reformed pastoral practice: a correct unders-
tanding of God, of man, of the Word of God, of the church
and of the ecclesiastical leadership.
Keywords
Pastoral ministry; Ecclesiastical leadership; Biblical authority.
Se existe algo que a história nos ensina, este ensino é que os ataques
mais devastadores desfechados contra a fé sempre começaram com
erros sutis dentro da própria igreja – John F. MacArthur.
Introdução
Conscientemente, ou não, todo pastor tem a sua filosofia de
ministério. Talvez não seja tão óbvia ou ainda não esteja claramente
articulada, mas ela está presente em sua maneira de exercer o seu
pastorado, determinando como suas ações são executadas.
Podemos pensar em algumas perguntas que mostram a neces-
sidade e os princípios por trás de uma filosofia ministerial: O que
nós, ministros, devemos fazer para ter um ministério eficaz? Quais
os princípios que devem dirigir o nosso ministério? Como deter-
minamos o que precisa ser feito? Nosso ministério é dirigido pelo
pragmatismo ou por princípios? Temos optado pela relevância em
detrimento da verdade? Temos trocado a fidelidade pelo sucesso?
A Escritura dita a prática do nosso ministério, ou não importa exa-
tamente o que ela diz sobre nossos métodos?
1
MONTOYA, Alex. Concepção bíblica do ministério pastoral. In: Redescobrindo o ministério pastoral.
Rio de Janeiro: CPAD, 1995. p.88.
2
Citado por HORTON, Michael. A face de Deus: os perigos e as alegrias da intimidade espiritual.
São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999. p. xv.
3
HORTON, Michael. Creio: redescobrindo o alicerce espiritual. São Paulo: Ed. Cultura Cristã,
2000. p. 25.
4
A. Hoekema traz um capítulo que trata de maneira abundante este aspecto da natureza do homem
em HOEKEMA, Anthony. Criados à imagem de Deus. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999.
5
HOEKEMA, op. cit., p.19.
6
Ibidem, p. 19
7
VAN Groningen, Gerard, Revelação messiânica no Velho Testamento. Campinas: Editora Luz para
o Caminho. 1995
8
Para Calvino, a imagem de Deus não foi totalmente aniquilada com a queda, mas foi terrivelmente
deformada; ele descreve esta imagem depois da queda como “uma imagem deformada, doentia e
desfigurada” (Cf. Institutas, I, XV, 3).
9
Mohler, R. Albert. Lutar pela verdade numa era de anti-verdade. In: BOICE, J. M. et al.. Reforma
hoje. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999. p. 60.
10
Catecismo maior de Westminster, na resposta à pergunta 159: “Como a Palavra de Deus deve ser
pregada por aqueles que para isto são chamados?”
11
MacArthur, John. Com vergonha do evangelho. São José dos Campos: Editora Fiel, 1997. p. 283.
12
MACRAE, Kenneth A. A pregação e o perigo do comprometimento. Revista fé para hoje, São José
dos Campos, n. 7, p. 4, 2000.
13
GETZ, Gene A. Igreja: forma e essência. São Paulo: Editora Vida Nova, 1994. p. 53. Embora
Getz esteja equivocado ao definir a principal razão da existência da igreja, seguindo princípios
pragmáticos do movimento de crescimento de igrejas, ele corretamente pontua que não é possível
delinear uma filosofia de ministério se ignorarmos o papel da igreja do Senhor.
14
Citado por VAN HORN, Leonard T. Estudos no Breve catecismo de Westminster. São Paulo: Editora
Os Puritanos, 2000. p. 7.
15
Calvino, João. A verdadeira vida cristã. 4. ed. São Paulo: Editora Novo Século, 2008. p. 31.
4.2. A igreja é uma comunidade que existe para anunciar entre as nações
a glória de Deus (Mt 28.19-20; Tt 2.11-15)
O salmista diz: “Cantai ao Senhor, bendizei o seu nome; pro-
clamai a sua salvação, dia após dia. Anunciai entre as nações a sua
glória, entre todos os povos, as suas maravilhas. Porque grande é
o Senhor e mui digno de ser louvado, temível mais que todos os
deuses (Sl 96.2-4). O envolvimento da igreja na obra missionária não
tem como objetivo alcançar o maior número de pessoas possível. A
motivação não pode ser as pessoas, mas Deus.16 Como bem afirma
John Piper, nosso alvo ao querer fazer a obra missionária deve ser o
de levar as nações a regozijarem-se em Deus e glorificá-lo acima de
tudo. O alvo da obra missionária é a alegria dos povos na grandeza
de Deus (Sl 97.1; 67.3-4; cf. 47.1; 66.1; 72.11,17; 86.9; 102.15;
117.1; Is 25.6-9; 52.15; 56.7; 66.18-19). O grande objetivo de Deus
em toda a história é manter e manifestar a glória do seu nome para
o contentamento do seu povo de todas as nações.17
16
Piper, John. Alegrem-se os povos: a supremacia de Deus em missões. São Paulo: Editora Cultura
Cristã, 2001. p. 42,43.
17
Ibidem, p. 36,37
Esta foi uma das estratégias de Paulo (1Co 12-14). Ele preparava
os membros para desenvolverem seus dons: pregar, ensinar, lidar
com os pobres, administrar os problemas que surgiam. É preciso
descobrir na igreja pessoas que tenham potencial, e treiná-las para
áreas específicas. É responsabilidade do pastor, equipar os santos
para o ministério (Ef 4.12-16).
18
BARBOSA, Ricardo. Em artigo intitulado “Da Profissão à Vocação”- disponível em: http://www.
elnet.com.br/canais/igreja/miolo2.php?art=26174. Acesso em 08/03/2006.
19
REIS, Gildásio Jesus Barbosa. Apostila de liderança cristã (material utilizado no Seminário Pres-
biteriano Rev. José Manoel da Conceição), 2006.
5.2. O líder já nasce com algumas habilidades, mas não pode abdicar
de treinamento.
Ao analisar a liderança do apóstolo Pedro, vemos um homem que
possuía alguns dons para exercer a liderança, mas isso não significa
dizer que Pedro pudesse abdicar de treinamento específico a fim de
ser moldado e assim melhorar sua capacidade de liderança.22
20
MACARTHUR, John. Doze homens comuns. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004. p. 24-26.
21
Ibidem, p.26.
22
Ibidem, p.50.
23
ADAMS, Jay. Shepherding God’s flock. Grand Rapids: Zondervan, 1975. p. 16.
24
MACARTHUR, John. Pastores ou potentados? Revista fé para hoje, São José dos Campos, p. 7.
25
SHEDD, Russel. O líder que Deus usa. São Paulo: Edições Vida Nova, 2000. p. 51.
26
O nome Himeneu deriva-se de Hímen, o deus do matrimônio; Alexandre significa “defensor dos
homens”.
27
Este termo grego dá origem a nossa palavra gangrena, que é um termo médico para a necrose (morte)
de tecidos causada por perda de suprimento de sangue, seguida de decomposição e apodrecimento.
Conclusão
Chegamos ao fim de nossa reflexão, e, sem pretender que o
assunto tenha recebido um tratamento completo, esperamos ter
apresentado satisfatoriamente a idéia de que estes cinco pressupostos
são indispensáveis para o desenvolvimento de um ministério que
seja fiel e que glorifique a Deus.
28
Cf. Robertson, Archibald Thomas. Word pictures in the New Testament. Grand Rapids: Baker
Book House. 1931. p. 620.
29
Hendriksen, Willliam. 1 Timóteo, 2 Timóteo e Tito. São Paulo: Ed. Cultura Cristã, 2001. p. 325.
(Comentário do Novo Testamento).
30
Cf. FEE, Gordon. 1 e 2 Timóteo, Tito. Deerfield: Editora Vida, 1994. p. 247 (Novo comentário
bíblico contemporâneo): “Desde que depósito é descrito como bom, é certo que se refere às sãs
palavras do evangelho”.
Bibliografia recomendada
Resenhas
144 | Teologia para V i d a – V o l u m e II – número 2
resenha
Conselheiro capaz
1
A Editora Fiel Ltda. publicou em 1982, com a tradução de João M. Bentes, O Manual do Conse-
lheiro Cristão, dando continuidade à difusão do aconselhamento noutético aos leitores de língua
portuguesa.
2
Powlison, David Biblical Counseling in the Twentieth Century. In: MacArthur, John & Mack, Wayne
(eds.) Introduction to Biblical Counseling. United States of America: Word Publishing, 1994,
p.44-60. Obra traduzida e publicada em português (Cf. Canelhas, George A. Resenha. In: Teologia
para a Vida, vol. 1, no 1, 2005, p.131.).
3
Em nossos dias, o equivalente ao nível médio de ensino.
4
Adams, p.11.
enfermos’ [...], mas a causa que deve ser excluída, na maior parte
dos casos, é doença mental” (p. 54).
Assim, Adams admite doenças físicas como causadoras de ma-
les psicológicos, mas isso deve ser verificado exaustivamente caso
a caso, pois toda doença tem como causa última o pecado, seja o
de Adão, seja o do aconselhado. Cabe identificar isso, confrontar o
aconselhado com sua real condição e auxiliá-lo em suas atitudes de
arrependimento e mudança de conduta, biblicamente orientados.
Em última instância, embora possam contribuir com seus dados
verdadeiramente científicos, nem a psicologia, nem a psiquiatria
escapam às críticas de Adams.
O aconselhamento noutético, em busca da glória de Deus,
dedica-se a promover a disciplina do aconselhado sem subterfúgios
ou transferências de responsabilidades. Faz isso pela intensa atenção
que dedica aos seus aconselhandos, ouvindo-os, valorizando-os sem
bajulações e confrontando-os com a realidade de seus pensamentos
mais profundos, originários de suas ações e verdadeiro foco da re-
generação em Cristo. Uma nova criatura será diferente do normal
e corrupto ser humano e, conseqüentemente, mais santo e seme-
lhante ao Senhor. Não há meio natural de promover isso. Somente
pela Palavra e no poder soberano de Deus isto terá lugar. Assim,
o aconselhador noutético é, nada mais, que um evangelista e um
discipulador, um pastor (p. 76) proclamando a verdade eterna a um
público reservado e carente da disciplina do Senhor.
Isso, e mais, com detalhes e argumentos exegéticos pertinentes
e enriquecedores, é o que se encontra no clássico Conselheiro Capaz,
leitura necessária não somente aos ministros e conselheiros formais,
mas a cada cristão.
Artigos e
Sermões
dos alunos
152 | Teologia para V i d a – V o l u m e II – número 2
artigo
O Compromisso Social
e a Palavra de Deus
O Compromisso Social
e a Palavra de Deus
Resumo
Neste artigo, o autor pretende demonstrar que a responsa-
bilidade social é um mandamento do Senhor, claramente
ensinado nas Escrituras Sagradas, tanto no Antigo quanto no
Novo Testamentos. E que a desobediência à Palavra de Deus
neste aspecto não fica sem conseqüências para a igreja. Assim,
conclui pela necessidade de um compromisso social da igreja
brasileira, praticado de acordo com o mandamento divino.
Palavras-chave
Compromisso Social; Ordenanças Divinas; Eclesiologia.
Abstract
In this article, the author intends to prove that the social
responsibility is a commandment of the Lord, clearly taught
in the Holy Scriptures, so much in the Old as in the New
Testament. And that the disobedience to the Word of God in
this aspect is not without consequences to the church. Like
this, it concludes for the need of a social commitment of
the Brazilian church, practiced in agreement with the divine
commandment.
Keywords
Social commitment; Divine ordinances; Ecclesiology.
Introdução
O presente trabalho visa investigar a base escriturística para o
compromisso social da igreja. Veremos que a Bíblia, a Palavra reve-
lada de Deus, nos ordena o comprometimento com a questão social.
1
Almeida Revista e Atualizada.
2
HENRY, Matthew. Commentary on the whole Bible. Grand Rapids: Zondervan, 1961, p. 132.
3
GRAY, James M. The concise Bible Commentary, p. 253.
Seria este o jejum que escolhi, que o homem um dia aflija a sua
alma, incline a sua cabeça como o junco e estenda debaixo de si
pano de saco e cinza? Chamarias tu a isto jejum e dia aceitável ao
Senhor? Porventura, não é este o jejum que escolhi: que soltes as
ligaduras da impiedade, desfaças as ataduras da servidão, deixes livres
os oprimidos e despedaces todo jugo? Porventura, não é também
que repartas o teu pão com o faminto, e recolhas em casa os pobres
desabrigados, e, se vires o nu, o cubras, e não te escondas do teu
semelhante? (Is 58.5-7).
O mundo incentiva tais homens a serem felizes, os que não tem ne-
nhuma preocupação com o sofrimento dos demais, mas consideram
4
CLARKE, Adam. Prophet Ezekiel, Grand Rapids: Baker Book House, 1967. p. 899.
5
THAYER, Joseph Henry. Greek-english lexicon of the New Testament Grand Rapids: Baker Book House, 1977.
seu próprio conforto. Cristo diz que são felizes os que não apenas
preparam-se para enfrentar suas próprias aflições, mas também
para partilhar a aflição dos demais – assistindo os miseráveis – que
voluntariamente partinham com aqueles que sofrem.6
6
CALVIN, John. Harmony of the Gospels. Grand Rapids: Baker, 1981. v. 1, p. 226.
7
Calvino diz, a respeito desta passagem: “Você pode servir uma mesa para os ricos, mas, ao mesmo
tempo, você não deve negligenciar o pobre; você pode festejar com seus amigos e parentes, mas
você não pode fechar a porta aos estranhos, se a pobreza sobrevier a eles, e se você tiver os meios
para satisfazer às suas necessidades. Numa palavra, o sentido desta passagem é que aqueles que
são gentis aos parentes e amigos, mas que usam de mesquinhez com o pobre não são dignos de
admiração, pois não exercitam a caridade, mas visam apenas seu próprio ganho ou ambição”.
CALVIN, op. cit., v. 2, p. 122.
8
Segundo Clarke esta assistência era prestada àqueles pobres que haviam sido excluídos da parte
que cabia aos sacerdotes nos sacrifícios por haverem se convertido ao cristianismo. Cf. CLARKE,
Adam. Acts of the Apostles, Grand Rapids: Baker Book House, 1967. p. 438.
9
Hodge diz acerca desta passagem que “nenhum homem vive para si mesmo; e nenhum homem
deve trabalhar apenas para si, mas com o objetivo definido de estar apto a assistir outros. Os
princípios cristãos, se corretamente cumpridos, poderiam rapidamente banir a pobreza e outros
males correlacionados de nossa civilização moderna”. HODGE, Charles. A commentary on Ephesians.
Grand Rapids: Baker, 1980. p. 273.
tisfazer aos nossos próprios prazeres, mas para que façamos o que
é bom, ou seja, atendamos ao que está passando necessidades. É
notável esta ênfase neotestamentária no tocante à nossa mordomia
quanto aos bens que Deus coloca em nossas mãos: devemos pensar
mais nos outros do que em nós mesmos.
Por fim, o segundo capítulo de Tiago que, em minha avaliação, é
a suma de tudo o quanto a Escritura fala a respeito de compromisso
social do cristão. Primeiramente, Tiago nos ordena a não menos-
prezar os pobres, a não os ignorar, mas dar a eles o mesmo local de
honra que daríamos a qualquer pessoa de destaque na sociedade,
pois Deus mesmo não faz acepção de pessoas. Exorta ainda o povo
de Deus a manifestar a sua fé por meio de obras. Isto fica muito
claro nos versos 15 e 16 deste capítulo: “Se um irmão ou uma irmã
estiverem carecidos de roupa e necessitados do alimento cotidiano,
e qualquer dentre vós lhes disser: Ide em paz, aquecei-vos e fartai-
vos, sem, contudo, lhes dar o necessário para o corpo, qual é o
proveito disso?”.10
Para Tiago, a fé, vivida ou pregada sem obras, é morta. A meu
ver, ao afirmar que de nada adianta proclamarmos a paz que exce-
de todo o entendimento a um necessitado carente de alimento ou
roupas, Tiago está implicitamente ordenando aqui uma tarefa para
a igreja, que se expressa num compromisso social efetivo.
Conclusão
Neste arrazoado sobre a base bíblica para o compromisso social
da igreja percebemos que o envolvimento social desta não era mera
sugestão, mas uma ordenança do Senhor à sua igreja. Aliás, nos
momentos em que a igreja fecha-se apenas no âmbito de templos
confortáveis, sem atentar para seu compromisso de ser luz no mun-
do, a expansão do evangelho sofre considerável declínio.
10
Julgo ser oportuno o comentário de John Wesley sobre este capítulo, afirmando que, aqui, Tiago
“não opõe a fé às obras; mas aquela fé nominal vazia àquela fé operosa por amor. Pode aquela fé
que é sem obras salvar o homem? Não mais do que poderia beneficiar ao seu próximo”. WESLEY,
John. Notes on the Bible: New Testament. Grand Rapids: Francis Asbury Press, 1987. p. 779.
Sermão
As leis alimentares e
a nossa santificação
Levítico 11
Introdução
Nós vivemos num mundo que realmente acredita no ditado de
que “você é o que você come”. Podemos ver isto claramente na ver-
dadeira obsessão pelos alimentos, por descobrir novas dietas capazes
de curar ou prevenir doenças, retardar o envelhecimento, melhorar
a aparência da pele ou dos cabelos, emagrecer, etc.
Às vezes, determinado alimento sai da “lista dos proibidos” di-
retamente para a “lista dos recomendados pelos médicos”; como o
café, por exemplo, que já migrou de uma lista para a outra algumas
vezes... Nos últimos anos, todos nos assustamos ao ouvir notícias
sobre a “vaca louca” na Europa, ou a “gripe do frango”, na América;
os nomes das doenças viraram piada, mas na verdade, causaram
mortes e prejuízos gigantescos em diversos países, e nos mostraram
que nenhum alimento é completamente confiável.
O que causa alguma estranheza é encontrarmos um capítulo
inteiro das Escrituras Sagradas prescrevendo uma dieta alimentar.
O capítulo onze de Levítico é exatamente isso: uma lei dietária, ou
seja, uma lei cerimonial que alista os animais apropriados para co-
mer, chamados “limpos”; e os animais que não podiam ser comidos,
devendo ser considerados “imundos”, ou “abominação”.
Para a maioria dos cristãos, este é um trecho da Palavra de Deus
que parece especialmente sem significado atual. Eu conheço mesmo
bons crentes que, ao fazerem sua leitura bíblica sistemática, chegam
em trechos como o capítulo onze de Levítico e não sabem o que
fazer com ele. Acabam fazendo uma leitura mais superficial, e isso
quando não, simplesmente, pulam para a próxima passagem!
Cabe a nós nos perguntarmos, juntamente com eles: Por que a
Palavra de Deus registra isto?
Contextualização
De fato, esta lei sobre animais limpos e imundos faz parte de
uma série de leis dadas por intermédio de Moisés ao povo de Israel
no deserto. Aquele povo havia acabado de sair da escravidão do
Egito, mas ainda tinha os antigos costumes bastante arraigados
em seu dia-a-dia; aliás, arraigados em seu coração, conforme po-
Mas, como leis que não guardamos podem ser proveitosas para nosso
processo de santificação? Primeiramente, por ensinar que é necessário
discernir o que é puro do que é impuro.
deve amar sua mulher, a ponto de se entregar por ela; que filhos
devem obedecer aos pais, e que os pais devem criá-los na disciplina
do Senhor, sem provocá-los à ira.
Será que podemos recorrer aos costumes e conceitos dos ímpios
para discernir o que é bom para nossas famílias e nossos filhos?
Poderemos extrair nosso critério dos conceitos mutáveis e limitados
da Psicologia ou Sociologia? Será que podemos apelar aos nossos
instintos, apetites e bom senso para distinguir o que é bom para
nossas vidas? Não, o texto de Levítico nos ensina que o Espírito
de Deus, falando nas Escrituras e pelas Escrituras, será sempre o
nosso critério.
Quase como uma implicação direta da distinção entre puro e
impuro, estas leis também são proveitosas por apontar a necessidade
de separação do povo de Deus.
Isto está muito claro na lógica do texto: Deus lhes dá a lei para
que eles possam se separar dos demais povos, sendo santos como ele
mesmo o é. No versículo 44 há duas ordens diretas, uma positiva,
“vós vos consagrareis”, e outra negativa, “não vos contaminareis”.
Porém, não devemos imaginar que na antiga dispensação da
graça a consagração (ou a religião) era algo meramente exterior.
Profetas como Isaías alertaram constantemente contra um cum-
primento meramente exterior dos preceitos divinos, contra o
oferecimento meramente formal dos sacrifícios ao Senhor: “não
me agrado do sangue de novilhos, nem de cordeiros, nem de bo-
des; não continueis a trazer ofertas vãs” (Is 1.11-16). E o Salmo
51.16,17: “Pois não te comprazes em sacrifícios; do contrário, eu
tos daria; e não te agradas de holocaustos. Sacrifícios agradáveis a
Deus são o espírito quebrantado; coração compungido e contrito,
não o desprezarás, ó Deus.”
Por mais que houvesse ritos, cerimônias e ordenanças externas
– que, nas palavras da epístola aos Hebreus, eram apenas sombras
daquilo que era real, Jesus Cristo – ainda assim, o culto ao Senhor
Veja que não era apenas uma proibição de comer certos animais,
mas até mesmo de tocá-los! Podemos calcular que muitas vezes era
inevitável tocar um animal destes que tivesse aparecido morto no
campo, ou coisa assim; mas os versículos 8, 11, 27 em diante nos
esclarecem que quem tocasse nos cadáveres destes animais seria
“imundo” por certo tempo, isto é, teria contraído uma impureza
cerimonial “até à tarde”, e portanto estaria afastado dos serviços do
tabernáculo por aquele dia. Estas leis diziam respeito diretamente
ao relacionamento do povo com seu Deus.
O grande fundamento desta lei é afirmado duas vezes, para maior
ênfase e clareza: “Eu sou o Senhor” (v. 44 e 45); Yahweh, o nome que
faz referência ao pacto de Deus com seu povo, o pacto que impele
o povo do Deus santo a ser santo também: “portanto, vós sereis
santos, porque eu sou santo”, igualmente repetido no 44 e no 45.
Se dissemos acima que o critério para distinguir o puro do impuro
é a Palavra de Deus, aqui estamos afirmando que o fundamento
para esta distinção é o caráter de Deus: Deus é santo, sua Palavra
é santa, seu povo é santo.
Apesar da concepção muito popular de que o conceito básico da
palavra santo é simplesmente de “separado”, na Bíblia esta palavra
nunca aparece num contexto secular, mas sempre religioso; também
nunca é contrastada com “misturado”, mas com “profano” ou com
aquilo que é “culticamente impuro” – que é bem o nosso caso aqui
em Levítico.
Assim, os objetos consagrados do tabernáculo ou do templo
tinham de ser totalmente dedicados àquela função; e a separação
de pessoas daquilo que podia torná-las cerimonialmente impuras
era um símbolo desta santidade, que é espiritual e ética.
Quando relacionado a Deus, podemos ver que “santidade” se
refere especificamente ao seu caráter totalmente bom, e inteiramente
isento de mal. É o atributo divino de perfeição transcendente, uma
pureza que não pode tolerar nenhuma forma de pecado – que não
pode contemplar o mal, segundo Habacuque 1.13.
Santidade é esta separação de tudo que é profano e pecaminoso,
e o livro de Levítico enfatiza isto em cada linha! Num livro de 27
Conclusão
Quanto àquela pergunta inicial – “Por que eu tenho leis alimen-
tares na minha Bíblia?” –, podemos concluir que, ainda que não
estejamos debaixo de tais leis para cumpri-las, elas são extremamente
proveitosas para nosso processo de santificação, por ensinar o povo
de Deus a distinguir o puro do impuro, por apontar a necessidade de
o próprio povo do Senhor se separar, e finalmente por nos exortar
a imitar o caráter santo do Senhor.
Meus irmãos! Este processo de santificação é o resultado da
habitação do Espírito Santo nos crentes, mas vimos que de modo
algum descarta um comprometimento consciente do cristão em
discernir e se separar daquilo que desagrada a perfeita vontade de
Deus, conforme sua Palavra, que dizemos ser nossa única regra de
fé e prática.
Como para o povo no deserto, nossa santificação tem de al-
cançar cada detalhe do nosso cotidiano. Se somos estudantes, por
exemplo, temos de distinguir que há formas impuras de fazer uma
prova, ainda que os colegas achem perfeitamente aceitável “passar
cola”; temos de distinguir claramente que a internet não pode fazer
nossos trabalhos por nós. Sejamos santos como santo é o Senhor!
Atinge igualmente nossa vida profissional. Devemos nos sepa-
rar das práticas desonestas e injustas do mundo por meio de um
santo proceder, ainda que o custo seja alto! Se você é funcionário,
considere abominação assinar a folha de ponto de forma desonesta
ou receber pela hora extra que você não fez. Se é empresário, não
seja injusto ao definir salários e horários de seus funcionários;
pague seus impostos corretamente, não espere ser acionado na
justiça para acertar o direitos de ex-empregados! Sejamos santos
como santo é o Senhor!
Precisamos nos separar, ainda, das práticas imorais dos ímpios
nos nossos relacionamentos afetivos. Santificar os momentos de
namoro, ainda que isto signifique não ter mais momentos a sós
com a pessoa amada. E nos separar das práticas impuras dos ímpios
no tempo que passamos em frente ao computador, ainda que isto
signifique restringir os momentos de acesso à internet. Sejamos
santos como santo é o Senhor!
Ainda que isto venha a nos custar mais do que a restrição ali-
mentar ou a perda de simples utensílios, devemos submeter nossa
vida, desde os aspectos mais corriqueiros do cotidiano, ao Senhor.
Temos de cultivar um desejo por santificação, num esforço cons-
ciente de sermos santos, tal como nosso Pai celestial, porque assim
ele é. A santidade de Deus é a fonte, o padrão e a motivação da
nossa santificação.
Que a nossa comida consista em fazer a vontade daquele que
nos salvou. Amém!