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INTRODUÇÃO ÀS

CARTAS PAULINAS
Cronologia e História de
Paulo e suas Epístolas
Nas epístolas, ele se chama sempre de Paulo. Em Atos, é
conhecido primeiro como Saulo (At 7:58; 9:1,8,11), depois, Paulo
(At 13:9). Era comum entre judeus da diáspora adotar o nome
greco-romano. At. 9:11 nos diz que ele era de Tarso, na Cilícia.
Tarso é ponto de encontro de dois mundos: ocidental e oriental.
Era centro cultural e possuía escola de filosofia. Cidade
cosmopolita.

Levando-se em conta Fm. 9, onde se diz “velho” (anos 55-60),


pode-se supor que fosse uns anos mais novo do que Jesus. Era
filho de hebreus (Fl. 3:5), da tribo de Benjamin (Rm. 11:1).
Circuncidado (Fl. 3:5). Falava hebraico (Fl. 3:5). Formado na
tradição farisaica. Mesmo hebreu, não ficou impermeável diante
do helenismo. Sabia falar grego. Tem resquícios da filosofia
estóica (At. 17), porém, não se deixou assimilar por esta cultura.
Saulo de Tarso nasceu na Ásia
Menor, na região da Cilícia, na cidade
de Tarso.
“Quanto a mim, sou judeu, nascido em Tarso da Cilícia, e
nesta cidade criado aos pés de Gamaliel, instruído
conforme a verdade da lei de nossos pais, zelador de
Deus, como todos vós hoje sois”.

Atos 22:3
Gamaliel, foi um doutor da Lei e ocupava uma posição
importante como membro do Sinédrio, citado no Novo
Testamento no livro de Atos dos Apóstolos. Ele era filho de Simão
e neto do renomado Rabino Hilel. Logo, Gamaliel representava o
grupo mais liberal dos Fariseus, a Escola de Hilel, em
contraposição à Escola de Samai. Portanto, Gamaliel apresentava
opiniões moderadas em relação às leis do sábado, do casamento
e do divórcio.

O reconhecimento de Gamaliel era tamanho que foi atribuído a


ele o título de “Raban” que significa “nosso mestre”, um título
muito mais elevado que o mais comum “Rabi” que significa “meu
mestre”. Uma das principais obras do judaísmo rabínico, a
“Mishnah”, descreve que “desde que morreu o Rabã Gamaliel, o
Ancião, não houve mais reverência pela Lei, e a pureza e a
abstinência morreram ao mesmo tempo”.
“Mas, levantando-se no conselho um certo fariseu,
chamado Gamaliel, doutor da lei, venerado por todo o
povo, mandou que por um pouco levassem para fora os
apóstolos; E agora digo-vos: Dai de mão a estes homens,
e deixai-os, porque, se este conselho ou esta obra é de
homens, se desfará, Mas, se é de Deus, não podereis
desfazê-la; para que não aconteça serdes também
achados combatendo contra Deus”.

Atos 5:34,38,39
Apesar de parecer um assunto fácil, e de ser amplamente aceita a condição de
Gamaliel como professor de Paulo no farisaísmo, algumas objeções são levantadas.
Alguns estudiosos sugerem que a expressão “criado aos pés de Gamaliel” deveria
ser entendida de forma mais genérica, ou seja, algo como “criado sob a influência
de Gamaliel”. Esses estudiosos alegam que o ódio tão radical demonstrado por
Paulo contra os cristãos não reflete o ensino moderado de Gamaliel, além do
Apóstolo nunca o ter mencionado em suas Epístolas. Outros estudiosos defendem
até mesmo a possibilidade de Paulo nunca ter estudado em Jerusalém (algo
explicitamente contraditório em relação ao texto de Atos dos Apóstolos citado
acima).

Em contrapartida, existem evidências nos conceitos do Apóstolo Paulo que refletem


a tradição farisaica de Gamaliel, como por exemplo, o fato dele chamar o livro de
Isaías de “Lei” (1Co. 14:21), uma expressão adequada para um aluno de Gamaliel.
Existem também passagens no Talmude (um dos livros básicos da religião judaica),
que se referem a um aluno de Gamaliel como “aquele aluno”, e, segundo alguns
intérpretes, possivelmente se trata de Paulo. Outra questão importante é que há
indícios de que Gamaliel era um dos poucos rabinos que permitiam aos seus alunos
aprenderem o grego.
O Império Romano
O Império Romano: sua extensão abrangeu
praticamente toda Europa, norte da África e
parte da Ásia.
Península Itálica (atual Itália,
onde se situa a cidade de Roma).
A divisão tradicional da sociedade romana no período da
República (509 a.C. – 27 a.C):
A impressionante rede de estradas romanas que ligavam
todo o império. Paulo e os demais discípulos usaram estas
estradas, para propagarem o evangelho.
As Cartas Paulinas
As Cartas Paulinas e sua Ordem
Bíblica
Dos 27 “livros”
(gr. “biblos”)
do NT, 21 são
cartas. Destas,
13 são
atribuídas a
Paulo, pela
teologia
bíblica
conservadora.
Outra possível ordem cronológica para as cartas paulinas: nesta, a
primeira das cartas seria “1 Tessalonicenses”, cerca de 50 d.C.
Aspectos da
Teologia Paulina
As seis primeiras epístolas de Paulo foram escritas, em um
período de cerca de dez anos (48-58 d.C.), no curso de três
viagens missionárias. Se a epístola aos Gálatas foi escrita para as
igrejas de Antioquia, de Icônio, de Listra e de Derbe (At 13—14),
essas seis primeiras epístolas foram escritas em uma seqüência
fácil de lembrar. Paulo, após sua primeira viagem, escreveu uma
epístola, Gálatas. Em sua segunda viagem, escreveu duas
epístolas 1 e 2 Tessalonicenses. Na terceira viagem, ele escreveu
três epístolas, 1 e 2 Coríntios e Romanos. Um problema com essa
organização refere-se ao lugar apropriado da epístola aos Gálatas.
É possível que essa epístola não tenha sido escrita para igrejas
localizadas na região sul da Galácia, fundadas na primeira viagem
missionária (At. 13—14), mas para igrejas estabelecidas durante a
segunda viagem missionária, localizadas no território norte.
As epístolas, por tratarem de questões específicas, não
apresentam, quer em seu aspecto individual quer em seu
conjunto, uma teologia abrangente ou sistemática. O escrito que
mais se aproxima de uma apresentação teológica sistemática é a
epístola aos Romanos, a única epístola, entre as seis, escrita para
uma igreja que Paulo não fundou. Todavia, o foco, mesmo no caso
de Romanos, não é a teologia em geral, mas a apresentação da
mensagem da salvação. Embora Paulo não tivesse visitado a
igreja, ele esperava ser bem recebido como apóstolo de Deus e
encontrar apoio para seus planos de plantar igrejas nas regiões
ocidentes do Império Romano.
A medida que a igreja da Antioquia funcionou como a base do
empreendimento missionário de Paulo no curso das três
primeiras viagens nas regiões orientais do império, Roma era uma
base de operações lógica para o ministério que buscava alcançar a
extremidade ocidental do império, a Espanha (Rm. 15.23,24).
Assim, a epístola aos Romanos serve, em parte, como uma
epístola introdutória que apresenta à igreja romana a mensagem
da salvação pregada por Paulo, mensagem essa que ele
acreditava que os romanos afirmariam e apoiariam de imediato
(vss. 14-16).
Nas epístolas de Paulo, as alusões ao caráter de Deus não só
descrevem quem Deus é, mas também o que Ele faz, já que
caráter e comportamento estão intimamente ligados. As
referências de Paulo a Deus não só capacita seus leitores a
entender melhor Deus e a relação deles com Ele, como também
ajuda a perceber que muitos desses atributos devem se tornar
também característicos deles mesmos. Paulo, por exemplo, elogia
os tessalonicenses, pois eles se tornaram “nossos imitadores e do
Senhor” (1 Ts. 1.6; cf. Ef. 5.1). Conhecer a Deus e saber o que Ele
faz cria o contexto para o relacionamento relevante com Ele e
também serve como orientação para a forma como seus filhos
devem viver como representantes dEle no mundo.
A fidelidade (pistia) é um aspecto fundamental do caráter de
Deus, ela é a certeza de que Ele fará o que diz. Nessas epístolas,
Paulo, em várias ocasiões distintas, afirma a fidelidade de Deus.
Ele assegura aos tessalonicenses que Deus completaria a obra de
salvação iniciada neles: “Fiel é o que vos chama, o qual também o
fará” (1 Ts. 5.24). De forma semelhante, ele escreve para os
coríntios: “Fiel é Deus, pelo qual fostes chamados para a
comunhão de seu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor” (1 Co. 1.9).
Esse é um lembrete de que a certeza da salvação se fundamenta
apenas em Deus. Conforme Paulo ilustra na história de Israel (1
Co. 10.1-12), a tentação faz parte da experiência humana, a
confiança em si mesmo e a presunção são convites ao desastre.
Uma pergunta de Romanos, feita no contexto das promessas de
Deus para Israel, formula o contraste entre a falha humana e a
fidelidade divina de forma ainda mais contundente: “Se alguns
foram incrédulos, a sua incredulidade aniquilará a fidelidade de
Deus?” (3.3). Essa é a primeira de uma série de perguntas
retóricas apresentadas nessa epístola que aceitam a premissa
como verdade, mas negam a conclusão presumida por
considerá-la falsa. No caso dessa pergunta, a maioria concordaria
que a maior parte dos judeus da época de Paulo (e até mesmo de
hoje) rejeitou o evangelho de Deus. Nesse caso, seria razoável
esperar que Deus os rejeitasse.
Mais adiante na epístola, Paulo retorna a essa questão (Rm.
9—11), mas, daí, ele nega de forma categórica a conclusão
esperada de que Deus seria infiel para com Israel: “De maneira
nenhuma!” (3.4). Deus continua fiel a sua Palavra e ao
cumprimento de sua vontade. Conforme Paulo afirma depois:
“Israel será salvo” (11.26), “porque os dons e a vocação de Deus
são sem arrependimento” (v. 29). Essa certeza da fidelidade de
Deus foi a base do ministério de Paulo e capacitou-o a pregar uma
mensagem firme e incontestável (2 Co. 1.18).
O atributo de justiça (dikaiosynè) tem íntima relação com a
característica da fidelidade. Existe justiça onde há conformidade a
um padrão. Por exemplo, no Antigo Testamento, os israelitas
receberam ordem de usar peso justo em seus produtos, isto é,
medidas de acordo com um padrão específico (Dt. 25.15). O
negociante não podia usar o peso de um quilo para a venda de
meio quilo de mercadoria (v. 13). Nem o comprador podia
carregar um peso de meio quilo para usar como padrão na
compra de produtos vendidos por quilo. Na verdade, não se podia
usar dois pesos e duas medidas. O peso da mercadoria tem de ser
o real, um quilo pesa um quilo, ou seja, o peso justo e correto.
Paulo, com freqüência, menciona o poder (dynamis) de Deus em
suas epístolas. Essa é uma característica de Deus demonstrada de
muitas formas, incluindo a evidência de toda a criação, o
testemunho da revelação natural: “Porque as suas coisas
invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder
como a sua divindade, se entendem e claramente se vêem pelas
coisas que estão criadas, para que eles fiquem inescusáveis” (Rm.
1.20). A criação testemunha a realidade do poder de Deus e torna
as pessoas responsáveis por reconhecê-lo de forma apropriada.
O poder de Deus também está evidente nos milagres que Paulo e
outros realizaram como uma validação do papel deles de
representantes de Deus (a palavra dynamis é usada para se referir
ao poder de Deus e ao milagre, exemplo visível desse poder, cf.
At. 14.3).
Quando Paulo trata com os gálatas sobre a questão da lei, ele
pergunta-lhes: “Aquele, pois, que vos dá o Espírito e que opera
maravilhas entre vós o faz pelas obras da lei ou pela pregação da
fé?” (Gl. 3.5). Quando os coríntios lutam com contendas a
respeito do apostolado de Paulo, ele lembra-os: “Os sinais do
meu apostolado foram manifestados entre vós [...] por sinais,
prodígios e maravilhas” (2 Co. 12.12). Por mais que esses
milagres fossem espetaculares (veja At 14.8-11), Paulo considera
a ressurreição de Cristo a demonstração mais extraordinária do
poder de Deus (Rm. 1.4; 1 Co 6.14; 2 Co. 13.4), e Cristo, como a
máxima personificação desse poder (1 Co 1.24) que, um dia, porá
“todos os inimigos debaixo de seus pés”, até mesmo a morte
(15.25,26).
Entrementes, o poder de Deus manifesta-se na experiência da
salvação. Conforme Paulo declara para os romanos: “Não me
envergonho do evangelho de Cristo, pois é o poder de Deus para
salvação de todo aquele que crê” (Rm. 1.16). Ele conta aos
coríntios que “a palavra da cruz é loucura para os que perecem;
mas para nós, que somos salvos, é o poder de Deus” (1 Co. 1.18).
O evangelho é o poder de Deus, pois quando se crê na mensagem
dele, Deus inicia um processo que culmina na pessoa se tornar
semelhante a Cristo. Por isso, chama-se Cristo de “primogênito”
(Rm. 8.29), ou de “primícias”7 (1 Co. 15.20), aquele que, hoje,
exemplifica o poder de Deus que, um dia, será vivenciado por
todos os cristãos (v. 23).
Associa-se a glória (doxa) de Deus à presença dEle. Pode-se
chamá-la de um sinal visível da presença dEle. Paulo, em suas
epístolas aos Tessalonicenses, liga a presença e a glória Deus ao
descrever o destino dos que rejeitam o evangelho: “Os quais, por
castigo, padecerão eterna perdição, ante a face do Senhor e a
glória do seu poder” (2 Ts. 1.9). Uma manifestação visível da
glória de Deus é um brilho ou esplendor. Paulo compara o
esplendor na face de Moisés depois de vivenciar a presença da
glória de Deus no monte Sinai (Êx. 34.29-35) com a mais
excelente e permanente glória associada ao ministério do Espírito
na nova aliança (2 Co. 3.6-18).
Em vez do brilho, ou esplendor, que indica a presença de Deus e
reflete sua glória, Paulo descreve o ministério da nova aliança
como uma experiência transformadora de caráter onde as
pessoas são “transformadas de glória em glória, na mesma
imagem, como pelo Espírito do Senhor” (v. 18). Essa
demonstração da glória de Deus na experiência cristã é a principal
manifestação da glória dEle no tempo presente, no tempo da
nova aliança. Essas duas manifestações, esplendor e caráter, são
consumadas na culminação da salvação. Naquele momento, o
processo de transformação do caráter será concluído, e a
presença de Deus para os cristãos será imediata, como é agora
para Cristo, o “Senhor da glória” (1 Co. 2.8; 2 Ts. 2.14), que é “a
imagem de Deus” (2 Co. 4.4).
A expressão “Filho de Deus”, como nos evangelhos, identifica
principalmente o papel de Jesus como o representante de Deus
que executa de forma fiel a vontade dEle. Contudo, a ênfase, em
contraste com os evangelhos, é menos sobre a humilde
submissão de Jesus e sua obediência em realizar a vontade de
Deus e mais sobre a condição de Jesus exaltado, como aquEle que
realiza a obra de Deus no presente tempo. Paulo, por exemplo,
diz que Jesus foi “declarado Filho de Deus em poder, segundo o
Espírito de santificação, pela ressurreição dos mortos, — Jesus
Cristo, nosso Senhor” (Rm. 1.4). Nesse sentido, a designação
“Filho de Deus” tem sentido semelhante ao título de “Senhor”.
No Antigo Testamento, Senhor (kyrios) é uma designação comum
de Deus. No Novo Testamento, esse título é usualmente aplicado
a Jesus como o Provedor de salvação (por exemplo, em Romanos
10.13, Paulo aplica Joel 2.32 a Jesus: “Todo aquele que invocar o
nome do Senhor será salvo”). Paulo usa a confissão: “Jesus é o
Senhor”, como uma declaração sumária de fé para os salvos: “Se,
com a tua boca, confessares ao Senhor Jesus e, em teu coração,
creres que Deus o ressuscitou dos mortos, serás salvo” (Rm. 10.9).
De modo semelhante, quando diz aos coríntios: “Ninguém pode
dizer que Jesus é o Senhor, senão pelo Espírito Santo” (1 Co. 12.3),
ele não nega a possibilidade da confissão falsa. Antes, ele afirma
o papel do Espírito de levar as pessoas à confissão que sintetiza
sua fé.
As menções que Paulo faz a Jesus como “Cristo” (christos)
também servem para lembrar seus leitores da humanidade de
Jesus, em especial, seu papel como o Messias judaico. Quando
Paulo enumera para os romanos alguns privilégios característicos
de Israel como povo de Deus, ele conclui com a observação de
que “dos quais são os pais, e dos quais é Cristo, segundo a carne”
(Rm. 9.5; cf. Ef. 2.12). Em uma passagem anterior da epístola (Rm.
1.3), Paulo também faz essa afirmação quando conecta sua
proclamação do evangelho ao cumprimento de promessas
referentes à Cristo, feitas pelos profetas do Antigo Testamento.
Ele menciona Jesus como aquEle “que nasceu da descendência de
Davi segundo a carne” (1.3).
Paulo refere-se apenas uma vez a Cristo como o “último Adão” (1
Co. 15.45). No entanto, em Romanos e em 1 Coríntios, ele
compara e contrasta Cristo e Adão em diferentes momentos.12
Em 1 Coríntios, quando ele descreve Cristo como “o último Adão”,
o adjetivo “último” enfatiza a diferença entre os dois homens.
Paulo considera Adão aquele cujo ato de desobediência trouxe o
pecado e a morte para todas as pessoas (Rm. 5.12; 1 Co.
15.21,22). Por sua vez, a obediência de Cristo trouxe vida e
promessa de ressurreição e de vida eterna para todos ligados a
Ele (Rm. 5.17; 1 Co. 15.21,22).
Paulo concebia Deus Pai e Deus Filho existindo no céu, e o
Espírito Santo era o membro da Trindade presente no mundo. O
Espírito Santo é a pessoa divina que hoje executa a vontade de
Deus Pai e de Deus Filho. Para Paulo, o Espírito Santo é o principal
Agente em operação no ministério para o qual ele foi chamado,
ministério esse que ele descreve como ministrar “o evangelho de
Deus, para que seja agradável a oferta dos gentios, santificada
pelo Espírito Santo” (Rm. 15.16). Quando alguns questionam a
validade do apostolado de Paulo, ele refere- se aos coríntios
como a “carta de Cristo, ministrada por nós e escrita não com
tinta, mas com o Espírito do Deus vivo” (2 Co. 3.3).
Embora ele inclua a si mesmo nessa descrição dos outros como
“ministros dum Novo Testamento” (v. 6), pode-se dizer que ele e
seus irmãos ministros da nova aliança executam o “ministério do
Espírito” (v. 8). O Espírito Santo é o Agente que realiza a obra de
Cristo no ministério de Paulo, fato que ele sempre reconhece
(Rm. 15.17-19; 1 Co. 2.1-4; 2 Co. 3.4-6). Como as alusões de Paulo
ao Espírito Santo, com freqüência, aparecem na argumentação
sobre a salvação, muito do pensamento de Paulo em relação ao
Espírito é tratado sob o tópico da soteriologia.
Para Paulo, o atual ministério do Espírito representa uma diferença
característica entre a era da antiga aliança (palaios diathêkê, 2 Co
3.14) e a nova aliança (kainê, 2 Co 3.6). A antiga aliança
caracterizava-se pela revelação da vontade de Deus resumida na lei
mosaica, uma revelação que, com freqüência, as pessoas falhavam em
observar (Jr. 31.32). Paulo considera a revelação da lei como “sant[a],
just[a] e bo[a]” (Rm. 7.12). Paulo considera que a nova aliança, pela
qual os profetas do Antigo Testamento aguardavam (por exemplo, Is
59.20,21; Jr 31.31-34; 32.37-40; Ez 16.60-63; 37.21-28), foi iniciada por
Cristo e levada adiante pelo Espírito (Rm 8.3,4; 2 Co 3.4-18). Por
isso, ele conclui que a antiga aliança e as estipulações associadas à lei
mosaica foram substituídas pelo ministério de Cristo e do Espírito (Rm.
10.4; Gl. 3.25). Todavia, isso não quer dizer que os mandamentos ou
estipulações não estão mais associados à nova aliança. Ao contrário, as
epístolas de Paulo são cheias de ordens e exortações para as igrejas.
Embora, nessas epístolas, possa parecer incomum discutir as
alusões de Paulo a Satanás e aos espíritos malignos sob o título
de pneumatologia, ele usa a palavra pneuma para descrever a
existência de seres sobrenaturais ativos no mundo, mas distintos
do Espírito Santo. Quando ele, por exemplo, lembra os coríntios
dos muitos e variados dons e habilidades concedidos aos
membros da igreja pelo Espírito Santo, ele menciona “discernir os
espíritos” (1 Co. 12.10) como uma das habilidades concedidas
pelo Espírito. Ele diz que se Cristo não ressuscitou, então “somos
também considerados como falsas testemunhas de Deus, pois
testificamos de Deus, que ressuscitou a Cristo” (1 Co. 15.15). Em
uma linha semelhante, mais adiante, ele adverte os coríntios em
relação a aceitar o testemunho de falsos profetas (2 Co. 11.13) e
de receber “outro espírito que não recebestes” (11.4). Paulo
considera a igreja uma comunidade mista, composta de irmãos
verdadeiros e falsos (2 Co. 11.26; Gl. 2.4).
Em 2 Coríntios, Paulo refere-se a Satanás como “o deus deste
século” que “cegou os entendimentos dos incrédulos, para que
não lhes resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo” (4.4).
O “deus deste século” tenta frustrar todo esforço em libertar os
que estão sob sua servidão, e Paulo reconhece a contínua
tentativa dele de se opor ao trabalho do evangelho para os que
estão associados à igreja e para os que não fazem parte dela.
Conforme Paulo lembra aos romanos, esse é um programa que
obteve considerável sucesso à medida que as pessoas “mudaram
a verdade de Deus em mentira e honraram e serviram mais a
criatura do que o Criador” (Rm. 1.25). Para Paulo, a idolatria
testifica a fraude de Satanás. Ele diz aos coríntios que “as coisas
que os gentios sacrificam, as sacrificam aos demônios e não a
Deus” (1 Co 10.20).
Em Romanos, Paulo trata o problema do pecado universal,
iniciando sua argumentação com a afirmação de que “como por
um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte,
assim também a morte passou a todos os homens, por isso que
todos pecaram” (Rm. 5.12). Paulo considera a desobediência de
Adão um ato com conseqüências assustadoras para todos que o
seguem. Em linguagem personificada, ele retrata o pecado como
o poder reinante no mundo hoje que exerce autoridade sobre
todos os descendentes de Adão (5.21). No entanto, mais adiante
nesse mesmo capítulo, Paulo diz que “pela desobediência de um
só homem, muitos foram feitos pecadores” (5.19). Mas, como a
morte pelo pecado (juízo) veio sobre todos o homens, a graça
também é derramada sobre todos os homens, judeus ou gregos
(Rm. 5:18).
Paulo usa o termo “carne” (sarx) representando a vida humana
em geral ou, de forma mais específica, a vida e a prática do
não-cristão. O uso genérico e neutro do termo é ilustrado por sua
declaração para os gálatas: “A vida que agora vivo na carne [sarx]
vivo-a na fé do Filho de Deus” (Gl. 2.20). Da mesma forma que na
asserção dirigida aos coríntios de que “carne e sangue não podem
herdar o Reino de Deus” (1 Co. 15.50), o termo sarx refere-se à
vida terrena mortal.
O uso mais negativo da palavra aparece nos contextos em que
Paulo discute as aspirações, valores e comportamento de pessoas
não auxiliadas nem iluminadas pelo Espírito de Deus. Essas
passagens contrastam a carne com o Espírito a fim de demonstrar
como a orientação, valores e práticas terrenas contrastam com os
valores e características divinas.
Nas duas passagens a versão NTLH traduz a palavra “carne” por
“natureza humana”. Essa é uma tradução satisfatória se estiver
em mente que o termo “natureza” se refere, principalmente, a
um conjunto de valores e práticas, ou seja, a capacidade ou
disposição da pessoa (nesse caso, em direção ao pecado e
afastamento de Deus e sua revelação, característica de
não-cristãos), e não um aspecto constitucional ou material da
pessoa. Em Romanos 8, Paulo considera que a pessoa é
controlada pela carne ou pelo Espírito (por exemplo, v. 9), da
mesma forma uma pessoa também pode ser cristã ou não. Nessa
passagem, Paulo não deixa espaço para meio-termo; a pessoa
não pode estar “na carne” e “no Espírito”.
“Reconciliação” está intimamente ligada a propiciação desde que
ela também tem o sentido de restauração de um relacionamento
desfeito. O parentesco dessas palavras é ilustrado na primeira
versão inglesa da Bíblia. Quando, em 1526, William Tyndale
traduziu o Novo Testamento, ele traduziu 2 Coríntios 5.18 desta
maneira: “Deus [...] nos deu o ministério de pregar a
propiciação”. Essa é uma tradução precisa do ponto de vista
conceituai, embora a tradução melhor para palavra usada por
Paulo seja “reconciliação”, a restauração ou estabelecimento de
um relacionamento amigável ou harmonioso.
O fato de que a obra de Cristo realizou a reconciliação entre Deus
e a humanidade é uma ênfase típica de Paulo, e a reconciliação é
discutida principalmente em Romanos e 2 Coríntios. Nessas
epístolas, ele deixa claro que Deus tomou a iniciativa para essa
reconciliação. Conforme ele diz aos coríntios: “E tudo isso provém
de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por Jesus Cristo e nos
deu o ministério da reconciliação, isto é, Deus estava em Cristo
reconciliando consigo o mundo, não lhes imputando os seus
pecados” (2 Co. 5.18,19). Sua declaração para os romanos é até
mesmo mais enfática: “Se nós, sendo inimigos, fomos
reconciliados com Deus pela morte de seu Filho” (Rm. 5-10; cf. Ef.
2.1-10).
Outro termo importante na compreensão de Paulo da obra de
Cristo é a “redenção”. Embora o Novo Testamento use diversas
palavras para se referir a essa noção, o substantivo usado por
Paulo nessas epístolas (apolytrõsis) expressa a idéia de ser
libertado da escravidão, enquanto o verbo (agorazõ; 1 Co. 6.20;
7.23) lembra os leitores do preço pago por essa libertação, a
saber, a vida de Cristo. Em Romanos 3.24, Paulo escreve sobre
indivíduos “sendo justificados gratuitamente pela sua graça, pela
redenção que há em Cristo Jesus”. Desde que ser justificado quer
dizer ser declarado inocente por Deus, o aspecto da redenção em
vista nesse versículo é o livramento da penalidade do pecado que
a morte de Cristo conquistou para pecadores culpados.
Mais adiante nessa epístola, Paulo refere-se à esperança que os
cristãos têm na “redenção do nosso corpo” (8.23).
Para Paulo, a ressurreição de Cristo é a afirmação de Deus de que
a morte de Jesus, de fato, pagou a punição pelo pecado. Como ele
diz aos coríntios: “E, se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé, e
ainda permaneceis nos vossos pecados” (1 Co. 15.17). Ele faz esse
mesmo ponto, de forma sucinta, quando diz que Cristo “por
nossos pecados foi entregue e ressuscitou para nossa
justificação” (Rm. 4.25). A ressurreição testifica o fato de que a
morte de Jesus tornou possível a absolvição da punição pelo
pecado, o livramento do poder do pecado e a completa libertação
da presença do pecado. Uma manifestação dessa autoridade é o
ministério de Jesus de intercessão em favor dos cristãos, razão
pela qual Paulo pode declarar com segurança que “agora,
nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus” (8.1).
Tais relações parte/todo também é verdade concernente à visão de
santificação no ponto de vista de Paulo. Muitas vezes, esse aspecto da
salvação é considerado como a fase que se estende entre o início
(justificação) e o término (glorificação) do processo de salvação.
Poderíamos chamar essa fase de experiência “intermediária estendida”
da vida e da prática cristãs, uma vez que a justificação e a glorificação são
vistas como experiências efetuadas pela declaração de Deus e, portanto,
realizadas de imediato. Paulo resume o objetivo da santificação em sua
epístola para os tessalonicenses ao declarar: “Porque esta é a vontade de
Deus, a vossa santificação: que vos abstenhais da prostituição [...] Porque
não nos chamou Deus para a imundícia, mas para a santificação” (1 Ts.
4.3,7; a palavra “santificação” traduz ha- giosmos, termo que descreve
“santificação”; cf. Tt. 2.11-14; 3.4-7). O oposto de santidade, “imundícia”,
pode aludir a imoralidade em geral (1 Ts. 2.3), embora Paulo, em geral,
use esse termo para descrever imoralidade sexual em particular (por
exemplo, Rm. 1.24).
O termo grego para dom é karisma, palavra que lembra aos
leitores que as várias habilidades são uma expressão da
graça de Deus (charis) e devem ser usados para o benefício
dos outros como uma extensão da bondade de Deus para
com a igreja (1 Co. 12.4-6). Paulo acredita que cada membro
da igreja é dotado com um dom. Conforme ele diz aos
coríntios: “Mas a manifestação do Espírito é dada a cada um
para o que for útil” (v. 7). Ele também acredita que quem
recebe qualquer dom é por decisão do Espírito Santo, e isso
não acontece por uma questão de seleção, desenvolvimento
ou súplica individuais: “Mas um só e o mesmo Espírito opera
todas essas coisas, repartindo particularmente a cada um
como quer” (v. 11).
O termo grego para dom é karisma, palavra que lembra aos
leitores que as várias habilidades são uma expressão da
graça de Deus (charis) e devem ser usados para o benefício
dos outros como uma extensão da bondade de Deus para
com a igreja (1 Co. 12.4-6). Paulo acredita que cada membro
da igreja é dotado com um dom. Conforme ele diz aos
coríntios: “Mas a manifestação do Espírito é dada a cada um
para o que for útil” (v. 7). Ele também acredita que quem
recebe qualquer dom é por decisão do Espírito Santo, e isso
não acontece por uma questão de seleção, desenvolvimento
ou súplica individuais: “Mas um só e o mesmo Espírito opera
todas essas coisas, repartindo particularmente a cada um
como quer” (v. 11).
De acordo com Paulo, “falem dois ou três profetas, e os outros
julguem. Mas, se a outro, que estiver assentado, for revelada
alguma coisa, cale-se o primeiro. Porque todos podereis
profetizar, uns depois dos outros, para que todos aprendam e
todos sejam consolados” (1 Co. 14.29-31). Fica claro que havia
uma quantidade de espontaneidade nessas reuniões, desde que a
revelação pode vir a um profeta até mesmo enquanto outro fala.
Paulo fornece um vislumbre das possibilidades em seu aviso para
os coríntios: “Quando vos ajuntais, cada um de vós tem salmo,
tem doutrina, tem revelação, tem língua, tem interpretação.
Faça-se tudo para edificação” (v. 26). E importante recordar, mais
uma vez, que a Bíblia dessas igrejas primitivas era a tradução
grega do Antigo Testamento. Os que têm o dom de ensinar (Rm.
12.7; 1 Co. 12.29) devem oferecer aulas de instrução e de
encorajamento baseadas na mensagem dessas Escrituras.
O que Paulo acredita a respeito da culminação da salvação
individual está relativamente claro. A ordem específica de alguns
dos eventos que fazem parte da sequência da culminação dos
tempos está menos clara; todavia, algumas ideias dele sobre
esses assuntos podem ser determinadas a partir de declarações
feitas em suas epístolas. Apesar de Paulo não falar explicitamente
sobre a circunstância de que os cristãos entram na presença de
Cristo e de Deus logo após a morte, um entendimento desse tipo
está implícito em suas palavras de garantia para os
tessalonicenses de que “aos que em Jesus dormem Deus os
tornará a trazer com ele” (1 Ts. 4.14). O verbo “dormir” {koimaõ),
às vezes, era usado, por escritores bíblicos e não-bíblicos, para se
referir ao morrer, mas Paulo, com frequência, emprega-o para
descrever a morte de cristãos (por exemplo, 1 Co. 15-6,18,20,51).
O processo de glorificação do cristão individual que começa na
morte com o aspecto espiritual é concluído na ressurreição com a
transformação do corpo do cristão. Conforme Paulo garante aos
tessalonicenses: “Dizemos-vos, pois, isto pela palavra do Senhor:
que nós, os que ficarmos vivos para a vinda do Senhor, não
precederemos os que dormem [...], os que morreram em Cristo
ressuscitarão primeiro” (1 Ts. 4.15,16).
Em 1 Coríntios 15, Paulo discute a ressurreição de forma mais
extensa. Conforme ele diz aos coríntios, a ressurreição dos
cristãos seguirá o padrão da ressurreição de Jesus (v. 20). No
entanto, definir a natureza do corpo ressurrecto não é uma tarefa
fácil. O retrato de Paulo é mais sugestivo que descritivo (vss.
35-37) e provoca debate entre os intérpretes até mesmo nos dias
de hoje.
O processo de glorificação do cristão individual que começa na
morte com o aspecto espiritual é concluído na ressurreição com a
transformação do corpo do cristão. Conforme Paulo garante aos
tessalonicenses: “Dizemos-vos, pois, isto pela palavra do Senhor:
que nós, os que ficarmos vivos para a vinda do Senhor, não
precederemos os que dormem [...], os que morreram em Cristo
ressuscitarão primeiro” (1 Ts. 4.15,16).
Em 1 Coríntios 15, Paulo discute a ressurreição de forma mais
extensa. Conforme ele diz aos coríntios, a ressurreição dos
cristãos seguirá o padrão da ressurreição de Jesus (v. 20). No
entanto, definir a natureza do corpo ressurrecto não é uma tarefa
fácil. O retrato de Paulo é mais sugestivo que descritivo (vss.
35-37) e provoca debate entre os intérpretes até mesmo nos dias
de hoje.
O Estilo Paulino
O estilo recebia uma grande parte
da atenção dos retóricos clássicos.
A teoria do estilo baseava-se na
análise da dicção, na escolha das
palavras e da composição e no
arranjo das palavras. Com
freqüência, Paulo escolhia uma
metáfora para expressar seu
pensamento. Por exemplo, a lei é
um carcereiro com o poder de
trancafiar e manter no cativeiro
(Gl. 3:23), e a lei é um vigilante
(paidagogos) com o poder de
supervisão (Gl. 13:24-25).
Às vezes, Paulo parece usar
hipérbole para enfatizar seu
ponto. Segundo J. D. G. Dunn,
o uso paulino das palavras do
Salmo 19:4, para afirmar que o
Evangelho ressoou “por toda a
terra” e “até as extremidades
do mundo” (Rm. 10:18)
proporcionou “uma visão
hiperbólica da amplitude
escatológica completa da
missão gentia”.
Quando Paulo exorta os
leitores a “oferecerdes os
vossos corpos em sacrifício
vivo” (Rm. 12:1), sua escolha
da palavra “corpo” para
representar a pessoa toda é
exemplo de sinédoque, uma
parte pelo todo. A tradução de
“vossos corpos” por “vós
mesmos” interpreta
corretamente essa sinédoque.
Em sua composição, Paulo
muitas vezes arranja
as palavras em forma de
antíteses. “Fugi do mal com
horror, aderi ao bem” (Rm
12:9). “Sabemos entretanto
que o homem não é
justificado pelas obras da lei,
mas somente pela fé relativa
a Jesus Cristo” (Gl. 2:16).
Paulo também elabora seus
pensamentos em um padrão
quiástico. O quiasmo é um padrão
cruzado de palavras que se
assemelham à letra grega X (Chi),
daí o seu nome. Por exemplo, “os
primeiros serão os últimos e os
últimos os primeiros”. Palavras ou
conceitos são declarados na
ordem “A-B-C” e então repetidos
com expansões importantes na
ordem inversa “C-B-A”. Observe
uma quiasmo em Gl. 2:16 e 4:4-5:
“Sabendo, contudo, “...para que fôssemos
que o homem não é justificados pela fé em
justificado por obras Cristo...”
da lei,...” A B

A B
“...e não por obras da “...e sim mediante a
lei, pois, por obras da fé em Cristo Jesus,...”
lei, ninguém será
justificado”.

Exemplo de um quiasmo, em Gálatas 2:16.


“Vindo, porém, a
“para resgatar os que
plenitude do tempo,
estavam sob a lei,...”
Deus enviou seu
Filho, nascido de A B
mulher,...”

A B
“a fim de que “nascido sob a lei,...”
recebêssemos a
adoção de filhos”.

Exemplo de um quiasmo, em Gálatas 4:4-5.


Outro elemento comum no estilo
de Paulo é seu emprego de
perguntas retóricas: “Será que,
pela fé, estamos tirando à lei
todo o valor?”, “Então, qual o
papel da lei?”, “Acaso a lei iria,
pois, de encontro às promessas
de Deus?”. Essas perguntas
retóricas (Rm. 3,31; Gl. 3,19.21)
preparam o caminho para Paulo
fazer algumas de suas
declarações mais significativas a
respeito da lei.
Diatribe

A diatribe não tem estrutura nem


abordagem típicas. A utilização dos
muitos atributos da diatribe
depende da personalidade e da
habilidade do orador ou autor e
das particularidades da situação
abordada. A diatribe caracteriza-se
por aspectos retóricos de natureza
dialógica, que inclui a introdução
de adversários ou interlocutores
imaginários e objeções hipotéticas
e falsas conclusões.
Algumas cartas paulinas apresentam
aspectos da diatribe, e esses livros
são mais bem descritos como
“procedimentos” de diatribe.
Paulo empregou a diatribe com
criatividade e adaptou seus atributos
às necessidades do evangelho, de
suas congregações, de seu estilo
retórico e do gênero epistolar. Alguns
elementos da diatribe encontram-se
em partes das cartas paulinas (I Co.
6:12-20; 15:29-41; e Gl. 3:1-
9:19-22), mas estão mais
abundantemente utilizados
em Romanos.
A “Nova Retórica”
aplicada às Cartas Paulinas
Uma abordagem recente na
aplicação da critica retórica às
cartas paulinas é a descrição de
técnicas retóricas empregadas
por Paulo em sua argumentação.
C. Perelman e L. Olbrecht-Tyteca
descrevem uma ampla variedade
de retóricas técnicas no que
Kennedy chama de “o mais
influente tratado moderno de
retórica”, Traité de
l´Argumentation – La Nouvelle
Rhétorique (1958).
A aplicação das categorias da
nova retórica às cartas
paulinas não é anacrônica, pois
as categorias da nova retórica
derivam de uma análise
completa de exemplos
antigos e modernos de
argumentação. As cinco
técnicas retóricas descritas
aqui estão ilustradas por uma
aplicação à Carta Paulina
aos Gálatas.
1) ARGUMENTO POR AUTORIDADE

Um argumento que depende do prestígio, da


reputação ou do caráter moral do orador é
argumento que parte da autoridade. A dupla
negativa paulina de qualquer dependência ou
autoridade da parte dos homens para a
legitimidade de seu apostolado e sua
reivindicação de um ministério divino (Gl 1:1)
deixa evidente que seu argumento
todo será estruturado por essa ênfase na
autoridade.

Contudo, Gálatas 1:6-9 não é, como se


poderia esperar, desenvolvimento direto da
reivindicação paulina de autoridade apostólica*.
Ao contrário, Paulo passa para uma definição
do Evangelho que exclui todas as versões
alternativas possíveis. Em seguida, subordina a si
mesmo e a todo anjo* do céu ao único Evangelho
verdadeiro (Gl. 1:8-9).
Assim, Paulo responde a uma
contestação de sua autoridade,
estabelecendo uma medida definitiva de
autoridade genuína: adesão ao
Evangelho que ele prega. Em sua
autobiografia (Gl. 11:11-2,21) e sua
interpretação da promessa abraâmica
(Gl. 3:1-4:11), ele demonstra sua
fidelidade a esse padrão, em contraste
com os que se desviaram dele.
A adesão à “verdade do Evangelho”, na
vida e também na pregação (Gl. 2:19-20;
6:14-15), toma sua autoridade
invulnerável. Portanto, ele tem
autoridade para pedir a fidelidade dos
convertidos, transmitir seu decreto
apostólico (Gl 5:2) e estabelecer o cânon
para o Israel de Deus (Gl. 16:15-16).
2) ARGUMENTO POR DEFINIÇÃO

O argumento paulino em Gálatas é


estruturado pela maneira como ele
desenvolve sua definição do
Evangelho. Quando o Evangelho é
apresentado pela primeira vez
como o centro do problema nas
Igrejas gálatas, é-lhe atribuída a
qualidade de primazia. Em todas as
etapas sucessivas do argumento, a
definição do Evangelho é elaborada
com o uso de outros termos
fundamentais, como promessa, fé,
lei e obras da lei.
3) ARGUMENTO POR DISSOCIAÇÃO
DE IDEIAS

Sua explicitação de pares


antitéticos: maldição/
bênção, obras/fé, carne/espírito,
lei/Cristo, lei/Espírito,
escravidão/liberdade, deixa claro
que o argumento paulino em
Gálatas está estruturado
pela dissociação de ideias.
4) ARGUMENTO PELO
“SACRIFÍCIO”

Na argumentação pelo sacrifício, o


sacrifício é apresentado como
prova do valor da coisa pela qual o
sacrifício é feito. Paulo indica
freqüentemente o sacrifício da cruz
como a base para o valor da
liberdade em Cristo que os falsos
mestres procuram destruir (Gl. 1:4;
2:4; 2:20.21; 3:1.13-14; 4:4; 5:1).
A crítica retórica das cartas paulinas
permite ao leitor dedicar-se a uma
análise detalhada das estruturas
e técnicas de argumentação empregadas
por Paulo. Se tal análise leva à
preocupação mais com a forma que com
a essência, então a crítica retórica é um
obstáculo à compreensão do sentido das
cartas paulinas.

Mas se o propósito é a explicação clara


do que Paulo quer dizer com seus
argumentos, então essa metodologia é
útil para esclarecer como Paulo
desenvolve seus argumentos,
exatamente como a crítica histórica é útil
para esclarecer por que Paulo escreveu
suas cartas.
#Vem pro IALTH!!

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