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2008
https://doi.org/10.25145/j.pasos.2008.06.035
www.pasosonline.org
Abstract: The tourism is one of the factors of the contemporary development and of the intensification
of the social relationship, typical of the capitalist production model. It is an activity that requires the use
and the appropriation of natural and cultural environments, produced by work, to turn it into spaces of
leisure and consumption. It is part of the current dynamic of the capital, which creates territorialities, like
an answer to the crises of global accumulation, involving the market, the State and the Civilian Society.
It is also a service that supports the recovering of the human work, to the progressive growth of the in-
dustrial, commercial and financial work relationships of the several international markets, besides, as an
export product, to be constituted in one of the main merchandise of the foreign trade. It is a sector accus-
tomed to mythologies, sometimes is considered the solution capable to solve the socioeconomic prob-
lems of the outlying countries and sometimes is seen as a savage industry, capable to destroy the identity
of communities. This article reflects about the meanings, contradictions and challenges related to tourism
sustainability, facing of the meanings of the development adopted by the government policies and its
disconnection with the culture policies that may contribute, in value and guidelines, to the construction
of the solidary tourism, turned to the foment of the cultural diversity and the living quality of the local
populations.
ii
• Profa. Dra. Luzia Neide Coriolano; Profa. Dra. Claudia Leitão. Mestrado Acadêmico em Geografia e do Mestra-
do Profissional em Gestão de Negócios Turísticos, da Universidade Estadual do Ceará. Email: luzianei-
de@hotmail.com
mente com este repertório do homo sapiens ões trabalhistas, observamos, na atividade
que o turismo trabalha? Não carregaría- turística, acentuada exploração do mercado
mos, como afirma Jung, imagens universais de trabalho, pela elevada porcentagem de
do nosso inconsciente coletivo, que definem trabalhadores em meio período; grande
nossas reações e empatias nos lugares visi- porcentagem de trabalhadores temporários
tados? Enfim, uma viagem turística não é e ocasionais; intensa presença de mulheres
menos o consumo de produtos e serviços com contratos de meio período, especial-
mas uma espécie de “trajeto antropológico” mente em hotelaria e restaurantes; escasso
em que revisitamos a nós mesmos pelas número de mulheres em cargos de maior
narrativas, símbolos e ícones construídos responsabilidade; presença de trabalhado-
pelo “outro”? Se a modernidade tem como res estrangeiros ocupando cargos de maio-
grande símbolo a razão, a análise, a decom- res responsabilidades, nos países em de-
posição dos fenômenos para explicá-los, as senvolvimento, em detrimento dos profis-
sociedades contemporâneas, pelo contrário, sionais locais; pouca qualificação dos pres-
vêm, pela imaginação, reinventar e reen- tadores de serviços na hotelaria e em ali-
cantar o mundo, ou melhor, buscando mentos e bebidas; menores níveis de salá-
abraçá-lo (origem etimológica do verbo rios em relação a outros setores; maior ex-
compreender), tomá-lo por todos os lados, ploração do trabalhador na jornada de tra-
de forma a percebê-lo não somente pelas balho; poucos trabalhadores sindicalizados
ciências mas por outros caminhos: pelos e com algumas atividades com curto ciclo
afetos, pelos sentidos, pela memória, pelos de vida. No plano geográfico, observamos
mitos, pelas imagens. impactos relativos às transformações do
Os estudos e pesquisas do fenômeno território, assim como repercussões sócio-
turístico seguiram a herança aristotélica da antropológicas para as comunidades e so-
modernidade, ou seja, do pensamento bipo- ciedades. Nos países periféricos, o turismo
lar não complexo, habituado à mera análise produz “ilhas de prosperidade” em conflito
“causa x efeito” dos fatos sociais, sem bus- com espaços marginais, fazendo emergir
car-lhes maior conexão e aprofundamento contradições, as mais diversas, especial-
com outros campos do conhecimento. Se os mente de ordem social, cultural e econômi-
novos tempos assentam-se sobre a multipli- ca.
cidade e superposição de discursos que indi- No Brasil, o turismo cresce e se consoli-
cam a fusão e a (con)fusão entre antigas da como atividade geradora de riqueza,
contradições( existência e intelecto, corpo e tornando-se importante produto de expor-
espírito, arte e vida, conquistas cientificas e tação. No Nordeste brasileiro, no Ceará
renascimento de guerras etnocêntricas e (estado emergente para o turismo nacio-
religiosas), vale avaliar em que medida os nal), o turismo ocupa o quarto lugar entre
estudos turísticos foram submetidos, ao lon- os produtos de exportação1. No entanto,
go do século XX, às mesmas mazelas sofri- quanto mais se torna estratégia de desen-
das pelas Ciências Sociais. Mediante méto- volvimento econômico, mais sua imagem é
dos, ora quantitativos, fruto de visões positi- reduzida à dimensão mercadológica. O em-
vistas, ora empíricos, produto de visões fe- pobrecimento de significados para o setor
nomenológicas, parte significativa dos estu- pode ser percebido nos programas gover-
dos turísticos também simbolizam a dico- namentais, nas práticas do chamado trade
tomia do pensamento moderno diante dos turístico, nos comportamentos dos em-
dilemas entre explicação x compreensão do presários da cadeia produtiva.
mundo. As conseqüências do reducionismo são
É evidente que não subestimamos, nas desastrosas para a atividade turística, nas
sociedades mundializadas, as velhas con- perspectivas pública e privada. No espaço
tradições suscitadas pelas tradicionais re- público, é o turismo como mero “negócio”
lações capital-trabalho, tão presentes no reduzindo políticas públicas em meras aç-
século XX. Nesse contexto, o turismo, como ões de marketing. No espaço privado, a
área de conhecimento acadêmico e ativida- cadeia produtiva do turismo é estruturada
de econômica, se desenvolve, contribuindo nas mesmas bases das economias dos seto-
para a proliferação de desequilíbrios sócio- res primário e secundário. Dessa forma, os
espaciais de toda sorte. No plano das relaç- projetos públicos e privados para o setor
turístico constroem-se pelos mesmos mode- recursos naturais, em razão da ação equí-
los mentais e mesmas bases semânticas voca do homem sobre o ambiente, traz re-
fundadas na imagem do “turis- percussões e modificações nas formas har-
mo/mercadoria”, o que também ocorre nos moniosas de construção do cotidiano de
discursos políticos, jurídicos e econômicos culturas tradicionais. A alteração das aspi-
relativos às questões de sustentabilidade. rações dos diferentes grupos sociais e co-
Marcados pela vagueza e ambigüidade, os munitários e seus modos peculiares de vi-
mesmos serão particularmente omissos, ver foi drasticamente substituída pela im-
mostrando-se incapazes de normatizar e posição de novos padrões comportamentais,
institucionalizar o campo turístico. ameaçando a diversidade cultural e a vida
O crescimento da economia do turismo no planeta.
impacta diversos setores da economia, es- Se os resorts simbolizam a acumulação e
pecialmente o imobiliário, simbolizado pela concentração de capital no setor turístico,
construção de mega empreendimentos hote- as pousadas ou os pequenos hotéis podem
leiros e equipamentos de lazer que, por sua simbolizar novas imagens de um turismo
vez provocam danos ambientais, além do menos concentrador e mais solidário, me-
que contribuem, como já afirmamos, para nos pasteurizado e mais atento à diversida-
concentrar riqueza, causando, conseqüen- de cultural. O turismo não somente mapeia
temente, disfunções e esgarçamentos do territórios mas cria territorialidades, pois
tecido social. Reações a esse quadro, no define destinos, propõe roteiros, dando visi-
entanto, começam a acontecer pelos movi- bilidade a espaços até então “invisíveis”.
mentos sociais, os mais diversos, que cla- Além de construir espaços simbólicos, a
mam por garantias jurídicas que definam atividade turística tece rede extensa de
critérios de responsabilidade social para pequenos negócios que, por sua vez, cria
esses empreendimentos. As forças sociais socialidades as mais diversas.
se estruturam em reação ao próprio modo Neste sentido, o turismo suporta e res-
de produção capitalista, que vive, de crises significa o trabalho, propondo-lhe lógicas
periódicas, pois as mesmas condições que menos especulativas e invasivas e mais
proporcionam o crescimento do produto e abertas à diversidade e ao compartil-
da riqueza, do trabalho e do lazer, desenca- hamento afetivo. Pela própria natureza, a
deiam momentos de autodestruição, no atividade turística, pode, ao mesmo tempo,
movimento permanente de sustentabilida- concentrar lucro, riqueza e renda, mas
des e insustentabilidades. A imagem do também criar oportunidades de ganhos aos
mercado passa a simbolizar, gradativamen- trabalhadores e às comunidades mais po-
te, espaço de instabilidades, uma espécie de bres, visto que a tese incorpora a antítese; o
“tabuleiro de xadrez” cujos vencedores e contraponto, o ponto e a contraposição, a
perdedores são indefinidos, circunstanciais posição. A própria transfiguração da ativi-
e imprevisíveis. dade turística dá indícios de que o turismo,
As reações às ações, no campo turístico, como mera atividade capitalista voltada
originam estudos e pesquisas que elaboram unicamente para o lucro financeiro, perde
novos discursos, por meio de novas imagens força, fruto dos impasses entre os limites do
e de novas representações simbólicas a eles capital e a própria sobrevivência do homem
agregadas. As mais significativas, nas no ambiente natural e cultural.
últimas décadas, se referem às conexões Não obstante o surgimento de novas
entre turismo e ambiente. Esse relaciona- mentalidades voltadas para o campo turís-
mento se traduz no crescimento da legis- tico, constatamos que, em pleno século XXI,
lação sobre o direito ambiental, assim como as reflexões acerca da (in)sustentabilidade
no surgimento de relatórios capazes de do turismo ainda estão impregnadas das
salvaguardar os impactos negativos do tu- imagens emprestadas pela ciência econômi-
rismo em face do meio, tão comuns nas ca e que, se os discursos ambientais passam
práticas do “turismo de massas”, marcado a estabelecer-lhe novos limites, o mesmo
pelo caráter predatório, relativo ao trato não ocorre, na mesma proporção, no campo
irresponsável, com a natureza e a cultura. cultural. As políticas públicas entre turis-
O desequilíbrio planetário resultante da mo e cultura, na América Latina, especial-
progressiva degradação e destruição dos mente no Brasil, pouco dialogaram até
aqui, não compreendendo que o patrimônio XX, surgem incertezas de ordens diversas.
natural é também patrimônio cultural. O Ora, enquanto conhecimento que almeja o
isolamento pode ser percebido pela pequena status de ciência, o turismo também exem-
contribuição da cultura nos indicadores de plifica os discursos monoteístas promovidos
(in)sustentabilidade para o setor turístico e pelo racionalismo moderno. Suas bases e
do grande distanciamento entre os projetos fundamentos alimentam-se, desde origens,
de intervenção sobre a paisagem, em geral, do campo moral do “dever-ser”, ou seja, são
realizados por ministérios e secretarias de discursos que objetivavam construir uma
infra-estrutura, apoiados por conselhos do sociedade com “s” maiúsculo, assegurando-
ambiente, sem a participação dos conselhos lhe padrões normativos, regras de conduta,
de cultura. O discurso ambiental que vem códigos fixos de ser e estar no mundo. Gran-
se integrando ás discussões sobre sustenta- de parte desses discursos foi se desmorali-
bilidade do turismo necessita, por conse- zando (referimo-nos ao sentido etimológico
guinte, da contribuição do discurso cultural, da expressão, ou seja, os discursos foram
ou seja, o próprio direito ambiental deve abandonando o campo da moral, por não
estabelecer relação dialógica com os “direi- serem capazes de prever, categorizar, nor-
tos culturais”, o que certamente contribuirá matizar ou sancionar a imensa diversidade
para indicadores de sustentabilidade mais dos comportamentos sociais). A desmorali-
transversais para o turismo. zação dos discursos sociais, políticos e jurídi-
A tendência de aproximação e do diálogo cos é perceptível por todos nós a olho nu,
entre os campos da cultura e do turismo é, tornando-se espetáculos histriônicos a que
pois, fruto das sociedades ditas pós- assistimos diariamente pela televisão, lemos
modernas ou pós-industriais, as quais pro- pelos jornais ou acessamos pela internet. O
duzem novas representações sociais menos desencanto diante das grandes narrativas
marcadas pelas imagens mercadológicas e “explicadoras” do mundo é um sintoma sobre
mais voltadas aos valores culturais, às o qual devemos refletir. Nossa herança ilu-
identidades, aos sentimentos de pertença, minista encontra-se em grande encruzil-
ao poder dos mitos e à carga de simbolismo hada; necessitamos construir nossos mode-
dos indivíduos e das comunidades conside- los mentais, rever dogmas e convicções e, por
radas destinos turísticos. A nova mentali- que não fazê-lo pela análise do fenômeno
dade compreende a atividade turística como turístico nas sociedades contemporâneas?
rica e diversa cadeia simbólica capaz de O mundo parece encontrar-se cada vez
reinventar territórios, criar novas sociabili- mais em todos, embora todos não se encon-
dades e estabelecer novas solidariedades. trem no mundo. Expressões como “capital
social”, “desenvolvimento sustentável”, “de-
Por uma ampliação dos significados do tu- senvolvimento com cooperação”, “inclusão
rismo social”, “cidadania” estão presentes nos dis-
cursos públicos e privados e, de tanto ouvi-
A atividade do turismo vem sendo histo- los e de tanto utilizá-los, temos a sensação
ricamente associada aos modos de produção de que, ao invés de nos sentirmos estimula-
do trabalho industrial, comercial e finan- dos ao debate, à imaginação e à criatividade,
ceiro, nos diversos mercados internacionais. temos mentes cada vez mais paralisadas. O
Dentro dos paradigmas modernos em que resultado e o perigo dos discursos “globali-
foi significado, o turismo transfigurou-se e zantes” é que, quanto mais progride a crise,
fragmentou-se. De lazer para as elites até menos capacidade temos de pensá-la, quanto
tornar-se atividade massificada, transfor- mais nos submetemos à “economia global” ,
mada em mercadoria barata, invenção da menos nos indagamos: afinal de contas, de
sociedade de consumo, o turismo transfigu- que globalização falamos? No século em que
rou-se, revelando, pelos significados e dile- o conhecimento, o ócio e o lazer tomam sig-
mas, a complexidade das sociedades con- nificados cada vez mais importantes, no
temporâneas. cotidiano das sociedades, o turismo pode,
Como produto moderno, o turismo sofreu graças à riqueza da carga simbólica, tornar-
da mesma “anemia semântica” do chamado se campo especialmente fecundo para a
“individualismo possessivo*. Finda a forta- compreensão das transfigurações do homo-
leza do “eu”, nas últimas décadas do século faber ao homo-ludens.
Os significados do turismo ainda são es- grupos e estratos sociais. Desse modo, como
sencialmente modernos, pois são originá- habitantes de países em desenvolvimento,
rios do século XVII, com as principais teo- podemos perguntar: como reaver o capital
rias oriundas do período posterior à Segun- social de comunidades excluídas, de ex-
da Guerra Mundial, submetendo-se às re- colônias submetidas à domesticação de suas
presentações sociais suscitadas pelo ima- culturas, despossuídas de auto-estima e de
ginário moderno. Dessa forma, os discursos capacidade de mobilização? As perguntas
político, econômico e acadêmico chamam de referem-se não somente a continentes desi-
“indústria” a atividade turística, com o ob- guais como a América Latina ou a África,
jetivo de dar-lhe status de vigor e im- mas dizem respeito a comunidades periféri-
portância social. No discurso legitimador de cas em todo o planeta.
“indústria”, o turismo abandona-se, ou As políticas públicas, na América Lati-
mesmo, desqualifica-se suas imagens e na, especialmente no Brasil, ainda não
símbolos de natureza antropológica ou cul- construíram os necessários canais de inter-
tural. Assim, enfatiza-se a imagem do tu- secção entre os campos da cultura e do tu-
rista como hóspede, consumidor ou cliente e rismo, resumindo-se a compreender o tu-
o turismo como mera fonte de renda e divi- rismo cultural como patrimônio cultural
sas, subestimando-se a imagem do turista material (prédios e conjuntos tombados) e
como protagonista cultural, alguém que imaterial (festas e manifestações da cultura
estabelece trocas simbólicas com outros tradicional popular). No entanto, os consu-
indivíduos. midores da atividade turística começam a
Com o desenvolvimento das ciências e desenvolver novas éticas, demonstrando,
das tecnologias, cresce o tempo livre, fruto graças às suas práticas, que os modelos
contraditório da ampliação do trabalho mentais que produzem políticas e progra-
especializado, assim como do desapareci- mas turísticos necessitam urgentemente de
mento de determinadas profissões. As reestruturação. Os próprios turistas pas-
transformações do trabalho produzem ao sam a exigir, de forma gradativa, um maior
mesmo tempo, grande contingente de mul- espectro, no que se refere à fruição das ati-
tiespecialistas e um “exército” de desem- vidades. Ao mesmo tempo, vale enfatizar
pregados, provocam maiores deslocamentos que, nas cidades, o lazer urbano vem sendo
territoriais dos indivíduos, além do aumen- redimensionado.
to do tempo dedicado às férias, movimen- Assim, as classes de menor poder aquisi-
tos migratórios, a banalização das viagens, tivo v êm descobrindo o turismo social,2
a democratização do acesso aos meios de permitindo que as populações das regiões
transporte, enfim, um cenário cada vez não direcionadas ao turismo global descu-
mais favorável à atividade turística. Se as bram novas formas de inclusão na cadeia
inovações de Thomas Cook, em 1841, inse- produtiva do turismo e nos roteiros de visi-
riram o turismo no mundo dos negócios, tação. Mais uma vez, constatamos que a
atividade beneficiada, cada vez mais, pela dinâmica turística revela a complexidade
evolução dos transportes e do comércio de social, a tensão complementar entre centro
bens e serviços, esse movimento, levado ao e periferia, entre incluídos e excluídos. Afi-
paroxismo, mostra a atividade turística nal de contas, nesses tempos nômades, re-
vítima das próprias contradições. Os pro- pletos de contradições e de redundâncias, o
cessos massificadores da atividade turística que nos faz realizar atividade turística?
produzem “não-lugares”, desterritorializam Como deslocar-se em um mundo, no qual,
indivíduos e comunidades, com efeitos per- quanto mais nos movimentamos, mais pa-
versos à vida comunitária e social, gradati- recemos estar no mesmo lugar? E, por
vamente mais órfã de imaginários e desti- último, estas indagações: os discursos
tuídas de sentimentos de pertença. modernos acerca de sustentabilidade po-
Vale, portanto, repensar os modelos de dem aplicar-se à atividade turística? As
desenvolvimento definidos ou praticados limitações de natureza ambiental/natural e
em países latino-americanos com grandes cultural ameaçam o caráter econômico da
desigualdades como o Brasil. A desigualda- atividade turística ou, pelo contrário, po-
de suscita desconfiança, assim como é pro- dem representar seu renascimento e res-
dutora da lógica de distanciamento entre significação?.
mas que podemos modelá-las, seguindo os de contribuir para a cultura de paz entre os
ecossistemas da natureza que são comuni- povos, considerando a diversidade cultural,
dades sustentáveis de plantas, animais e patrimônio comum da humanidade. Identi-
micro-organismos. Uma vez que a carac- dade, diversidade, criatividade, solidarie-
terística principal da biosfera consiste na dade são as palavras chaves dos novos
habilidade para sustentar a vida, uma co- tempos, presentes nos discursos internacio-
munidade humana sustentável deve ser nais, nacionais e locais, em contextos políti-
planejada de maneira que as formas de cos, educativos, econômicos, jurídicos ou
vida, negócios, economia, estruturas físicas sociais.
e tecnológicas não venham a interferir na Ao mesmo tempo, agências de desenvol-
habilidade inerente à Natureza ou à sus- vimento, como o Banco Interamericano de
tentação da vida. Mesmo que a natureza Desenvolvimento – BID passam a priorizar
não ofereça modelos para todos os compor- o financiamento de projetos, pela capacida-
tamentos sociais, como acreditam cientistas de de mobilização do capital social e da
de visão crítica, todos são unânimes em dinâmica cultural, específicos das populaç-
admitir que a transição para um futuro ões, às quais os projetos se aplicam. Ao se
sustentável ou uma sociedade sustentável levar em conta a diversidade cultural, abo-
se configura como postura política pautada le-se a concepção hierárquica do desenvol-
em visão de mundo e de valores éticos. vimento, dando-se voz a populações que até
As conceituações de meio-ambiente in- então não constituíam parte integrante
cluem e se aproximam cada vez mais dos deste “capital social”. Vale aqui conceituar
significados da cultura, pois nele estão con- capital social a partir da visão de Pierre
tidos ritos, mitos, as manifestações do Bourdieu, ou seja, “um atributo individual
cotidiano, a natureza, as cidades, o habitat, e coletivo de distinção e, com isso, de domí-
os saberes e fazeres, enfim, tudo que o nio dos membros das categorias privilegia-
homem cria ou dá significado, tudo o que das”. O capital social, segundo o sociólogo
constitui sua memória, o que lhe é imposto francês, se apóia no capital econômico (na
e também o que ele espera. Desse modo, segurança material), no capital cultural (no
meio-ambiente e cultura estão de tal forma manejo do idioma) e no capital social (na
imbricados, que a atividade turística não constituição de relações). Esses capitais
poderá produzir indicadores de sustentabi- convertem-se, por sua vez, em capital
lidade sem a compreensão de que, ao criar simbólico, instrumento maior da garantia
espaços de diálogo com a natureza, neces- de sobrevivência dos discursos dominantes.
sariamente os criará com a cultura, pois o Em 1999, em Paris, o Fórum “Desenvol-
turismo necessita do espaço geográfico, do vimento e Cultura”, organizado pelo BID,
ambiente entendido dessa forma mais am- traz novos significados a essas expressões.
pla. Turistas buscam paisagens, cultura, A cultura passa a ser percebida como ma-
patrimônio histórico, tudo que faz parte dos triz dinâmica das formas de ser, estar, rela-
ambientes, dos lugares e territórios e de cionar-se e perceber o mundo. Deste modo,
que essa atividade se apropria. É um tipo desenvolvimento significa pouco, se o redu-
de consumo do espaço (natureza), portanto zirmos seus significados a meras represen-
fazer turismo significa viver a própria na- tações de benefícios infra-estruturais ofere-
tureza. Mesmo protegendo-a, é sempre uma cidos às comunidades (saneamento, estra-
atividade de risco que implica (in) susten- das, urbanizações etc.), mas de forma cres-
tabilidade ou permanente controle das polí- cente ele está associado às reações e inter-
ticas territoriais ou ambientais. venções das pessoas atingidas por estes
benefícios. Desenvolvimento, portanto, não
Cultura e desenvolvimento significa unicamente geração de riqueza ou
aumento do Produto Interno Bruto (PIB)
A conferência Geral da UNESCO, logo dos países, embora o crescimento e a distri-
após o dramático atentado de 11 de setem- buição menos desigual da riqueza material
bro de 2001 formata a “Declaração Univer- sejam decisivos para a qualidade de vida
sal sobre a Diversidade Cultural”. O docu- dos indivíduos. Como se vê, desenvolvimen-
mento ratifica o esforço dos países, na cons- to não se confunde com “desenvolvimentis-
trução de um dialogo intercultural, capaz mo”, tônica da América Latina dos anos 50
humana, da capacidade dos animais e das conhecimento humano. Pela própria cons-
plantas de se reproduzirem ao longo do tituição, o fenômeno se alimenta do con-
tempo. Sustentabilidade e capitalismo est- hecimento racional-empírico, associado à
ão sempre em contradição, mas, tratados esfera simbólico-mítico-mágica, ou seja, no
como pensamento complexo, podem abrir turismo é especialmente necessária a com-
caminhos para a construção de um modelo preensão da dificuldade de permanecermos
cuja matriz permita não a oposição mas em conceitos claros, distintos, fáceis. Em
ação dinâmica entre as oposições. Conside- face da constatação, podemos convocar os
remos, portanto, sustentabilidade um con- protagonistas do campo turístico a rever
ceito complexo, no sentido em que abriga a mentalidades, perceber que, tendo ou não
objetividade que não deve excluir, de sua status de ciência, não existem ciências pu-
análise, o espírito humano, o sujeito indi- ras, e políticas públicas para o turismo são
vidual, a cultura e a sociedade. Buscar va- menos o fruto de pesquisas quantitativas
riáveis para qualificar a sustentabilidade que de bom senso capaz de superar precon-
de um fenômeno significa criar consensos ceitos e visões maniqueístas da vida social.
mas também pressupõe o antagonismo dos Aí está o desafio aos governantes, empresá-
conflitos presentes nas diversas formas de o rios, planejadores, investidores, e, espe-
homem ser e estar no mundo. cialmente, as comunidades receptoras.
Neste sentido, as variáveis e os próprios A "Carta da Terra" - documento da
significados de (in)sustentabilidade são UNESCO - (2000) é uma tentativa de com-
naturalmente abertos e passíveis a flexibi- plementar a Declaração Universal dos Di-
lidades, adaptações, pois este conhecimento reitos Humanos, agregando a dimensão
é fruto de uma cultura dada, a qual, por planetária, partindo do princípio de que
sua vez, alimenta-se do repertório de noç- não adianta garantir os direitos humanos,
ões, crenças, linguagens etc. Por isso, cate- se o planeta continuar em processo de de-
gorizar o fenômeno de (in)sustentável sig- vastação. (a questão é que estes direitos
nifica, antes construir um pensamento ca- humanos não foram garantidos a todos) O
paz de detectar as falhas, as lacunas, as grande desafio é a defesa do homem, de seu
contradições de todas as tentativas de re- trabalho, de sua dignidade, da extinção das
dução da própria categoria (in) sustentabi- desigualdades sociais e o da conservação do
lidade e sua impotência diante das tentati- ambiente onde se vive. O documento afirma
vas de generalização e definição de leis que humanidade é parte de vasto universo
gerais acerca dos fenômenos sociais. em evolução. Que a Terra, nosso lar, está
Dessa forma, algo é sustentável ou in- viva com uma comunidade de vida única.
sustentável pela compreensão, a priori, de As forças da natureza fazem da existência
que o objeto pensado (no caso, o fenômeno uma aventura exigente e incerta, mas a
turístico) possui uma relativa autonomia, Terra providenciou as condições essenciais
não sendo necessariamente determinado para a evolução da vida. A capacidade de
por forças específicas (no caso, os modos de recuperação da comunidade da vida e o
produção capitalista). Desta forma, mitos e bem-estar da humanidade dependem da
ideologias habitam os discursos e não mais preservação da biosfera saudável, com to-
se excluem, ou seja, para compreendermos dos os sistemas ecológicos, uma rica varie-
as repercussões da (in)sustentabilidade do dade de plantas e animais, solos férteis,
fenômeno jurídico necessitamos rever a águas puras e ar limpo. O meio ambiente
estruturação do pensamento, da capacidade global, com seus recursos finitos, é preocu-
de pensar. Necessitamos ir além da racio- pação comum de todas as pessoas. A pro-
nalização que escraviza os objetos estuda- teção da vitalidade, diversidade e beleza da
dos buscando encerrá-los em sistema lógico Terra é um dever sagrado. E erradicar a
e coerente. pobreza é imperativo ético, social, econômi-
Enfim, só avançamos na nova estrutura co e ambiental.
de pensamento, se aliarmos diversas com- A “Agenda 21”, transformada em Pro-
petências relativas ao ato de conhecer. No grama, procura integrar as atividades rela-
caso da (in)sustentabilidade do fenômeno tivas ao desenvolvimento e meio ambiente,
turístico, urge que acrescentemos novos ou seja, quer realizar o desenvolvimento
olhares e contribuições de outros campos do sustentável, evitando o esgotamento da