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Caos Construcao O Formal e o Sensorial N
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Caos Construcao O Formal e o Sensorial N
Nas décadas de 60 e 70 o cinema surge, dentro e fora do ambiente das artes plástica,
como um lugar privilegiado de invenção de linguagens e de experimentação, provocando um
diálogo entre diferentes meios.
O “efeito-cinema” (DUBOIS, P. 2003 p.7), muito visível no contexto da arte
contemporânea, foi um importante ponto de inflexão e mesmo de ruptura tanto no contexto
internacional dos anos 60 e 70 (cinema de artista, cinema expandido, cinema experimental,
etc.) quanto na cena cultural brasileira (Cinema Novo, Cinema Marginal, Super-8, etc.), com
grande impacto em termos conceituais e processuais nos diferentes campos.
O cinema _ suas figuras de linguagem, o cinetismo, os procedimentos de montagem, a
incorporação do tempo e da duração à espacialidade das artes plásticas, seu processo
artesanal-industrial _se inscreve ainda no debate em torno de uma modernidade periférica ou
alternativa. Na busca, trilhada por experimentadores e conceituadores de diferentes campos,
de uma “linguagem-Brasil” (OITICICA. H. 2006 p. 278)
É dessa forma que entendemos o interesse de Lygia Pape e sua intensa relação com o
cinema de forma estrutural, não como algo “intermitente” ou lateral a sua obra, mas uma
questão que atravessa o campo conceitual e experimental e a partir do qual essa artista multi-
meios, experimentou e apontou processos.
Para Lygia Pape e para o grupo neoconcretista carioca (especialmente Hélio Oiticica e
Lygia Clark) o que estava em questão era uma expansão da poética espacial das artes
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Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho “<Estudos de Cinema, Fotografia e Audiovisual>”, do XX
Encontro Nacional da Compós - UFRGS, Porto Alegre, 14 a 17 de junho
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ECO-UFRJ ivanabentes@gmail.com
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plásticas para uma poética temporal, do devir, do corpo, “do quadro para uma estrutura
ambiental” (OITICICA. H. 2006 p. 147) privilegiando o processo em detrimento da obra, em
que “o conceitual deveria submeter-se ao fenômeno vivo”. (OITICICA. H. 2006 p. 277)
Nas palavras de Hélio Oiticica, “não existe ‘arte experimental’, mas o experimental,
que não só assume a idéia de modernidade e vanguarda, mas também a transformação radical
no campo dos conceitos-valores vigentes; é algo que propõe transformações no
comportamento- contexto (...)” (OITICICA. H. 2006 p. 280)
É nesse contexto, de caos-construção que as experiência de Lygia Pape com o cinema
se constituem, vinculadas a uma inquietação mais ampla e a um momento de extraordinária
efervescência em termos de proposições, conceituações, manifestos e experimentações
estéticas, culturais e sociais. Concretismo, neoconcretismo, releitura da antropofagia,
tropicalismo, chanchada, cinema novo, cinema marginal, a novidade da televisão, etc.
O neoconcretismo surge, segundo Ronaldo Brito como uma “série de experiências de
laboratório” que colocaram “as questões mais avançadas e produtoras de rupturas da época”
inclusive por não estarem em “confronto com um mercado” (BRITO, R. 2006 p. 74) .Ruptura
dos neoconcretistas com o racionalismo, o formalismo, o cientificismo concretos, em nome
da “expressão” .
“O neoconcretismo representou a um só tempo o vértice da consciência construtiva no
Brasil e a sua explosão” (BRITO, R. 2006 p. 74). Tendo como referências, Mário Pedrosa,
que definiu a arte como “exercício experimental da liberdade”, a fenomenologia de Merleau-
Ponty, o existencialismo, entre tantos outros arsenais teóricos e estéticos mobilizadas em
contraposição as teorias da Gestalt, a semiótica de Peirce, a Teoria da Informação de Norbert
Wiener ou na critica ao “reducionismo concreto” e a linguagem geométrica.
Se o concretismo buscava intervir no centro da produção industrial, com as novas
concepções cibernéticas das relações sociais, valorizando as matrizes da comunicação e da
cultura de massa_ o design, a comunicação visual, os signos, antenado com o projeto
desenvolvimentista brasileiro_ o neoconcretismo apontava para o caos-construção, a
marginalidade, a “linguagem-Brasil”, o criador anônimo. O processo e não o produto.
A diferença entre o concretismo paulista e o neoconcretismo carioca, pode ser
sintetizada no provocativo texto de Aracy Amaral que diz:
“em São Paulo os escultores faziam escultura, os pintores não sairiam da
bidimensionalidade do quadro, ao passo que no Rio se dá o desenvolvimento da
pesquisa de uma Lygia Clark, por exemplo, da pintura ao relevo, do relevo ao não-
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filme Macunaíma, de Joaquim Pedro de Andrade, nos textos como Brasil Diarreia, de
Oiticica, etc.), como entropia e consumismo. Remédio e Veneno.
Quando dizemos que Catiti Catiti é um filme-postulado, estamos sublinhando a
importância da simbologia Tupinambá e a filosofia antropofágica ao longo da obra e do
pensamento de Lygia Pape que em 1980 irá retomar o tema na sua dissertação de mestrado,
defendida no curso de filosofia da UFRJ com o título: Catiti Catiti: na terra dos Brasis. A
ontologia canibal será importante para se pensar uma arte brasileira experimental que funde o
mais “primitivo” com as questões de ponta das vanguardas modernas para encarar o presente
urgente.
Na passagem do cinema para o campo das artes plásticas, reencontramos o simbologia
Tupinambá em diferentes obras de grande impacto sensorial e visual (a cor vermelha, as
plumas, as baratas e os seios de plástico, etc.) em diferentes suportes (instalações, poesia,
fotografia, etc.) e que trazem uma forte carga política.
Em Memória Tupinambá de 1999 temos dois objetos perturbadores: uma bola coberta
por penas vermelhas de onde sai um pé ensanguentado (restos de uma devoração?) e uma
bola coberta por baratas de plástico (ambas de 50cm de diâmetro). Em Pássaro Mítico
Tupinambá, uma foto do Guará, pássaro vermelho (caro a mitologia indigena e em
extinção) junto a uma poesia que fala em “penas macias rubra-sangue”. Nas várias
versões do Manto Tupinambá, a cor vermelha domina e os objetos e ambientes, como na
sala inteiramente vermelha da versão de 1996.
O manto tupinambá ainda se tranforma numa imensa nuvem vermelha que paira
sobre a paisagem carioca, imantando o território com a presença/ausência dos povos
indígenas, expulsos dessas terras. A própria Lygia Pape recebe o manto tupinambá na
foto-montagem Bus Stop (1999). E na Mostra do Redescobrimento, em 2000, o manto
chega a sua versão monumental com 200 bolas cobertas de plumas vermelhas sobre uma
imensa rede de navio de 64 metro quadrados.
Nessa operação plástica e política ainda se destacam as instalações Banquete
Tupinambá (mesas e cadeiras cobertas com penas vermelhas e restos de seios) e Carandirú,
instalação de 2001, em que Pape transfigura o massacre dos detentos no presidio do
Carandirú em uma cascata de sangue.
A instalação traz ainda projeções de gravuras vindas da obra de Hans Staden,
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No cinema, Pape iria desenvolver ainda um de seus conceitos mais interessantes com
desdobramentos em diferentes campos. O que chamou de “espaços imantados “ e que
caracteriza filmes como Favela da Maré, Carnaval in Rio, O homem e sua Bainha (1968), e
Espaços Imantados (1968). Nesses filmes problematiza a cidade informal e o criador
anônimo. Inspiradas nas feiras, camelôs, ambulantes, artistas de rua e espaços quaisquer que
se transformam pelas atividades de “criadores”, produtores intermitentes e precariado, Pape
busca dar visibilidade e materialidade a construção de espaços carregados de
potencialidades, uma erótica espacial das aglomerações, encontros fortuitos, agrupamentos
que se fazem e desfazem na fluidez urbana, criando por algum tempo “alianças precárias” e
micro-comunidades. A “imantação” é um princípio de organização no caos, um “atrator” que
cria espaços e temporalidades provisórias e intensas em um espaço urbano despotencializado
e anônimo. A vida das ruas.
Texto e Contexto
Lygia Pape se dedicou a realização de filmes curtos e curtíssimos, filmes conceituais,
estruturais, filmes-poemas, documentações poéticas, registros de obras que ecoam tanto as
questões internas tematizadas nas suas obras ( pós-antropofagia e consumo, corpos vibráteis,
filme-poema, anti-filmes, espaços imantados) quanto questões transversais comuns a
experimentação em Super-8, ao Cinema Novo e ao chamado Cinema Marginal. A própria
artista se situa nesse lugar de dentro e fora em relação aos grupos e movimentos
cinematográficos dos quais participou ou acompanhou de uma forma muito singular.
A artista nunca se “identificou” totalmente com nenhum dos grupos em disputa no
cinema. Deixa clara sua autonomia e forma de “apropriação” dessas experiências, tanto em
relação ao Cinema Novo quanto em relação ao Cinema Undergroud ou Marginal. Duas falas
da própria artista são esclarecedoras:
“Entre os anos 1960 e 1970, assisti a todos os copiões dos filmes do Cinema Novo,
na velha Líder. Era pura visualidade –imagens soltas, brilhantes- e com a
imaginação eu construía estruturas de claro e escuro, como pinturas. Poucas vezes
me interessei em ver os filmes prontos.” (PUPPO e MADDA, 2002 s/p)
“Ser marginal, estar a margem de uma sociedade ainda permanece como um conceito
burguês. Não foi esse cinema marginal de que participei ou participo. Marginal era o
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ato revolucionário de invenção, uma nova realidade, o mundo como mudança, o erro
como aventura e descoberta da liberdade: filmes de 10 segundos, 20 segundos...o
anti-filme.” (PUPPO e MADDA, 2002 s/p)
Lygia Pape realizou letreiros, cartazes de cerca de dez filmes do Cinema Novo: Vidas
Secas e Mandacaru Vermelho, de Nelson Pereira dos Santos, Deus e o Diabo na Terra do
Sol, de Glauber Rocha, O Padre e a Moça, de Joaquim Pedro de Andrada, O Desafio, de
Paulo César Saraceni, A Falecida, de Leon Hirszman, Menino de Engenho, de Walter Lima
Júnior e mais o curtas. Filmes de “ruptura” que inovaram nos temas, nos personagens na
estética (luz estourada, câmera na mão, montagem de choque, etc.) nos procedimentos de
produção e constituíram o moderno cinema brasileiro.
Filmes que dialogavam com o modernismo literário, a poesia concreta, as artes
plásticas, os movimentos musicais e que explodiam os cânones constituindo um novo
imaginário audiovisual brasileiro que se aproximava das inovações no campo das artes, da
música, etc.
Podemos traçar por exemplo uma clara relação entre a estética do filme O Pátio, de
Glauber Rocha, seu filme (curta-metragem) de estréia, e as propostas formais do concretismo
e neoconcretismo. Formalismo e natureza, construção e caos. Um pátio, tabuleiro xadrez
onde os personagens se movimento de forma não-natural. Filme estruturado e com “música
concreta” diz o letreiro, circundado de uma natureza desordenada e exuberante.
Ou mesmo as discussões sobre a luz e o claro escuro no curta-metragem Arraial do
Cabo, de Paulo César Saraceni, fotografado pelo pintor Mário Carneiro e com gravuras de
Oswaldo Goeldi na abertura. Filmes que foram vistos na casa de Lygia Pape com os
diretores, Mario Pedrosa, Lygia Clark, Helio Oiticica e outros (PUPPO e MADDA, 2002 s/p)
Fica claro que havia um campo de questões transversais aos diferentes grupos e um
intenso diálogo, crítico e produtivo. Falando sobre “alguns cineastas que me impressionaram”
Lygia Pape cita: “Nelson Pereira dos Santos em Vidas secas que poderia ser perfeito não
fosse o roteiro linear que lhe tira toda a totalidade. No livro, pode-se abrir em qualquer
capítulo e a história está inteira. No filme é uma concessão. Poderia dizer que teria se tornado
um filme Neoconcreto, se isso significa um elogio” (PUPPO e MADDA, 2002 s/p)
Os conceitos e procedimentos atravessam e fertilizam diferentes linguagens. A
experiência de Pape como gravurista, na extraordinária série Tecelares (1955) de
xilogravuras sobre papel japonês será utilizada na composição do cartaz do filme Mandacaru
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Vermelho (1961), de Nelson Pereira dos Santos, em que as letras surgem carcomidas
“Mandacaru Vermelho (o mais trabalhoso): gravei alfabetos em madeira e imprimi todos os
letreiros, letra por letra, em precioso papel japonês para deixar aflorar a textura da madeira,
como um cordel nordestino.” (PUPPO e MADDA, 2002 s/p). As questões da gravura irão aprecer
na proposta estética de O Guarda Chuva Vermelho, filme baseado nas gravuras de Oswaldo
Goeldi.
Referências
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