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​MIZIA DUARTE SILVA

O FASCISMO CONTEMPORÂNEO: Elementos de continuidade e/ou retorno dentro


do Estado Democrático de Direito

Salvador
2020
MIZIA DUARTE SILVA

O FASCISMO CONTEMPORÂNEO: Elementos de continuidade e/ou retorno dentro


do Estado Democrático de Direito

Monografia apresentada como requisito parcial


para obtenção do título de Bacharel em Direito
pela Universidade Católica do Salvador.
Orientador(a): Profa. Dra. Érica Rios de
Carvalho.

Salvador
2020
AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, por guiar os meus passos, construir os caminhos de luta e me oportunizar a
conquista de espaços e transformações.
A senhora Kátia, que me ensinou, em pequenos gestos, a sempre praticar a generosidade com
bom humor até os últimos dias de vida. Uma alma linda, que só transmitia bondade, o
verdadeiro significado de que o amor move. Saudades.
Agradeço aos meus pais, por todo por toda a confiança dispensada, a mim, por terem fé e
mesmo com o caos vivenciado.
Ao professor Zé do Bráz, porque não acredito em meritocracia, e se tenho o privilégio de
estar vivenciando esse momento, é porque na infância tive um direcionamento de um grande
motivador.
Aos meus amigos, em especial Alex, Alexandre, Gabriel, Guilherme, Rayssa, Urânia e
Táclida, que se tornaram elementos da minha existência e agregaram de forma inenarrável
para a construção crítica de toda a teoria absorvida ao longo do curso, além, da disposição no
apoio emocional.
A minha namorada Cliseide, por ser a base em momentos de incertezas, por estar ao meu lado
compartilhando todas as adversidades, sendo sempre receptiva e parceira, auxiliando, dando
apoio e me oferecendo o mundo de afetividade, sempre acreditando no sucesso.
Agradeço, ademais, a minha querida mestre Érica Rios de Carvalho, pela sutileza de perceber
em mim um potencial, mesmo quando eu não conseguia vislumbrar, por fomentar ainda mais
a minha paixão pelos Direitos Humanos, me ensinando que mesmo sendo céticos, não
podemos recuar a luta contra um Estado que reproduz opressão e desigualdade, e isso, é a
base de tudo.
“Fico na esperança de que, à medida que o tempo passe,
consigamos pouco a pouco readquirir a liberdade que
existia entre nós, mas uma parte de mim sabe que isso é
algo sem sentido. Não há como voltar atrás.”
(Suzanne Collins)
SILVA, Mizia Duarte. ​O FASCISMO CONTEMPORÂNEO: ​ELEMENTOS DE
CONTINUIDADE E/OU RETORNO DENTRO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE
DIREITO. Salvador, 2020, ​63f. ​Monografia de Conclusão de Curso (TCC). Universidade
Católica do Salvador (UCSAL), Salvador, 2020.

RESUMO

Esta pesquisa propõe uma análise sobre o fascismo contemporâneo e a sua continuidade e/ou
retorno dentro de um Estado Democrático através da análise de elementos característicos,
ilustrando com base nos discursos de ódio, identificando as possíveis consequências para a
perda de direitos fundamentais, fazendo analogias a partir de literatura distópica. ​O problema
tem como fundamento a onda de ações autoritárias e violentas que estão se perpetuando a
partir de líderes dentro do sistema (supostamente) democrático brasileiro. A dificuldade de
compreensão desses atos como fascistas implica em perda de direitos fundamentais outrora
efetivados ou em vias de efetivação. Como metodologia, utilizou-se revisão bibliográfica e
análise documental. Aplicou-se recorte temporal de 10 anos para a revisão de literatura. ​Os
resultados finais mostraram que o fascismo segue presente desde o seu nascimento. Contudo,
se transmuta a partir do contexto histórico, para se adequar às demandas sociais Todavia,
apesar da atual conformação dos elementos, as bases características são as mesmas, trazendo
como consequência a restrição de direitos fundamentais em prol do controle da massa.

Palavras-chave: ​Fascismo. Desigualdade Social. Estado Democrático de Direito. Direitos


Fundamentais.
SILVA, Mizia Duarte. ​CONTEMPORARY FASCISM: ​ELEMENTS OF CONTINUITY
AND/OR RETURN WITHIN THE DEMOCRATIC STATE OF LAW. Salvador, 2020, ​63f.
Course Conclusion Monograph ​(TCC). Universidade Católica do Salvador (UCSAL),
Salvador, 2020.

ABSTRACT

The research question is an analysis of contemporary fascism and its continuity and/or return
within a Democratic State through the analysis of characteristic elements, illustrating based
on hate speech, identifying the possible consequences for the loss of rights fundamental,
exemplifying from dystopias. The problem is based on the wave of authoritarian and violent
actions that are perpetuating themselves from leaders within the current democratic system,
the difficulty of understanding these acts as fascists implies the loss of fundamental rights that
were once carried out. As methodology, bibliographic research and document analysis were
conducted. A 10-year time frame was applied for the bibliographic review. The final results
showed that fascism has been present since its birth, however, it is transmuted according to
the historical context, adapting to social demands. Despite the current formation of the
elements, the characteristic bases are the same and consequently it restricts fundamental rights
in order to achieve mass control.

Keywords:​ Fascism. Social Inequality. Democratic State of Law. Fundamental Rights.


SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS 7

2. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA E CONCEITUAL 9

3. ELEMENTOS FASCISTAS 18

​3.1. OS ELEMENTOS FASCISTAS CLÁSSICOS 8


3.2. A DISTINÇÃO ENTRE O FASCISMO CLÁSSICO E O PÓS-FASCISMO
20
3.3. ELEMENTOS PÓS-FASCISTAS: DISCURSO DE VIOLÊNCIA COMO
LINGUAGEM POLÍTICA. 22
3.3.1. Análise da essência através de Hannah Arendt. 22
3.3.2. O discurso de ódio e seu contributo ao fascismo 26

4. VIVENDO NA DISTOPIA FASCISTA: DIREITOS HUMANOS PARA QUEM? 36


4.1. 1984 39
4.2. JOGOS VORAZES 43
4.3. O CONTO DA AIA 46
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS 49

RELATÓRIO ANTIPLÁGIO 51

REFERÊNCIAS 53
​ 7

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O Fascismo significa, “um movimento político e filosófico ou regime, como o
estabelecido por Benito Mussolini na Itália, em 1922, que faz prevalecer os conceitos de
nação e raça sobre os valores individuais e que é representado por um governo autocrático,
centralizado na figura de um ditador” (DICIO, 2020).
Esse modelo foi implementado após a Primeira Guerra Mundial sob o comando de
Mussolini. Na mesma época, inspirou o surgimento do nazismo, na Alemanha. Ambos são
considerados como regimes de extrema-direita, marcados por elementos ditatoriais e
militarizados, que levaram ao padecimento de milhões de indivíduos.
O Fascismo não está consolidado em sólido arcabouço teórico, o que faz com que suas
características sejam expressadas através da prática. Fato que é reiterado por Orwell (​2017​, p.
85): “não temos uma doutrina pronta; nossa doutrina é a ação.”
Mesmo após o fim do regime fascista italiano e das ditaduras que a ele se
assemelhavam, não raro, encontram-se grupos de indivíduos movidos por desejos atemporais,
saudosistas por um Estado composto por totalitarismo, militarismo, corporativismo,
autoritarismo, todos embasados em ideais “ultraconservadoras”.
Esses grupos, por um período na segunda metade do século XX, estiveram
distanciados do cenário político. Porém, com a fragilidade imposta pelas sistêmicas crises do
capital, passaram a se manifestar e obtiveram representação por líderes que, embora não se
declarem abertamente fascistas, almejam o poder irrestrito e trazem, em suas ações, os
elementos que nortearam tal sistema, inclusive com bandeiras de supressão de direitos
fundamentais.
Por não ser possível identificar com clareza em um único indivíduo todas as
características fascistas já praticadas na história, questiona-se a natureza de ações autoritárias
atuais e se elas se enquadram como fascistas.
Para isso, é ​preciso analisar como elementos com substancial fascista retornam e/ou
persistem em sistemas que consagraram o Estado Democrático de Direito - ainda que
teoricamente. Esse trabalho, portanto, tem como objetivos específicos: (i) contextualizar
histórica e conceitualmente o fascismo; (ii) compreender se o discurso de ódio proferido por
líderes mundiais configura elemento fascista mesmo dentro de Estados Democráticos de
Direito; e (iii) exemplificar por analogia as características desses elementos em discursos de
líderes mundiais atuais através de literatura distópica.
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No momento em que direitos sejam cerceados para o benefício de ditadores, que


buscam o controle e o poder, justificando o corte através do nacionalismo exacerbado e de
construções de superioridade de certos grupos sobre outros, a consequência para a dignidade
humana é devastadora. Esses elementos de controle se perpetuam de forma por vezes sutil, se
instaurando com a anuência social da maioria e se fortificando através da continuidade e
reprodução de discursos violentos, resultando em paulatinas perdas de direitos humanos
historicamente conquistados.
Discursos marcados por nacionalismo, xenofobia e autoritarismo se encontram cada
vez mais presentes em todo o mundo. Nesse sentido, pode-se vislumbrar a importância da
análise, pois o atual cenário social, político e econômico, é de instabilidade. A eventual
utilização desses elementos fascistas para o controle populacional pode acarretar
consequências em relação às garantias conquistadas. Sendo assim, é preciso compreender
como esses fatos são articulados em um (suposto) Estado Democrático de Direito e os seus
impactos na sociedade.
Trata-se de uma monografia cuja metodologia parte de revisão bibliográfica,
desenvolvida por meio do método teórico dogmático, aliado à análise documental (normas
atinentes, relatórios de organizações internacionais, dados oficiais etc).
Os referidos procedimentos foram realizados a partir das palavras-chave nas bases de
dados eletrônicas SciELO, Google Acadêmico, fontes jornalísticas nacionais e internacionais
(principalmente CNN Espanhol, BBC, OGlobo, G1 etc) e base de dados da Organização das
Nações Unidas (ONU) e Human Rights Watch ( Relatório Mundial 2020).
Na estratégia de busca foram utilizados descritores em inglês, português e espanhol,
através da seguinte estratégia de busca: "Fascismo Contemporâneo" AND "Discurso de Ódio"
AND "Consequência do fascismo"; e seus correlatos na língua inglesa e espanhola.
A partir da combinação dos descritores utilizados, foram encontradas 2.016
publicações disponíveis na íntegra. Aplicou-se o recorte temporal de 10 anos, com estudos
publicados no período de 2009 a 2019, no idioma português. Realizou-se exclusão dos artigos
duplicados e produções científicas cujo tema não tinha relação com a proposta, assim como as
teses, dissertações, carta ao leitor e artigos de revisão de literatura. Restando 70 artigos como
amostra final.
Para cumprir os objetivos específicos, primeiramente serão contextualizados o
conceito e a história do fascismo. Em um segundo momento, serão identificados os elementos
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caracterizadores do fascismo e como eles se modelam em um sistema democrático atual,


ilustrando através de discursos proferido por líderes nacionais. Depois, se verificará se esses
elementos, caso presentes, trazem como consequência a perda de direitos fundamentais.
Finalmente, será utilizada analogia entre todo o abordado e obras literárias distópicas, como
“1984”, de George ​Orwell​; “Jogos Vorazes”, de Suzanne Collins; e “O Conto da Aia”, de
Margaret Atwood
O conceito etimológico do fascismo vem do termo ​fascio,​ de origem italiana, que
significa aliança ou federação. Definir o fascismo é um ato complexo devido ao fato de ter
elementos que se apresentam em sistemas políticos que variam entre um país e outro,
dependendo de como se forme a conjectura. Segundo o Dictionnaire Historique des Fascismes
et du Nazisme: “não existe nenhuma definição universalmente acerca do fenômeno fascista,
nenhum consenso, por menor que seja, quando à sua abrangência, às suas origens ideológicas
ou às modalidades de ação que o caracterizam.” (PAYNE, ​1995, n.p​)
Orwell (2017, ​p. 85​) afirma que “mesmo os grandes Estados fascistas diferem em boa
medida um do outro em estrutura e em ideologia”. A partir da aparente dificuldade em fazer
uma definição ao fascismo, destaca-se: “O fascismo é uma corrente política complexa que
parasita outras ideologias, possui muitas tensões internas e contradições e possui um aspecto
camaleônico que se apropria de símbolos históricos, ícones, slogan, tradições, mitos e heróis
da sociedade que deseja mobilizar.”( ​L​YONS ​et al, 2016,​ on-line)​.

Segundo Silva T.(2000), o fascismo, no sentido fenomenológico, pode ser entendido


como movimento ou regime político-ideológico de estrutura autoritária que emprega práticas
políticas repressivas, norteado por ideologia antiliberal, antidemocrática e anti-socialista.
Caracteriza-se também pela evocação e defesa das origens e identidades nacionais ou raciais,
no intuito de legitimar o movimento em si, assim exaltando o nacionalismo ao extremo. Busca
construir uma unidade e uniformidade de pessoas e pensamentos em torno da nação e do
Estado. Para alcançar tal pretensão torna-se necessário eliminar qualquer obstáculo. Por isso,
devotam desprezo pelo liberalismo, pelo socialismo e perseguiam as minorias, associadas
com a alteridade, tais como judeus, homossexuais, ciganos, prostitutas, comunistas ou
deficientes físicos.
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A facilidade de adaptação que o fascismo possui em diferentes contextos políticos e


sociais e sua capacidade de se apropriar de elemento de outras ideologias tornam o conceito
amplo e complexo.
Enquanto movimento político e social, possui uma retórica populista que se inicia com
a ideia de atacar pautas como a corrupção, a suposta falência de valores morais, a perda do
patriotismo, entre outros. Assim, o fascismo sempre se aproveita de momentos de crise
econômica, social e política de um país e adota discursos genéricos em torno de pautas ​a
priori g​ regárias.
Essa retórica promete soluções fáceis e de rápido resultado para questões complexas.
No entanto, quando alcança o poder, o fascismo assume uma postura autoritária, violenta e
hierárquica, com foco em beneficiar a elite, buscando o controle da massa para a manutenção
do poder. Até porque as promessas feitas para adquiri-lo não são factíveis, obviamente.
O populismo trata-se de uma retórica que consiste em exaltar as virtudes “naturais” do
povo em oposição às da elite e da própria sociedade em relação ao político com objetivo de
mobilizar as massas contra “o sistema”. Podemos ver esta retórica em uma grande variedade
de líderes políticos e movimentos. De acordo com Ranciére:
Populismo é o nome conveniente para dissimular a contradição exagerada entre
legitimidade do povo e legitimidade do especialista, ou seja, a dificuldade do
governo em se adaptar às manifestações da democracia e mesmo para a forma mista
do sistema representativo. Este nome, de imediato, máscara e revela o desejo intenso
do oligarca: governar sem povo, em outras palavras, sem dividir o governo com o
povo; governar sem política (Ranciére, 2006, p.80).

O populismo fascista defende mudanças radicais quando se refere ao sistema político,


falando o tempo todo contra uma corrupção vaga, que atribui a seus oponentes. Mas, no que
se refere às elites, suas ações implicam na manutenção dos seus privilégios - por isso, recebe
apoio dessa classe.
Segundo Melo A. (2017) o processo histórico, dentro do contexto do período entre a
Primeira e a Segunda Guerras Mundiais, o termo fascismo pode ser usado para se referir ao:
(i) Fascismo Clássico, movimento que surgiu na Itália, liderado por Mussolini; (ii) Fascismo
Alemão, com viés mais extremo, em especial no que tange à superioridade de raça e ao
nacionalismo, sendo este o nazismo, liderado por Hitler; e (iii) outros regimes que surgiram
no período, inspirados na ideologia do fascismo alemão ou italiano, como, por exemplo, o
salazarismo, em Portugal, o franquismo, na Espanha, e outros regimes que surgiram na
Croácia, Lituânia etc.
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Liberalismo, democracia e socialismo, para o fascismo, são ideologias/práticas


desagregadoras, que inviabilizam a coesão nacional e enfraquecem o Estado com lutas
partidárias. No caso do liberalismo, enquanto sistema político e econômico, os fascistas
acusavam as formas de organização e representação liberal de serem ineficientes e
fragmentadas, atrapalhando o desenvolvimento necessário à nação. Do mesmo modo, a
democracia é vista como ineficiente e desestruturada em torno dos interesses particulares. Por
sua vez, o socialismo era atacado por gerar uma luta de classes, desarticulando os interesses
unificadores da nação.
No fascismo, a organização do Estado deve ocorrer de forma harmoniosa, sem a
existência de lutas ou contradições. Ou seja, o Estado deve ser orgânico, bem sistematizado,
sem disputas de poder, no qual cada instância do sistema deve responder ao líder nacional,
representando a maximização do Poder Executivo em detrimento do Legislativo e do
Judiciário. Dessa forma, o poder e os objetivos políticos maiores do Estado fascista residem
“na vontade líder e num vago conceito de bem-estar da comunidade popular”. Assim, o
Estado orgânico “apresenta-se como fator de coesão nacional, capaz de reerguer a Nação e
restaurar a identidade nacional dilacerada pelas lutas ensejadas pelo regime liberal” (SILVA
T., 2000, p. 133).
Dessa forma, o Estado fascista atua como força aglutinadora, cumprindo a função de
harmonizar os diferentes setores da vida coletiva estabelecendo uma unidade racial, nacional e
religiosa em prol do suposto bem-estar das massas.
Seguindo essa lógica, a Itália de Mussolini, por exemplo, atribuindo a seu líder tantos
poderes, aniquilou grande parte das vias de oposição política. Entre os anos de 1927 e 1934,
milhares de civis foram mortos, presos ou deportados.
Fascismo era uma filosofia política bastante popular que tornava sagrada a nação ou
a raça à qual o filósofo calhava de pertencer. Ela exigia um governo autocrático e
centralizado, comandado por um ditador. O ditador tinha que de ser obedecido,
independentemente do que mandasse alguém fazer. (VONNEGUT JR, 2019, p.
134)

Baseado em ECO o apelo aos jovens e à família instigou grande apoio popular ao
regime do ​Duce (​título dado ao Mussolini) “Eu estava ali esperando seu discurso, posto que
toda a minha infância havia sido marcada pelos grandes discursos históricos de Mussolini,
cujos trechos mais significativos aprendíamos de cor na escola. Silêncio. Mimo falou com voz
rouca, quase não se ouvia: “Cidadãos, amigos. Depois de tantos sacrifícios dolorosos... aqui
estamos. Glória aos que caíram pela liberdade.” Foi tudo. E ele entrou de novo. A multidão
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gritava, os partigiani empunharam as armas e atiraram para o alto festivamente. Nós,


meninos, corremos para pegar os cartuchos, preciosos objetos de coleção, mas além disso eu
tinha aprendido que liberdade de palavra significa libertar-se da retórica.” ( ECO 2018, p.
10-11).
Também foi fundamental o apoio da Igreja Católica. Em 1929, os acordos firmados
no Tratado de Latrão aproximaram a população católica italiana ao regime totalitário. Grande
parte de seu sucesso é conquistado pelo apoio que recebeu da população que já se encontrava
devastada após 1° guerra, e das instituições “Começou como ateu militante, para em seguida
assinar a concordata com a Igreja e confraternizar com os bispos que benziam os galhardetes
fascistas.”(ECO, 2018, p. 24).
Contudo, ao mesmo tempo em que ocorriam ações autoritárias, o crescimento
demográfico e o incentivo às obras públicas começaram a reverter os sinais da profunda crise
que tomava conta da Itália. O setor agrícola e industrial passou a ganhar considerável
incremento, interrompendo o processo inflacionário da economia. Como esclarece o
historiador Donald Sassoon:
“De Stefani reduziu impostos, aboliu isenções fiscais que beneficiavam
contribuintes de baixa renda, facilitou as transações com ações e a evasão fiscal
reintroduzindo o anonimato (abolido por Giolitti), eliminou a regulamentação dos
aluguéis, privatizou os seguros de vida (introduzidos por Giolitti) e transferiu a
gestão do sistema de telefonia para o setor privado.” (SASSOON, 2009, p. 120)

De acordo com MELO D.(2019, p. 7) Com a ​crise de 1929​, a prosperidade econômica


vivida nos primeiros anos do regime sofreu uma séria ameaça. Tentando contornar a recessão,
o governo de Mussolini passou a entrar na corrida imperialista - por exemplo, em 1935, os
exércitos italianos ocuparam a Etiópia. “os regimes fascistas acabaram se notabilizando por
uma política econômica bastante distinta da ortodoxia liberal, incorporando noções como a de
planejamento econômico, ideias associadas às elaborações keynesianas como, de resto, foi
uma tendência geral dos países capitalistas após a eclosão da crise de 1929. Na própria Itália,
após alguns anos de livre-cambismo, após 1925 tal tendência seria abandonada. ”
Nesse cenário, foram surgindo regimes que compartilhavam diversas características do
fascismo, como foi o caso de um dos mais conhecidos, o nazismo na Alemanha, que teve
como principal líder Adolf Hitler.
Ao sair derrotada da Primeira Guerra, a Alemanha enfrentou uma profunda crise
econômica, sobretudo ​em função do​s tratados que celebraram a paz, como o de Versalhes. Os
documentos declaravam a Alemanha como derrotada na guerra e impunham sanções ao país,
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como perda de territórios e proibição de qualquer produção de armas pesadas, além de obrigar
a Alemanha a pagar uma indenização aos países vitoriosos. Esse cenário pós-Primeira Guerra
criou nos alemães um sentimento de revanchismo em relação a outros países e de busca por
culpados, o que fortaleceu o extremismo ​nacionalista​. Fato que é confirmado por Melo D.
(2019, p. 6) “[...] mesmo fora do ambiente desses dois países, na década de 1930 importantes
representantes do liberalismo político teceram elogios ao regime do Terceiro Reich, como foi
o caso mais escandaloso de David Lloyd George, um quadro do Partido Liberal britânico que
não só se opôs à qualquer medida hostil da Inglaterra em relação à Hitler, como teceu elogios
ao regime nazista.”
Até mesmo Ludwig Von Mises, que mais tarde se tornaria um dos principais ideólogos
do chamado neoliberalismo reconheceu o caráter “civilizatório” do fascismo em uma
importante seção do seu livro Liberalismo segundo à tradição clássica, de ​1927​, quando
escreveu as seguintes palavras:
“Não se pode negar que o fascismo e movimentos semelhantes, visando ao
estabelecimento de ditaduras, estejam cheios das melhores intenções e que sua
intervenção, até o momento, salvou a civilização européia. O mérito que, por isso, o
fascismo obteve para si estará inscrito na história. Porém, embora sua política tenha
propiciado salvação momentânea, não é do tipo que possa prometer sucesso
continuado. O fascismo constitui um expediente de emergência. Encará-lo como
algo mais seria um erro fatal.” ( VON MISES, 1987, p. 53).

Ademais, a crise de 1929 deixa a economia alemã em situação crítica. Nesse


momento, o discurso nazista conquista seguidores, prometendo retomar o crescimento do país
através de um Estado forte. Nas eleições de 1932, através do Partido Nacional Socialista dos
Trabalhadores Alemães, os ​nazistas​ conquistaram 37% dos votos, passando a ocupar 230
cadeiras no Parlamento. Tudo, portanto, dentro do Estado Democrático de Direito da
República de Weimar (EL PAÍS, 2018).
As ​características principais do nazismo​, além das que marcam o fascismo, são
o antissemitismo, a visão ​racista​ e eugenista da superioridade do homem branco germânico, a
chamada “raça ariana”1, e o expansionismo. Propagava-se a crença de que o mundo deveria
ser dominado pela raça ariana, já que se via como superior a todos os demais seres humanos.
Embora o fascismo na Itália e na Alemanha sejam as experiências mais conhecidas,
não se restringiram a elas. Em Portugal, por exemplo, o regime fascista foi comandado

1
Essa visão resultou na morte de mais de 6 milhões de pessoas em campos de concentração, a grande maioria
formada por judeus.
​ 14

por Antônio de Oliveira Salazar entre 1932 e 1968. Já na Espanha, apareceu durante o
governo de Francisco Franco, de 1939 a 1976.
De acordo com Argenot (2018, p. 251) A influência dos regimes fascistas chegou
também ao Brasil. Logo após a Revolução de 1930, surgiu o integralismo. Influenciado pelo
fascismo italiano, combatia os defensores de pensamentos de esquerda. Sua principal
liderança foi Plínio Salgado. O integralismo perdeu legitimidade e amparo legal no Brasil de
Getúlio Vargas após o país ter ingressado na 2ª Guerra Mundial com os Aliados. Afinal, ficou
insustentável lutar nos frontes contra o nazi-fascismo e, internamente, permitir a perpetuação
ostensiva de seus ideais e práticas.
Ainda que tenha entrado em crise após a Segunda Guerra Mundial, com a derrota de
Hitler e Mussolini, o fascismo continua a ganhar força em contextos de crise (seja ela
econômica, política ou social). Alguns aspectos da ideologia fascista parecem ressurgir até
hoje em grupos e ​partidos políticos​, como os na Europa que defendem plataformas políticas
xenófoba​s​.
Portanto, a discussão vigente na atualidade é se seria possível considerar que o mundo
vive uma nova onda fascista, uma mutação histórica, ou se seria inadequado fazer tal
comparação. É necessário, sobretudo, compreender o fascismo como uma tradição política, e
não como um evento extraordinário, uma anomalia fixada em um período de dor e que trouxe
devastação dos direitos fundamentais. Por isso, adota-se aqui o conceito genérico, uma vez
que, a depender do contexto histórico e contingencial, permite mudanças para se enquadrar.
Alguns autores2 defendem que o fascismo clássico, da primeira metade do século XX,
não faz mais parte da atualidade em sua integralidade, devido ao processo de avanço
histórico, social e político TRAVERSO (2019, p.15) Contudo, houve o surgimento de dois
termos, “neofascismo” e “pós-fascismo”, um experienciado pouco após o fim do fascismo
clássico e o outro vivenciado no momento atual.
Com base na afirmação de Argenot (2018), é difícil encontrar a data específica em que
se inicia a difusão do “neofascismo”. Após o período de guerra, o fascismo se perpetua em
um grande número de fiéis, fazendo com que sobreviva de forma clandestina.

2
Autores como os historiadores Angelo Argenot, Enzo Travessos e o sociólogo italiano Domenico de Masi, não
acreditam que o fascismo clássico se apresente na atualidade em sua essência, uma vez que não possuem todas as
características vivenciadas no período inicial. Disponível em:
<​https://www.bbc.com/portuguese/internacional-45750065​> Acesso dia 24 de Jun. 2020.
​ 15

Até é o fim dos anos de 1970, o fascismo podia parecer, para as mentes sóbrias,
desaparecido ou reduzido ao estado “ultra-grupuscular” e este, por toda a
Europa. Dois regimes, na Espanha e em Portugal, eram provenientes da era
fascista, mas eles atingiram o estágio de decadência estagnante e de senilidade
antes de seu desaparecimento anunciado. (ARGENOT, 2018, ​p. 257).

Contudo, baseado no entendimento de Argenot (2018, p. 257) , é possível identificar


que o neofascismo ocorreu também nos anos 1980, apresentando-se na França e em outros
pontos da Europa, após um período de relativa clandestinidade. Houve reaparições de ditos
“nostálgicos” pela representação do fascismo antigo, mas também a criação de movimentos
de direita radical, com novos desafios a exemplo da imigração que tomará a linha de frente de
interesse.
O termo “neofascismo” se direciona aos movimentos políticos posteriores à Segunda
Guerra Mundial, que se inspiram no fascismo italiano ou que reivindicam, no todo ou em
parte, a sua ideologia. Eles possuem como características o ultranacionalismo, o
anticomunismo, a xenofobia, a hostilidade ao sistema parlamentar e à democracia liberal.
Nenhum reivindica de maneira expressa o nome de um regime que, afinal, foi derrotado em
1945.
Apesar de alguns esforços para inscrever seu alcance e tornar eventualmente a
categoria útil ao cientista político, “neofascismo” é efetivamente um tipo de
invectiva sintético que faz convergir em um todo detestável nacionalismo,
xenofobia, racismo, anti-semitismo, e os recentemente adicionados “sexismo” e
“homofobia”. Supõe-se precisamente que se opere automaticamente em certas
mentes uma convergência e somatórias fatais de diversos ódios do “Outro”.
(ARGENOT, 2018,​ p. 258​).

Alguns estudiosos, como o historiador Enzo Traverso (2019), defendem que o


conceito de fascismo não é adequado para a compreender a emergência atual das direitas
radicais no mundo. Em seu lugar, o autor propõe o termo “pós-fascismo”, como de maior
capacidade e abrangência. Com esse termo, ele pretende dar conta de um “fenômeno
transitório, em mutação, que ainda não está cristalizado”. (TRAVERSO, 2017, p. 12) ​Apesar
de ter alguns traços em comum com o fascismo clássico, este novo movimento não

3
​ 16

representa, no plano ideológico e político, uma mera continuidade. Neste contexto,


valorizam-se as especificidades históricas do novo fenômeno, tornando algumas
características particulares (MELO D., 2019​, ​p. 2)​.
No entanto, Traverso (2019) considera conveniente realizar um comparativo entre o
fascismo histórico e a constelação de extrema-direita que tem emergido em todo o mundo.
Deste modo, embora se afirme que alguns dos fenômenos mais perturbadores do século XXI
não possam ser caracterizados como, em circunstância própria, fascistas, compará-los às
características do fascismo histórico pode ser produtivo.
De acordo com Melo D. (2019, ​p.1)​, diferente do neofascismo, representado por
movimentos e partidos políticos que “reivindicam de maneira aberta uma continuidade
ideológica com relação ao fascismo histórico”, as novas correntes pós-fascistas “não
reivindicam mais esta filiação, distinguindo-se dos neofascismos”.
Uma das grandes motivações para o sucesso da “nova direita radical” é a
representação de si mesmo em algo novo. Dentre essas novas representações, ou não há
origem diretamente remetida ao fascismo clássico (a exemplo de Trump ou Salvani), ou
romperam de forma significativa com o seu próprio passado (a exemplo de Marine Le Pen4
que se tornou líder do partido Frente Nacional, e após perder as eleições presidenciais em
2017 para Emmanuel Macron mudou o nome do partido e baniu o próprio pai, antigo líder,
para descaracterizar a imagem autoritária que possuía e extremista que o partido possuía).
A nova direita, entretanto, possui as clássicas características nacionalistas, racistas e
xenofóbicas que se conectam ao fascismo original. ​Na maioria dos países da Europa
Ocidental, pelo menos naqueles em que a direita radical está no poder ou se tornou mais forte,
é mantida uma postura democrática e republicana - ainda que aparentemente. Porém houve a
mudança da linguagem, ideologia e estilo. Se desfazendo de alguns hábitos fascistas, mas não
chegando a ser uma coisa flagrantemente diferente. Até porque, os regimes nazi-fascistas

4
Para complemento de informação: EL PAÍS. Marine le Pen, a filha preferida que maquia o extremismo.
Disponivel em: ​https://brasil.elpais.com/brasil/2017/05/06/internacional/1494093753_455819.html Acesso em
25 jun. 2020
G1. Quem são os lideres por trás da direita radical. Disponivel em:
https://g1.globo.com/mundo/noticia/2019/05/03/quem-sao-os-lideres-por-tras-do-avanco-da-direita-radical-na-eu
ropa.ghtml​ Acesso em 25 jun.2020
​ 17

ascenderam ao poder sem romper com o Estado de Direito - pelo contrário, fazendo uso de
suas regras.
Por um lado, a nova extrema direita não é mais fascista; por outro, não podemos
defini-la sem compará-la ao fascismo. A nova direita é uma coisa híbrida que pode
retornar ao fascismo, ou pode se transformar em uma nova forma de democracia
populista conservadora, autoritária. O conceito de pós-fascismo tenta capturar isso.
(TRAVERSO​, 2019, on-line​).

Ele também se encontra ainda mais presente na Alemanha representado pelo partido
AfD (Alternativa para a Alemanha) que conseguiu, em setembro de 2017, conquistar 94
assentos no Bundestag e se consagrar como terceiro partido mais votado do país. e na eleição
na Áustria5 em 2017, através do partido FPÖ (Partido da Liberdade da Áustria) liderado por
Heinz-Christian Strache, que é o novo vice-chanceler do país. Mesmo em regiões que viveram
experiências traumáticas no passado, devido à ocupação nazista, a exemplo da Grécia6
representado pelo partido Aurora Dourada de ​Nikolaos Michaloliakos​, houve um
considerável aumento da votação em partidos que trazem em seus discursos elementos
fascistas.
Vale ainda ressaltar a aparição de grupos que expressamente se declararam
neonazistas e fascistas na Ucrânia. Pode-se identificar esses elementos também a partir de
atentados terroristas como o cometido pelo norueguês Anders Breivik, que matou 77 pessoas
em Julho de 2011, em um ataque ao acampamento da juventude do Partido Trabalhista, após
o mesmo ter divulgado um manifesto onde definia como ameaças ao Ocidente o “marxismo
cultural” e o “feminismo Islã? (MELO, 2016).
Griffin (2014), com sua definição de “ultra-nacionalismo palingenético”, vê ele se
perpetuar nos nossos dias, vez que é uma ideologia pluridimensional e flutuante que não pode
desaparecer, pois muda muito e é suscetível a metamorfoses inesperadas. O fascismo como
movimento de massa e o regime totalitário e militarista pertencem, em contrapartida, a uma
época passada, o que não significa, de acordo com o autor, que o Estado de Direito e a
democracia, naturalizados e estabilizados no Ocidente, sejam um fato imutável e que
nenhuma crise profunda poderia colocá-los abaixo.

5
Para complemento de informação: BBC NEWS. ​Por que a Áustria se tornou inspiração para extrema-direita na
Europa. ​Disponivel em: ​https://www.bbc.com/portuguese/internacional-42492587​ Acesso em 25 jun. 2020
6
EXAME. Conservadores derrotam a esquerda na Grécia e Mitsotakis assume cargo. Disponivel em:
https://exame.com/mundo/kyriakos-mitsotakis-toma-posse-como-primeiro-ministro-da-grecia/ Acesso em 25
jun.2020
​ 18

Já Santos (​2002) ​acredita que encontra-se no período do fascismo social, um regime de


relações de poder que concede à parte mais forte a prerrogativa de decidir sobre a vida e a
morte, sobre o modo de existência dos mais fracos (minorias políticas). O fascismo social não
é um regime político, mas um sistema social e civilizacional que não sacrifica a democracia às
exigências do capitalismo, mas a trivializa a ponto de torná-la desnecessária. É um tipo de
ordem pluralista, produzida pela sociedade e não pelo Estado, sendo que este é apenas
testemunha complacente, em um momento em que os Estados democráticos coexistem com
sociedades fascizantes.
As crises econômicas que ocorrem no capitalismo, fragilizam as instituições do Estado
e a garantia de direitos, fazendo emergir discursos e práticas utilitaristas, privilegiando a
rentabilidade, a mercantilização dos bens e relações sociais que favorecem a lógica subjacente
ao fascismo social, excluindo os mais vulneráveis. O fascismo social está presente no espaço
público e privado, opondo-se à reivindicação de direitos e da reposição do contrato social
universal que possibilite cidadania, autonomia e participação (SANTOS, 2002).
Portanto, o fascismo social se caracteriza por processos de subordinação e exclusão a
partir da diferenciação social entre grupos, resultante da desproteção político-jurídica causada
pela postura do Estado em relação aos grupos minoritários e pela atuação predatória de
agentes não estatais. Apresenta quatro formas, que incluem: (i) o fascismo do ​apartheid
social, que significa a segregação dos excluídos mediante a divisão das cidades em zonas
selvagens e civilizadas; (ii) o fascismo para-estatal, que se refere à usurpação das
prerrogativas estatais; (iii) o fascismo da insegurança, que consiste na manipulação
discricionária do sentimento de insegurança das pessoas e dos grupos sociais
vulnerabilizados; e (iv) o fascismo financeiro, que controla os mercados financeiros e a
economia (SANTOS, 2006, 2007).
O paradoxo é que podem existir Estados democráticos perpassados por lógicas de
fascismo social. Está presente nos espaços segregados dos condomínios fechados, na
precariedade das relações e contratos de trabalho, na apropriação dos bens públicos por
grupos privados, no sentimento fabricado e/ou potencializado pela mídia de insegurança
pessoal e coletiva, na dominação baseada nas transações financeiras, na precarização do

7
​ 19

trabalho em favor do capital e de privilégios classistas, na violência da polícia nas ruas, ou na


relação entre marido e mulher. (SANTOS, 2002). Por isso, o autor considera que pode-se
dizer que vivemos em “sociedades politicamente democráticas y socialmente fascistas”
(SANTOS, 2016, p.5).
Já o autor Umberto Eco, diverge dos posicionamentos anteriores, uma vez que acredita
que o fascismo se apresenta de forma diferenciada em diversos regimes alterando
características, contudo, não perdendo a essência. “Tirem do fascismo o imperialismo e
teremos Franco ou Salazar; tirem o colonialismo e teremos o fascismo balcânico.
Acrescentem ao fascismo italiano um anticapitalismo radical (que nunca fascinou Mussolini)
e teremos Ezra Pound. Acrescente o culto da mitologia celta e o misticismo do Graal
(completamente estranho ao fascismo oficial) e teremos um dos mais respeitados gurus
fascistas, Julius Evola.” (ECO, 2018, p. 35)
Sendo assim o autor denomina o movimento como fascismo eterno, uma vez que as
características não podem ser reunidas todas em um só regime, mas é preciso apenas a
demonstração de uma para concretizar as consequências. “A despeito dessa confusão,
considero possível indicar uma lista de características típicas daquilo que eu gostaria de
chamar de “UrFascismo”, ou “fascismo eterno”. Tais características não podem ser reunidas
em um sistema; muitas se contradizem entre si e são típicas de outras formas de despotismo
ou fanatismo. Mas é suficiente que uma delas se apresente para fazer com que se forme uma
nebulosa fascista.” (ECO, 2018, p. 35)
Diante do exposto, esta pesquisa se alinha à busca pelo entendimento da continuidade
ou retomada do fascismo no Estado Democrático de Direito atual. Há elementos hodiernos
que remetem ao fascismo vivenciado no período da Segunda Guerra Mundial, porém houve
mudanças nos seus interesses e objetivos, gerando perguntas sobre ser ou não correto vincular
esses novos elementos regados de autoritarismo conservador como fascistas ou dar-lhes novo
nome. Com isso, entende-se que o fascismo, como um movimento, se transmuta dentro do
contexto histórico, se adequando ao momento atual, englobando novos anseios; porém, não
extinguindo sua essência a fim de se instalar em um Estado (supostamente) Democrático de
Direito e beneficiar os seus líderes. Sendo assim, amparado pela análise de Umberto Eco,
apesar da diversidade de terminologias será utilizado apenas o termo fascismo para englobar
os elementos atuais.
​ 20

3. ELEMENTOS FASCISTAS
3.1. OS ELEMENTOS FASCISTAS CLÁSSICOS
O Fascismo clássico possui características fundamentais que se enraizaram e serviram
de base para os novos elementos surgidos ao longo do tempo. Suas particularidades podem
ser identificadas como norteadores para o pós-fascismo, porém, através de abordagens e
discursos sutis - haja vista inclusive a criminalização de apologias ao fascismo e ao nazismo
nos ordenamentos jurídicos de vários países, como é o caso do Brasil8 e da Ucrânia9. (CARTA
CAPITAL, 2020)
A valorização ao nacionalismo estabeleceu um governo totalitário que exerce o
controle absoluto dos direitos dos cidadãos, seja no contexto político, cultural ou econômico.
Além disso, o governo incita o corporativismo entre todos os setores da sociedade com o
objetivo de criar um “Estado Orgânico”.
O maior exemplo de corporativismo fascista ocorreu na Itália, durante o governo de
Mussolini. Na época, foram criados sindicatos de trabalhadores e de patrões para cada
profissão. Esses sindicatos eram submetidos à supervisão do Partido Nacional Fascista, o que
garantia que todas as classes, de todas as áreas, estivessem sempre em harmonia com os ideais
do governo
A ênfase no militarismo inicialmente aderido por Mussolini e apos 1930 em outros
países como a Alemanha,é um elemento no qual acredita-se na utilização da força e da
violência para atingir seus objetivos. Por esse motivo, o governo dedicava quantidades
desproporcionais de recursos ao financiamento de armas e guerras, chegando a negligenciar

8
No Brasil por meio da Lei n° 7.716/1989 foi decretada a pena para as condutas de racismo e preconceito,
encontrando-se disposto no art. 20, § 1​º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas,
ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do
nazismo. com Pena de reclusão de um a três anos e multa. ​A apologia à ditadura militar também é crime no
Brasil, tipificado na Lei de Segurança Nacional (Lei 7.171/83), na Lei dos Crimes de Responsabilidade (Lei
1.079/50) e no Código Penal, no seu artigo 287.
9
Após ser utilizado uma bandeira em uma manifestação Pró Bolsonaro no final de março, a Revista Veja
escreveu um artigo vinculando o símbolo da bandeira a uma referência neonazista, após repercussão o
Embaixador da Ucrânia no Brasil se manifestou por meio de uma carta aberta repudiando tal notícia, O
embaixador afirmou que “​Como representantes da Ucrânia no Brasil, jamais admitiremos que alguém tente
denegrir a imagem do nosso povo!”.(salienta-se que a palavra denegrir possui significado racista o termo pode
ser alterado para degradar). Disponivel em:
https://embassynews.info/embaixador-da-ucrania-repudia-artigo-da-revista-veja/ Acesso em 25 de Jun. 2020. Em
resposta ​Gabriel Ávila pontua que o símbolo é também usado por diversas unidades militares ucraniana, assim,
esses grupos paramilitares foram crescendo e o símbolo, segundo ele, começou a ser largamente usado em outros
países por grupos que pregam a supremacia racial branca. Disponivel em:
https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/06/01/interna_politica,860052/entenda-por-que-
bandeira-em-protesto-pro-bolsonaro-e-associada-a-neona.shtml​. Acesso em 25 de Jun. 2020
​ 21

outras áreas como saúde ou educação. Neste tipo de governo, soldados e militares são
vangloriados pelas massas. A polícia é militarizada e possui ampla autonomia para lidar com
problemas internos e domésticos que não necessitam de participação militar (ECO, 2018, p.
24)
A obsessão com a segurança nacional ​alimenta o discurso da necessidade constante de
preparar a nação para um conflito armado. Com esse objetivo, são propagados discursos de
terror para causar um sentimento de insegurança e paranóia na população, que busca se unir
para lutar pela mesma causa. Assim, o fascismo utiliza o medo como instrumento de
motivação, alinhavando com o militarismo e com​ o desprezo pelos direitos humanos.
Em uma sociedade militarizada e em constante confronto ou (ameaça de), os ideais do
governo são constantemente impostos de forma violenta, convencendo os cidadãos de que a
garantia desses direitos não é prioridade. Assim, no fascismo não existe valorização da
liberdade, da igualdade, da fraternidade10 ou sequer da vida. Esse desprezo pelos direitos
humanos é transmitido para a população, que passa a reproduzir o discurso e ser conivente
com práticas como execuções, torturas e prisões arbitrárias.
O controle da mídia e censura, a fim de manter a integridade do sistema, os regimes
fascistas tendem a controlar os meios de comunicação. Por vezes, o controle é exercido pelo
governo e, em outras, a mídia sofre regulação indireta. De qualquer forma, a censura a ideias
contrárias ao regime é comum.
O último elemento fascista clássico é o uso da religião como forma de manipulação.
Tanto na Alemanha quanto na Itália, o fascismo, nos primeiros anos, disputava a devoção das
pessoas com a igreja. No entanto, os dois governos resolveram utilizar a religião a seu favor
para manter os ideais da população alinhados e reunir mais seguidores. Dessa forma, os
fascistas passaram a traçar paralelos forçados entre preceitos religiosos e ideologias políticas
para manipular as pessoas.

3.2. A DISTINÇÃO ENTRE O FASCISMO CLÁSSICO E O PÓS-FASCISMO.

A partir do processo histórico, econômico político e social, os elementos que


caracterizaram o fascismo clássico, apesar de manter a mesma linha de racionalidade, se
modificaram para se enquadrarem no Estado Democrático de Direito atual. De forma fluida,

10
Eixos das três principais dimensões de direitos humanos. (BOBBIO, 2012)
​ 22

porém com a mesma finalidade o pós- fascismo trás diferenças relevantes que são
fundamentais para compreensão.
O fascismo atual não é nacionalista como o fascismo - embora proclame ser, na
camada discursiva. Pode-se utilizar como exemplo o presidente brasileiro Jair Bolsonaro, que
fala o tempo todo em patriotismo e cujo mote de campanha incluía a frase “Brasil acima de
tudo”, porém se submete às ordens e ideário de Donald Trump, seu suposto aliado. 11
De acordo com SANTOS (2006, p.80) Em um meio de crescente internacionalização
das conexões entre os países. O desenvolvimento das técnicas de produção e da política
sempre fizeram parte do caminhar evolutivo nas nações. Fato novo se fez presente quando o
ritmo desse desenvolvimento passou a ser conectado, e as formas de desenvolvimento de
ponta afetam de forma mais ou menos perversa cada um dos países – sejam eles tidos como
desenvolvidos ou em desenvolvimento.
No mundo globalizado de interdependências econômicas atuais, não é possível a
nenhum líder isolar seu país do mundo. Sendo assim, as alianças são fundamentais para os
fascistas, mesmo com os discursos aparentemente patrióticos/nacionalistas. Contudo, eles
separam de forma minuciosa as nações “amigas” das “inimigas”, sempre exaltando a
supremacia ocidental e branca12. Santos considera que essa ação como globalização reversa.
SANTOS (2006, p. 80)“ Essa forma de desenvolvimento pautada no foco na tecnologia,
juntamente ao esquecimento dos limites mais básicos da humanidade, é crescente a
reinvenção da violência. O manejo das mídias pelo poder traz análises que levam em
consideração somente as manifestações colaterais da violência, sem momento algum citar que
esta forma de sociabilidade globalista causou desespero social inédito.” SANTOS (2006, p.
81)“ Nesse interim, aos países historicamente explorados, ficou a noção de uma cidadania

11
Para exemplificar é possível analisar através das notícias: BBC BRASIL. Brasil na OCDE: O que o país cedeu
aos EUA em troca de apoio à entrada no 'clube dos países ricos. Disponivel em:
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-50009155​. Acesso dia 25 de jun. 2020.
G1. ​Brasil assina acordo que permite aos EUA lançar satélites da base de Alcântara. Disponível em:
https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/03/18/brasil-assina-acordo-que-permite-aos-eua-lancar-satelites-da-ba
se-de-alcantara.ghtml​ . Acesso em 25 de jun. 2020
TERRA. ​Bolsonaro bate continência à bandeira dos EUA e muda bordão. Disponivel em:
https://www.terra.com.br/noticias/bolsonaro-recebe-premio-bate-continencia-a-bandeira-dos-eua-e-erra-o-propri
o-bordao,3e51701c017f264ac65c2f3bcce8d1c0oldta994.html​ Acesso em 25 de jun. 2020
12
Explanação através de notícias: EL PAÍS. Os segredos da estratégia da extrema direita: Vox com a cartilha de
Trump e Bolsonaro Disponível em:
https://brasil.elpais.com/brasil/2019/05/10/internacional/1557485729_129647.html​ Acesso em 25 jun. 2020
​ 23

jamais alcançada, onde os efeitos da globalização atingem mais profundamente e onde a


informação e o acesso ao global é alcançado por uma população mínima”
Para as lideranças encaixadas nesse molde, a sociedade deve ser guiada pelas ideias
clássicas do direito romano e da matriz religiosa judaico-cristã, substituindo o nacionalismo
de cada Estado por u​m “pan-nacionalismo branco, cristão e ocidental”. E é baseado nesses
discursos que as alianças são firmadas. Por isso, o discurso anti-islâmico, pregando, na
verdade, não uma guerra entre países, mas entre civilizações.
Diferentemente do fascismo clássico, que utilizava da violência como forma de
linguagem política, no pós-fascismo, a violência não é vista apenas como o meio para atingir
um fim, ela é um fim em si mesmo. Como mencionado, o militarismo foi bastante utilizado
no fascismo clássico, representando uma hierarquia armada e bastante definida. O fascismo
atual também utiliza a violência como um dos seus elementos basilares, contudo, age de
forma diferente. Os líderes excitam os instintos violentos de suas bases de maneira difusa. Em
resposta, sem uma ordem expressa, ocorrem ataques a pequenos grupos ou indivíduos
vinculados a “minorias” ou pessoas que representam uma ameaça às ideias do governo. Isso
significa que a violência pode vir de pessoa próxima, de qualquer um que esteja estimulado
pelas mensagens dos líderes. De acordo com Dornelles (2017, p. 162) O fascismo necessita
da construção contínua do “inimigo” que é identificado em todos os “diferentes”, não
reconhecendo a diversidade humana e cultural. O negacionismo e a intolerância, portanto, são
características marcantes do fascismo.
Dornelles ainda defende que (2017, p. 162-163) “A negação da alteridade humana, dos
direitos, das opiniões divergentes, da diversidade, das conquistas históricas, do conhecimento,
do diálogo. O quadro dramático que passou a existir em todos os cantos do planeta é o
crescimento das manifestações ultra conservadoras de direita e extrema-direita, expressando
intolerância, ódio ao diferente e às diferenças, preconceito classista, racial, nacional, religioso,
cultural, comportamental, sexual. Manifestações de segmentos sociais que negam a alteridade
não aceitam a diversidade cultural, não reconhecem a humanidade do “outro”. Neles o diálogo
é substituído por verdades naturalizadas presentes no senso comum que aparecem como
absolutas e incontestáveis.”
A base do fascismo clássico tinha uma retórica voltada para a classe trabalhadora
como massa a ser controlada e afastada de ideais socialistas/comunistas. O discurso de
Mussolini, de forma inicial, era antielitista e direcionado ao “homem comum”. Os fascistas se
​ 24

declararam antiliberais e criticavam a ganância do que eles chamavam de burguesia


antipatriótica. Porém, na prática, eles favoreciam a burguesia que os financiava e atacavam de
maneira dura os movimentos de trabalhadores. Já o fascismo atual busca conciliar economia
13
de mercado e Estado totalitário. Consegue unir a violência e o autoritarismo, típicos do
fascismo, ao discurso neoliberal do empreendedorismo individual. Neste caso, o “cidadão
ideal” é aquele que trabalha durante todos os dias de forma subalternizada para enriquecer
sem necessitar de qualquer “incentivo” do Estado.
Qualquer relação com a meritocracia e o individualismo não é mera coincidência. Esse
tipo de relação muda de país para país, mas nos Estados Unidos da América (EUA), por
exemplo, é bastante disseminado. Isso implica de forma direta na precarização de direitos
trabalhistas, como tem acontecido no Brasil nos últimos anos.
O fascismo clássico, sobretudo o Alemão, tinha expressivo ódio contra os judeus
(além de outras minorias políticas, como pessoas com deficiência, ciganos, homossexuais e
comunistas). O objetivo de Hitler era uma Europa sem os judeus, alegando que eram uma raça
inferior e que prejudicava a nação. Porém o fascismo possui uma carga de ódio mais voltada
para os muçulmanos. Em alguns casos, ainda possui uma dose de antissemitismo, mas não é
mais o foco central. Em alguns países existe até mesmo uma aliança com os judeus, como é o
caso do Brasil e dos EUA. 14
Em uma relação direta com o fascismo clássico, o preconceito e os atos de ódio contra
os muçulmanos, em geral são estimulados e corroborados em uma base de “guerra de
civilizações”. As tensões sociais são desviadas para a luta contra o “inimigo da nação”. Ou
seja, o fascismo formalizou a troca do “inimigo”.
Ademais, o fascismo clássico tem um discurso de negação das individualidades. Ele é
“coletivista” na medida em que contrapõe uma “nação” contra a outra. Contudo, na prática, as
pessoas continuam com condutas de ódio entre si e a solidariedade é ilusória, apenas numa

13
É válido ressaltar que esta característica utilizada por Mussolini em relação ao ideário de “trabalho” que se
opõe ao socialismo, no Brasil também foi utilizada e teve uma base sólida na Era Vargas, sendo até reconhecido
como pai dos pobres e mãe dos ricos. Recomenda para complemento de leitura: BALBINOT. Camile. ​Clt -
fundamentos ideológicos-políticos: fascistas ou liberal-democratica? ​Disponivel em:
file:///home/chronos/u-8ff6ec2d257a27ae7970ca628a14918d1c6cd9f3/MyFiles/Downloads/Camile_Balbinot.pdf
14
Noticias para exemplificar afirmações: UOL. Em Brasil polarizado, judaísmo e bandeira de Israel provocam
disputas.. Disponivel em:
https://tab.uol.com.br/noticias/redacao/2020/05/10/afinal-o-que-e-ser-judeu-no-brasil-de-hoje.htm?cmpid=copiae
cola​ Acesso em: 25 de jun. 2020.
EXAME. Trump se considera “o melhor amigo de Israel” Disponivel em:
https://exame.com/mundo/trump-se-considera-o-melhor-amigo-de-israel/​ Acesso em 25 de Jun. 2020
​ 25

camada retórica de defesa da máxima de que as pessoas da mesma “raça/nação” devem se


unir contra um inimigo em comum. O fascismo nunca foi coletivista em um sentido de
fraternidade igualitária e socialista, mas pregou a união pelo ódio. Por isso, tinha necessidade
do culto à hierarquia e à disciplina.
Porém, no fascismo, o desprezo pela solidariedade social é mais declarado e mais
evidente. Não existe sequer uma teoria em relação à união pela “raça” ou “nação”. É pregada
apenas a comunhão pelo ódio ao inimigo, que é encarnado nas pessoas que não coadunam
com as características do governo e ideais vigentes. Abaixo da camada desse ódio, os próprios
apoiadores do regime competem entre si por empregos, acesso a direitos humanos e espaços
de poder, mesmo acreditando que a competição é contra os “inimigos” comuns: ​os
muçulmanos, o imigrantes, os LGBTs, as feministas, os pretos e as minorias políticas em
geral.

3.3. ELEMENTOS PÓS-FASCISTAS: DISCURSO DE VIOLÊNCIA COMO


LINGUAGEM POLÍTICA.
Para compreender como os elementos fascistas atuais se apresentam no sistema
supostamente democrático atual, é preciso realizar uma análise mais profunda, a partir da
filosofia, seguindo pela forma de utilização e consequência. O discurso de ódio político é um
dos elementos mais utilizados para romper a democracia, resultando em danos irreparáveis à
sociedade.

3.3.1. Análise da essência através de Hannah Arendt15.

De acordo com Hannah Arendt (2016, p. 24), a atividade política central não pode ser
desassociada da palavra, pois, sem ela, os indivíduos se assemelham mais a seres autômatos,
com movimentos mecânicos, do que a agentes discursivos, capazes de fundar corpos políticos
e de se perpetuar pela história através de seus feitos. Isto, de certa forma, aufere uma relativa
imortalidade e uma natureza “divina” aos homens, mesmo com sua existência limitada
biológica. É com o ​logos a favor do ​agere que os agentes-padecentes se tornam
compreensíveis uns aos outros e é só a partir daí que é possível se falar em esfera pública. “O
mundo não é humano simplesmente por ser feito por seres humanos e nem se torna humano

15
A adoção de Arendt como base teórica para este subcapítulo se deve à relevância da produção científica da
autora judia alemã no contexto do nazi-fascismo.
​ 26

porque a voz humana nele ressoa, mas apenas quando se tornou objeto de discurso”
(ARENDT, 2008, p. 33).
Sendo assim, é possível compreender que a atividade política é indissociada da
palavra, uma vez que ela é utilizada como mecanismo de discussão, que faz com que os
agentes ultrapassem a existência biológica, imortalizando-se através dos seus feitos. É
necessário que haja compreensão entre as partes para que exista a esfera pública, e isso é
desempenhado através da discussão.
De acordo com Arendt (2016), é no espaço comum que os indivíduos aparecem uns
aos outros, em ato e em articulação linguística, e que o poder se efetiva. Ele só é possível
através da mediação da linguagem contextualizada e voltada para o bem dessa coexistência no
plural. “O poder só é efetivado onde a palavra e o ato não se divorciam, onde as palavras não
são vazias e os atos não são brutais, onde as palavras não são empregadas para velar
intenções, mas para desvelar realidades” (ARENDT, 2016, p. 247-248).
O poder, enquanto habilidade dos homens para agir em consenso (ARENDT, 2011), só
pode se dar mediante a utilização do ​logos,​ quando este se estrutura a favor da verdade e do
bem comum, condição ​sine qua non para a concretização da ação política livre. É o agir em
comum acordo que torna as palavras vivas, em sua dimensão coletiva.
Nesse contexto, o poder, articulado através da linguagem, só pode ser realizado para
proporcionar o bem comum - premissa para substancializar uma política livre. A partir desse
entendimento, Arendt (2015) exemplifica a forma indevida de utilização do discurso como
instrumento político, descrevendo elementos utilizados nos discursos fascistas.
A autora discorre sobre a banalidade do mal, a partir da análise do fenômeno totalitário
e de seus laboratórios, os campos de concentração. “Ao tornar-se possível, o impossível
passou a ser o mal absoluto, impunível e imperdoável, que já não podia ser compreendido e
nem explicado” (ARENDT, 2004, p. 510). Porém, ao deparar-se com o caso de Eichmann e
examinar as implicações diretas de seus atos, em correlação com a assustadora normalidade
de seu executor, a autora percebeu que o mal não pode ser radical. Pode se subscrever a um
contexto de domínio dos corpos e das vidas que banaliza a morte daqueles discursivamente
construídos como inimigos.
Arendt assinala ainda outra notável característica do burocrata nazista: o seu modo de
se expressar. Ele só se comunicava através de clichês e de frases feitas, de modo que até as
construções linguísticas que conseguia elaborar, as repetia até torná-las um jargão. Isso
​ 27

impossibilitou que os próprios juízes compreendessem este dialeto que o acusado denominou
como “oficialês”, uma conversa literal e vazia, por estar destituída de sentido. Sem raízes ou
fundamentos, essas palavras eram incapazes de ligá-lo aos demais e de erigir relações entre
ele e os outros. “Tal linguagem burocrática de Eichmann se distinguia por sua falta de
comunicabilidade, crucial para a pluralidade da vida social, refletindo sua incapacidade de
revertê-la à fala comum” (ASSY, 2015, p. 8).
Clichês, frases feitas, adesão a códigos de expressão e conduta convencionais e
padronizados têm a função socialmente reconhecida de nos proteger da realidade, ou
seja, da exigência de atenção do pensamento feita por todos os fatos e
acontecimentos em virtude de sua mera existência. Se respondêssemos todo o tempo
a esta exigência, logo estaríamos exaustos; Eichmann se distinguia do comum dos
homens unicamente porque ele, como ficava evidente, nunca havia tomado
conhecimento de tal exigência (ARENDT, 1992, p. 6).

O constante recurso a um leque de opções de frases prontas é identificado por Arendt


como inabilidade para se expressar de forma direta, relacionada com uma incapacidade de
pensar. “Será possível que o problema do bem e do mal, que o problema de nossa faculdade
para distinguir o que é certo do que é errado esteja conectado com nossa faculdade de
pensar?” (ARENDT, 1992, p. 6). Diante disso, assinala que Eichmann nunca se deu conta da
exigência do pensar.
No presente, por mais que a diversidade de opiniões seja valorizada e a liberdade de
expressão seja um direito fundamental, a verdade, sempre que vai contra interesses lucrativos
ou organizacionais das elites fascistas/neofascistas que estão no poder, é hostilizada e
repreendida com violência. Nesse ponto, a autora assinala que o seu questionamento destaca a
censura política a informações de interesse dos indivíduos e dos povos e a criação de uma
realidade inexistente, através da mentira generalizada e dos discursos de criação de terror e
paranoia, bases dos regimes totalitários.
Desse modo, o discurso não pode ser violento, ao mesmo tempo em que retirar dos
indivíduos a possibilidade de se expressarem é também violência. Além disso, as palavras
podem ser usadas para mascarar a verdade, fazendo da mentira a construção linguística
alegórica para embasar a fundação de um regime antipolítico. “Todas essas mentiras [...]
abrigam um germe de violência; a mentira organizada sempre tende a destruir aquilo que ela
decidiu negar” (ARENDT, 2016, p. 312).
A instauração do medo e do terror como instância fundamentais de organização
humana, através da ideologia fascista, é autodestrutiva, pois qualquer ação baseada na
violência é anti-humana, antidiscursiva e, por fim, antipolítica, pois incapaz de criar algo além
​ 28

da própria destruição. É a partir desse contexto que a palavra constitui instrumento para
efetivação da coisa pública, e que o discurso fascista ou fascista atuais, fundamentado em
mentiras, se volta para a destruição da política (aos moldes arendtianos) e dos direitos
humanos.
A potencialidade destrutiva da ideologia sob exame se origina, de forma parcial, na
dificuldade em lidar com a contradição, fazendo com que as massas – num menor grau – sem
participação política e – num maior grau – alienadas do mundo, inabilitadas para o diálogo,
prefiram as explicações que dêem maior coerência e segurança a suas crenças pessoais, sem
examiná-las ou submetê-las a crivo crítico. Por isso, essa ideologia é capaz de seduzir os
indivíduos descontentes com o estado de coisas, sentindo-se inseguros ou ameaçados e sem
compreender bem quem culpar pela crise vivida.
No fenômeno totalitário, a ideologia deturpa de tal modo o discurso que, além de
construir uma realidade ilegítima, instaura uma nova gramática para mascarar a realidade que
tenta dissimular. É nesse sentido que as regras de linguagem ideológicas que fundaram, por
exemplo, a propaganda nazista, não se referiam ao que ocorria nos campos de concentração
como assassinato ou extermínio, mas como solução final ou “fornecer uma morte
misericordiosa”. (ARENDT, 2017).
A partir disso, é possível compreender a importância da palavra e do discurso como
elemento político, instrumento fundamental para a perpetuação do ser humano na esfera
pública. Contudo, a atenção deve se voltar para a forma como são utilizados. A partir da
experiência com o nazismo, Arendt apresenta particularidades na utilização do discurso a fim
de sustentar líderes autoritários no poder e reproduzir violência entre grupos que sofrem com
discursos de ódio. Isso é feito atraveś da banalização do mal, justificada por argumentos
simplistas, com frases clichês e propaganda intensa para ao mesmo tempo espelhar e
instrumentalizar os medos da população. O oposto disso, de acordo com Arendt, é valorizar a
linguagem, através das palavras maternas, e utilizar o discurso apenas para o bem coletivo,
através da prática da verdade.
Por mais frágil que ela seja, não há substituto para a verdade. Mesmo que os
instrumentos de poder recorram à violência, tentando destruí-la através da elaboração de
discursos e propaganda, não conseguirão apagá-la. Até para que o mentiroso possa dissimular
com o máximo de êxito possível, é preciso que ele mesmo tenha ciência da verdade que está
tentando ocultar (ARENDT, 2015).
​ 29

3.3.2. O discurso de ódio e seu contributo ao fascismo

O discurso de ódio é um ato que promove esse ódio, incitando discriminação,


violência e hostilidade. Tem relação com qualquer ato de comunicação que diminua,
inferiorize uma pessoa, empregando aspectos passíveis de discriminação tais como: gênero,
raça, religião, nacionalidade, orientação sexual, entre outros. Também podendo ser utilizado
para perseguir, insultar e justificar a privação dos direitos humanos, podendo, em casos
extremos, dar razão a homicídios e genocídios, a exemplo do holocausto na Alemanha
nazista. (CIOCCARI,​ et al ​2017 p. 210 -211).
O discurso de ódio pode ser dividido em dois atos: o insulto e a instigação. O primeiro
refere-se diretamente à vítima, ou seja, a agressão a uma pessoa ou grupo de pessoas que
compartilham determinado traço. O segundo ato direciona-se a terceiros não identificados
com as vítimas, que são convocados para reforçar o grupo dos agressores, não apenas no
discurso, mas também com ações. É nesta segunda via que os discursos de ódio políticos são
utilizados por líderes radicais. (SILVA​ et al.,​ 2011, p. 447).
Em sua estratégia de persuasão, o discurso de ódio utiliza instrumentos e técnicas da
área de publicidade e propaganda para obter adeptos, dentre as quais: a criação de
estereótipos, a substituição de nomes, a seleção exclusiva de fatos favoráveis ao seu ponto de
vista, a criação de “inimigos”, o apelo à autoridade e a afirmação e repetição ( SILVA ​et al.,​
2011, p. 448). Outra estratégia utilizada para aumentar a probabilidade de aceitação desse
discurso é a utilização de argumentos emocionais.
De acordo com Silva ​et al​. (2011, p. 449), quando uma pessoa dirige um discurso de
ódio a outra, a dignidade é vulnerada em sua dimensão intersubjetiva, no respeito que cada ser
humano deve ao outro. Mas não só isso. No caso do discurso odiento, vai-se além: é atacada a
dignidade de todo um grupo social, não apenas a de um indivíduo. Mesmo que um indivíduo
tenha sido atingido de forma direta, aqueles que compartilham a característica ensejadora da
discriminação, ao entrarem em contato com o discurso odiento, serão também violentados.
Produz-se o que se chama de vitimização difusa.
As consequências negativas da incitação ao ódio são variadas e podem ser
imprevisíveis. Ao atacar a honra e dignidade de uma pessoa, o discurso de ódio pode afetar
todo um grupo de forma similar. Como afirma o pesquisador chileno​ Díaz:
​ 30

Em resumo, é claro que a incitação ao ódio pode afetar os direitos do grupo objeto
deste discurso de forma mais ou menos séria. Em casos extremos, a liberdade de
expressão de alguns pode até contribuir com danos físicos a certas minorias. No
entanto, a proteção da honra, dignidade e integridade física daqueles afetados pelo
discurso de ódio, promoção de equidade e multiculturalismo, etc., são razões que
servem para debater os efeitos negativos da incitação ao ódio - onde há um amplo
acordo entre as abordagens restritivas e liberais - não para discutir a adequação ou
eficácia de sua penalizaçã​o (DIAZ, 2011, p. 589-590).

Em relação ao Direito16, o discurso de ódio é uma conduta, conduta ou gesto, falado,


escrito ou representado que possa incitar violência ou externar ação discriminatória contra
outrem ou, ainda, ofender ou intimidar pessoas, maculando o princípio da igualdade. Existe
um consenso internacional sobre a necessidade de proibição do discurso de ódio,
considerando-se também que essa proibição não pode ferir o princípio de liberdade de
expressão, essencial para a manutenção da democracia17. (ONU, 2017)
A característica definidora do discurso do ódio, segundo Waldron (​2012)​, é a sua
capacidade para infringir a dignidade humana, não entendida em termos absolutos, mas como
um status social especial que deve ser reafirmado pela lei. Assim, a dignidade é traduzida
como o reconhecimento que toda pessoa pode – e deve – exigir de seus concidadãos o
reconhecimento e respeito de sua condição de indivíduo apto à vida em sociedade. O conceito
de dignidade, neste sentido, diz respeito ao modo pelo qual uma pessoa é recebida em
sociedade, situação que vai além dos requisitos formais de cidadania – direitos políticos,
passaporte, entre outros. A dignidade está associada à reputação de uma pessoa na sociedade
(WALDRON, 2012, p. 138-143).
Assim, para o autor, cabe à política assegurar, por meio do Direito, a proteção da
“dignidade das pessoas e seu tratamento decente na sociedade” (WALDRON 2012, p. 107).
Ainda segundo ele:

16
Com base no Direito Penal a calúnia impetrada no art. ​Art. 138 ocorre quando alguém, imputando-lhe
falsamente fato definido como crime. manchando a sua   ​objeto jurídico a ser tutelado é a qualidade física,
intelectual, moral e demais dotes que a pessoa humana possui.A Injúria tipificado no art. 140 determina que
comete injúria aquele que ofende a dignidade ou o decoro, o bem tutelado neste diapasão é a honra subjetiva que
é a constituída pelos atributos morais (dignidade) ou físicos, intelectuais, sociais (decoro) pessoais de cada
indivíduo. Ja a difamação. disposta no art. 139 consiste na atribuição a alguém de um fato desonroso, mas não
descrito na lei como crime, distinguindo-se da Calúnia por essa razão Disponível
em:​https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/8387/Calunia-difamacao-e-injuria​. Acesso dia 25 de Jun. 2020

17
Existem tbm Tratados Internacionais que proíbem diversos tipos de discriminatórios. A exemplo da Convenção
Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial de 1986; a Convenção Sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher promulgada em 1979; e a ​Convenção contra
a tortura e outros Tratamentos ou Penas cruéis, desumanas ou degradantes de 1984;
​ 31

Individualmente ou em grupo, esses ataques contra a reputação equivalem a um assalto contra a dignidade
das pessoas. Dignidade entendida como condição social básica dos indivíduos, reconhecimento de sua
igualdade social e do seu status de portadores de direitos humanos e constitucionais (WALDRON, 2010,
p. 1610).

O principal argumento contra a criminalização do discurso de ódio é a defesa da


liberdade de expressão. A restrição a qualquer liberdade demanda discussão, e, nesse sentido,
o debate acerca da liberdade de expressão remete à própria noção de democracia. Dessa
forma, a posição contrária à promulgação de leis que criminalizam o discurso de ódio utiliza o
argumento de que isso pode comprometer o próprio processo democrático.
De acordo com o pesquisador colombiano de direito penal ​Soto​, o posicionamento que
atribui supremacia do direito à liberdade de expressão sobre a proteção contra os discursos de
ódio está respaldado pela atual jurisprudência norte-americana,
A Suprema Corte dos Estados Unidos aponta e reitera com suas providências a
abordagem liberal do discurso do ódio, o que se traduz em uma maior tolerância por
parte das autoridades governamentais quanto ao discurso do ódio; é
indubitavelmente optado pelo respeito pela liberdade de expressão (SOTO, 2015
p.99).

De maneira oposta, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) qualifica como


abuso de poder o discurso de ódio, por entender que afeta a dignidade e o respeito,
resguardados pela Convenção Europeia de Direitos Humanos. De acordo com Soto, as teses
de Waldron encontram respaldo na jurisprudência da TEDH.
Aqueles que emitem, publicam ou postam expressões de ódio contra uma minoria
estão contribuindo para o aumento da violência na sociedade. Mesmo que um discurso de
ódio isolado possa não parecer tão significante, ele é um ataque geral e difuso e, em alguns
casos, até mesmo implícito. Nesse sentido, Waldron tem o grande mérito de retirar a atenção
de quem está proferindo o discurso para quem está sendo vítima do discurso. (CIOCCARI et
al​, 2017, p. 214).
Hoje, um dos casos mais alarmantes referente ao discurso de ódio, de alcance mundial,
é o do presidente dos EUA, Donald Trump. Durante a campanha eleitoral, as declarações do
presidente foram danosas às minorias, principal foco daqueles que reproduzem fascismo,
declarações discriminatórias e, algumas vezes, apologia a crimes. De acordo com Gonzalez
(2016, p. 28), “este discurso mostra um novo rosto do fascismo global que busca o confronto,
a violência política e a justificação do Estado para se afastar dos valores legais e da ética
pública em seu sentido universal.”
​ 32

Em junho de 2015, durante uma coletiva de imprensa em que confirmou sua


candidatura à presidência dos EUA, Trump pronunciou o seguinte comentário:
Quando o México envia suas pessoas, não envia o melhor, não as envia para você.
Eles estão enviando pessoas com muitos problemas. Eles estão trazendo drogas,
estão trazendo crime, são estupradores e alguns eu suponho que são boas pessoas,
mas eu falo com guardas de fronteira e isso é senso comum (CNN Español, 2015).

Em seu discurso, Trump prometeu realizar diversas mudanças no Estado, o que vem
cumprindo especificamente em relação ao espectro xenófobo: expulsão de imigrantes,
construção de um muro na fronteira com o México, criar um cadastro com todos os
muçulmanos que residem no país, proibir a entrada de novos muçulmanos e permitir o uso de
técnicas de tortura contra prisioneiros acusados de terrorismo. (G1, 2017)18
Em meio à crise migratória vivenciada no mundo, a questão dos refugiados tem
ganhado contornos dramáticos, pois além dos problemas que abrangem as suas áreas de
origem, ainda enfrentam dificuldades para se firmar em novo lugar. O presidente Trump
reproduz ainda mais preconceito ao afirmar em entrevista que dificulta a entrada de
refugiados nos Estados Unidos. "Os Estados Unidos não serão um acampamento de
migrantes, nem uma instalação de abrigo de refugiados. Não sob o meu comando" alegando
que os imigrantes trazem consigo morte e destruição. (VALOR GLOBO, 2018)19
As declarações públicas do candidato “refletem a retórica extremista como parte da
degradação da política e sua tendência a gerar novas condições de agressão a grupos
etnográficos, diferentes daqueles de sua preferência política” (GONZALEZ, 2016, p. 29),
além de criar um campo fértil para o surgimento de novas formas estruturais de erosão da
cultura de direitos humanos, do multiculturalismo e da paz.
A pauta no período das eleições não ficou apenas no discurso, conter a entrada de
imigrantes no país ainda é um dos interesses do Presidente que chegou a sugerir o uso da
força através de muro eletrificado, um fosso com jacarés e até disparos contra as pernas das
pessoas. “Em particular, o presidente chegou a falar em reforçar a barreira na fronteira com
um fosso cheio de água, com cobras ou jacarés, pedindo uma estimativa de custos. Ele queria
um muro eletrificado, com espetos no topo que pudessem perfurar a carne humana. Depois de

18
Disponível em:
http://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2017/01/donald-trump-diz-que-tortura-pode-ser-usada-no-combate-ao-ter
rorismo.html​; e ​https://brasil.elpais.com/brasil/2017/01/25/internacional/1485366952_843757.html​ Acesso em
23 jun. 2020.
19
Disponível em:
https://valor.globo.com/mundo/noticia/2018/06/18/eua-nao-vao-virar-campo-de-refugiados-afirma-donald-trump
.ghtml​ Acesso em 22 jun. 2020.
​ 33

sugerir a soldados que atirassem nos imigrantes se eles jogassem pedras, o presidente recuou
quando sua equipe lhe disse que isso era ilegal" (O GLOBO, 2019)20.
O presidente justifica essas ações através de discurso nacionalista em defesa a
economia e os direitos sociais da população Estadunidense. Em um discurso realizado na 74º
Assembleia Geral das Nações Unidas, Trump fez crítica a ONU mencionando com orgulho
que o seu governo se retirou em julho de 2019 de um tratado internacional sobre o comércio
de armas patrocinado pela organização, valendo ressaltar que o presidente é a favor do direito
ao porte de armas ​"Não há nenhuma circunstância sob a qual os Estados Unidos permitirão
que entidades internacionais atropelem os direitos de nossos cidadãos, incluindo o direito à
legítima defesa". De acordo com o presidente "Se você quer liberdade, mantenha sua
soberania e, se quiser paz, ame sua nação", disse Trump. "O futuro não pertence aos
globalistas. O futuro pertence aos patriotas. O futuro pertence a nações soberanas e
independentes." (TERRA, 2019).21
Trump não usa diretamente o discurso para defender pautas machistas ou racistas que
tenham grande repercussão, contudo, de maneira sutil, ataca os seus opositores, a imprensa e
possui aliados que declaradamente defendem a supremacia branca e têm simpatia com a Ku
Klux Klan.22
Viktor Orbán, primeiro ministro da Hungria, é reconhecido como o Trump da União
Europeia, eleito pela terceira vez seguida com um discurso com que contêm as mesmas
características que o Estadunidense defende políticas conservadoras centrado na etnia e no
medo aos imigrantes. A Hungria sofre com a falta de tradição democrática, houve erros dos
Governos anteriores, e uma tentativa de golpe em 2006, além disso a um medo a ausência de
liderança. Um momento perfeito para emergir no Estado um líder que defende pautas de
extrema direita, com discursos fascistas. (EL PAÍS, 2019)23

20
Disponível em:
https://oglobo.globo.com/mundo/donald-trump-sugeriu-atirar-nas-pernas-de-imigrantes-diz-nyt-23989432
Acesso em 24 jun. 2020.
21
Disponível em:
https://www.terra.com.br/noticias/trump-faz-discurso-nacionalista-na-onu,c4183ef0d2c5e6f68e69d9bfcb4913a4
5ktem5e2.html​ Acesso em 24 jun. 2020.
22
Nesse sentido, vide, por exemplo:
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/06/30/internacional/1498779706_851402.html​;
https://theintercept.com/2020/06/05/ameacas-trump-antifa-negros/​;
https://g1.globo.com/mundo/noticia/2019/07/15/trump-reitera-ataque-a-mulheres-congressistas-democratas-plan
ejam-voto-de-repudio-a-tuites-xenofobos.ghtml​ Acesso em 22 jun. 2020.
23
Disponível em: ​https://brasil.elpais.com/brasil/2019/04/18/actualidad/1555585620_542476.html​ Acesso em 23
jun. 2020.
​ 34

Orbán no período das eleições prometeu que defenderia o país e a cultura europeia
contra os invasores muçulmanos ilegais que violariam as mulheres e tomariam os empregos,
destruindo a tradição do país, sendo considerados terroristas. “Na Hungria não há
“imigrantes” ilegais. Mas Orbán e seus “mamelucos” conseguiram convencer uma parte
enorme da população que milhões de indivíduos de cor, famintos e perigosos, estavam prestes
a nos invadir. De modo que os húngaros ​começaram a odiar esses “imigrantes”​. Pessoas
muito pobres – as que mais perderam no regime de Orbán – foram perguntadas por que
votaram nele, e todas responderam que era porque ele nos protege da invasão de imigrantes.
Não tinham visto nenhum.​” (​EL PAÍS 2019)
A ONU reforça as críticas às declarações do primeiro ministro racistas do primeiro
ministro Húngaro Em um encontro com representantes municipais, Orbán disse: “nós não
queremos que nossa cor seja misturada com outras cores”. De acordo com o chefe do
escritório de direitos humanos das Nações Unidas, Zeid Ra’ad Al Hussein destacou que a
história está cheia de exemplos sobre o que acontece quando governos incentivam políticas e
discursos de pureza étnica, nacional ou racial. (ONU, 2018)
Com base no estudo realizado pela Pew Research Center em 2016 72% dos húngaros
possui uma visão desfavorável dos muçulmanos, Zeid ressalto que essa é a taxa mais alta da
Europa.“É um insulto para todas as mulheres, homens e filhos africanos, asiáticos, do Oriente
Médio ou latino-americanos. A crença de que misturar raças cria uma mancha indescritível e
prejudicial já foi difundida em muitos países; em partes dos EUA, bem como na África do
Sul, as leis de miscigenação eram parte integrante da humilhação e opressão de pessoas
chamadas de ‘raças menores’. Mas essa era está há muito morta – ou deveria estar. Ouvir isso
de forma descarada pelo líder de um país moderno da União Europeia deve indignar cada um
de nós” (ONU, 2018)
O governo de Orbán desmantelou verificações e contrapesos, politizou o Tribunal
Constitucional do país e restringiu seus poderes, prejudicando a independência do judiciário e
da imprensa. As recentes propostas legislativas restringiram ainda mais um espaço já restrito
para o ativismo da sociedade civil, dando ao Ministério do Interior o direito de proibir
qualquer grupo que trabalhe em favor dos migrantes; sujeitando-os a impostos punitivos se
​ 35

receberem financiamento estrangeiro – o que poderia incluir fundos da UE; e potencialmente


os proibindo de chegar a até 8 km de áreas de fronteira. (ONU, 2018)24
Orban exerce há oito anos um estilo de governo com controle crescente sobre a
economia, os meios de comunicação e a justiça. Estas reformas prejudicam o Estado de
direito e implicaram em um retrocesso dos valores democráticos, criticam a oposição e um
grande número de observadores internacionais. (ESTADO DE MINAS, 2018)25
Muitas coisas mudaram para Marine Le Pen após perder as eleições presidenciais para
Emmanuel Macron em 2017, esta perda a deixou enfraquecida e questionada. Le Pen se
consolidou no cenário político como opositora de Macron, após a perda, além de mudar o
nome do partido de Frente Nacional que era diretamente associado a ultradireita para
Reagrupamento Nacional, colocou em segundo plano a ideia de Frexit, já não quer mais já
não quer tirar a França do euro e da ​União Europeia​, como propunha na campanha de 2017.
Agora quer transformar a UE por dentro. (EL PAÍS, 2019)
O fundador do antigo partido é seu pai Jean Marie Le Pen, que no período em que se
encontrava no comando chegou a ser condenado por declarações minimizando ações nazistas,
em 2012 ele negou a existência de crimes contra os Direitos Humanos durante o Holocausto ,
ainda dizendo que “a ocupação da França não foi desumana”. Em Abril de 2016 ele foi
obrigado a pagar 30 mil euros de multa, além de ter indenizar três associações no país, depois
de defender que as câmaras de gás instaladas por Adolf Hitler foram apenas um detalhe da
história da Segunda Guerra Mundial. Em um comício em 2014 Jean foi acusado de
antissemitismo quando dirigiu ofensas ao ator judeu Patrick Bruel, no mesmo comício ele
criticou artistas e intelectuais franceses que se opõe ao partido afirmando que “faremos uma
fornada da próxima vez” para quem proferir novas críticas, em referência ao partido nos
campos de concentração e extermínio nazistas, onde os judeus e membros de grupos
minoritários foram mortos em câmaras de gás durante a Segunda Guerra Mundial. (IG
MUNDO, 2018)26

24
Disponível em:
https://nacoesunidas.org/representante-da-onu-reforca-criticas-a-declaracoes-racistas-de-primeiro-ministro-da-hu
ngria/​ Acesso em 24 jun. 2020.
25
Disponível em:
https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2018/04/07/interna_internacional,949916/polemico-viktor-orb
an-disputa-terceiro-mandato-na-hungria.shtml​ Acesso em 24 jun. 2020.
26
Disponível em: ​https://ultimosegundo.ig.com.br/mundo/2017-07-18/len-pen-odio-julgamento.html
Acesso em 23 jun. 2020.
​ 36

Marine expulsou o seu pai do partido em 2015, após essas declarações antissemitas.
Por decisão judicial, Jean Marie continua sendo presidente de honra da FN, mas o partido
entrou em recurso, "Tenho minha personalidade e minha própria percepção do exercício de
responsabilidades. Durante quarenta anos, Jean-Marie Le Pen representou a Frente Nacional.
Hoje, sou eu, e não ele, a encarregada de seu futuro e de suas ideias", afirmou, na época,
Marine. (BBC NEWS, 2017)27
Era visível o interesse de Marine em se desvencilhar da visão ultraconservadora do
partido, contudo, ainda assim, continuava reproduzindo os mesmos discursos, no período das
eleições Marine afirmou que “Nossos dirigentes escolheram a globalização desregulada, que
conduz à financeirização da economia e a uma imigração em massa, o que resulta às vezes no
fundamentalismo islâmico”. Mais adiante em seu discurso, ela insistiu: “A globalização, de
um lado, e a falta de reação, por outro, levam-nos a ter uma imigração descontrolada e, daí, ao
islamismo em casa”. Frente a isso, a receita no bolso de Le Pen: o “patriotismo econômico”, o
“protecionismo inteligente”. (EL PAÍS, 2017)
Para defender os franceses − que, segundo a candidata, foram “despojados de seu
patriotismo, sofrendo em silêncio por não ter o direito de amar seu país” −, Le Pen expôs uma
enxurrada de receitas protecionistas que se resumem em: recuperação da moeda e das
fronteiras nacionais, rompimento de laços com a União Europeia (incluindo a remoção das
bandeiras europeias dos edifícios oficiais), sobrecarregar com um imposto de 3% todas as
importações, dar preferência às empresas francesas nos contratos públicos, ampliar a ajuda de
natalidade aos casais franceses e expulsar os imigrantes sem documentos franceses (“jamais
poderão se naturalizar”). (EL PAÍS, 2017)28
No entanto, após perder as eleições presidenciais mudou os posicionamentos políticos
atenuando o tom nacionalista para conseguir se firmar, contudo, a essência das declarações
ainda se entrelaça com a do velho partido.29
No Brasil, pode-se usar como referência a esses discursos que incitam o ódio,
segregação e violência contra as minorias o presidente Jair Bolsonaro. Ele ganhou espaço no
cenário político principalmente durante e após a erosão democrática que levou ao golpe contra

27
Disponível em: ​https://www.bbc.com/portuguese/internacional-39123491​Acesso em 23 jun. 2020.
28
Disponível em: ​https://brasil.elpais.com/brasil/2017/02/05/internacional/1486311781_647565.html
Acesso em 23 jun. 2020.
29
Disponível em: ​https://brasil.elpais.com/brasil/2019/04/19/internacional/1555671612_014607.html
Acesso em 23 jun. 2020.
​ 37

a presidenta Dilma Rousseff em 2016. Usando de frases simples e de efeito, sem nenhuma
profundidade ou compromisso com a verdade, aproveitando-se de uma retórica antipetista que
crescia em popularidade nos setores de classe média alta e nas elites, conseguiu movimentar a
direita e os reacionários, construindo uma relação com conservadores liberais (interessados
em reformas neoliberais de corte de direitos trabalhistas e previdenciários) e com a bancada
evangélica (SOUZA, 2018).
Bolsonaro utiliza o discurso do medo para respaldar-se num país em que há a
construção de um imaginário no qual o inimigo é sempre um “outro” distante do “cidadão de
bem” e que obstrui o bom andamento da sociedade. Os aspectos identitários da vida policial,
como a valorização das tradições, da moralidade cristã e a espetacularização dos embates são
transpostos para a vida política como forma de justificativa da proteção desses “cidadão de
bem”. Isso aponta para uma cidadania vivenciada pela desigualdade, admitida de forma aberta
entre aqueles que “merecem” usufruir de seus direitos, em especial, o direito à vida, e aqueles
que abandonaram o direito à cidadania para “entrar no crime”.
Em 23 de agosto de 2018, durante ato de campanha na cidade de Araçatuba, no
interior paulista, Bolsonaro discursou em cima de um carro de som​, condenando organizações
que defendem direitos humanos. Segundo o candidato, esses movimentos prestam um
“desserviço para o Brasil” e, por isso, não merecem repasse de dinheiro do governo.
"​Conosco não haverá essa politicagem de direitos humanos. ​Essa bandidagem vai morrer
porque não enviaremos recursos da União para eles". (G1, 2018)30
“Jamais iria estuprar você, porque você não merece". A frase foi dita por ​Bolsonaro
em 2003, direcionada à deputada federal Maria do Rosário do Partido dos Trabalhadores
(PT)​, nos corredores da Câmara dos Deputados. O candidato ainda empurrou a deputada,
ameaçando dar uma “bofetada” nela e chamando-a de “vagabunda”. Em 2014, Bolsonaro
repetiu a ofensa à deputada, dessa vez, em discurso no plenário da Câmara do Deputados.
Pela ofensa, o candidato foi condenado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal a pagar
indenização de R$ 10 mil à Maria do Rosário.31

30
Disponível em:
https://g1.globo.com/sp/sao-jose-do-rio-preto-aracatuba/noticia/2018/08/23/bolsonaro-diz-que-bandidagem-vai-
morrer-em-seu-governo-porque-uniao-nao-repassara-recursos-para-direitos-humanos.ghtml
Acesso em 23 jun. 2020.
31
Disponível em: ​https://www.youtube.com/watch?v=yRV98Im5zRs​ Acesso em 24 jun. 2020.
​ 38

Esse discurso demonstra o machismo configurado no governo, fato que é confirmado


em uma entrevista dado pelo atual presidente em 2015 ao jornal Gaúcho Zero Hora ao qual
afirma que não é justo uma mulher ganhar igual ao homem devido ao fato dela engravidar.
“Eu sou liberal. Defendo a propriedade privada. Se você tem um comércio que emprega 30
pessoas, eu não posso obrigá-lo a empregar 15 mulheres. A mulher luta muito por direitos
iguais, legal, tudo bem. Mas eu tenho pena do empresário no Brasil, porque é uma desgraça
você ser patrão no nosso país, com tantos direitos trabalhistas. Entre um homem e uma
mulher jovem, o que o empresário pensa? “Poxa, essa mulher tá com aliança no dedo, daqui a
pouco engravida, seis meses de licença-maternidade…” Bonito pra c…, pra c…! Quem que
vai pagar a conta? O empregador. No final, ele abate no INSS, mas quebrou o ritmo de
trabalho. Quando ela voltar, vai ter mais um mês de férias, ou seja, ela trabalhou cinco meses
em um ano”, disse Bolsonaro.32
Em dezembro de 2016, Bolsonaro criticou o projeto do Estatuto da Migração​, que
regulamenta a entrada e permanência de migrantes e visitantes no Brasil. ​Para Bolsonaro, os
imigrantes são uma ameaça à segurança nacional​, porque “o comportamento e a cultura deles
é completamente diferente da nossa”. "Nós não podemos escancarar as portas do Brasil para
tudo quanto é tipo de gente. Isso vai virar a casa da mãe Joana" (G1, 2016) 33
Mais tarde, em fevereiro de 2018, em entrevista à Jovem Pan, Bolsonaro defendeu que
policiais militares tenham uma “​retaguarda jurídica” para que não sejam condenados por
homicídios. Ele toma como exemplo uma frase de Donald Trump, que dizia que os policiais
norte-americanos são mais fortes que a “bandidagem” da fronteira com o México.34
Em discurso em cima de uma carro de som em Campina Grande, na Paraíba, em
fevereiro de 2017, Bolsonaro afirmou que aqueles que acreditam em Deus são a minoria da
população e, por isso, devem “se curvar” ao Estado cristão. Meses depois, em entrevista ao
jornalista Ronaldo Gomlevsky, Bolsonaro reafirmou essa opinião, dizendo que o objetivo de
um ​Estado laico é “tirar a cultura judaico-cristã das escolas” e doutrinar crianças. “​Nós somos

32
Disponível em:
https://gauchazh.clicrbs.com.br/politica/eleicoes/noticia/2018/10/o-que-bolsonaro-disse-sobre-salarios-e-direitos-
trabalhistas-de-mulheres-em-entrevista-concedida-a-zero-hora-em-2014-cjn585nmv04f901pi6ioxn6bv.html
Acesso em 24 jun. 2020.
33
Disponível em:
https://g1.globo.com/politica/noticia/camara-aprova-projeto-que-cria-novo-estatuto-da-migracao.ghtml​ ​Acesso
em 24 jun. 2020.
34
Disponível em: ​https://www.youtube.com/watch?v=z14n_7D0AbE​ Acesso em 24 jun. 2020.
​ 39

um país cristão! Deus acima de tudo. Essa historinha de Estado Laico, não! É Estado cristão!
E as minorias que se curvem!”35
Em março de 2020, d​urante um encontro do Aliança pelo Brasil, em Vitória, Espírito
Santo, Jair Bolsonaro repetiu declaração racista que fez em 2017,ao ouvir a afirmação de um
dos seus apoiadores dizendo que era negro, votou nele e votará em 2022 o presidente
respondeu “E você está com oito arrobas” arrancando risos da plateia. Em 2017 declarou que,
se fosse eleito, acabaria com todas as reservas de terra de indígenas e quilombolas. “Eu fui
num quilombo. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada. Eu acho
que nem para procriador ele serve mais. Mais de R$ 1 bilhão por ano é gasto com eles” Com
isso, fica claro o discurso racista, diminuindo os negros e indígenas a condição de
animalização para caracterizá-los como inferiores. (REVISTA FÓRUM, 2020)36
Em debate na Band, no dia 9 de agosto, Bolsonaro creditou a violência no país à
“política de direitos humanos”, que, segundo o candidato, “desarmou o cidadão de bem”,
enquanto “o bandido continua muito bem armado”. Bolsonaro defende o armamento da
população e um sistema carcerário mais punitivista.
Em seu plano de governo, Bolsonaro liga a criminalidade a um viés ideológico,
afirmando q​ue “coincidentemente, onde participantes do Foro de SP governam, sobre a
criminalidade”. Entre as propostas para acabar com a criminalidade, estão o ​“desarmamento
para garantir o direito do cidadão à legítima defesa” e o fim “da progressão de penas e das
saídas temporárias”​. ​“A violência só cresce no Brasil porque há uma política equivocada de
direitos humanos”.​ 37
O discurso de ódio proferido por líderes mundiais, desde o processo de eleição
fomenta entre a sociedade uma rede de ódio, gerando violência contra o próximo, que é
desumanizado no processo discursivo do fascismo. A espetacularização da aversão na grande
mídia e nas redes sociais, causa a hostilidade, o preconceito e corrompe a atmosfera
democrática e tolerante. A cultura da democracia encontra-se vulnerável perante a aceitação e

35
Disponível em: ​http://https//www.youtube.com/watch?v=ftbZLUWcnTo​ Acesso em 24 jun. 2020.
36
Disponível em:
https://revistaforum.com.br/noticias/bolsonaro-repete-comentario-racista-e-diz-que-apoiador-negro-esta-com-oit
o-arrobas/​ Acesso em 24 jun. 2020.
37
​Disponível em: ​http://https//www.youtube.com/watch?v=Ju_UkqCY-q8​; e
http://divulgacandcontas.tse.jus.br/candidaturas/oficial/2018/BR/BR/2022802018/280000614517//proposta_153
4284632231.pdf​ Acesso em 24 jun. 2020.
​ 40

o crescimento do ódio, um elemento fascista enraizado através do totalitarismo , e que quanto


mais professado trará danos irreparáveis à sociedade.

4. VIVENDO NA DISTOPIA FASCISTA: DIREITOS HUMANOS PARA


QUEM?
De acordo com Boaventura de Sousa Santos ​(1997), o conceito de direitos humanos
assenta num bem conhecido conjunto de pressupostos, todos eles tipicamente ocidentais,
designadamente: existe uma natureza humana universal que pode ser conhecida
racionalmente; a natureza humana é essencialmente diferente e superior à restante realidade; o
indivíduo possui uma dignidade absoluta e irredutível que tem de ser defendida da sociedade
ou do Estado; a autonomia do indivíduo exige que a sociedade esteja organizada de forma não
hierárquica, como soma de indivíduos livres.
A marca ocidental liberal do discurso dominante dos direitos humanos pode ser
facilmente identificada em muitos exemplos: na Declaração Universal (ONU, 1948),
elaborada sem a participação da maioria dos povos do mundo; no reconhecimento exclusivo
de direitos individuais, com a única excepção do direito coletivo à autodeterminação, o qual,
no entanto, foi restringido aos povos subjugados pelo colonialismo europeu; na prioridade
concedida aos direitos cívicos e políticos sobre os direitos económicos, sociais e culturais e no
reconhecimento do direito de propriedade como o primeiro e, durante muitos anos, o único
direito económico. (SANTOS, ​1997)
Mas há também um outro lado desta questão. Em todo o mundo, milhões de pessoas e
milhares de ONGs têm lutado pelos direitos humanos, muitas vezes correndo grandes riscos,
em defesa de classes sociais e grupos oprimidos, por vezes vitimizados por Estados
capitalistas autoritários. Os objetivos políticos de tais lutas são, não raro, explícita ou
implicitamente anticapitalistas.
Gradualmente, foram-se desenvolvendo discursos e práticas contra-hegemônicos de
direitos humanos, foram sendo propostas concepções não ocidentais, organizando diálogos
interculturais. A tarefa central da política emancipatória do nosso tempo consiste em
transformar a conceptualização e prática dos direitos humanos de um localismo globalizado.
(SANTOS, 1997)
De acordo com o Secretário Geral das Nações Unidas, os direitos humanos têm a ver
com a dignidade e o valor da pessoa humana, são a “ferramenta definitiva para ajudar as
​ 41

sociedades a crescer em liberdade”. São instrumentos para “promover o desenvolvimento


sustentável”, para “evitar conflitos, reduzir o sofrimento humano e construir um mundo justo
e equitativo”. (ONU, 2020)
Contudo, vive-se o processo de retirada de direitos humanos devido ao neoliberalismo
e à onda de elementos fascistas disseminados no mundo. Para ele, todas as “sociedades se
beneficiaram dos movimentos de direitos humanos liderados por mulheres, jovens, minorias,
povos indígenas e outros”. No entanto, segundo Guterres, atualmente os direitos humanos
“enfrentam desafios crescentes” e “nenhum país está imune” a essa situação. (ONU, 2020)
O secretário geral afirmou que uma “aritmética política perversa tomou conta” do
mundo, onde a lógica é “dividir as pessoas para multiplicar votos” e o “Estado de direito está
sendo corroído”. Com isso, em muitos países, pessoas estão promovendo manifestações
“contra sistemas políticos que não as levam em consideração e sistemas econômicos que não
conseguem trazer prosperidade para todos”. Guterres disse acreditar que “diante dessas
tensões e testes” os direitos humanos são a resposta. Para ele, são os direitos humanos que
garantem a estabilidade, constroem a solidariedade e promovem a inclusão e o crescimento.
(ONU, 2020)
Diante desse cenário, cabe verificar se há aproximações entre a realidade de
continuidades fascistas atual e as distopias literárias, como forma de análise crítica e reflexão
sobre a gravidade das ameaças e violações concretas de direitos humanos que estão postas.
De acordo com Fromm, o objetivo das distopias é analisar as sombras produzidas
pelas luzes utópicas, as quais iluminam o presente na mesma medida em que ofuscam o
futuro. Elas não possuem um fundamento normativo, mas detêm um horizonte ético-político
que lhes permite produzir efeitos de análise sobre a sociedade. As distopias ou as utopias
negativas “expressam o sentimento de impotência e desesperança do homem moderno assim
como as utopias antigas expressavam o sentimento de autoconfiança e esperança do homem
pós medieval.” (FROMM, 2009, p. 269 ).
Sendo assim, as distopias problematizam os danos prováveis caso determinadas
tendências do presente vençam. É por isso que elas enfatizam os processos de indiferenciação
subjetiva, massificação cultural, vigilância total dos indivíduos, controle da subjetividade a
partir de dispositivos de saber etc. A narrativa distópica é antiautoritária, insubmissa e crítica.
As distopias continuam sendo utopias, no sentido que Jacoby (2001, p. 141) lhe deu, isto é,
não apenas como a visão de uma sociedade futura mas como uma capacidade analítica ou
​ 42

mesmo uma disposição reflexiva para usar conceitos com a finalidade de visualizar
criticamente a realidade e suas possibilidades.
A distopia hoje, passa a ser usada como instrumento de reflexão tendo em vista as
consequências das atrocidades que cerca o mundo na contemporaneidade. Mattéi (2002, p. 13
apud HILÁRIO, 2013 p. 212​) compreende estes efeitos como a perda do sentido no campo da
cultura, da política, da arte, da educação etc. Assim, baseado no entendimento deste autor,
existe o efeito da barbárie sempre que uma ação, uma produção ou uma instituição não
elabora mais o sentido, mas o destrói e consome.
Desta maneira, as três narrativas distópicas supracitadas, refletem acerca de uma
“barbárie civilizada” ou seja, uma sociedade voltada à ação de atos cruéis, heterônomos e
desumanos, sobretudo, voltado para a destruição em benefício do controle de um líder. Estes
atos se dão, não de forma irracional, no bojo de uma emancipação, mas, por consequência de
tal domínio. Cada vez mais, o mundo é acometido por efeitos da barbárie civilizada, o que
implica em sujeição ao sistema vigente.
Sendo assim, a distopia possibilita a liberdade de pensamento crítico acerca da
barbárie que se instala e é figurada de forma naturalizada na sociedade. A partir da imagem de
uma construção histórica do absurdo, pode-se compreender os efeitos de uma construção
social calcada no totalitarismo, que banaliza a barbárie. Em um sentido arendtiano, a barbárie
é uma regressão histórica que deve ser anulada através da ética.
Não é demais afirmar que, neste último âmbito, as distopias ocupam lugar de destaque
na luta pela desbarbarização dos laços sociais na atualidade. Isso porque a partir da análise
distópica pode se compreender os elementos similares usados na realidade e evitar possíveis
implicações futuras.

4.1. 1984

O livro “1984” foi escrito por George Orwell (pseudônimo de Eric Arthur Blair). Foi
concluído no período Stalinista, apresentando alusões ao sistema totalitário soviético, a
exemplo do culto à personalidade do ditador, do aparato repressivo formado por expurgos,
delação de familiares, assassinatos de membros do governo, mudança da super estruturação
da sociedade e o projeto de construção da nova língua.
​ 43

Na obra ficcional, Oceania, Eurásia e a Lestásia são as três potências remanescentes,


que viviam em conflitos entre si. A Oceania é uma sociedade governada por um único partido,
um governo totalitário e repressivo que controla todos os aspectos da vida de seus cidadãos.
Com relação ao Partido Dominante, a sociedade de Oceania é dividida em três classes:
a maioria, representada pelos membros do núcleo do Partido, era a classe privilegiada; a
classe média, membros externos do Partido; e os proletas, os que constituem o restante da
população que suportam altíssimas cargas de trabalho e sofrem as maiores desvantagens
sociais.
No livro, as pessoas não gozam de liberdade e impera a extrema opressão ao
pensamento livre. Em decorrência disso, o líder, denominado GRANDE IRMÃO, promove
um Estado de forte vigilância entre os cidadãos, aliada a uma forte propaganda pessoal,
promovendo o culto único a sua personalidade:
Na parede do fundo fora pregado um cartaz colorido, grande demais para exibição
interna. Representava apenas uma cara enorme, de mais de um metro de largura: o
rosto de um homem de uns quarenta e cinco anos, com espesso bigode preto e traços
rústicos, mas atraentes. Em cada patamar, diante da porta do elevador o cartaz da
cara enorme o fitava na parede. Era uma dessas figuras cujos olhos seguem a gente
por toda parte. O GRANDE IRMÃO ZELA POR TI, dizia a legenda, (ORWELL,
2009, p. 5)

O governo também possuía um forte aparato policial repressivo, sendo uma das
principais ramificações a polícia do pensamento. Essa polícia prendia, julgava e torturava,
além de obrigar as pessoas a penas de trabalhos forçados e morte através dos expurgos, para
quem discordasse do partido ou fosse acusado de tal ato.
Um dos principais delatores da polícia eram as famílias, em especial as crianças
menores. Todas as pessoas que eram membros do partido e da burocracia estatal também era
incentivada a delatar os familiares que estavam traindo a doutrina do governo. Esse
comportamento é incentivado desde a infância e as criança se tornaram espiãs sutis a serviço
do Estado.
Como não era possível abolir a família (ao contrário, os pais eram incitados a gostar
dos filhos quase à moda antiga) as crianças eram sistematicamente atiradas contra os
pais, e ensinadas a espioná-los e a denunciar os seus desvios. Dessa forma a família
se tornara uma extensão da Policia do Pensamento. Era um meio pelo qual todo
mundo podia ser cercado, noite ou dia, por delatores que o conheciam intimamente.
(ORWELL, 2009, p. 129).

No início de 2017, o livro ora mencionado figurou na lista dos mais vendidos nos
EUA. Este impulso ocorreu após uma declaração de Kellyane Conway, assessora de imprensa
do presidente Donald Trump. Conway definiu como “fatos alternativos” as declarações do
​ 44

porta-voz da Casa Branca, Sean Spicer, de que a posse de Trump teria tido o maior público da
história. Fotos comparativas avaliadas por analistas apontaram que a cerimônia teve presença
bem menor, na verdade. O termo, de acordo com o livro, descreve uma sociedade em que o
governo controla estritamente a informação. (G1, 2017)38
A partir disso, passou-se a chamar de ​fake news as notícias veiculadas nas mídias de
comunicação com informações inverídicas ou tendenciosas a fim de convencer a população a
favor ou contra determinada pessoa, grupo ou direito; e reforçar um pensamento, por meio de
mentiras, distorções, saltos lógicos e disseminação de ódio. Esse mesmo fato ocorreu no livro
de Orwell a partir do Ministério da Verdade, onde a história era alterada em função da
manutenção do poder e continuidade do ​status quo​.
Alinhando as ​fake news c​ om os discursos de ódio proferidos pelos governos que
reproduzem elementos fascistas, tem-se, por consequência, o “minuto de ódio” orwelliano39
dentro da sociedade atual. Pessoalmente ou via redes sociais, através de atitudes de violência
física e simbólica, apoiadores dos governos fascistas proferem discursos de ódio contra as
minorias, que são vistas como inimigas, ou contra pessoas que não concordam com o seu
líder.
​ e
No Brasil, a família Bolsonaro está sendo investigada devido a fake news. S
comprovadas as acusações, haveria uma rede de distribuição de ataques a adversários por
meio de uma associação criminosa denominada “Gabinete do ódio”, dedicada à disseminação
de notícias falsas, ataques ofensivos a diversas pessoas, às autoridades e às instituições
(VEJA, 2020)40
Essa forma de atuação não é exclusividade brasileira. Por exemplo, Donald Trump
teve, em maio de 2020, o seu twitter em alerta para ​fake news devido a dois posts que,
segundo a rede social, não têm fundamento. Já o presidente acusa a rede de tentar interferir
nas próximas eleições e “sufocar vozes conservadoras”. (BBC, 2020)41

38
Fonte:
https://g1.globo.com/pop-arte/noticia/1984-de-george-orwell-lidera-lista-de-mais-vendidos-nos-eua-apos-fatos-a
lternativos-de-trump.ghtml​ Acesso em 19 jun. 2020.
39
No livro, esse era um momento de espécie de externalização de raiva irracional. Os membros do partido
interno e externo eram colocados em uma sala de teatro, onde fotos de supostos traidores do grande irmão eram
projetadas na parede. Neste momento, os membros do partido xingavam e gritavam com as pessoas das fotos.
40
Disponivel em:
https://veja.abril.com.br/brasil/investigacao-sobre-fake-news-reaviva-fantasma-que-assombra-bolsonaro/
Acessao em 24 jun. 2020,
41
Disponivel em: ​https://www.bbc.com/portuguese/internacional-52843695​ Acesso em 24 jun. 2020.
​ 45

Já o ​regime de Orban sustenta um complexo e sofisticado esquema de controle da


Justiça, da imprensa e dos espaços públicos. Não por acaso, pesquisas da entidade Open
Society estimam que mais de 50% dos húngaros não acreditam que as eleições no país são
livres e nem que a liberdade de opinião está garantida.
É possível identificar, no livro de Orwell, a disseminação do ódio também através do
momento do expurgo, fato que gera violência, inibindo aqueles que não concordam com o
poder vigente. Pode-se, no mínimo, questionar se a propagação de discursos de ódio por
presidentes de países como EUA e Brasil não incentivaria seus apoiadores a praticar violência
contra opositores e minorias narradas como inimigas - na medida em que suas falas
legitimariam tais atos.42
Outro fator importante na distopia literária sob comento é o descrédito da ciência .
Nela, não existe uma verdade objetiva, provada de forma empírica. A fluidez do conceito de
“verdade” ou de máximas comprovadas pelo estudo científico se relaciona, por exemplo, à
negação do presidente estadunidense sobre o aquecimento global, ainda que seus efeitos
tenham sido comprovados por diversos estudos.
Pode-se ressaltar também a novilíngua - a criação de uma língua monossêmica,
investindo na destruição do sistema linguístico corrente. Através da novilíngua, é possível
manipular de maneira mais eficiente as informações. No mundo, governos com elementos
fascistas trabalham com as ​fake news​, a criação de jogos de espelhos e confusões conceituais
sobre dados científicos, além de promoverem a precarização da educação. Tudo isso gera um
efeito de novilíngua orwelliana.
No Brasil, o presidente declarou, em diversas oportunidades, sua insatisfação com a
educação brasileira e os métodos de ensino, chegando a ponto de afirmar que os livros
didáticos possuem “muita coisa escrita” e que era necessário “suavizar” através de figuras.
(DOM TOTAL, 2020).
Além desta dimensão de elementos, existe a denúncia do domínio que se dá também
no terreno do cotidiano. Os cidadãos, em “1984”, vivem num mundo vigiado. Uma vigilância
ininterrupta que lembra as câmeras de segurança. As teletelas acompanham cada indivíduo,
assim como os atuais tablets e celulares.

42
Vide, por exemplo:
https://g1.globo.com/mundo/blog/sandra-cohen/noticia/2019/08/05/como-a-retorica-incendiaria-de-trump-fomen
ta-rede-de-supremacistas-brancos.ghtml​ Acesso em 25 jun. 2020.
​ 46

4.2. JOGOS VORAZES

O livro de distopia “Jogos Vorazes” foi escrito em 2008 por Suzanne Collins.
Publicado no Brasil em 2010, é uma trilogia que se tornou filme em 2012 com direção de
Gary Ross e produção de Lionsgate.
A história ocorre em um período indeterminado do futuro, pós guerras. Panem se
tornou uma nação onde os conceitos de democracia e liberdade não existem. Há uma
discrepância entre as condições de sobrevivência do povo. A capital goza de privilégios e
riquezas, onde uma elite minoritária vive em opulência, se entregando a todos os tipos de
extravagâncias e consumismo, se entendendo como uma espécie superior. Seu luxo depende
da extração dos recursos e do trabalho dos 12 distritos, que, mesmo sendo majoritários
quantitativamente, padecem de miséria e necessidades básicas, tendo apenas o mínimo para
manutenção da vida.
Na ausência da democracia, tem-se uma divisão radical das classes sociais, onde a
dominante impõe uma ditadura a uma massa dominada, se valendo de altíssima tecnologia,
embasada na vigilância, monitoramento, opressão e coerção. O elemento principal desse
controle é o uso dos meios de comunicação de massa como forma de doutrinação e
subserviência, tendo seu ápice através do ​reality show​ Jogos Vorazes.
Os Jogos Vorazes são um evento de proporções épicas, televisionado para toda a
nação, sendo obrigatório o consumo para os distritos. Foi criado a fim de lembrar à massa da
“grande traição” que cometeram: a rebelião encabeçada por um 13° distrito, envolvendo a
participação dos demais. O 13° teria sido eliminado ao fim do levante, o que é sempre
lembrado, como forma de ameaça e docilização das massas dos 12 distritos trabalhadores.
Para evitar a reincidência dessa insubordinação e lembrar às pessoas do seu poder, e da
obediência que devem ter, devido ao cuidado que é dado pela Capital, uma vez por ano, cada
um dos 12 distritos deve oferecer, no que é denominado Dia da Colheita, um menino e uma
menina com idades entre 12 e 18 anos.
​ 47

As regras dos Jogos Vorazes são simples. Como punição pelo levante, cada um dos
doze distritos deve fornecer uma garota e um garoto – chamados tributos – para
participarem. Os 24 tributos serão aprisionados em uma vasta arena a céu aberto que
pode conter qualquer coisa: de um deserto em chamas a um desencampado
congelado. Por várias semanas os competidores deverão lutar até a morte. O último
tributo restante será o vencedor (COLLINS, 2010, p. 24-25).

Neste futuro distópico, é narrada a luta dos tributos do Distrito 12, Katniss e Peeta. Ao
distrito vencedor é dado o direito ao aumento na provisão de alimentos por um ano. Já ao
jogador vencedor, são dadas riquezas e fama, tornando-se a nova marionete da Capital, para
entreter a nação e fazê-los esquecer dos habituais problemas.
Nessa distopia, é possível identificar elementos fascistas em vários âmbitos. A própria
representação do presidente Edward Snow, que realiza o controle social através da miséria
nos distritos, não apenas com o uso do militarismo e da força vigilante, mas através dos
discursos proferidos entre os distritos, que são estrategicamente mantidos isolados uns dos
outros e entre os quais é alimentada uma rivalidade. No processo de Colheita dos Tributos, ele
utiliza linguagem para justificar os Jogos como algo positivo, em favor da manutenção de
uma falsa paz. Além disso, se vende como um ser bom e benevolente, o qual mereceria a
submissão dos habitantes dos 12 distritos.
A partir de Foucault (2010), é possível encontrar reflexos de uma pseudo paz
embasada no poder, tanto no esquema contrato-opressão, quanto no esquema
guerra-repressão, com maior ênfase neste último, que se baseia na oposição entre luta e
submissão, reflexo e expressão de um poder político para guerra.
E, se é verdade que o poder político para a guerra, faz reinar ou tenta fazer reinar
uma paz na sociedade civil, não é de modo algum para suspender os efeitos da
guerra ou para neutralizar o desequilíbrio que se manifestou na batalha final da
guerra. O poder político, nessa hipótese, teria como função reinserir perpetuamente
essa relação de força, mediante uma espécie de guerra silenciosa, e de reinseri-la nas
instituições, nas desigualdades econômicas, na linguagem, até nos corpos de uns e
de outros. (FOUCAULT, 2010, p. 15).

Contudo, na Capital, é possível identificar que o posicionamento é diferenciado. Seus


moradores vivem e se reafirmam como pessoas superiores, gozando de toda a produção dos
distritos, e vendo o restante do povo como merecedores das mazelas, devido à suposta traição
que teriam cometido no levante passado.
No mundo da obra sob comento, é necessário que haja o controle da massa para que a
elite mantenha seus privilégios. Assim, os Jogos Vorazes são necessários para oferecer ao
povo o mínimo de esperança em uma mudança de vida, ainda que ela seja manipulada e
limitada - um discurso não tão diferente da meritocracia neoliberal.
​ 48

Nesse sentido, diz Snow, presidente de Panem: “Esperança é a única coisa mais forte
que o medo. Um pouco de esperança é eficaz, muita esperança é perigoso. Faíscas são boas
enquanto são contidas.” (COLLINS, 2010.).
O cotidiano, na fictícia Panem e em países com governos fascistas reais, é preenchido
por imagens, sobretudo, de violências da vida, a partir da naturalização e da espetacularização
da morte e da falta de liberdade. Afinal, quando se assiste ao confinamento e à degradação
humana de forma corrente, a violação a direitos humanos se torna banal.
É possível identificar a semelhança entre Jogos Vorazes e os governos fascistas no que
tange o emprego em demasia da violência e da espetacularização dela para fomentar o medo e
o caos. Em Panem que sofre pela repressão sãos os moradores dos distritos, no contexto real
são as minorias sociais
No Brasil é possível identificar as vítimas desse sistema através da cor e do local em
que reside. Os jovens são mortos covardemente pela polícia respaldada pelo Governo, com
isso possuem legitimidade para instaurar o medo, e nesse contexto se perdem vidas como as
de Aghata de 8 anos, Francisco de 26 anos. Rodrigo de 19 anos, João Pedro de 14 anos. De
acordo com pesquisa realizada com Mapas que investigam violência e divulgada no G1, O
Brasil teve ao menos 5.804 pessoas mortas por policiais no ano passado – um aumento de
1,5% em relação ao ano anterior, quando foram registradas 5.716 vítimas (sem contar Goiás
em ambos os anos). A taxa de mortes pela polícia ficou em 2,9 a cada 100 mil habitantes,O
país teve 159 policiais assassinados em 2019 (menos que em 2018, quando 326 oficiais foram
mortos. (G1, 2020)
Não apenas esse, de acordo com o RELATÓRIO MUNDIAL 2020 (Human Rights
Watch) Até 1º de outubro, mais de 830.000 adultos estavam presos nas instalações prisionais
brasileiras, mais de 40% deles aguardavam julgamento, segundo o Conselho Nacional de
Justiça (CNJ). Em junho de 2017, o número de presos já excedia a capacidade máxima das
instalações prisionais em 70%, de acordo com os dados mais recentes.
A superlotação e a falta de pessoal tornam impossível às autoridades prisionais manter
o controle em muitas prisões, deixando os presos vulneráveis à violência e ao recrutamento
por facções criminosas. Detentos mataram 117 outros presos em cinco prisões dos estados do
Amazonas e do Pará em menos de três meses em 2019. Todos esses elementos é reflexo de
um Estado que reproduz violência, tanto na distopia quanto na vida real.
​ 49

Nos Estados Unidos não é tão diferente, de acordo com o Relatório Mundial 2020 de
Direitos Humanos realizado pela (Human Rights Watch) a polícia teria matado 783 pessoas
nos EUA em 2019 até meados de novembro, uma redução em relação ao ano anterior. Dos
mortos cuja raça é conhecida, 20% eram negros, apesar de os negros constituírem 13% da
população. (RELATÓRIO MUNDIAL 2020).
Já na França de acordo com o Relatório “As autoridades francesas instauraram
dezenas de investigações sobre alegações de uso excessivo da força, mas, até novembro,
apenas dezoito delas haviam chegado a um juiz. Em novembro, o promotor de Paris anunciou
que dois policiais seriam responsabilizados judicialmente por violência, os primeiros casos do
tipo. Até a elaboração deste relatório, nenhum policial havia sido responsabilizado.” (Human
Rights Watch, 2020)
Outro elemento também bastante evidente em Jogos Vorazes é o uso de simbologias,
tanto na Capital exaltando o presidente como entre os distritos após decidir se revoltar.
É instigante como os governos que utilizam de elementos fascistas não gostam de ser
vinculados a prática mas insere sempre que possível elementos similares ao fascismo antes
vivenciado. O símbolo lembrava em forma e cor a uma suástica que mantém na imagem a
chama, que é exatamente o formato do símbolo do fascismo.
Nos Estados Unidos ocorreu fato semelhante quando Donald Trump se inspirou em
um símbolo Supremacista Branco para para criar o seu novo símbolo, A logo foi completa
com uma frase dita por Mussolini​— ​“melhor viver 1 dia como um leão do que 100 anos como
uma ovelha” Contudo, muitos apoiadores tentam justificar alegando que é razoável a
liberdade para se criar símbolos sem estar vinculado diretamente com o fascismo. De acordo
com o Relatório Mundial de Direitos Humanos 2020, Apesar do aumento dos ataques
supremacistas brancos na última década, principalmente desde 2016, e das evidências de que
alguns autores fazem parte de um crescente movimento transnacional de supremacistas
brancos, as agências policiais dos EUA dedicaram muito menos recursos para impedir esses
tipos de ataques do que para a ameaça de ataques inspirados por interpretações extremas do
Islã. Em setembro.
No Brasil o presidente Bolsonaro e seus aliados no governo usam de elementos
simbólicos mais sutis, e outros mais fáceis de identificar, como o discurso feito pelo então
Secretário da Cultura Joseph Goebbels referenciando a propagando da ​Alemanha nazista,
desnuda o viés fascista do governo do presidente Jair Bolsonaro. (REDE BRASIL ATUAL)
​ 50

Essas práticas não estão distantes da realidade hoje, como se vê com a apropriação de
nomes, cores e emblemas nacionais como símbolos de líderes e seus apoiadores fascistas no
Brasil, nos EUA e na França- tudo isso facilita chamar os grupos discordantes de “inimigos de
pátria”.
A presença do totalitarismo na obra de Collins, bem como nos clássicos do século XX,
traz a percepção de uma incômoda potencialidade da antiga ameaça fascista. Além de obras
ficcionais, o maior paralelo que se pode fazer com Jogos Vorazes é com a realidade.

4.3. O CONTO DA AIA


“O Conto da Aia” foi escrito por Margareth Atwood em 1985. É mais um exemplo de
distopia que faz sucesso na atualidade e representa elementos do contexto social em que se
vive. Nesse caso, a representação da vinculação entre o fascismo e a religião, e como estes,
juntos, se moldam para exercer o poder e submeter as mulheres aos homens.
A história do livro narra um futuro distópico em que uma crise ambiental, após o
resultado de uma exploração sem controle, traz por consequência ações radioativas, que
causam infertilidade e amaçam o futuro da espécie humana.
Em busca de reverter a situação, um grupo fundamentalista religioso assume o poder
do território Estadunidense e o transforma na República de Gilead, sob um governo
teocrático. Os direitos das mulheres são retirados de forma gradual, sendo elas as principais
vítimas do novo sistema, uma vez que a base do conservadorismo reserva à mulher o papel de
submissão total e irrestrita ao homem.
O discurso do novo governo possui características fascistas, tendo como base a ideia
da necessidade de se resgatar a nação de uma crise de dimensões apocalípticas. Para isso,
seria necessário regressar aos valores da família e da fé cristã. Então, as mulheres são
divididas entre as categorias de: Esposas, Marthas e Aias.
As esposas são as mulheres casadas com os comandantes políticos. Figurando na elite,
reproduzem os papéis de gênero atribuídos na sociedade conservadora, são submissas e
algumas fizeram parte do golpe através dos discursos a favor da família, mas também são alvo
de violência patriarcal naturalizada na sociedade.
As Marthas e as Aias são as mulheres que se voltam contra os mandamentos, viveram
uma vida de pecado, não foram submissas, visto que acreditavam ser donas de si e do seu
destino. Contudo, a diferença fundamental entre elas era a capacidade de reprodução.
​ 51

Nessa distopia, devido à grave crise ambiental houve impacto na saúde das pessoas,
dentre elas a fertilidade. A responsabilidade pela fertilidade, em Gilead, era exclusivamente
feminina. “Estéril. Isso é uma coisa que não existe mais, um homem estéril não existe, não de
maneira oficial. Existem apenas mulheres que são fecundas e mulheres que são estéreis, essa é
a lei.” (ATWOOD, 2017, p.75). Dessa forma, aquelas que eram férteis, se tornavam Aias; as
inférteis, Marthas.
As Marthas eram responsáveis pelo cuidado doméstico das casas das Esposas e seus
Comandantes. As Aias, pela reprodução. Com isso, as Aias eram submetidos a estupros
consentidos pela Esposa e aceitos socialmente em nome de Deus, visto que viviam para
cumprir o papel “sagrado” da mulher: dar a vida. Assim, a partir desse ato de violência, a Aia
poderia se redimir dos seus pecados.
O controle era exercido de forma exclusiva pelos homens, não existindo mulheres em
lideranças ou em qualquer espaço público. Elas eram proibidas de ler, de ter acesso a
educação, ou qualquer direito de decisão, tendo que se submeter silenciosamente às leis da
República de Gilead, formuladas por homens “de bem”, “de Deus”.
Ao longo do livro, a autora dá pistas que ocorreu um processo longo de retirada de
direitos. Pouco a pouco. Primeiro foi realizado o confisco do salário das mulheres, sendo o
valor administrado pelo marido ou pelo parente masculino mais próximo. E seguida, houve a
proibição do direito de se trabalhar fora, depois o não reconhecimento legal das uniões
homoafetivas. O que faz refletir que um golpe nunca ocorre de maneira abrupta.
Um sistema fascista aos moldes de Gilead se implanta lentamente, através de
gradativas perdas de direitos que vão sendo, uma a uma, justificadas na via discursiva como
medidas excepcionais e necessárias, para resolver certos problemas que não teriam qualquer
opção.
​ 52

Nada muda instantaneamente: numa banheira que se aquece gradualmente você seria
fervida até a morte antes de se dar conta. Havia matérias nos jornais, é claro. Corpos
encontrados em valas ou na floresta, mortos a cacetadas ou mutilados, que haviam
sido submetidos a degradações, como costumavam dizer, mas essas matérias eram a
respeito de outras mulheres, e os homens que faziam aquele tipo de coisa eram
outros homens. Nenhum deles eram os homens que conhecíamos. As matérias de
jornais eram como um sonho para nós, sonhos ruins sonhados por outros. Que
horror, dizíamos, e eram, mas eram horrores sem serem críveis. Eram demasiado
melodramáticas, tinham uma dimensão que não era a dimensão de nossas vidas.
Éramos pessoas que não estavam nos jornais. Vivíamos nos espaços brancos não
preenchidos nas margens da matéria impressa. Isso nos dava mais liberdade.
Vivíamos nas lacunas entre as matérias. (ATWOOD, 2017, p. 71).

Como diria Beauvoir (2016, p. 158), “basta uma crise política, econômica ou religiosa
para que os direitos das mulheres sejam questionados”. Isso ocorre hoje, impondo pausas e
retrocessos ao processo histórico de luta em defesa dos direitos das mulheres. Por exemplo, é
possível identificar propostas de lei pautadas em argumentos religiosos que fragilizam direitos
outrora conquistados pelas mulheres, como o de aborto em caso de gestação decorrente de
estupro.43
No Brasil, o avanço das Igrejas Pentecostais/Neopentecostais e o espaço que possuem
no cenário político é a chave para analisar as ações que restringem os direitos da mulher, em
especial sobre a classe trabalhadora. Esse avanço vem ocorrendo de forma gradual e trazendo
como característica a aproximação entre a extrema-direita e setores da Igreja Evangélica.
Essa aproximação pode ser constatada com os inúmeros projetos de lei enviados ao
Congresso Nacional por políticos da Frente Parlamentar Evangélica44. Outro ato que
corrobora esse alinhamento foi a extinção do Ministério de Direitos Humanos e consequente
criação do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, comandado pela pastora
evangélica Damares Alves45. A Ministra é contra o aborto, defende a vida a partir da

43
Atualmente, essa é uma das hipóteses legais de aborto no Brasil, conforme o artigo 128 do Código Penal
(BRASIL, 1940). Porém, o Projeto de Lei 352/2019, apresentado na Câmara Municipal de São Paulo em maio de
2019 por Fernando Holiday, parece extraído diretamente de Gilead, tecendo um processo legalista-burocrático
apto a dificultar os procedimentos do aborto legal e dissuadir a vítima do estupro de fazê-lo, independentemente
de danos físicos e psicológicos a ela.
44
Enquanto isso a bancada evangélica vem desenterra Pecs camuflando seu principal interesse, o
desmantelamento dos direitos fundamentais principalmente das minorias, Houve votação das ​PECs 181 e 58,os
membro da Frente Parlamentar Evangélica do Congresso, introduziu no texto final, aprovado na quarta-feira,
outras propostas de mudanças constitucionais. O inciso III do artigo 1º da Constituição Federal incluirá entre os
fundamentos do Estado Democrático de Direito a "dignidade da pessoa humana, desde a concepção".Sendo
assim, passa a se caracterizar a personalidade jurídica após a concepção e não do nascimento com vida, o que
dificulta ainda mais o processo de legalização do aborto. Disponivel em:
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/11/09/politica/1510258493_477218.html​ Acesso dia 25 de Jun.2020
45
A ​Ministra defende a ​abstincia seuxual Disponivel em ;​https://www.bbc.com/portuguese/brasil-48479429
não tão diferente do Conto da Aya. são mulheres sendo restringidas por um processo ultra conservador.
​ 53

concepção e rechaça o que chama de “ideologia de gênero”, reforçando papéis sociais


desiguais atribuídos pela bíblia cristã a homens e mulheres.
A Ministra Damares, O movimento Escola sem Partido é outro debate político que
visa proibir a discussão de gênero no ensino básico. 46Isso cria um terreno favorável para a
consolidação da ideologia conservadora e atribuição de papéis específicos para homens e
mulheres, cabendo à mulher a submissão. Isso cria bases para a legitimação da violência
contra a mulher no campo institucional.
Como no Conto da Aia, a reforma educacional é um dos meios para que não haja, nas
próximas gerações, nenhuma resistência ou estranhamento aos papéis de gênero de homens e
mulheres.“O costumeiro, dizia tia Lydia, é aquilo que vocês estão habituadas. Isso pode não
parecer costumeiro para vocês agora, mas depois de algum tempo será. Irá se tornar
costumeiro.” (ATWOOD, 2017, p. 46).
Ao sacralizar a família nos moldes tradicionais, remetem-se às mulheres à maternidade
compulsória e reforça-se o ódio e a intolerância à sexualidade. Esses elementos estão
presentes no governo do Presidente do Brasil no mandato que se iniciou em 2019. Ele é
contra o aborto e acha que mulheres devem ganhar menos que os homens (apesar de
desempenharem a mesma função), por terem direito a licença maternidade. Ao ratificar a
disparidade de salários pela capacidade reprodutiva da mulher, esse discurso as relega à esfera
privada, onde é possível exercer o “chamado divino”, a maternidade. Como nas palavras de
​ EICH, 2001, p. 66):
Hitler (​apud R
Por mais que se alarguem os campos de atividades da mulher, o fim último de uma
evolução orgânica e lógica terá de ser sempre a constituição da família. Ela é a
menor, mas a mais valiosa unidade na construção de todo o Estado. O trabalho honra
tanto o homem quanto a mulher. Mas o filho enobrece a mãe.

Dessa forma, o Estado, através do seu braço legislativo, cria as condições para o
aprofundamento da opressão/exploração das mulheres. Tendo em vista os vários projetos de
lei47, não seria leviano inferir que o Brasil caminha a passos largos para a retirada de direitos
das mulheres, legitimando e naturalizando a violência patriarcal na qual se estrutura a
sociedade.

46
Escola sem partido Disponivel em ​https://www.bbc.com/portuguese/brasil-46006167 Acesso em 25 de jun.
2020
47
Além dos projetos já citados a bancada busca efetivar o retrocesso através de aprovação de PEcs que restringe
o direito das mulheres e das minorias. São entre eles O Projeto de Lei 6583/2013, do deputado Anderson
Ferreira (PR), que requer a proibição do casamento homoafetivo. O Projeto de Lei 8.099/2014, de Marco
Feliciano (PSC-SP), prevê o ensino da doutrina criacionista nas escolas.
​ 54

Na Hungria mulheres também sofre as consequências de um mundo conservador,


devido ao fato de proibir estudo de gênero dentro das escolas. ​O vice-primeiro-ministro de
Orban, Zsolt Semjen, afirmou que os estudos de gênero "não têm negócios (sendo ensinados)
nas universidades", porque é "uma ideologia, e não uma ciência". A demanda do mercado de
trabalho por graduados em estudos de gênero também era "próxima de zero", já que "ninguém
quer empregar um ologista de gênero", disse Semjen.(EXTRA, 2018)

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vive-se um momento de instabilidade política mundial, em que líderes nacionalistas
cometem ações antidemocráticas e autoritárias, mesmo supostamente governando Estados
Democráticos de Direito. A consequência é a privação aos direitos fundamentais da
população, sobretudo a que compõe as minorias políticas narradas como inimigas pelo
discurso fascista. Esses governos apresentam características historicamente atribuídas ao
fascismo clássico, bem como outras que os inserem no contexto presente.
Nesse cenário, a proposta desta monografia era analisar como elementos
substancialmente fascistas retornam e/ou persistem em um Estado supostamente Democrático
de Direito. O primeiro objetivo específico se referiu à contextualização histórica e conceitual
do fascismo. Foi cumprido no capítulo 2, ao realizar uma análise sobre o significado do
fascismo, entendendo que ele é um movimento, transmutando-se através da história para se
enquadrar a diferentes contextos e demandas sociais, chegando ao sistema democrático
contemporâneo. A revisão bibliográfica possibilitou compreender novos termos, como o
pós-fascismo, fascismo social e o fascismo eterno, uma vez que estes novos construtos não
possuem todas as características iniciais do fascismo clássico, porém suas ações
antidemocráticas, baseadas em ódio e mentiras, perpetuam a essência fascista. Afinal, as
mudanças desses elementos ocorrem devido ao decurso do tempo e das novas demandas e
interesses, porém mantendo sua substância manifestamente fascista.
O segundo objetivo específico buscou compreender se o discurso de ódio proferido
por líderes mundiais configura elemento fascista. Foi cumprido no capítulo 3, descrevendo
inicialmente o significado o discurso, sua importância para a eternalização do ser humano no
espaço público e como pode ser deturpado através de mentiras, frases clichês vazias,
banalização do mal, propaganda de terror, paranoia e outros subterfúgios para perpetuar no
poder um determinado líder ou grupo. Em seguida, identificou-se o conceito de discurso de
​ 55

ódio, utilizando matrizes jurídicas para a discussão do limite entre a liberdade de expressão e
esse discurso.
Foi verificado, através de exemplos de discursos dos líderes mundiais que, ao longo da
pesquisa, foram sendo identificados como potencialmente fascistas, se suas posições de fato
se encaixam nesse molde, implicando em consideráveis violações de direitos humanos e
tensionamento do suposto Estado Democrático de Direito. Isso foi realizado no capítulo 4.
Esse mesmo capítulo deu conta do terceiro e último objetivo específico, que era
exemplificar por analogia as características desses elementos em discursos de líderes
mundiais atuais através de literatura distópica. Contrapondo os exemplos concretos atuais
com obras como “1984” de Orwell, “Jogos Vorazes” de Collins e “O conto da aia” de
Atwood, foram evidenciados elementos em comum, como a vigilância e a sua justificação
através da violência, o controle de informação através da mídia e das ​fake news,​ o descrédito
da ciência, o uso de novilíngua, a espetacularização da morte e o controle a partir do medo, a
utilização de simbologias semelhantes à do período nazista, a banalização do mal por parte
das elites e a relação entre a religião (em viés conservador) e o Estado. Com tudo isso, o
cenário vivido hoje se aproxima das piores cenas de literatura distópica que, então, já não
parecem fantasiosas.
Essa relação de objetos ajuda a compreender o que está se vivenciando na sociedade
atual, uma vez que é preocupante o processo de perda de direitos humanos devido a governos
que infringem a lei e a manipulam em seu favor, utilizando de autoritarismo para impor seus
ideais e manter seus privilégios. Observa-se, então, um simulacro de Estado Democrático de
Direito.
Coube a este trabalho identificar a existência da ressignificação das características e
elementos fascistas, que se encontram presentes em atos de líderes nacionalistas
contemporâneos, reverberando através de grupos saudosistas e/ou desejosos de um governo
totalitário. A continuidade e/ou retorno desses elementos traz efeitos danosos à sociedade, em
retrocesso no âmbito dos direitos fundamentais que, supostamente, estariam protegidos pelo
sistema jurídico internacional.
Futuras pesquisas devem se debruçar sobre outros questionamentos que emergiram
durante esta pesquisa, como por exemplo: por que vias (se alguma) seria possível às minorias
políticas perseguidas impedir o processo atual de instauração de Estados totalitários
simulando democracias? Em que medida a mera existência de tratados internacionais de
​ 56

direitos humanos contribui para proteger essas minorias? As organizações internacionais e/ou
o sistema jurídico internacional pode, de alguma forma, evitar que, no futuro, haja nova
reorganização de grupos com ideais fascistas a ponto de buscar retomada de poder?
​ 57

RELATÓRIO ANTIPLÁGIO
​ 58

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