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Salvador
2020
MIZIA DUARTE SILVA
Salvador
2020
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, por guiar os meus passos, construir os caminhos de luta e me oportunizar a
conquista de espaços e transformações.
A senhora Kátia, que me ensinou, em pequenos gestos, a sempre praticar a generosidade com
bom humor até os últimos dias de vida. Uma alma linda, que só transmitia bondade, o
verdadeiro significado de que o amor move. Saudades.
Agradeço aos meus pais, por todo por toda a confiança dispensada, a mim, por terem fé e
mesmo com o caos vivenciado.
Ao professor Zé do Bráz, porque não acredito em meritocracia, e se tenho o privilégio de
estar vivenciando esse momento, é porque na infância tive um direcionamento de um grande
motivador.
Aos meus amigos, em especial Alex, Alexandre, Gabriel, Guilherme, Rayssa, Urânia e
Táclida, que se tornaram elementos da minha existência e agregaram de forma inenarrável
para a construção crítica de toda a teoria absorvida ao longo do curso, além, da disposição no
apoio emocional.
A minha namorada Cliseide, por ser a base em momentos de incertezas, por estar ao meu lado
compartilhando todas as adversidades, sendo sempre receptiva e parceira, auxiliando, dando
apoio e me oferecendo o mundo de afetividade, sempre acreditando no sucesso.
Agradeço, ademais, a minha querida mestre Érica Rios de Carvalho, pela sutileza de perceber
em mim um potencial, mesmo quando eu não conseguia vislumbrar, por fomentar ainda mais
a minha paixão pelos Direitos Humanos, me ensinando que mesmo sendo céticos, não
podemos recuar a luta contra um Estado que reproduz opressão e desigualdade, e isso, é a
base de tudo.
“Fico na esperança de que, à medida que o tempo passe,
consigamos pouco a pouco readquirir a liberdade que
existia entre nós, mas uma parte de mim sabe que isso é
algo sem sentido. Não há como voltar atrás.”
(Suzanne Collins)
SILVA, Mizia Duarte. O FASCISMO CONTEMPORÂNEO: ELEMENTOS DE
CONTINUIDADE E/OU RETORNO DENTRO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE
DIREITO. Salvador, 2020, 63f. Monografia de Conclusão de Curso (TCC). Universidade
Católica do Salvador (UCSAL), Salvador, 2020.
RESUMO
Esta pesquisa propõe uma análise sobre o fascismo contemporâneo e a sua continuidade e/ou
retorno dentro de um Estado Democrático através da análise de elementos característicos,
ilustrando com base nos discursos de ódio, identificando as possíveis consequências para a
perda de direitos fundamentais, fazendo analogias a partir de literatura distópica. O problema
tem como fundamento a onda de ações autoritárias e violentas que estão se perpetuando a
partir de líderes dentro do sistema (supostamente) democrático brasileiro. A dificuldade de
compreensão desses atos como fascistas implica em perda de direitos fundamentais outrora
efetivados ou em vias de efetivação. Como metodologia, utilizou-se revisão bibliográfica e
análise documental. Aplicou-se recorte temporal de 10 anos para a revisão de literatura. Os
resultados finais mostraram que o fascismo segue presente desde o seu nascimento. Contudo,
se transmuta a partir do contexto histórico, para se adequar às demandas sociais Todavia,
apesar da atual conformação dos elementos, as bases características são as mesmas, trazendo
como consequência a restrição de direitos fundamentais em prol do controle da massa.
ABSTRACT
The research question is an analysis of contemporary fascism and its continuity and/or return
within a Democratic State through the analysis of characteristic elements, illustrating based
on hate speech, identifying the possible consequences for the loss of rights fundamental,
exemplifying from dystopias. The problem is based on the wave of authoritarian and violent
actions that are perpetuating themselves from leaders within the current democratic system,
the difficulty of understanding these acts as fascists implies the loss of fundamental rights that
were once carried out. As methodology, bibliographic research and document analysis were
conducted. A 10-year time frame was applied for the bibliographic review. The final results
showed that fascism has been present since its birth, however, it is transmuted according to
the historical context, adapting to social demands. Despite the current formation of the
elements, the characteristic bases are the same and consequently it restricts fundamental rights
in order to achieve mass control.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS 7
3. ELEMENTOS FASCISTAS 18
RELATÓRIO ANTIPLÁGIO 51
REFERÊNCIAS 53
7
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O Fascismo significa, “um movimento político e filosófico ou regime, como o
estabelecido por Benito Mussolini na Itália, em 1922, que faz prevalecer os conceitos de
nação e raça sobre os valores individuais e que é representado por um governo autocrático,
centralizado na figura de um ditador” (DICIO, 2020).
Esse modelo foi implementado após a Primeira Guerra Mundial sob o comando de
Mussolini. Na mesma época, inspirou o surgimento do nazismo, na Alemanha. Ambos são
considerados como regimes de extrema-direita, marcados por elementos ditatoriais e
militarizados, que levaram ao padecimento de milhões de indivíduos.
O Fascismo não está consolidado em sólido arcabouço teórico, o que faz com que suas
características sejam expressadas através da prática. Fato que é reiterado por Orwell (2017, p.
85): “não temos uma doutrina pronta; nossa doutrina é a ação.”
Mesmo após o fim do regime fascista italiano e das ditaduras que a ele se
assemelhavam, não raro, encontram-se grupos de indivíduos movidos por desejos atemporais,
saudosistas por um Estado composto por totalitarismo, militarismo, corporativismo,
autoritarismo, todos embasados em ideais “ultraconservadoras”.
Esses grupos, por um período na segunda metade do século XX, estiveram
distanciados do cenário político. Porém, com a fragilidade imposta pelas sistêmicas crises do
capital, passaram a se manifestar e obtiveram representação por líderes que, embora não se
declarem abertamente fascistas, almejam o poder irrestrito e trazem, em suas ações, os
elementos que nortearam tal sistema, inclusive com bandeiras de supressão de direitos
fundamentais.
Por não ser possível identificar com clareza em um único indivíduo todas as
características fascistas já praticadas na história, questiona-se a natureza de ações autoritárias
atuais e se elas se enquadram como fascistas.
Para isso, é preciso analisar como elementos com substancial fascista retornam e/ou
persistem em sistemas que consagraram o Estado Democrático de Direito - ainda que
teoricamente. Esse trabalho, portanto, tem como objetivos específicos: (i) contextualizar
histórica e conceitualmente o fascismo; (ii) compreender se o discurso de ódio proferido por
líderes mundiais configura elemento fascista mesmo dentro de Estados Democráticos de
Direito; e (iii) exemplificar por analogia as características desses elementos em discursos de
líderes mundiais atuais através de literatura distópica.
8
Baseado em ECO o apelo aos jovens e à família instigou grande apoio popular ao
regime do Duce (título dado ao Mussolini) “Eu estava ali esperando seu discurso, posto que
toda a minha infância havia sido marcada pelos grandes discursos históricos de Mussolini,
cujos trechos mais significativos aprendíamos de cor na escola. Silêncio. Mimo falou com voz
rouca, quase não se ouvia: “Cidadãos, amigos. Depois de tantos sacrifícios dolorosos... aqui
estamos. Glória aos que caíram pela liberdade.” Foi tudo. E ele entrou de novo. A multidão
12
como perda de territórios e proibição de qualquer produção de armas pesadas, além de obrigar
a Alemanha a pagar uma indenização aos países vitoriosos. Esse cenário pós-Primeira Guerra
criou nos alemães um sentimento de revanchismo em relação a outros países e de busca por
culpados, o que fortaleceu o extremismo nacionalista. Fato que é confirmado por Melo D.
(2019, p. 6) “[...] mesmo fora do ambiente desses dois países, na década de 1930 importantes
representantes do liberalismo político teceram elogios ao regime do Terceiro Reich, como foi
o caso mais escandaloso de David Lloyd George, um quadro do Partido Liberal britânico que
não só se opôs à qualquer medida hostil da Inglaterra em relação à Hitler, como teceu elogios
ao regime nazista.”
Até mesmo Ludwig Von Mises, que mais tarde se tornaria um dos principais ideólogos
do chamado neoliberalismo reconheceu o caráter “civilizatório” do fascismo em uma
importante seção do seu livro Liberalismo segundo à tradição clássica, de 1927, quando
escreveu as seguintes palavras:
“Não se pode negar que o fascismo e movimentos semelhantes, visando ao
estabelecimento de ditaduras, estejam cheios das melhores intenções e que sua
intervenção, até o momento, salvou a civilização européia. O mérito que, por isso, o
fascismo obteve para si estará inscrito na história. Porém, embora sua política tenha
propiciado salvação momentânea, não é do tipo que possa prometer sucesso
continuado. O fascismo constitui um expediente de emergência. Encará-lo como
algo mais seria um erro fatal.” ( VON MISES, 1987, p. 53).
1
Essa visão resultou na morte de mais de 6 milhões de pessoas em campos de concentração, a grande maioria
formada por judeus.
14
por Antônio de Oliveira Salazar entre 1932 e 1968. Já na Espanha, apareceu durante o
governo de Francisco Franco, de 1939 a 1976.
De acordo com Argenot (2018, p. 251) A influência dos regimes fascistas chegou
também ao Brasil. Logo após a Revolução de 1930, surgiu o integralismo. Influenciado pelo
fascismo italiano, combatia os defensores de pensamentos de esquerda. Sua principal
liderança foi Plínio Salgado. O integralismo perdeu legitimidade e amparo legal no Brasil de
Getúlio Vargas após o país ter ingressado na 2ª Guerra Mundial com os Aliados. Afinal, ficou
insustentável lutar nos frontes contra o nazi-fascismo e, internamente, permitir a perpetuação
ostensiva de seus ideais e práticas.
Ainda que tenha entrado em crise após a Segunda Guerra Mundial, com a derrota de
Hitler e Mussolini, o fascismo continua a ganhar força em contextos de crise (seja ela
econômica, política ou social). Alguns aspectos da ideologia fascista parecem ressurgir até
hoje em grupos e partidos políticos, como os na Europa que defendem plataformas políticas
xenófobas.
Portanto, a discussão vigente na atualidade é se seria possível considerar que o mundo
vive uma nova onda fascista, uma mutação histórica, ou se seria inadequado fazer tal
comparação. É necessário, sobretudo, compreender o fascismo como uma tradição política, e
não como um evento extraordinário, uma anomalia fixada em um período de dor e que trouxe
devastação dos direitos fundamentais. Por isso, adota-se aqui o conceito genérico, uma vez
que, a depender do contexto histórico e contingencial, permite mudanças para se enquadrar.
Alguns autores2 defendem que o fascismo clássico, da primeira metade do século XX,
não faz mais parte da atualidade em sua integralidade, devido ao processo de avanço
histórico, social e político TRAVERSO (2019, p.15) Contudo, houve o surgimento de dois
termos, “neofascismo” e “pós-fascismo”, um experienciado pouco após o fim do fascismo
clássico e o outro vivenciado no momento atual.
Com base na afirmação de Argenot (2018), é difícil encontrar a data específica em que
se inicia a difusão do “neofascismo”. Após o período de guerra, o fascismo se perpetua em
um grande número de fiéis, fazendo com que sobreviva de forma clandestina.
2
Autores como os historiadores Angelo Argenot, Enzo Travessos e o sociólogo italiano Domenico de Masi, não
acreditam que o fascismo clássico se apresente na atualidade em sua essência, uma vez que não possuem todas as
características vivenciadas no período inicial. Disponível em:
<https://www.bbc.com/portuguese/internacional-45750065> Acesso dia 24 de Jun. 2020.
15
Até é o fim dos anos de 1970, o fascismo podia parecer, para as mentes sóbrias,
desaparecido ou reduzido ao estado “ultra-grupuscular” e este, por toda a
Europa. Dois regimes, na Espanha e em Portugal, eram provenientes da era
fascista, mas eles atingiram o estágio de decadência estagnante e de senilidade
antes de seu desaparecimento anunciado. (ARGENOT, 2018, p. 257).
3
16
4
Para complemento de informação: EL PAÍS. Marine le Pen, a filha preferida que maquia o extremismo.
Disponivel em: https://brasil.elpais.com/brasil/2017/05/06/internacional/1494093753_455819.html Acesso em
25 jun. 2020
G1. Quem são os lideres por trás da direita radical. Disponivel em:
https://g1.globo.com/mundo/noticia/2019/05/03/quem-sao-os-lideres-por-tras-do-avanco-da-direita-radical-na-eu
ropa.ghtml Acesso em 25 jun.2020
17
ascenderam ao poder sem romper com o Estado de Direito - pelo contrário, fazendo uso de
suas regras.
Por um lado, a nova extrema direita não é mais fascista; por outro, não podemos
defini-la sem compará-la ao fascismo. A nova direita é uma coisa híbrida que pode
retornar ao fascismo, ou pode se transformar em uma nova forma de democracia
populista conservadora, autoritária. O conceito de pós-fascismo tenta capturar isso.
(TRAVERSO, 2019, on-line).
Ele também se encontra ainda mais presente na Alemanha representado pelo partido
AfD (Alternativa para a Alemanha) que conseguiu, em setembro de 2017, conquistar 94
assentos no Bundestag e se consagrar como terceiro partido mais votado do país. e na eleição
na Áustria5 em 2017, através do partido FPÖ (Partido da Liberdade da Áustria) liderado por
Heinz-Christian Strache, que é o novo vice-chanceler do país. Mesmo em regiões que viveram
experiências traumáticas no passado, devido à ocupação nazista, a exemplo da Grécia6
representado pelo partido Aurora Dourada de Nikolaos Michaloliakos, houve um
considerável aumento da votação em partidos que trazem em seus discursos elementos
fascistas.
Vale ainda ressaltar a aparição de grupos que expressamente se declararam
neonazistas e fascistas na Ucrânia. Pode-se identificar esses elementos também a partir de
atentados terroristas como o cometido pelo norueguês Anders Breivik, que matou 77 pessoas
em Julho de 2011, em um ataque ao acampamento da juventude do Partido Trabalhista, após
o mesmo ter divulgado um manifesto onde definia como ameaças ao Ocidente o “marxismo
cultural” e o “feminismo Islã? (MELO, 2016).
Griffin (2014), com sua definição de “ultra-nacionalismo palingenético”, vê ele se
perpetuar nos nossos dias, vez que é uma ideologia pluridimensional e flutuante que não pode
desaparecer, pois muda muito e é suscetível a metamorfoses inesperadas. O fascismo como
movimento de massa e o regime totalitário e militarista pertencem, em contrapartida, a uma
época passada, o que não significa, de acordo com o autor, que o Estado de Direito e a
democracia, naturalizados e estabilizados no Ocidente, sejam um fato imutável e que
nenhuma crise profunda poderia colocá-los abaixo.
5
Para complemento de informação: BBC NEWS. Por que a Áustria se tornou inspiração para extrema-direita na
Europa. Disponivel em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-42492587 Acesso em 25 jun. 2020
6
EXAME. Conservadores derrotam a esquerda na Grécia e Mitsotakis assume cargo. Disponivel em:
https://exame.com/mundo/kyriakos-mitsotakis-toma-posse-como-primeiro-ministro-da-grecia/ Acesso em 25
jun.2020
18
7
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3. ELEMENTOS FASCISTAS
3.1. OS ELEMENTOS FASCISTAS CLÁSSICOS
O Fascismo clássico possui características fundamentais que se enraizaram e serviram
de base para os novos elementos surgidos ao longo do tempo. Suas particularidades podem
ser identificadas como norteadores para o pós-fascismo, porém, através de abordagens e
discursos sutis - haja vista inclusive a criminalização de apologias ao fascismo e ao nazismo
nos ordenamentos jurídicos de vários países, como é o caso do Brasil8 e da Ucrânia9. (CARTA
CAPITAL, 2020)
A valorização ao nacionalismo estabeleceu um governo totalitário que exerce o
controle absoluto dos direitos dos cidadãos, seja no contexto político, cultural ou econômico.
Além disso, o governo incita o corporativismo entre todos os setores da sociedade com o
objetivo de criar um “Estado Orgânico”.
O maior exemplo de corporativismo fascista ocorreu na Itália, durante o governo de
Mussolini. Na época, foram criados sindicatos de trabalhadores e de patrões para cada
profissão. Esses sindicatos eram submetidos à supervisão do Partido Nacional Fascista, o que
garantia que todas as classes, de todas as áreas, estivessem sempre em harmonia com os ideais
do governo
A ênfase no militarismo inicialmente aderido por Mussolini e apos 1930 em outros
países como a Alemanha,é um elemento no qual acredita-se na utilização da força e da
violência para atingir seus objetivos. Por esse motivo, o governo dedicava quantidades
desproporcionais de recursos ao financiamento de armas e guerras, chegando a negligenciar
8
No Brasil por meio da Lei n° 7.716/1989 foi decretada a pena para as condutas de racismo e preconceito,
encontrando-se disposto no art. 20, § 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas,
ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do
nazismo. com Pena de reclusão de um a três anos e multa. A apologia à ditadura militar também é crime no
Brasil, tipificado na Lei de Segurança Nacional (Lei 7.171/83), na Lei dos Crimes de Responsabilidade (Lei
1.079/50) e no Código Penal, no seu artigo 287.
9
Após ser utilizado uma bandeira em uma manifestação Pró Bolsonaro no final de março, a Revista Veja
escreveu um artigo vinculando o símbolo da bandeira a uma referência neonazista, após repercussão o
Embaixador da Ucrânia no Brasil se manifestou por meio de uma carta aberta repudiando tal notícia, O
embaixador afirmou que “Como representantes da Ucrânia no Brasil, jamais admitiremos que alguém tente
denegrir a imagem do nosso povo!”.(salienta-se que a palavra denegrir possui significado racista o termo pode
ser alterado para degradar). Disponivel em:
https://embassynews.info/embaixador-da-ucrania-repudia-artigo-da-revista-veja/ Acesso em 25 de Jun. 2020. Em
resposta Gabriel Ávila pontua que o símbolo é também usado por diversas unidades militares ucraniana, assim,
esses grupos paramilitares foram crescendo e o símbolo, segundo ele, começou a ser largamente usado em outros
países por grupos que pregam a supremacia racial branca. Disponivel em:
https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/06/01/interna_politica,860052/entenda-por-que-
bandeira-em-protesto-pro-bolsonaro-e-associada-a-neona.shtml. Acesso em 25 de Jun. 2020
21
outras áreas como saúde ou educação. Neste tipo de governo, soldados e militares são
vangloriados pelas massas. A polícia é militarizada e possui ampla autonomia para lidar com
problemas internos e domésticos que não necessitam de participação militar (ECO, 2018, p.
24)
A obsessão com a segurança nacional alimenta o discurso da necessidade constante de
preparar a nação para um conflito armado. Com esse objetivo, são propagados discursos de
terror para causar um sentimento de insegurança e paranóia na população, que busca se unir
para lutar pela mesma causa. Assim, o fascismo utiliza o medo como instrumento de
motivação, alinhavando com o militarismo e com o desprezo pelos direitos humanos.
Em uma sociedade militarizada e em constante confronto ou (ameaça de), os ideais do
governo são constantemente impostos de forma violenta, convencendo os cidadãos de que a
garantia desses direitos não é prioridade. Assim, no fascismo não existe valorização da
liberdade, da igualdade, da fraternidade10 ou sequer da vida. Esse desprezo pelos direitos
humanos é transmitido para a população, que passa a reproduzir o discurso e ser conivente
com práticas como execuções, torturas e prisões arbitrárias.
O controle da mídia e censura, a fim de manter a integridade do sistema, os regimes
fascistas tendem a controlar os meios de comunicação. Por vezes, o controle é exercido pelo
governo e, em outras, a mídia sofre regulação indireta. De qualquer forma, a censura a ideias
contrárias ao regime é comum.
O último elemento fascista clássico é o uso da religião como forma de manipulação.
Tanto na Alemanha quanto na Itália, o fascismo, nos primeiros anos, disputava a devoção das
pessoas com a igreja. No entanto, os dois governos resolveram utilizar a religião a seu favor
para manter os ideais da população alinhados e reunir mais seguidores. Dessa forma, os
fascistas passaram a traçar paralelos forçados entre preceitos religiosos e ideologias políticas
para manipular as pessoas.
10
Eixos das três principais dimensões de direitos humanos. (BOBBIO, 2012)
22
porém com a mesma finalidade o pós- fascismo trás diferenças relevantes que são
fundamentais para compreensão.
O fascismo atual não é nacionalista como o fascismo - embora proclame ser, na
camada discursiva. Pode-se utilizar como exemplo o presidente brasileiro Jair Bolsonaro, que
fala o tempo todo em patriotismo e cujo mote de campanha incluía a frase “Brasil acima de
tudo”, porém se submete às ordens e ideário de Donald Trump, seu suposto aliado. 11
De acordo com SANTOS (2006, p.80) Em um meio de crescente internacionalização
das conexões entre os países. O desenvolvimento das técnicas de produção e da política
sempre fizeram parte do caminhar evolutivo nas nações. Fato novo se fez presente quando o
ritmo desse desenvolvimento passou a ser conectado, e as formas de desenvolvimento de
ponta afetam de forma mais ou menos perversa cada um dos países – sejam eles tidos como
desenvolvidos ou em desenvolvimento.
No mundo globalizado de interdependências econômicas atuais, não é possível a
nenhum líder isolar seu país do mundo. Sendo assim, as alianças são fundamentais para os
fascistas, mesmo com os discursos aparentemente patrióticos/nacionalistas. Contudo, eles
separam de forma minuciosa as nações “amigas” das “inimigas”, sempre exaltando a
supremacia ocidental e branca12. Santos considera que essa ação como globalização reversa.
SANTOS (2006, p. 80)“ Essa forma de desenvolvimento pautada no foco na tecnologia,
juntamente ao esquecimento dos limites mais básicos da humanidade, é crescente a
reinvenção da violência. O manejo das mídias pelo poder traz análises que levam em
consideração somente as manifestações colaterais da violência, sem momento algum citar que
esta forma de sociabilidade globalista causou desespero social inédito.” SANTOS (2006, p.
81)“ Nesse interim, aos países historicamente explorados, ficou a noção de uma cidadania
11
Para exemplificar é possível analisar através das notícias: BBC BRASIL. Brasil na OCDE: O que o país cedeu
aos EUA em troca de apoio à entrada no 'clube dos países ricos. Disponivel em:
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-50009155. Acesso dia 25 de jun. 2020.
G1. Brasil assina acordo que permite aos EUA lançar satélites da base de Alcântara. Disponível em:
https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/03/18/brasil-assina-acordo-que-permite-aos-eua-lancar-satelites-da-ba
se-de-alcantara.ghtml . Acesso em 25 de jun. 2020
TERRA. Bolsonaro bate continência à bandeira dos EUA e muda bordão. Disponivel em:
https://www.terra.com.br/noticias/bolsonaro-recebe-premio-bate-continencia-a-bandeira-dos-eua-e-erra-o-propri
o-bordao,3e51701c017f264ac65c2f3bcce8d1c0oldta994.html Acesso em 25 de jun. 2020
12
Explanação através de notícias: EL PAÍS. Os segredos da estratégia da extrema direita: Vox com a cartilha de
Trump e Bolsonaro Disponível em:
https://brasil.elpais.com/brasil/2019/05/10/internacional/1557485729_129647.html Acesso em 25 jun. 2020
23
13
É válido ressaltar que esta característica utilizada por Mussolini em relação ao ideário de “trabalho” que se
opõe ao socialismo, no Brasil também foi utilizada e teve uma base sólida na Era Vargas, sendo até reconhecido
como pai dos pobres e mãe dos ricos. Recomenda para complemento de leitura: BALBINOT. Camile. Clt -
fundamentos ideológicos-políticos: fascistas ou liberal-democratica? Disponivel em:
file:///home/chronos/u-8ff6ec2d257a27ae7970ca628a14918d1c6cd9f3/MyFiles/Downloads/Camile_Balbinot.pdf
14
Noticias para exemplificar afirmações: UOL. Em Brasil polarizado, judaísmo e bandeira de Israel provocam
disputas.. Disponivel em:
https://tab.uol.com.br/noticias/redacao/2020/05/10/afinal-o-que-e-ser-judeu-no-brasil-de-hoje.htm?cmpid=copiae
cola Acesso em: 25 de jun. 2020.
EXAME. Trump se considera “o melhor amigo de Israel” Disponivel em:
https://exame.com/mundo/trump-se-considera-o-melhor-amigo-de-israel/ Acesso em 25 de Jun. 2020
25
De acordo com Hannah Arendt (2016, p. 24), a atividade política central não pode ser
desassociada da palavra, pois, sem ela, os indivíduos se assemelham mais a seres autômatos,
com movimentos mecânicos, do que a agentes discursivos, capazes de fundar corpos políticos
e de se perpetuar pela história através de seus feitos. Isto, de certa forma, aufere uma relativa
imortalidade e uma natureza “divina” aos homens, mesmo com sua existência limitada
biológica. É com o logos a favor do agere que os agentes-padecentes se tornam
compreensíveis uns aos outros e é só a partir daí que é possível se falar em esfera pública. “O
mundo não é humano simplesmente por ser feito por seres humanos e nem se torna humano
15
A adoção de Arendt como base teórica para este subcapítulo se deve à relevância da produção científica da
autora judia alemã no contexto do nazi-fascismo.
26
porque a voz humana nele ressoa, mas apenas quando se tornou objeto de discurso”
(ARENDT, 2008, p. 33).
Sendo assim, é possível compreender que a atividade política é indissociada da
palavra, uma vez que ela é utilizada como mecanismo de discussão, que faz com que os
agentes ultrapassem a existência biológica, imortalizando-se através dos seus feitos. É
necessário que haja compreensão entre as partes para que exista a esfera pública, e isso é
desempenhado através da discussão.
De acordo com Arendt (2016), é no espaço comum que os indivíduos aparecem uns
aos outros, em ato e em articulação linguística, e que o poder se efetiva. Ele só é possível
através da mediação da linguagem contextualizada e voltada para o bem dessa coexistência no
plural. “O poder só é efetivado onde a palavra e o ato não se divorciam, onde as palavras não
são vazias e os atos não são brutais, onde as palavras não são empregadas para velar
intenções, mas para desvelar realidades” (ARENDT, 2016, p. 247-248).
O poder, enquanto habilidade dos homens para agir em consenso (ARENDT, 2011), só
pode se dar mediante a utilização do logos, quando este se estrutura a favor da verdade e do
bem comum, condição sine qua non para a concretização da ação política livre. É o agir em
comum acordo que torna as palavras vivas, em sua dimensão coletiva.
Nesse contexto, o poder, articulado através da linguagem, só pode ser realizado para
proporcionar o bem comum - premissa para substancializar uma política livre. A partir desse
entendimento, Arendt (2015) exemplifica a forma indevida de utilização do discurso como
instrumento político, descrevendo elementos utilizados nos discursos fascistas.
A autora discorre sobre a banalidade do mal, a partir da análise do fenômeno totalitário
e de seus laboratórios, os campos de concentração. “Ao tornar-se possível, o impossível
passou a ser o mal absoluto, impunível e imperdoável, que já não podia ser compreendido e
nem explicado” (ARENDT, 2004, p. 510). Porém, ao deparar-se com o caso de Eichmann e
examinar as implicações diretas de seus atos, em correlação com a assustadora normalidade
de seu executor, a autora percebeu que o mal não pode ser radical. Pode se subscrever a um
contexto de domínio dos corpos e das vidas que banaliza a morte daqueles discursivamente
construídos como inimigos.
Arendt assinala ainda outra notável característica do burocrata nazista: o seu modo de
se expressar. Ele só se comunicava através de clichês e de frases feitas, de modo que até as
construções linguísticas que conseguia elaborar, as repetia até torná-las um jargão. Isso
27
impossibilitou que os próprios juízes compreendessem este dialeto que o acusado denominou
como “oficialês”, uma conversa literal e vazia, por estar destituída de sentido. Sem raízes ou
fundamentos, essas palavras eram incapazes de ligá-lo aos demais e de erigir relações entre
ele e os outros. “Tal linguagem burocrática de Eichmann se distinguia por sua falta de
comunicabilidade, crucial para a pluralidade da vida social, refletindo sua incapacidade de
revertê-la à fala comum” (ASSY, 2015, p. 8).
Clichês, frases feitas, adesão a códigos de expressão e conduta convencionais e
padronizados têm a função socialmente reconhecida de nos proteger da realidade, ou
seja, da exigência de atenção do pensamento feita por todos os fatos e
acontecimentos em virtude de sua mera existência. Se respondêssemos todo o tempo
a esta exigência, logo estaríamos exaustos; Eichmann se distinguia do comum dos
homens unicamente porque ele, como ficava evidente, nunca havia tomado
conhecimento de tal exigência (ARENDT, 1992, p. 6).
da própria destruição. É a partir desse contexto que a palavra constitui instrumento para
efetivação da coisa pública, e que o discurso fascista ou fascista atuais, fundamentado em
mentiras, se volta para a destruição da política (aos moldes arendtianos) e dos direitos
humanos.
A potencialidade destrutiva da ideologia sob exame se origina, de forma parcial, na
dificuldade em lidar com a contradição, fazendo com que as massas – num menor grau – sem
participação política e – num maior grau – alienadas do mundo, inabilitadas para o diálogo,
prefiram as explicações que dêem maior coerência e segurança a suas crenças pessoais, sem
examiná-las ou submetê-las a crivo crítico. Por isso, essa ideologia é capaz de seduzir os
indivíduos descontentes com o estado de coisas, sentindo-se inseguros ou ameaçados e sem
compreender bem quem culpar pela crise vivida.
No fenômeno totalitário, a ideologia deturpa de tal modo o discurso que, além de
construir uma realidade ilegítima, instaura uma nova gramática para mascarar a realidade que
tenta dissimular. É nesse sentido que as regras de linguagem ideológicas que fundaram, por
exemplo, a propaganda nazista, não se referiam ao que ocorria nos campos de concentração
como assassinato ou extermínio, mas como solução final ou “fornecer uma morte
misericordiosa”. (ARENDT, 2017).
A partir disso, é possível compreender a importância da palavra e do discurso como
elemento político, instrumento fundamental para a perpetuação do ser humano na esfera
pública. Contudo, a atenção deve se voltar para a forma como são utilizados. A partir da
experiência com o nazismo, Arendt apresenta particularidades na utilização do discurso a fim
de sustentar líderes autoritários no poder e reproduzir violência entre grupos que sofrem com
discursos de ódio. Isso é feito atraveś da banalização do mal, justificada por argumentos
simplistas, com frases clichês e propaganda intensa para ao mesmo tempo espelhar e
instrumentalizar os medos da população. O oposto disso, de acordo com Arendt, é valorizar a
linguagem, através das palavras maternas, e utilizar o discurso apenas para o bem coletivo,
através da prática da verdade.
Por mais frágil que ela seja, não há substituto para a verdade. Mesmo que os
instrumentos de poder recorram à violência, tentando destruí-la através da elaboração de
discursos e propaganda, não conseguirão apagá-la. Até para que o mentiroso possa dissimular
com o máximo de êxito possível, é preciso que ele mesmo tenha ciência da verdade que está
tentando ocultar (ARENDT, 2015).
29
Em resumo, é claro que a incitação ao ódio pode afetar os direitos do grupo objeto
deste discurso de forma mais ou menos séria. Em casos extremos, a liberdade de
expressão de alguns pode até contribuir com danos físicos a certas minorias. No
entanto, a proteção da honra, dignidade e integridade física daqueles afetados pelo
discurso de ódio, promoção de equidade e multiculturalismo, etc., são razões que
servem para debater os efeitos negativos da incitação ao ódio - onde há um amplo
acordo entre as abordagens restritivas e liberais - não para discutir a adequação ou
eficácia de sua penalização (DIAZ, 2011, p. 589-590).
16
Com base no Direito Penal a calúnia impetrada no art. Art. 138 ocorre quando alguém, imputando-lhe
falsamente fato definido como crime. manchando a sua objeto jurídico a ser tutelado é a qualidade física,
intelectual, moral e demais dotes que a pessoa humana possui.A Injúria tipificado no art. 140 determina que
comete injúria aquele que ofende a dignidade ou o decoro, o bem tutelado neste diapasão é a honra subjetiva que
é a constituída pelos atributos morais (dignidade) ou físicos, intelectuais, sociais (decoro) pessoais de cada
indivíduo. Ja a difamação. disposta no art. 139 consiste na atribuição a alguém de um fato desonroso, mas não
descrito na lei como crime, distinguindo-se da Calúnia por essa razão Disponível
em:https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/8387/Calunia-difamacao-e-injuria. Acesso dia 25 de Jun. 2020
17
Existem tbm Tratados Internacionais que proíbem diversos tipos de discriminatórios. A exemplo da Convenção
Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial de 1986; a Convenção Sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher promulgada em 1979; e a Convenção contra
a tortura e outros Tratamentos ou Penas cruéis, desumanas ou degradantes de 1984;
31
Individualmente ou em grupo, esses ataques contra a reputação equivalem a um assalto contra a dignidade
das pessoas. Dignidade entendida como condição social básica dos indivíduos, reconhecimento de sua
igualdade social e do seu status de portadores de direitos humanos e constitucionais (WALDRON, 2010,
p. 1610).
Em seu discurso, Trump prometeu realizar diversas mudanças no Estado, o que vem
cumprindo especificamente em relação ao espectro xenófobo: expulsão de imigrantes,
construção de um muro na fronteira com o México, criar um cadastro com todos os
muçulmanos que residem no país, proibir a entrada de novos muçulmanos e permitir o uso de
técnicas de tortura contra prisioneiros acusados de terrorismo. (G1, 2017)18
Em meio à crise migratória vivenciada no mundo, a questão dos refugiados tem
ganhado contornos dramáticos, pois além dos problemas que abrangem as suas áreas de
origem, ainda enfrentam dificuldades para se firmar em novo lugar. O presidente Trump
reproduz ainda mais preconceito ao afirmar em entrevista que dificulta a entrada de
refugiados nos Estados Unidos. "Os Estados Unidos não serão um acampamento de
migrantes, nem uma instalação de abrigo de refugiados. Não sob o meu comando" alegando
que os imigrantes trazem consigo morte e destruição. (VALOR GLOBO, 2018)19
As declarações públicas do candidato “refletem a retórica extremista como parte da
degradação da política e sua tendência a gerar novas condições de agressão a grupos
etnográficos, diferentes daqueles de sua preferência política” (GONZALEZ, 2016, p. 29),
além de criar um campo fértil para o surgimento de novas formas estruturais de erosão da
cultura de direitos humanos, do multiculturalismo e da paz.
A pauta no período das eleições não ficou apenas no discurso, conter a entrada de
imigrantes no país ainda é um dos interesses do Presidente que chegou a sugerir o uso da
força através de muro eletrificado, um fosso com jacarés e até disparos contra as pernas das
pessoas. “Em particular, o presidente chegou a falar em reforçar a barreira na fronteira com
um fosso cheio de água, com cobras ou jacarés, pedindo uma estimativa de custos. Ele queria
um muro eletrificado, com espetos no topo que pudessem perfurar a carne humana. Depois de
18
Disponível em:
http://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2017/01/donald-trump-diz-que-tortura-pode-ser-usada-no-combate-ao-ter
rorismo.html; e https://brasil.elpais.com/brasil/2017/01/25/internacional/1485366952_843757.html Acesso em
23 jun. 2020.
19
Disponível em:
https://valor.globo.com/mundo/noticia/2018/06/18/eua-nao-vao-virar-campo-de-refugiados-afirma-donald-trump
.ghtml Acesso em 22 jun. 2020.
33
sugerir a soldados que atirassem nos imigrantes se eles jogassem pedras, o presidente recuou
quando sua equipe lhe disse que isso era ilegal" (O GLOBO, 2019)20.
O presidente justifica essas ações através de discurso nacionalista em defesa a
economia e os direitos sociais da população Estadunidense. Em um discurso realizado na 74º
Assembleia Geral das Nações Unidas, Trump fez crítica a ONU mencionando com orgulho
que o seu governo se retirou em julho de 2019 de um tratado internacional sobre o comércio
de armas patrocinado pela organização, valendo ressaltar que o presidente é a favor do direito
ao porte de armas "Não há nenhuma circunstância sob a qual os Estados Unidos permitirão
que entidades internacionais atropelem os direitos de nossos cidadãos, incluindo o direito à
legítima defesa". De acordo com o presidente "Se você quer liberdade, mantenha sua
soberania e, se quiser paz, ame sua nação", disse Trump. "O futuro não pertence aos
globalistas. O futuro pertence aos patriotas. O futuro pertence a nações soberanas e
independentes." (TERRA, 2019).21
Trump não usa diretamente o discurso para defender pautas machistas ou racistas que
tenham grande repercussão, contudo, de maneira sutil, ataca os seus opositores, a imprensa e
possui aliados que declaradamente defendem a supremacia branca e têm simpatia com a Ku
Klux Klan.22
Viktor Orbán, primeiro ministro da Hungria, é reconhecido como o Trump da União
Europeia, eleito pela terceira vez seguida com um discurso com que contêm as mesmas
características que o Estadunidense defende políticas conservadoras centrado na etnia e no
medo aos imigrantes. A Hungria sofre com a falta de tradição democrática, houve erros dos
Governos anteriores, e uma tentativa de golpe em 2006, além disso a um medo a ausência de
liderança. Um momento perfeito para emergir no Estado um líder que defende pautas de
extrema direita, com discursos fascistas. (EL PAÍS, 2019)23
20
Disponível em:
https://oglobo.globo.com/mundo/donald-trump-sugeriu-atirar-nas-pernas-de-imigrantes-diz-nyt-23989432
Acesso em 24 jun. 2020.
21
Disponível em:
https://www.terra.com.br/noticias/trump-faz-discurso-nacionalista-na-onu,c4183ef0d2c5e6f68e69d9bfcb4913a4
5ktem5e2.html Acesso em 24 jun. 2020.
22
Nesse sentido, vide, por exemplo:
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/06/30/internacional/1498779706_851402.html;
https://theintercept.com/2020/06/05/ameacas-trump-antifa-negros/;
https://g1.globo.com/mundo/noticia/2019/07/15/trump-reitera-ataque-a-mulheres-congressistas-democratas-plan
ejam-voto-de-repudio-a-tuites-xenofobos.ghtml Acesso em 22 jun. 2020.
23
Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/04/18/actualidad/1555585620_542476.html Acesso em 23
jun. 2020.
34
Orbán no período das eleições prometeu que defenderia o país e a cultura europeia
contra os invasores muçulmanos ilegais que violariam as mulheres e tomariam os empregos,
destruindo a tradição do país, sendo considerados terroristas. “Na Hungria não há
“imigrantes” ilegais. Mas Orbán e seus “mamelucos” conseguiram convencer uma parte
enorme da população que milhões de indivíduos de cor, famintos e perigosos, estavam prestes
a nos invadir. De modo que os húngaros começaram a odiar esses “imigrantes”. Pessoas
muito pobres – as que mais perderam no regime de Orbán – foram perguntadas por que
votaram nele, e todas responderam que era porque ele nos protege da invasão de imigrantes.
Não tinham visto nenhum.” (EL PAÍS 2019)
A ONU reforça as críticas às declarações do primeiro ministro racistas do primeiro
ministro Húngaro Em um encontro com representantes municipais, Orbán disse: “nós não
queremos que nossa cor seja misturada com outras cores”. De acordo com o chefe do
escritório de direitos humanos das Nações Unidas, Zeid Ra’ad Al Hussein destacou que a
história está cheia de exemplos sobre o que acontece quando governos incentivam políticas e
discursos de pureza étnica, nacional ou racial. (ONU, 2018)
Com base no estudo realizado pela Pew Research Center em 2016 72% dos húngaros
possui uma visão desfavorável dos muçulmanos, Zeid ressalto que essa é a taxa mais alta da
Europa.“É um insulto para todas as mulheres, homens e filhos africanos, asiáticos, do Oriente
Médio ou latino-americanos. A crença de que misturar raças cria uma mancha indescritível e
prejudicial já foi difundida em muitos países; em partes dos EUA, bem como na África do
Sul, as leis de miscigenação eram parte integrante da humilhação e opressão de pessoas
chamadas de ‘raças menores’. Mas essa era está há muito morta – ou deveria estar. Ouvir isso
de forma descarada pelo líder de um país moderno da União Europeia deve indignar cada um
de nós” (ONU, 2018)
O governo de Orbán desmantelou verificações e contrapesos, politizou o Tribunal
Constitucional do país e restringiu seus poderes, prejudicando a independência do judiciário e
da imprensa. As recentes propostas legislativas restringiram ainda mais um espaço já restrito
para o ativismo da sociedade civil, dando ao Ministério do Interior o direito de proibir
qualquer grupo que trabalhe em favor dos migrantes; sujeitando-os a impostos punitivos se
35
24
Disponível em:
https://nacoesunidas.org/representante-da-onu-reforca-criticas-a-declaracoes-racistas-de-primeiro-ministro-da-hu
ngria/ Acesso em 24 jun. 2020.
25
Disponível em:
https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2018/04/07/interna_internacional,949916/polemico-viktor-orb
an-disputa-terceiro-mandato-na-hungria.shtml Acesso em 24 jun. 2020.
26
Disponível em: https://ultimosegundo.ig.com.br/mundo/2017-07-18/len-pen-odio-julgamento.html
Acesso em 23 jun. 2020.
36
Marine expulsou o seu pai do partido em 2015, após essas declarações antissemitas.
Por decisão judicial, Jean Marie continua sendo presidente de honra da FN, mas o partido
entrou em recurso, "Tenho minha personalidade e minha própria percepção do exercício de
responsabilidades. Durante quarenta anos, Jean-Marie Le Pen representou a Frente Nacional.
Hoje, sou eu, e não ele, a encarregada de seu futuro e de suas ideias", afirmou, na época,
Marine. (BBC NEWS, 2017)27
Era visível o interesse de Marine em se desvencilhar da visão ultraconservadora do
partido, contudo, ainda assim, continuava reproduzindo os mesmos discursos, no período das
eleições Marine afirmou que “Nossos dirigentes escolheram a globalização desregulada, que
conduz à financeirização da economia e a uma imigração em massa, o que resulta às vezes no
fundamentalismo islâmico”. Mais adiante em seu discurso, ela insistiu: “A globalização, de
um lado, e a falta de reação, por outro, levam-nos a ter uma imigração descontrolada e, daí, ao
islamismo em casa”. Frente a isso, a receita no bolso de Le Pen: o “patriotismo econômico”, o
“protecionismo inteligente”. (EL PAÍS, 2017)
Para defender os franceses − que, segundo a candidata, foram “despojados de seu
patriotismo, sofrendo em silêncio por não ter o direito de amar seu país” −, Le Pen expôs uma
enxurrada de receitas protecionistas que se resumem em: recuperação da moeda e das
fronteiras nacionais, rompimento de laços com a União Europeia (incluindo a remoção das
bandeiras europeias dos edifícios oficiais), sobrecarregar com um imposto de 3% todas as
importações, dar preferência às empresas francesas nos contratos públicos, ampliar a ajuda de
natalidade aos casais franceses e expulsar os imigrantes sem documentos franceses (“jamais
poderão se naturalizar”). (EL PAÍS, 2017)28
No entanto, após perder as eleições presidenciais mudou os posicionamentos políticos
atenuando o tom nacionalista para conseguir se firmar, contudo, a essência das declarações
ainda se entrelaça com a do velho partido.29
No Brasil, pode-se usar como referência a esses discursos que incitam o ódio,
segregação e violência contra as minorias o presidente Jair Bolsonaro. Ele ganhou espaço no
cenário político principalmente durante e após a erosão democrática que levou ao golpe contra
27
Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-39123491Acesso em 23 jun. 2020.
28
Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2017/02/05/internacional/1486311781_647565.html
Acesso em 23 jun. 2020.
29
Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/04/19/internacional/1555671612_014607.html
Acesso em 23 jun. 2020.
37
a presidenta Dilma Rousseff em 2016. Usando de frases simples e de efeito, sem nenhuma
profundidade ou compromisso com a verdade, aproveitando-se de uma retórica antipetista que
crescia em popularidade nos setores de classe média alta e nas elites, conseguiu movimentar a
direita e os reacionários, construindo uma relação com conservadores liberais (interessados
em reformas neoliberais de corte de direitos trabalhistas e previdenciários) e com a bancada
evangélica (SOUZA, 2018).
Bolsonaro utiliza o discurso do medo para respaldar-se num país em que há a
construção de um imaginário no qual o inimigo é sempre um “outro” distante do “cidadão de
bem” e que obstrui o bom andamento da sociedade. Os aspectos identitários da vida policial,
como a valorização das tradições, da moralidade cristã e a espetacularização dos embates são
transpostos para a vida política como forma de justificativa da proteção desses “cidadão de
bem”. Isso aponta para uma cidadania vivenciada pela desigualdade, admitida de forma aberta
entre aqueles que “merecem” usufruir de seus direitos, em especial, o direito à vida, e aqueles
que abandonaram o direito à cidadania para “entrar no crime”.
Em 23 de agosto de 2018, durante ato de campanha na cidade de Araçatuba, no
interior paulista, Bolsonaro discursou em cima de um carro de som, condenando organizações
que defendem direitos humanos. Segundo o candidato, esses movimentos prestam um
“desserviço para o Brasil” e, por isso, não merecem repasse de dinheiro do governo.
"Conosco não haverá essa politicagem de direitos humanos. Essa bandidagem vai morrer
porque não enviaremos recursos da União para eles". (G1, 2018)30
“Jamais iria estuprar você, porque você não merece". A frase foi dita por Bolsonaro
em 2003, direcionada à deputada federal Maria do Rosário do Partido dos Trabalhadores
(PT), nos corredores da Câmara dos Deputados. O candidato ainda empurrou a deputada,
ameaçando dar uma “bofetada” nela e chamando-a de “vagabunda”. Em 2014, Bolsonaro
repetiu a ofensa à deputada, dessa vez, em discurso no plenário da Câmara do Deputados.
Pela ofensa, o candidato foi condenado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal a pagar
indenização de R$ 10 mil à Maria do Rosário.31
30
Disponível em:
https://g1.globo.com/sp/sao-jose-do-rio-preto-aracatuba/noticia/2018/08/23/bolsonaro-diz-que-bandidagem-vai-
morrer-em-seu-governo-porque-uniao-nao-repassara-recursos-para-direitos-humanos.ghtml
Acesso em 23 jun. 2020.
31
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=yRV98Im5zRs Acesso em 24 jun. 2020.
38
32
Disponível em:
https://gauchazh.clicrbs.com.br/politica/eleicoes/noticia/2018/10/o-que-bolsonaro-disse-sobre-salarios-e-direitos-
trabalhistas-de-mulheres-em-entrevista-concedida-a-zero-hora-em-2014-cjn585nmv04f901pi6ioxn6bv.html
Acesso em 24 jun. 2020.
33
Disponível em:
https://g1.globo.com/politica/noticia/camara-aprova-projeto-que-cria-novo-estatuto-da-migracao.ghtml Acesso
em 24 jun. 2020.
34
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=z14n_7D0AbE Acesso em 24 jun. 2020.
39
um país cristão! Deus acima de tudo. Essa historinha de Estado Laico, não! É Estado cristão!
E as minorias que se curvem!”35
Em março de 2020, durante um encontro do Aliança pelo Brasil, em Vitória, Espírito
Santo, Jair Bolsonaro repetiu declaração racista que fez em 2017,ao ouvir a afirmação de um
dos seus apoiadores dizendo que era negro, votou nele e votará em 2022 o presidente
respondeu “E você está com oito arrobas” arrancando risos da plateia. Em 2017 declarou que,
se fosse eleito, acabaria com todas as reservas de terra de indígenas e quilombolas. “Eu fui
num quilombo. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada. Eu acho
que nem para procriador ele serve mais. Mais de R$ 1 bilhão por ano é gasto com eles” Com
isso, fica claro o discurso racista, diminuindo os negros e indígenas a condição de
animalização para caracterizá-los como inferiores. (REVISTA FÓRUM, 2020)36
Em debate na Band, no dia 9 de agosto, Bolsonaro creditou a violência no país à
“política de direitos humanos”, que, segundo o candidato, “desarmou o cidadão de bem”,
enquanto “o bandido continua muito bem armado”. Bolsonaro defende o armamento da
população e um sistema carcerário mais punitivista.
Em seu plano de governo, Bolsonaro liga a criminalidade a um viés ideológico,
afirmando que “coincidentemente, onde participantes do Foro de SP governam, sobre a
criminalidade”. Entre as propostas para acabar com a criminalidade, estão o “desarmamento
para garantir o direito do cidadão à legítima defesa” e o fim “da progressão de penas e das
saídas temporárias”. “A violência só cresce no Brasil porque há uma política equivocada de
direitos humanos”. 37
O discurso de ódio proferido por líderes mundiais, desde o processo de eleição
fomenta entre a sociedade uma rede de ódio, gerando violência contra o próximo, que é
desumanizado no processo discursivo do fascismo. A espetacularização da aversão na grande
mídia e nas redes sociais, causa a hostilidade, o preconceito e corrompe a atmosfera
democrática e tolerante. A cultura da democracia encontra-se vulnerável perante a aceitação e
35
Disponível em: http://https//www.youtube.com/watch?v=ftbZLUWcnTo Acesso em 24 jun. 2020.
36
Disponível em:
https://revistaforum.com.br/noticias/bolsonaro-repete-comentario-racista-e-diz-que-apoiador-negro-esta-com-oit
o-arrobas/ Acesso em 24 jun. 2020.
37
Disponível em: http://https//www.youtube.com/watch?v=Ju_UkqCY-q8; e
http://divulgacandcontas.tse.jus.br/candidaturas/oficial/2018/BR/BR/2022802018/280000614517//proposta_153
4284632231.pdf Acesso em 24 jun. 2020.
40
mesmo uma disposição reflexiva para usar conceitos com a finalidade de visualizar
criticamente a realidade e suas possibilidades.
A distopia hoje, passa a ser usada como instrumento de reflexão tendo em vista as
consequências das atrocidades que cerca o mundo na contemporaneidade. Mattéi (2002, p. 13
apud HILÁRIO, 2013 p. 212) compreende estes efeitos como a perda do sentido no campo da
cultura, da política, da arte, da educação etc. Assim, baseado no entendimento deste autor,
existe o efeito da barbárie sempre que uma ação, uma produção ou uma instituição não
elabora mais o sentido, mas o destrói e consome.
Desta maneira, as três narrativas distópicas supracitadas, refletem acerca de uma
“barbárie civilizada” ou seja, uma sociedade voltada à ação de atos cruéis, heterônomos e
desumanos, sobretudo, voltado para a destruição em benefício do controle de um líder. Estes
atos se dão, não de forma irracional, no bojo de uma emancipação, mas, por consequência de
tal domínio. Cada vez mais, o mundo é acometido por efeitos da barbárie civilizada, o que
implica em sujeição ao sistema vigente.
Sendo assim, a distopia possibilita a liberdade de pensamento crítico acerca da
barbárie que se instala e é figurada de forma naturalizada na sociedade. A partir da imagem de
uma construção histórica do absurdo, pode-se compreender os efeitos de uma construção
social calcada no totalitarismo, que banaliza a barbárie. Em um sentido arendtiano, a barbárie
é uma regressão histórica que deve ser anulada através da ética.
Não é demais afirmar que, neste último âmbito, as distopias ocupam lugar de destaque
na luta pela desbarbarização dos laços sociais na atualidade. Isso porque a partir da análise
distópica pode se compreender os elementos similares usados na realidade e evitar possíveis
implicações futuras.
4.1. 1984
O livro “1984” foi escrito por George Orwell (pseudônimo de Eric Arthur Blair). Foi
concluído no período Stalinista, apresentando alusões ao sistema totalitário soviético, a
exemplo do culto à personalidade do ditador, do aparato repressivo formado por expurgos,
delação de familiares, assassinatos de membros do governo, mudança da super estruturação
da sociedade e o projeto de construção da nova língua.
43
O governo também possuía um forte aparato policial repressivo, sendo uma das
principais ramificações a polícia do pensamento. Essa polícia prendia, julgava e torturava,
além de obrigar as pessoas a penas de trabalhos forçados e morte através dos expurgos, para
quem discordasse do partido ou fosse acusado de tal ato.
Um dos principais delatores da polícia eram as famílias, em especial as crianças
menores. Todas as pessoas que eram membros do partido e da burocracia estatal também era
incentivada a delatar os familiares que estavam traindo a doutrina do governo. Esse
comportamento é incentivado desde a infância e as criança se tornaram espiãs sutis a serviço
do Estado.
Como não era possível abolir a família (ao contrário, os pais eram incitados a gostar
dos filhos quase à moda antiga) as crianças eram sistematicamente atiradas contra os
pais, e ensinadas a espioná-los e a denunciar os seus desvios. Dessa forma a família
se tornara uma extensão da Policia do Pensamento. Era um meio pelo qual todo
mundo podia ser cercado, noite ou dia, por delatores que o conheciam intimamente.
(ORWELL, 2009, p. 129).
No início de 2017, o livro ora mencionado figurou na lista dos mais vendidos nos
EUA. Este impulso ocorreu após uma declaração de Kellyane Conway, assessora de imprensa
do presidente Donald Trump. Conway definiu como “fatos alternativos” as declarações do
44
porta-voz da Casa Branca, Sean Spicer, de que a posse de Trump teria tido o maior público da
história. Fotos comparativas avaliadas por analistas apontaram que a cerimônia teve presença
bem menor, na verdade. O termo, de acordo com o livro, descreve uma sociedade em que o
governo controla estritamente a informação. (G1, 2017)38
A partir disso, passou-se a chamar de fake news as notícias veiculadas nas mídias de
comunicação com informações inverídicas ou tendenciosas a fim de convencer a população a
favor ou contra determinada pessoa, grupo ou direito; e reforçar um pensamento, por meio de
mentiras, distorções, saltos lógicos e disseminação de ódio. Esse mesmo fato ocorreu no livro
de Orwell a partir do Ministério da Verdade, onde a história era alterada em função da
manutenção do poder e continuidade do status quo.
Alinhando as fake news c om os discursos de ódio proferidos pelos governos que
reproduzem elementos fascistas, tem-se, por consequência, o “minuto de ódio” orwelliano39
dentro da sociedade atual. Pessoalmente ou via redes sociais, através de atitudes de violência
física e simbólica, apoiadores dos governos fascistas proferem discursos de ódio contra as
minorias, que são vistas como inimigas, ou contra pessoas que não concordam com o seu
líder.
e
No Brasil, a família Bolsonaro está sendo investigada devido a fake news. S
comprovadas as acusações, haveria uma rede de distribuição de ataques a adversários por
meio de uma associação criminosa denominada “Gabinete do ódio”, dedicada à disseminação
de notícias falsas, ataques ofensivos a diversas pessoas, às autoridades e às instituições
(VEJA, 2020)40
Essa forma de atuação não é exclusividade brasileira. Por exemplo, Donald Trump
teve, em maio de 2020, o seu twitter em alerta para fake news devido a dois posts que,
segundo a rede social, não têm fundamento. Já o presidente acusa a rede de tentar interferir
nas próximas eleições e “sufocar vozes conservadoras”. (BBC, 2020)41
38
Fonte:
https://g1.globo.com/pop-arte/noticia/1984-de-george-orwell-lidera-lista-de-mais-vendidos-nos-eua-apos-fatos-a
lternativos-de-trump.ghtml Acesso em 19 jun. 2020.
39
No livro, esse era um momento de espécie de externalização de raiva irracional. Os membros do partido
interno e externo eram colocados em uma sala de teatro, onde fotos de supostos traidores do grande irmão eram
projetadas na parede. Neste momento, os membros do partido xingavam e gritavam com as pessoas das fotos.
40
Disponivel em:
https://veja.abril.com.br/brasil/investigacao-sobre-fake-news-reaviva-fantasma-que-assombra-bolsonaro/
Acessao em 24 jun. 2020,
41
Disponivel em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-52843695 Acesso em 24 jun. 2020.
45
42
Vide, por exemplo:
https://g1.globo.com/mundo/blog/sandra-cohen/noticia/2019/08/05/como-a-retorica-incendiaria-de-trump-fomen
ta-rede-de-supremacistas-brancos.ghtml Acesso em 25 jun. 2020.
46
O livro de distopia “Jogos Vorazes” foi escrito em 2008 por Suzanne Collins.
Publicado no Brasil em 2010, é uma trilogia que se tornou filme em 2012 com direção de
Gary Ross e produção de Lionsgate.
A história ocorre em um período indeterminado do futuro, pós guerras. Panem se
tornou uma nação onde os conceitos de democracia e liberdade não existem. Há uma
discrepância entre as condições de sobrevivência do povo. A capital goza de privilégios e
riquezas, onde uma elite minoritária vive em opulência, se entregando a todos os tipos de
extravagâncias e consumismo, se entendendo como uma espécie superior. Seu luxo depende
da extração dos recursos e do trabalho dos 12 distritos, que, mesmo sendo majoritários
quantitativamente, padecem de miséria e necessidades básicas, tendo apenas o mínimo para
manutenção da vida.
Na ausência da democracia, tem-se uma divisão radical das classes sociais, onde a
dominante impõe uma ditadura a uma massa dominada, se valendo de altíssima tecnologia,
embasada na vigilância, monitoramento, opressão e coerção. O elemento principal desse
controle é o uso dos meios de comunicação de massa como forma de doutrinação e
subserviência, tendo seu ápice através do reality show Jogos Vorazes.
Os Jogos Vorazes são um evento de proporções épicas, televisionado para toda a
nação, sendo obrigatório o consumo para os distritos. Foi criado a fim de lembrar à massa da
“grande traição” que cometeram: a rebelião encabeçada por um 13° distrito, envolvendo a
participação dos demais. O 13° teria sido eliminado ao fim do levante, o que é sempre
lembrado, como forma de ameaça e docilização das massas dos 12 distritos trabalhadores.
Para evitar a reincidência dessa insubordinação e lembrar às pessoas do seu poder, e da
obediência que devem ter, devido ao cuidado que é dado pela Capital, uma vez por ano, cada
um dos 12 distritos deve oferecer, no que é denominado Dia da Colheita, um menino e uma
menina com idades entre 12 e 18 anos.
47
As regras dos Jogos Vorazes são simples. Como punição pelo levante, cada um dos
doze distritos deve fornecer uma garota e um garoto – chamados tributos – para
participarem. Os 24 tributos serão aprisionados em uma vasta arena a céu aberto que
pode conter qualquer coisa: de um deserto em chamas a um desencampado
congelado. Por várias semanas os competidores deverão lutar até a morte. O último
tributo restante será o vencedor (COLLINS, 2010, p. 24-25).
Neste futuro distópico, é narrada a luta dos tributos do Distrito 12, Katniss e Peeta. Ao
distrito vencedor é dado o direito ao aumento na provisão de alimentos por um ano. Já ao
jogador vencedor, são dadas riquezas e fama, tornando-se a nova marionete da Capital, para
entreter a nação e fazê-los esquecer dos habituais problemas.
Nessa distopia, é possível identificar elementos fascistas em vários âmbitos. A própria
representação do presidente Edward Snow, que realiza o controle social através da miséria
nos distritos, não apenas com o uso do militarismo e da força vigilante, mas através dos
discursos proferidos entre os distritos, que são estrategicamente mantidos isolados uns dos
outros e entre os quais é alimentada uma rivalidade. No processo de Colheita dos Tributos, ele
utiliza linguagem para justificar os Jogos como algo positivo, em favor da manutenção de
uma falsa paz. Além disso, se vende como um ser bom e benevolente, o qual mereceria a
submissão dos habitantes dos 12 distritos.
A partir de Foucault (2010), é possível encontrar reflexos de uma pseudo paz
embasada no poder, tanto no esquema contrato-opressão, quanto no esquema
guerra-repressão, com maior ênfase neste último, que se baseia na oposição entre luta e
submissão, reflexo e expressão de um poder político para guerra.
E, se é verdade que o poder político para a guerra, faz reinar ou tenta fazer reinar
uma paz na sociedade civil, não é de modo algum para suspender os efeitos da
guerra ou para neutralizar o desequilíbrio que se manifestou na batalha final da
guerra. O poder político, nessa hipótese, teria como função reinserir perpetuamente
essa relação de força, mediante uma espécie de guerra silenciosa, e de reinseri-la nas
instituições, nas desigualdades econômicas, na linguagem, até nos corpos de uns e
de outros. (FOUCAULT, 2010, p. 15).
Nesse sentido, diz Snow, presidente de Panem: “Esperança é a única coisa mais forte
que o medo. Um pouco de esperança é eficaz, muita esperança é perigoso. Faíscas são boas
enquanto são contidas.” (COLLINS, 2010.).
O cotidiano, na fictícia Panem e em países com governos fascistas reais, é preenchido
por imagens, sobretudo, de violências da vida, a partir da naturalização e da espetacularização
da morte e da falta de liberdade. Afinal, quando se assiste ao confinamento e à degradação
humana de forma corrente, a violação a direitos humanos se torna banal.
É possível identificar a semelhança entre Jogos Vorazes e os governos fascistas no que
tange o emprego em demasia da violência e da espetacularização dela para fomentar o medo e
o caos. Em Panem que sofre pela repressão sãos os moradores dos distritos, no contexto real
são as minorias sociais
No Brasil é possível identificar as vítimas desse sistema através da cor e do local em
que reside. Os jovens são mortos covardemente pela polícia respaldada pelo Governo, com
isso possuem legitimidade para instaurar o medo, e nesse contexto se perdem vidas como as
de Aghata de 8 anos, Francisco de 26 anos. Rodrigo de 19 anos, João Pedro de 14 anos. De
acordo com pesquisa realizada com Mapas que investigam violência e divulgada no G1, O
Brasil teve ao menos 5.804 pessoas mortas por policiais no ano passado – um aumento de
1,5% em relação ao ano anterior, quando foram registradas 5.716 vítimas (sem contar Goiás
em ambos os anos). A taxa de mortes pela polícia ficou em 2,9 a cada 100 mil habitantes,O
país teve 159 policiais assassinados em 2019 (menos que em 2018, quando 326 oficiais foram
mortos. (G1, 2020)
Não apenas esse, de acordo com o RELATÓRIO MUNDIAL 2020 (Human Rights
Watch) Até 1º de outubro, mais de 830.000 adultos estavam presos nas instalações prisionais
brasileiras, mais de 40% deles aguardavam julgamento, segundo o Conselho Nacional de
Justiça (CNJ). Em junho de 2017, o número de presos já excedia a capacidade máxima das
instalações prisionais em 70%, de acordo com os dados mais recentes.
A superlotação e a falta de pessoal tornam impossível às autoridades prisionais manter
o controle em muitas prisões, deixando os presos vulneráveis à violência e ao recrutamento
por facções criminosas. Detentos mataram 117 outros presos em cinco prisões dos estados do
Amazonas e do Pará em menos de três meses em 2019. Todos esses elementos é reflexo de
um Estado que reproduz violência, tanto na distopia quanto na vida real.
49
Nos Estados Unidos não é tão diferente, de acordo com o Relatório Mundial 2020 de
Direitos Humanos realizado pela (Human Rights Watch) a polícia teria matado 783 pessoas
nos EUA em 2019 até meados de novembro, uma redução em relação ao ano anterior. Dos
mortos cuja raça é conhecida, 20% eram negros, apesar de os negros constituírem 13% da
população. (RELATÓRIO MUNDIAL 2020).
Já na França de acordo com o Relatório “As autoridades francesas instauraram
dezenas de investigações sobre alegações de uso excessivo da força, mas, até novembro,
apenas dezoito delas haviam chegado a um juiz. Em novembro, o promotor de Paris anunciou
que dois policiais seriam responsabilizados judicialmente por violência, os primeiros casos do
tipo. Até a elaboração deste relatório, nenhum policial havia sido responsabilizado.” (Human
Rights Watch, 2020)
Outro elemento também bastante evidente em Jogos Vorazes é o uso de simbologias,
tanto na Capital exaltando o presidente como entre os distritos após decidir se revoltar.
É instigante como os governos que utilizam de elementos fascistas não gostam de ser
vinculados a prática mas insere sempre que possível elementos similares ao fascismo antes
vivenciado. O símbolo lembrava em forma e cor a uma suástica que mantém na imagem a
chama, que é exatamente o formato do símbolo do fascismo.
Nos Estados Unidos ocorreu fato semelhante quando Donald Trump se inspirou em
um símbolo Supremacista Branco para para criar o seu novo símbolo, A logo foi completa
com uma frase dita por Mussolini— “melhor viver 1 dia como um leão do que 100 anos como
uma ovelha” Contudo, muitos apoiadores tentam justificar alegando que é razoável a
liberdade para se criar símbolos sem estar vinculado diretamente com o fascismo. De acordo
com o Relatório Mundial de Direitos Humanos 2020, Apesar do aumento dos ataques
supremacistas brancos na última década, principalmente desde 2016, e das evidências de que
alguns autores fazem parte de um crescente movimento transnacional de supremacistas
brancos, as agências policiais dos EUA dedicaram muito menos recursos para impedir esses
tipos de ataques do que para a ameaça de ataques inspirados por interpretações extremas do
Islã. Em setembro.
No Brasil o presidente Bolsonaro e seus aliados no governo usam de elementos
simbólicos mais sutis, e outros mais fáceis de identificar, como o discurso feito pelo então
Secretário da Cultura Joseph Goebbels referenciando a propagando da Alemanha nazista,
desnuda o viés fascista do governo do presidente Jair Bolsonaro. (REDE BRASIL ATUAL)
50
Essas práticas não estão distantes da realidade hoje, como se vê com a apropriação de
nomes, cores e emblemas nacionais como símbolos de líderes e seus apoiadores fascistas no
Brasil, nos EUA e na França- tudo isso facilita chamar os grupos discordantes de “inimigos de
pátria”.
A presença do totalitarismo na obra de Collins, bem como nos clássicos do século XX,
traz a percepção de uma incômoda potencialidade da antiga ameaça fascista. Além de obras
ficcionais, o maior paralelo que se pode fazer com Jogos Vorazes é com a realidade.
Nessa distopia, devido à grave crise ambiental houve impacto na saúde das pessoas,
dentre elas a fertilidade. A responsabilidade pela fertilidade, em Gilead, era exclusivamente
feminina. “Estéril. Isso é uma coisa que não existe mais, um homem estéril não existe, não de
maneira oficial. Existem apenas mulheres que são fecundas e mulheres que são estéreis, essa é
a lei.” (ATWOOD, 2017, p.75). Dessa forma, aquelas que eram férteis, se tornavam Aias; as
inférteis, Marthas.
As Marthas eram responsáveis pelo cuidado doméstico das casas das Esposas e seus
Comandantes. As Aias, pela reprodução. Com isso, as Aias eram submetidos a estupros
consentidos pela Esposa e aceitos socialmente em nome de Deus, visto que viviam para
cumprir o papel “sagrado” da mulher: dar a vida. Assim, a partir desse ato de violência, a Aia
poderia se redimir dos seus pecados.
O controle era exercido de forma exclusiva pelos homens, não existindo mulheres em
lideranças ou em qualquer espaço público. Elas eram proibidas de ler, de ter acesso a
educação, ou qualquer direito de decisão, tendo que se submeter silenciosamente às leis da
República de Gilead, formuladas por homens “de bem”, “de Deus”.
Ao longo do livro, a autora dá pistas que ocorreu um processo longo de retirada de
direitos. Pouco a pouco. Primeiro foi realizado o confisco do salário das mulheres, sendo o
valor administrado pelo marido ou pelo parente masculino mais próximo. E seguida, houve a
proibição do direito de se trabalhar fora, depois o não reconhecimento legal das uniões
homoafetivas. O que faz refletir que um golpe nunca ocorre de maneira abrupta.
Um sistema fascista aos moldes de Gilead se implanta lentamente, através de
gradativas perdas de direitos que vão sendo, uma a uma, justificadas na via discursiva como
medidas excepcionais e necessárias, para resolver certos problemas que não teriam qualquer
opção.
52
Nada muda instantaneamente: numa banheira que se aquece gradualmente você seria
fervida até a morte antes de se dar conta. Havia matérias nos jornais, é claro. Corpos
encontrados em valas ou na floresta, mortos a cacetadas ou mutilados, que haviam
sido submetidos a degradações, como costumavam dizer, mas essas matérias eram a
respeito de outras mulheres, e os homens que faziam aquele tipo de coisa eram
outros homens. Nenhum deles eram os homens que conhecíamos. As matérias de
jornais eram como um sonho para nós, sonhos ruins sonhados por outros. Que
horror, dizíamos, e eram, mas eram horrores sem serem críveis. Eram demasiado
melodramáticas, tinham uma dimensão que não era a dimensão de nossas vidas.
Éramos pessoas que não estavam nos jornais. Vivíamos nos espaços brancos não
preenchidos nas margens da matéria impressa. Isso nos dava mais liberdade.
Vivíamos nas lacunas entre as matérias. (ATWOOD, 2017, p. 71).
Como diria Beauvoir (2016, p. 158), “basta uma crise política, econômica ou religiosa
para que os direitos das mulheres sejam questionados”. Isso ocorre hoje, impondo pausas e
retrocessos ao processo histórico de luta em defesa dos direitos das mulheres. Por exemplo, é
possível identificar propostas de lei pautadas em argumentos religiosos que fragilizam direitos
outrora conquistados pelas mulheres, como o de aborto em caso de gestação decorrente de
estupro.43
No Brasil, o avanço das Igrejas Pentecostais/Neopentecostais e o espaço que possuem
no cenário político é a chave para analisar as ações que restringem os direitos da mulher, em
especial sobre a classe trabalhadora. Esse avanço vem ocorrendo de forma gradual e trazendo
como característica a aproximação entre a extrema-direita e setores da Igreja Evangélica.
Essa aproximação pode ser constatada com os inúmeros projetos de lei enviados ao
Congresso Nacional por políticos da Frente Parlamentar Evangélica44. Outro ato que
corrobora esse alinhamento foi a extinção do Ministério de Direitos Humanos e consequente
criação do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, comandado pela pastora
evangélica Damares Alves45. A Ministra é contra o aborto, defende a vida a partir da
43
Atualmente, essa é uma das hipóteses legais de aborto no Brasil, conforme o artigo 128 do Código Penal
(BRASIL, 1940). Porém, o Projeto de Lei 352/2019, apresentado na Câmara Municipal de São Paulo em maio de
2019 por Fernando Holiday, parece extraído diretamente de Gilead, tecendo um processo legalista-burocrático
apto a dificultar os procedimentos do aborto legal e dissuadir a vítima do estupro de fazê-lo, independentemente
de danos físicos e psicológicos a ela.
44
Enquanto isso a bancada evangélica vem desenterra Pecs camuflando seu principal interesse, o
desmantelamento dos direitos fundamentais principalmente das minorias, Houve votação das PECs 181 e 58,os
membro da Frente Parlamentar Evangélica do Congresso, introduziu no texto final, aprovado na quarta-feira,
outras propostas de mudanças constitucionais. O inciso III do artigo 1º da Constituição Federal incluirá entre os
fundamentos do Estado Democrático de Direito a "dignidade da pessoa humana, desde a concepção".Sendo
assim, passa a se caracterizar a personalidade jurídica após a concepção e não do nascimento com vida, o que
dificulta ainda mais o processo de legalização do aborto. Disponivel em:
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/11/09/politica/1510258493_477218.html Acesso dia 25 de Jun.2020
45
A Ministra defende a abstincia seuxual Disponivel em ;https://www.bbc.com/portuguese/brasil-48479429
não tão diferente do Conto da Aya. são mulheres sendo restringidas por um processo ultra conservador.
53
Dessa forma, o Estado, através do seu braço legislativo, cria as condições para o
aprofundamento da opressão/exploração das mulheres. Tendo em vista os vários projetos de
lei47, não seria leviano inferir que o Brasil caminha a passos largos para a retirada de direitos
das mulheres, legitimando e naturalizando a violência patriarcal na qual se estrutura a
sociedade.
46
Escola sem partido Disponivel em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-46006167 Acesso em 25 de jun.
2020
47
Além dos projetos já citados a bancada busca efetivar o retrocesso através de aprovação de PEcs que restringe
o direito das mulheres e das minorias. São entre eles O Projeto de Lei 6583/2013, do deputado Anderson
Ferreira (PR), que requer a proibição do casamento homoafetivo. O Projeto de Lei 8.099/2014, de Marco
Feliciano (PSC-SP), prevê o ensino da doutrina criacionista nas escolas.
54
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vive-se um momento de instabilidade política mundial, em que líderes nacionalistas
cometem ações antidemocráticas e autoritárias, mesmo supostamente governando Estados
Democráticos de Direito. A consequência é a privação aos direitos fundamentais da
população, sobretudo a que compõe as minorias políticas narradas como inimigas pelo
discurso fascista. Esses governos apresentam características historicamente atribuídas ao
fascismo clássico, bem como outras que os inserem no contexto presente.
Nesse cenário, a proposta desta monografia era analisar como elementos
substancialmente fascistas retornam e/ou persistem em um Estado supostamente Democrático
de Direito. O primeiro objetivo específico se referiu à contextualização histórica e conceitual
do fascismo. Foi cumprido no capítulo 2, ao realizar uma análise sobre o significado do
fascismo, entendendo que ele é um movimento, transmutando-se através da história para se
enquadrar a diferentes contextos e demandas sociais, chegando ao sistema democrático
contemporâneo. A revisão bibliográfica possibilitou compreender novos termos, como o
pós-fascismo, fascismo social e o fascismo eterno, uma vez que estes novos construtos não
possuem todas as características iniciais do fascismo clássico, porém suas ações
antidemocráticas, baseadas em ódio e mentiras, perpetuam a essência fascista. Afinal, as
mudanças desses elementos ocorrem devido ao decurso do tempo e das novas demandas e
interesses, porém mantendo sua substância manifestamente fascista.
O segundo objetivo específico buscou compreender se o discurso de ódio proferido
por líderes mundiais configura elemento fascista. Foi cumprido no capítulo 3, descrevendo
inicialmente o significado o discurso, sua importância para a eternalização do ser humano no
espaço público e como pode ser deturpado através de mentiras, frases clichês vazias,
banalização do mal, propaganda de terror, paranoia e outros subterfúgios para perpetuar no
poder um determinado líder ou grupo. Em seguida, identificou-se o conceito de discurso de
55
ódio, utilizando matrizes jurídicas para a discussão do limite entre a liberdade de expressão e
esse discurso.
Foi verificado, através de exemplos de discursos dos líderes mundiais que, ao longo da
pesquisa, foram sendo identificados como potencialmente fascistas, se suas posições de fato
se encaixam nesse molde, implicando em consideráveis violações de direitos humanos e
tensionamento do suposto Estado Democrático de Direito. Isso foi realizado no capítulo 4.
Esse mesmo capítulo deu conta do terceiro e último objetivo específico, que era
exemplificar por analogia as características desses elementos em discursos de líderes
mundiais atuais através de literatura distópica. Contrapondo os exemplos concretos atuais
com obras como “1984” de Orwell, “Jogos Vorazes” de Collins e “O conto da aia” de
Atwood, foram evidenciados elementos em comum, como a vigilância e a sua justificação
através da violência, o controle de informação através da mídia e das fake news, o descrédito
da ciência, o uso de novilíngua, a espetacularização da morte e o controle a partir do medo, a
utilização de simbologias semelhantes à do período nazista, a banalização do mal por parte
das elites e a relação entre a religião (em viés conservador) e o Estado. Com tudo isso, o
cenário vivido hoje se aproxima das piores cenas de literatura distópica que, então, já não
parecem fantasiosas.
Essa relação de objetos ajuda a compreender o que está se vivenciando na sociedade
atual, uma vez que é preocupante o processo de perda de direitos humanos devido a governos
que infringem a lei e a manipulam em seu favor, utilizando de autoritarismo para impor seus
ideais e manter seus privilégios. Observa-se, então, um simulacro de Estado Democrático de
Direito.
Coube a este trabalho identificar a existência da ressignificação das características e
elementos fascistas, que se encontram presentes em atos de líderes nacionalistas
contemporâneos, reverberando através de grupos saudosistas e/ou desejosos de um governo
totalitário. A continuidade e/ou retorno desses elementos traz efeitos danosos à sociedade, em
retrocesso no âmbito dos direitos fundamentais que, supostamente, estariam protegidos pelo
sistema jurídico internacional.
Futuras pesquisas devem se debruçar sobre outros questionamentos que emergiram
durante esta pesquisa, como por exemplo: por que vias (se alguma) seria possível às minorias
políticas perseguidas impedir o processo atual de instauração de Estados totalitários
simulando democracias? Em que medida a mera existência de tratados internacionais de
56
direitos humanos contribui para proteger essas minorias? As organizações internacionais e/ou
o sistema jurídico internacional pode, de alguma forma, evitar que, no futuro, haja nova
reorganização de grupos com ideais fascistas a ponto de buscar retomada de poder?
57
RELATÓRIO ANTIPLÁGIO
58
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