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Fortaleza
2021
1. INTRODUÇÃO
Uma análise minuciosa da obra diderotiana poderá trazer ao seu leitor duas
constatações. A primeira é a importância do feminino em sua concepção de uma filosofia
materialista, assim como a presença marcante de personagens femininas em seus romances
filosóficos, tendo sido este o tema de estudo da tese de Fabiana Tamizari, A mulher na
concepção materialista de Diderot pela USP em 2014 e diversos artigos publicados pela
mesma.
Num século dominado pelo masculino, Diderot propõe a liberdade como uma
instância inerente a todo e qualquer ser humano. A mulher estava mais propensa à loucura e
ao fanatismo religioso (também considerado aqui pelo autor como uma forma patológica)
devido a sua constituição física — uma ideia embasada na medicina de sua época — e
também, mais importante dentro desse estudo: por causa do grande numero de restrições
sociais e o peso da sociedade em suas posições enquanto indivíduos.
Dai deriva a segunda constatação e princípio norteador desta pesquisa que considera
a repressão sexual feminina um claro inimigo da produção de pensamento nas mulheres
dentro do corpus filosófico do autor. Para ele, enquanto presas por concepções religiosas de
castidade ou mesmo socialmente reprimidas, as mulheres acabam por se tornarem
intelectualmente atrasadas, podendo até mesmo sucumbir à loucura e à tirania, dois casos
demonstrados em sua obra “A Religiosa”.
A já citada Fabiana Tamizari (2014) constata em sua pesquisa que “Para ele
(Diderot), desde os primórdios da história humana, o sexo feminino foi subjugado pelos
interesses masculinos, situação que relegava as mulheres a um plano inferior na sociedade”.
Diderot não é o único a escrever sobre a sexualidade feminina no contexto
iluminista, apesar de destacar-se pelo diagnóstico de sua opressão; abuso este como é
explicitado em “Sobre as Mulheres” e demonstrado em “A Religiosa”, o causador de males
psicossomáticos. Segundo o pensamento do autor, transmitido através dessas obras, é a
privação do prazer, a qual a mulher está socialmente submetida, a causadora da histeria e
também da loucura feminina.
Se através da analise diderotiana podemos inferir que a privação sexual causa efeitos
retardantes da produção de pensamento, poderia seu oposto, a libertinagem trazer
consequências positivas para o pensamento filosófico? Até que ponto se pode compreender o
texto como uma proposta favorável e liberação do feminino no ponto de vista sexual?
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Para perscrutar essa possibilidade, este projeto visa à leitura de uma tradição de
texto, que teve, sem dúvida, seu momento de maior destaque por volta do ano de XVIII: os
romances libertinos.
É importante que entendamos, para compreender a aproximação da obra diderotiana
com estes romances licenciosos, que entre os séculos XVII e XVIII o conceito de libertino
ainda não se aproximava totalmente de nossa visão moderna, segundo Onfray (2009),
“libertino denomina de outro modo o ateísta, como se dizia na época, o reformado, o
heterodoxo, o herético, o homem livre, ou qualquer outro personagem que não crê no Deus
Cristão”.
Desta forma, o libertino é entendido não apenas como depravado, no sentido
moderno da palavra, mas pode ser também compreendido como erudito. À época de Diderot e
também posteriormente os dois sentidos tornam-se muito próximos, como demonstra a
perspicácia de Sade, mas também de outros como Moliere e o anônimo autor de Teresa
Filosofa, obras vendidas, segundo Darnton(1996) sob a relevadora alcunha de “textos
filosóficos”.
A própria obra diderotiana é marcada por uma obra que posteriormente seria
rechaçada pelo autor, o cerne do presente projeto: Joias Indiscretas, um romance que transita
por entre o pensamento filosófico como é entendido modernamente, mas possui igualmente
temática e discussões pertinentes às obras licenciosas de seu século, demonstrando que apesar
de ser diversas vezes tratada como uma nota de rodapé na produção filosófica do autor, esta
obra é uma aproximação clara do autor de “A Religiosa” com a escrita libertina francesa.
Dessa forma, poderíamos entender que essas obras fariam parte ou seriam um reforço
do ideário iluminista? Até que ponto pode-se perceber uma ruptura deste tipo de literatura
com o medievo e inserção no racionalismo materialista?
A repressão sexual já não é um efeito de uma repressão moral e politica, de uma
organização de um modo de vida moderno que entende o discurso da sexualidade como uma
maneira de incitação ao sexo que define funções, posições e papeis. Segundo José Carlos
Leal, o patriarcado se caracteriza pela criação do imaginário de dois tipos distintos de mulher:
a subserviente para casar e a mulher da rua, a prostituta. Percebe-se na maioria destes textos
licenciosos que trazem essa temática da mulher pensante enquanto liberta sexualmente, uma
constante presença de um feminino filosoficamente ativo, mas impossibilitado de casar-se.
No entanto, podemos também inferir disto que as definições de gênero não se
restringem somente às mulheres, mas há no pensamento racionalista uma formação de um
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binarismo entre pares opostos, tratando-se numa submissão do prazer para a concepção do
sexo normatizado, pequeno-burguês e reprodutivo.
Até que ponto esta literatura libertina, ao demonstrar em seu arcabouço uma
separação entre as mulheres, não é também um reforço do sexo enquanto constituidor do
núcleo familiar? É possível pensar estes textos como um processo de incitação ao sexo
enquanto discurso ou mesmo produto do encadeamento da estimulação dos corpos? Seria a
pretensa ruptura do status quo religioso proposto nos intercursos sexuais presentes nestes
romances, em realidade uma reafirmação destes valores através do choque entre o ideal e a
fantasia burlesca?
No entendimento de Raymond Trousson¹, o libertino é aquele que engendra em sua
obra uma busca pela libertação dos costumes, afirma uma moral derivada da natureza,
tendência à promiscuidade e demolidoras da ordem social. Neste contexto, o autor aproxima a
produção de parte dos filósofos iluministas estudados pela filosofia tradicional, senão através
da estilística, mas ao menos através das temáticas e objetivações da tradição literária
licenciosa e erótica presente no período.
A presença de ideias filosóficas nestes romances libertinos e licenciosos não pode ser
negada. Adauto Novaes (1996) evidência que, mais do que uma moral sexual, o que estava
em discussão era uma ética filosófica, isto é, a apresentação de todo um conceito filosófico-
ideológico através da movimentação destes conceitos em um romance.
Uma das aproximações propostas entre os diversos textos são a presença de uma
protagonista mulher, ou de uma importante mulher na narrativa que após romper a barreira
marcante de sua virgindade, também parece derrubar os obstáculos que a impediam de pensar
livremente, de compreender o raciocínio filosófico presente na época e também produzir seus
próprios pensamentos, o discutindo abertamente com seus amantes.
O segundo tipo está presente em diversas obras, como L’école des filles, de Michel
Millot, Venus em rut, de Willian Tell e Histoire de dom B..., de Latouche, e possui inclusive um
termo próprio para designá-lo: déniaiser; uma espécie de perda da ingenuidade ao iniciar-se na
filosofia da alcova.
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Em contrapartida, para Foucault, o sexo não esconde nada, ele disciplina,
distribui a relação e o uso dos corpos, num entendimento da existência de um
dispositivo da sexualidade como mais uma forma de coerção social à medida que ele
cria em seu cerne uma série de padrões sociais aceitáveis e papeis em sua execução; o
sexo, dirá ele, se tornará a chave para a libertação e a realização do sujeito numa
produção de pensamento burguesa.
Seria a libertação e gozo destas personagens apenas uma projeção do poder
masculino, racional e lógico e uma reafirmação das funções de gênero instituídas pela
sociedade?
Ou existem elementos que podem apontar uma ruptura e reversão deste
racionalismo filosófico que entende a mulher como o gênero fraco? Até que ponto as
obras licenciosas se constituem como forma de divulgação do pensamento iluminista?
Estas são as perguntas norteadoras desta pesquisa, buscando entender as
aproximações e rupturas entre o romance Jóias Indiscretas e a tradição libertina e
licenciosa do século XVIII e que elementos da filosofia materialista de Diderot estão
presentes ai, principalmente no que tange as discussões sobre razão e sexualidade.
Na crescente onda contemporânea de conservadorismo uma catábase ao
sentido filosófico desta literatura, por tanto tempo condenada a leitura de poucos, e até
mesmo em diversos aspectos censuradas ainda hoje se faz necessária. É uma
provocação.
A produção intelectual sobre estas obras no Brasil ainda é paupérrima em
comparação com o extenso material de estudo, apesar de ter atraído grandes nomes
acadêmicos nacionais como Luiz Fernando Batista Franklin de Matos(USP) e Roberto
Monzani (Unicamp); não obstante, algumas destas obras jamais foram traduzidas para o
português, existindo apenas versões em inglês e francês, mesmo a recente antologia
destes contos, “Les libertins au XVIIe siècle : anthologie” da conhecida editora
Gallimard não obteve interesse nacional em tradução; outras, como é o caso de Joias
Indiscretas, de Diderot, apesar de possuírem traduções na língua pátria se tornaram
artigo para colecionadores, existindo poucos exemplares a disposição, o que explicita o
descaso da academia brasileira com esta tradição.
É na busca da renovação desta tradição que esta pesquisa busca apresentar o
Século das Luzes como o produtor não só de um pensamento das ciências, mas também
como a formulação de um pensamento sobre os prazeres, sendo estes imprescindíveis
para a organização e propagação dos ideais da época.
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2. OBJETIVOS
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3. METODOLOGIA
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4. CRONOGRAMA
2021
ATIVIDADES Fev Mar Abr Maio Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
REVISÃO X X X X X X X X
BIBLIOGRAFICA
ORGANIZAÇÂO X X X X
DOS DADOS
2022
ATIVIDADES Fev Mar Abr Maio Jun Jul Ago Set Out Nov
ORIENTAÇÃO X X X
REVISÂO FINAL X X X X
APRESENTAÇÃO X
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REFERENCIAS:
_________, O Sobrinho de Rameau, in: Col. Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural.
1973
_____________ “Direito Natural”, in DIDEROT, D. & D’Alembert, J.R.,Verbetes
políticos da Enciclopédia. São Paulo; Editora UNESP, 2006.
MARTINS, L.R. “Do erotismo à parte maldita” in NOVAES, A. O Desejo. São Paulo:
Companhia das Letras,1990
MATOS, F. “Livre gozo e livre exame — ensaio sobre Les bijoux indiscrets de
Diderot” in NOVAES, A. Libertinos libertários. São Paulo: Companhia das
Letras,1996
ONFRAY, Michel. Os ultras das Luzes. São Paulo: Editora Martins Fontes. 2012.
PIVA, P.J.L.; O ateu virtuoso: materialismo e moral em Diderot. São Paulo: Discurso
Editorial, 2003.
RIBEIRO, R.J. A Etiqueta no Antigo Regime. São Paulo; Editora Brasiliense, 1987.
VAINFAS, R. Casamento, amor e desejo no Ocidente cristão. São Paulo: Ática, 1986.