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Conselho Federal de Psicologia.

Negam quem eu sou ao inventarem origens para


a minha orientação sexual e expressão/ identidade de gênero. In.: ______. Tentativas
de aniquilamento de subjetividades LGBTIs. Brasília, DF: CFP, 2019. p. 56-72.

O Conselho Federal de Psicologia – CFP é uma autarquia de direito público,


com autonomia administrativa e financeira, que tem como objetivo regulamentar,
orientar e fiscalizar o exercício profissional. Promover espaços de discussão sobre os
grandes temas da Psicologia que levem à qualificação dos serviços profissionais
prestados pela categoria à sociedade. O CFP discute estrategicamente diversos temas
como saúde, gênero, educação, projetos de lei de interesse da Psicologia, criança e
adolescente, medicalização da vida, emergências e desastres (CFP, S/D). Dentre essas
discussões são elaborados materiais como o livro “Tentativas de aniquilamento de
subjetividades LGBTIs”.
O texto a ser discutido aqui é um capítulo do livro citado a cima, e se denomina
“Negam quem eu sou ao inventarem origens para a minha orientação sexual e
expressão/ identidade de gênero”. Este, abrange narrativas de pessoas sobre os mitos
que se depararam acerca da origem e causa de sua orientação sexual e expressões de
gênero. Sobre isso, trazem que outras pessoas tentam explicar que orientações sexuais,
que não sejam heterossexuais, e expressões de gênero, que não sejam cisgêneras, são
anomalias, doenças, desordens associadas a causas más e erros. Tudo isso acarreta
exclusão social, ódio e violência.
Inicialmente, torna-se importante conceituar brevemente alguns termos. O
conceito de gênero, que diz respeito às questões psicológicas e culturais, se difere do
sexo, que se refere ao biológico. Então gênero seria masculino e feminino, enquanto
sexo “macho e fêmea” que são independentes (Oakley, 1972 apud MELO; SOBREIRA,
2018). Já a orientação sexual diz respeito a atração e desejo sexual, quando é dirigida a
alguém do sexo oposto diz-se heterossexual, quando a alguém do mesmo sexo ou
ambos, homossexual (RIOS; PIOVESAN, 2001 apud MELO; SOBREIRA, 2018).
O primeiro relato é de um homem cis, gay, negro, de 24 anos de idade. O
psicólogo tentava explicar a causa de sua homossexualidade dizendo que era devido
uma relação inadequada com o pai, que causou sensação de insuficiência na
masculinidade e busca dos desejos homossexuais.
Já um homem cis, gay, branco, de 46 anos de idade recebeu da psicóloga uma
apostila que explicava como se libertar da homossexualidade. Ainda, induzia a crença
de que sua orientação sexual era por influência de algo que aconteceu na família.
Um homem cis, pardo, gay, de 26 anos de idade ressalta que a mãe se
questionava o que ela e o seu pai fizeram de errado para ele estivesse os punindo com
sua orientação sexual.
Outro relato é de uma mulher cis, lésbica, branca, de 20 anos de idade. Seu
psicanalista justificava sua orientação sexual dizendo que foi influenciada pela
imaginação dos pais na gravidez, de que ela fosse um menino. Ainda, afirmou que era
algo a ser tratado ali.
Um homem cis, gay, branco, de 31 anos de idade relata que na sua família, de
preceitos evangélicos, a única orientação sexual aceita é a heterossexualidade e que as
demais são consideradas desvios, pecado e problema. Ainda, discorre que quando
procurou ajuda ouviu que era gay por causa da mãe superprotetora e do pai ausente, o
que fez com que se identificasse com a mãe e não com o pai. Para sua psicóloga ele era
gay por conta da identificação com a mãe, que sente atração por homens e por isso ele
também.
Com isso percebe-se que a diversidade pode ter como resultado a intolerância e
com ela preconceitos e discriminações, e no mais agravar. Tudo isso pode ser causado
por falta de informações adequadas à sociedade, como percebida nos relatos nas
percepções de familiares.
A orientação sexual e a identidade de gênero, carregam muitas representações
históricas e culturais. Na história a homossexualidade já foi tratada como doença e
inclusive objeto de estudo da Psicologia e Psicanálise. Foi inclusive, motivo de
discussões entre profissionais da Psicologia, as quais um grupo defendia a “reversão
sexual” e a “cura gay” e oferecia terapias para tais fins. Como pode ser percebido nos
relatos anteriores, trata-se a orientação sexual e a identidade de gênero como algo
passível a ser modificado.
Quando o assunto é ser trans, há uma idealização de que há um problema com
essa pessoa, que há algo de errado, fazendo com que muitas vezes homem ou mulher
trans se sinta desta forma, com “problema”. Nesse relato de um homem trans,
heterossexual de 24 anos, o mesmo relata que muitas pessoas tratam sua opção sexual
como “algo passageiro”, uma ignorância que machuca, ignorância presente até mesmo
em centros especializados como o CAPS, na qual é tratado como uma pessoa com
distúrbio, com depressão, e que quando essa depressão “sarar” tudo fará sentido para
“ela”.
Ainda que profissionais tenham um código de ética que os guiem, muitos ainda
não seguem, e tratam situações como essa como “fase”. Veja bem, se o profissional
psicólogo já denomina o que o paciente tem, antes mesmo dele significar, ele vai tomar
aquilo por verdade, e vai incorporar a “anomalia” a “patologia” como algo de errado
com ela.
A opção sexual encontra várias “justificativas”, até mesmo as crenças de que se
tratam de maldições, o que faz com que a pessoa carregue um fardo que não é dela, de
maldições familiares, que com Deus aquilo se resolverá. É algo muito além do que a
crença, é algo que não precisa de justificativa, e sim de respeito.
Percebe-se a partir da leitura dos casos, que a identidade de gênero, por vezes, é
confundida com orientação sexual. O sujeito, por apresentar uma condição atípica para
o meio em que está inserido, é visto como sendo influenciado pelo demônio. A religião,
que é uma característica marcante aparecendo em quase todos os casos, adota uma
postura de julgamento, assim, condena o indivíduo, por apresentar uma condição que
vai contra os seus princípios.
É possível notar que a visão sobre a escolha sujeito, quanto a sua sexualidade,
representa uma abertura para o maligno, portanto precisa ser tratada e curada, seja
através do exorcismo ou qualquer outra forma que irá fazer o sujeito afastar-se desse
mal. Os pais, são os primeiros a buscarem ajuda, na tentativa de cura, recorrendo a
religião, medicina e demais orientações.
De fato, a religião, guia a humanidade há séculos, fazendo com que a
espiritualidade e seus valores morais, estabeleça um conjunto de sistemas culturais e de
crenças. Desde o princípio, a religião condena aqueles que mantinham práticas sexuais
com pessoas do mesmo sexo. Quando alguém se deparava com homossexualidade, pelo
fato de ser pecado para a religião, a pessoa era tentada a procurar a cura . Um outro
caso, citado no livro, trás o relato de uma pessoa, que foi julgada por receber um
demônio que o colocou naquela condição. Em um segundo caso, a pessoa chegou a ser
internada em um hospital espírita, onde tinha o médico psiquiatra também era médium.
Nesse caso, o profissional, seguindo as orientações do Conselho de sua classe, não
deveria misturar suas crenças com o sofrimento dos pacientes.
O próximo caso, relata sobre o entendimento que se tem a respeito da
homossexualidade na religião, em que a mesma é vista como uma influência de espíritos
malignos, diabos, e demônios. Dessa forma a religião começa um trabalho de tentar
condicionar a pessoa, a entender que isso é um pecado, que isso vai contra as leis de
Deus. Outro relato fala desse encontro que pode acontecer em palestras das igrejas, “ex-
gay” retratam sobre o assunto. Assim, as pessoas são divididas em grupos, e
identificadas onde o espírito maligno adentrou naquela pessoa, fazendo rituais para
ficarem zen, fechar os olhos para espírito e tentar trazer a memória situação de abuso,
ou seja, tentam buscar uma explicação para a homossexualidade, para então a curar, sem
levar em conta todo o sentimento daquela pessoa.
O próximo caso relata a homossexualidade como sendo atribuída a algum
trauma do passado, a pessoa conta um episódio em que viu um travesti ser espancado e
foi juntamente com uma familiar socorrer, enquanto via a cena, a pessoa se vê naquela
condição sofrendo aquele mesmo tipo de agressão. A psicóloga atribui a orientação da
pessoa a este fato, sem ouvir a percepção e sentimentos do sujeito em relação a própria
escolha.
Posteriormente, no próximo caso, a psicóloga vai aconselhar a pessoa a ter
contato com pessoas evangélicas, bem como, se casar e mudar de amigos, neste caso, a
psicóloga vai contra o artigo segundo do código de ética, colocando seus valores
pessoais acima da autonomia da pessoa. Ainda, um outro caso, coloca em pauta a visão
de membros da igreja sobre, segundo os quais, a orientação sexual e expressão do
gênero se deve a influência de amigos, pais, tv, entre outros, e que a pessoa pode
controlar, reprimir, ou ignorar seus sentimentos, desejos e escolhas.
Em contraposição às atitudes e defesas de profissionais que defendem a
orientação sexual e a identidade de gênero como desvios passíveis a ser curados, o CFP
se apresenta de outra maneira frente à isso. O Conselho Federal de Psicologia entende
que isso diz respeito à subjetividade de cada indivíduo e cabe a Psicologia contribuir
para a superação dessas estigmatizações sociais e dessas regras de normatização.
REFERÊNCIAS:

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Negam quem eu sou ao inventarem


origens para a minha orientação sexual e expressão/ identidade de gênero. In.: ______.
Tentativas de aniquilamento de subjetividades LGBTIs. Brasília, DF: CFP, 2019. p.
56-72.

MELO, T. G. R.; SOBREIRA, M. V. S. Identidade de Gênero e Orientação Sexual:


Perspectivas Literárias. Temas em Saúde. Volume 18, Número 3, ISSN 2447-2131,
João Pessoa, 2018. Disponível em: https://temasemsaude.com/wp-
content/uploads/2018/09/18321.pdf. Acesso em 19 de Maio de 2021.

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