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TÓPICOS

ESPECIAIS
(SERVIÇO SOCIAL)

Professor Dr. Silvio Ruiz Paradiso

GRADUAÇÃO

Unicesumar
Reitor
Wilson de Matos Silva
Vice-Reitor
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de Administração
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de EAD
Willian Victor Kendrick de Matos Silva
Presidente da Mantenedora
Cláudio Ferdinandi

NEAD - Núcleo de Educação a Distância


Direção Operacional de Ensino
Kátia Coelho
Direção de Planejamento de Ensino
Fabrício Lazilha
Direção de Operações
Chrystiano Mincoff
Direção de Mercado
Hilton Pereira
Direção de Polos Próprios
James Prestes
Direção de Desenvolvimento
Dayane Almeida
Direção de Relacionamento
Alessandra Baron
Head de Produção de Conteúdos
Rodolfo Encinas de Encarnação Pinelli
Gerência de Produção de Conteúdos
Gabriel Araújo
Supervisão do Núcleo de Produção de
Materiais
Nádila de Almeida Toledo
Supervisão de Projetos Especiais
Daniel F. Hey
Coordenador de Conteúdo
Maria Cristina Araújo de Brito Cunha
Designer Educacional
C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Agnaldo Ventura
Distância; PARADISO, Silvio Ruiz.
Iconografia
Tópicos Especiais (Serviço Social). Silvio Ruiz Paradiso. Isabela Soares Silva
Maringá-Pr.: UniCesumar, 2017.
256 p.
Projeto Gráfico
“Graduação - EaD”. Jaime de Marchi Junior
José Jhonny Coelho
1. Topicos. 2. Especiais EaD. I. Título.
Arte Capa
Arthur Cantareli Silva
ISBN 978-85-459-0750-3
CDD - 22 ed. 378 Editoração
CIP - NBR 12899 - AACR/2 José Jhonny Coelho
Qualidade Textual
Alisson Pepato
Ilustração
Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário
Bruno Pardinho
João Vivaldo de Souza - CRB-8 - 6828
Impresso por:
Viver e trabalhar em uma sociedade global é um
grande desafio para todos os cidadãos. A busca
por tecnologia, informação, conhecimento de
qualidade, novas habilidades para liderança e so-
lução de problemas com eficiência tornou-se uma
questão de sobrevivência no mundo do trabalho.
Cada um de nós tem uma grande responsabilida-
de: as escolhas que fizermos por nós e pelos nos-
sos farão grande diferença no futuro.
Com essa visão, o Centro Universitário Cesumar
assume o compromisso de democratizar o conhe-
cimento por meio de alta tecnologia e contribuir
para o futuro dos brasileiros.
No cumprimento de sua missão – “promover a
educação de qualidade nas diferentes áreas do
conhecimento, formando profissionais cidadãos
que contribuam para o desenvolvimento de uma
sociedade justa e solidária” –, o Centro Universi-
tário Cesumar busca a integração do ensino-pes-
quisa-extensão com as demandas institucionais
e sociais; a realização de uma prática acadêmica
que contribua para o desenvolvimento da consci-
ência social e política e, por fim, a democratização
do conhecimento acadêmico com a articulação e
a integração com a sociedade.
Diante disso, o Centro Universitário Cesumar al-
meja ser reconhecido como uma instituição uni-
versitária de referência regional e nacional pela
qualidade e compromisso do corpo docente;
aquisição de competências institucionais para
o desenvolvimento de linhas de pesquisa; con-
solidação da extensão universitária; qualidade
da oferta dos ensinos presencial e a distância;
bem-estar e satisfação da comunidade interna;
qualidade da gestão acadêmica e administrati-
va; compromisso social de inclusão; processos de
cooperação e parceria com o mundo do trabalho,
como também pelo compromisso e relaciona-
mento permanente com os egressos, incentivan-
do a educação continuada.
Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está
iniciando um processo de transformação, pois quando
investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou
profissional, nos transformamos e, consequentemente,
Diretoria de
transformamos também a sociedade na qual estamos
Planejamento de Ensino
inseridos. De que forma o fazemos? Criando oportu-
nidades e/ou estabelecendo mudanças capazes de
alcançar um nível de desenvolvimento compatível com
os desafios que surgem no mundo contemporâneo.
O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de
Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo
Diretoria Operacional
este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens
de Ensino
se educam juntos, na transformação do mundo”.
Os materiais produzidos oferecem linguagem dialógica
e encontram-se integrados à proposta pedagógica, con-
tribuindo no processo educacional, complementando
sua formação profissional, desenvolvendo competên-
cias e habilidades, e aplicando conceitos teóricos em
situação de realidade, de maneira a inseri-lo no mercado
de trabalho. Ou seja, estes materiais têm como principal
objetivo “provocar uma aproximação entre você e o
conteúdo”, desta forma possibilita o desenvolvimento
da autonomia em busca dos conhecimentos necessá-
rios para a sua formação pessoal e profissional.
Portanto, nossa distância nesse processo de cresci-
mento e construção do conhecimento deve ser apenas
geográfica. Utilize os diversos recursos pedagógicos
que o Centro Universitário Cesumar lhe possibilita. Ou
seja, acesse regularmente o AVA – Ambiente Virtual de
Aprendizagem, interaja nos fóruns e enquetes, assista
às aulas ao vivo e participe das discussões. Além dis-
so, lembre-se que existe uma equipe de professores
e tutores que se encontra disponível para sanar suas
dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de aprendiza-
gem, possibilitando-lhe trilhar com tranquilidade e
segurança sua trajetória acadêmica.
AUTOR

Professor Dr. Silvio Ruiz Paradiso


Pós-Doutorado em Literaturas Africanas em Língua Portuguesa (USP). Doutor em
Letras com ênfase em Estudos Literários e Estudos Culturais, pela Universidade
Estadual de Londrina (UEL), e sócio da AFROLIC - Associação Internacional
de Estudos Literários e Culturais Africanos. Professor da Graduação e Pós-
graduação do Centro Universitário de Maringá (UNICESUMAR). Tem curso de
Extensão em Filosofia pela University of Edinburgh, curso de Extensão em
Pós-colonialismo (UEM) e História e Cultura afro-brasileira e Africana (UEL).
Na pesquisa, aborda temas como: Literatura pós-colonial, Religiosidade e
Diversidade na escola (Cultural, sexual, étnica). É líder do grupo de pesquisa
sobre Pós-colonialismo, Literatura e Estudos Culturais. Coordenador da pós-
graduação em “História, Cultura afro-brasileira e indígena”, da EAD Unicesumar.
Tem ampla experiência em colegiado acadêmico, Núcleo docente estruturante,
coordenação de projetos, Ensino a distância (material e aula) e orientações de
Iniciação Científica, TCC e trabalhos de conclusão de Especialização.

Para informações mais detalhadas sobre sua atuação profissional, pesquisas e


publicações, acesse seu currículo, disponível no endereço a seguir:

<http://lattes.cnpq.br/0319529066801482>.
APRESENTAÇÃO

TÓPICOS ESPECIAIS (SERVIÇO SOCIAL)

SEJA BEM-VINDO(A)!
Caro(a) aluno(a), esta é a disciplina de Tópicos Especiais, do curso de Ser-
viço Social. Esse material foi organizado e elaborado a fim de promover o
estudo sobre vários temas importantes de nossa sociedade.
A sociedade contemporânea vive uma mudança de estruturas institucio-
nais, morais e de ideias, cuja rapidez obriga-nos a pensar e repensar tal
sociedade, ainda mais por ela ser o corpus de pesquisa e trabalho para
esse material. O sociólogo polonês Zygmunt Bauman (2001), trouxe em
seu livro “Modernidade líquida”, uma reflexão sobre a modernidade e a
falta de solidez em tudo, gerando ao homem temores que vão desde o
agravamento da violência, intolerância, solidão, falta de ética, exclusões
entre outros problemas sociais. Logo, o profissional do Serviço Social tem o
dever de refletir sobre esses temas, além de compreender seu papel nessa
nova e mutante sociedade.
Nós, sem exceção, vivemos dentro de uma caixinha. Dentro dela, as mais
variadas relações e fenômenos sociais acontecem. O fato é que o estudante
universitário, em especial o de Serviço Social, precisa sair dela, para assim
poder vê-la por fora e entender como ela é feita e organizada. Enquanto
estamos dentro dela, pouca coisa conseguimos fazer. Minha função, bem
como a do meu material, é pegá-lo pelas mãos e, juntos, sairmos desta
caixinha e observá-la profundamente.
Iamamoto (1999) nos lembra que o contexto da contemporaneidade é
um desafio a mais para os assistentes sociais, que devem se qualificar
para explicar tais mudanças, além de acompanhar, vivenciar e se atualizar
frente à nova realidade social. A prática de intervenção no atual momento
só é possível se o profissional do Serviço Social ter clareza sobre o mundo
em que vive.
Para tanto, este material foi desenvolvido para discutir variados temas so-
ciais, agregados em 5 eixos abordados nas unidades: Violência, Sexualidade,
Questões Raciais, Ética e Tecnologia e Política que são, sem dúvida, temas
recorrentes dentro e fora da academia. Ademais, o aluno de Serviço Social
precisa compreender tais temas dentro do contexto de atuação, tornando-se
assim um profissional mais bem preparado e, principalmente, mais humano.
Na Unidade 1 abordaremos os fenômenos da violência e seus mais variados
vieses. Na unidade 2, estudaremos sobre questões raciais e como o racismo
atinge nossa sociedade. Neste contexto, compreenderemos o porquê das
políticas públicas de cunho racial, e conheceremos algumas políticas para os
povos afro-brasileiros, indígenas e ciganos. Já na Unidade 3, o foco será em
compreender a temática da sexualidade dentro de nossa sociedade. Estudare-
mos conceitos sobre gênero e sexualidade, homofobia, adoção homoparental
e a dificuldade social das pessoas trans para o direito ao nome social.
APRESENTAÇÃO

Por fim, na Unidade 4, a ética, a tecnologia e o meio-ambiente serão de-


batidos. Iniciaremos esta unidade diferenciando ética de moral, e perce-
beremos que crenças particulares podem influenciar negativamente no
trabalho do Serviço Social. Depois, estudaremos sobre a tecnologia e meio
ambiente, e como a ausência da ética nesses campos pode interferir as
relações sociais. Enquanto que na Unidade 5, nosso principal foco será a
política, bem como todas suas relações acerca da cidadania, globalização,
democracia e globalização.
Dessa forma, espero que vocês aproveitem ao máximo nossas discussões,
bem como o conteúdo desta disciplina, e que ela possa prepará-los mais
ainda nos desafios da profissão.
09
SUMÁRIO

UNIDADE I

AS VÁRIAS FACES DA
VIOLÊNCIA NA CONTEMPORANEIDADE

15 Introdução

16 Violência: O Que É?

24 Violência e Poder

26 Tipos de Violência

28 Violência Contra a Mulher

36 Violência contra Crianças e Adolescentes

42 Violência Escolar e Bullying

48 Intolerância Religiosa

57 Considerações Finais

65 Referências

68 Gabarito

UNIDADE II

SOCIEDADE E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: NEGROS, INDÍGENAS,


CIGANOS, IMIGRANTES E POLÍTICAS PÚBLICAS

71 Introdução

72 Raça e Racismo

78 Racismo e Ações Afirmativas

80 Políticas Públicas para Afrodescendentes


10
SUMÁRIO

87 Lei 10639 / 11645 - Obrigatoriedade do Ensino de Cultura e História


Afrobrasileira e Indígena

92 Políticas Públicas para Indígenas e outros Grupos

109 A Questão dos Imigrantes

115 Considerações Finais

123 Referências

126 Gabarito

UNIDADE III

QUESTÕES SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE

129 Introdução

130 Gênero e Ideologia no Tempo Presente

137 Violência de Gênero, Sexual e Políticas Públicas

146 Comunidade LGBT, Homofobia, Transfobia

153 Adoção Homoparental

157 Sobre a Adoção Homoparental no Cenário Brasileiro

162 Considerações Finais

168 Referências

172 Gabarito
11
SUMÁRIO

UNIDADE IV

ÉTICA, TECNOLOGIA
E MEIO AMBIENTE

175 Introdução

176 Ética e Moral

180 Ética, Moral E O Perfil Do Assistente Social

186 Ética, Tecnologia e Sociedade 

189 Redes Sociais

194 Cyberbullying

197 Ética, Meio-Ambiente E Sociedade

200 Considerações Finais

207 Referências

209 Gabarito

UNIDADE V

CIDADANIA, GLOBALIZAÇÃO, DEMOCRACIA E POLÍTICA


INTERNACIONAL

213 Introdução

214 Democracia e Cidadania sob o viés das Políticas Públicas

221 Sobre as Políticas Sociais

224 As Políticas Sociais Brasileiras Pós 1988


12
SUMÁRIO

232 Participação Popular e Controle Social: Princípios Fundamentais para a


Efetivação da Cidadania e da Democracia

235 Globalização, Política Internacional e os seus rebatimentos nas Relações


Humanas

247 Considerações Finais

251 Referências

255 Gabarito

256 Conclusão
Professor Dr. Silvio Ruiz Paradiso

AS VÁRIAS FACES DA

I
UNIDADE
VIOLÊNCIA NA
CONTEMPORANEIDADE

Objetivos de Aprendizagem
■ Compreender o contexto e conceito do termo Violência em nossa
sociedade.
■ Relacionar a violência com o conceito de poder hegemônico.
■ Diferenciar os tipos de violência, em especial o físico do simbólico.
■ Estudar e refletir sobre as variadas manifestações da violência na
sociedade, como contra a mulher, contra a criança e adolescente,
violência dentro da escola e no contexto religioso.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ Violência: O que é
■ Violência e Poder
■ Tipos de Violência
■ Violência contra a Mulher
■ Violência contra Crianças e Adolescentes
■ Violência Escolar e Bullying
■ Intolerância Religiosa
15

INTRODUÇÃO

Nesta primeira unidade de nosso material, discutiremos sobre “violência”. O


Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

termo tem sua raiz etimológica no latim violentia, derivada do termo vis, que
significa força. Compreenderemos que a violência no campo social não deve ser
compreendida apenas pela ideia de força no sentido físico, mas sim, de maneira
simbólica, com a ideia de poder. Veremos que as relações de poder, desde o início
da civilização, criam e justificam mecanismos de violência, para separar grupos
e privilegiar uns contra outros.
Abordando sobre violência e poder, veremos que o machismo, o racismo, a
xenofobia e até mesmo o bullying são manifestações de violência que visam fomen-
tar a superioridade de determinados grupos sobre outros, como o homem sobre
a mulher, o branco sobre o negro, o povo europeu sobre os não europeus, etc.
Assim, entenderemos que a violência acaba sendo um processo não apenas
físico e resumido em chutes, tapas e lesões, mas também simbólico, como o iso-
lamento, a intolerância e a humilhação, que causam prejuízos à saúde moral e
psicológica das vítimas. Neste ponto, passaremos a conhecer os vários tipos de
violência, que vão desde a psicológica até a tortura e morte.
Em seguida, discutiremos sobre quatros específicas manifestações da vio-
lência na sociedade: a Violência contra a Mulher, e como o machismo e as ideias
preconceituosas em relação ao gênero contribuem para isso; Violência contra
Criança e Adolescente, que muitas vezes são, simultaneamente, agressores atra-
vés da delinquência e vítimas, no contexto da violência intrafamiliar; Violência
Escolar e Bullying , reconhecendo que a escola também é um campo de disse-
minação da violência, em seus vários sentidos, e a Intolerância Religiosa, uma
violência específica dentro do campo religioso que atinge principalmente ateus
e adeptos das religiões afro-brasileiras.

Introdução
16 UNIDADE I

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
VIOLÊNCIA: O QUE É?

Dentre os fenômenos da contemporaneidade, a violência é, sem dúvida, a que


mais está em evidência. O termo violência advém do latim violentia, derivada do
termo vis, ou seja, força. Logo, de forma genérica, violência seria um comporta-
mento que intimida moralmente um outro ser de forma intencional, invadindo
sua integridade física e psicológica.
No sentido lexicográfico, violência é um substantivo feminino que tem
aproximadamente sete conceitos, como “1. Estado daquilo que é violento;
2.Ato violento; 3.Ato de violentar; 4.Veemência; 5.Irascibilidade; 6. Abuso
da força; 7. Tirania; opressão.” (DICIONARIO AURELIO, [2017],on-line)1.
Além de ter na jurisprudência o conceito de “Constrangimento exercido sobre
alguma pessoa para obrigá-la a fazer um ato qualquer; coação” (VIOLÊNCIA,
2016).
É muito difícil conceituar violência, principalmente por ser ela, por vezes,
uma resultante das intenções sociais; por vezes ainda, um componente cultural
naturalizado. Os estudiosos, que nos últimos tempos tem-se debruçado sobre o

AS VÁRIAS FACES DA VIOLÊNCIA NA CONTEMPORANEIDADE


17

tema, ouvido e descultuando toda a produção filosófica, mitológica e antropo-


lógica da humanidade, lhe conferem um caráter de permanência em todas as
sociedades e também de ambiguidade, ora sendo considerada como fenômeno
positivo, ora como negativo, o que retira da sua definição qualquer sentido posi-
tivista, e lhe confere o status de fenômeno complexo (MINAYO, 1999).
Enquanto fenômeno biopsicossocial, a violência ocorre nas relações inter-
grupais e interpessoais da vida cotidiana. Desse modo, é indispensável a
compreensão do contexto sócio histórico no qual ela ocorre.
A violência é um fenômeno que nos acompanha desde os primórdios, ini-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

cialmente com o intuito de sobrevivência, frente a um ambiente hostil. Pensemos


no homem neandertal e o seu modo de sobrevivência por meio da caça e de
luta contra outros homens e animais selvagens. A prática da violência pelo ser
humano é bem diferente da prática violenta dos outros animais (ODALIA, 1985),
e isso acontece, primeiro, pela nossa capacidade de sermos violentos com o uso
de instrumentos facilitadores, seja para a autodefesa e competição, por exem-
plo. A principal diferença é que o ser-humano usa da violência com sadismo e
consciência (PINO, 2007).
Em ambos os mundos (humano e animal), a violência tem como base as rea-
ções biológicas da agressividade, sendo que o potencial biológico dessas reações
existe tanto nos animais, pelo instinto, quanto em nós, a ponto de arranharmos
e mordermos alguém quando irados.
O sangue, nesse momento, é expelido com vigor em direção aos locais onde
é mais necessário — o cérebro, para o raciocínio rápido, e os músculos, que devem
trabalhar a plena capacidade. Não falta energia para o combate, pois o fígado
passa a sintetizar mais açúcar. Também se aceleram os processos de coagulação,
reduzindo as conseqüências de possíveis perdas de sangue. Essas são as reações
de qualquer mamífero, incluindo o homem, quando está em uma situação de
luta. Instintivamente, o corpo se prepara para o ataque, diante de qualquer ame-
aça, real ou imaginária (PINO, 2007).
O fato é que nós humanos, enquanto sujeitos sociais, contextualizamos a
violência fora de uma realidade instintiva. O meio modula a agressividade, ensi-
nando-nos a usar a violência dentro de vários contextos. Se a violência era de
caráter animalesco no mundo primitivo, baseado no “instinto” de sobrevivência,

Violência: O Que É?
18 UNIDADE I

no mundo Clássico greco-romano, já não era mais. Formas de organizações


sociais já eram bem definidas, regulando responsabilidades sociais e individu-
ais, bem como regras de convivência. Contudo, as divisões de classe ou estrato
social acabaram por “justificar” violências sociais.
Oliveira et al. (2014) nos lembra que, entre os gregos, as pessoas eram dividi-
das em classes de acordo com sua origem. Os legítimos espartanos, por exemplo,
deveriam se dedicar à carreira militar, treinando e aperfeiçoando a força física,
enquanto os demais deveriam trabalhar em ofícios variados. Já os atenienses legí-
timos deveriam se dedicar ao intelecto e política, e os demais ao trabalho físico,

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
inclusive sendo escravizados.
No mundo romano, a mesma coisa acontecia, e a organização social por
grupos legitimava a violência social, ou seja, as leis eram instrumentos assegu-
radores dos privilégios de pequenos grupos, sob a maioria marginalizada - mas,
a relação disso com a violência veremos adiante. Com o passar dos tempos, essa
regulação social sobreviveu à queda dos impérios greco-romano, passando a
continuar no mundo feudal da Idade Média.
A relação de vassalagem era baseada em contratos de fidelidade, o que legi-
timava punições ao vassalo, caso ele não cumprisse alguma norma. Na Idade
Média, a violência era utilizada para diversos fins: pedagógico, punitivo e inti-
midativo. Muitas vezes, a violência se transformava em espetáculos públicos,
em que homens e mulheres eram enforcados, guilhotinados e torturados cruel-
mente. A Igreja e o Estado faziam o papel de juiz, mantendo engessado o sistema
vigente (MUCHEMBLED, 2012).
Se por um lado se dava a instrumentalização da Igreja, por outro ela se
tornava a força político-ideológica mais importante do império, depois do
Estado. Essa relação particular entre Igreja e Estado, caracterizada por um
regime de união e de religião de Estado, seria sua característica mais especí-
fica. Dessa forma,
“o Estado assegurava à Igreja a presença privilegiada na sociedade e, de-
pendendo das situações históricas, o monopólio sobre a produção dos
bens simbólicos, constituindo-a, além disso, em aparelho de hegemonia do
sistema. Já a Igreja assegurava ao Estado e aos grupos/classes dominantes
a legitimação de sua hegemonia e dominação” (BINGEMER,2001, p. 14).

AS VÁRIAS FACES DA VIOLÊNCIA NA CONTEMPORANEIDADE


19

Aliás, a Igreja, já no século XII, através do Tribunal do Santo Ofício, tornou-se


uma instituição eclesiástica de carácter “judicial”, que tinha por principal obje-
tivo “inquirir heresias” - período que passou a ser conhecido como Inquisição.
A Inquisição usava-se de uma “institucionalização” da violência, tendo-na jus-
tificada por um bem maior. Sobre isso, Bingemer (2001, p. 145) entende como
“violência legalizada, onde o uso da força era justificável quando fosse utilizado
para beneficiar a sociedade cristã e sob sua direção”. Ademais, o mesmo se apli-
cava à períodos de guerra como as Cruzadas, por exemplo.
O Santo Ofício, em conjunto com o Estado, possuía métodos próprios para
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

controle das heresias, baseando-se em acato da denúncia, interrogatório, pri-


são preventiva, novo interrogatório, tortura e sentença. Morais (2016) revela
que as penas inquisitoriais variavam desde penitências espirituais, degredo,
prisão perpétua, trabalhos forçados até a fogueira. Vejamos um exemplo dessa
“violência legalizada” do século XVII, no Rio de Janeiro, contra uma mulher
chamada Izabel Mendes, denunciada por heresia judaica e feitiçaria (MORAIS,
2016, p. 23).
Na tortura da polé, a vítima era levantada até determinada altura com as
mãos amarradas para trás e um peso colocado nos pés. Em seguida, soltavam a
corda, porém evitando que o torturado tocasse o chão. O solavanco poderia ser
repetido, e algumas vezes ele provocava o deslocamento dos membros. O açoite
público também era utilizado [...]. O réu era condenado à tortura, quando os
inquisidores consideravam que ele não fazia uma confissão completa e sincera
de suas culpas e nem denunciava a todos os seguidores da lei de Moisés que ele
conhecia. [...]. Não somente o Santo Ofício utilizava a tortura, era comum a todas
as justiças da época, como método para apurar a verdade. Para não atrapalhar
o tormento, retiravam-se as roupas das mulheres, deixando-as nuas da cintura
para cima, isso constituía uma tortura adicional, e os inquisidores sabiam disso
(MORAIS, 2016, p. 23).
A tortura, como uma das formas da violência, ficou conhecida na Idade
Média pelos seus instrumentos engenhosos, como os das figuras abaixo:

Violência: O Que É?
20 UNIDADE I

1 4

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
5

Figura 1 - Cadeira usada para interrogatórios na Idade Média. Figura 2 - Instrumento de tortura medieval. Figura 3 -
Instrumento de execução por sufocamento. Figura 4 - Instrumento de tortura. Figura 5 - Jaula e a dama de ferro.

AS VÁRIAS FACES DA VIOLÊNCIA NA CONTEMPORANEIDADE


21
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Figura 6 - Polé
Fonte: História de Alagoas (2015, on-line)2.

É preciso salientar que as práticas medievais de violência social, empregadas pela


Igreja, não eram vistas como “violência”, mas sim como instrumentos de ordem
social, política e, principalmente, religiosa. A morte por fogueira, por exemplo,
tinha um intuito muito claro: purificação. Ademais, a violência no espaço reli-
gioso não é e nunca foi exclusiva do cristianismo católico. Se em Lucas (19:26-27),
no Novo Testamento, vemos amostras de violência social, na Torá temos inú-
meros casos, como em Deuteronômio (7:1-2), quando uma “chacina” contra
outros povos pode ser legalizada, além de outros casos no Alcorão (Sura 9:5),
como o fomento à emboscada, sequestro e morte de adeptos de outras religi-
ões, por exemplo.
Os ritos religiosos sempre tiveram relações próximas com práticas violentas
por um motivo simples: no contexto da prática, ela não é violência como compre-
endemos. Se tomarmos o conceito de violência só pelo seu sentido etimológico,
como vimos no início desta unidade, entenderemos esse processo apenas como
o uso de força física, pujança ou energia para agredir alguém, e a violência é

Violência: O Que É?
22 UNIDADE I

mais que isso. Ela está no campo do saber filosófico e social, quando a enten-
demos como uma ruptura nas normas morais de uma sociedade (FERREIRA,
1986). É nesse sentido, caro(a) aluno(a), que quero discutir o tema, pois o con-
ceito de violência muda de sociedade para sociedade, quando ele é observado
apenas no âmbito da “força”, por exemplo, ou os rituais iniciáticos/religiosos de
grupos étnicos ao redor do mundo.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Em Os Ritos de Passagem (2011), o antropólogo francês, Arnold Van Gennep,
cita casos em que rituais de transição podem ser extremamente violentos, a
partir do nosso olhar ocidental. Gennep (2011), cita os índios algonquianos,
que separam a criança em processo de emancipação, dá-lhe de beber e os
enjaula. Há também o rito dos vanuatu, do Oceano Pacífico, cujo garotos de
idade entre sete e oito anos, devem subir uma torre de 30 metros de altura
com cipós amarrados nos tornozelos e se jogar, em um mergulho; ou rito
dos rapazes da tribo Fulani, na África, cujo rito de passagem muito dolo-
roso para se tornar adultos: lutam a golpes de chicotadas. Tem-se ainda os
aborígenes australianos Mardudjara, que tiram o prepúcio dos jovens sem
anestesia, os índios Satere-Mawe, da amazônia, que nos ritos de passagem,
enchem uma luva com formiga-bala (cuja mordida é 20 vezes mais dolorida
que a picada da vespa), ou tribo Sambia/Matausa, da Papua Nova Guiné,
em que o jovem antes de se casar tem o nariz perfurado por uma haste que
entra pela boca, para sangrar, e assim expurgar a vida antiga.
Fonte: Gennep (2011).

A violência, neste sentido (ritual), é relativa. Se mostrarmos imagens de um trote


universitário ou os preparativos que uma noiva ou debutante se submete para
o casamento e/ou festa de 15 anos para os povos Fuleni, Algoquianos, Satere-
Mawe, Sambia ou Vanuatu, certamente eles dirão que tais práticas são violentas.
Desse modo, neste material, compreenderemos a violência em uma pers-
pectiva sócio-filosófica, em que essa “força” imposta por ela não é apenas física
(por meio de um chicote, formigas, cipós, pedras, ou salto-altos, espartilhos e
aparelhos ortodônticos). Essa força também pode ser invisível, como bem aponta

AS VÁRIAS FACES DA VIOLÊNCIA NA CONTEMPORANEIDADE


23

o sociólogo Pierre Bourdieu (2012, p. 239): “o que denomino de violência sim-


bólica ou dominação simbólica, ou seja, formas de coerção que se baseiam em
acordos não conscientes entre as estruturas objetivas e as estruturas mentais”.
Toda essa contextualização e exemplificação do termo violência nos mostra
que ela sempre estivera presente nas sociedades, mas somente a partir do momento
em que os grupos humanos se dividiram em “classes”, o uso da força passou a
ser além de física, também simbólica, usada como ferramenta de dominação.
De acordo com Repórter Unesp, ‘’É fato que “as desigualdades são responsáveis
por essa forma de comportamento humano e sua manutenção gerou conflitos
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

que conduziram ao aprimoramento das técnicas de eliminação e subordinação


do outro” (REPORTER UNESP, [2017], on-line)3.
Dessa forma, você, aluno(a) do Serviço Social, precisa observar a violência
por este viés: o do poder, muitas vezes invisível na sociedade, mas constante-
mente manipulado por forças hegemônicas. Bourdieu, célebre sociólogo francês,
aborda em seu livro O poder simbólico (2004), que os grupos dominantes garan-
tem, dominam e controlam o poder ideológico pela ‘cultura’, perpetuando as
diferenças. Devemos entender grupo dominante como os que se inserem dentro
do seguinte contexto: branco, masculino, heterossexual e rico, perfil dominante
no Brasil. Predominantemente, o instrumento usado para isso são as práticas
sociais e culturais de um grupo sobre o outro, ou seja, o grupo dominante tem
“poder” sobre o conhecimento científico, literário e artístico, diferentemente dos
grupos dominados.
Assim, os dominantes usam de uma violência simbólica, chamada aqui de
imposição cultural, definindo assim o que é “ter cultura” e, com isso, abrindo por-
tas do sucesso para alguns e fechando-as para outros. Ademais, Bourdieu ainda
pontua que a violência simbólica ocorre de modo claro no processo educacional,
já que é na escola que se elenca os ˜saberes” que se deve conhecer, obedecendo-os
e não os questionando. Dessa forma, o currículo escolar e o conhecimento dito
‘científico’, o que conhecemos como boa arte e boa literatura foram pré-determi-
nados, forçando a sociedade a se dividir entre os que as têm e os que não as têm.
Os que as têm usam da violência invisível para manter o status quo (Status
quo é uma expressão latina, que significa “no mesmo estado que antes” ou “o
estado atual das coisas”). Cabe ao grupo dominado, maior parcela da sociedade,

Violência: O Que É?
24 UNIDADE I

reivindicar a sua própria cultura, seu próprio conceito de cientificidade, arte e


literatura, revertendo a imposição cultural e, consequentemente, a violência sim-
bólica que sofrera durante séculos. O fato é que essa relação de poder entre os
grupos produz na sociedade uma cultura da violência, em que agredir o outro
se naturaliza e se justifica pelos meandros do poder.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
VIOLÊNCIA E PODER

Sobre a relação entre violência e poder, Souza (2010, p.17) elenca dois pensadores
para nos debruçarmos sobre o assunto: Hannah Arendt e Michel Foucault. Sobre
Arendt, filósofa política alemã de origem judaica, uma das mais influentes do século
XX, o autor cita que, para a filósofa “O que define e separa violência de poder é a
dimensão política, que é ausente em violência e presente no poder”. Lembrem-se
do que discutimos anteriormente: violência, por si só, nem pode ser considerada
como tal, dependendo do contexto, mas o poder, utilizado como violência, é arqui-
tetado para não só ferir, como também manter um status quo, de desigualdade e
diferença - por isso tem raízes políticas/ideológicas. Souza (2010, p.17) continua:
poder é uma ação humana orquestrada, baseada no princípio de repre-
sentação e delegação políticas e se consubstancia no poder político do
Estado soberano. O poder não pode ser confundido com a potência. A
potência é, digamos, a força de um homem e de uma coletividade [...] é
uma energia que pode ser utilizada [...].

Nesse sentido, Arendt está nos dizendo que, de tanto usar a “força” ou a “potên-
cia”, geramos poder. Um marido, por exemplo, pode bater na esposa motivado
pelo discurso social de superioridade masculina e, em um determinado momento,
não precisará mais usar da “força”, e sim do poder sobre a mulher. Contudo, tanto
o ato físico do uso da “potência” física (a agressão em si) quanto depois, usando
apenas do “poder” (naturalização da superioridade dele em relação a ela), são
atos de extrema violência.

AS VÁRIAS FACES DA VIOLÊNCIA NA CONTEMPORANEIDADE


25

Nesse contexto temos a autoridade, que é a força política, em que se tem o


“reconhecimento do poder por parte daqueles que têm a obrigação da obedi-
ência” (SOUZA, 2010, p. 17), podendo ser passada de uma pessoa a outra, ou
instituição a outra (Igreja, Estado, Escola, etc.). Nesse sentido, podemos entender
que potência e força diferem-se do poder, na medida em que estão intimamente
articuladas à autoridade, que as usa para fins úteis e controlados. Assim, “a vio-
lência, nesse sentido, [...] nada mais séria do que a instrumentalização da força”
(SOUZA, 2010, p. 17).
Todavia, um ponto importante não pode ser negligenciado: a violência tam-
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bém é ameaça à autoridade e ao poder, quando usada pelos oprimidos. Por essa
razão a violência é, ao mesmo tempo, um instrumento do poder hegemônico,
assim como um instrumento de rebelião das margens (FANON, 2010). Já em
relação às contribuições de Foucault, um respeitado filósofo francês, historiador
das ideias, teórico social e crítico literário, o autor Souza (2010), apresenta a rela-
ção entre poder e violência na ótica deste pensador: Para ele, as relações sociais
são caracterizadas como relações de poder, pois toda relação social é permeada
por estratégias de dominação e de controle, por tentativas de interferir sobre a
ação de outras pessoas, ou mesmo sobre seus pensamentos. O poder não per-
tence à política, no sentido da política estatal.
O poder pertence ao mundo cotidiano, às relações entre os indivíduos. Há
relações de poder entre um pai e um filho, professor e aluno, entre um homem
e uma mulher. As relações de poder são, de certa forma, esquecidas pela nossa
sociedade, visto que nós tendemos a acreditar nas ideias e nos saberes produzi-
dos a partir dessas relações.
Assim, não vemos poder na relação entre pai e filho, por exemplo, porque
acreditamos que a relação é dada pela Natureza ou pela vontade de Deus. Desse
modo, essa relação é mistificada e considerada sagrada. Além disso, não vemos
relações de poder entre homem e mulher porque acreditamos que as diferenças
sexuais são naturais, e que o homem foi provido de um maior quantum de força
comparado à mulher, o que dá a ele certas vantagens e direitos (SOUZA, 2010).
Está claro que falar de violência é falar do que a motiva, em especial, as rela-
ções de poder. Essa violência, gerada pelo poder, se manifesta na sociedade de
várias formas, e é basicamente dividida em física e simbólica.

Violência e Poder
26 UNIDADE I

TIPOS DE VIOLÊNCIA

Dentre a violência física e simbólica, esta segunda é muito mais complexa e está
enraizada nas relações de poder. Essa violência é exercida sem a coação física, mas
seu resultado causa danos sérios do ponto de vista psicológico e moral. Ela é invisível
pois é quase inconsciente, e tem seu fundamento na contínua fabricação de crenças
e ideias sociais, que induzem as pessoas a se posicionar seguindo critérios do dis-
curso de grupos dominantes. Bordieu (1996, p. 16), revela que “a violência simbólica
é uma violência que se exerce com a cumplicidade tácita daqueles que a sofrem e

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também, frequentemente, daqueles que a exercem na medida em que uns e outros
são inconsciente de a exercer ou a sofrer”. Está aí a outra ideia de força, baseada no
discurso dominante, seja do homem, da pessoa branca, da elite intelectual e finan-
ceira, da Igreja, etc. O sociólogo francês se utiliza do termo grego doxa (opinião),
para designar que esse discurso dominante é visto e encarado como uma prática
social tradicional e natural, perpetuando a violência em todos os seus sentidos.
A violência, invisível ou simbólica, anda de mãos dadas com a violência
física. Uma acaba sendo fruto da outra. A dominação masculina, por exemplo,
que dentro de nossa sociedade patriarcal sempre foi vista como algo natural,
visto que, para os detentores do discurso dominante (curiosamente, homens), as
mulheres são “naturalmente” fracas, devendo, portanto, se submeter ao homem.
A sociedade acaba recebendo tal ideia como verdade absoluta, naturalizan-
do-a, e quando alguma mulher tenta fugir ou reagir a esse pensamento, o homem
a agride fisicamente, usando como justificativa o seu pertencimento ao grupo
dominador. Isso se reproduz em outras instâncias, como brancos agredindo
negros, por se considerarem etnicamente superiores (vide movimentos como a
Ku Klux Klan), grupos de pessoas heterossexuais perseguindo homossexuais e
agredindo-os, acreditando numa pseudo superioridade da heteronormatividade
- neonazistas - por exemplo. Exemplos assim também acontecem no campo reli-
gioso, intelectual, econômico, entre outros.
A violência tem inúmeras manifestações na sociedade, e acontece quando
uma pessoa ou um grupo usa da força, física ou não (no caso, o poder), a fim
de agredir, ameaçar ou submeter outras pessoas a danos psicológicos, emocio-
nais, físicos e até mortais.

AS VÁRIAS FACES DA VIOLÊNCIA NA CONTEMPORANEIDADE


27

A UNICEF (2016) elencou algumas formas de violência na contempora-


neidade, que são:
■ Violência Física: ação que causa danos ou risco à integridade física de
uma pessoa, por meio da agressão física, e que pode deixar marcas visíveis.
■ Tortura: ato de agressão física, psicológica ou ambas, que é praticada
intencionalmente, com a finalidade de obter informação, vantagem ou
apenas por sadismo e/ou castigo.
■ Violência Psicológica: é a manifestação da violência que gira em torno
da relação de poder com abuso de autoridade sobre o outro. Por meio da
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intimidação, manipulação, ameaça (direta ou indireta), isolamento, tor-


tura (não física), intimidação e demais condutas. Esta violência implica
em marcas e prejuízos à saúde moral e psicológica da vítima. É impor-
tante lembrar que a violência psicológica é simbólica (BORDIEU, 1989).
■ Violência institucional: também chamada de Violência Discriminatória,
é um tipo de violência motivada por desigualdades (de gênero, sexual,
étnico-raciais, religiosa, estética, econômicas, etc.). Acontece por meio de
distinção, prejuízos desiguais e segregação, em que os direitos e liberda-
des são anulados ou dificultados apenas pela diferença.
■ Violência intrafamiliar: é a qualquer tipo de violência que acontece no
seio familiar, dentro de casa ou unidade doméstica e geralmente é prati-
cada por um membro da família que viva com a vítima.
■ Violência moral: tipo de violência que objetiva difamar, injuriar ou agre-
dir a moral, honra e reputação de outrem.
■ Violência patrimonial: é uma ação violenta contra objetos, bens e valo-
res, cujo ato pode ser desde dano ou perda, até destruição, subtração ou
retenção deles.
■ Violência sexual: na violência sexual, há a imposição de contato sexual, no
âmbito físico ou verbal. O ato sexual pode acontecer por meio de intimida-
ção, chantagem, suborno, ameaça, manipulação, e principalmente, pelo uso
da força. Nesta tipologia, a maioria das vítimas ainda são crianças e mulheres.
Aliás, utilizar pessoas para fins sexuais ou para fins financeiros, também se
caracteriza como violência sexual. O Ministério da Saúde e o IPEA (Fundação
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) concluíram que 89% das vítimas
de violência sexual são mulheres, e que os estupros são cometidos por par-
ceiros ou parentes/conhecidos da vítima (CERQUEIRA; COELHO, 2014).

Tipos de Violência
28 UNIDADE I

Percebe-se que a violência é um fenômeno além da agressão física, podendo tam-


bém ser simbólica, e que ambas andam de mãos dadas. Dentre todas as estruturas
de poder, ou seja, conjunto de ideias sedimentadas que dão força simbólica a
determinado grupo, gerando violência, o mais primitivo delas é do patriarcado,
isto é, relação de poder assimétrica entre homens e mulheres, em que o homem
– o patriarca, daí o nome patriarcado – detém o poder. Essas relações de poder
baseadas no gênero são antiquíssimas e profundas, observadas em quase todas as
sociedades. Em uma sociedade machista e patriarcal, como é a sociedade brasi-
leira, temos dois fenômenos muito próximos: o gosto pela violência e a violência

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contra a mulher. Entender uma sociedade dominada por valores masculinos é
entender o gosto dessa mesma sociedade pela violência.

VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Leiam as duas frases que se seguem:


“Maria, fica quietinha! Pegue a boneca e vá brincar de casinha!”.
“João, pegue o estilingue, e vá correr na rua! Vá brincar de bola”.

Essas frases, comuns na infância, representam o imaginário da sociedade patriar-


cal. Tradicionalmente, ao homem sempre definiu-se imagens violentas: O lutador
de luta livre, o toureiro, o matador de dragões, os guerreiros, caçadores, corredo-
res automobilísticos, jogadores de futebol, etc., ações usualmente relacionados
com agilidade, choque corporal, coragem e força. Já a mulher, sempre foi vista
em papéis passivos e subservientes, ou a espera do homem, ou em espera para
o homem. Vemos isso claramente no imaginário dos contos de fadas, em que a
princesa está sempre necessitada de ajuda, adormecida, presa, inerte, está a espera
da ação do jovem e viril príncipe encantado (BETTLHEIM, 2002).
Deve-se salientar que este perfil – princesa passiva e príncipe ativo – dos
contos de fadas é perpetuado no imaginário infanto-juvenil, pois a cada leitura e

AS VÁRIAS FACES DA VIOLÊNCIA NA CONTEMPORANEIDADE


29

contação destas histórias, o doxa vai se “naturalizando”. Sobre isso, Leite e Maio
(2013, p. 7) discutem a respeito desses padrões de gênero:
[...] Culturalmente houve a construção de padrões de comportamento
de meninas e meninos, esses papéis específicos em função de cada gê-
nero, consequentemente, são reproduzidos nas brincadeiras, pois, mui-
tos são os discursos que permeiam no âmbito escolar, revelando que
as meninas devem brincar de bonecas, casinha, utensílios domésticos
e outros brinquedos em espaços mais fechados e tranquilos. Em con-
troversa, os meninos devem brincar de carrinho, bola, armas e outros
elementos lúdicos, em espaços mais livres.
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Essa relação entre violência e masculinidade é intrínseca. Antes, porém, deve-


mos saber que há uma multiplicidade de masculinidades. Ser homem difere de
sociedade para sociedade, grupo para grupo. Porém, algumas “categorias” de
masculinidade acabam sendo dominantes e hegemônicas, se utilizando dessa
dominação para legitimar o patriar-

©shutterstock
cado. É dessa masculinidade, que tem
a violência como marca, que estamos
abordando.
O próprio termo força, visto no
início de nosso livro, propõe essa rela-
ção. A violência é o uso da força, e
o homem, por sua vez, é o produtor
dessa força, através de sua virilidade,
por meio de competições ou por
simples exibicionismo. E como cons-
trução social, “é esse homem, imbuído
de disposições de converter facilmente
sua agressividade em agressão, que faz
jus a ideia de que não se nasce homem;
torna-se. O processo de sua forma-
ção é atravessado pela incorporação
da violência” (SILVA, 2014, p. 2805).
A violência pode ser uma forma
de proteção contra a ameaça do

Violência Contra a Mulher


30 UNIDADE I

desamparo, decorrente da perda de traços e marcas identitárias da masculini-


dade. Por isso, em várias sociedades, a violência é estimulada entre homens para
que estes se afirmem homens. Souza (2005, p. 60-61), cita o olhar de Cacheto
(2004), quando chama a atenção para a relação entre masculinidade e violência
no âmbito da competição.
Vários estudos etnográficos em diversas sociedades são recorrentes quanto
a uma espécie de característica intrínseca da identidade masculina: algo a ser
conquistado por meio de competições ou provas. Para Cecchetto (2004), o incen-
tivo que os meninos recebem para afirmarem sua virilidade por meio de provas

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dramáticas, em quase todas as sociedades humanas, torna a aquisição da mas-
culinidade um processo violento.
O psicoterapeuta carioca Sócrates Nolasco, no livro ‘’De Tarzan a Homer
Simpson – banalização e violência masculina em sociedades contemporâneas
ocidentais’’ (2001), afirma que a violência pode não ter classe social ou etnia,
mas tem gênero: é masculina! Afinal, Nolasco (2001) faz um apanhado quanti-
tativo sobre o tema, por meio do IBGE, ISER (Instituto de Estudos da Religião)
e da própria ONU, percebendo que, apesar da ideia de masculinidade ter se plu-
ralizado, as maiores vítimas de acidente de trânsito, morte por bebidas e drogas,
armas de fogo, suicídio, e 90% do contingente carcerário, são homens. O autor
acaba constatando uma cruel realidade, que a violência está associada à mascu-
linidade e virilidade.
Cacheto (2004) chega praticamente a mesma conclusão, quando estuda “os
estilos de masculinidade e suas variadas associações com a violência a partir de
estudo com jovens do Rio de Janeiro envolvidos com galeras funk, lutadores de
jiu-jitsu e freqüentadores de baile charme” (SOUZA, 2005, p. 61).
Cecchetto (2004 apud SOUZA, 2005) conclui, porém, que não é possível
generalizar, com base no sexo, a presença ou não do etos guerreiro, bem como
da adesão dos valores e, principalmente, às práticas da violência. Contudo, é
inegável que, nos indicadores do país, com extensão para os dados em nível
mundial, é óbvio o crescente envolvimento de rapazes, cada vez mais jovens, em
situações de violência (OMS, 2002; BARROS et al., 2001), ou seja, no sentido
quantitativo, as pesquisas ainda colocam o homem como o gênero dominante
no quesito violência.

AS VÁRIAS FACES DA VIOLÊNCIA NA CONTEMPORANEIDADE


31

Neste contexto, em que o homem culturalmente é produtor da violência, se


dissemina a violência contra a mulher, fenômeno tão grave no Brasil, sendo o 5°
lugar no mundo no quesito “feminicídio”, segundo dados da ONU. Um termô-
metro para os dados é o próprio “Ligue 180”, Central de Atendimento à Mulher,
que com 11 anos de funcionamento, atendeu cerca de 5,4 milhões de ligações.
Só em 2016, 12,23% das ligações foram relatos de violência contra a mulher,
sendo que 51% correspondem a violência física; 31,1% psicológica; 6,51% moral;
1,93% patrimonial; 4,30% sexual; 4,86% cárcere privado; e 0,24% tráfico de pes-
soas (PORTAL BRASIL, 2016, on-line)4.
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Blay (2003) reforça que a magnitude da violência contra a mulher é fre-


quente em países onde prevalece a cultura masculina, e a recorrência disso fez
com que a ONU, em 1975, realizasse o primeiro Dia Internacional da Mulher,
mobilizando o mundo a ter um olhar mais profundo sobre o tema. Além do mais,
em 1993, com a Reunião de Viena, a Comissão de Direitos Humanos da ONU
incluiu medidas para coibir a violência contra mulheres.
No Brasil, o tema precisa ainda ser mais discutido, principalmente no âmbito
do Serviço Social, uma vez que a violência de gênero é um fenômeno que deve
ser enfrentado com estratégias sociais diretas e enfrentamento político. No Sul
do Brasil esse diálogo deve ser maior ainda, visto que, de acordo com Lisboa e
Pinheiro (2005), ficou ressaltado, após exaustivo levantamento, a inexistência
do profissional de Assistência Social nas Delegacias de Proteção à Mulher, em
todos os três Estados da região Sul. Ademais, independentemente da região do
país, o problema da violência, principalmente contra a mulher, tornou-se um
problema público que precisa de intervenção.
Apesar do avanço graças a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), o Brasil
ainda é um país de extrema violência contra mulheres, estando no 5º lugar do
ranking de países nesse tipo de crime (MAPA DA VIOLÊNCIA , 2015). Segundo
o “Mapa da Violência” (2015), 33,2% dos homicídios femininos foram praticados
por homens, geralmente pelo parceiro ou ex. Os dados do ‘’Mapa da Violência’’
dizem respeito ao ano de 2013 e 2014, e nisso, percebe-se que, de um ano a outro,
houve um aumento significativo de 44,74% no número de relatos de violência,
325% de cárcere privado (média de 11,8/dia), 129% de violência sexual (média
de 9,53/dia) e 151% de tráfico de pessoas (média de 29/mês).

Violência Contra a Mulher


32 UNIDADE I

©shutterstock
O índice de violência contra a mulher é ainda
mais marcante quando nos referimos às mulhe-
res negras, duplamente objetificadas em uma
sociedade machista e racista. Em uma década,
o homicídio de mulheres negras aumentou em
54% (MAPA DA VIOLÊNCIA, 2015). O fato é
de extrema importância para o Serviço Social,
visto que clama um olhar mais atento às polí-
ticas públicas em relação à mulher e ao negro.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Onde esse tipo de violência mais acon-
tece? Dentro da própria casa. O parceiro é o
responsável por mais de 80% dos casos repor-
tados de violência de gênero (FPA/SESC, 2010,
on-line)5. Uma pesquisa, com apoio da SPM-PR
(Secretaria Especial de Proteção a Mulher) e
Campanha Compromisso e Atitude pela Lei Figura 7 - A mulher negra sofre no Brasil
duas violências concomitantes: a de gênero e a
Maria da Penha, revelou que, para 70% da popu- institucional.

lação, a mulher sofre mais violência dentro de casa do que fora dela. Dentre
esses 70%, metade acreditam que as mulheres se sentem inseguras dentro da
própria casa.

LEI MARIA DA PENHA

A lei 11.340/2006 recebe popularmente o nome de Lei Maria da Penha, home-


nageando Maria da Penha Maia Fernandes, farmacêutica cearense, vítima de
violência doméstica durante 23 anos de casamento, e que, após a denúncia,
ficou inconformada pelo fato do ex-marido pegar apenas 2 anos de cadeia. Em
razão disso, Maria da Penha, o Centro pela Justiça e o Direito Internacional e o
Comitê Latino - Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem), for-
malizaram uma denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da
OEA, órgão que criticou o Brasil por não ter mecanismos suficientes e eficien-
tes para coibir a prática de violência doméstica contra a mulher.

AS VÁRIAS FACES DA VIOLÊNCIA NA CONTEMPORANEIDADE


33

Atualmente, a Lei também assegura direitos para transsexuais.


Nos cinco primeiros anos da aplicação da Lei, foram realizados mais de 685
mil procedimentos, quase 305 mil audiências, mais de 26 mil prisões em fla-
grantes e mais de 4 mil prisões preventivas (ConJur, 2012, on-line)6. Um dado
interessante sobre a Lei e sua relação com as mulheres se deu a partir da pesquisa
do DataSenado 2015, realizada desde 2009. Revelou-se que 100% das mulheres
entrevistadas sabem da existência da Lei Maria da Penha. Contudo, na mesma
pesquisa, uma em cada cinco entrevistadas declararam que já sofreram algum
tipo de violência, sendo a doméstica a mais citada; e dessas, 26% ainda convi-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

viam com o agressor.


Os motivos que impedem a denúncia precisam ser foco de reflexão de profis-
sionais e estudantes do Serviço Social. A pesquisa de Biachini e Cymrot (2011),
sistematizada por diversas entrevistas e questionários de diversos institutos, lista
14 possíveis motivos para a passividade da mulher frente à agressão:
■ Medo do agressor.
■ Dependência financeira em relação ao agressor.
■ Dependência afetiva em relação ao agressor.
■ Não conhecer os seus direitos.
■ Não ter onde denunciar.
■ Percepção de que nada acontece com o agressor quando denunciado.
■ Falta de autoestima.
■ Preocupação com a criação dos filhos.
■ Sensação de que é dever da mulher preservar o casamento e a família.
■ Vergonha de se separar e de admitir que é agredida.
■ Acreditar que seria a última vez.
■ Ser aconselhada pela família a não denunciar.
■ Ser aconselhada pelo delegado a não denunciar.
■ Não poder mais retirar a “queixa”.

Violência Contra a Mulher


34 UNIDADE I

Apresentamos abaixo um gráfico, baseado nos dados de 4 institutos sobre os


motivos da não denúncia:

ECONOMICAMENTE
DO CASAMENTO E

ACONTECER COM
QUE NADA IRIA
PRESERVAÇÃO

AUTO-ESTIMA,
VIOLÊNCIA EM
AUMENTO DA

O AGRESSOR
ACREDITAVA
DO MARIDO

VERGONHA,
DA FAMÍLIA

DEPENDE

OUTROS
MEDO
CASA

BOPE/

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Instituto Patrícia 28% 24% 18% 18% *
Galvão 2006
IBOPE/AVON
24% 29% 24% 26%
2009
Intituto AVON
17% 25% 27% 27%
2011
DataSenado 2011 23% 23% 23% 18% 18%
Tabela 1 - Motivos da não denúncia de violência doméstica.
Fonte: o autor

Concomitante com a Lei Maria da Penha, o uso de telefones como o ligue 180,
do Centro de Atendimento à Mulher, criado pela Secretaria de Políticas para as
Mulheres da Presidência da República (SPM-PR), em 2005, auxilia a coibir e
denunciar a violência de gênero. O serviço realizou 749.024 atendimentos em
2015, variados em prestação de informações (41%), encaminhamento a serviços
especializados (9,6%), e encaminhamento a outros serviços como 190 da Polícia
Militar, 197 da Polícia Civil e Disque 100.

AS VÁRIAS FACES DA VIOLÊNCIA NA CONTEMPORANEIDADE


35

SOBRE O LIGUE 180


Um dos eixos do Programa ‘’Mulher: Viver sem Violência’’, o disque denúncia/
violência foi criado em 2005 pela SPM - Secretaria de Políticas para as Mulhe-
res, tendo seu serviço gratuito e de preservação de anonimato. Desde 2014,
o teleatendimento também adquiriu a função de disque-denúncia, e já fo-
ram realizados 103.410 registros do tipo. Além de denúncias de violência, o
Ligue 180 também serve para solicitação de informações sobre os direitos
das mulheres e a legislação vigente, além de reclamações sobre os serviços
da rede de atendimento. O atendimento também encaminha as mulheres
para outros serviços, caso necessário.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Com funcionamento 24 horas e todos os dias da semana, inclusive finais


de semana e feriados, o Ligue 180 pode ser acionado de qualquer lugar do
Brasil. Desde março de 2014, o Ligue 180 atua como disque-denúncia, com
capacidade de envio de denúncias para a Segurança Pública com cópia para
o Ministério Público.
Fonte: adaptado de Secretaria de Políticas para as Mulheres.

Todas essas discussões apontam para a seguinte reflexão dada por Lisboa e
Pinheiro (2005, p. 204):
A temática da violência de gênero, com seus diferentes desdobramen-
tos – violência doméstica, violência contra a mulher, violência intra-
familiar e outras – tem sido definida como uma relação de poder e de
permanente conflito, principalmente no lócus familiar, demandando
atendimento, encaminhamentos, orientação, informação, recursos e
capacitação por parte de assistentes sociais. A violência contra a mu-
lher tornou-se objeto de intervenção profissional do assistente social
como um desafio posto no cotidiano sobre o qual ele deverá formular
um conjunto de reflexão e de proposições para intervenção.

No artigo “A intervenção do Serviço Social junto à questão violência contra a


mulher” (2005), os pesquisadores Lisboa e Pinheiro apontam algumas orienta-
ções e propostas para esta relação entre o profissional de Serviço Social e esse
tipo específico de violência:
■ O profissional de Serviço social deve orientar e informar a mulher agre-
dida, apresentando-a que cada tipo de violência acometida contra ela, seja
ameaça, calúnia, agressão física, sexual, uma punição específica. Ademais,

Violência Contra a Mulher


36 UNIDADE I

o assistente social deve estimular a vítima a denunciar o fato, registrando


a queixa (B.O) e, em caso de violência física, orientá-la a se submeter ao
exame de corpo de delito, junto ao IML, para que junto com o B.O. o
exame faça parte da prova criminal contra o agressor. Ainda neste contexto,
cabe o profissional assegurar prioridade a essas mulheres nos programas
de proteção social, como a Lei Orgânica de Assistência (LOAS), a fim de
que a vítima tenha uma renda mínima assegurada para seu sustento e de
seus filhos. Este fato é importante pois, como visto anteriormente, grande
parte das vítimas de violência doméstica temem denunciar e dar segui-
mento ao processo, já que dependem financeiramente dos agressores.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
■ Gerar políticas inclusivas de inserção da mulher no mercado de trabalho.
■ Projetos de economia solidária e cooperativas de mulher.
■ Ações dentro de hospitais públicos podem ser desenvolvidas, gerando
estratégias que ressaltam a noção de violência contra mulher, um pro-
blema de saúde pública também.
■ Promover ações e atividades em escolas, envolvendo Professores, alunos,
pais e funcionários, como palestras e debates, pontuando sobre a violên-
cia e questões de gênero. Paralelamente, temas como violência e educação
sexual devem ser promovidos. Tal atividade pode ser realizada também
em rádios, jornais e TVs comunitárias.
■ Reuniões periódicas em ONGs, Igrejas e Associações de bairro devem
ser promovidas pelo profissional de Serviço Social, expondo todo o pro-
cesso de conscientização, e até mesmo recebendo denúncias de violência
doméstica, por exemplo.

VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Na questão acerca da violência, o retrato da criança e do jovem brasileiro não é


animador. Os dados mostram que o descaso social com esse grupo fomentam
ainda mais a inserção deste no mundo da violência:

AS VÁRIAS FACES DA VIOLÊNCIA NA CONTEMPORANEIDADE


37

■ O Brasil tem aproximadamente 60 milhões de crianças e adolescentes


(de 0 a 17 anos).
■ Cerca de um quarto das crianças de 0 a 3 anos, apenas, tem acesso a creches.
■ Só 56% dos adolescentes no ensino médio estão matriculados na série
correspondente à sua idade.
■ 1 em cada 5 mães têm menos de 19 anos no Brasil.
■ 44% das crianças entre 0 e 14 anos encontram-se em situação de pobreza;
e 17%, em situação de extrema pobreza.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

■ Quase 188 mil crianças apresentam peso baixo, e 69 mil apresentam peso
muito baixo para sua idade, segundo dados do Ministério da Saúde.

Todo esse contexto negativo acaba impondo, aos jovens e crianças, tanto a vio-
lência simbólica quanto física. Dados do IBGE (2012) apontam que mais de 3,3
milhões de crianças e adolescentes (entre 5 e 17 anos) estão em situação de tra-
balho infantil, e 19% dos homicídios no Brasil são praticados contra crianças e
adolescentes, sendo 80% deles com armas de fogo. Esse último dado nos mos-
tra que a tríade - violência, juventude e armas de fogo - é uma constante desde a
década de 90, cujos números só crescem, principalmente na periferia.
Arma de fogo, negligência e abandono, tráfico de pessoas e trabalho infan-
til são termos usualmente comuns na realidade de jovens e crianças no Brasil.
Os tipos de violência mais comuns na realidade juvenil brasileira, quase que
exclusivo dessa faixa etária, são a Negligência e Abandono, Trabalho Infantil
e o Tráfico de Pessoas. Ademais, violência estrutural, delinquência e violência
intrafamiliar são conceitos importantes na realidade de crianças e jovens de até
17 anos no Brasil (MINAYO, 2001).
Minayo (2001) compreende que, no transcorrer da civilização, as variadas
violências contra criança e adolescente eram vinculadas ao processo educativo e
como instrumento de socialização. Ou seja, a prática violenta contra criança tinha,
por meio da arbitrariedade dos pais, relação direta com a rebeldia e desobedi-
ência, ou seja, punição. Tal fato se naturalizou, infelizmente, e a violência contra
crianças e jovens passou também a ser “justificada” como “corretivo pedagógico”.
Esta naturalização mergulhou uma população de aproximadamente 60 milhões

Violência contra Crianças e Adolescentes


38 UNIDADE I

de crianças e adolescentes de 0 a 17 anos, segundo o IBGE (2010). É uma esta-


tística nada animadora, sendo a primeira nos números da violência estrutural.

Violência estrutural

De acordo com Minado (2001, p. 11), entende-se por violência estrutural, “aquela
que incide sobre a condição de vida das crianças e adolescentes, a partir de deci-
sões histórico-econômicas e sociais, tornando vulnerável o seu crescimento e
desenvolvimento”. Ou seja, a pobreza, o analfabetismo e o trabalho infantil, por

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
exemplo, são manifestações deste tipo de violência, que parecem “naturaliza-
das” em nossa sociedade.

Criança pedinte

A violência estrutural pode ser percebida nas 20 milhões de crianças e adoles-


centes brasileiras (34,8%) que, infelizmente, ainda se encontram em situação de
pobreza. Isso significa que esses jovens e crianças fazem parte de famílias com

AS VÁRIAS FACES DA VIOLÊNCIA NA CONTEMPORANEIDADE


39

renda mensal de até ½ salário mínimo per capita. A falta de condições finan-
ceiras acabam levando a outras situações de violência estrutural, como o não
acesso à educação.
O IBGE (1997, p.47) considera que “[...] a desigualdade no acesso à escola
são marcadas pela condição econômica das famílias [...] confirmando a teoria de
que a renda familiar é um determinante da frequência escolar”. Com isso, além
da pobreza, o analfabetismo é outra face da violência estrutural.
Apesar do número de analfabetismo no Brasil ter caído nos últimos anos,
ele ainda é realidade para muitos jovens. O percentual de crianças e adolescen-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

tes analfabetos, entre dez e 14 anos, era de 3,1% em 2007, e passou para 2,8%
em 2008. Os números nos ajudam a entender que políticas públicas e a partici-
pação conjunta de profissionais como educadores e Assistentes sociais podem
fazer mudanças, além de minimizar os estragos da violência estrutural contra
jovens. Graças a programas como o PBA (Programa Brasil Alfabetizado), o aten-
dimento escolar a crianças de quatro e cinco anos de idade subiu de 70,1%, em
2007, para 72,8%, em 2008. Isso significa um incremento de 2,7 pontos percentu-
ais em um período de 12 meses. No ensino fundamental, a taxa de atendimento
à faixa de sete a 14 anos passou de 97,6% para 97,9%.
A evasão escolar acaba fomentando o trabalho infantil, uma outra face da
violência estrutural. Define-se trabalho infantil como todo trabalho realizado
por pessoas que não tenham a idade mínima permitida para trabalhar. Aqui no
Brasil, o trabalho não é permitido sob qualquer condição para crianças e adoles-
centes até 14 anos. Adolescentes entre 14 e 16 podem trabalhar, mas na condição
de aprendizes. Dos 16 aos 18 anos, as atividades laborais são permitidas, desde
que não aconteçam das 22h às 5h e não sejam insalubres ou perigosas (UNICEF,
2016). A questão do trabalho infantil no Brasil é observado diretamente por ONGs
de defesa da criança e pela UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância),
que junto com o governo estão elaborando políticas compensatórias que incen-
tivam as famílias a manter suas crianças na escola. O papel do assistente social
nesse processo é essencial, ainda mais no atual contexto, em que o número do
trabalho infantil aumentou 4,5% em 2014, em relação ao ano anterior. São 3,3
milhões de crianças e adolescentes de cinco a 17 anos trabalhando no Brasil.
Dessa turma toda, meio milhão tem menos de 13 anos (IBGE, 2010). Apesar da

Violência contra Crianças e Adolescentes


40 UNIDADE I

maioria dessas crianças e jovens (62%) trabalhar no campo com agricultura, a


carvoaria e o trabalho doméstico também configuram espaços desta violência.
Um grave crime que acompanha o trabalho infantil é o tráfico de pessoas. A
UNICEF (2016) o conceitua como qualquer tipo de recrutamento, transporte,
transferência, alojamento ou acolhimento de uma criança ou um adolescente
para fins de exploração, incluindo sexual. Somado a Negligência e Abandono
(tipologias da violência contra jovens e crianças), esse grupo geralmente acaba
se envolvendo com o mundo do crime, principalmente com drogas e prostitui-
ção, o que gera a delinquência.

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Delinquências

Delinquência, segundo o Dicionário infopédia da Língua Portuguesa (2017) é o


“ato de cometer delitos, desobedecer a lei ou padrões morais”, e é geralmente um
termo relacionado ao jovem. A delinquência juvenil, manifestação de violência
gerada também pela violência, deve ser compreendida dentro da realidade de
desigualdades do país. É relacionada, segundo Minayo (2001, p. 98), “à questão
de classe, e como problema dos pobres, crianças de rua ou institucionalizadas”.
E é por isso que deve ser analisada junto com a violência estrutural, “inclu-
sive porque costuma ser usado, por grupos voltados para a ‘limpeza social’, como
álibi para extermínios, execuções e homicídios” (MINAYO, 2001, p. 98). Tal fato
é observado nos crimes que acontecem em comunidades de morro, por exem-
plo. Segundo o Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (CEAP),
jovens vítimas de homicídios na década de 1990, no Estado do Rio de Janeiro,
foram contabilizados como “aviãozinho de traficante” ou assaltantes, mas 60%
dos mortos não tinham nenhuma relação com crime, eram apenas crianças e
jovens pobres, e quase sempre, negras.
Logo, somado à violência estrutural, o preconceito também se junta a somató-
ria da produção da delinquência. Sem escola, sem dinheiro e sem condições sociais
dignas, o jovem acaba vendo como alternativa nos centros urbanos subempregos,
a indústria da droga ou a contravenção. Infelizmente, a adesão de crianças e jovens
ao tráfico é “considerado uma alternativa à exclusão que os jovens pobres e de
pouca instrução sofrem no mercado de trabalho formal” (MINAYO, 2001, p. 98).

AS VÁRIAS FACES DA VIOLÊNCIA NA CONTEMPORANEIDADE


41

Quando se infiltram nas contravenções, as infrações quase sempre são con-


tra o patrimônio (32,5%), estão vinculadas a entorpecentes (33,7%), contra a
pessoa (12,1%), contravenções pequenas (6,7%), contra os costumes (1,4%) e
outros crimes (13,6%). Não é incomum a presença de arma de fogo no universo
da violência infanto-juvenil no Brasil. Primeiro pela questão cultural, que já
comentamos e segundo, pelo fato da vítima de arma de fogo ser o próprio jovem
que a manuseia para os delitos.
Se a violência é uma característica, ainda que cultural, do gênero mascu-
lino, dentro desse grupo há ainda o jovem de periferia, que está mais envolvido
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

nas relações de violências. Gary Barker (2008), em “Homens na linha de fogo”,


aborda a condição de jovens de periferia, em que a construção da masculini-
dade é atravessada por referências de classe e raça, mostrando como alguns deles
resistem à entrada na criminalidade em contextos nos quais o próprio referen-
cial masculino lhes obriga.
Os registros do SIM permitem verificar que, entre 1980 e 2014, morreram
perto de 1 milhão de pessoas (967.851), vítimas de disparo de algum tipo de
arma de fogo. Nesse período, as vítimas passam de 8.710, no ano de 1980, para
44.861, em 2014, o que representa um crescimento de 415,1%. Temos de consi-
derar que, nesse intervalo, a população do país cresceu em torno de 65%.
Mesmo assim, o saldo líquido do crescimento da mortalidade por armas
de fogo, já descontando o aumento populacional, ainda impressiona pela mag-
nitude. Essa eclosão de mortes foi alavancada, de forma quase exclusiva, pelos
Homicídios por Arma de Fogo (HAF), que cresceram 592,8%, setuplicando,
em 2014, o volume de 1980 (BARKER, 2008, p. 14). Infelizmente, é o jovem que
lidera esses trágicos números, principalmente os de periferia.
Infelizmente, não é apenas nas ruas das periferias que crianças e adolescentes
se confrontam com o mundo da violência. É em casa que se manifesta a violên-
cia intrafamiliar, exercida contra jovens na esfera privada.

Violência intrafamiliar

Não é só a mulher a protagonista da violência doméstica. Crianças e adolescen-


tes também figuram esta realidade. Assis (apud MINAYO, 2001) concluiu uma

Violência contra Crianças e Adolescentes


42 UNIDADE I

pesquisa no Rio de Janeiro com 1.328 adolescentes, de escolas públicas e par-


ticulares, sobre violência física. Os dados revelam que mais de 75% dos jovens
relataram que os irmãos seriam os autores da violência contra eles, enquanto o
pai seria o autor da violência para 40% e a mãe, para 45% dos jovens (havia a
possibilidade de múltipla escolha no questionário); 40% dos entrevistados pre-
senciaram em casa ocorrência de agressão severa, isto é, com uso de armas (fogo
e brancas). Estes números, em grande escala, mostram que mais da metade da
população infanto-juvenil do país convivem quotidianamente com a violência
familiar.

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Violência estrutural -> violência intrafamiliar - > delinquência - >

VIOLÊNCIA ESCOLAR E BULLYING

Segundo Pierre Bourdieu (2002), os grupos dominantes garantem o controle


ideológico através da “cultura” e, com isso, desenvolvem um sistema que perpe-
tua a diferença de classe, distanciando-as. Predominantemente, o instrumento
usado para isso são as práticas sociais e culturais de um grupo sobre o outro, ou
seja, o grupo dominante tem “poder” sobre o conhecimento científico, literário
e artístico, enquanto o grupo dos dominados não.
Desse modo, os dominantes usam de uma violência simbólica, chamada aqui
de imposição cultural, definindo assim o que é “ter cultura” e, assim, abrem por-
tas do sucesso para alguns fechando-as para outros. Ademais, Bourdieu ainda
pontua que a violência simbólica ocorre de modo claro no processo educacional,
já que é na escola que se elenca os “saberes” que se devem conhecer, obedecen-
do-os e não os questionando.
Desta forma, o currículo escolar, o conhecimento dito ‘’científico’’ que
conhecemos como boa arte e boa literatura foram pré-determinados, forçando
a sociedade a se dividir entre os que as têm e os que não as têm. Os que as têm
usam da violência invisível para manter o status quo. Cabe ao grupo dominado,

AS VÁRIAS FACES DA VIOLÊNCIA NA CONTEMPORANEIDADE


43

maior parcela da sociedade, reivindicar a sua própria cultura, seu próprio conceito
de cientificidade, arte e literatura, revertendo a imposição cultural e, consequen-
temente, a violência simbólica que sofrera durante séculos.
Mas, além da violência desse “currículo escolar”, a escola é um ambiente, infeliz-
mente, de extrema violência. Abramovay (2008, p. 2) revela isso quando apresenta que:
encontramos é uma escola que exclui os seus alunos, não respeita as
diferenças, é elitista, baseada em um modelo de escola que durante
muitos anos atendeu a elite brasileira. Além de ser excludente ela, mui-
tas vezes, não respeita a criança e o jovem, expulsando-os direta ou
indiretamente do seu espaço.
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Ou seja, a escola passa ser um lócus de produção e reprodução de violências,


conforme ela deixa de cumprir o seu principal papel: educar.
Quando a escola falha em educar, automaticamente surge a violência esco-
lar, em suas variadas e máximas facetas. Colombier (1989), no livro “Violência
na escola”, retrata a opinião normalmente exposta pelo corpo docente da escola.
Ou seja, trata-se de entender o fenômeno da violência nas escolas como atos de
violência contra as instalações da escola, contra os professores e dos alunos uns
contra os outros. A violência na escola é isso: é depredar, pichar os muros, van-
dalizar, professor agredir professor, aluno agredir aluno, professor agredir aluno e
vice-versa, funcionários agredirem alunos e professores, etc. A própria estrutura
física da escola já violenta alunos, mestres e funcionários. Um local estruturado
como mecanismo disciplinador/panóptico (FOUCAULT, 2001/ 2002) pretende
mais coagir do que educar.
O assistente social é uma figura necessária nesse espaço, tanto que as dis-
cussões da obrigatoriedade de um profissional do Serviço Social em escola são
debatidas desde a implementação deste no SENAI, em São Paulo, na década
de 70 (IAMAMOTO; CARVALHO, 1982), embora ainda não tenha o mesmo
espaço que tem na saúde.
A educação é um dos segmentos que o Serviço Social tem conquistado, e
seu compromisso baseia-se na sua defesa como direito que todo cidadão pos-
sui de acordo com os princípios fundamentais de nossa Constituição Federal,
como também na valorização do trabalho socioeducativo aplicado em suas ati-
vidades diárias como profissional (CAMPOS, 2012).

Violência Escolar e Bullying


44 UNIDADE I

Você sabia que atualmente há no Senado o Projeto de Lei n° 060/2007, que


dispõe a prestação de serviços de psicologia e assistência social nas escolas
públicas de educação básica?

Mas a escola não é apenas violenta pelos seu sistema de vigilância, por sua arquite-
tura parecer uma prisão, pelo currículo que venera a história do europeu e exclui
a do africano, ou por não incentivar a educação sexual, fomentando a misogi-
nia, homofobia e sexismo na sociedade ou por ela não promover a laicidade. A

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escola é violenta nos cochichos diários, nas conversas de canto, no burburinho
da sala dos professores ou nos comentários maldosos de funcionários e edu-
cadores. A escola é violenta pois ela produz e reproduz o bullying – a violência
típica do universo escolar.

BULLYING E CYBERBULLYING

Apesar deste subitem abordar também o cyberbullying, já que é uma forma de


violência terrível em nossa sociedade e época, iremos discutir melhor o tema na
unidade V, quando abordarmos os limites da tecnologia. O que posso adiantar é
que o cyberbullying é uma versão do Bullying, e seu conceito é novo na literatura
sobre o tema. Segundo Maidel (2009), tal fenômeno envolve o uso de tecnolo-
gias digitais por crianças e adolescentes a fim de causar constrangimento moral
ou psicológico a outros.
O termo bullying possui diversas formas de interpretação, em vários idio-
mas diferentes. Etimologicamente, o termo tem origem na língua inglesa em
que o termo bullying origina-se da palavra inglesa bully, como adjetivo significa
“valentão” e como verbo (to bully), significa “brutalizar”, “tiranizar” e de modo
mais amplo, maltratar, tratar abusivamente, afetar pela força ou coerção, usar
linguagem ou comportamento amedrontador, intimidar (FANTE, 2005, apud
MAIDEL, 2009, p. 114). Vale destacar, que bully vem de bull, touro, ou seja, nova-
mente relacionando violência com masculinidade.
De acordo com Nogueira (2005 apud, MAIDEL, 2009, p. 114), as variedades

AS VÁRIAS FACES DA VIOLÊNCIA NA CONTEMPORANEIDADE


45

em francês (harcèlement quotidien), italiano (prepotenza ou também bullismo),


japones (ijime), alemão (agressionen unter schülern) e norueguês (mobbing) tem o
mesmo significado que em português, “maus-tratos entre pares”. O bullying é defi-
nido como toda e qualquer agressão física ou moral que ocorre intencionalmente,
sem motivos evidentes e de forma repetitiva, adotada por um ou mais estudantes,
causando injúria, dor, angústia e sofrimento. Tais atitudes são relacionadas às dife-
renças de idade, tamanho, desenvolvimento físico ou emocional, ou simplesmente
por incentivo de outros estudantes (ALMEIDA et al 2008, apud MAIDEL, 2009).
O bullying começou a ser estudado na Suécia no ano de 1970, porém no Brasil
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o estudo iniciou apenas em 1990, dando abertura para a discussão somente em


meados de 2005, quando o bullying passou a ser pesquisado e explicitado em
artigos científicos.
Para as autoras Middelton-Moz e Zawadski (2007, p. 13 e 14), o bullying
não é, simplesmente,
[...] um comentário cortante ocasional feito por uma pessoa impor-
tante para quem o ouve, à mesa do café da manhã, um dia ruim com
o chefe ou crianças brigando no pátio. Bullying é cruelmente delibera-
damente voltada aos outros, com intenção de ganhar poder ao infligir
sofrimento psicológico e/ou físico.

Levando em consideração as características do bullying, pode-se afirmar que ele


ocorre no cotidiano, de diversas maneiras e por diversos motivos, ou seja, qual-
quer tipo de desrespeito pode ser considerado bullying. Essa prática geralmente
ocorre em ambientes comunitários/públicos em que as vítimas estão inseridas –
em especial – a escola. Albino e Terêncio (2012) definem bullying como
[...] todas as atitudes agressivas, intencionais e repetitivas adotadas por
uma pessoa ou um grupo contra outro(s), causando dor, angústia e so-
frimento. Tal forma de violência ocorre em uma relação desigual de
poder, caracterizando uma situação de desvantagem para a vítima, a
qual não consegue se defender com eficácia” (ALBINO ; TERÊNCIO,
2012, p. 1).

Os autores Antunes e Zuin (2008) entendem, igualmente, que o bullying está dire-
tamente relacionado ao preconceito, por compreenderem que retrata os fatores
sociais e seus possíveis agressores. Logo, no ambiente escolar e às vezes fora dele,
o bullying estará intimamente ligado à violência institucional.

Violência Escolar e Bullying


46 UNIDADE I

O bullying geralmente ocorre no contexto escolar, nos períodos em que há


menos supervisão de adultos e/ou nos momentos que deveriam ser para diverti-
mento e brincadeiras, mas que se tornam momentos de tensão, medo e angústia
para alguns. Manifesta-se de duas formas diferentes, a direta e a indireta, isto é,
física ou simbólica.
A forma direta ocorre com contatos físicos e/ou verbais, como insultos,
chutes, injúrias, apelidos de mau gosto, roubo de pertences, entre outros. Já a
forma indireta, ocorre quando os espectadores não percebem que aquela pes-
soa está sofrendo bullying, pois o agressor aos poucos conseguirá que a vítima

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seja excluída do grupo, expondo informações ofensivas/rudes sobre a vítima
(FANTE, 2005, p. 50).
Essa questão do bullying ser um fenômeno recorrente de colégios e escolas
é muito importante para o assistente social, visto que grande parte da ausência
de alunos na escola, ou seja, a evasão escolar, é motivada pelo bullying.
O bullying interfere no processo de aprendizagem e no desenvolvimen-
to cognitivo, sensorial e emocional. Favorece um clima escolar de medo
e insegurança, tanto para aqueles que são alvos como para os que as-
sistem calados às mais variadas formas de ataques. O baixo nível de
aproveitamento, a dificuldade de integração social, o desenvolvimento
ou agravamento das síndromes de aprendizagem, os altos índices de
reprovação e evasão escolar têm o bullying como uma de suas causas
(FANTE, 2008, p. 10).

Entre os agressores, observa-se um predomínio do sexo masculino, enquanto que,


no papel de vítima, não há diferenças entre gêneros. A dificuldade em identificar
o bullying entre as meninas pode estar relacionada ao uso de formas mais sutis
(NETO, 2005). A Revista Nova Escola (2009), registra que a vítima do bullying
têm características muito parecidas, como a timidez, padrões de belezas diferentes
das demais, ter melhor desempenho na escola, entre outros. Essas vítimas sofrem
consequências graves como angústia, ataques de ansiedade, dificuldade de se rela-
cionar com as pessoas e medo da escola. Esses jovens geralmente transformam-se
em adultos inseguros, podendo até mesmo chegar ao extremo, com o suicídio.
Ainda de acordo com a Nova Escola (2009), em grande parte das vezes, o
agressor atinge o colega com repetidas humilhações ou depreciações porque quer
ser mais popular, se sentir poderoso e obter uma boa imagem para si mesmo.

AS VÁRIAS FACES DA VIOLÊNCIA NA CONTEMPORANEIDADE


47

É uma pessoa que não aprendeu a transformar sua raiva em diálogo, e o sofri-
mento do outro não é motivo para ele deixar de agir. Pelo contrário, o agressor
se sente satisfeito com a reação do agredido, supondo ou antecipando quão dolo-
rosa será aquela crueldade vivida pela vítima.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Figura 8 - O bullying é uma das faces da cultura da violência.

Shariff (2011, p. 54) traz que “os efeitos do bullying podem ser profundos e para
a vida toda”, podem iniciar na fase escolar quando a vítima se encontra na ado-
lescência, acarretando no desgaste em todas as fases posteriores. Por fim, a autora
considera que o bullying e o ciberbullying precisam ser trabalhados pela família
e escola, uma vez que são problemas que sucedem na vida escolar e pessoal dos
alunos. No entanto, quando se trata da violência com crianças e adolescentes, a
escola se torna um local pouco pesquisado.
O fato dos estudantes estarem em conduta agressiva constante, segundo
Neto (2005), compreende que o comportamento violento, que causa tanta pre-
ocupação e temor, resulta da interação entre o desenvolvimento individual e os
contextos sociais como a família, a escola e a comunidade, contextos estes que
devem sempre ter a participação de um assistente social.

Violência Escolar e Bullying


48 UNIDADE I

Infelizmente, o modelo do mundo exterior é reproduzido nas escolas, fazendo


com que essas instituições deixem de ser ambientes seguros, modulados pela dis-
ciplina, amizade e cooperação, e se transformem em espaços onde há violência,
sofrimento e medo (NETO, 2005). Em suma, é preciso mais do que uma educa-
ção de qualidade. É necessário o diálogo entre profissionais do Serviço Social,
Professores, Alunos, Pais, Funcionários e demais profissionais como Psicólogos,
uma vez que são problemas que atingem o desenvolvimento infantil de maneira
intensa e suas consequências promovem cada vez mais “cultura da violência” ao
invés da “cultura da paz”.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
INTOLERÂNCIA RELIGIOSA

A violência no Brasil ganhou contorno religioso desde a década de 1980, com o


avanço das igrejas neopentecostais e seu choque direto com o catolicismo e as
religiões afro-brasileiras. O que antes era marcado como “cultura de paz”, a reli-
gião no Brasil se envolvia cada vez mais em notícias de intolerância e preconceito.
De acordo com o Senado Federal (STECK, 2013), a intolerância religiosa é
um conjunto de ideologias e atitudes ofensivas às crenças e práticas religiosas
ou a quem não segue uma religião. É um crime de ódio que fere a liberdade e
a dignidade humana. O agressor costuma usar palavras agressivas ao se referir
ao grupo religioso atacado, além de mostrar agressividade aos elementos, deu-
ses e hábitos da religião.
Há casos em que o agressor desmoraliza símbolos religiosos, destruindo
imagens, roupas e objetos ritualísticos. Em situações extremas, a intolerância reli-
giosa pode incluir violência física e se tornar uma perseguição. Essa intolerância
é um tipo de violência simbólica extremamente grave, pois lida com questões
muito sensíveis como a fé pessoal. Apesar de evangélicos serem constantemente
estereotipados em novelas e comerciais no Brasil, muçulmanos sofrerem com
analogias aos terroristas ou judeus serem rotulados como sovinas e gananciosos,

AS VÁRIAS FACES DA VIOLÊNCIA NA CONTEMPORANEIDADE


49

os números oficiais da intolerância religiosa no Brasil aponta que são os ateus e


adeptos de religiões afro-brasileiras os que mais sofrem desse tipo de violência.
Desta forma, iremos nos focar nesses dois segmentos.
Primeiramente, se faz necessário compreender o conceito de religião afro-
-brasileira e de ateísmo. Entende-se como religiões afro-brasileiras, crenças
religiosas brasileiras, que tem como base fundamentos e cultos tradicionais afri-
canos. As principais religiões afro-brasileiras são o Candomblé e a Umbanda.
Contudo, sabe-se que há uma diversidade destas religiões, que variam de acordo
com a região do país. Xambá, Xangô, Batuque, Tambor de Mina, por exemplo,
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

também são religiões de matriz africana.

Figura 9 - Um adepto de religião afro-brasileira.

O ateísmo, por sua vez, é a ausência da crença em um Deus ou deuses. O termo


vem do grego atheos, que significa “sem Deus”. O ateu não acredita em Deus,
tampouco em qualquer outra figura sobrenatural, sejam anjos, demônios ou
espíritos. Os primeiros autodeclarados ateus só se configuraram na sociedade a
partir do século XVIII (ARMSTRONG, 1999).

Intolerância Religiosa
50 UNIDADE I

Por vivermos em um país declaradamente teísta (que crê em Deus) e cris-


tão católico (64,4%), os ateus (4,02%) e adeptos de religiões de matriz africana
(0,3%) são minorias, tanto do ponto de vista numérico (IBGE, 2012), quanto em
relação ao pensamento hegemônico. Dessa forma, as relações de poder e, con-
sequentemente, a violência, acaba atingindo ambos os grupos.

VIOLÊNCIA CONTRA RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Os números sobre a intolerância contra religiões afro-brasileiras no Brasil são
alarmantes, e fundamentam-se na porcentagem de denúncias ao disque 100, tele-
fone da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR).
“Fiéis de religião de matriz africana (candomblé e Umbanda) são os alvos mais
comuns dos relatos de intolerância recebidos pelo serviço, um terço dos episó-
dios em que há esse detalhamento” (SANT’ANNA, 2015, on-line)7.
Os casos registrados de intolerância religiosa contra as crenças de matriz
africana somam 71% do total, segundo o Centro de Promoção da Liberdade
Religiosa & Direitos Humanos (Ceplir), do Estado do Rio de Janeiro. Entre dois
anos foram 948 queixas de adeptos do Candomblé, Umbanda e demais religi-
ões afro-brasileiras (BBC BRASIL, 2016, on-line)8.
Pesquisadores da PUC-Rio desenvolveram um projeto chamado “Presença do
axé - Mapeando terreiros no Rio de Janeiro”. O grupo contabilizou as agressões
aos membros dos cultos afro-brasileiros, e das 840 casas listadas no mapeamento,
430 foram alvo de discriminação, sendo que mais da metade (57%) dos casos
ocorreram em local público, sendo a rua (67%) o principal local.
No Rio de Janeiro, por exemplo, até mesmo nas comunidades de morros,
em que as religiões afro-brasileiras tinham espaço conquistado, vê-se uma per-
seguição aos cultos negros. Com a manchete “Crime e preconceito: mães e filhos
de santo são expulsos de favela por traficantes evangélicos” (SOARES, 2013,
on-line)9, o jornal EXTRA/O Globo denunciava a prática no Morro do Amor, no
complexo de Lins, onde o simples fato de roupas brancas nos varais era denun-
ciado aos traficantes frequentadores de igrejas evangélicas, que não admitiam
tais cultos nos morros.

AS VÁRIAS FACES DA VIOLÊNCIA NA CONTEMPORANEIDADE


51

Já há registros, na Associação de Proteção dos Amigos e Adeptos do Culto


Afro Brasileiro e Espírita, de pelo menos 40 pais e mães de santo expulsos de
favelas da Zona Norte do Rio pelo tráfico. Em alguns locais, como no Lins e na
Serrinha, em Madureira, além do fechamento dos terreiros também foi deter-
minada a proibição do uso de colares afro e roupas brancas (SOARES, 2013,
on-line)9.
Mas quem deveria defender umbandistas e candomblecistas da hostilidade
nos morros também podem ser perseguidores. Um caso de 2010, denunciado
pelo Ministério Público Militar (MPM), colocou a intolerância religiosa em foco
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

dentro do exército brasileiro, no Rio.


No interior da reserva de armamento do 1º Depósito de Suprimento do
Exército em Triagem, Zona Norte do Rio, o terceiro-sargento José Ricardo
Mitidieri apontou uma arma na cabeça do soldado Dhiego Cardoso Fernandes
dos Santos, adepto do candomblé, com o objetivo de “testar” a convicção religiosa
do seu subordinado. O fato ocorreu porque, em conversa com outros soldados,
Dhiego dizia ter o “corpo fechado”, isto é, protegido de qualquer mal, uma “frase
feita” comum entre os adeptos das religiões afro-brasileiras.
Contudo, o sargento Mitidieri se dirigiu ao seu subordinado, carregou uma
pistola e apontou na cabeça do soldado, dizendo “Vamos fazer como nos filmes.
Você tem o corpo fechado mesmo?” O soldado Dhiego respondeu que sim e,
irritado, o sargento Mitidieri contou até três, mas não atirou, dizendo “Não é
para você brincar com coisa séria. Você tem que aceitar Jesus!’’ (GOMES, 2011,
on-line)10.
O Superior Tribunal Militar (STM) condenou o sargento Mitidieri, que é
também pastor da igreja evangélica Comunidade Cristã Ministério da Salvação,
a dois meses de prisão por ter constrangido e perseguido o soldado Dhiego
por sua fé.
Mas, se com tanta hostilidade os grupos religiosos afro-brasileiros começam
a marchar por justiça, o sistema judiciário brasileiro também não ajuda muito.
Em junho de 2014, uma polêmica decisão do juiz Eugênio Rosa de Araújo, titu-
lar da 17ª Vara Federal do Rio de Janeiro veio a tona: O juiz negou o pedido de
retirada de vídeos do YouTube gravados durante cultos evangélicos, cujas men-
sagens apregoavam intolerância contra as religiões afro-brasileiras.

Intolerância Religiosa
52 UNIDADE I

Na sentença, o juiz dizia que candomblé e umbanda não eram religiões.


Entretanto, depois de forte apelo popular nas redes sociais, acabou voltando
atrás. O perigo de um discurso como esse é muito maior do que se pode com-
preender. Desconsiderar as religiões de matriz africanas como religiões abre o
pressuposto de que “sem religião, não existe crime de intolerância religiosa”, per-
mitindo legalmente a perseguição a esses cultos.
O pedido de retirada dos vídeos foi motivado por representantes e adeptos
das religiões afro-brasileiras, contra os vídeos difamatórios da Igreja Universal
do Reino de Deus (IURD), denominação religiosa conhecida pelo conflito direto

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
com o candomblé e a Umbanda. Desde a publicação de ‘’Orixás Caboclos e Guias,
Deuses ou Demônios?’’ (1997), o conflito entre a IURD e as religiões afro-bra-
sileiras só se intensificou.
Em 2004, a IURD foi condenada a pagar mais de um milhão de reais à
família da mãe de santo Gildásia dos Santos, que morreu em 2000, depois de
profunda depressão por ter fotos suas vinculadas à reportagem da folha univer-
sal, intitulada “Macumbeiros e charlatões lesam o bolso e a vida dos clientes”
(FRANCISCO, 2004).
Infelizmente, a perseguição, o preconceito, a hostilidade e a violência contra
as religiões de matriz africanas são disseminadas através de outras crenças, prin-
cipalmente as que dominam a mídia com seus horários na TV, jornais, revistas e
programas de rádio. Com isso, a violência religiosa no Brasil contra o Candomblé
e a Umbanda tornou-se um guerrilha “santa” urbana (JESUS, 2003, p. 188), em
que a violência até então simbólica passa a ser física.
A intolerância não respeita ninguém – nem crianças, nem idosos. Lembre-se
do caso de Kailane Campos de 11 anos, que em 2015, junto da avó que é mãe
de santo, foi agredida e insultada por dois homens ao sair de um candom-
blé. Os homens levantaram a Bíblia e começaram a proferir termos como:
‘’diabo’’, ‘‘vai para o inferno’’, ‘‘Jesus está voltando’’ e, por fim, um deles jogou
uma pedra na cabeça da garota. Enquanto isso, em Camaçari, na Bahia, uma
mãe de santo de 90 anos de idade, conhecida como Mãe Dede de Iansã enfar-
tou, após seguidores de uma igreja terem passado uma madrugada inteira em
vigília proferindo ofensas em direção à casa de santo (VI O MUNDO, 2015,
on-line)11.

AS VÁRIAS FACES DA VIOLÊNCIA NA CONTEMPORANEIDADE


53
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Figura 10 - Kailane, acabou sendo um símbolo na luta contra a intolerância religiosa.


Fonte: O Espiritualismo Ocidental (2015, on-line)12.

VIOLÊNCIA CONTRA ATEUS

Aparentemente, a violência religiosa contra ateus no Brasil é muito mais simbó-


lica, dificilmente chegando em agressões físicas. Porém, como já discutido em
nosso material, violência é violência, em qualquer uma de suas faces.
Em 2013 na cidade de Miraí, em Minas Gerais, o caso do estudante Ciel Vieira,
de 17 anos, fez novamente os olhares da sociedade convergirem em relação ao
preconceito contra ateus. A professora de Ciel, Lila Jane de Paula, que ministra
a disciplina de Geografia, tinha como hábito algo peculiar antes das aulas: rezar
o pai-nosso. Ciel, ateu, não quis participar da oração e ouviu da professora que
“jovem que não tem Deus no coração nunca vai ser nada na vida” (LOPES, 2013).
Era clara a visão da professora em relação aos ateus. O confronto aumentou
quando, em outra aula, o aluno Ciel confrontou a professora dizendo que ela, ao
rezar o Pai Nosso em sala, estaria desrespeitando a laicidade. A Professora disse
que não havia lei que a impedisse.
Na outra aula, os outros alunos, com a aquiescência da professora, oraram e subs-
tituíram a frase “livrai-nos do mal” por “livrar-nos do Ciel”. O fato estava formado!

Intolerância Religiosa
54 UNIDADE I

O estudante começou a ser perseguido e sofrer bullying. O caso chegou à Secretaria


de Estado da Educação, e associações como a ATEA (Associação Brasileira dos Ateus
e Agnósticos), Assistentes sociais, familiares e parentes do estudante auxiliaram no
desenrolar da história. A professora parou de rezar na sala de aula, mas Ciel conti-
nua sendo estigmatizado como “aquele que não será nada na vida”.
De acordo com o último censo (IBGE, 2012), cerca de 4% da população bra-
sileira é ateia e sofre no ambiente escolar, no trabalho e no dia a dia a violência
social. A revista VEJA, com a reportagem “Como a fé resiste à descrença”, escrita
por André Petry (2007), mostrou que preconceito contra ateus é um dos mais for-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
tes e massivos da sociedade brasileira. A revista apresentou uma pesquisa realizada
pela CNT/ Sensus, revelando que o brasileiro não votaria em um presidente ateu.

DEPENDE NÃO NÃO


GRUPO VOTARIAM DA PESSOA VOTARIAM RESPONDERAM
Negro 84% 14% 1% 1%
Mulher 57% 29% 12% 2%
Homossexual 32% 32% 34% 2%
Ateu 13% 25% 59% 3%
Tabela 2 - Preconceito religioso e eleições
Fonte: PETRY (2007, on-line)13.

Na figura 8, podemos ver que o brasileiro votaria em um presidente negro (84%),


votaria em um mulher presidente (57%), em um presidente homossexual (32%),
mas apenas 13% votaria em um presidente ateu. A pesquisa elencou grupos con-
siderados “minorias” como negro, homossexuais e mulheres, e pelo resultado, tais
grupos são mais rejeitados que os “sem religião”, no caso, ateus. Isso mostra que o
imaginário em relação ao ateu no Brasil é de alguém “sem caráter, sem ética, sem
moral” (PETRY, 2007, on-line)13. Além da pesquisa CNT/Sensus de 2007, em 2010
fora realizada um pesquisa pelo SESC e pelo Núcleo de Opinião Pública por iniciativa
da Fundação Perseu Abramo. Novamente, os números indicam a rejeição aos ateus.
Os entrevistados deveriam responder se votariam ou não em um candidato
ateu. O resultado foi dividido por gênero e apresentou o seguinte dado: Entre
as mulheres, 66% não votariam em um candidato ateu; e entre os homens, 61%
não daria seu voto a uma pessoa que não acredita em Deus.

AS VÁRIAS FACES DA VIOLÊNCIA NA CONTEMPORANEIDADE


55

PODERIA DIFICILMENTE NUNCA NÃO


GÊNERO VOTAR VOTARIA VOTARIA RESPONDEU
Homens 25% 13% 61% 1%
Mulheres 20% 11% 66% 3%
Tabela 3: Gênero, eleições e ateísmo
Fonte: PETRY (2007, on-line)13.

Um caso que ganhou notoriedade nacional foi o do apresentador do programa


Brasil Urgente, José Luiz Datena, da rede Bandeirantes que, ao comentar uma
reportagem policial, em julho de 2010, associou o ateísmo à criminalidade, decla-
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rando que pessoas que não creem em Deus são responsáveis pela degeneração
da sociedade (CARTA CAPITAL, 2015, on-line)14. Em 2013, o MPF entrou com
uma ação contra Datena e a Band, que perderam e tiveram que fazer uma retra-
tação pública.
A situação de intolerância religiosa no Brasil cresceu tanto que, em 27
de dezembro de 2007, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei
11.635, que cria o “Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa”, no dia
21 de janeiro.
E qual é o papel do assistente social em relação a isso? No caso de discri-
minação religiosa, a vítima deve ser conduzida a uma Delegacia de Polícia e
registrar ocorrência. Também é necessário ligar para o Disque 100, Central de
Denúncias da Secretaria de Direitos Humanos. Tanto a partir do telefonema
quanto da ocorrência, o delegado deve instaurar inquérito e, a partir do judici-
ário, iniciar o processo penal.
No caso da vítima sofrer violência física, deve ser conduzida para o exame
de corpo de delito. Se a violência acontecer dentro do templo religioso ou na
própria residência da vítima, deve-se manter o local para as devidas investiga-
ções de autoridades competentes. Se a violência religiosa tiver natureza racial,
principalmente contra adeptos de religiões de matriz africana, deve-se ir a uma
Delegacia especializada, caso haja em sua região. Em São Paulo, por exemplo,
existe a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância, especializada em
crimes religiosos e de cunho étnico-racial.
O Código de Ética do Assistente Social, no TÍTULO III DAS RELAÇÕES
PROFISSIONAIS revela:

Intolerância Religiosa
56 UNIDADE I

CAPÍTULO I Das Relações com os/as Usuários/as


Art. 5º São deveres do/a assistente social nas suas relações com os/as
usuários/as: b- garantir a plena informação e discussão sobre as pos-
sibilidades e consequências das situações apresentadas, respeitando
democraticamente as decisões dos/as usuários/as, mesmo que sejam
contrárias aos valores e às crenças individuais dos/as profissionais, res-
guardados os princípios deste Código (1993, p. 29. Grifo nosso).

É preciso salientar que o Assistente Social é um mediador para minimizar esses


conflitos em ambiente sociais, escolas, comunidades-terreiro, etc., e não fomen-
tar ainda mais violência. Afinal você, futuro(a) profissional, que tem ou não sua

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
religião, precisa ter ciência que ela não deve influenciar negativamente o pro-
cesso laboral.

AS VÁRIAS FACES DA VIOLÊNCIA NA CONTEMPORANEIDADE


57

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A violência foi tema desta unidade. Nela, aprendemos que, de forma genérica,
violência seria um comportamento que intimidaria moralmente um outro ser
de forma intencional, invadindo a integridade física e psicológica de outrem. Ela
sempre esteve em contextos de divisões de classe, “justificando” violências sociais.
Vimos que a violência em relações de poder é muitas vezes invisível na socie-
dade, mas constantemente manipulada por forças hegemônicas, a fim de manter
o status quo. Estudamos, desse modo, que as relações de dominação do homem
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

contra a mulher, do hétero contra o homo, do branco contra o negro, do rico


contra o pobre, do adulto contra a criança permeiam a violência, para que um
grupo sempre domine o outro.
É importante relembrar que essas violências podem ser físicas ou simbólicas,
e que há uma variada tipologia da violência, como: tortura psicológica, insti-
tucional, intrafamiliar, moral, patrimonial, sexual, etc. Dentre elas, vimos que
a violência contra a mulher é grave e constante em nosso país, o que fomentou
o nascimento da Lei Maria da Penha, que pune o homem agressor, não apenas
vinculando o ato como crime de “agressão”, mas também de “gênero”.
Em seguida, vimos que a violência atinge a criança e adolescente, e também
os próprios agressores, por meio da prática da delinquência, como vítimas atra-
vés da violência intrafamiliar. A escola também acaba sendo cenário da violência.
Aprendemos que o bullying é definido como toda e qualquer agressão física ou
moral que ocorre intencionalmente e sem motivos evidentes, de forma repetitiva,
adotada por um ou mais estudantes, causando injúria, dor, angústia e sofrimento.
E por fim, chegamos a Intolerância Religiosa, um tipo de violência que ocorre
no contexto religioso. Aprendemos que os ateus e os adeptos das religiões afro-
-brasileiras são os que mais sofrem com essa intolerância, prejudicando-os em
suas aquisições de direitos sociais.

Considerações Finais
58

1. A violência é um fenômeno comum entre todas as sociedade humanas. Assinale


a alternativa que apresenta um elemento importante no contexto da vio-
lência, que fomenta a desigualdade social.
a. Marcas físicas.
b. Relações de poder.
c. Marcas psicológicas.
d. Impunidade.
e. Violência simbólica.

2. A violência pode ser manifestada de formas diversas. Leias as assertivas e assi-


nale a alternativa correta.
I. Alguém ofendendo uma pessoa negra com termos como “macaco”.
II. Humilhar uma pessoa, enfatizando suas fraquezas.
III. Vilipendiar imagens sagradas em público, ofendendo uma religião específica.
IV. Chutar e beliscar alguém.
Estão corretas as alternativas que expressam violência:
a. Apenas I e II estão corretas.
b. Apenas II e III estão corretas.
c. Apenas I está correta.
d. Apenas II, III e IV estão corretas.
e. Todas as alternativas estão corretas.

3. Sobre a Lei Maria da Penha, cujo nome é homenagem a cearense, Maria da Pe-
nha Maia Fernandes, que lutou para que seu agressor viesse a ser condenado.
Leia as opções, assinalando-as como Verdadeiro (V) ou Falso (F).
( ) Lei Maria da Penha é a lei nominada como 11.340/2006.
( ) A Lei Maria da Penha vale apenas para mulheres biologicamente nascidas
como mulheres.
( ) A Lei Maria da Penha é uma lei específica para violência contra as mulheres.
59

Assinale a alternativa correta:


a. V; V; F.
b. F; F; V.
c. V; F; V.
d. F; F; F.
e. V; V; V.

4. Em relação ao Bullying, observe as assertivas abaixo:


I. Bullying é uma situação que se caracteriza por agressões intencionais, verbais
ou físicas.
II. Bullying é feito de maneira repetitiva, por um ou mais alunos contra um ou
mais colegas.
III. Cyberbullying e Bullying são os mesmos fenômenos, a diferença é que o pri-
meiro acontece entre jovens e o segundo com crianças.
Estão corretas as alternativas:
a. Apenas I e II
b. Apenas II e III.
c. Apenas I.
d. Apenas II.
e. Todas as alternativas estão corretas.

5. Você acredita que o Racismo é um dos motivos diretos ou indiretos da violência


contra as religiões afro-brasileiras? O que pensar da aceitação de deuses gregos
no currículo escolar, mas a negação e demonização dos deuses negros africa-
nos? Seria a questão racial uma motivadora?
MATERIAL COMPLEMENTAR

Violência
Slavoj Žižek
Editora: Boitempo (2014)
Sinopse: num cenário de manifestações de rua cada vez mais sangrentas, chega às livrarias
brasileiras o aguardado Violência, de Slavoj Žižek. Nesse brilhante ensaio de crítica da ideologia,
as sociedades em que vivemos são viradas de cabeça para baixo, em uma análise que articula
conhecimentos dos múltiplos campos da história, da psicanálise, da filosofia, da sociologia e das
artes, dissecando a violência inerente à globalização, ao capitalismo, ao fundamentalismo e à
própria linguagem. A premissa ousada do esloveno é de que a violência que enxergamos – a que
surge imediatamente como agente identificável – é ela própria produto de uma violência oculta,
profundamente arraigada nas bases de nosso sistema político e econômico. Em seis breves e
provocativos artigos, Žižek lança novas bases para a reflexão acerca do fenômeno moderno da
violência e se afirma como um dos mais eruditos, incendiários (e baderneiros) pensadores radicais
de nosso tempo.

Sobrevivi ... posso contar


Maria da Penhak
Editora: Saraiva (2012)
Sinopse: o livro de Maria da Penha ‘Sobrevivi... posso contar’, relata a vida da autora que sofreu
uma cruel, dolorosa e covarde violência. Maria da Penha oferece sua história generosamente
a toda sociedade, como uma forma de contribuir com transformações urgentes, pelos direitos
das mulheres a uma vida sem violência. História que muito tempo depois a tornou protagonista
de um caso de litígio internacional emblemático para o acesso à Justiça e para a luta contra
a impunidade em relação à violência doméstica e familiar contra as mulheres no Brasil. Ícone
dessa causa, sua vida está hoje também simbolicamente subscrita e marcada sob a lei nº 11.340
ou lei Maria da Penha. Penha compartilha de forma ímpar sua história de vida – tão particular
e ao mesmo tempo tão comum à de tantas mulheres que levam no corpo e na alma as marcas
visíveis e invisíveis Ongs da violência. O livro conta com o apoio do Centro pela Justiça e o Direito
Internacional (CEJIL) e do Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da
Mulher (CLADEM), além do texto do jurista Paulo Bonavides. Este livro proporciona muito mais
do que a história de violência contra uma mulher. Revela um fenômeno social, político, cultural e
ideológico que afeta de forma grave e desproporcional muitas mulheres.
MATERIAL COMPLEMENTAR

Intolerância Religiosa e Direitos Humanos


Antonio Baptista Gonçalves
Editora: Juruá (2016)
Sinopse: liberdade Religiosa é, sem sombra de dúvida, uma das
principais agendas do Século 21 e também um dos mais tormentosos
temas sobre os quais se debruçam os pensadores atuais. De leitura
direta e absorvente, permite a compreensão das questões derivadas na
justaposição entre o Estado Laico e os Direitos Humanos, pontuando
que a Liberdade Religiosa é um bem tão precioso como os demais direitos fundamentais
inscritos no art. 5º da nossa Carta Mãe (o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade). O direito à Liberdade Religiosa deve ser mantido pelo esforço de todos, já que por
vezes entra em rota de colisão com outras expressões do Direito. Em algumas matizes religiosas,
por exemplo, a preservação do “Sábado” é um fundamento que se choca com algumas obrigações
da vida civil, mas o preceito teológico não comporta temperamento, não se adapta, não há
“jeitinho” para o rito religioso. É neste viés, e por estas vias, que se concentra esta especialíssima
obra, temperando as rotas com o fito de evitar as colisões em situações, muitas vezes conflituosas,
entre o tráfego da vida pelas questões religiosas, seus direitos (e deveres) e toda a gama dos
direitos civis.

Preciosa: Uma História de Esperança


Lee Daniels (2009)
Aqui a violência sexual e física não são as únicas exploradas. Há
também a moral e psicológica que uma adolescente sofre nas mãos
da mãe, e da sociedade e que a faz não saber o significado de amor
e autoestima. Precious (Gabourey Sidibe) tem 16 anos e dois filhos,
frutos de estupros. Ela é humilhada e apanha da mãe. Na rua ela é
ridicularizada e às vezes tudo o que mais quer é morrer, para não ter de sofrer mais. O filme é um
retrato cruel de uma história ficcional, mas que pode muito bem ser um espelho de uma realidade
que acontece em tantos lugares.

Material Complementar
MATERIAL COMPLEMENTAR

Nunca Mais (Enough)


(2002)
O filme conta a história de amor da garçonete Slim (Jennifer Lopez) com
um empresário. O casamento dos sonhos se torna um pesadelo quando
a descoberta de uma traição desencadeia uma sucessiva tortura de
violência doméstica. Ao tentar deixá-lo, a moça percebe que o Estado
não está ao seu favor, e que o poder e a influência de seu marido a farão
refém de um ciclo abusivo. É um thriller de suspense que não foi sucesso
de críticas, mas carrega uma mensagem importante sobre a violência
doméstica.

Ministério Público do Estado de São Paulo


O site do Ministério Público do Estado de São Paulo apresenta em seu portal várias cartilhas
com conteúdos didáticos sobre bullying, violência doméstica, violência contra mulher e sobre
tolerância. As cartilhas podem ser impressas. Acesse <http://www.mpsp.mp.br/portal/page/
portal/Cartilhas>. Acesso em: 18 abr. 2017.

Por que os contos de fadas são tão violentos?


O pesquisador Gustavo Bernardo, na coluna da Revista Eletrônica da UERJ, apresenta o texto “ Por
que os contos de fadas são tão violentos?”. O texto aponta as faces da violência nessas histórias
populares, que tem poucas fadas e muita crueldade e machismo. O texto está disponível em:
<http://www.revista.vestibular.uerj.br/coluna/coluna.php?seq_coluna=46>. Acesso em: 18 abr. 2017.
63

Nesta dissertação de Paula Trottman, intitu- período de transição que, por preceder a
lada “O Trabalho Infantil, a Assistência Social vida adulta, implica que os indivíduos se
e o Programa de Erradicação do Trabalho preparam para uma nova fase através de
Infantil”, a autora discute sobre o trabalho reconstruções feitas sobre seu passado
infantil, desde causas, consequências, ocor- e elaboração de projetos para o futuro.
rência e incidência espacial e geográfica, Assim, pode-se afirmar que as etapas de
bem como sua classificação. Elaborou-se amadurecimento que compõem a vida
um histórico da assistência social no Bra- são consideradas instituições sociais com
sil, delimitando fatos e eventos históricos. desenvolvimento linear seqüenciado, nas
Nele, efetuou-se uma discussão acerca da quais há a busca do indivíduo por maior
avaliação de programas sociais, com base competência e maturidade. [....]
em uma metodologia proposta no traba-
lho, foi feita uma análise do Programa de Ao mesmo tempo em que os jovens são
Erradicação do Trabalho Infantil do governo concebidos como os agentes responsáveis
federal brasileiro. pela mudança, são vistos também como
causadores de problemas sociais, como
O texto é dividido em sete partes: O traba- violência, enorme capacidade de repro-
lho infantil no mundo; O trabalho infantil dutiva, ameaça de explosão demográfica,
no Brasil; Classificações do trabalho infantil; instabilidade no mercado de trabalho,
Causas e consequências do trabalho infan- entre outros. Sob tal ótica, não são vistos
til; Assistência social no Brasil; Avaliação de pela sociedade, e, em geral, pelo poder
programas sociais; Programa de Erradica- público, como sujeitos portadores de
ção do Trabalho Infantil – PETI, além dos direitos, assim, não se apresentam como
resultados. público-alvo de programas sociais estri-
tamente desenhados em seu benefício. É
A seguir um trecho da Introdução: importante compreender que as dificul-
dades criadas para tal grupo etário são,
“[....] As crianças foram consideradas, muitas vezes, originadas pela própria socie-
durante muito tempo, propriedade dos dade, no interior da comunidade em que
pais. Em 1893, a Convenção Francesa pro- estão inseridos. Os autores observam, tam-
cura defender os interesses das crianças, bém, que nas classes sociais mais carentes,
tornando os pais responsáveis por seus a população jovem tende a ser inserida no
cuidados. A Declaração Internacional mercado de trabalho precocemente, sen-
dos Direitos da Criança (1959) reafirma e do-lhes impostas atividades que não está
define as responsabilidades dos adultos apta a realizar, como ocorre no caso das
em relação às crianças. Durante o século crianças. Esse evento, além de antecipar
XX, observam-se que as preocupações dire- características da vida adulta, como a res-
cionadas às crianças e aos cuidados a elas ponsabilidade, o auxílio na renda familiar e
dirigidos tornam-se regras, normas sociais a constituição de família, gera característi-
amparadas por instrumentos de controle cas negativas ao desenvolvimento social e
em relação ao seu cumprimento. Tam- profissional dos jovens no futuro, que, por
bém no mesmo período, a adolescência trabalharem, têm redução ou privação de
ganha destaque, conceituada como um horas de estudo.
64

[...] Assim, é necessário considerar a neces- espírito de coesão familiar e ao senso de


sidade de compreensão do universo das responsabilidade do jovem. O desenho de
crianças e dos jovens, principalmente dos políticas sociais com objetivo de enfrenta-
indivíduos mais carentes, procurando mento ou combate ao trabalho infantil deve
desenvolver políticas capazes de intervir ser considerar atividades que comprovada-
na realidade social que os cerca. Muitas mente comprometam o desenvolvimento
ações empreendidas pelo governo e outras e a educação das crianças e adolescentes.
instituições direcionadas aos jovens são É necessário um diagnóstico que contem-
orientadas pelo claro objetivo de comba- ple as condições e a situação em que se
ter a extrema pobreza que ainda existe em desenvolvem tais tipos de trabalho, desta-
nosso país. Verifica-se, contrariamente aos cando as condições nas quais é prejudicial
pressupostos assumidos pela sociedade, às crianças e jovens, sobretudo em termos
que o trabalho infantil não tem relação de freqüência e aproveitamento escolar.
exclusiva e única com a pobreza. Em paí- [...]”
ses desenvolvidos e entre famílias que
gozam de estabilidade financeira também O trabalho na íntegra se encontra no link:
se observa a ocorrência de trabalho infan- http://www.each.usp.br/flamori/images/
til, especialmente em atividades que são TCC_Paula_2008.pdf
entendidas como uma forma de colabo-
ração familiar, algo que deve contribuir ao Fonte: Trottman (2008, on-line)15.
65
REFERÊNCIAS

ABRAMOVAY, M. Escolas e violências. In: Revista do Observatório Interdisciplinar


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-e-apedrejada-nao-saio-mais-de-branco-tenho-medo-de-morrer.html>. Acesso
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15
Em: <http://www.each.usp.br/flamori/images/TCC_Paula_2008.pdf>. Acesso em:
18 abr. 2017.
GABARITO

1. B
2. E
3. C
4. A
5. Resposta Pessoal. Pense que a aceitação da cultura europeia (história, arte, lite-
ratura e religião) é diferente da aceitação da cultura africana. Reflita em sua res-
posta sobre a possibilidade do racismo e da hierarquização das “raças” ter contri-
buído para isso.
Professor Dr. Silvio Ruiz Paradiso

II
SOCIEDADE E RELAÇÕES ÉTNICO-

UNIDADE
RACIAIS: NEGROS, INDÍGENAS,
CIGANOS, IMIGRANTES E
POLÍTICAS PÚBLICAS

Objetivos de Aprendizagem
■ Compreender o que é racismo.
■ Diferenciar os termos raça e etnia, no âmbito das discussões
étnico-raciais.
■ Relacionar o racismo e a necessidade das ações afirmativas.
■ Conhecer algumas políticas públicas para afrodescendentes, como a
cota e a lei de número 10639/11645.
■ Entender algumas políticas públicas para povos indígenas.
■ Ampliar o conhecimento sobre algumas políticas públicas para os
povos ciganos.
■ Assimilar a questão da imigração no Brasil.
■ Refletir sobre as relações sociais entre imigrantes e a sociedade
brasileira.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ Raça e Racismo
■ Racismo e ações afirmativas
■ Políticas Públicas para afrodescendentes
■ LEI 10639 / 11645 - Obrigatoriedade do Ensino de Cultura e História
afrobrasileira e indígena
■ Políticas públicas para indígenas e outros grupos
■ A Questão dos imigrantes
71

INTRODUÇÃO

Na unidade II, estudaremos questões que abarcam as relações étnico-raciais,


sociedade e políticas públicas, algo de extrema importância em um país miscige-
nado como o Brasil, que convive diariamente com o racismo, ainda que velado.
Na primeira parte da nossa unidade, discutiremos o conceito de raça e sua
relação com o termo etnia, sendo que o primeiro está intimamente ligado ape-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

nas às questões biológicas, como a cor da pele, e o segundo, mais amplo, está
ligado também à uma identidade sociocultural. Compreender os termos nos
leva a entender o Racismo e, sobre esse assunto, refletiremos sobre o conceito da
palavra e sua manifestação ao longo da história, problematizando pseudoteorias
raciais, que visavam justificar a opressão de grupos étnicos só pela cor da pele.
Veremos que essa justificativa do racismo trouxe para a população negra e
indígena brasileira uma grande defasagem de direitos, que se perpetuou no doxa
(Você se lembra desse termo? Doxa é o sistema ou conjunto de juízos que uma
sociedade elabora em um determinado momento histórico, naturalizando uma
ideia, que nem sempre é verdadeira.) racial, criando um abismo econômico,
educacional, jurídico, cultural e social entre brancos e outros povos. Em seguida,
iremos constatar que o racismo e suas consequências fomentaram discussões,
além da necessidade de implementação de política para equidade étnico-racial,
as ações afirmativas.
Assim, na segunda parte da unidade, conheceremos as principais Políticas
Públicas para afrodescendentes, em especial o sistema de cotas para ingresso às
universidades, e também a Lei 11.645 (10.639), que obriga o ensino de História
e Cultura afro-brasileira e indígena nas escolas. Continuando, iremos conhecer
algumas políticas públicas para indígenas e para os povos ciganos.
Na última parte, nosso foco será acerca da questão dos imigrantes. Iremos
abordar os motivos, as necessidade e a realidade desses indivíduos que lutam
para se adaptar em nossa sociedade, garantindo direitos mínimos, ainda que
envoltos ao preconceito e hostilidade.
Bom estudo.

Introdução
72 UNIDADE II

RAÇA E RACISMO

O bom profissional do Serviço Social deve, além de conduta, ética e boa forma-
ção, ter conhecimento básico acerca do uso de alguns termos, bem como de seus
significados. Raça, racismo e etnia são exemplos de termos cujo conceito deve
ser compreendido por aqueles que trabalham com a sociedade, além de suas
importâncias nas relações sociais no Brasil.
Raça é um termo que deveria ser abolido de nosso vocabulário, ao se tra-
tar especificamente de grupos culturalmente estabelecidos, pois o uso de “raça”

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
ficou estagnado apenas no contexto biológico.
O conceito de raça perpassa, fundamentalmente, dois significados bá-
sicos: o biológico e o sociológico. O primeiro define critérios sobre as
raças com fundamento em pesquisas da Biologia, em especial da gené-
tica. O segundo define critérios baseando-se na Sociologia, no estudo
do comportamento humano em sociedade e na forma de um grupo
conviver e definir outro (LIMA, 2010, p. 9).

Lexicograficamente, o termo “raça” é “divisão tradicional de indivíduos cujos


caracteres físicos biológicos são constantes e hereditários” (PRIBERAM, 2017,
on-line)1. Até mesmo dentro das Ciências, o conceito de raça tem conota-
ção apenas biológica, além da Biologia negar a existência de raças humanas
(GUIMARÃES, 2005), justamente porque os grupos humanos não podem
ser definidos apenas pelo seu fenótipo, isto é, comunidades devem ser com-
preendidas por suas diferenças morais e de cultura, fruto de construções
socioculturais.
Um exemplo interessante seria o dos judeus, que não podem ser defi-
nidos por terem cabelos crespos e grossos e terem narizes avantajados. Ser
judeu é celebrar o barmitzvah, usar kipah, falar hebraico independentemente
do local que se vive, saber o que é channukah ou falafel. Logo não há “raça
de judeu”. O mesmo com o negro, que não pode ser definido pelas nuances
da pigmentação da pele. Ser negro está para além disso, pois se assim fosse,
negros e albinos estariam fora dessa conjectura. Ser negro é ter uma rela-
ção direta ou indireta com a África, sua história e cultura. A pele negra é um
dos atributos étnicos que define o grupo “negro”. É o mais importante? Sim,
mas não o único.

SOCIEDADEERELAÇÕESÉTNICO-RACIAIS:NEGROS,INDÍGENAS,CIGANOS,IMIGRANTESEPOLÍTICASPÚBLICAS
73
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Figura 1 - Um judeu Figura 2 - Guerreiro maasai


Fonte: Shutterstock. Fonte: Shutterstock.

Logo não há raça negra, nem raça indígena, nem raça branca, mas houve tempos
em que o conceito existia, e era “cientificamente” justificado. A força do uso de
“raça”, no contexto de definição dos povos humanos, nasce das “teorias raciais”.
Desde o século XVIII, pesquisadores tentavam compreender as diferenças huma-
nas por meio da biologia (desconsiderando a esfera social). Um dois primeiros foi
o botânico sueco Carlos Lineu (1707-1778), que classificou o ser humano em 4
grupos, a partir das variedades geográficas: os europeus, asiáticos, americanos e
africanos. Depois, o alemão Johann Friedrich Blumenbach (1752-1840) expandiu
a classificação de Lineu, dividindo o ser humano em raça caucasiana para os euro-
peus (brancos); raça americana; raça mongol, para os povos do extremo oriente;
raça etiopiana, para os africanos; e raça malasiana, para os povos do sul da Ásia
e da Oceania (SCHWARCZ, 1993). Essas divisões formam problemáticas? sim,
quando se começou a acreditar que as “raças” influenciavam o comportamento.
A partir de pseudociências do século XVIII e XIX, como a frenologia, antropo-
metria, craniologia, etnologia e a eugenia, o mundo foi dividido em raças superiores
e inferiores. Joseph Arthur, Conde de Gobineau (1816-1882), conhecido apenas

Raça e Racismo
74 UNIDADE II

como Gobineau, desenvolveu uma teoria em seu livro “Ensaio sobre a desigual-
dade das raças humanas” (1855), que dizia que a raça branca era superior às demais.
Com isso, uma série de ideologias raciais começaram a ganhar força no mundo: na
colonização, os europeus justificavam as invasões tendo como premissa que os colo-
nizados nativos eram inferiores; a escravidão teve aval destas teorias e, além disso,
o nazismo se utilizou da ideia e, junto com a eugenia, acreditava em exterminar
algumas “raças”, com finalidade de fortalecer a “raça” ariana (caucasianos alemães).
Com isso, as pessoas começaram a ser hierarquizadas e julgadas apenas pelos
seus biótipos (SCHWARCZ, 1993). Infelizmente, essas pseudoteorias científicas

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
aportaram no Brasil no fim do século XIX, fomentando a escravidão e o racismo:
No Brasil, as teorias racistas com fulcro biológico e genético surgiram
um pouco antes de 1888, buscando identificar os africanos e seus des-
cendentes como pertencentes a raças socialmente inferiores, tendo, en-
tre seus objetivos, possuir uma justificativa para continuar a subjugá-los
quando abolida a escravidão. No final do século XIX e início do século
XX, as teorias racistas estavam em voga no Brasil. As ideias racistas
com um fundamento supostamente científico difundiram-se no país.
Esses valores sobre a superioridade da raça branca foram introduzidos
no imaginário dos próprios descendentes de escravo das mais variadas
formas, influenciados por teorias racistas. Tais ideias difundiram-se e
perpetuaram-se na sociedade brasileira, permanecendo no imaginário
de indivíduos brancos e negros (LIMA, 2010, p. 96).

O termo raça, desse modo, tornou-se um conceito biologicamente superado e


usado para classificar as pessoas pelo fenótipo, como o Censo/IBGE. Atualmente,
o uso do termo “etnia” vem ganhando espaço nas Universidades e entre pesqui-
sadores das Ciências Sociais e Humanas, visto que ‘etnia’ abrangeria não só as
questões biológicas, mas também as sociológicas.
Etnia, no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (2017, on-line)2 significa
“agrupamento de famílias cuja unidade assenta numa estrutura familiar, econô-
mica e social comum e numa cultura comum”, ou seja, a pertença ao grupo não é
determinada apenas pela genética. Já Erikesen (1993, p. 12, grifo meu) revela que:
Etnicidade é um aspecto das relações sociais entre agentes que se con-
sideram culturalmente distintos dos membros de outros grupos com
os quais eles mantêm um mínimo de interação cultural regular. Etni-
cidade pode, pois, ser também definida como uma identidade social,
caracterizada por parentesco metafórico ou fictício.

SOCIEDADEERELAÇÕESÉTNICO-RACIAIS:NEGROS,INDÍGENAS,CIGANOS,IMIGRANTESEPOLÍTICASPÚBLICAS
75

E aí temos um ponto importante da discussão, em que Eriksen (1993) observa


que a identidade étnica pode ser caracterizada por um parentesco metafórico ou
fictício, o que retorna àquela ideia anterior, por exemplo, sobre o negro brasileiro
e sua relação cultural com a África. Porém, Cashmore (2000, p. 196) nos traz um
conceito diferente e importante sobre vivências: “um grupo étnico não é um mero
agrupamento de pessoas ou de um setor da população, mas uma agregação de pes-
soas unidas ou aproximadamente relacionadas por experiências compartilhadas”.
No caso das minorias étnicas (ciganos, indígenas e negros), uma das expe-
riências compartilhadas por eles, fazendo-os se observarem como grupo, é o
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

racismo. Para definirmos racismo, utilizo-me do conceito de Appiah (1997, p. 33):


Traça distinções morais entre os membros de diferentes raças porque se
acredita que a essencial racial implica em certas qualidades moralmente
relevantes. Os racistas [...] baseiam a sua discriminação entre os povos na
crença de que os membros de raças diferentes se distinguem em certos
aspectos que autorizam um tratamento diferencial – tais aspectos são tidos
(pelo menos em muitas culturas contemporâneas) como incontroversos e
legítimos como base para o tratamento diferencial dispensados às pessoas.

Primeiramente você, caro(a) aluno(a), deve-se perguntar o porquê do uso do


termo “raça” na definição. Para nos ajudar, trago as palavras de Lima (2010, p. 96):
E mesmo sendo uma identificação com base na aparência que não pos-
sui respaldo científico, a determinação da raça dos indivíduos assume
grande relevância, considerando-se que essa identificação importa na
distribuição de oportunidades e no exercício de direitos. Na sociedade
brasileira, para além da simples identificação de traços fisionômicos,
tem-se a correlação destes com características morais, intelectuais e
psicológicas, positivas e negativas, a cada grupo delimitado como uma
raça. Ocorre ainda a super valoração das contribuições históricas, reli-
giosas e culturais de uns e desvalorização ou mesmo anulação da con-
tribuição de outros.

Apesar do conceito de raça estar fora de nossa realidade, seu uso no ponto de
vista ideológico é válido. O próprio termo “racismo” usa-se da raiz “raça” para
sua definição. O termo racismo define o campo ideológico, em que o conceito
de raça tem vigência (GUIMARÃES, 2005). E por quê? O primeiro elemento
usado para o racismo é o fenótipo. O negro sofre racismo primeiramente pela
cor da sua pele, os indígenas, os ciganos, por exemplo, pelas feições próprias,
trazendo o senso de diferença.

Raça e Racismo
76 UNIDADE II

Depois da diferença e hierarquização de fenótipo feita, as questões cultu-


rais de minorias étnicas também são hostilizadas, mas em segunda instância.
Um exemplo em relação ao negro, é que o racismo fomenta não só a hostili-
dade em relação a pele, mas cria também a noção de que a beleza negra é feia,
que o cabelo afro é “ruim”, que as roupas afro são exóticas e religiões de tradi-
ção negra são diabólicas.
Logo, termos como racismo e racial, referem-se ao pressuposto determi-
nista biológico, em que as pessoas são tratadas diferentes por suas diferenças
fenotípicas. Assim, quando discutimos racismo, o termo raça é usado em alguns

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
contextos, justamente pela sua carga de generalização biológica. Lima (2010)
diz que essa identificação importa na distribuição de oportunidades e no exer-
cício de direitos, ou seja, a raça no Brasil determina a distribuição de direito e
oportunidade. Vemos isso diariamente nos dados estatísticos (MARTINS, 2014,
on-line)3; (IBGE, 2002); (DOMINGUES, 2015, on-line)4.

SOCIEDADEERELAÇÕESÉTNICO-RACIAIS:NEGROS,INDÍGENAS,CIGANOS,IMIGRANTESEPOLÍTICASPÚBLICAS
77

O número de negros na região Norte, acima dos 16 anos e que possuam trabalho
informais é de 49,6%, número extremamente alto, além de que este grupo apre-
senta um rendimento mensal inferior ao branco exercendo as mesmas funções.
Dados de 2013 mostram que os negros que terminaram a faculdade ganhavam
em média 28% menos do que os brancos em mesma situação.
Em relação aos ofícios, os advogados negros ganham 27% menos que advo-
gados brancos; engenheiros, 20%; médicos, 13%. Médicas negras ganhavam cerca
de R$ 2 mil a menos que os outros colegas. Além disso, quando exercem fun-
ções de direção, “patrões” negros ganham 25% menos.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Os negros estão ausentes da política, pois dos 513 deputados federais, 80%
são brancos. No Superior Tribunal de Justiça, 25 dos 29 ministros são brancos.
Apenas um se considera negro. Todos os 11 ministros do Supremo Tribunal
Federal são brancos. Na mídia, as novelas em exibição na TV aberta têm apenas
15% de atores negros, e raramente um protagonista.
Contudo, quando o assunto é miséria e cárcere, a população negra assume o
destaque. Três quartos dos beneficiários de programas sociais do Brasil Sem Miséria,
que inclui o Bolsa Família, o Brasil Carinhoso e o Pronatec, entre outros, são negros.
O motivo é que segundo o IBGE (2011), 71% das pessoas que vivem na situação
de extrema pobreza são negros ou pardos. Além disso, a população carcerária
entre 18 e 29 anos representam 54,8%, e deste grupo, 60,8% do total são negros.
“No Brasil os negros são a maioria dos pobres e dos indigentes, possuem
uma perspectiva de vida inferior a de pessoas brancas, além da taxa de
mortalidade infantil ser maior entre os negros. O índice de desenvolvi-
mento humano (IDH) dos negros é inferior ao dos brancos. Os negros
possuem menor mobilidade social que os brancos e as desigualdades
não são apenas de renda, mas também no acesso a programas sociais,
como educação e saúde. No mercado de trabalho, os negros possuem
perspectivas muito piores em suas vidas profissionais, seja em relação
aos empregos, seja em relação à remuneração. Trabalhadores negros
recebem menores salários que trabalhadores não negros em qualquer
nível de escolaridade e também a taxa de desemprego entre negros é
sempre maior que a de brancos. Os negros são exceções entre a quase
totalidade de brancos no comando das maiores empresas do país. A
população negra é maioria entre os que moram em domicílio sem água
e sem esgotamento sanitário e minoria entre os que possuem compu-
tadores residenciais. Na educação, área fundamental na formação do
indivíduo e na sua posterior disputa por oportunidades de trabalho, há

Raça e Racismo
78 UNIDADE II

grandes discrepâncias, com os negros sendo a maioria dos analfabe-


tos funcionais, possuindo menos anos de estudo e representando uma
quantidade ínfima de pessoas nos cursos superiores, em especial nos de
maior prestígio social, como Medicina, Direito, Administração, Psico-
logia e Odontologia (LIMA, p. 103).

RACISMO E AÇÕES AFIRMATIVAS

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Segundo o IBGE/PNAD (2014), os negros (pretos e pardos) são a maioria da
população brasileira, representando 53,6% da população. Os brasileiros que
se declaram brancos são 45,5%. Os números mostram um país miscigenado e
aparentemente harmônico na questão étnico-racial, mas isso não é a realidade.
Apesar de sermos um país miscigenado, não há equidade de direitos, tampouco
divisão equânime do poder.
O mito da democracia racial continua sendo uma justificativa, e também um
obstáculo para o reconhecimento que, no Brasil, há racismo. O mito da democra-
cia racial ganhou força com o livro de Gilberto Freyre, Casa-Grande & Senzala
(1933), e baseia-se na ideia de que os grupos étnicos no país vivem em harmo-
nia e sem conflito, ou seja, ela ignora a existência do racismo.
É muito claro que as desigualdades sociais e de direitos no Brasil perpas-
sam as questões raciais e precisam ser debatidas, pois a discriminação racial é
ainda um empecilho ao desenvolvimento econômico, social, cultural e pessoal
das minorias étnicas, que sobrevivem em condições de vida aviltantes.
A solução é o fim do racismo, mas enquanto isso não acontece, ainda mais
em um país como o Brasil, que perpetua o chamado “racismo velado”, Políticas
Públicas para negros, indígenas e outras minorias étnicas são necessárias e urgen-
tes, e em alguns caso são chamadas de “Ações Afirmativas”.
Surge a necessidade política de atribuir direitos iguais a grupos da socie-
dade que são oprimidos ou sofrem com as sequelas do passado de opressão. As
políticas públicas para estes povos visam combater os efeitos acumulados de
séculos de racismo.

SOCIEDADEERELAÇÕESÉTNICO-RACIAIS:NEGROS,INDÍGENAS,CIGANOS,IMIGRANTESEPOLÍTICASPÚBLICAS
79

Desde o documento da Marcha Zumbi de Palmares, na década de 1990,


várias foram as conquistas sociais, culturais e políticas dos negros, e consequen-
temente, várias políticas sociais e ações afirmativas. Podemos citar a criação
de órgãos governamentais que desenvolvam, coordenam e executam políticas
públicas contra a discriminação racial, afirmação da identidade negra e a pre-
servação da cultura negra.
A Marcha Zumbi de Palmares contra o racismo, pela cidadania e pela vida,
que deu origem a um documento com sugestões de combate ao racismo, foi
realizado por centrais sindicais, pelo Movimento Negro Brasileiro e órgãos de
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

defesa à cultura e identidade negra. A marcha teve 30 mil pessoas e aconteceu


em Brasília. O documento redigido no evento foi entregue ao então presidente,
Fernando Henrique Cardoso e, desde 1995 até nos dias atuais, foram criadas
várias iniciativas em combate ao racismo e equidade de direitos e oportuni-
dades aos negros.
Os primeiros órgãos específicos do tema foram no sudeste do país, com as
delegacias especializadas em crimes raciais no Rio de Janeiro e em São Paulo, o
Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra do Estado
de São Paulo e a Fundação Cultural Palmares.
Duarte (2014, on-line)5 cita também focos em políticas educacionais e na
saúde. Na primeira, uma análise dos livros didáticos e manuais escolares, eviden-
ciando possível racismo e ausência de temáticas negras, além do treinamento de
professores para o trabalho de diversidade étnica nas escola e o acesso de negros
à universidade e cursos profissionalizantes.
Ambas as propostas serão desenvolvidas mais tarde, com a política de Cotas
e a Lei 10.639/03. Também houve o pedido de garantia aos negros e negras em
relação a saúde, sexualidade com direito de controle reprodutivo e programas
de atenção à gravidez; proteção às áreas de Quilombos e garantias de punição ao
racismo e preconceito contra religiões de matriz-africana. Ademais, a Marcha
também questionou a instituição em um dia para a consciência negra, que con-
traponha-se ao 13 de maio.
Das várias políticas públicas e ações afirmativas que foram criadas e manti-
das ao longos dos anos, iremos focar em duas específicas: o Sistema de Cotas e as
Diretrizes Curriculares Nacionais que versa sob a Lei 10.639/03 (atual, 11.645/08).

Racismo e Ações Afirmativas


80 UNIDADE II

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA AFRODESCENDENTES

Para se entender as cotas, temos que ter ciência de uma coisa: a grande maio-
ria da população negra no Brasil é pobre e sem oportunidades, devido a uma
herança ideológica escravocrata.
Cotas como ações afirmativas não são coisas tão recentes assim. O Brasil
vivenciou 354 anos de escravidão, em que a população negra trabalhava para
enriquecer a parcela branca, ou seja, as relações raciais de superior e inferior
organizavam o contexto de oportunidade durante o período. No segundo rei-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
nado, a partir da Lei Eusébio de Queiros, em 1850, proibiu-se o tráfico negreiro
e a entrada de escravos africanos no Brasil. Trinta e oito anos depois, o cho-
que aos escravocratas se acentuou com a Lei Imperial n.º 3.353, chamada de Lei
Áurea. A escravidão foi abolida e o negro ficou sem rumo, visto que, mesmo
livres, não eram considerados cidadãos, criando uma massa de desempregados.
Segundo Giabernadino e Robl Filho (2005), os negros daquele período soma-
vam 56% da população e estavam ansiosos em participar economicamente do
novo Brasil, que vivia um processo de desenvolvimento. Contudo, o pensamento
racial falou mais alto e o Estado, sedento em “embranquecer” o país, criou polí-
ticas para a chegada de imigrantes europeus: as cotas para europeu!
Desde 1870, o Estado incentivava a “troca” do negro pelo “europeu”. Na pro-
víncia de São Paulo, as “cotas para europeus” já tinham força desde 1884, pois
existiam medidas para concessão de passagem gratuita aos imigrantes europeus
que trabalhassem na agricultura (IANNI, 2004). Dois anos depois, foi criada a
Sociedade Promotora da Imigração, entidade não lucrativa destinada a recrutar,
transportar e distribuir trabalhadores europeus pelas fazendas paulistas.
Assim, elege-se o modelo branco como sendo o do trabalhador ideal e apela-se
para uma política migratória sistemática e subvencionada, alegando-se a necessi-
dade de dinamizar a nossa economia por meio da importação de um trabalhador
superior, do ponto de vista racial e cultural, capaz de suprir, com sua mão-de-o-
bra, as necessidades da sociedade brasileira em expansão (MOURA,1988). Desse
modo, no período pós-abolição, durante o processo de desenvolvimento do Brasil, o
incentivo à vinda de migrantes europeus para cá foi sistêmica, em que estes recebiam
terras do Estado brasileiro, concessões, benefícios sociais e acesso à remuneração.

SOCIEDADEERELAÇÕESÉTNICO-RACIAIS:NEGROS,INDÍGENAS,CIGANOS,IMIGRANTESEPOLÍTICASPÚBLICAS
81

Enquanto isso o negro livre, chamado de “ex-escravo”, sem oportunidade,


migrou da senzala direto para as favelas. Entendida a relação entre Cotas e herança
social, uso das palavras de Giabernadino e Robl Filho (2005, p. 8):
Ora, foram nesses anos que viveram os bisavós de muitos dos que hoje
prestam os concursos vestibulares. Mesmo com o significativo proces-
so de miscigenação vivenciado no país, pode-se perceber resquícios
da postura adotada naquele período ao se observar atenciosamente a
realidade da atual sociedade brasileira. Nesse sentido, não é razoável
admitir que os descendentes dos que foram antes claramente privile-
giados por políticas estatais digam aos descendentes dos que foram
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

brutal e oficialmente marginalizados que, “a política de cotas é injusta,


porque somos todos iguais”, e que “para entrar na universidade pública
é preciso ter mérito.

Somos iguais? Se somos iguais, porque o negro ficou de fora das Univer-
sidades e, consequentemente, do sucesso em profissões como Medicina,
Engenharias, Magistratura? Por que o negro continua sendo o grande con-
tingente penitenciário? Por que o negro protagoniza os números de miséria
e violência?

Não, queridos(as) alunos(as), não somos iguais, e nosso traços étnicos eviden-
ciam muito bem isso. Aliás, o discurso de igualdade é um dos pilares do racismo
contemporâneo, pois incita a negação de políticas públicas para minorias étni-
cas. Somos diferentes sim! Mas o acesso ao direito e oportunidade precisa ser
igual. Igualdade nem sempre é equidade! O problema, no Brasil, é que a dife-
rença é transformada em desigualdade. Há na internet duas charges recorrentes
sobre o tema.
Uma tem o título de “Nosso Sistema Educacional”, em que mostra um homem,
fazendo o papel de julgador, e em sua frente, um pássaro, um macaco, um pin-
guim, um elefante, um peixe dentro de um aquário, uma foca e um cachorro. O
homem então diz: “ Para uma seleção justa, todos farão o mesmo exame: esca-
lar aquela árvore”, apontando para uma enorme árvore no fundo do desenho.

Políticas Públicas para Afrodescendentes


82 UNIDADE II

A segunda charge que me refiro é apresenta três crianças tentando ver um


jogo, por trás de uma cerca. Na imagem há dois quadros. No primeiro , temos
uma com estatura alta, a outra mediana e a outra baixa. Cada criança tem sob
os pé um caixote de madeira. A criança alta tem visão completa do jogo, pois o
caixote permite que ela fique mais alta, e sua visão ultrapasse a cerca. A segunda
criança fica apenas com a cabeça acima da cerca, e a terceira é tão pequena,
que mesmo sobre o caixote, não consegue ver. Contudo, todas as três têm cada
uma, um caixote cada! Em baixo da imagem vemos a palavra IGUALDADE.
No segundo quadro, vemos as três crianças, cada qual agora com quantidades

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
diferentes de caixotes. A primeira por ser alta, não precisa de caixote, a segunda
criança de estatura mediana, precisa de um apenas, e a terceira, a mais baixinha
fica com dois caixotes. Assim todas as três conseguem ver o jogo. Em baixo da
imagem vemos o termo EQUIDADE.
A primeira apresenta que igualdade nem sempre é a mesma coisa que equi-
dade, enquanto a segunda mostra que, para se considerar o mérito de algo, deve-se
compreender se o percurso para o “sucesso” tem o mesmo caminho para todos.
Mérito só se justifica entre pessoas com condições de vida semelhantes e não
entre desiguais. As cotas raciais não são uma vantagem para os negros e indí-
genas, mas uma correção de uma desvantagem histórica. Tanto é que essa ação
afirmativa é temporária,visando a longo prazo equiparar o número de habitan-
tes negros com aqueles que têm acesso à Universidade. Desse modo, as cotas
são uma ação paliativa.
Vivemos em meio as cotas, como a Lei 9100/95, que estabelece cota para
mulheres nas eleições, e a Lei 9504/97, que indica cota para deficientes físicos em
concursos públicos. Mas por que cotas raciais geram tanta polêmica e hostilidade?
O profissional do Serviço Social deve estar atento às principais dúvidas que
se apresentam nas discussões sobre cotas. Ao final da Unidade, dez importantes
questões sobre as cotas sociais e raciais serão apresentadas, e você, provavel-
mente, terá que responder!

SOCIEDADEERELAÇÕESÉTNICO-RACIAIS:NEGROS,INDÍGENAS,CIGANOS,IMIGRANTESEPOLÍTICASPÚBLICAS
83

Cotas não são um tipo de racismo?


Não. Quem concorda com tal falácia desconhece o que é racismo. Cotas so-
ciais e raciais são ações afirmativas, que garantem o acesso de negros e po-
bres no Ensino Superior, para que a longo prazo, já formados, equilibrem o
mercado de trabalho e as profissões tradicionalmente brancocêntricas. O ra-
cismo não está na tentativa de equidade, mas está imbricado na sociedade,
no imaginário e nas instituições públicas e privadas. Ademais, Giabernadino e
Robl Filho (2005, p. 10), citam o artigo 1º, nº. 4, da “Convenção sobre a Elimina-
ção de Todas as Formas de Discriminação Racial” (1968), ratificada pelo Brasil
em 27 de março de 1968, para refutar esta ideia: Art. 1º. Não serão considera-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

das discriminação racial as medidas especiais tomadas com o único objetivo


de assegurar o progresso adequado de certos grupos raciais ou étnicos [...]”.
Fonte: Giabernadino e Robl Filho (2005, p. 10).

O sistema de cotas para ingresso em Universidades públicas foi adotado bem antes
da lei de 2012. Brandão (2005) nos revela que, já na década de 1990, surgiram as
primeiras tentativas de ações afirmativas neste contexto, promovidas por Ongs
dos direitos negros. Os cursinhos pré-vestibulares gratuitos para alunos carentes
e/ou negros foi um exemplo. Em 1999, as cotas chegaram no âmbito legislativo
com a Lei 298, que destinava metade das vagas nas Universidades aos alunos que
estudassem integralmente (Ensino Fundamental e Médio) em escola pública.
Foi esta lei que começou a aquecer as discussões sobre a necessidade de cotas
raciais, visto que a quase totalidade de alunos que pleitearam as vagas eram pardos e/
ou negros. Brandão (2005) cita que a discussão sobre cotas raciais em Universidades
vem a partir da criação da Universidade da Cidadania Zumbi dos Palmares, que
previa no curso de Administração 40% das vagas aos afrodescendentes.
Outras Universidades começaram a adotar as cotas após a Marcha Zumbi dos
Palmares e da conferência de Durban, na África do Sul (2001), onde aconteceu a III
Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e
Intolerância Correlata. Um ano depois, a Universidade Federal da Bahia (UFBA)
acatou as cotas, sendo seguida em 2003 pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ) e Universidade de Brasília (UNB), 2004 pela Universidade Federal do Paraná
(UFPR) e em 2005 pela Universidade Estadual de Londrina (UEL).

Políticas Públicas para Afrodescendentes


84 UNIDADE II

Após a Lei 12.711, somaram-se várias outras Universidades Federais ao sis-


tema. Essa lei foi sancionada em agosto de 2012, e dispõe sobre o ingresso nas
Universidades federais e nas Instituições Federais de Ensino Técnico de nível
médio. De forma simples, a lei tem cunho social e racial, e é voltada aos estu-
dantes que cursaram o ensino médio, integralmente, na rede pública, oriundos
de família de baixa renda e autodeclarados pretos, pardos e indígenas.
A Lei de Cotas reserva, no mínimo, 50% das vagas disponíveis nas
Universidades e Institutos Federais para esses grupos. As vagas reservadas às
cotas (50% do total de vagas da instituição) serão subdivididas: 25% para estu-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
dantes de escolas públicas com renda familiar bruta igual ou inferior a um salário
mínimo e meio per capita, e 25% para estudantes de escolas públicas com renda
familiar superior a um salário mínimo e meio. Em ambos os casos, também
será levado em conta o percentual mínimo correspondente ao da soma de pre-
tos, pardos e indígenas no Estado, de acordo com o último censo demográfico
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O aluno que optar pela cota racial deve se autodeclarar negro/pardo/indí-
gena em documento, comprovando obviamente suas características fenotípicas.
Em alguns casos, documentos de identificação de ascendentes de até segundo
grau, documentos oficiais com indicação de cor/raça própria ou de ascendentes
até segundo grau em linha reta (pais e avós) e fotos pessoais podem ser exigi-
dos. Alguns trechos da Lei 12.711:
Art. 1o As instituições federais de educação superior vinculadas ao Mi-
nistério da Educação reservarão, em cada concurso seletivo para in-
gresso nos cursos de graduação, por curso e turno, no mínimo 50%
(cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que tenham cursa-
do integralmente o ensino médio em escolas públicas.
[...]
Art. 3o Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de que
trata o art. 1o desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por au-
todeclarados pretos, pardos e indígenas e por pessoas com deficiência,
nos termos da legislação, em proporção ao total de vagas no mínimo
igual à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e pessoas com
deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada
a instituição, segundo o último censo da Fundação Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística - IBGE.
[...]

SOCIEDADEERELAÇÕESÉTNICO-RACIAIS:NEGROS,INDÍGENAS,CIGANOS,IMIGRANTESEPOLÍTICASPÚBLICAS
85

Art. 6o O Ministério da Educação e a Secretaria Especial de Políticas de


Promoção da Igualdade Racial, da Presidência da República, serão res-
ponsáveis pelo acompanhamento e avaliação do programa de que trata
esta Lei, ouvida a Fundação Nacional do Índio (Funai).
Art. 7o No prazo de dez anos a contar da data de publicação desta Lei,
será promovida a revisão do programa especial para o acesso às institui-
ções de educação superior de estudantes pretos, pardos e indígenas e de
pessoas com deficiência, bem como daqueles que tenham cursado inte-
gralmente o ensino médio em escolas públicas (BRASIL, 2012, on-line).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

A Lei 12711 deve ser bem estudada por você, aluno(a) do Serviço Social. Ela
está na íntegra no site do Planalto, podendo ser acessada em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/Lei/L12711.htm>. Acesso
em: 19 abr. 2017.
Fonte: o autor.

Mais do que polêmicas, devemos nos ater aos resultados. De acordo com a repor-
tagem da revista ISTO É (2013, on-line)6, o sistema de cotas não só melhorou a
qualidade de vida de milhares de estudantes negros, pardos e indígenas, como
também melhorou a qualidade de ensino e reduziu os índices de evasão. Até
mesmo o nível de corte das notas acabam subindo, e consequentemente, a qua-
lidade dos vestibulares. Segundo dados do Sistema de Seleção Unificada, a nota
de corte para os candidatos convencionais a vagas de medicina nas Federais foi
de 787,56 pontos. Para os cotistas, foi de 761,67 pontos, ou seja, uma diferença
entre eles de menos de 3%.

Políticas Públicas para Afrodescendentes


86 UNIDADE II

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Atualmente, em nível de Universidade Federal,
das 59 universidades no Brasil:

7 têm cotas para estudantes oriundos


de escolas públicas
19 32 têm algum tipo de cota racial
têm cotas para negros e pardos
têm cotas para índios
21 têm cotas para deficientes
25
tem cota para quilombola

SOCIEDADEERELAÇÕESÉTNICO-RACIAIS:NEGROS,INDÍGENAS,CIGANOS,IMIGRANTESEPOLÍTICASPÚBLICAS
87

LEI 10639 / 11645 - OBRIGATORIEDADE DO ENSINO


DE CULTURA E HISTÓRIA AFROBRASILEIRA E
INDÍGENA

Como vimos, a escola sempre foi mantenedora de um conjunto disciplinar e


curricular que privilegiou a cultura eurocêntrica. Na História, nas Artes e na
Literatura, a cultura dos indígenas e negros sempre foi invisível, e quando muito,
colocada como um anexo da História dos vencedores, da arte europeia e das
literaturas dos colonizadores. Mas a escola também tem um papel fundamental
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

no combate ao preconceito e à discriminação, sendo necessário um currículo


escolar baseado nos valores dos grupos étnicos, para a formulação de atitudes
essenciais à formação da cidadania.
A diversidade étnico-cultural tem sido discutida no campo da educação e
foi materializada nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNS), a ser desen-
volvida por todas as disciplinas e atividades pedagógicas da escola, como um
espaço sociocultural em que as diferenças se encontram, principalmente, por
meio dos temas transversais. Contudo, quase nada mudou. Era necessário uma
reestruturação curricular e de pensamento.
O problema se encontrava no currículo escolar, em que a história do negro
iniciava-se na escravidão e a do indígena com o descobrimento; na falta de livros
didáticos em que o negro e o índio também fosse protagonista e não estereótipos
baratos; além da formação de professores, que teimavam em reproduzir discur-
sos de inferiorização à cultura, estética e história de minorias étnicas.
Nos anos de 1996 a 2000, um Programa de Educação desenvolveu cerca de 14
cursos em oito Estados brasileiros nas cidades de Belo Horizonte, MG; Curitiba,
PR; Cáceres, MT; Joinville, SC; Brasília, DF; Porto Alegre, RS; São Paulo e Belém,
PA. A estrutura básica do curso “Relações Raciais e Educação” contou com a
parceria de outras organizações do Movimento Negro, Universidades, entidades
sindicais e secretarias de educação e cultura do Estado e município.
Os participantes são prioritariamente professores do ensino fundamental e
médio de escolas públicas, algumas do ensino privado, vários educadores popula-
res, corpos técnicos e diretores de escolas, ativistas do Movimento Negro, rappers,
profissionais de psicologia e operadores do direito. A variação de profissionais é

Lei 10639 / 11645 - Obrigatoriedade do Ensino de Cultura e História Afrobrasileira e Indígena


88 UNIDADE II

pela inquietação, busca de orientação e apoio para enfrentar situações descon-


certantes de discriminação racial que ocorrem na sala de aula, no pátio da escola,
na sala de professores e nas relações pessoais. A experiência do curso comprova
que o professor bem preparado é um multiplicador de informações corretas no
processo pedagógico de ensinar e aprender (SILVA, 2001).
Silva (2001) elenca os referenciais do curso, que eram desde racismo, discri-
minação racial, preconceito/preconceito racial, segregação racial e desigualdades
raciais, passando por cultura brasileira e mitos civilizatórios; estratégias de enfren-
tamento do racismo até a estrutura dos currículos escolares, saberes negados ou

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
excluídos e saberes produzidos pelas culturas juvenis.
O curso foi um sucesso em seu objetivo inicial, que era de desconstruir
a imagem sedimentada da cultura do negro, por anos renegada na educação.
O MEC, nas diretrizes Curriculares da Educação das Relações Étnico-Raciais
(2005, p. 10), deixa claro que “tais políticas têm como meta o direito dos negros
se reconhecerem na cultura nacional, expressarem visões de mundo próprias,
manifestarem com autonomia, individual e coletiva, seus pensamentos”, o que
se expandiu, mais tarde, em relação aos povos indígenas.

Figura 5 - Impérios Africanos.

SOCIEDADEERELAÇÕESÉTNICO-RACIAIS:NEGROS,INDÍGENAS,CIGANOS,IMIGRANTESEPOLÍTICASPÚBLICAS
89

Logo, o movimento negro, juntamente com o MEC, viu a necessidade de


fornecer subsídios legais para implantação de um currículo eficaz, no qual se
encontra a diversidade de culturas na sociedade brasileira. As pessoas precisam
ser convidadas a refletir sobre sua própria identidade racial e sua interação com
o mundo e, a partir dela, refletir sobre sua própria prática pedagógica na insti-
tuição escolar (SILVA, 2001). Dessa forma, a Lei 10.639, assim como as cotas,
vem para reparar danos “históricos e culturais” que os negros sofreram por anos.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Figura 6 - Autores afrodescendentes como Machado de Assis e Luiz Gama.


Fonte: Prefeitura de São Paulo Educação (2015, on-line)7.

A Lei 10.639 foi uma política de ação afirmativa para área


de educação, visto que o relatório para a lei justificava a
necessidade dela, já que os padrões culturais, estéticos e
históricos do negro, coexistiam de maneira tensa com o
padrão da cultura branco europeu, sendo esta hegemô-
nica e, portanto, trazia consequências na arte, literatura
e na história, privilegiando a brancura e raízes culturais
europeias em detrimento de outras culturas. Na mesma
lei, se institui no calendário escolar, o dia 20 de novem-
bro como “Dia Nacional da Consciência Negra”.

Figura 8 - Arte sacra de Mestre Didi.


Fonte: Associação Crianças Raízes do Abaeté (2014, on-line)8.

Lei 10639 / 11645 - Obrigatoriedade do Ensino de Cultura e História Afrobrasileira e Indígena


90 UNIDADE II

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Figura 7 - Religião de
matriz negra.

No dia 20 de novembro, celebra-se o Dia Nacional da Consciência Negra,


data criada e incluída no calendário escolar em 2003. A data passa a ser ofi-
cialmente instituída nacionalmente, mediante a lei nº 12.519 de 10 de no-
vembro de 2011, e considerada feriado em mais de mil cidades no país.
A data foi escolhida por ser atribuída à morte de Zumbi dos Palmares, em
1695, considerado herói nas historiografia afro-brasileira. No dia 20 de no-
vembro, é comemorado a valorização da história e cultura negra, distancian-
do-a assim do dia 13 de maio, atribuído apenas à história da escravidão.
Fonte: o autor.

SOCIEDADEERELAÇÕESÉTNICO-RACIAIS:NEGROS,INDÍGENAS,CIGANOS,IMIGRANTESEPOLÍTICASPÚBLICAS
91

A Lei promulgada em 2003, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, visava
basicamente: incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da
temática ‘História e Cultura Afro-Brasileira’. Segundo as diretrizes (2005, p. 10):
O ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, [...] tem
como objetivos o reconhecimento e valorização da identidade, histó-
ria e cultura dos afro-brasileiros, garantia de seus direitos de cidadãos,
reconhecimento e igual valorização das raízes africanas da nação brasi-
leira, ao lado das indígenas, européias, asiáticas. -
[...]
O ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, a educa-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

ção das relações étnico-raciais, tal como explicita o presente parecer,


se desenvolverão no cotidiano das escolas, nos diferentes níveis e mo-
dalidades de ensino, como conteúdo de disciplinas particularmente,
Educação Artística, Literatura e História do Brasil, sem prejuízo das
demais, em atividades curriculares ou não, trabalhos em salas de aula,
nos laboratórios de ciências e de informática, na utilização de sala de
leitura, biblioteca, brinquedoteca, áreas de recreação, quadra de espor-
tes e outros ambientes escolares. [...]

Todavia, a Lei 10.639/03 sofreu alteração em 2008, e passou a ser Lei 11.645/08,
em que insere também a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura indígena:
§ 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos
aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da popula-
ção brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da
história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas
no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na for-
mação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas
social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil.

§ 2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos


povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o cur-
rículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura
e história brasileiras” (BRASIL, 2008, on-line, grifo meu).

Dessa maneira, a partir de 2003, as minorias étnicas, em especial os negros e indí-


genas que coexistiram com o europeu na formação do Brasil, passam a ganhar o
mesmo espaço na escola. A Lei 11.645 ajudou a dar visibilidade aos povos indígenas
e sua cultura, que outrora era desconhecida e silenciada. Com isso, as discussões
sobre políticas públicas aos povos indígenas ganhou força e muito mais legitimidade.

Lei 10639 / 11645 - Obrigatoriedade do Ensino de Cultura e História Afrobrasileira e Indígena


92 UNIDADE II

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA


INDÍGENAS E OUTROS GRUPOS

Neste tópico, abordaremos algumas políticas públicas em relação aos indígenas e


outros grupos, em especial os ciganos. Em relação às políticas públicas aos indí-
genas, devemos retomar a FUNAI. A Fundação Nacional do Índio (Funai) É um
órgão “indigenista” brasileiro, fundado em 1967, e vinculado ao Ministério da
Justiça, tendo como missão promover, coordenar e executar políticas públicas
aos povos indígenas.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A FUNAI nasce a partir de uma necessidade de expandir a luta a favor
dos direitos dos indígenas brasileiros, já desenvolvida desde 1910, com o SPI
(Serviço de Proteção ao Índio). Até meados de 1990, todo assunto no governo
relacionado aos povos indígenas eram concentrados na FUNAI, mas, a partir da
metade da década de 90, esse órgão passou a estar subordinado ao Ministério
da Justiça, e depois, acabou perdendo força como “única” agência governamen-
tal para esse assunto.
[...] O desenvolvimento de políticas públicas direcionadas aos povos
indígenas está firmemente alicerçado em princípios constitucionais,
consoantes aos mesmos que definem o Brasil como Estado democrá-
tico de direito, isto é, na Constituição Federal que assegura e reconhe-
ce as especificidades étnico-culturais e os direitos sociais e territoriais
desses povos. Estes direitos são reafirmados pela Convenção 169 da
Organização Internacional do Trabalho – OIT sobre Povos Indígenas
e Tribais, ratificada pelo Brasil em 25 de julho de 2003 e aprovada pelo
Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004. Nos últimos anos têm sido
significativos o direcionamento e a construção de políticas, progra-
mas específicos e de investimentos do governo federal sem preceden-
tes direcionados aos povos indígenas, os quais são geridos por vários
órgãos (FUNAI, FUNASA/MS, MEC, MMA e outros). [...] (FUNAI,
2016, s/p.).

Hoje, as demandas dos povos indígenas passam a ser responsabilidade de


outros órgãos Federais, além de outros ministérios, justamente pela neces-
sidade de inter-relações sociais (DE PAULA, VIANNA, 2011). A tabela 1
apresenta quatro decretos federais, que impõem algumas ações acerca das
políticas indigenistas em outros ministérios, como Educação, Saúde e Meio
ambiente, por exemplo.

SOCIEDADEERELAÇÕESÉTNICO-RACIAIS:NEGROS,INDÍGENAS,CIGANOS,IMIGRANTESEPOLÍTICASPÚBLICAS
93

DECRETO OBJETO DO DECRETO


nº 23 Dispõe sobre as condições para a prestação de assitência à saúde das popula-
04/02/1991 ções indígenas: Art. 5º A Fundação Serviços de Saúde Pública - FSESP, enquanto
(saúde) não for instituída à Fundação Nacional de Saúde, de que trata o artigo 11 da Lei
nº 8.029, de 12 de abril de 19990, encarregar-se-á da coordenação dos projetos,
tanto na fase de elaboração, quanto na de execução.
OBS. Em 16 de abril de 1991, o Decreto Presidencial nº 100 instituiu a Fundação
Nacional de Saúde (FNS), que incorporou a Fundação de Serviços de Saúde Pú-
blica e, por seu turno, o atendimento à saúde das populações indígenas. A FNS,
tempos depois, passou a ser chamada de Funasa.
nº 24 Dispõe sobre as ações visando à proteção do meio ambiente em terras indíge-
04/02/1991 nas. Art. 4º A coordenação dos projetos mencionados no art 2º caberá à Secreta-
(meio ambien- ria do Meio Ambiente da Presidência da República, e sua elaboração e execução
te) serão realizadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Naturais Renováveis e pelo órgão federal de assistência ao índio.


nº 25 Dispõe sobre programas e projetos para assegurar a autossustentação dos
04/02/1991 povos ídigenas. Art. 5º Compete ao Ministério da Agricultura e Reforma Agrária,
(autossustenta- por intermédio da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), e ao
ção econômica) Ministério da Justiça, por intermédio do órgão federal de assistência ao ídio, a
coordenação das ações decorrentes deste Decreto.
nº 26 Dispõe sobre a Educação Indígena no Brasil. Art. 1º Fica atribuída ao Ministério
04/02/1991 da Educação a competência para coordenar as ações referentes à Educação
(educação) Indígena, em todos os níveis e modalidades de ensino, ouvida a Funai.
Tabela 1 - Políticas indigenistas
Fonte: De Paula, Viana (2011, p. 6).

Contudo, a Funai continua a ter um papel estratégico em boa parte das políti-
cas para os povos indígenas, primeiro por sua tradição na área, e segundo, pelo
protagonismo dela em relação às propostas governamentais. Somado a isso, em
2006, foi criada a Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), cuja atri-
buição seria criar um outra estrutura com a mesma atuação, mas de caráter
permanente: Conselho Nacional de Política Indigenista.
O primeiro desafio seria, junto com a FUNAI, criar, coordenar e executar políticas
públicas voltadas para gestão ambiental, atendimento à saúde, fiscalização e vigilância
territorial, regularização fundiária, geração de renda, valorização do patrimônio cul-
tural etc. Contudo, dois fatos são necessários à compreensão: 1) os “povos indígenas
são, portanto, sociedades não estatais, com formas próprias de organização política,
que convivem legalmente dentro de uma sociedade estatal mais ampla” (DE PAULA;
VIANNA, 2011, p. 8); e 2) o que entendemos como “povos indígenas” é um grupo
“heterogêneo, fragmentado e multifacetado, características que geram profundas
implicações no plano que nos interessa investigar” (DE PAULA; VIANNA, 2011, p. 8).

Políticas Públicas paraIndígenas e outros Grupos


94 UNIDADE II

Os mais de 220 povos indígenas no Brasil dividem-se em grupos pequenos


(de até uma centena de habitantes), até grupos complexos e populosos (com até 30
mil pessoas). Tais grupos possuem seus hábitos, costumes, línguas e ritos, e para
tanto, precisam de políticas públicas bem pensadas, dialogando com o governo,
membros da sociedade civil e profissionais como assistentes sociais, educado-
res, antropólogos, sociólogos e os próprios indígenas, protagonistas do processo.
Apresentaremos um resumo de políticas públicas voltadas aos povos indíge-
nas, políticas que todo profissional do Serviço Social precisa estar familiarizado.
As políticas selecionadas são do âmbito do Ministério da Justiça (MJ)/ Fundação

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Nacional do Índio (FUNAI), Ministério da Saúde (MS)/ Fundação Nacional de Saúde
(FUNASA), Ministério da Educação (MEC), Ministério do Meio Ambiente (MMA),
Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome (MDS) e Ministério da cultura (MINC).
Grande parte da pesquisa é extraída do material dos pesquisadores Luis
roberto de Paula e Fernando de Luiz Brito Vianna, nomeado “Mapeando políticas
Públicas para povos indígenas”, cujo disponibilidade é gratuita no link disponi-
bilizado ao final do material.

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA OS POVOS INDÍGENAS DO


MINISTÉRIO DA JUSTIÇA (MJ)/ FUNDAÇÃO NACIONAL DO
ÍNDIO (FUNAI)

Como citamos anteriormente, a FUNAI era o órgão responsável por toda cria-
ção, coordenação e execução de políticas públicas para os povos indígenas, mas
que, a partir de um decreto de 2009, passou a estar subordinada ao Ministério
da Justiça. O Decreto Nº 7.056, de 28/12/2009, conhecido como “o novo Estatuto
da Funai” seria um instrumentos para orientar a atuação da Fundação Nacional
do índio. Segue trecho do decreto:
DECRETO Nº 7.056 DE 28 DE DEZEMBRO DE 2009.

Aprova o Estatuto e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão


e das Funções Gratificadas da Fundação Nacional do Índio – FUNAI, e
dá outras providências.

SOCIEDADEERELAÇÕESÉTNICO-RACIAIS:NEGROS,INDÍGENAS,CIGANOS,IMIGRANTESEPOLÍTICASPÚBLICAS
95

Art. 2º A FUNAI tem por finalidade:


I - exercer, em nome da União, a proteção e a promoção dos direitos
dos povos indígenas; II - formular, coordenar, articular, acompanhar
e garantir o cumprimento da política indigenista do Estado brasilei-
ro, baseada nos seguintes princípios: a) garantia do reconhecimento
da organização social, costumes, línguas, crenças e tradições dos povos
indígenas; b) respeito ao cidadão indígena, suas comunidades e orga-
nizações; c) garantia ao direito originário e à inalienabilidade e à in-
disponibilidade das terras que tradicionalmente ocupam e ao usufruto
exclusivo das riquezas nelas existentes; d) garantia aos povos indígenas
isolados do pleno exercício de sua liberdade e das suas atividades tradi-
cionais sem a necessária obrigatoriedade de contatá-los; e) garantia da
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

proteção e conservação do meio ambiente nas terras indígenas; garan-


tia de promoção de direitos sociais, econômicos e culturais aos povos
indígenas; f) garantia de participação dos povos indígenas e suas orga-
nizações em instâncias do Estado que definem políticas públicas que
lhes digam respeito; e III - administrar os bens do patrimônio indígena,
exceto aqueles bens cuja gestão tenha sido atribuída aos indígenas ou
suas comunidades, consoante o disposto no art. 29, podendo também
administrá-los por expressa delegação dos interessados; IV - promover
e apoiar levantamentos, censos, análises, estudos e pesquisas científicas
sobre os povos indígenas, visando à valorização e à divulgação das suas
culturas; V - acompanhar as ações e os serviços destinados à atenção
à saúde dos povos indígenas; VI - acompanhar as ações e os serviços
destinados à educação diferenciada para os povos indígenas; VII - pro-
mover e apoiar o desenvolvimento sustentável nas terras indígenas, em
consonância com a realidade de cada povo indígena; VIII - despertar,
por meio de instrumentos de divulgação, o interesse coletivo para a
causa indígena; IX - exercer o poder de polícia em defesa e proteção
dos povos indígenas.
Art. 3º Compete à FUNAI exercer os poderes de assistência jurídica aos
povos indígenas, conforme estabelecido na legislação.
Art. 4º A FUNAI, na forma da legislação vigente, promoverá os estudos
de identificação e delimitação, a demarcação, a regularização fundiária
e o registro das terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indíge-
nas. Parágrafo único. As atividades de medição e demarcação poderão
ser realizadas por entidades públicas ou privadas, mediante convênios
ou contratos, firmados na forma da legislação pertinente, desde que o
órgão indigenista não tenha condições de realizá-las diretamente.
Art. 5º A identificação de áreas destinadas à criação de reservas in-
dígenas dependerá de estudos para a descaracterização da ocupação
tradicional e verificação das condições necessárias à reprodução física
e cultural dos indígenas (FUNAI, 2016, s/p.).

Políticas Públicas paraIndígenas e outros Grupos


96 UNIDADE II

Todas as políticas a favor dos indígenas baseiam-se nas garantias apresentadas


pelo decreto 7.056. Uma das mais importantes, vinculada ao MJ, é a questão do
artigo 4, sobre Demarcação Territorial de áreas indígenas. Esse artigo é um dos
mais polêmicos e complexos, devido a hostilidade entre grileiros, posseiros,
fazendeiros e a comunidade indígena.
O pleito de um cidadão indígena por terra é complexo e demorado, e deve
ser feito com a participação dos órgãos e profissionais competentes, que auxiliem
a comunidade indígena no processo. Daí, vem a importância do conhecimento
do trâmite pelo Assistente Social que, em muitos casos, é o único profissional

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
disponível nos intermédios entre o governo e as comunidades nativas. Além
disso, durante o trâmite, há ainda a necessidade de argumentos antropológicos
e jurídicos convincentes, ou seja, a participação de pesquisadores e advogados
no processo.
A organização e regularização dessa área é feita pela CGID (Coordenação-
Geral de Identificação e Delimitação de Terras Indígenas), e todas as etapas
podem ser observadas no organograma feito por De Paula e Vianna, no material
Mapeando Políticas Públicas para povos Indígenas (2011, p. 46). Outras infor-
mações sobre o tema podem ser encontradas na página da FUNAI, em especial,
nos tópicos sobre “terras indígenas” (informações sobre o processo de regulari-
zação fundiária indígena e o apoio do PPTAL – Projeto Integrado de Proteção
às Populações e Terras Indígenas da Amazônia Legal).

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA OS POVOS INDÍGENAS DO


MINISTÉRIO DA SAÚDE (MS)/ FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE
(FUNASA) /SESAI

Na década de 1990, a responsabilidade pela assistência à saúde indígena era


exclusiva da FUNAI. Contudo, transferiu-se tal responsabilidade ao Ministério
da Saúde (MS), especificamente para a Fundação Nacional de Saúde (Funasa).
Em 1999, o presidente em exercício, Fernando Henrique Cardoso, promulgou
a Lei nº 9.836, que atribui a Atenção à Saúde Indígena como parte estrutural do
Sistema Único de Saúde (SUS). Conheçamos a Lei:

SOCIEDADEERELAÇÕESÉTNICO-RACIAIS:NEGROS,INDÍGENAS,CIGANOS,IMIGRANTESEPOLÍTICASPÚBLICAS
97

LEI Nº 9.836, DE 23 DE SETEMBRO DE 1999

Acrescenta dispositivos à Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, que


“dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da
saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes
e dá outras providências”, instituindo o Subsistema de Atenção à Saúde
Indígena.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacio-


nal decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º A Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, passa a vigorar acres-
cida do seguinte Capítulo V ao Título II – Do Sistema Único de Saúde:
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

CAPÍTULO V Do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena


Art. 19-A As ações e serviços de saúde voltados para o atendimento
das populações indígenas, em todo o território nacional, coletiva ou
individualmente, obedecerão ao disposto nesta Lei.
Art. 19-B É instituído um Subsistema de Atenção à Saúde Indígena,
componente do Sistema Único de Saúde – SUS, criado e definido por
esta Lei, e pela Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990, com o qual
funcionará em perfeita integração.
Art. 19-C Caberá à União, com seus recursos próprios, financiar o
Subsistema de Atenção à Saúde Indígena. mapeando políticas públicas
para povos indígenas 59
Art. 19-D O SUS promoverá a articulação do Subsistema instituído por
esta Lei com os órgãos responsáveis pela Política Indígena do País.
Art. 19-E Os Estados, Municípios, outras instituições governamentais
e não governamentais poderão atuar complementarmente no custeio e
execução das ações.
Art. 19-F Dever-se-á obrigatoriamente levar em consideração a reali-
dade local e as especificidades da cultura dos povos indígenas e o mo-
delo a ser adotado para a atenção à saúde indígena, que se deve pautar
por uma abordagem diferenciada e global, contemplando os aspectos
de assistência à saúde, saneamento básico, nutrição, habitação, meio
ambiente, demarcação de terras, educação sanitária e integração ins-
titucional.
Art. 19-G O Subsistema de Atenção à Saúde Indígena deverá ser, como
o SUS, descentralizado, hierarquizado e regionalizado.
§ 1º O Subsistema de que trata o caput deste artigo terá como base os
Distritos Sanitários Especiais Indígenas.
§ 2º O SUS servirá de retaguarda e referência ao Subsistema de Atenção
à Saúde Indígena, devendo, para isso, ocorrer adaptações na estrutura

Políticas Públicas paraIndígenas e outros Grupos


98 UNIDADE II

e na organização do SUS nas regiões onde residem as populações in-


dígenas, para propiciar essa integração e o atendimento necessário em
todos os níveis, sem discriminações.
§ 3º As populações indígenas devem ter acesso garantido ao SUS, em
âmbito local, regional e de centros especializados, de acordo com suas
necessidades, compreendendo a atenção primária, secundária e terci-
ária à saúde.
Art. 19-H As populações indígenas terão direito a participar dos or-
ganismos colegiados de formulação, acompanhamento e avaliação das
políticas de saúde, tais como o Conselho Nacional de Saúde e os Con-
selhos Estaduais e Municipais de Saúde, quando for o caso. Art. 2º O
Poder Executivo regulamentará esta Lei no prazo de noventa dias. Art.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 23 de setembro de 1999; 178º da Independência e 111º da Repú-
blica. FERNANDO HENRIQUE CARDOSO (BRASIL, 1999, on-line).

Ademais, houve a necessidade da criação do Subsistema de Saúde Indígena,


por levar em conta a complexidade sociocultural das mais de 200 etnias, com
todas suas especificidades regionais. Para tanto, foi criado os DSEI (Distritos
Sanitários Especiais Indígenas), tendo como local várias partes do país. Os cri-
térios de localização dos DSEI levaram em conta basicamente a população local,
área geográfica e perfil epidemiológico, infraestrutura, distribuição demográfica
tradicional dos povos indígenas, entre outros. Hoje, são 34 DSEI, distribuídos
conforme o mapa apresentado:

Figura 9 - Mapa de Distritos


Sanitários Especiais Indígenas
Fonte: adaptado de De Paula e
Viana (2011, p. 62).

SOCIEDADEERELAÇÕESÉTNICO-RACIAIS:NEGROS,INDÍGENAS,CIGANOS,IMIGRANTESEPOLÍTICASPÚBLICAS
99

Contudo, os DSEI e as comunidades indígenas dependem da mediação das uni-


dades atuantes, que variam desde posto nas aldeias, até funcionários do SUS,
passando pela importância do assistente social neste processo.
Para tanto, em 2010, com o decreto Presidencial nº 7.336 (artigos 42, 43, 44
e 45), nasce a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), que traz um grande
ganho do ponto de vista da simplificação e do fortalecimento organizacional das
políticas públicas dos povos indígenas, além de fortalecer as relações organiza-
cionais e políticas entre o Ministério da Saúde, a Funasa e as DSEI.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (MEC)

Atualmente, a Educação Escolar Indígena (EEI), que outrora foi responsabilidade


da FUNAI, é hoje do MEC. O ministério da Educação observa que a EEI deve
ser bilíngue, diferenciada e intercultural (BRASIL, 1999b, p. 5), ou seja, bilín-
gue, respeitando toda a produção linguística das etnias indígenas, diferenciada
por entender as especificidades culturais e pedagógicas desses povos e intercul-
tural, visando harmonicamente trocas culturais – no ensinar e aprender sobre
as respectivas culturas indígenas e não indígena.
A gestão da EEI é feita pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,
Diversidade e Inclusão (Secadi), importante setor do MEC nessas questões. O
papel da SECADI junto ao MEC é garantir uma educação indígena de quali-
dade, baseada em:
1. Formação inicial e continuada de professores indígenas em nível mé-
dio (Magistério Indígena). Esses cursos têm em média a duração de
cinco anos e são compostos, em sua maioria, por etapas intensivas de
ensino presencial (quando os professores indígenas deixam suas aldeias
e, durante um mês, participam de atividades conjuntas em um centro
de formação) e etapas de estudos autônomos, pesquisas e reflexão sobre
a prática pedagógica nas aldeias. O MEC oferece apoio técnico e fi-
nanceiro à realização dos cursos. 2. Formação de Professores Indígenas
em Nível Superior (licenciaturas interculturais). O objetivo principal
é garantir educação escolar de qualidade e ampliar a oferta das quatro
séries finais do ensino fundamental, além de implantar o ensino médio
em terras indígenas. 3. Produção de material didático específico em
línguas indígenas, bilíngues ou em português. Livros, cartazes, vídeos,

Políticas Públicas paraIndígenas e outros Grupos


100 UNIDADE II

CDs, DVDs e outros materiais produzidos pelos professores indígenas


são editados com o apoio financeiro do MEC e distribuídos às escolas
indígenas. 4. Apoio político-pedagógico aos sistemas de ensino para a
ampliação da oferta de educação escolar em terras indígenas. 5. Pro-
moção do Controle Social Indígena. O MEC desenvolve, em articula-
ção com a Funai, cursos de formação para que professores e lideranças
indígenas conheçam seus direitos e exerçam o controle social sobre os
mecanismos de financiamento da educação pública, bem como sobre
a execução das ações e dos programas em apoio à educação escolar
indígena. 6. Apoio financeiro à construção, reforma ou ampliação de
escolas indígenas (DE PAULA, VIANNA, 2011, p. 74).

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
De Paula e Vianna (2011) revelam que a formação de Professores indígenas e a
sua inserção nas universidades são os dois pontos principais das políticas públi-
cas do MEC. A formação de professores indígenas, em nível de licenciatura/
graduação, é realizada a partir do trabalho em conjunto entre a Secretaria de
Educação Superior (SESU) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (CAPES).
A formação de professores indígenas é uma demanda que partiu das pró-
prias comunidades, uma vez que os “principais problemas identificados pelo
movimento indígena e seus apoiadores durante a década de 1980 dizia respeito
ao fato de que o agente principal da educação escolar nas aldeias, o professor,
não era indígena” (DE PAULA ; VIANNA, 2011, p. 75).

Figura 10 - Professores Indígenas


Fonte: NUNES (2013, on-line)9.

SOCIEDADEERELAÇÕESÉTNICO-RACIAIS:NEGROS,INDÍGENAS,CIGANOS,IMIGRANTESEPOLÍTICASPÚBLICAS
101

A questão da identidade e pertencimento é extremamente importante, ou seja,


o lócus do discurso de onde se fala. Ninguém melhor que o indígena para tratar
de assuntos indígenas (COLLET, 2006).
Desse modo, desenvolveu-se políticas para “magistérios indígenas”, que capa-
citam professores indígenas a ocuparem o lugar de professores não índios no
ensino de 1ª a 4ª série em comunidades. Ademais o MEC e SECADI oferecem o
Programa de Apoio à Formação Superior e Licenciaturas Indígenas (PROLIND),
que visa “preparar os professores indígenas para que eles atuem como agentes
interculturais na execução de projetos de futuro de suas comunidades e povos”
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

(De PAULA ; VIANNA, 2011, p. 77).


Em paralelo a isso, o governo federal incentiva as Universidades a adotarem
as chamadas “vagas suplementares” oferecidas em cursos regulares, baseando-
-se em regras próprias e em sua autonomia. Há ainda os chamados “vestibulares
indígenas”, ação acompanhada pela FUNAI. Tudo isso tem como objetivo a pro-
fissionalização docente do indígena, para que ele atue principalmente em sua
comunidade.
A participação de grupos indígenas nas construções político-pedagógicas
das ações do governo fez com que, em 2010, o ministro da Educação, Fernando
Haddad, pela portaria do MEC n º 734, de 7 de junho, criasse a Comissão Nacional
de Educação Escolar Indígena (CNEEI), instituída no âmbito do Ministério
da Educação como órgão colegiado de caráter consultivo, com a atribuição de
assessorar o Ministério da Educação na formulação de políticas para a educação
escolar indígena (como observado no art. 2). Ou seja, a CNEEI tem caráter de
assessorar o MEC nas questões de políticas públicas aos indígenas e tem a par-
ticipação direta de membros das comunidades.
Uma das ações do CNNEI foi a implementação da proposta dos Territórios
Etnoeducacionais Indígenas, uma espécie de gestão do EEI a partir de uma “terri-
torialização” especial. Os territórios etnoeducacionais não estariam subordinados
às “regras” administrativas entre as instâncias do Poder Executivo − Federal,
Estadual e Municipal. Uma comunidade indígena dos Trombetas/Mapueras, que
abrange cidades entre os Estados do PA e AM, por exemplo, não ficariam restri-
tos às verbas e demandas desses estados. Caso isso ocorresse, seria um guerra
de empurra-empurra na questão de responsabilidade, da qual a secretaria de

Políticas Públicas paraIndígenas e outros Grupos


102 UNIDADE II

educação do PA ou AM estaria vinculada. Mas, a partir da nova lógica:


cada território etnoeducacional compreenderá, independentemente
da divisão político-administrativa do país, as terras indígenas, mesmo
que descontínuas, ocupadas por povos indígenas que mantêm relações
Inter societárias caracterizadas por raízes sociais e históricas, relações
políticas e econômicas, filiações linguísticas, valores e práticas culturais
compartilhados (DE PAULA, VIANNA, 2011, p. 82).

POLÍTICAS PÚBLICAS AOS POVOS INDÍGENAS DO

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (MMA) E DO MINISTÉRIO DO
DESENVOLVIMENTO SOCIAL E AGRÁRIO (MDSA)

Aqui veremos alguns projetos de outros ministérios, como o MMA e MDSA. As


primeiras demandas do MMA aconteceram por meio de pressão internacional,
o que acabou gerando os PDPI (Projetos Demonstrativos dos Povos Indígenas),
que visavam mapear e proteger as florestas tropicais brasileiras. O PDPI não existe
mais, porém, a preservação da flora e fauna de reservas indígenas é uma pauta
constante deste Ministério (BRASIL, MMMA, 2017). Além disso, os projeto do
MMA em relação às terras indígenas tem basicamente os seguintes objetivos:
■ Fiscalização contra atividades predatórias.
■ Inclusão dos possíveis impactos sobre elas nos processos de estudo e licen-
ciamento ambiental de grandes obras.
■ Consideração dos direitos territoriais indígenas nos processos de cria-
ção e gestão de áreas especiais, denominadas Unidades de Conservação.
■ Promoção à conservação e ao uso sustentável dos recursos naturais nelas
existentes.

Nos últimos anos, o MMA apoiou a ideia de uma autossustentação indígena,


conceito que pressupõe a possibilidade e a necessidade de se combinar a inicia-
tiva econômica com o cuidado com a gestão ambiental (BLOEMER, NACKE,
2008). A ideia vem acompanhada de dois projetos – ATER e Carteira Indígena.
O ATER (Programa de assistência técnica e extensão rural), subordinado a

SOCIEDADEERELAÇÕESÉTNICO-RACIAIS:NEGROS,INDÍGENAS,CIGANOS,IMIGRANTESEPOLÍTICASPÚBLICAS
103

Secretaria de Agricultura Familiar (SAF), apoia a “assistência técnica e exten-


são rural em áreas indígenas que têm como referência o etnodesenvolvimento
das comunidades, a promoção da segurança alimentar e o incentivo às ativida-
des produtivas em comunidades indígenas” (BRASIL, SAF, 2017).
Já a “Carteira Indígena” é o nome dado para a “Carteira de Projetos Fome
Zero e Desenvolvimento Sustentável em Comunidades Indígenas”, projeto do
governo Federal em parceria entre o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e o
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), por meio da
Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - SESAN. De acordo
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

com o MMA, a “carteira indígena” tem o objetivo de:


contribuir para a gestão ambiental das terras indígenas e a segurança
alimentar e nutricional das comunidades Indígenas, em todo o territó-
rio nacional. A Carteira apóia projetos com foco na produção de ali-
mentos, agroextrativismo, artesanato, gestão ambiental e revitalização
de práticas e saberes tradicionais associados às atividades de auto-sus-
tentação das comunidades indígenas, de acordo com as suas demandas,
respeitando suas identidades culturais, estimulando sua autonomia e
preservando e recuperando o ambiente das terras indígenas (BRASIL,
2017, on-line).

Somado à “Carteira Indígena”, as principais políticas públicas no âmbito do


Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome são: o Bolsa Família
e o CRAS indígena.
Ampliar o alcance do Bolsa Família aos povos indígenas e a inserção de famí-
lias indígenas no “Programa de Atenção Integral à Família (PAIF)”, visto que nos
últimos anos apoia famílias socialmente vulneráveis, mas não especificamente
pelo viés étnico-racial é o grande desafio do MDS. Ademais, para facilitar isso,
o MDS tem atuado nos chamados CRAS indígenas, que atualmente são 545, em
todos os Estados, que atendem povos indígenas, sendo que 19 estão instalados
dentro das comunidades (PORTAL BRASIL, 2015, on-line)10.
O CRAS indígena difere-se dos demais, justamente pela suas especi-
ficidades dentro da realidade das comunidades indígenas. Em relação ao
trabalho desses CRAS e da FUNAI, a coordenadora de Proteção Social Básica
do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Maria
Helena Tavares revela:

Políticas Públicas paraIndígenas e outros Grupos


104 UNIDADE II

O trabalho tem de ser feito de forma acordada e planejada junto ao


órgão. Acreditamos que nenhuma política voltada aos povos indígenas
possa estar apartada do diálogo com a Funai. E com a Política de As-
sistência Social não é diferente. Nós temos cada vez mais tentado apro-
fundar esse diálogo, no sentido de que a assistência possa compreender
o que a Funai já acumulou, o que ela tem de expertise no trato com
povos indígenas (APUD PORTAL BRASIL, 2015, on-line)10.

A coordenadora ainda deixa claro o papel das lideranças indígenas no processo:


A liderança da aldeia tem um papel fundamental para o trabalho do
Cras. A contribuição deles é primordial para o nosso trabalho lá. Mui-

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tas das vezes são eles que se aproximam da gente, procuram a assistente
social ou a psicóloga para solicitar ajuda, algum acompanhamento fa-
miliar (PORTAL BRASIL, 2015, on-line)10.

POLÍTICAS PÚBLICAS AOS POVOS INDÍGENAS NO MINISTÉRIO


DA CULTURA (MINC)

Toda sociedade possui um conjunto de atributos chamados crenças religiosas, arte,


moral e conhecimento, além de capacidade e hábitos, que juntos são chamados
de cultura (LARAIA, 2006). Logo, a cultura é reflexo de sua própria sociedade, e
para tanto, se quisermos preservar uma comunidade, precisamos preservar sua
cultura. Diante disso, fica difícil defender tal lógica quando observamos o tímido
olhar do MINC em relação à cultura indígena.
Tímido ou não, o MINC, atualmente, tem três ações
em andamento para a valorização e preservação
de manifestações culturais dos povos indígenas
brasileiros: o “Prêmio Culturas Indígenas”, os
trabalhos do IPHAN (Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional ) e os editais
dos “Pontos de Cultura Indígenas”.

Figura 10 - O cocar é uma manifestação cultural de


algumas etnias indígenas.

SOCIEDADEERELAÇÕESÉTNICO-RACIAIS:NEGROS,INDÍGENAS,CIGANOS,IMIGRANTESEPOLÍTICASPÚBLICAS
105

O Prêmio Culturas Indígenas visa homenagear as produções culturais apresen-


tadas por próprios integrantes indígenas. Tais produções podem ser de natureza
ritualística, religiosa, culinária, arquitetônica, teatral, musical, gráfica, educacio-
nal, médica, artesanal, registro sonoro ou audiovisual, ou constituição de acervo
artístico. Em 2015, segundo o MINC, o edital do projeto recebeu 319 inscrições,
sendo que 70 foram selecionadas, entre 50 projetos culturais e 20 projetos audio-
visuais produzidos por indígenas de variadas etnias, recebendo prêmios no valor
de R$ 40 mil do Ministério da Cultura (MinC).
Já os “Pontos de cultura Indígenas” agregam projetos de índios e não-ín-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

dios, além de instituições privadas, com o intuito de produzir um “espaço” que


se torne ponto cultural. Todavia, dentro do MINC, é o IPHAN que faz o mais
importante dos trabalhos de preservação cultural de comunidade indígenas. O
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), é uma autarquia
do governo, vinculada ao Ministério da Cultura, responsável pela preservação
do acervo patrimonial tangível e intangível do país, ou seja, é o IPHAN que pre-
serva as manifestações culturais do país.
O patrimônio cultural de um país abarca, atualmente, não só o tombamento
de monumentos arquitetônicos, mas também abrange as produções não palpá-
veis e imateriais, como ideias, ritos e espaço sagrados. O IPHAN, por exemplo,
registrou a Arte Kusiwa – Pintura Corporal e Arte Gráfica do povo Wajãpi
(Amapá), Cachoeira de Iauaretê – Lugar sagrado dos povos indígenas dos rios
Uaupés e Papuri (AM), Ritual Yaokwa do Povo Indígena Enawene Nawe (MT),
Tava, Lugar de Referência para o Povo Guarani (Redução Jesuítico-Guarani de
São Miguel Arcanjo), A Ritxòkò – Expressão Artística e Cosmológica do Povo
Karajá e as Bonecas Karajá, etc.

Até que ponto as especificidades culturais de um povo devem entrar em


choque com as leis vigentes do país? No caso do ECA, se aplicaria integral-
mente às crianças indígenas?

Políticas Públicas paraIndígenas e outros Grupos


106 UNIDADE II

Com o registro, essas manifestações são salvaguardadas de qualquer inter-


venção e, ao mesmo tempo, preservadas em forma de pesquisa, sendo garantidas
em sua totalidade e continuidade.

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA OS POVOS CIGANOS

Historicamente, os povos ciganos foram excluídos e marginalizados em nossa


sociedade. Tidos como indigentes ou ladrões, os ciganos acabaram recebendo

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
estigmas que trouxeram consequências em suas vidas sociais. Tal marginaliza-
ção acaba fazendo com que famílias ciganas encontrem-se em precárias situações
sociais.
No Brasil, há pelos menos três etnias ciganas: Calon, Rom e Sinti. Cada grupo
tem seus costumes próprios, mostrando assim a necessidade de especificidades,
assim como os povos indígenas. Como povo nômade, há aproximadamente entre
500 –800 mil ciganos no Brasil (GUIA, 2013, on-line)11.
Das três etnias, os calon são os mais conhecidos por nós, visto que foram os
primeiros a chegar no Brasil, e é o mais numeroso dos três grupos. O idioma
dos calon, além do português, é o romani, e seu estilo de vida baseia-se em viver
em acampamentos (públicos ou privados), cujo homens trabalham em comércio
informal e adotam um estilo “country” no vestir (chapéus, cintos com grandes
fivelas, botas, etc (RAMANUSH, 2014, on-line)12. Já as mulheres vivem exer-
cendo a “draba”, que é a leitura das mãos, cujo dinheiro auxilia nas despesas do
dia a dia. Na vestimenta, usam cores fortes e muito tecido, lembrando muito as
ciganas banjara, da Índia. De acordo com o IBGE, há mais 13.400 calon no Brasil,
divididos segundo o mapa abaixo:

SOCIEDADEERELAÇÕESÉTNICO-RACIAIS:NEGROS,INDÍGENAS,CIGANOS,IMIGRANTESEPOLÍTICASPÚBLICAS
107
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Figura 11 - Mapa de comunidades ciganas


Fonte: adaptado de Ramanush (2014).

As demandas apresentadas pelos povos ciganos no Brasil são de ordem educacional,


acesso à saúde, segurança, inclusão, renda e registro civil. As ações que visam aten-
der tais demandas são praticamente lideradas pela SEPPIR (Secretaria de Políticas de
Promoção da Igualdade Social), em conjunto com a Secretaria de Direitos Humanos
(SDH), Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), Ministério da Justiça (MJ),
Ministério da Cultura (MinC) e Ministério do Meio Ambiente (MMA).
De acordo com o Guia de Políticas Públicas para Povos Ciganos (2013), há
dois principais Decretos relacionados à promoção dos povos ciganos:
■ Decreto n° 6.040, de 7 de fevereiro de 2007: institui a Política Nacional
de desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades tradicionais.
■ Decreto de 25 de maio de 2006, que institui o Dia Nacional do Cigano, a
ser comemorado no dia 24 de maio de cada ano.
O profissional de Serviço Social, em contato com povos ciganos, deve urgen-
temente auxiliá-los a retirar a Documentação Básica e Registro civil, incluindo
Certidão de Nascimento, RG, CPF e Carteira de Trabalho. Sem a documentação
civil básica, é inviável a participação em outros projetos e ações.

Políticas Públicas paraIndígenas e outros Grupos


108 UNIDADE II

Grande parte das políticas públicas para ciganos são as mesmas oferecidas
para quem tem o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal
(CadÚnico), como Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, Tarifa Social (luz),
Programa Saúde da família, etc. As políticas mais específicas para estas comuni-
dades são relacionados as Escolas Itinerantes, cursos de formação para membros
da DPU, Centros de Referências em Direitos Humanos, Prêmio Cultura Cigana
e Regulamentação Fundiária de acampamentos ciganos.
O MEC visa fomentar políticas públicas aos povos ciganos, em conjunto
com programas como PRONATEC, Bolsa Família e “Agenda Territorial de

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Desenvolvimento Integrado de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos”,
além das escolas itinerantes, que são escolas públicas inicialmente criadas para o
Movimento Sem Terra (MST), que garantem às crianças, jovens e adultos acam-
pados o direito à educação.
Dado a situação de itinerância, tem a sua base oficial e toda parte documen-
tal e pedagógica sustentada por Escolas Base (KNOPF, 2009). A Escola Itinerante,
como política pública, existe em seis estados: Rio Grande do Sul, Paraná, Santa
Catarina, Alagoas, Piauí e Goiás. O objetivo é ter uma escola para toda população
acampada, além de se converter em centro de encontros de toda a comunidade
acampada. Contudo, a ideia do MST também se aplica às comunidades ciganas,
visto que grande parte desta população são andantes.
Fazer com que os membros dos órgãos públicos conheçam a cultura e os hábi-
tos ciganos também é uma política social. Assim, a SEPPIR e Defensoria Pública
da União (DPU) firmaram, desde 2012, estratégias para melhorarem a atuação da
DPU em comunidades indígenas, quilombolas e ciganas, por meio de cursos e pales-
tras de capacitação, apresentando as singularidades culturais destas comunidades.
Aliás, falando em cultura, o MINC, possui o Prêmio Cultura Cigana, um concurso
público que premia iniciativa culturais de comunidades ciganas em todo o país.
Por fim, atualmente, a maior demanda de grupos ciganos é a regulariza-
ção fundiária de alguns acampamentos. O fato é que, mesmo sendo de grupos
itinerantes, alguns acampamentos são fixos, justamente para agregar grupos
temporários. As políticas Públicas de regulamentação fundiária são feitas pela
Secretaria do Patrimônio da União (SPU), e inicia-se com um dossiê feito por
qualquer interessado.

SOCIEDADEERELAÇÕESÉTNICO-RACIAIS:NEGROS,INDÍGENAS,CIGANOS,IMIGRANTESEPOLÍTICASPÚBLICAS
109
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Figura 12 - Ciganos em audiência pública na Câmara de BH.


Fonte: Luiz do Mosaico (2013, on-line)13.

Além disso, há a urgência de implementação dos chamados Centros de Referência


em Direitos Humanos, que são espaços físicos de convivência entre pessoas, onde
são implementadas ações que visam à defesa e promoção dos Direitos Humanos.
Os Centros são importantes em áreas de conflito étnico-racial, como espaços
quilombolas, indígenas e ciganos. Para a implantação, o projeto deve ser feito
com a participação de membros da comunidade e profissionais sociais, e entre-
gue aos órgãos competentes no âmbito Municipal e Estadual.

A QUESTÃO DOS IMIGRANTES

No Governo Vargas, a partir de 1930, o país se fechou à imigração, mas, de lá


para cá, mesmo com inúmeros problemas, o país se tornou receptivo ao imi-
grante, mas não necessariamente inclusivo.

A Questão dos Imigrantes


110 UNIDADE II

De acordo com dados da Polícia Federal e da Revista Exame (ARANTES,


2015, on-line)14, o Brasil tem atualmente quase um milhão e oitocentos e cin-
quenta mil imigrantes. Este número engloba algumas classificações usadas pelo
governo, como 51 asilados, 4.850 refugiados, 11.230 fronteiriços, 45.400 pro-
visórios, mais de 595 mil temporários e mais de 1 milhão cento e noventa mil
imigrantes permanentes.
Em relação aos termos, usados nas políticas de acolhimento humanitário, faz-se
necessário uma explicação: o termo imigrante é dado a toda pessoa que se movi-
menta de um país para outro, de forma temporária ou permanente, com intenções

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
de residir ou trabalhar. Porém, atualmente, soma-se ao conceito o fato dos refugia-
dos, isto é, pessoas que se deslocam de países em razão de catástrofe natural e guerra.

O imigrante permanente é aquele que tem intenção de permanecer no país, o


temporário não. Já os provisórios esperam uma concessão governamental.
Os imigrantes fronteiriços são as pessoas e grupos que se deslocam em zonas
de fronteiras entre países vizinhos. No Brasil, isso acontece em regiões de fron-
teira, principalmente com o Paraguai (ALBUQUERQUE, 2008).

SOCIEDADEERELAÇÕESÉTNICO-RACIAIS:NEGROS,INDÍGENAS,CIGANOS,IMIGRANTESEPOLÍTICASPÚBLICAS
111

O asilado é aquele que, diferente do refugiado, não depende de trâmites técni-


cos governamentais, mas sim pela simples concessão do presidente da República,
sem embasamento de ordem estritamente legal, ou seja, o asilo é um ato político.
Os imigrantes compõem, no Brasil, somente 0,9% da população, mas esse
número está em constante crescimento. Os principais imigrantes no Brasil são
os bolivianos, haitianos (refugiados pelas catástrofes) e africanos (angolanos,
nigerianos, senegaleses, ganenses) e agora, sírios, refugiados de guerra. Arantes
(2015, s/p.) aponta para alguns fatores que contribuem com a chegada destes
povos no Brasil:
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

o declínio da taxa de crescimento populacional brasileira (que, em con-


junturas de expansão econômica, favorece a recepção de trabalhadores
estrangeiros); as dificuldades econômicas e crescentes restrições à en-
trada de estrangeiros nos países desenvolvidos (que está reconfiguran-
do o fluxo migratório em escala mundial, deslocando o eixo da direção
Sul-Norte para a direção Sul-Sul); e a crescente presença de empresas
brasileiras em outros países (que, no imaginário das populações locais,
apresenta o Brasil como um horizonte de possibilidades).

Infelizmente, não são esses fatores que protagonizam os relatos de vários dos imi-
grantes no país. A guerra, fome, crise política, desastre ambiental e perseguição
religiosa configuram os motivos desta diáspora forçada. O caso é tão sério que
em 2016, ano que o candidato à presidência dos Estados Unidos Donald Trump
criou um discurso de ódio e hostilidade contra imigrantes, o Conselho Federal
de Serviço Social no Brasil foi na contramão, e teve como tema/foco do ano as
relações fronteiriças e fluxos migratórios internacionais, e tem acompanhado o
Projeto de Lei nº 2.516/2015, do Senado Federal, que institui uma nova “Lei de
Migração” e altera o atual Estatuto do Estrangeiro.
O Serviço Social tem participado da temática, principalmente, para com
o auxílio de grupos imigrantes que sofrem com a xenofobia, o preconceito e
racismo. O CFESS acompanha a PL 2516, visto que o tema evidencia as con-
tradições da violação de direitos sociais de toda ordem. Ademais, os imigrantes
buscam nas esferas locais (Município e Estado) direitos e oportunidades, e veem
no assistente social um parceiro.
De acordo com o site da Câmara (Relações Exteriores), o projeto 2516 tem
como foco:

A Questão dos Imigrantes


112 UNIDADE II

a acolhida humanitária, com previsão de regularização de documentos,


garantia do direito à vinda da família, inclusão social e laboral e acesso a
serviços públicos de saúde, de assistência e previdência social, entre outros
direitos. Ao imigrante é permitido exercer cargo, emprego e função públi-
ca, com exceção daqueles reservados para brasileiro nato. A proposta tam-
bém inclui expressamente o repúdio à xenofobia, ao racismo e a qualquer
outra forma de discriminação, seja por religião, nacionalidade, pertinência
a grupo social ou opinião política (CAMARA, 2016, on-line)15.

Essa preocupação à hostilidade sofrida pelos imigrantes se dá pelas constantes


notícias de violência contra esses grupos, que advém não apenas da sociedade
civil, mas também da mídia (FREITAS; BAENINGER, 2014). O pesquisador

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Gustavo Barreto de Campos, em sua tese Dois Séculos de Imigração no Brasil:
A Construção da Identidade e do Papel dos Estrangeiros pela Imprensa entre
1808 e 2015 (2015), analisou a receptividade brasileira em relação ao imigrante
nos jornais brasileiros desde o século XIX, e pasmem, o preconceito, o estigma
e a xenofobia permanecem.
Nos últimos anos são os sul-americanos como os bolivianos, empregados em
pequenas indústrias de roupas no sudeste, que são explorados e submetidos a tra-
balhos análogos à escravidão (AFP, 2013), Além dos colombianos, que cruzam as
fronteiras fugindo dos conflitos armados de seu país natal e os venezuelanos, que
fogem da crise política e econômica e sofrem pela estigmatização. Primeiro, pela
relação étnica, visto que são povos de traços nitidamente indígenas, o que mostra
a aversão da sociedade brasileira a esses povos. Contudo, são os imigrantes negros
que mais sofrem no Brasil. Haitianos e africanos, como senegaleses e guineen-
ses sofrem duplamente – um pelo caráter imigratório e outro por serem negros.
Campos (2015) cita três casos recentes. Um em Porto Alegre, onde haitia-
nos foram humilhados e hostilizados num posto de gasolina, por um gerente
de vendas chamado Daniel Barbosa. Em sua fala, Barbosa ironiza o fato do hai-
tiano estar empregado no Brasil, e revela que a chegada de “estrangeiros no país
é parte de um plano do governo Federal, em conjunto com outros países lati-
no-americanos, para transformar o continente em uma nação governada sob o
regime comunista” (sic) (TRUDA, 2015, on-line)16.
O segundo caso foi em São Paulo, um ataque xenófobo contra quatro hai-
tianos, baleados com chumbinho na escadaria da Igreja Nossa Senhora da Paz,
no Glicério (FARIAS, 2015, on-line)17. E o terceiro caso, no Paraná, é dos boatos

SOCIEDADEERELAÇÕESÉTNICO-RACIAIS:NEGROS,INDÍGENAS,CIGANOS,IMIGRANTESEPOLÍTICASPÚBLICAS
113

envolvendo imigrantes da Guiné, identificados como suspeitos de estarem con-


taminados pelo vírus ebola.
As violências xenofóbicas estampam os jornais. “Imigrantes haitianos e afri-
canos são explorados em carvoarias e frigoríficos” diz O GLOBO (SANCHES,
2014, on-line)18. Na reportagem de Mariana Sanches, é claro o tratamento de
semiescravidão dado aos imigrantes. Além do mais a “Folha de SP”, de dezembro
de 2016, noticiou: “Fiscais flagram haitianos em trabalho precário no Hospital
das Clínicas de SP” (KNAPP, 2016, on-line)19, expondo a mesma situação.
Na Gazeta do Povo (ANIBAL, 2014, on-line)20, a manchete intitulada “Suspeita
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de ebola acirra preconceito contra haitianos” mostra como a generalização moti-


vada pelo racismo e preconceitos atinge os imigrantes do Haiti, confundidos com
africanos, após alerta de suspeita de ebola com guineenses.
Já a VEJA SP (FARIAS, 2015, on-line)17 abordou a notícia “Haitianos bale-
ados no centro relatam sentir medo de sair de casa”, que uma série de disparos
deixou quatro haitianos com balas de chumbo alojadas no corpo, intrigando a
polícia e espalhando o temor entre imigrantes. Enfim, manchetes que denotam
o preconceito e a necessidade de políticas públicas para os imigrantes.
Os esforços do governo, das organizações de defesa dos imigrantes, profissionais
sociais e demais membros da sociedade civil é para se recriar uma imagem positiva
dos imigrantes, como colaboradores culturais de nossa sociedade. Estamos focando
aqui sobre as imigrações do século XXI, pois se elencarmos o quanto os imigrantes
italianos, espanhóis, árabes, portugueses, judeus, japoneses e africanos ajudaram
na construção sociocultural do Brasil, precisaríamos de uma unidade só para isso.
O governo brasileiro entende que o “aumento do número de estrangeiros
reflete o crescimento econômico e a consolidação do País no mercado inter-
nacional” (FREITAS; BAENINGER, 2014, s/p.), é citado o repertório cultural
trazido pelos estrangeiros, além do conhecimento técnico profissional, como o
caso de trabalhadores senegaleses que estão sendo contratados por empresas
exportadoras de carne do Rio Grande do Sul por dominarem o procedimento
halal (modo de criação, sacrifício e consumo da carne, pelos preceitos islâmicos,
contidos no alcorão), prescrito pela religião islâmica. Esses fenômenos ajudam
e muito o Brasil em seu nicho econômico, como exportador de carne para paí-
ses muçulmanos, tanto da África como do Oriente.

A Questão dos Imigrantes


114 UNIDADE II

Imigrantes em trabalhos formais aumentariam as contribuições e fariam a


economia girar. Quando estabilizados, pagam impostos, geram renda e com-
pram. Para tal, precisam de estímulo e auxílio, daí a importância de políticas
sociais específicas para estes grupos.
No Brasil, em especial no Estado de São Paulo, entre a década de 1980, e o
fim da década de 2010, quatro movimentos se fortaleceram em relação aos imi-
grantes: direito à saúde, educação, participação política e ao trabalho.
Tais ações se deram pela participação de órgãos estaduais e municipais, como
a Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo, na gestão

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
de Mário Covas, Programa Saúde da Família (PSF), com inclusão de populações
vulneráveis, através da Prefeitura de São Paulo, na gestão de Marta Suplicy, da
Igreja Católica, através da pastoral do Migrante, e de Dom Paulo Evaristo Arns,
então cardeal-arcebispo de São Paulo. No âmbito federal, o visto humanitário e
o Estatuto dos Refugiados auxiliaram, principalmente, os imigrantes haitianos
e os do Oriente Médio e da África.
Percebe-se que muitas discussões ainda devem ser feitas sobre o tema. Há
a necessidade da participação do governo, de pesquisadores e profissionais das
mais diversas áreas, para que o preconceito e hostilidade contra os imigrantes se
finde, e os direitos mínimos possam ser desfrutados por eles em nossa sociedade.

SOCIEDADEERELAÇÕESÉTNICO-RACIAIS:NEGROS,INDÍGENAS,CIGANOS,IMIGRANTESEPOLÍTICASPÚBLICAS
115

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta unidade, estudamos e refletimos sobre as relações étnico-raciais, sociedade


e políticas públicas. Iniciamos nossa reflexão e estudo conhecendo o conceito
de raça e sua relação com o termo etnia, sendo que o primeiro está intimamente
ligado apenas às questões biológicas, como a cor da pele, e a segunda, mais ampla,
ligada à uma identidade sociocultural.
Os estudos sobre raça acabaram despertando o nascimento de pseudociên-
cias do século XVIII e XIX, que hierarquizam as “raças” e julgavam as pessoas
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

pelos seus biótipos. Tal pensamento aportou no Brasil no fim do século XIX,
fomentando a escravidão e o racismo. Com isso, estudamos em nosso material
que o passado escravista e o racismo imputado aos negros e alguns povos tirou-
-lhes direitos, marginalizando-os. Assim, verificamos que surgiu a necessidade
política de atribuir direitos iguais a estes grupos, com políticas de equiparação,
chamadas de ações afirmativas.
Tais ações visam equiparar direitos aos povos marginalizados pelo precon-
ceito, como índios, ciganos e principalmente, negros. Há várias Políticas Públicas
para afrodescendentes, mas nosso foco, em especial, foram as mais importan-
tes: o sistema de cotas, para ingresso às universidades e a Lei 11.645 (10.639),
que obriga o ensino de História e Cultura afro-brasileira e indígena nas escolas.
Seguindo este raciocínio, nosso material elencou algumas políticas públi-
cas para os povos indígenas e ciganos, que assim como as ações afirmativas aos
negros, visam inserir tais povos na sociedade, garantindo-lhes direitos.
E por fim, estudamos a questão dos imigrantes, discutindo os motivos, as
necessidades e a realidade desses indivíduos que lutam para se adaptar em nossa
sociedade. Percebemos que o Serviço Social tem participado da temática, princi-
palmente, para com o auxílio de grupos imigrantes que sofrem com a xenofobia,
preconceito e racismo, buscando em nosso país o mesmo objetivo da profissão
de vocês: a justiça social.

Considerações Finais
116

1. Estudamos nesta unidade sobre o Racismo. Vimos que a ideia sobre esse termo
pode ser entendida de forma geral como:
a. Crença na superioridade apenas cultural de uma raça sobre outras.
b. Crença na superioridade apenas biológica de uma raça sobre outras.
c. Crença na superioridade total de uma raça sobre outras.
d. Crença na inferioridade de uma raça sobre outras.
e. Crença na igualdade de uma raça e outras.

2. As peculiaridades dos povos indígenas devem ser levadas em conta quando o


assunto é política pública. As comunidade indígenas não são divididas pela ge-
ografia territorial, podendo estar em duas, ou até em três cidades diferentes ao
mesmo tempo (zonas fronteiriças). Assim, uma escola indígena poderia enfren-
tar problemas no acesso ao fomento da secretaria de educação - a qual cidade
exigir o dinheiro? Desta forma, o MEC criou um alternativa político-social para
isso, chamada:
a. Magistério indígena
b. Lei 11645
c. Territórios Etnoeducacionais Indígenas
d. Distrito Sanitário Especial Indígena
e. Centralização de Comunidade

3. Sobre a Lei 11.645, antiga 10.639, leia as assertivas e assinale a alternativa


correta:
I. A Lei obriga o ensino de cultura e história afro-brasileira, mas deixa optativo o
ensino de cultura e história indígena.
II. A Lei obriga o ensino de cultura e história indígena, somente no Ensino Pú-
blico
III. As disciplinas escolares que devem agregar o conteúdo da Lei 11.645 são as:
Artes, História e Literatura.
IV. A Lei 11.645 insere a História e Cultura indígena na antiga Lei 10.639, que se
focava apenas na História e Cultura afro-brasileira. Todavia, não altera o Art.
79-B, que inclui no calendário escolar o dia 20 de novembro como ‘‘Dia Nacio-
nal da Consciência Negra”.
117

Assinale a alternativa correta:


a. Apenas I e II estão corretas.
b. Apenas II e III estão corretas.
c. Apenas I está correta.
d. Apenas II, III e IV estão corretas.
e. Apenas III e IV estão corretas.

4. Sobre as demandas dos povos ciganos, assinale a alternativa que não é um ele-
mento emergencial a este grupo, no que tange às políticas públicas:
a. Renda
b. Acesso a Saúde e Educação
c. Liberdade Religiosa
d. Segurança
e. Registro civil

5. Independente de sua opinião favorável ou não em relação a imigração, qual


seria o papel do assistente social para minimizar os conflitos em relação aos
estrangeiros?
118

OS 10 MITOS SOBRE AS COTAS

1. as cotas ferem o princípio da igual- cisam ser assumidos enfaticamente de


dade, tal como definido no artigo 5º forma simultânea.
da Constituição, pelo qual “todos são
iguais perante a lei sem distinção de 4. as cotas baixam o nível acadêmico das
qualquer natureza”. São, portanto, nossas universidades.
inconstitucionais. Diversos estudos mostram que, nas
Na visão, entre outros juristas, dos minis- universidades onde as cotas foram
tros do STF, Marco Aurélio de Mello, implementadas, não houve perda da
Antonio Bandeira de Mello e Joaquim Bar- qualidade do ensino. Uneb, Unb, UFBA
bosa Gomes, o princípio constitucional da e UERJ demonstraram que o desem-
igualdade, contido no art. 5º, refere-se a penho acadêmico entre cotistas e não
igualdade formal de todos os cidadãos cotistas é o mesmo, não havendo dife-
perante a lei. A igualdade de fato é tão renças consideráveis.
somente um alvo a ser atingido, devendo
ser promovida, garantindo a igualdade 5. a sociedade brasileira é contra as cotas.
de oportunidades como manda o art. 3º Diversas pesquisas de opinião mostram
da mesma Constituição Federal. As polí- que houve um progressivo e contun-
ticas públicas de afirmação de direitos dente reconhecimento da importância
são, portanto, constitucionais e absolu- das cotas na sociedade brasileira. Mais
tamente necessárias. da metade dos reitores e reitoras das uni-
versidades federais, segundo ANDIFES,
2. as cotas subvertem o princípio do já é favorável às cotas. Além do apoio
mérito acadêmico, único requisito que da comunidade acadêmica às cotas,
deve ser contemplado para o acesso inclusive entre os professores dos cur-
à universidade. sos denominados “mais competitivos”
Vivemos numa das sociedades mais (medicina, direito, engenharia etc).
injustas do planeta, onde o “mérito aca-
dêmico” é apresentado como o resultado 6. as cotas não podem incluir critérios
de avaliações objetivas e não contamina- raciais ou étnicos devido ao alto grau
das pela profunda desigualdade social de miscigenação da sociedade bra-
existente. São as oportunidades sociais sileira, que impossibilita distinguir
que ampliam e multiplicam as oportu- quem é negro ou branco no país.
nidades educacionais. Somos, sem dúvida nenhuma, uma
sociedade mestiça, mas o valor dessa
3. as cotas constituem uma medida inó- mestiçagem é meramente retórico no
cua, porque o verdadeiro problema Brasil. Na cotidianidade, as pessoas são
é a péssima qualidade do ensino discriminadas pela sua cor, sua etnia,
público no país. sua origem, seu sotaque, seu sexo e
Ambos os desafios são urgentes e pre- sua opção sexual. Quando se trata de
119

fazer uma política pública de afirmação medida anti-racista.


de direitos, nossa cor magicamente se
desmancha. Mas, quando pretendemos 9. as cotas são inúteis porque o problema
obter um emprego, uma vaga na uni- não é o acesso, senão a permanência.
versidade ou, simplesmente, não ser Cotas e estratégias efetivas de perma-
constrangidos por arbitrariedades de nência fazem parte de uma mesma
todo tipo, nossa cor torna-se um fator política pública. Não se trata de fazer
crucial para a vantagem de alguns e des- uma ou outra, senão ambas. As cotas não
vantagens de outros. A população negra solucionam todos os problemas da uni-
é discriminada porque grande parte versidade, são apenas uma ferramenta
dela é pobre, mas também pela cor da eficaz na democratização das oportuni-
sua pele. No Brasil, quase a metade da dades de acesso ao ensino superior para
população é negra. E grande parte dela um amplo setor da sociedade excluído
é pobre, discriminada e excluída. Isto historicamente do mesmo.
não é uma mera coincidência.
10. as cotas são prejudiciais para os pró-
7. as cotas vão favorecer aos negros e prios negros, já que os estigmatizam
discriminar ainda mais aos brancos como sendo incompetentes e não
pobres. merecedores do lugar que ocupam
Esta é, quiçá, uma das mais perversas nas universidades.
falácias contra as cotas. O projeto atu- Argumentações deste tipo não são fre-
almente tramitando na Câmara dos qüentes entre a população negra e, menos
Deputados, PL 73/99, já aprovado na ainda, entre os alunos e alunas cotistas. As
Comissão de Constituição e Justiça, cotas são consideradas por eles, como uma
favorece os alunos e alunas oriundos vitória democrática, não como uma derrota
das escolas públicas, colocando como na sua auto-estima, ser cotista é hoje um
requisito uma representatividade racial e orgulho para estes alunos e alunas. Porque,
étnica equivalente à existente na região nessa condição, há um passado de lutas, de
onde está situada cada universidade. sofrimento, de derrotas e, também, de con-
Trata-se de uma criativa proposta onde quistas. Há um compromisso assumido. Há
se combinam os critérios sociais, raciais um direito realizado. Hoje, como no pas-
e étnicos. sado, os grupos excluídos e discriminados
se sentem mais e não menos reconheci-
8. as cotas vão fazer da nossa, uma socie- dos socialmente quando seus direitos são
dade racista. afirmados, quando a lei cria condições efe-
O racismo no Brasil está imbricado nas tivas para lutar contra as diversas formas
instituições públicas e privadas. E age de segregação. A multiplicação, nas nossas
de forma silenciosa. As cotas não criam universidades, de alunos e alunas pobres,
o racismo. Ele já existe. As cotas ajudam de jovens negros e negras, de filhos e filhas
a colocar em debate sua perversa pre- das mais diversas comunidades indígenas
sença, funcionando como uma efetiva é um orgulho para todos eles.

Fonte: UFMG ([2017], on-line)21.


MATERIAL COMPLEMENTAR

Casa grande e senzala


Gilberto Freyre (2006)
Editora: Global Editora
Sinopse: por meio de sua obra, Gilberto Freyre procurou retratar o
pensamento brasileiro através das questões raciais. Esta edição traz a
apresentação escrita pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso,
além da revisão das notas bibliográficas e dos índices onomástico e
remissivo.

ROM - UMA ODISSÉIA CIGANA


Sérgio Paulo Adolfo (1999)
Editora: EDUEL
Sinopse: esse trabalho é resultado de dois anos de pesquisa e
convivência com os ciganos do grupo Horarranê, pertencente à
grande nação cigana denominada ROM. Os ciganos têm sua origem
relativamente rastreada pelos linguistas como sendo na Índia do século
XI, de onde teriam saído convidados pelo monarca do Iran.

ÍNDIOS NO BRASIL: HISTÓRIA, DIREITOS E CIDADANIA


Manuela Carneiro da Cunha (2012)
Editora: Claro Enigma
Sinopse: ‘’História dos Índios no Brasil´ é resultado dos trabalhos do
Núcleo de História Indígena da USP e foi organizado por Manuela
Carneiro da Cunha. A obra reúne 27 colaboradores, entre especialistas
brasileiros e do exterior, que atuam em diferentes áreas de pesquisa,
como antropologia, história, arqueologia e linguística. A coletânea
oferece ao grande público a oportunidade de ter acesso às principais
questões ligadas à presença dos povos indígenas no Brasil, como, por exemplo, as novas teorias
sobre a origem do homem americano. História dos Índios no Brasil dá grande importância à
iconografia, trazendo documentos pouco conhecidos e inéditos, além de mapas ilustrativos e
vinhetas alusivas à cultura material dos povos indígenas destacados nos estudos.
MATERIAL COMPLEMENTAR

Racismo, Igualdade Racial e Políticas


de Ações Afirmativas no Brasil
Sarita Amaro (2015)
Editora: EDIPUCRS
Sinopse: nunca se falou tanto em racismo em nosso país. O racismo
está cada vez mais na mídia e tem sido agenda estratégica nos
programas governamentais, do nível federal ao municipal. As reflexões
e debates gravitam sobre um tema, em especial: as políticas de ações
afirmativas. Criadas para corrigir e reparar situações que integram um
processo histórico de exclusões, por racismo, contra os afrodescendentes no Brasil, as políticas
de ações afirmativas são dispositivos estratégicos de inclusão social, fundados no princípio
da discriminação positiva. Não se tratam de medidas assistenciais, emergenciais ou pontuais,
marcadas pela provisoriedade ou benevolência. São, de fato, políticas articuladas, planejadas
e estratégicas, requisitando, por conta disso, de previsão orçamentária, de recursos humanos
qualificados e de avaliação sistemática...

A Negação do Brasil
Joel Zito Araújo (2000)
O documentário é uma viagem na história da telenovela no Brasil e
particularmente uma análise do papel nelas atribuído aos atores negros,
que sempre representam personagens mais estereotipados e negativos.
Baseado em suas memórias e em fortes evidências de pesquisas, o diretor
aponta as influências das telenovelas nos processos de identidade étnica
dos afro-brasileiros e faz um manifesto pela incorporação positiva do negro nas imagens televisivas
do país.

Os indígenas no Ensino Superior


Em alguns locais, há leis mais pontuais em relação às políticas públicas de povos minoritários,
como os indígenas, por exemplo. O Estado do Mato Grosso do Sul tem uma Lei específica para
acesso aos indígenas no Ensino Superior. Para ter mais informações sobre estas políticas na
UEMS, acesse:
<http://www.uems.br/especiais/indigenas-na-universidade-100616083252/#pg-13>. Acesso em:
19 abr. 2017.

Material Complementar
MATERIAL COMPLEMENTAR

Mapeando políticas Públicas para povos indígenas


Grande parte da nossa pesquisa em relação aos povos indígenas é extraída do material dos
pesquisadores Luis roberto de Paula e Fernando de Luiz Brito Vianna, nomeado “Mapeando
políticas Públicas para povos indígenas”, cujo disponibilidade é gratuita no link disponibilizado no
final do material. <http://laced.etc.br/site/arquivos/mapeando.pdf>. Acesso em: 19 abr. 2017.

FUNAI
A Fundação Nacional do Índio – FUNAI é o órgão indigenista oficial do Estado brasileiro. Criada
por meio da Lei nº 5.371, de 5 de dezembro de 1967, vinculada ao Ministério da Justiça, é a
coordenadora e principal executora da política indigenista do Governo Federal. Sua missão
institucional é proteger e promover os direitos dos povos indígenas no Brasil. Em seu site há muito
material e informação sobre o tema. Acesse em <www.funai.gov.br>. Acesso em: 19 abr. 2017.
123
REFERÊNCIAS

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BRASIL, LEI Nº 9.836, DE 23 DE SETEMBRO DE 1999. Acrescenta dispositivos à Lei
no 8.080, de 19 de setembro de 1990, que “dispõe sobre as condições para a pro-
moção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos
serviços correspondentes e dá outras providências”, instituindo o Subsistema de
Atenção à Saúde Indígena.Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
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-PELO-PLENARIO.html>. Acesso em: 27 abr. 2017.
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Em: <http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2015/06/homem-aborda-
-frentista-haitiano-cita-desemprego-no-pais-e-ironiza-sorte.html>. Acesso em: 27
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Em: <http://vejasp.abril.com.br/cidades/haitianos-baleados-centro/>. Acesso em:
27 abr. 2017.
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Em: <http://midiacidada.org/img/oglobo-2014-ago-17.png>. Acesso em: 27 abr.
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Em: <https://www.sinait.org.br/arquivos/noticias/Noticia_13707_17344.jpg>.
Acesso em 23 jan. 2017.
20
Em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/suspeita-de-ebola-a-
cirra-preconceito-contra-haitianos-eeu8mc3u2uv4pwv71dcggdjda>. Acesso em:
23 jan. 2017.
21
Em:<https://www.ufmg.br/inclusaosocial/?p=53>. Acesso em: 19 abr. 2017.
GABARITO

1. C
2. C
3. E
4. C
5. Você deve pensar em seu papel como “minimizador” de conflito entre a socie-
dade e os imigrantes. Assim, deveria elencar algumas estratégias, que levem em
conta a teoria e prática do Serviço Social.
Professor Dr. Silvio Ruiz Paradiso

QUESTÕES SOBRE GÊNERO

III
UNIDADE
E SEXUALIDADE

Objetivos de Aprendizagem
■ Refletir a concepção das categorias gênero e sexualidade, bem como
suas implicações para o Serviço Social.
■ Problematizar os tipos de violências contra mulheres e LGBTs, como
expressões da questão social.
■ Relacionar o processo de redesignação sexual com o Serviço Social.
■ Analisar as concepções e os estigmas que encobrem a reflexão acerca
da ideologia de gênero.
■ Compreender os processos de adoção homoparental e o papel do
Assistente Social neste espaço.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ Gênero e ideologia no tempo presente
■ Violência de gênero, sexual e políticas públicas
■ Comunidade LGBT, homofobia, transfobia
■ Adoção homoparental
■ Sobre a adoção homoparental no cenário brasileiro
129

INTRODUÇÃO

Caro(a) aluno(a), esta unidade discute a constituição da questão de gênero, como


essa questão se relaciona e/ou se torna uma expressão da questão social, o que
se vêm discutindo sobre a diversidade sexual e quais são os avanços e possibili-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

dades das políticas públicas para a igualdade de gênero.


A importância de estudar o gênero se constitui na medida em que se busca
desmistificar/desconstruir preceitos, buscar legislações e políticas públicas que
atendam as demandas sociais em uma perspectiva de igualdade de gênero, bus-
cando uma sociedade sem preconceitos.
Portanto é importante, enquanto graduando(a) em Serviço social, compre-
ender a questão de gênero na contemporaneidade, como ela se manifesta como
uma expressão da questão social e quais são as políticas públicas direcionadas
a ela, visando romper com visões de senso comum conservadoras, proporcio-
nando aos estudantes e futuros(as) Assistentes Sociais uma visão crítica e reflexiva
acerca do tema para o cotidiano profissional, alinhando a reflexão e a compre-
ensão acerca da questão de gênero ao nosso Projeto Ético-Político Profissional.
Assim, a relevância dessa unidade é estudar como as diferenças biológicas
são usadas como argumentos para construir uma imagem do que é ser homem
e ser mulher, partindo de uma visão binária, que desconsidera e criminaliza
as demais expressões de gênero, enaltecendo visões conservadoras com o con-
comitante desrespeito e violação dos direitos humanos. Essa Unidade também
provoca vocês, alunas e alunos, a compreender a apropriação do sistema capita-
lista face essa questão, para excluir/discriminar as pessoas que fogem do padrão
heteronormativo e/ou por serem mulheres.
Por isso, percorremos por meio da pesquisa, de modo a mostrar a importân-
cia de se buscar uma igualdade de gênero, para se construir uma sociedade mais
justa, humanitária e que de fato tenha liberdade. Abordar-se-á gênero e ideolo-
gia, expondo em seguida seus conceitos.

Introdução
130 UNIDADE III

GÊNERO E IDEOLOGIA NO TEMPO PRESENTE

Quando falamos em questões de gênero, logo pensamos em sua definição.


Denotativamente, o significado da palavra Gênero, segundo o Dicionário Online
de Português ([2017], on-line)1 é:
Grupo da classificação dos seres vivos que reúne espécies vizinhas,
aparentadas, afins, por apresentarem entre si semelhanças constantes:
o lobo é uma espécie do gênero “canis”; todas as espécies de roseiras são
agrupadas no gênero “rosa”.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Maneira de ser ou de fazer: é esse o seu gênero de vestir-se.
Gênero literário, variedade da obra literária, segundo o assunto e a
maneira de tratá-lo, o estilo, a estrutura e as características formais da
composição: gênero lírico, gênero épico, gênero dramático.
Gênero humano, a espécie humana.
Gênero de vida, modo de viver, de proceder.
Segundo Joan Scott (1995), gênero é um elemento constitutivo das relações sociais
fundadas sobre diferenças percebidas entre os sexos, que fornece um meio de
decodificar o significado e de compreender as complexas conexões entre as várias
formas de interação humana.
Ou seja, discutir questões de gênero, na atualidade, é pensar nas diversas deter-
minações atuais que representam grupos que possuem características que os unem
e os identificam em relação ao sexo, identidade de gênero e orientação sexual.
Primeiramente, pertencemos ao gênero humano, e depois nos identificamos
e nos reconhecemos no gênero - como a forma de ser em sociedade (modo de
ser e de proceder). Por isso, na contemporaneidade, já não responde a realidade
falar em homem e mulher, devemos considerar e validar os gêneros: Lésbicas,
Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros e Intersexuais – LGBTI.
Quem ou o que define o que somos?
Todavia, por mais que entendamos que falar em gênero masculino e feminino
não corresponda à realidade, ainda estes são os modelos aceitos e propaga-
dos como certo e válido pela moral dominante.
Essa questão de gênero nos remete à questão ética que vivenciamos na
contemporaneidade. Para Santos e Oliveira (2010, p. 12), “[...] trata-se de
identificar como os valores objetiva e subjetivamente construídos são intro-
jetados, vivenciados e reproduzidos na vida cotidiana.”

QUESTÕES SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE


131
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Reproduzir o estereótipo de gênero (homem e mulher) está condicionado a uma


questão de valores, exaltados pela moral burguesa e conservadora (que impera na
sociedade), em que se faz uma distinção entre o certo e errado. E é certo ser hete-
rossexual, rico, magro, branco e católico, e errado tudo o que se opõe a estes ideais
do modelo burguês, e isso determina a (não) aceitação em sociedade, pois de acordo
com Cortella (2011), rotulamos e valorizamos as pessoas por estas características.
Essas questões são fruto da contemporaneidade, caracterizadas por um
modelo econômico capitalista e neoliberal que individualiza o ser humano, exalta
o TER, anula as qualidades e capacidades reflexivas desse ser e o leva a alienação
permanente. Além disto, a era da informação que vivenciamos, em que os avan-
ços tecnológicos trouxeram benefícios à vida humana, também contribuiu para a
individualização e disseminação da ideologia dominante e domínio econômico.
O capitalismo global apossou-se por completo dos destinos da tecno-
logia, libertando-a de amarras metafísicas e orientando-a única e ex-
clusivamente para a criação de valor econômico, (DUPAS, 2011, p.11),
“[...] e o contato entre as pessoas passa a ser mediado pela eletrônica.
O mundo social se desmaterializa-se, transforma-se em signo e simu-
lacro” (DUPAS, 2011, p. 13).

Porém, começamos a entender que tal domínio precisa ser contestado, obser-
vando que não nos identificamos com os padrões historicamente estabelecidos,
o que leva à compreensão de que família e gênero são construções sociais, em
que as pessoas buscam sua felicidade pelo o que se é e não por aquilo que disse-
ram que deve ser. De acordo com Santos e Oliveira (2010, p. 12):

Gênero e Ideologia no Tempo Presente


132 UNIDADE III

As relações de gênero são construídas historicamente, sendo funda-


mental analisar como estão estruturadas as relações sociais, conside-
rando o processo dinâmico dos indivíduos se relacionarem entre si. É
no movimento entre as determinações socioestruturais, as conquistas
culturais e as iniciativas dos indivíduos em sua singularidade que se
definem formas de ser e agir quanto às relações de gênero.

Ou seja, falar em gênero é pensar na construção social da identidade de gênero


e da orientação sexual, visto que é a partir da relação com o outro que se consti-
tui a forma como nos reconhecemos em sociedade, e isso nega os pré-conceitos
que bipolarizam (ser homem e ser mulher) a convivência entre os seres huma-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
nos. De acordo com Souza (2004, p. 70):
Pensar o gênero como conhecimento construído na interação significa rom-
per com a ideia de naturalização desse conceito, isto é, os modelos elabo-
rados e utilizados pelas crianças, adolescentes e adultos não são naturais,
nem inerentes à constituição biológica do homem e da mulher. São modelos
sujeitos a mudanças, por serem construídos dentro de um contexto social.

Pensando na possível origem da questão de gênero, nos remetemos à origem das


famílias, quando surge a propriedade privada (marca característica do sistema
capitalista) e a inversão do direito matriarcal para patriarcal, e que se definem
os papéis de homens e mulheres.
O homem deveria ser o responsável pelo provimento do lar, buscando fora
dele o prazer sexual, o que caracteriza a possibilidade da infidelidade; e a mulher
seria a responsável por cuidar e procriar, ou seja, ela deveria cuidar da casa e seus
afazeres, educar os filhos, ser fiel e estar apta para a reprodução.
No entanto, Silva (2011) afirma que família não é uma organização natu-
ral, mas sim uma construção social (bem como as relações de gênero), em que,
de acordo com as condições históricas e sociais, as pessoas se unem em família
para cumprir uma dada função social.
Porém, a ideia de organização natural entre homem e mulher vem se repro-
duzindo na educação das crianças, pois existem brinquedos e brincadeiras
masculinas e femininas, revelando uma transmissão de valores e comporta-
mentos esperados para cada um.
Essa transmissão de valores e papéis definidos irão influenciar a vida dessas
pessoas, a forma de estar, ver e aceitar o mundo em que vivem. Souza (2004, p.

QUESTÕES SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE


133

71), afirma que, nas crianças, a construção das diferenças entre homens e mulheres
“[...] acontece durante as atividades de imitação sobre esses conteúdos e quando
atribuem valores aos comportamentos sociais e transmitidos pela cultura.”
A partir dos dois anos de idade, a criança já tem consciência de ser menina
ou menino. Desde pequena é tratada conforme seu sexo biológico, recebendo
informações como “menino é forte como o papai”, “homem não chora” etc.
Para as meninas, os afetos são cheios de delicadeza e frases como “bonita como
a mamãe, uma bonequinha” e, também, “menina, feche as pernas!”. “São frases
que vão delimitando a identidade sexual e os papéis masculinos e femininos.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Corresponder ao que é esperado vai dando consciência do grupo ao qual per-


tencemos, se é o de homens ou de mulheres” (PICAZIO, 1998, p. 20).
É exatamente por essa questão que se faz necessário que, o debate sobre
gêneros, seja uma premissa desde o ensino infantil e fundamental nas escolas,
por meio de mudanças de atitudes em relação às brincadeiras e à transmissão de
valores – morais, para contribuir com a desmistificação dos conceitos de homem
e mulher e inserir, nesse espaço, a discussão LGBT como gênero.
Pois, já que gênero é uma construção social nos “Espaços como a família, a escola,
o grupo de amigos, e outros são mencionados como lugares de produção de valores,
normas, conhecimentos e condutas que influenciam também a vida das crianças”
(SOUZA, 2004, p. 71), é a partir destes que uma nova educação tem a possibili-
dade de romper com a lógica que vivemos, por meio da reflexão e transformação.
Atualmente, ao debater gênero nos colocamos frente a diferentes entendi-
mentos sobre o assunto:
Sexo e sexualidade são normalmente tomadas como sinônimos; toda-
via, sexo é concernente ao aspecto natural, biológico, da distinção física
entre o homem e a mulher. No senso comum, sexo remete-se ao ato
sexual. Já a sexualidade refere-se à esfera mais ampla, dos sentimentos,
das interações entre as pessoas, conforme asseguram alguns pesquisa-
dores (SILVA, 2010, p. 23).

Ademais, é necessário ressaltar que gênero e sexualidade, embora intrinseca-


mente ligados, não são sinônimos. Enquanto o conceito de gênero é limitado
e compreendido nas diferenças anatômicas presentes nos corpos masculino e
feminino, a sexualidade por outro lado é mais ampla, expressando sensações,
pertencimentos, identidades.

Gênero e Ideologia no Tempo Presente


134 UNIDADE III

Ao passo que o gênero se resume a ser puramente biológico, a sexualidade,


por outro lado, é uma construção natural, também biológica e social. A sexuali-
dade está interligada às relações de gênero, pois é gerenciada por normas morais
que ditam as formas de vivenciá-la, uma vez que essas normas foram construí-
das historicamente. Além do mais, da mesma forma que a ela estão associados
noções de masculino e feminino, também estão implícitos comportamentos, o
ato sexual e papel sexual (COSTA, 2012).
Em outras reflexões, o termo sexo foi questionado por remeter ao biológico, e a
palavra gênero passou a ser utilizada para enfatizar os aspectos culturais relaciona-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
dos às diferenças sexuais. Gênero remete à cultura, aponta para a construção social
das diferenças sexuais e diz respeito às classificações sociais de masculino e de femi-
nino. A partir dessa visão aparentemente consensual do conceito de gênero, o termo
foi empregado de diferentes maneiras pelos historiadores (PINSKY, 2009, p. 162).
Ou seja, gênero pode ser entendido como questão biológica e construção
social. E a partir daí, nos remetemos à identidade de gênero, que está ligada a
questão de como o ser se reconhece em sociedade (gays, lésbica, bissexual, tra-
vesti e transexual), e a orientação sexual que está relacionada ao desejo e atração
entre as pessoas, sejam homem – mulher; mulher – mulher; homem – homem.
A questão central deste debate está no respeito. Será que há necessidade de
determinações, ou o que importante é reconhecer que esses gêneros existem e
devem ser respeitados?
Porém, o preconceito e a violência existem. Então, se faz importante refle-
tir sobre as seguintes perguntas: o que podemos fazer para contribuir para a
inversão da lógica atual, de padrões estabelecidos e preconceitos? A alteridade?
A educação? Busca por outra sociabilidade? E como estamos hoje?
Borges (2013, on-line)2, em uma entrevista ao Jornal Le Monde Diplomatique,
situa-nos na contemporaneidade em relação às questões de gêneros.
A grande mudança das últimas duas décadas foi o aumento da visibilidade
do que a gente chama de as diferenças de sexualidade e identidade. Até então, a
homossexualidade ou as sexualidades menos de acordo com a heteronormati-
vidade viviam muito marginalizadas.
Com esse aumento da visibilidade, há uma representação social e cultural
muito maior com literatura, filmes com personagens gays e novelas com gays que

QUESTÕES SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE


135

fogem do estereótipo. Assim, começa-se a ver toda uma luta da militância con-
tra o preconceito e as representações degradantes da figura do homossexual...
Enfim, hoje há uma nova visibilidade e uma maior tolerância, mas aceitação é
uma coisa complicada, que não é tudo ou nada. Você diz: “A sociedade aceita o
gay?”. Depende. Por exemplo, dizem: “Você é livre, tudo bem”. Agora, quer que
seu pai seja gay? Não, aí é diferente. E se for o professor do meu filho? Há dife-
rentes graus de aceitação. Ainda não chegamos a um nível social e cultural em
que haja aceitação da diversidade sexual com mais naturalidade.
Do ponto de vista cultural, o que acontece é que essa identidade homosse-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

xual é uma forma de defesa em uma sociedade heteronormativa, e as pessoas se


autoidentificam com isso. Na minha geração, não se sabia o que era. Havia um
desejo diferente, mas não havia ninguém na família para perguntar, não existiam
modelos. Hoje, qualquer menino de 13 anos que sentir um desejo homoerótico
já sabe que isso tem um nome, que isso é ser gay.
O psicólogo nos traz que a visibilidade aumentou e afirma o papel das mídias
para a grande massa popular de por o assunto em pauta, mas que a homofobia
ainda está presente. Por esse motivo, ainda temos que trabalhar a aceitação em
sociedade.
Além disso, caracterizando a era atual, podemos destacar o reconhecimento
da união homoafetiva a partir de 2011 no Brasil, e no dia 14 de maio de 2013 foi
editada a Resolução nº 175 que autorizou o casamento entre pessoas do mesmo
sexo, que legitima o casal homoafetivo como uma família com todas as impli-
cações – possibilidade de dependência no Instituto Nacional do Seguro Social,
de adoção, de ter informações em caso de situações de saúde, de hospitaliza-
ção, entre outras.
O debate de gênero é também um debate ético, é falar de valores, de refle-
xão, de ação, de mudanças de paradigmas e de direitos humanos, e neste sentido,
atualmente, existe o reconhecimento de Orientação sexual ao invés de Opção
sexual, o que contrapõe aquilo que por muito tempo se acreditou e ainda se há
ranços, que a homossexualidade “era” tida como problema psiquiátrico, ou seja,
como uma doença.
Temos que destacar, também nesse contexto, a importância do movimento
LGBT que surgiu no Brasil nos anos 1970 [...]. O Movimento LGBT procura ser

Gênero e Ideologia no Tempo Presente


136 UNIDADE III

um porta voz desses sujeitos (homossexuais, bissexuais, travestis e transexuais),


por meio de ações que procuram ir para além das fronteiras do gueto, em busca
de direitos civis e de cidadania (COSTA, 2012, p. 62. Grifo nosso), e esse movi-
mento conseguiu e consegue suscitar visibilidade e faz surgir projetos de lei e
políticas públicas no país.
Em relação aos papéis atribuídos a homens e mulheres historicamente, deve-
mos questionar suas alterações ou não alterações, o que pode nos revelar também
a análise de como está posta atualmente a questão de gênero.
Enfim, especificamente no Serviço Social, uma profissão de natureza interven-

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tiva, ética (por possuir valores que defendem) e política (por ter uma determinada
direção social), se faz necessário discutir gênero na formação acadêmica; pois
durante a atuação profissional, o/a assistente social é um dos profissionais que
atua por meio de uma dimensão socioeducativa e que poderá contribuir para o
entendimento e a aceitação destas questões, tanto referente ao indivíduo como
a família.
Portanto, vivemos uma era de desafios em que avanços aconteceram, mas
ainda há muito o que vencer, aceitar, desconstruir e construir, onde o ser humano
seja visto em plenitude na sua genericidade humana, e não reduzido a uma ques-
tão de gênero.

A distinção entre sexo e gênero atende à tese de que, por mais que o sexo
pareça intratável em termos biológicos, o gênero é culturalmente construído.
(Judith Butler)

QUESTÕES SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE


137

VIOLÊNCIA DE GÊNERO, SEXUAL


E POLÍTICAS PÚBLICAS

Ao pensarmos sobre a construção das políticas públicas e sociais para as mino-


rias sociais, principalmente aquelas relacionadas às minorias de gênero, torna-se
importante realizar algumas considerações a respeito de determinadas catego-
rias de análise, que perpassam e são lócus de reflexão para a compreensão da
construção das políticas públicas sociais brasileiras, em uma determinada con-
juntura sócio-histórica, cultural e política, que criaram as condições objetivas e
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

materiais para sua implantação.


É também a partir da confluência de diversos atores sociais no cenário polí-
tico, além dos interesses antagônicos das classes sociais em consonância com
projetos societários mais amplos, procurando legitimar a ordem societária vigente
ou a sua superação, que se dará a direção social das políticas públicas e sociais
ao longo da dinâmica da sociedade brasileira. Interesses sociais, políticos e eco-
nômicos, muitas vezes relacionados com as diversas transformações sociais,
vinculadas ao processo de (re)estruturação da sociedade capitalista e sua busca
de legitimação enquanto sociedade.
A construção das políticas públicas e sociais no cenário brasileiro se dará a
partir da década de 1930, diante das profundas transformações societárias, oriun-
das do processo de reestruturação e expansão da sociedade capitalista, procurando
se legitimar enquanto sociedade. Nesse processo, tem afirmado, explicitado e refor-
çado as suas contradições e lógicas assentadas na desigualdade, na submissão do
trabalho na lógica do capital, contribuindo para o agravamento das mazelas da
questão social. Dessa forma, diversos atores sociais têm se articulado no cená-
rio político, procurando criar respostas para o enfrentamento da questão social.
As políticas públicas e sociais então surgem, tendo como ideário a garan-
tia da reprodução da sociedade capitalista e como uma resposta às contradições
deste mesmo sistema, procurando criar dentro da sociedade um consenso entre
as classes sociais, ao procurar assegurar minimamente os interesses da classe tra-
balhadora e atender os interesses de expansão da acumulação de riqueza pela
sociedade burguesa. Gramsci traz importantes contribuições para compreen-
dermos o papel do Estado dentro da sociedade capitalista:

Violência de Gênero, Sexual e Políticas Públicas


138 UNIDADE III

O Estado é certamente concebido como organismo próprio de um


grupo, destinado a criar as condições favoráveis à expansão máxima
desse grupo, mas este desenvolvimento e esta expansão são concebi-
dos e apresentados como a força motriz de uma expansão universal,
de um desenvolvimento de todas as energias “nacionais”, isto é, o
grupo dominante é coordenado concretamente com os interesses ge-
rais dos grupos subordinados e a vida estatal é concebida como uma
contínua formação e superação de equilíbrios instáveis (no âmbito
da lei) entre os interesses do grupo fundamental e os interesses dos
grupos subordinados, equilíbrios em que os interesses do grupo do-
minante prevalecem, mas até um determinado ponto, ou seja, não
até o estreito interesse econômico-corporativo (GRAMSCI, 2000, p.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
41-42).

A construção das políticas públicas e sociais brasileiras surgem a partir de condi-


ções sociais específicas e socialmente determinadas. São respostas engendradas
no seio da sociedade para a superação das contradições da sociedade capitalista,
principalmente a partir da década de 1930, com o agravamento das expressões
da questão social, oriunda do desenvolvimento da sociedade capitalista, e as for-
mas de articulação dos diferentes atores sociais, procurando, a partir da luta de
classes, legitimar seus interesses.
Dessa forma, elas não são neutras e nem surgem da vontade política de
determinados grupos, mas expressam a tensão entre os embates dos diferentes
atores sociais, engendrados no seio da luta de classes na sociedade capitalista.
Nosso objetivo aqui não é aprofundar sobre a forma de constituição e desen-
volvimento das políticas brasileiras, mas somente trazer alguns elementos, para
podermos analisar como se dá a construção das políticas para a minoria social
relacionada à diversidade de gênero e sexual, como forma de garantia de direi-
tos sociais e do desenvolvimento da cidadania.
Como produto social de uma conjuntura específica, as políticas públicas e
sociais caracterizam-se por serem respostas do Estado frente às demandas sociais,
políticas e econômicas expressas nas contradições e antagonismos da sociedade.
A partir desta configuração, essas políticas têm como característica a busca
pela garantia dos direitos sociais e da cidadania e, algumas delas, especificamente
a Política de Assistência Social, trará como eixo a proteção social a determinados
grupos em situação de risco social. É importante problematizar o que seja o risco
social dentro da sociedade capitalista e o que tem que ser evitado, protegido por

QUESTÕES SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE


139

essas políticas. E, visto que elas se configuram como políticas afirmativas e tem
caráter compensatório dentro da nossa sociedade, discussão esta que, diante do
objetivo do nosso trabalho, não será possível desenvolvê-la.
Porém, apesar de não aprofundarmos essas questões, é importante destacar
que estas políticas públicas e sociais procuram garantir os direitos sociais e o
empoderamento dos grupos sociais, considerados em situação de vulnerabilidade
social. Entre eles, atualmente são desenvolvidas políticas voltadas para os grupos
sociais considerados minorias, como a criança/adolescente, a mulher, o idoso
e grupos inseridos na diversidade de gênero e sexualidade – LGBTI (Lésbicas,
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Gay, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexuais).


Após esta breve análise, procuraremos conhecer os avanços relacionados
às políticas para determinados grupos considerados minorias sociais, como
as mulheres, além dos grupos relacionados à diversidade de gênero e sexuais
– LGBTI.
Sabemos que, historicamente, a partir do surgimento e desenvolvimento
da sociedade capitalista, ocorrem profundas transformações societárias, que
influenciaram na forma de organização e configuração das famílias, seja em
relação aos seus papéis familiares, dentro do grupo familiar, como também de
gênero. Na verdade, essas configurações não estão isoladas, visto que a defi-
nição “do que é ser homem”, e “o que é ser mulher”, perpassa pela construção
social do gênero.
É a partir da categoria trabalho e sua racionalização e do modo de produ-
ção capitalista, que se constrói historicamente e configura a questão de gênero
na sociedade, direcionando e determinando os papéis sociais. Essa definição se
torna importante para a garantia da reprodução das relações sociais e das rela-
ções de poder dentro de uma determinada ordem societária.
A reprodução de determinados valores e relações sociais, historicamente
construídos e enraizados no tempo presente, como o machismo, a homo-lesbo-
-transfobia e o patriarcado, propiciam cotidianamente a ascensão da barbárie,
por meio da violência contra a mulher e contra LGBTIs. Mais uma vez, cabe des-
tacar que tudo que foge do padrão estabelecido, do que é esperado dentro do
que socialmente é considerado como “ser homem” ou “ser mulher”, será alvo de
determinadas práticas de violência e exclusão social.

Violência de Gênero, Sexuale Políticas Públicas


140 UNIDADE III

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
As questões correlatas à violência sexual e de gênero irão perpassar pela ques-
tão da diversidade de gênero e sexual, diante da necessidade dessa sociedade
de enquadrar os seres sociais em determinados padrões construídos histori-
camente, como forma de reprodução do padrão de dominação e do modo de
produção desta sociedade.
As mulheres são vítimas de diversas formas de violências, sejam elas físicas,
psicológicas, emocionais entre outras, fruto do machismo e da dominação do
homem em relação a ela, o que tem causado muitas vezes sua morte.
Apesar da violência contra a mulher não ser algo recente, a formulação da
política de proteção a ela ainda é recente, e muita vezes não é possível garantir
a proteção dos seus direitos de forma efetiva. isso se deve ao fato dessas ques-
tões estarem permeadas por fenômenos sociais e históricos, por ideologias que
naturalizam determinadas relações sociais de dominação. Para isso, torna-se
necessária uma educação emancipatória, que procure desconstruir determi-
nadas ideologias e visão de homem e de mundo, permeadas culturalmente por
relações de dominação.
Por essas questões, percebemos que atualmente não existem políticas afir-
mativas em relação ao homem, diante do fato que, historicamente, ele não tem

QUESTÕES SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE


141

sofrido violências da mesma forma que a mulher outros grupos minoritários. É


importante problematizar essas questões, pois apesar do homem possuir uma
situação privilegiada em relação à mulher e as demais minorias de gênero, perce-
bemos a forma como se configuram os papéis sociais e as cobranças em relação
aos sujeitos sociais.
O homem, particularmente, tem sofrido com a questão da violência como
a mulher, mas, cotidianamente, essa sociedade cobra do homem a reprodução
de diversos papéis sociais estabelecidos, como o de provedor da família, “que
homem não pode chorar” entre outros. Ou seja, a própria constituição de deter-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

minados papéis sociais e sua reprodução no bojo da sociedade se torna uma


forma de violência, institucionalmente aceitas e naturalizadas pelos seres sociais.
A formação das políticas públicas e sociais afirmativas e de proteção às
mulheres não foram criadas de forma abstrata ou pelo interesse do legislador.
Elas são fruto das lutas sociais e do avanço dos movimentos da classe trabalha-
dora, de categorias profissionais e, principalmente, do movimento feminista, que
tem avançado na luta pela garantia dos direitos das mulheres e pela igualdade de
condições para homens, mulheres e grupo sociais excluídos. O movimento femi-
nista tem se articulado com outros movimentos sociais, na busca de avançar o
debate sobre a questão de gênero e na garantia dos direitos para toda a população.
A construção de políticas de proteção a mulher se dá de forma muito recente
no país, mas presenciamos que a primeira iniciativa de atender as reivindica-
ções da mulher no cenário brasileiro se deu em 1985, com a criação do Conselho
Nacional dos Direitos da Mulher, vinculado ao Ministério da Justiça, sendo com-
posto por uma Secretaria Executiva, uma Assessoria Técnica e por um Conselho
deliberativo. Fruto da conjuntura social e política da época, marcada por diversas
transformações sociais e avanço dos movimentos sociais, entre eles o movi-
mento feminista.
A função do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher era promover, em
âmbito nacional, políticas para assegurar condições de liberdade, igualdade de
direitos e plena participação nas atividades políticas, econômicas e culturais do país.
Em 2002, por meio da pressão dos movimentos feministas e de outros seto-
res da sociedade, foi criada a Secretaria de Estado dos Direitos da Mulher, e em
2003, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, temos a criação da Secretaria

Violência de Gênero, Sexuale Políticas Públicas


142 UNIDADE III

Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), vinculada ao gabinete da pre-


sidência, tendo a Secretária status de Ministro. A SPM passa a abrigar em sua
estrutura o CNDM (Conselho Nacional dos Direitos da Mulher), agora como
órgão consultivo e não deliberativo.
Em 2004, foi criado o I Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, para
“servir de instrumento de trabalho para o Governo Federal, Estadual e Municipal,
e pelos movimentos sociais” (Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, 2004).
O plano representa o compromisso do Estado na criação de políticas para o com-
bate ao machismo, por reconhecimento das desigualdades de gênero e o combate

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
às formas de violência contra a mulher.
O plano possui 199 ações, distribuídas em 26 prioridades, partindo de quatro
linhas de atuação: a autonomia, igualdade no mundo do trabalho e cidadania, edu-
cação inclusiva e não sexista, saúde das mulheres, direitos sexuais e reprodutivos
e o enfrentamento à violência contra a mulher, considerados como fundamen-
tais para o desenvolvimento do direito a uma qualidade de vida digna para as
mulheres. Esse plano foi avaliado no ano de 2007, onde foi criado um segundo
plano de políticas para as mulheres.
Em 2006, ocorreu um fato social que sensibilizou a população: um caso
de violência doméstica, contra Maria da Penha Maia Fernandes, que pos-
suía 23 anos de casada e sofreu várias agressões e ameaças de assassinato,
chegando a ficar tetraplégica. Diante deste fato, foi criada a Lei 11.340, que
leva seu nome como homenagem. A Lei Maria da Penha busca criminali-
zar e punir os casos de violência contra as mulheres, ocorridas no âmbito
doméstico ou familiar.
Recentemente, mesmo após a criação da Lei Maria da Penha e de meca-
nismos de atenção e proteção à mulher, percebemos que o índice de violência
ainda é muito grande. É o que nos revela os dados divulgados pelo IPEA (2013,
on-line)3, sobre os índices de violência intrafamiliar, especificamente no que
tange a violência contra a mulher.
Estudo preliminar do Ipea estima que, entre 2009 e 2011, o Brasil registrou
16,9 mil feminicídios, ou seja, “mortes de mulheres por conflito de gênero”, espe-
cialmente em casos de agressão perpetrada por parceiros íntimos. Esse número
indica uma taxa de 5,8 casos para cada grupo de 100 mil mulheres.

QUESTÕES SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE


143

Esses dados mostram que, apesar dos avanços em termos de políticas de pro-
teção a mulher, ainda é alto o índice de violência contra a mulher e, em muitos
desses casos, elas correm risco de vida. Esses dados provam que é necessária uma
política mais efetiva de proteção à mulher, além do desenvolvimento de práticas
de educação emancipatória nas escolas, contribuindo para o desenvolvimento
de uma sociedade mais justa e que respeite as diferenças.
Além dos dispositivos legais, atualmente com a estruturação da Política
Nacional de Assistência Social – PNAS em 1993, temos alguns serviços que pro-
curam atender à mulher e suas famílias vítimas de violência doméstica, como o
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

CRAS e principalmente o CREAS, atendendo a população que tem seus direi-


tos violados e vítimas de diversas formas de violência. Além do mais, com a lei,
foram criadas as Delegacias da Mulher e os Juizados Especiais da Mulher. Alguns
municípios também criaram centro de convivência e acolhimento para mulhe-
res que sofrem com a ameaça de seus companheiros.
Entretanto, apesar desses avanços, ainda é significativo os casos de violência
contra mulher e até mesmo de homicídios. Em muitos desses casos, a mulher pos-
sui filhos, sendo necessário prestar atenção integral a ambos. Percebemos, dessa
forma, que torna-se necessário um trabalho mais efetivo das políticas públicas
e sociais, procurando principalmente, através da articulação com a educação,
o desenvolvimento de uma sociedade mais humana, justa e igualitária, pois o
machismo é um fenômeno sociocultural presente na formação da nossa sociedade.
Conforme mencionado anteriormente, abordaremos a construção das políticas
de gênero relacionadas à diversidade sexual, somente para uma maior compreensão
da problemática, visto que a própria política pública e social a apresenta de forma
fragmentada. Porém, acreditamos que falar de diversidade de gênero e sexual seja
falar das diversas formas de manifestação das questões de gênero. Afinal, todos nós
compomos a diversidade. Como nos coloca Boaventura de Sousa e Santos (1995,
on-line)4, devemos “lutar pela igualdade sempre que as diferenças nos discrimi-
nem. E lutar pela diferença sempre que a igualdade nos descaracterize”.
Dessa maneira, conforme mencionado anteriormente, a construção das polí-
ticas públicas e sociais, de forma geral, se dá a partir da necessidade da luta dos
movimentos sociais em busca da legitimação dos direitos das camadas da socie-
dade em situação de vulnerabilidade social.

Violência de Gênero, Sexuale Políticas Públicas


144 UNIDADE III

A construção das políticas de proteção à mulher relacionadas à diversidade


sexual ainda são recentes, e também se dá no mesmo bojo das lutas de classes e
dos movimentos sociais em busca da afirmação dos direitos, bem como da eman-
cipação política e humana da classe trabalhadora.
De forma análoga, podemos dizer que, assim como a mulher tem sofrido diver-
sas formas de violência em decorrência do machismo, os demais grupos relacionados
à diversidade sexual como gays, lésbicas, bissexuais, transexuais, pansexuais entre
inúmeras outras formas de ser, sofrem inúmeras formas de violências em decor-
rência da homofobia. Toda a forma que foge do padrão estabelecido e hegemônico

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
da sociedade e que, de certa forma, apresenta um enfrentamento contra as formas
de dominação social, sofre com as formas de opressão e violência.
A construção de políticas de garantias de direitos para estas minorias ainda
é muito recente, diante principalmente de avanços de setores conservadores
da sociedade, que tem assumidos cargos importantes na garantia dos direitos
humanos, como é o caso da bancada evangélica na câmara dos deputados, e da
comissão dos direitos humanos.
A luta pela conquista e afirmação dos direitos sociais e políticos do movimento
LGBT, vem em busca não só do seu reconhecimento enquanto sujeito e a sua
aceitação pela sociedade. Ela também aglutina forças com os novos movimentos
sociais, como o feministas e movimentos tradicionais, como o dos trabalhado-
res e operários, em busca da consolidação da cidadania e no fortalecimento de
um projeto de sociedade mais justa, igualitária e humana.
Os avanços que se tem contemporaneamente, em termos de políticas volta-
das para a diversidade de gênero e sexual, ainda se concentram no Estado de São
Paulo, devido aos avanços dos movimentos sociais, e também no Rio Grande do
Sul, onde se concentra grandes estudos relacionados à temática.
Apesar de serem grandes conquistas, elas são significativas para a popula-
ção LGBT, por garantir alguns direitos mínimos para essa população. O terreno
que propiciou esses avanços no Brasil foi a partir de 1997, quando no governo
de Covas, no Estado de São Paulo, foi lançado o Programa Estadual de Direitos
Humanos, cujos principais objetivos eram a consolidação da democracia, jun-
tamente com a promoção e a educação frente aos Direitos Humanos. Segundo
Costa (2012, p. 118):

QUESTÕES SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE


145

As ideias presentes no Programa Estadual dos Direitos Humanos po-


dem ser percebidas como uma gênese do futuro Plano Estadual de En-
frentamento da Homofobia e Promoção da Cidadania LGBT, uma vez
que as mesmas diretrizes apresentadas neste documento são “repagi-
nadas” no outro.

Em 2006, por meio do Comitê de Direitos Humanos da ONU, o estabelecimento


dos Princípios Yogyakarta diz que todos os seres humanos nascem livres e iguais
na dignidade de direitos, e coloca como necessidade a proteção específica dos
direitos humanos da população LGBT, reconhecendo que este grupo tem direi-
tos específicos, que são negados diante da sua orientação sexual.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Segundo Costa (2012), esta comissão também apontou que, para lidar com
os desafios postos a essa realidade, é necessário uma atuação multidisciplinar,
buscando a garantia integral dos direitos dessa população. O autor ainda diz que,
o que esse documento traz de diferente, se deve ao fato de colocar que todos os
direitos inerentes aos seres humanos são negados para
essa população específica, e como estratégia
para seu enfrentamento, expressa as medi-
das que os Estados devem viabilizar para
as garantias mínimas, sendo composta por
23 diretrizes.
A partir da luta de João Antônio
Mascarenhas, no sentido de inserir a luta pelos
direitos LGBT nos direitos Humanos, temos
em 2004 o lançamento do programa
do governo Federal “Brasil sem
Homofobia - Programa de Combate
à Violência e à discriminação contra
LGBT (gays, lésbicas, bissexuais, travestis
e transexuais) e de Promoção da Cidadania
Homossexual”, oriundo do Plano Plurianual
2004-2007.

Figura 1 - PARE A HOMOFOBIA. O Brasil, considerado um


país “liberal” é um dos que lideram o ranking de violência
contra LGBTs.

Violência de Gênero, Sexuale Políticas Públicas


146 UNIDADE III

A partir desses avanços, foi elaborado o Plano Estadual de Enfrentamento da


Homofobia e Promoção da Cidadania LGBT, com base nos princípios contidos
no documento de Yogyakarta, tendo o Programa Brasil sem Homofobia como
o grande precursor.
Dentre outras ações conquistadas, temos o Plano Nacional de Enfrentamento
da Epidemia de AIDS e das DST’s entre gays, HSH (Homens que fazem sexo
com Homens) e Travestis (2007, on-line)5, o Plano Nacional de Promoção da
Cidadania e Direitos Humanos LGBT (2009, on-line)6 e em 2010 a Política
Nacional de Saúde LGBT.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Atualmente, se encontra na vanguarda do debate o Projeto Lei 122/06, para a
criminalização da homofobia em todo território nacional, e também existe uma
iniciativa de anteprojeto de um Estatuto da Diversidade Sexual, sendo apresen-
tada no Fórum Mundial de Direitos Humanos, procurando aglutinar esforços em
torno da garantia da proteção específica para essa população e dos seus direitos.
Apesar de todos os avanços e propostas apresentadas no cenário político
brasileiro, ainda vivenciamos inúmeros desafios. Ainda são constantes os casos
de homicídios contra homossexuais, transexuais e travestis. Presenciamos que,
diante do avanço dos movimentos LGBT e de categorias profissionais que apoiam
estes movimentos, conseguimos avanços nas conquistas de alguns direitos, mas
ainda caminhamos a passos lentos, pois até nos dias atuais a homofobia não foi
criminalizada em todo país.

COMUNIDADE LGBT, HOMOFOBIA, TRANSFOBIA

A diversidade sexual corresponde a uma temática em constante discussão na


contemporaneidade. Essas discussões existem há séculos, porém obteve um cres-
cimento expressivo em meados do século XX (PRADO; MACHADO, 2008). É
reportada de inúmeros questionamentos, atribuindo a ela conceitos, valores e
culturas que se fazem influentes no processo de construção de identidade da
pessoa. Anterior à discussão é necessário definir a categoria Diversidade Sexual.

QUESTÕES SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE


147

Segundo Prado e Machado (2008), “expressa a noção de que há uma multipli-


cidade de identidades, desejos e práticas sexuais que envolve as relações humanas.
Pode ser entendido como o oposto de unicidade ou monismo sexual” (p. 140).
Esta multiplicidade de identidades, como citam os referidos autores, estão rela-
cionadas à identidade de gênero – masculino e feminino.
Butler (2003), diferencia sexo de gênero, relacionando a primeira com
questões biológicas e a segunda como influência de uma cultura. Concebida origi-
nalmente para questionar a formulação de que a biologia é o destino, a distinção
entre sexo e gênero atende à tese de que, por mais que o sexo pareça intratável
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

em termos biológicos, “o gênero é culturalmente construído (...) a unidade do


sujeito já é potencialmente contestada pela distinção que abre espaço ao gênero
como interpretação múltipla do sexo” (BUTLER, 2003, p. 24).
Silva (2013) afirma que a sexualidade humana é plural e complexa, existindo
diversas formas de manifestação da identidade sexual das pessoas. Foucault
(2007) e Butler (2003) remetem a sexualidade no campo do poder, do saber e
da construção histórica de uma identidade que, ao longo do tempo, vai sendo
interpretada de formas diferenciadas. Além disso, Silva (2009), argumenta que
a sexualidade humana, suas múltiplas expressões e seus impactos na sociedade
consiste em novas expressões da questão social.
As dificuldades de travestis e transexuais adentrarem-se ao mercado de tra-
balho, a desqualificada educação básica, dificuldades em romper estereótipos
e estigmas em face da diversidade sexual humana, instruir alunos, professores,
chefes de empresas e de instituições públicas, trabalhar com famílias de LGBTI’s,
o consumismo atrelado à política e movimentos sociais, intolerância e conser-
vadorismo são algumas características que representam a expressão da questão
social pelo público LGBTI.
A visibilidade LGBTI começa a transparecer na década de 1970, quando se
acentua os movimentos pela reivindicação de direitos e com ela uma série de
implicações, identificadas pelas descrições do parágrafo anterior. As problemá-
ticas pelas quais passam os LGBTIs são oriundas do preconceito ainda instalado
na sociedade brasileira, distanciamento frente ao conhecimento científico sobre
a categoria diversidade sexual, ausência de discussões avançadas na educação
básica e a defesa da hegemonia heteronormativa pelos conservadores.

Comunidade LGBT, Homofobia, Transfobia


148 UNIDADE III

No Brasil, a virada dos anos de 1970 para os anos 1980, não se caracterizou
somente pelas discussões que opunham os que consideravam que a questão das
“minorias” (negros, índios, mulheres e homossexuais) deveria estar subordinada (ao
menos em uma primeira etapa) à questão mais ampla da democratização do país e
da revolução social. O primeiro movimento homossexual brasileiro esteve também
profundamente dilacerado quanto a se constituir ou não em torno de uma identidade
homossexual. Havia naquele momento uma grande inquietação quanto à possibi-
lidade de essencialização (ou “reificação”, para usar uma expressão mais comum à
época) da oposição hetero/homossexualidade e da conseqüente instituição de novas

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
formas de rotulação, estigmatização e marginalização (CARRARA; SIMÕES, 2007).
A formação da identidade sexual que rompesse com os conflitos ideológicos
entre heterossexual – homossexual, masculinidade (relacionado ao compor-
tamento das mulheres) – feminilidade (relacionado ao comportamento dos
homens), ativo (homem insertivo, mantêm o papel de macho) – passivo (receptivo,
caracteriza-se por efeminado, pois exerce um papel sexual feminino) começou
a ser discutida pela antropologia, no referido período de manifestações popula-
res, considera. Aproveitaram-se os movimentos pela redemocratização do país
para agregar política homossexual no cenário ditatorial – democracia do Brasil.
Não poderia ter existido melhor época para as manifestações dos homos-
sexuais, pois os partidos políticos da época consideravam que os movimentos
da minoria não seriam relevantes em relação às lutas sociais e desigualdades, e
tampouco importantes para o processo político da época. Porém, com o reco-
nhecimento das lutas sociais como forma de poder do povo, e relacionando-as
ao controle das pessoas em suas vidas cotidianas, esses movimentos (da mino-
ria) ganharam força e foram considerados como categorias políticas de grande
representatividade (CARRARA ; SIMÕES, 2007).
A partir dessa fase, os homossexuais começaram a construir uma identidade
sexual concreta, conquistaram espaços próprios, iniciaram a produção de pesquisas,
passaram a ser atores sociais nas literaturas e até hoje lutam para conquista de direi-
tos. Só é possível pensar a homossexualidade porque a realidade apresentada pelas
relações capitalistas tem se confrontado com paradigmas religiosos, proporcionando
maior abertura nas discussões apresentadas nesse momento, contribuindo ainda para
a maior visibilidade “trans”, que há décadas ainda viviam sob a invisibilidade social.

QUESTÕES SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE


149

Segundo França (2007), os primeiros espaços públicos destinados aos homos-


sexuais surgiram na década de 1980, com os guetos. Mais adiante, surgiram
comércios específicos, e vimos a moda favorecendo à ascensão de homossexu-
ais em seus contextos sociais, as academias – a busca pela estética perfeita, por
corpos esculturais. Tudo isso, ao longo das últimas décadas, levaram o segmento
LGBTI ao excessivo consumo. A publicidade e propaganda são meios de divul-
gação de produtos que mais prendem a atenção das pessoas.
Esse é o fenômeno que os meios de produção capitalista propiciou, a reto-
mada da fase clássica e neoclássica da história da homossexualidade, como o culto
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

à beleza, ao corpo escultural, musculatura, vaidade, cultura literária e entreteni-


mentos. A diferença neste tocante é que hoje vivemos em um sistema moderno,
com recursos tecnológicos altamente avançados, com mais possibilidades de
aquisição de bens de consumo. Ressalta-se também que estas características têm
sido apropriadas também por homens e mulheres heterossexuais.
Até aqui, observamos que não se pode excluir a diversidade sexual da questão
social, pois é possível analisar as diversas implicações socioculturais, econômi-
cas e descriminalizadoras, além do fenômeno do alto consumo e busca por um
status social pelo uso incessante do capital, e também da referência e elo entre
movimento LGBT e mercado consumidor como construtores de uma identidade
coletiva, com sujeitos de diferentes concepções, culturas, percepções, gostos, etc.
Se considerarmos que o mercado segmentado produz diferentes categorias
em torno do que é “ser homossexual”, e faz circular referências e imagens iden-
titárias acerca dos possíveis estilos ligados à homossexualidade, podemos dizer
que ele também colabora para construir e reforçar identidades coletivas que ser-
vem de referência para a atuação do movimento, e vice-versa. Temos, então, um
campo comum entre movimento e mercado (FRANÇA. 2007, p. 294).
O movimento LGBTI não é isolado em seu público e contexto social. A cria-
ção de estratégias de ação política e quebra de paradigmas envolve a participação
de vários atores sociais, inclusive o mercado. Um dos paradigmas mais complica-
dos de ser rompido consiste no modelo hegemônico heterossexual e hierárquico
na identidade de gênero (homem sobre as mulheres) e oposição sexual entre os
ativos (insertivos) no topo e abaixo o grupo passivo (receptivos). É uma maneira
de diferenciar pessoas pela preferência sexual nas relações íntimas.

Comunidade LGBT, Homofobia, Transfobia


150 UNIDADE III

Esta forma de hierarquização de gênero, segundo Carrara e Simões (2007), se


tornou uma cultura preponderante entre as classes populares brasileiras. Os auto-
res, mediante seus estudos, definem esse modelo hierárquico de anglo-europeu.
É possível perceber a forte influência europeia nas questões da sexualidade con-
forme prerrogativas históricas analisadas pela literatura nacional e internacional.
(...) O modelo baseado na hierarquia de gênero e na oposição ativida-
de/passividade sexual estaria, para o autor, enraizado no sistema cul-
tural e social formado em torno de um modo concreto de produção,
a economia rural de plantation[3] (grifo nosso), que teria dominado a
vida brasileira por quase quatro séculos (FRANÇA, 2007, p. 88).

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Como podemos perceber, as relações de produção capitalista, no período de
colonização do Brasil, é um exemplo de como os camponeses, índios e escravos
eram explorados, tanto pela mão-de-obra barata quanto sexualmente. A classe
explorada geralmente exercia o papel de receptivos em relações com os senho-
res dos latifúndios.
Voltando à realidade contemporânea, apresentamos um último ponto inte-
ressante, que não poderia ficar à margem das reflexões até agora realizadas. A
globalização, que é um processo rápido de inter-relação sócio-econômico-cul-
tural entre países dos cinco continentes, favoreceu a expansão da cultura de
hegemonia e hierarquização de gênero, bem como a oposição entre atividade/
passividade. Como dizem os autores Carrara e Simões (2007), as relações inter-
nacionais proporcionam uma importação e exportação de culturas e paradigmas
de várias naturezas.
A cultura da sexualidade, sua prática e suas diversas formas de expressão tam-
bém são disseminadas pela globalização, visto que, com a internet, convivência
pessoal ou virtual com pessoas de variadas localidades, acesso a uma diversidade
de informações e opções de entretenimento e de desenvolvimento intelectual,
estamos mais susceptíveis a aprimorar práticas, apreender novas realidades, atri-
buir novos valores, alterar concepções, formar acepções da nossa realidade e até
mesmo planejar e caminhar por novos rumos.
O texto de Carrara e Simões (2007) cita a realidade de travestis e transe-
xuais, mediante conhecimentos importados de vários países, como carreiras
com altos salários, partirem para países da Europa para prostituição, já que o

QUESTÕES SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE


151

Brasil não oferece condições de inserção digna do segmento “TT” (Travestis e


Transsexuais) no mercado de trabalho.
O mesmo acontece com outros membros do segmento LGBT, por não
encontrarem oportunidades de estabilidade ou acesso aos direitos que possam
proporcionar a realização de um objetivo, de uma meta ou qualidade de vida,
estes se deslocam para outros países como forma de fugir da exploração do capi-
tal, buscar mais reconhecimento ou atingir os objetivos.
Com a visibilidade do segmento LGBT nos espaços de trabalho, na comuni-
dade e academia, o Estado sentiu-se obrigado a pensar as expressões da questão
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

social voltadas à Diversidade Sexual, criando espaços de deliberação e de con-


trole social, formulando políticas públicas de garantia de direitos e de combate
às expressões intolerantes e preconceituosas, discussões em âmbito nacional
da realidade LGBT na contemporaneidade e levantamento de propostas pelas
Conferências Estaduais e Nacionais.
Sabemos que o caminho é longo, pois existem enfrentamentos expressivos
como a intolerância religiosa, que invade a política brasileira, ferindo a laicidade do
Estado Nacional e interferindo em questões de ordem como o fim dos preconceitos.

Figura 2 - Drag queens sempre foram símbolos de militância LGBT no mundo todo.

Comunidade LGBT, Homofobia, Transfobia


152 UNIDADE III

A militância se mostra cada vez mais fortalecida no cerne do pressiona-


mento frente o Estado. Essa pressão, reivindicação, estímulo à participação
popular, realização de eventos como Encontros, Simpósios, Congressos, Grupos
de Discussões, Cafés Filosóficos e as Conferências, conduz a sociedade civil a
exigir do Estado Mínimo que ele observe com mais sensibilidade a causa LGBT,
pois esse público está cada vez mais visível na sociedade, formando e consoli-
dando laços de sociabilidade e de afetividade, e conquistando direitos e espaços
importantes no cenário social, familiar, profissional e acadêmico.
Sobre a sociabilidade, Roughgarden (2008) afirma que, os contatos LGBTs,

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
além de comunicar o prazer entre pessoas do mesmo sexo, representam hoje cate-
gorias sociais de fácil inserção e sociabilidade. Duprat (2009), em sua reportagem
na Revista A Capa, faz um recorte apontando as diversas formas de fazer a militân-
cia, seja na internet com os blogs, sites de relacionamento como Orkut, Facebook,
Messenger ou MSN, comumente conhecidos, e o mais recente Twitter. Cabe lem-
brar que o meio eletrônico também corresponde a um espaço contraditório, quando
grupos intolerantes disseminam o ódio por meio desses veículos informativos.
Outras formas de promoção da militância consistem no enfrentamento de bar-
reiras no cotidiano das pessoas, pois “pequenas atitudes, como beijar em público
e se assumir, podem ser encaradas como militância cotidiana” (DUPRAT, 2009,
p. 34). O ativismo também ocorre por meio das expressões artísticas, como pin-
turas homoeróticas ou também chamadas de HomoGraphix criado pelo artista
Bernardo de Gregório (DUPRAT, 2009), além da militância tradicional, realizada
em ações coletivas, de atuações em ONG’s ou em organismos estatais, dentre outros.
Assim “quando falamos em liberação sexual, estamos falando de liberar
um espaço interior que luta entre a necessidade de eclodir e de ser reprimido”
(TREVISAN In: GOLIN; WEILER, 2002, p. 166). Portanto, concordando com
Trevisan, a sexualidade humana compreende um dispositivo macroestrutural, pois
engloba fatores tanto internos quanto psicológicos, comportamentais, cognitivos e
exteriores ou sociais, como culturais, econômicos, políticos e educacionais, que vão
da transmissão de papéis da família até as relações interpessoais na comunidade.
Dessa forma, é importante que o público LGBT lute pelos seus direitos, concre-
tizando a possibilidade de estabelecer a igualdade de direitos sociais e o respeito
nos espaços de sociabilidade, rompendo assim com a hegemonia heteronormativa.

QUESTÕES SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE


153

Segundo o Relatório de violência homofóbica no Brasil de 2012, publicado


pela Secretaria de Direitos Humanos do Governo Federal, foram registrados
pelo poder público 3.084 denúncias de 9.982 violações relacionadas à po-
pulação LGBTI, apresentando um quantitativo de 4.851 vítimas.
Já a Organização das Nações Unidas (ONU) revela que 70% das mulheres
sofrem algum tipo de violência durante a sua vida. Dentre elas, as de idade
entre 15 a 44 anos possuem mais risco de sofrer estupro e violência domés-
tica do que câncer, acidentes de carro, guerra e malária, de acordo com da-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

dos do Banco Mundial.


Fonte: Secretaria dos Direitos Humanos (2012, on-line)7 e Portal Brasil (2014, on-line)8.

ADOÇÃO HOMOPARENTAL

A adoção por casais homossexuais trouxe uma grande polêmica na sociedade.


Não só nesse novo século, mas há muitos anos esse assunto vem repercutindo no
mundo e atualmente ganhou fortalecimento. Esse tipo de adoção ainda é muito
discriminada pela sociedade e proibida juridicamente até 2015. A religião se opõe
radicalmente à aprovação de leis que deferem a homossexuais o direito de obte-
rem uma união legal e a permissão de adotarem filhos. Infelizmente a Igreja ainda
interfere nas ações do Estado, rompendo severamente o ideal do Estado Laico.
O percurso conservador ainda reduz com carga preconceituosa a luta LGBTI com
a palavra homossexualismo. A palavra homossexualismo vem repleta de preconceito
e discriminação, pois o homossexualismo está relacionado à doença: “homossexual”
= atração pela pessoa do mesmo sexo e o sufixo “ismo” = doença. Portanto foi criada
pela Desembargadora do Tribunal Superior de Justiça do Rio Grande do Sul e vice-
-presidente nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam) Maria
Berenice Dias o termo “homoafetivo” para relacionar a classe LGBTI e toda sua his-
tória, estrutura social e direitos. Maria Berenice Dias é lutadora assídua pelos direitos
dos homossexuais, como a união e adoção por casais homoafetivos.

Adoção Homoparental
154 UNIDADE III

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Figura 3 - A adoção é um desafio para casais homoafetivos.

O que se garante à criança e ao adolescente são os direitos fundamentais como


seres humanos e cidadãos, que estão implicados no artigo 227 da Constituição:
Art. 227: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à crian-
ça e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dig-
nidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Código Civil definem família


como união dos pais e dos filhos ou apenas de uns dos pais e seus descendentes,
um conceito básico que também não proíbe uma união estável de homossexuais.
Unindo esses segmentos, poderíamos conceituar família como União de inteira
responsabilidade do ser humano no seu juízo perfeito, seja por meios legais, reli-
giosos, por concubinato ou mesmo união homoafetiva.
Direito não deve decidir de que forma a família deverá ser constituída
ou quais serão as suas motivações juridicamente relevantes(...) For-
mando-se uma que respeite a dignidade de seus membros, a igualdade
na relação entre eles, a liberdade necessária ao crescimento individual
e a prevalência nas relações de afeto entre todos, ao operador jurídico
resta aplaudir, como mero espectador (CARBONERA, 1999, p. 23).

QUESTÕES SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE


155

A revista Veja, de 11 de julho de 2001, fez uma reportagem retratando casais


homoafetivos que conseguiram adotar filhos, e comprova-se que essa concep-
ção está totalmente enganada. A maturidade de muitos homossexuais perante
seus filhos, a educação e o posicionamento perante a sociedade, enfrentando o
preconceito são visíveis e elogiáveis. Alguns pais homossexuais dizem que seus
filhos possuem namorada, que nada afeta a relação deles, que é tudo normal,
basta preparar as crianças e ensiná-las como lidar com o preconceito.
Vimos então que não há proibições em um homossexual adotar uma criança,
já que a lei vigente não mostra nenhuma lei pertinente, apenas o artigo 29 do
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

ECA que se aproxima de uma ilegalidade, porém sua interpretação fica obscura
no entendimento do tema, “Art. 29 - Não se deferirá colocação em família subs-
tituta a pessoa que revele, por qualquer modo, incompatibilidade com a natureza
da medida ou não ofereça ambiente familiar adequado”.
A orientação sexual ou identidade de gênero jamais poderiam ser utilizadas
como justificativa para obstruir ou indeferir qualquer processo que envolva a adoção
de crianças e adolescentes. Sobre a união civil entre casais homoafetivos, em maio
de 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconhece a união civil entre pessoas
do mesmo sexo, ampliando a conquista de direitos e deixando nítida a importância
da luta LGBTI para o avanço da dignidade entre essas pessoas nos seus contextos
de sociabilidades. Confira trechos da decisão publicada na época no portal do STF:
Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgarem a Ação
Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de Descum-
primento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, reconheceram a união
estável para casais do mesmo sexo. As ações foram ajuizadas na Corte,
respectivamente, pela Procuradoria-Geral da República e pelo gover-
nador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral.
O julgamento começou na tarde de ontem (4), quando o relator das
ações, ministro Ayres Britto, votou no sentido de dar interpretação
conforme a Constituição Federal para excluir qualquer significado do
artigo 1.723 do Código Civil que impeça o reconhecimento da união
entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.
O ministro Ayres Britto argumentou que o artigo 3º, inciso IV, da CF
veda qualquer discriminação em virtude de sexo, raça, cor e que, nesse
sentido, ninguém pode ser diminuído ou discriminado em função de
sua preferência sexual. “O sexo das pessoas, salvo disposição contrá-
ria, não se presta para desigualação jurídica”, observou o ministro, para
concluir que qualquer depreciação da união estável homoafetiva colide,

Adoção Homoparental
156 UNIDADE III

portanto, com o inciso IV do artigo 3º da CF.


Os ministros Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Gil-
mar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso, bem como
as ministras Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ellen Gracie, acompanha-
ram o entendimento do ministro Ayres Britto, pela procedência das
ações e com efeito vinculante, no sentido de dar interpretação confor-
me a Constituição Federal para excluir qualquer significado do artigo
1.723 do Código Civil que impeça o reconhecimento da união entre
pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.
Na sessão de quarta-feira, antes do relator, falaram os autores das duas ações
– o procurador-geral da República e o governador do Estado do Rio de Ja-
neiro, por meio de seu representante –, o advogado-geral da União e advoga-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
dos de diversas entidades, admitidas como amici curiae (amigos da Corte).
Ações
A ADI 4277 foi protocolada na Corte inicialmente como ADPF 178. A
ação buscou a declaração de reconhecimento da união entre pessoas do
mesmo sexo como entidade familiar. Pediu, também, que os mesmos
direitos e deveres dos companheiros nas uniões estáveis fossem esten-
didos aos companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo.
Já na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF)
132, o governo do Estado do Rio de Janeiro (RJ) alegou que o não re-
conhecimento da união homoafetiva contraria preceitos fundamentais
como igualdade, liberdade (da qual decorre a autonomia da vontade)
e o princípio da dignidade da pessoa humana, todos da Constituição
Federal. Com esse argumento, pediu que o STF aplicasse o regime ju-
rídico das uniões estáveis, previsto no artigo 1.723 do Código Civil, às
uniões homoafetivas de funcionários públicos civis do Rio de Janeiro
(Migalhas, 2011, on-line)9.

Sobre a discussão acerca da adoção homoparental, confiram o próximo subca-


pítulo deste texto.

Sobre a adoção homoparental, a ministra Cármen Lúcia ressaltou que as uni-


ões homoafetivas já são reconhecidas como entidade familiar, com origem
em um vínculo afetivo, e merecem tutela legal.
(Instituto Brasileiro de Direito de Família)

QUESTÕES SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE


157

SOBRE A ADOÇÃO HOMOPARENTAL NO CENÁRIO


BRASILEIRO

“Vivemos numa sociedade de classes onde as desigualdades sociais, econômicas e


políticas ultrapassam os limites da imaginação” (FONSECA, 2002, p. 15). Dentro
dessas desigualdades, encontra-se um grande número de crianças e adolescen-
tes em situação de abandono, com pais ou responsáveis vivendo em situações
de risco, e outros, até mesmo sem referências familiares. Crianças e adolescen-
tes que se encontram sobre riscos sociais são encaminhadas para os Serviços de
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Acolhimento Institucional, historicamente conhecidos como orfanatos e abrigos


e que, no tempo atual, se apresentam com outras configurações.
Em alguns casos, o abandono decorre da ausência de condições objetivas
para o exercício do direito à paternidade ou maternidade, ausência estas que
não nos cabe julgar, mas sim, compreender e analisar, a partir de uma conjun-
tura historicamente construída. Os motivos para o acolhimento são diversos,
podendo ser determinado diretamente por juízes/juízas das Varas da Infância e
da Adolescência, ou pelo Conselho Tutelar em casos de maior gravidade.
A legislação, nesse caso o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal
nº. 8069/1990), preconiza que o acolhimento deve ser provisório e excepcional.
Todavia, o que pesquisas recentes apresentam é um quantitativo de crianças e
adolescentes que passam boa parte ou toda essa fase peculiar de desenvolvimento
acolhidas em Instituições. Varia-se o perfil que facilita ou obstruí oportunida-
des de colocação em família substituta.
Cabe afirmar que os processos de adoção no Brasil ainda apresentam faces
perversas, em que casais ou indivíduos habilitados para a adoção buscam crianças
com base em raça/etnia, no caso a caucasiana/branca, sem problemas de saúde,
recém-nascidos ou na fase inicial da infância. Quem não se enquadra nos per-
fis dos cadastros de adoção, acabam construindo toda a infância e adolescência
nos Acolhimentos, sem perspectivas de inserção em famílias substitutas.
Dentro desse contexto, pautamos o assunto de casais homossexuais virem
a adotar filhos, uma prática de adoção que nada tem a ver com caridade, solida-
riedade ou ato de bondade. Na realidade, essa prática condiz com a possibilidade
de famílias substitutas, independentemente da orientação sexual ou identidade

Sobre a Adoção Homoparental no Cenário Brasileiro


158 UNIDADE III

de gênero, devolverem a dignidade, os valores humanos e a cidadania a esses


jovens em situação de abandono. Falar em adoção homoparental é falar em
direito: direito de casais homossexuais ou LGBTIs solteiros de adotarem filhos,
de constituírem família a partir dos seus desejos; direito de crianças e adolescen-
tes em acolhimento, sem referências familiares, de terem mães ou pais a partir
da colocação em família substituta.
Até 2015, a adoção por casais homoparentais não era legalizada. Apenas o
homossexual na condição de solteiro podia entrar com o pedido. No Brasil, casais
gays ainda enfrentam preconceito de assistentes sociais no processo de adoção.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
No Brasil, existiam casos de deferimento da adoção através do direito com-
parado (analogia), que mostra a nova realidade social do país, as novas exigências
e as novas constituições de famílias que estão se estabelecendo na sociedade.
Somente em março de 2015 o Supremo Tribunal Federal (STF) reconhe-
ceu o direito de casais homoafetivos à adoção de crianças e adolescentes, sem
qualquer distinção. A decisão foi feita pela Ministra Carmen Lúcia, atual presi-
dente do STF. Veja alguns trechos da decisão histórica, registradas no portal do
Instituto Brasileiro de Direito de Família (2015, on-line)10:

QUESTÕES SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE


159

Nesta quinta-feira, dia 17, o Supremo Tribunal Federal (STF) manteve


decisão de acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) que auto-
rizou a adoção conjunta para um casal gay, em julgamento de recurso
extraordinário interposto pelo Ministério Público do Paraná (MP-PR).

O casal Toni Reis e David Harrad, fundadores do Grupo Dignidade,


entrou em 2005 com pedido de habilitação para adoção junto à Vara da
Infância e Juventude de Curitiba. O juiz foi favorável à adoção conjun-
ta, mas colocou duas restrições: as crianças a serem adotadas tinham
que ser meninas e ter mais de 10 anos de idade. Eles recorreram ao
TJPR, que entendeu estarem habilitados para a adoção e que não havia
limitação quanto ao sexo e à idade dos adotandos em razão da orienta-
ção sexual dos adotantes.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

O MP-PR recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supre-


mo Tribunal Federal (STF) contra a decisão do TJPR, alegando que o
casal não formava uma entidade familiar e, portanto, não estaria apto
a adotar filhos em conjunto. O MP argumentou que a Constituição da
República não prevê expressamente outras configurações familiares,
exceto a formada por homem e mulher, de forma intencional para “não
eleger (o que perdura até a atualidade) a união de pessoas do mesmo
sexo como caracterizadores de entidade familiar”.

No STJ, o recurso foi indeferido. Em 2010, no STF, o ministro Marco


Aurélio Mello rejeitou o recurso porque a matéria em discussão era a
restrição quanto à idade e ao sexo das crianças, e não o conceito de en-
tidade familiar. Depois, o MP interpôs o recurso extraordinário ao STF.
Enquanto o processo não voltava do STJ/STF, o casal Toni e David não
podia adotar em Curitiba. No entanto, a decisão do TJPR permanecia
valendo porque o recurso do MP não tinha efeitos suspensivos e Toni e
David puderam adotar seu primeiro filho em 2012, em outro estado, e
em 2014 obtiveram a guarda de mais um menino e uma menina.

Decisão final - A ministra Cármen Lúcia, relatora do caso, ressaltou


que as uniões homoafetivas já são reconhecidas como entidade fami-
liar, com origem em um vínculo afetivo, e merecem tutela legal. Segun-
do ela, não há razão para limitar a adoção, criando obstáculos onde
a lei não prevê. “Delimitar o sexo e a idade da criança a ser adotada
por casal homoafetivo é transformar a sublime relação de filiação, sem
vínculos biológicos, em ato de caridade provido de obrigações sociais e
totalmente desprovido de amor e comprometimento”, disse.

A ministra incluiu em seu voto a interpretação da Corte no julga-


mento da ADI 4277/ADPF 132 (2011), de relatoria do então ministro
Carlos Ayres Britto, que reconheceu a união homoafetiva como enti-
dade familiar.

Sobre a Adoção Homoparental no Cenário Brasileiro


160 UNIDADE III

No julgamento histórico, em 2011, Ayres Britto ressaltou que a Cons-


tituição Federal não distingue a família heteroafetiva da família ho-
moafetiva. “Por isso que, sem nenhuma ginástica mental ou alquimia
interpretativa, dá para compreender que a nossa Magna Carta não
emprestou ao substantivo ‘família’ nenhum significado ortodoxo ou da
própria técnica jurídica. Recolheu-o com o sentido coloquial pratica-
mente aberto que sempre portou como realidade do mundo do ser.” O
ministro foi seguido à unanimidade pelos demais, e na ocasião ele disse
que não devem existir interpretações preconceituosas e homofóbicas
da Constituição e que a isonomia entre casais heteroafetivos e homo-
afetivos somente será plena se tiverem os mesmo direitos à formação
da família.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
“Assim interpretando por forma não-reducionista o conceito de família,
penso que este STF fará o que lhe compete: manter a Constituição na
posse do seu fundamental atributo da coerência, pois o conceito con-
trário implicaria forçar o nosso Magno Texto a incorrer, ele mesmo, em
discurso indisfarçavelmente preconceituoso ou homofóbico. Quando o
certo - data vênia de opinião divergente - é extrair do sistema de coman-
dos da Constituição os encadeados juízos que precedentemente verba-
lizamos, agora arrematados com a proposição de que a isonomia entre
casais heteroafetivos e pares homoafetivos somente ganha plenitude de
sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma
autonomizada família. Entendida esta, no âmbito das duas tipologias de
sujeitos jurídicos, como um núcleo doméstico independente de qual-
quer outro e constituído, em regra, com as mesmas notas factuais da
visibilidade, continuidade e durabilidade’’ (IBDFAM, 2015, on-line)10.

Obviamente que, até o tempo presente, a adoção por casais homoafetivos ainda é
condenada e discriminada por cidadãos com posicionamentos e ações conserva-
doras. As posições possuem embasamento unicamente pautado no texto bíblico.
Não há análise para refletir a terrível cultura do abandono no Brasil e a realidade
perversa de crianças e adolescentes em Acolhimentos Institucionais, pois muitos
serviços como esses ainda revitimizam esses jovens do que realmente os protegem.
O Serviço de Acolhimento para Crianças e Adolescentes Brasileiro está
muito aquém de oferecer acolhimento digno e humano para esse público. O
preconceito é excedente, baseado em mitos como o de que filho adotivo de gay
se tornaria gay também, outros falam que a homossexualidade é uma anomalia
genética e que família é apenas a constituição de homem, mulher e filhos. Não
há uma abertura para a compreensão dos novos arranjos familiares atualmente
postos na sociedade.

QUESTÕES SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE


161

Há também as barreiras religiosas, que não aceitam a homossexualidade e


consequentemente a adoção por casais homossexuais. Atitude tão reacionária
e preconceituosa como essas é que, grupos religiosos que ocupam espaços de
poder no aparelho do Estado, tentam aprovar desde 2013 o Estatuto da Família,
que compreende no retrocesso às transformações sociais e culturais que per-
mitiram a compreensão e o reconhecimento da categoria Famílias (no plural),
considerando e respeitando seus diversos arranjos, além da conquista de direitos
para todos aqueles que vivem em famílias alheias do arranjo nuclear tradicional
(pai, mãe e filhos – nesta ordem).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Redesignação de gênero:
Chamamos de identidade de gênero a forma como a pessoa se identifica
como homem ou mulher, ou seja, uma auto-imagem. Por vezes, há incom-
patibilidade entre a forma que me vejo e penso, e as características físicas
determinados ao nascimento. Esta incongruência recebe o nome de distúr-
bio de identidade de gênero. Tal condição traz a pessoa sérios problemas
psicológicos.
Logo, é necessário entender a diferença entre identidade de gênero (“como
a pessoa se vê”), sexualidade (“por quem a pessoa se sente atraída”) e ana-
tomia biológica (“genitália”), já que são características totalmente indepen-
dentes. No caso de “redesignificação de gênero” a pessoa vai adaptar seu
corpo à sua auto-imagem, seja de homem ou mulher. Para tanto, o processo
vai desde tratamento hormonal e acompanhamento psicológico até pro-
cedimentos cirúrgicos e estéticos.
Fonte: adaptado de Manica ([2017], on-line)11.

Ainda que as questões acerca da sexualidade e gênero no Brasil estão envoltas de


tabus e preconceitos, nossa sociedade está em passos curtos avançando em con-
quistas. Tudo é fruto do trabalho e pesquisa de organizações e conselhos, além
das lutas diárias dos cursos e profissionais do Serviço Social, que visam a equi-
dade de direitos, independente da condição sexual dos indivíduos.

Sobre a Adoção Homoparental no Cenário Brasileiro


162 UNIDADE III

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste capítulo, foi possível concluir que gênero é um conceito construído coleti-
vamente. O gênero é o sexo socialmente e historicamente construído. Por meio
de um contexto determinado, se constrói no imaginário das pessoas o que é ser
homem e o que é ser mulher, e essa construção social é perpassada por uma ide-
ologia. Há um poder ideológico para manutenção da hierarquia heteronormativa
masculina para reproduzir preconceitos/discriminações contra as mulheres e
contra os LGBTIs, como se esses fossem inferiores e devessem ser subordina-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
dos aos homens.
Gênero é um elemento constitutivo de relações sociais, baseadas nas dife-
renças entre os sexos, e é uma forma primária de dar significado às relações
de poder. Assim, lutamos por liberdade e igualdade de gênero, e não por uma
liberdade burguesa de direito de consumo, de ir às praias, à baladas LGBTIs, de
comprar produtos, mas para além do consumo, o direito de ser cidadão, de ser
considerado um sujeito de direitos.
A emancipação da mulher e dos LGBTIs só será possível quando estes tive-
rem todos seus direitos respeitados - direito político, de ser cidadão. Porém, não
se trata apenas de direitos sociais, mas também ter acesso a equipamentos sociais
de qualidade, tais como: saúde, educação, creche, moradia, entre outros, e não
por meio de políticas públicas que reforçam ainda mais a questão da subordina-
ção da mulher, como no caso do programa bolsa família, entre outros.
Precisamos de políticas públicas para toda a população que trabalhe com
valores e com preconceitos, a fim de se posicionar contra o machismo e a homo-
fobia, além de combater e prevenir a violência, a discriminação e o preconceito.
É importante também criar políticas públicas que atendam à questão de gênero
em sua totalidade, indo além de medidas paliativas. Por isso, mais do que legisla-
ções e políticas públicas para igualdade de gênero, lutamos por um rompimento
de paradigmas, pela construção de novas relações e valores, baseadas na igual-
dade e na liberdade de gênero.

QUESTÕES SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE


163

1. Segundo Joan Scott (1995), gênero é um elemento constitutivo das relações so-
ciais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos, que fornece um
meio de decodificar o significado e de compreender as complexas conexões en-
tre as várias formas de interação humana. De acordo com a citação da autora,
estamos pensando em qual categoria?
a. Orientação Sexual.
b. Ideologia de Gênero.
c. Relações de Gênero.
d. Violência de Gênero.
e. Homo-lesbo-transfobia.

2. De acordo com o texto, para a garantia da conquista da emancipação de mulhe-


res heterossexuais e de LGBTIs, é necessário:
a. Somente a luta por maior respeito e tolerância.
b. Somente a garantia dos direitos políticos.
c. Garantia de direitos sociais e políticos com acesso de qualidade aos equipa-
mentos das diversas políticas públicas existentes.
d. Acesso aos equipamentos das políticas públicas.
e. Vagas nos atendimentos de saúde e assistência social.

3. Sobre a adoção por casais homoparentais, reflita e assinale a alternativa cor-


reta.
a. É um processo ilegítimo, proibido no Brasil até hoje.
b. É um processo permitido no Brasil, porém ilegítimo e imoral.
c. É um processo legítimo, garantido em 2015 pelo Supremo Tribunal Federal
em que reconhece casais de pessoas do mesmo sexo como família.
d. É um processo legítimo, garantido em 2015 pelo Supremo Tribunal Federal
em que reconhece casais de pessoas do mesmo sexo como família, porém
imoral e inaceitável.
e. É um processo legítimo, garantido em 2015 pelo Supremo Tribunal Federal a
partir dos pressupostos do Estatuto da Família.

4. Segundo as reflexões realizadas a partir da leitura desta Unidade, é possível afir-


mar que o Serviço Social, diante das múltiplas expressões das identidades sexu-
ais e de gênero:
164

a. Possui compromisso ético-político em compreender, respeitar e lutar pela


livre expressão da diversidade sexual e de gênero, pautando-se no direcio-
namento do Projeto Ético-Político Profissional e no Código de Ética do Assis-
tente Social.
b. Possui o direito de escolher, compreender e respeitar as múltiplas expressões
da diversidade sexual e de gênero.
c. Possui dever de compreender e de orientar à uma adequação aos padrões
heteronormativos vigentes.
d. Possui dever ético de respeitar a diversidade sexual e de gênero, pautando-se
no direcionamento positivista da profissão.
e. Não precisa se atentar a esta questão, já que vivemos em uma sociedade ain-
da moldada por padrões heteronormativos.
5. O I Plano Nacional de Políticas para Mulheres, criado em 2004 pelo Governo Fe-
deral, apresenta quatro frentes de trabalho, que são:
a. Dependência; Igualdade no Mundo do Trabalho e Cidadania; Educação Inclu-
siva e Sexista; Saúde das Mulheres, Direitos Reprodutivos e o Enfrentamento
à Violência contra a Mulher.
b. Autonomia; Igualdade no Mundo do Trabalho e Cidadania; Educação Sexis-
ta; Saúde das Mulheres, Direitos Reprodutivos e o Enfrentamento à Violência
contra a Mulher.
c. Obediência; Permanência e Trabalho Doméstico; Educação Sexista; Saúde das
Mulheres, Enfrentamento à Violência contra a Mulher.
d. Autonomia; Igualdade no Mundo do Trabalho e Cidadania; Educação Inclu-
siva e não Sexista; Saúde das Mulheres, Direitos Sexuais e Reprodutivos e o
Enfrentamento à Violência contra a Mulher.
e. Autonomia; Igualdade no Mundo do Trabalho; Educação Inclusiva e não
Sexista; Saúde das Mulheres, Direitos Sexuais e o Não Enfrentamento à Vio-
lência contra a Mulher.
165

O DIREITO À IDENTIDADE DE GÊNERO E AO NOME CIVIL DOS


TRANSEXUAIS: UMA ANÁLISE DO ATUAL CENÁRIO E DA NECESSIDADE
DE ADEQUAÇÃO DAS NORMAS BRASILEIRAS

Uma Análise do olhar da Doutrina sobre os Transexuais

Muitas são as teorias e os estudos sobre os cia se instala já na infância; nos demais, ela
transexuais para identificar o transtorno se desenvolve na adolescência e na vida
que eles possivelmente sofrem. A teoria adulta. Quanto mais tardia for a transi-
neurológica mais aceita pelos médicos é ção para o novo sexo, mais dolorosa será.
a holandesa. Ao estudarem o hipotálamo, ” Os transexuais podem ser divididos em
região do cérebro responsável pelo desen- dois grupos: aqueles que nasceram com o
volvimento dos hormônios sexuais, em fenótipo masculino, porém tem a identi-
cadáveres, os holandeses verificaram que dade de gênero feminina (MTF – sigla em
a região da chamada “estria terminal” é 44% inglês que significa Male to Female), sendo
maior nos homens em relação às mulhe- melhor identificados como femininos e
res, e ao medirem em seis transexuais a não afeminados; e aqueles que nasceram
mesma região, verificaram ser 52% menor mulheres, mas se identificam como homens
do que a média masculina, sendo, portanto, (FTM – sigla em inglês Female to Male) e
mais próxima do tamanho encontrado nas não são masculinizados, mas masculinos.
mulheres. Outros estudos afirmam que os A doutrina apresenta duas modalidades.
transexuais possuem um quociente intelec- A primeira conhecida como o transexual
tual (QI) um pouco acima da média, entre verdadeiro, ou primário, é aquela dos indi-
106 e 118. Também há hipóteses de que, víduos que apresentam, desde a formação
entre os últimos dias de vida fetal ou nas de sua identidade, rejeição ao corpo bioló-
primeiras semanas de vida, o indivíduo gico e a convicção de pertencerem ao sexo
sofre uma impregnação hormonal no hipo- oposto. Ou seja, precocemente já manifes-
tálamo, pelo hormônio contrário ao de seu tam vontade inequívoca de modificação
sexo biológico. Algumas experiências iden- de sexo. São eles que buscam a cirurgia
tificaram uma alteração nos cromossomos como único meio de adequação, e é para
das células dos transexuais, outras identi- eles que se entende que a cirurgia deve ser
ficaram independência total entre o sexo autorizada. O segundo grupo é conhecido
psicológico – ligado a um processo com- como transexual secundário, tratando-se
plexo que se forma desde o nascimento e daqueles que oscilam entre o travestismo
depende de influência, primeiramente, da e homossexualidade, manifestando a von-
mãe e, depois, do pai – e o sexo biológico, tade de pertencer ao sexo oposto, porém
que depende de cromossomos. O médico não tendo rejeição de seu próprio corpo,
Drauzio Varella traz a seguinte afirmação: como no caso do transexual verdadeiro.
“Em 66% dos transexuais, a incongruên- Entende-se, neste caso, não ser recomen-
166

dável a cirurgia de resignação, ante a Trecho extraído de um Trabalho de Con-


complexidade da mesma, pois sua condi- clusão de Curso em Bacharel de Ciências
ção não é contínua e efetiva. Ainda assim, Jurídicas e Sociais da Faculdade de Direito
lembram-nos os autores Maria de Fátima da Pontifícia Universidade Católica do Rio
Freire de Sá e Bruno Torquato de Oliveira Grande do Sul, para ter acesso ao trabalho,
Naves, que o secundário também é aquele acesse o link:
que tenta se comportar de acordo com as
regras da dita normalidade, numa tentativa <http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/
de adaptação e adequação de suas prefe- poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/traba-
rências, sendo difícil julgá-lo. lhos2015_2/ana_lopes.pdf>.
Fonte: Lopes (2015, on-line)12.
MATERIAL COMPLEMENTAR

Preconceito contra homossexualidades - a hierarquia da


invisibilidade
Frederico Viana Machado, Marco Aurélio Máximo Prado (2008)
Editora: Cortez
Sinopse: as sexualidades sempre foram um tema importante nas
discussões políticas da sociedade, estando hoje, inclusive, com forte
presença na mídia. É nesse contexto que fica evidente o quanto os
homossexuais tornaram-se um grupo influente, que luta por igualdade de direitos, e que têm
imensa relevância no cenário cultural e político.

A Garota Dinamarquesa
Tom hooper - Universal Pictures (2016)

Cinebiografia de Lili Elbe (Eddie Redmayne), que nasceu Einar Mogens


Wegener e foi a primeira pessoa a se submeter a uma cirurgia de
mudança de gênero. Em foco o relacionamento amoroso do pintor
dinamarquês com Gerda (Alicia Vikander) e sua descoberta como
mulher.

Orações para bobby


Russell Mulcahy - (2009)

A católica devota Mary Griffith tenta “curar” o filho homossexual Bobby,


mas ele acaba se suicidando com a pressão da sociedade e a mãe se
torna defensora dos direitos gays.

Material Complementar
168
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GABARITO

1. B
2. C
3. C
4. A
5. D
Professor Dr. Silvio Ruiz Paradiso

ÉTICA, TECNOLOGIA

IV
UNIDADE
E MEIO AMBIENTE

Objetivos de Aprendizagem
■ Compreender o contexto e conceito do termo Violência em nossa
sociedade.
■ Relacionar a violência com o conceito de poder hegemônico.
■ Diferenciar os tipos de violência, em especial, o físico do simbólico.
■ Estudar e refletir sobre variadas manifestações da violência na
sociedade.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ Ética e Moral
■ Ética, moral e o perfil do assistente social
■ Ética, tecnologia e sociedade
■ Redes socias
■ Cyberbullying
■ Ética, Meio-ambiente e sociedade
175

INTRODUÇÃO

Tecnologia, Meio-Ambiente e Ética e Moral são temas recorrentes nos notici-


ários do dia a dia. Mais que isso, são temas recorrentes nossos, no agir diário.
Dessa forma, tais elementos fazem parte dos processos sociais, e precisam ser
conhecidos e discutidos dentro da profissão do Assistente Social.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Esta unidade contemplará, inicialmente, o que é ética e o que é moral, suas


diferenças e como elas podem influenciar o papel de escolha do profissional
de Serviço Social. Veremos que a Ética é universal e atemporal, enquanto a
Moral é cultural e temporária. A Ética é baseada na reflexão e em princípios, e
a Moral é latente e baseada em crenças, quase sempre pessoais. Seguindo esse
tema, discutiremos sobre as relações entre moral e ética e o perfil do assistente
social, principalmente quando a moral pessoal acaba passando por cima da ética
universal.
Ainda no campo da ética, iremos discutir e refletir sobre seu papel, na atual
sociedade dominada pela tecnologia e redes sociais. Compreenderemos que a
identidade social passa por reformulações negociadas a partir do uso da inter-
net, gerando situações nem sempre aceitas pelos princípios sociais básicos e,
consequentemente, éticos. A Tecnologia transformou o comportamento da
sociedade, sendo um dos objetos de estudo do Serviço Social. Ainda sobre esse
tema, investigaremos o cyberbullying, uma espécie de bullying que acontece no
ciberespaço - e que é próprio da cibercultura -, espalhando pela rede a intole-
rância e a violência.
Por fim, iremos refletir e estudar a relação da ética e sociedade com o meio-
-ambiente, e compreender que, na atual conjectura, nós, como sociedade e
natureza, somos um e, dessa forma, o que atinge um, atinge o outro.
Espero que esta unidade possa trazer muita reflexões sadias sobre ética,
moral, tecnologia e meio ambiente, sob o viés social.

Introdução
176 UNIDADE IV

ÉTICA E MORAL

O Assistente Social deve ter muita clareza nos conceitos sobre ética e moral e, princi-
palmente, em seu papel com esses termos e, consequentemente, no resultado positivo
da responsabilidade social. O tema é ainda mais importante na atualidade, visto que
as mudanças na sociedade tem acontecido de forma acelerada, gerando fenôme-
nos ambíguos e polêmicos na vida social. Como apresenta Carvalho (2011, p. 240):
A ética faz parte da natureza do Serviço Social”. A ética no Serviço So-
cial deve ser observada no âmbito da responsabilidade social. Mas o

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
que é “ética”? É a mesma coisa que “moral”? Ética e moral tem haver
com questões como “devo ou não devo?”, “isto é certo ou errado”, “isto
é contra minhas crenças pessoais?.

No início do Serviço Social, os princípios reguladores da profissão estavam


associados em “princípios e valores que organizavam a sociedade, onde a comu-
nidade, a solidariedade e a identidade decorriam dos princípios do dever moral”
(Carvalho, 2011, p. 240) e aqui, a moral é entendida como “o que devo fazer” ou
“o que é preciso fazer” (BESSON; GUAY, 2000, p. 48).
Dessa forma, a moral do assistente social era um conjunto de “valores,
princípios, normas de conduta”, muitas vezes pré-determinada pela tradição
e documentos normativos, como o código da década 47 e dos anos 65, ambos
puramente moralistas, no sentido religioso/conservador.
Mas moral é a mesma coisa que ética? Não. Ética e Moral muitas vezes têm seus
significados como sinônimos, mas são conceitos distintos. Ética é um termo de origem
grega, que vem de ethos, literalmente, morada, habitat e refúgio. Mas a ideia da palavra
seria natureza, índole, um local onde o caráter habita, bom costume, etc. Além disso,re-
tomando aos filósofos, já que Ética é um dos motes da Filosofia, podemos entendê-la
como um tipo de reflexão que se refere à natureza da ação humana, um modo de ser.
Já Moral, do latim morals, relativo aos costumes, maneira e comportamento,
é uma ideia que se tornou verdadeira. A moral torna-se resultado de um padrão
cultural do momento, tendo como base regras para o convívio social harmônico
entre todos os membros daquela sociedade, visto que é esta própria sociedade
que, previamente, estabelece os valores para a formação de sua moral que, no
entanto, podem ser questionados pela ética.

ÉTICA, TECNOLOGIA E MEIO AMBIENTE


177
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Figura 1 - Dilema moral.

Em suma, a princípio, todas as condutas são morais pois são ações humanas e
comportamentos. Nesse caso, entende-se moral enquanto ação do sujeito que
vive em sociedade. A Ética é, por sua vez, a ciência da moral: é ela quem pensa,
analisa e valida ou não um ato moral. Assim, um ato pode ser não ético, mas
ação realizada. A moral tem caráter prescritivo e normativo, assim como as leis,
que são normativas mas nem sempre éticas.
Cela especial para quem tem curso superior, por exemplo - é lei, norma e
moral, mas não ético. Diferenciar pessoas de conduta criminosa a partir de seu
grau de instrução, privilegiando-a, fere princípios, e por isso fere a ética. Ganhar
salário pelo seu trabalho é lei e é moral, mas o valor nem sempre é ético. A con-
duta ética é um comportamento que deve se valer da relação com o outro, ou
seja, nunca unilateral.

Ética e Moral
178 UNIDADE IV

Cortina (2005) revela que Aristóteles compreendia a ética como uma esco-
lha, que visava o viver bem com e para os outros, criando relações justas. E
Platão entendia ética por este viés, da virtude justa. Além desses, outros pensa-
dores observavam a ética como uma escolha, baseada na razão (reflexão). Logo,
a ética seria uma reflexão sobre a moral, sendo esta explicada e fundamentada
de forma racional. É como se a Ética explicasse a Moral, dando-lhe, em deter-
minado contexto, validade ou não, e aí entra a questão de ser ético para ter uma
responsabilidade social.
Na construção das liberdades e garantias, a ordem moral transfor-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
ma-se em ética e tem um significado não de prescrição de compor-
tamentos, mas de reflexão sobre os mesmos. A ética não impõe nor-
mas, mas questiona o que acontece, é uma análise da atitude face ao
ocorrido (factos). Por isso, a ética descreve, propõe, reflecte, a par-
tir de condições determinadas, os melhores princípios a seguir [...].
Pressupõe uma reflexão sobre a moral e as razões justificativas dessas
normas, regras, princípios e direitos em determinada realidade social
(CARVALHO, 2011, p. 240).

Por isso, nas palavras de Besson e Guay (2000, p. 49), a ética interessa saber
“o que é o melhor em determinada situação, quais os melhores princípios, o
melhor objectivo a seguir”. Dessa forma, algumas profissões possuem códigos
de ética, que visam justamente apresentar os princípios e nortear o compro-
misso com os usuários, com base na liberdade, democracia, cidadania, justiça
e igualdade social. Ou seja, independente da moral do profissional de Serviço
Social, há uma conduta esperada, visando a responsabilidade social.
A ética no Serviço Social deve ser encarada como suporte a uma ontolo-
gia do ser social, levando em conta o contexto da época (moral). Em 1986,
o código de ética do Serviço Social deu um salto em relação aos anteriores,
na questão de desvincular da profissão a moral religiosa e tradicionalista.
Esta mudança nasce em 1979 com o III Congresso Brasileiro de Assistentes
Sociais, trazendo uma nova perspectiva de conscientização profissional, des-
vinculando-se da moral e focando-se na Ética.

ÉTICA, TECNOLOGIA E MEIO AMBIENTE


179

Ética é universal e atemporal, enquanto Moral é cultural e temporária. A Éti-


ca é baseada na reflexão e em princípio, enquanto a Moral é latente e base-
ada em crenças.

Anos depois, surgiu a necessidade de revisão deste código, tendo em vista as


rápidas mudanças sociais que surgiram entre os anos de 1986 e 1993, como a
Guerra Fria, as Guerrilhas na América do Sul, a descoberta do vírus HIV, o nas-
cimento de movimentos gays, a popularização de tecnologias pessoais como PC,
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walkman, video cassete e CD-rom, a conquista do espaço, as ameaças nucleares,


os alimentos transgênicos e, especialmente no Brasil, o avanço das Igrejas neo-
pentecostais com a teologia da prosperidade e o nascimento do SUS e do ECA.
Não só na releitura da moral da nova sociedade e na incorporação teórica
de cunho marxista, mas a ética no Serviço Social vale-se também com o cuidado
até mesmo no uso de termos específicos:
[Há] o reconhecimento da linguagem de gênero, adotando-se em
todo o texto a forma masculina e feminina, simultaneamente. Essa
última expressa, para além de uma mudança formal, um posiciona-
mento político, tendo em vista contribuir para negação do machis-
mo na linguagem, principalmente por ser a categoria de assistentes
sociais formada majoritariamente por mulheres. [...] Do ponto de
vista do conteúdo, as mudanças procedidas foram relativas à modi-
ficação de nomenclatura, substituindo o termo “opção sexual” por
“orientação sexual”, incluindo ainda no princípio XI a “identidade
de gênero” , quando se refere ao exercício do serviço social sem ser
discriminado/a nem discriminar por essa condição (BRASIL, 1993,
p. 13 –14).

Nesta unidade, quero que possamos refletir sobre o papel da ética em nossas esco-
lhas, nossos (pré)conceitos, na nossa moral e na realidade social tão subjetiva
em que vivemos. Entendamos que o código de ética visa sugerir um comporta-
mento homogêneo entre os profissionais, independentemente de suas crenças,
experiências e valores familiares e culturais.

Ética e Moral
180 UNIDADE IV

ÉTICA, MORAL E O PERFIL DO ASSISTENTE SOCIAL

O que define um comportamento moral na sociedade?


Muitos poderão entender que os códigos morais são acatados mediante uma
escolha pessoal ou convicção íntima, fazendo com que a pessoa aja de acordo
com o costume de seu grupo ou sociedade. Assim, nesta “norma”, quem segue
tais códigos são pessoas morais e quem não segue, imorais. Todavia, como já
alertamos, tanto uma pessoa considerada socialmente imoral, quanto a moral,
podem cumprir leis jurídicas e ambas serem éticas.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
O julgamento em relação a moral é definido por questões pessoais, pois até
mesmo um comportamento ou costume de um grupo pode ser questionado. Ou
seja, ninguém nasce moral ou imoral, pois o caráter de quem é ou não, bem como
os parâmetros de julgamento são culturais e, por vezes, simbólicos.
Podemos romper padrões morais sem necessariamente deixar de sermos éti-
cos. Roubar é algo imoral em nossa sociedade. Imagina a seguinte situação: uma
pessoa rouba um remédio para salvar a vida da avó, e outro, que vive em condições
de miséria, rouba um litro de leite no mercado para saciar a fome do filho. Ambos
quebraram uma regra da sociedade vigente em que vivem, mas os fatos podem ser
justificados eticamente? É ético deixar o filho padecer de fome e/ou a avó morrer?
Por essa razão, a Ética é “racional’’ e reflexiva, além de demandar um debate
coletivo, levando em consideração princípios maiores que qualquer valor moral
subjetivo. Logo, os “códigos de ética” das profissões fazem esse papel, de “suge-
rir” e apresentar os princípios que criam uma cultura ética e, consequentemente,
uma responsabilidade social.
No código de Ética do Serviço Social, temos uma série de fundamentos que
visam essa “cultura ética” do assistente social. Vejamos quatro princípios, que se
encontram na primeira parte do código Princípios Fundamentais:
I. Reconhecimento da liberdade como valor ético central e das deman-
das políticas a ela inerentes - autonomia, emancipação e plena expan-
são dos indivíduos sociais;
[...]
VI. Empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, incen-
tivando o respeito à diversidade, à participação de grupos socialmente
discriminados e à discussão das diferenças;

ÉTICA, TECNOLOGIA E MEIO AMBIENTE


181

VII. Garantia do pluralismo, através do respeito às correntes profissio-


nais democráticas existentes e suas expressões teóricas, e compromisso
com o constante aprimoramento intelectual;
VIII. Opção por um projeto profissional vinculado ao processo de
construção de uma nova ordem societária, sem dominação, exploração
de classe, etnia e gênero;
[...]
XI. Exercício do Serviço Social sem ser discriminado/a, nem discrimi-
nar, por questões de inserção de classe social, gênero, etnia, religião, na-
cionalidade, orientação sexual, identidade de gênero, idade e condição
física (CRESS MG, on-line1).
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Reparem que esses princípios vão de encontro com os valores morais de cada um,
ou seja, o código deixa implícito que, independentemente de convicção teórica,
preconceitos raciais, sexuais, religiosos e visão pessoal em relação ao que a pes-
soa deve ou não escolher, o assistente social precisa ser ético, não discriminar o
próximo, não ser preconceituoso, não defender o machismo, xenofobia, homo-
fobia ou o racismo, reconhecendo a liberdade individual e escolhas dos cidadãos.
É seguindo esse código que se propõe a responsabilidade social. E, se o
código tem estes princípios como premissas, é porque algo não ia (ou não vai)
bem na profissão nesse âmbito, do choque entre moral e ética. Segundo Simões
(2005), um dos elementos que mais interferem nas decisões e escolhas do assis-
tente social, trazendo consequências para a profissão, são os valores religiosos:
[os valores religiosos] são fortes motivadores para o ingresso na pro-
fissão, sejam eles de base católica ou evangélica/protestante. A idéia de
fazer o bem, de ajuda ao próximo, da busca da justiça social, o ideal do
“bom samaritano”, são elementos repetidamente trazidos por aqueles
que escolhem o serviço social. [...] Curiosamente, a formação profis-
sional em serviço social é bastante avessa às justificativas religiosas e ao
ideário de ajuda social do qual seus alunos são portadores ao ingres-
sarem nos cursos. Em contraposição a estas idéias, os cursos oferecem
uma formação extremamente politizada a seus alunos e, principalmen-
te nas universidades públicas, a formação tem uma ampla base marxis-
ta e socialista (SIMÕES, 2007, p. 175).

Simões (2007) apresenta um conflito ideológico dentro da profissão de Serviço


Social, visto que muitos estudantes ingressam no curso com uma motiva-
ção religiosa, sendo que os valores religiosos deveriam ser dispensados ou

Ética, Moral E O Perfil Do Assistente Social


182 UNIDADE IV

colocados em segundo plano, no caminhar do ofício. Certamente, o conflito


está na ordem moral, que pode custar caro à responsabilidade social que o
assistente social tem como dever. Talvez seja por isso que a religião, quando
estudada numa perspectiva ontológica marxista (base teórica do Serviço social),
é condenada, visto que cria mecanismos que barram a tomada de consciên-
cia social e coletiva (dirigida pela ética), em detrimento de uma consciência
pessoal (crença):
Segundo Marx (2010), a crítica para com a religião está fundamenta-
da no fato de que os seres humanos devem ser conscientes em saber

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
que são responsáveis pelas transformações e mudanças do mundo em
que vivemos. No entanto, essas transformações só serão possíveis en-
quanto atos coletivos. Para o autor, a religião atua na contramão da
conscientização da sociedade, isto porque ela idealiza uma sociedade
perfeita em outro mundo, fora deste. No paraíso. Neste pensamento
a religião é entendida como um mecanismo que barra a tomada de
consciência humana frente a real situação social. Assim, a preocupa-
ção dos homens ocupa-se de pensar no outro mundo, em que tudo
será perfeito e completo. O resultado disto é que as situações sociais
deste mundo, ou seja, a luta de classes que gera opressão e exploração,
são encaradas como processos naturais, e/ou como culta por erros
(pecados) de forma culpabilizadora e individualista. Ou seja, os acon-
tecimentos não são entendidos como resultado de um dado processo
histórico e social (DUTRA, 2015, p. 4).

Dutra (2015), em sua pesquisa, mostra que a presença da religião no exercício


profissional de assistentes sociais é determinante nas análises de alguns profis-
sionais. A neutralidade, que garante assim a ética, é posta de lado, enquanto
o conservadorismo torna-se protagonista. A pesquisa realizou, em 2012, mais
de 22 entrevistas com vários assistentes sociais atuantes na região norte do
Estado do Paraná. Umas das questões era sobre a denominação religiosa dos
profissionais, e mostrou que 77% dos entrevistados se declararam católicos,
14% evangélicos, 5% espíritas e 4% declararam não frequentar nenhuma ins-
tituição religiosa.

ÉTICA, TECNOLOGIA E MEIO AMBIENTE


183
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Figura 2 - A religião pode e deve ser uma aliada à justiça social, nunca o inverso.

A parte mais importante da pesquisa era saber se estes profissionais levavam em


conta a moral pessoal (religiosa) para explicar os problemas sociais, e o resul-
tado foi positivo. Grande parte acreditava que os problemas sociais são vontade
divina e não resultados de processos sócio históricos. Seguem três relatos:
[...] A maior parte dos casos de violência envolve o uso de álcool e drogas
por parte [...], normalmente estão sob o efeito destas substâncias quando
cometem a agressão. Então você vê, se a família seguisse a Deus essas
coisas de violência não aconteceriam no lar [...]. Então eu acho, [...] vem
aqui sabe, mas essas famílias nem seguem a Deus, fica difícil” (3 AS20)
Só que na vida da gente profissional e sabendo que existe esta domina-
ção do mal... Nenhuma política pública vai acabar com a pobreza e so-
frimento da humanidade, os teóricos sabem disso, embora continuem
estudando para achar um meio de acabar. Então vamos ter que fazer
alguma coisa, pois parar e ficar olhando não vai adiantar só Deus mes-
mo que vai acabar com a pobreza, é um plano grande pra humanidade,
mas as pessoas não conseguem acreditar nisso. Ele permite estes de-
sastres, tristezas, essas coisas que a gente vê nos atendimentos, a gente
vê tristeza, tem hora que me emociono, vou embora com a imagem da

Ética, Moral E O Perfil Do Assistente Social


184 UNIDADE IV

pessoa na cabeça, os problemas vêm todos de uma vez, você não sabe
como pode ter acumulado na vida de uma pessoa tantos problemas,
que e você fala “por onde começo?”. Eu tenho muita alegria de ter mi-
nha vida com Deus, com minha família, eu convivo com esta realidade,
mas o meu desejo é de fazer algo mais, mas enquanto eu não posso ter
uma igreja do lado do [...] eu vou tentar fazer o meu melhor [...] (AS4).

Os problemas sociais estão ai, mas também têm oportunidades e al-


guns usuários não agarram, mas se a pessoa tiver uma espiritualidade e
estiver ligada a alguma igreja, com certeza vai ter outros caminhos, vai
estar mais ligado à oração, a tentar fazer o bem, e seguir o que esta na
Bíblia e seus próprios preceitos, agora se a pessoa não vai pra igreja, não
tem uma linha a seguir, um objetivo, com certeza ele vai pro caminho

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mais fácil, mais fácil entre aspas porque mais pra frente vai ter conse-
quências[...] (AS1) (DUTRA, 2015, p. 8).

Desde a década de 1980, o Serviço Social partiu para um projeto profissional


emancipatório, e esse deslocamento da moral sobre a ética traz, segundo Netto
(2011), o retorno do conservadorismo ou neoconservadorismo. Iamamoto
(1992) lembra que essa característica é prejudicial à profissão, pois faz dela uma
profissão baseada mais em fundamentos doutrinários do que em fundamentos
científicos. E me refiro ao conservadorismo, uma tendência de manter o status
quo de grupos dominantes, que se beneficiam com a desigualdade, miséria, alie-
nação e com a violência de sujeitos historicamente oprimidos (mulheres, negros,
indígenas e homossexuais).
Não estamos de maneira alguma defendendo a retirada da religião do Serviço
Social, visto que temos que entender toda a participação da religião na gênese da
profissão, bem como a relação dela em fenômenos sociais, como o nascimento,
no seio da Igreja Católica, e da Teologia da Libertação, por exemplo.
A liberdade de crença é e deve ser garantida em toda formação e prática do
Serviço Social, “mas nenhuma crença religiosa deve pautar a atuação de indi-
víduos ou grupos no exercício da profissão” (PINHEIRO, 2015, p. 215). Esse é
o problema, quando há interferência da moral religiosa nas ações e decisões do
assistente social, que em tese devem ser neutras neste âmbito, em concordância
com a ética (em especial, com aquela baseada no código da profissão), mas que
acabam contribuindo para uma ausência da responsabilidade social, pois a ética
tem “uma acessão voluntária de responsabilidade e de lei não particular, mas de
intenção universal” (KNOCH, 2003, p. 9).

ÉTICA, TECNOLOGIA E MEIO AMBIENTE


185

Ética é o conjunto de valores e princípios que nós usamos para decidir as


três grandes questões da vida: Quero? Devo? Posso?
Tem coisa que eu quero mas não devo, tem coisa que eu devo mas não pos-
so e tem coisa que eu posso mas não quero.
(Mario Sergio Cortella)2.

Ainda que não tão investigado, o assunto é recorrente nas discussões univer-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

sitárias. Tanto que a professora do curso de Serviço Social da Universidade


Estadual de Londrina (UEL), Claudia Neves da Silva resolveu iniciar um projeto
de pesquisa com o objetivo de entender como a religião afeta os profissionais
da área de Serviço Social e suas ações (HIRAFUJI et al. 2011, on-line)3. O fato
é que, impor valores pessoais dentro da profissão de Serviço Social, além de
antiético, adensa um forte antagonismo, visto que permite a manutenção de
privilégios de certos grupos, motivados por valores religiosos, morais ou polí-
ticos. O Serviço Social luta contra os privilégios sociais, auxiliando a justiça
e a equidade.
Por exemplo: O ECA não diz nada sobre a impossibilidade de um homos-
sexual adotar uma criança, ou seja, ele/ela tem o direito da adoção. Contudo,
os seus valores morais dizem que isso não pode acontecer, pois é errado. Veja,
você está interferindo em um direito e privilegiando apenas heterossexuais no
âmbito da adoção. Não se deve, também, mostrar indiferença em auxiliar famí-
lias ciganas ou moradores de terreiros afro brasileiros.
Nesse amplo arco de elementos, percebemos que o neoconservadoris-
mo religioso cumpre funções importantes para a reprodução cultural
das desigualdades, desde o cotidiano dos sujeitos até as questões po-
líticas de ataque e supressão de direitos. A lógica machista, patriarcal
e heterossexista ganha fôlego nos dogmas e doutrinas em seus vieses
fundamentalistas (PINHEIRO, 2015, p. 198).

Por mais absurdo que são esses exemplos, eles são reais (SILVA, 2017) e demons-
tram o antagonismo dito anteriormente – se o Serviço Social tem como premissa
a busca de direitos, equidade social e justiça, esse comportamento é incompa-
tível com a profissão:

Ética, Moral E O Perfil Do Assistente Social


186 UNIDADE IV

O preconceito se transforma em moralismo quando julgamos o com-


portamento dos outros segundo critérios morais em uma situação que
não é para ser julgada moralmente. São atitudes discriminatórias que
negam serviços ou desrespeitam usuários, em função de preconceitos,
respaldando-se em ideias conservadoras da sociedade. Logo, contam
com uma base social de apoio para se manifestar, como dissemos as
ações implicam responsabilidades, pois – independente da intenciona-
lidade – acarretam consequências (BARROCO,2012, apud PINHEI-
RO, 2015, p. 215).

Porém, se o assistente social precisa se policiar em relação às suas crenças pes-


soais, ele também precisa estar na defensiva sempre, pois na sociedade, no dia

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
a dia, na mídia e nas redes sociais, a ética é um fenômeno em jogo, principal-
mente na sociedade da comunicação.

ÉTICA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE

A discussão sobre a tríade Ética, Tecnologia e Sociedade não é recente, mas se


aguçou em meados dos anos de 1990, com a clonagem da ovelha Dolly. As ques-
tões eram de âmbito religioso, político e social, mas todas giravam em torno do
“se”, e consequentemente do desdobramento disso na sociedade e na questão
ética no âmbito social. Logo, a tecnologia, encarada como uma heroína hodierna,
passa a se apresentar como vilã e a ser protagonista dos questionamentos éticos.
O debate se popularizou, visto que, nos anos de 1990, as Tecnologias da
Informação e Comunicação adentraram aos lares de muitas famílias por meio
dos Personal Computer, celulares e da própria internet. É a época em que o
capitalismo transformou as relações de mercado, em que a máquina começa a
substituir o homem, e o conhecimento torna-se mercadoria (LOJKINE, 1995).
O capitalismo, mais do que depressa, se aproveitou da sociedade do conheci-
mento para o avanço tecnológico, redesenhando as profissões. O impacto disso
foram as mudanças de condições sociais, alteridade de sujeitos sociais e a ope-
racionalidade das profissões (COLMÁN DUARTE, 2014).

ÉTICA, TECNOLOGIA E MEIO AMBIENTE


187

A tecnologia no Serviço Social não é nosso foco, mas sim as mudanças de


caráter ético-moral que elas trouxeram na sociedade, já que os limites de alguns
fenômenos começam a ser debatidos e questionados. Logo, uma sociedade de iden-
tidades sociais em conflito com a ética traz consequências diretas nesta profissão.
Veja a seguir algumas questões tecnológicas que acabam acarretando dis-
cussões no campo da ética em nossa sociedade:
Uso de tecnologia na guerra: A guerra fomentou o avanço da tecnologia
para melhorias bélicas e armamentistas. Então, uma questão importante é:
até que ponto a tecnologia pode ser considerada benéfica para a guerra? O
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

uso de drones, por exemplo, que substituem soldados na caça e na espiona-


gem, pode até minimizar o impacto de morte civil, mas ao mesmo tempo,
um drone pode matar um civil sem o peso da consciência, ou seja, sem pro-
jetar uma reflexão, que em teoria, um soldado humano poderia fazer. Desde
quando uma guerra pode ter minimizantes? Drones são usados para envene-
nar águas e lançar explosivos a distância, enquanto o soldado contemporâneo
está em sua confortável sala, e ao mesmo tempo em guerra. Isso é ético?
Vigilância em vídeo em tempo real: As câmeras estão em todos os lugares,
como um sistema de vigilância e punição. Estamos sendo vigiados constante-
mente, como se estivéssemos em um reality show. Em 1949, o escritor George
Orwell escreve o romance 1984, em que há um personagem fictício chamado
“grande irmão” ou Big Brother.
Ele controla, fiscaliza e vigia uma
sociedade, punindo todos que
são contrários à ela.
Hoje, aplicativos como StreetView,
Google Earth e Google maps mos-
tram regiões do mundo todo, e
podem ser atualizadas em tempo
real futuramente. Ou seja, até que
ponto locais privados e públicos
podem ser vigiados nesse nível?
A segurança vale o fim de nossa
privacidade? Figura 3 - Sorria, provavelmente, você está sendo filmado(a)!

Ética, Tecnologia e Sociedade


188 UNIDADE IV

Deep Web: Chamada de “web profunda”, a deep web é um espaço virtual em


que estão armazenados conteúdos não indexados nos sites de busca, ou seja,
não encontrados. É justamente por isso que é chamada deep web, pois seu
conteúdo fica escondido e só pode ser acessado com mecanismos específi-
cos. O fato é que a deep web apresenta conteúdos que vão desde manual para
construir bombas, comprar drogas e documentos falsificados, até sexo bizarro
e todo tipo de ilegalidade. O acesso é restrito e perigoso, devido a vírus, e
por ser constantemente hackeada por marginais e serviços de espionagem.
Com o fácil acesso à internet, os conteúdos ilegais da deepweb se prolife-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
ram na surface web, ou seja, no espaço virtual que acessamos diariamente.
Os limites da impressão 3D: As impressoras 3D já estão no mercado para
o público comum e podem fazer quase tudo, desde objetos simples, demo-
cratizando a manufatura de pequenos empresários, até
próteses médicas, como uma perna ou parte da face.
Contudo, não é só para atividades honrosas que o
uso da tecnologia de impressão 3D avança: há tam-
bém o uso dessas máquinas para a confecção de
bombas e armas. A popularização dessas impres-
soras, que podem ser adquiridas, em opções mais
simples, até por menos de 500 dólares, tem levan-
tado o questionamento da proliferação de armas
Figura 4 - Mandíbula feita em
para defesa pessoal, pondo em discussão a política de impressora 3D

desarmamento, no caso de nosso país. Ademais, grupos terroristas já usam


as impressoras 3D para o aumento de arsenal bélico.
Bebês geneticamente modificados: Novas pesquisas médicas já indicam
a possibilidade de que bebês possam ser selecionados geneticamente. Isso
permite que os pais “arquitetem” seu filhos, escolhendo a cor de cabelo, cor
dos olhos, altura e sexo. O maior perigo nisso está no fato de se hierarquizar
uma etnia específica, criando uma moderna eugenia, em que os super-be-
bês estarão no centro das discussões sobre racismo frente a outros povos.
Ciberguerra: Na atualidade, o campo de batalha é no mundo virtual, em
que os soldados são aqueles que dominam o conhecimento cibernético: o
hacker. O poder de um hacker em atacar grupos civis, políticos e religiosos

ÉTICA, TECNOLOGIA E MEIO AMBIENTE


189

apenas com alguns cliques é impressionante. O uso deles em retaliação polí-


tica e econômica, atacando empresas ou disseminando informações secretas,
como vimos nas últimas eleições norte-americanas, entre Trump e Hillary,
levanta algumas questões: no mundo virtual, o que é público e privado?
Como punir um hacker? A pessoa leiga também utiliza-se do mundo vir-
tual para atacar o Estado, através de grupos virtuais, páginas ilegais online
e muito boato. Na guerra cibernética, as redes sociais são as maiores prota-
gonistas, sendo um espaço em que a ética morreu há tempos.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

REDES SOCIAIS

Chamamos redes sociais toda estrutura social composta de pessoas físicas ou


jurídicas que compartilham valores e objetivos em comum. Dentre elas temos as
redes sociais online, que possuem o diferencial de estarem no ciberespaço. As redes
sociais possuem características próprias, como a horizontalidade, descentralização

Redes Sociais
190 UNIDADE IV

e autogeração, possibilitando a opção de se fazerem e se desfazerem rapidamente.


As redes mais conhecidas são as que lidam com ideias de relacionamento, como
Facebook, Whatsapp, Youtube, Instagram, Snapchat, Google+, entre outros. Há
também redes sociais profissionais como o Linkedin, por exemplo.
As redes sociais na internet podem ser definidas como serviços basea-
dos na web, que permitem aos indivíduos: construírem um perfil pú-
blico ou semipúblico dentro de um sistema limitado, articularem uma
lista de outros usuários com quem eles compartilham uma conexão,
verem e percorrerem sua própria lista de conexões e aquelas feitas por
outros usuários dentro do sistema. Atualmente, a rede social facebook

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
é a mais popular entre os internautas. [...] Já no Brasil, conforme afe-
rição realizada no mês de março de 2013, o número de usuários que
possuíam um perfil nessa ferramenta chegou aos 73 milhões, número
elevado ao se considerar que, no país, existem 94 milhões de pessoas
com acesso à internet, isto é, pessoas que dispõem de meios de aces-
so domiciliar à web, ainda que eventualmente não tenham feito uso
(MARTORELL, NASCIMENTO,GARRAFA, 2016, p. 14).

A criação de perfil público ou semipúblico faz da rede social uma micro socie-
dade, porém diferente da macro sociedade, visto que ainda não tem regras e,
consequentemente, um código de ética próprio.
Mesmo assim, essa microssociedade chamada “mundo virtual”, em ter-
mos jurídicos, nos últimos anos começou a receber os primeiros “problemas”
e, consequentemente, um debate sobre “regras” e normas “éticas de conduta”
(MENDES, 2011, on-line)4.
A relação entre quem você é (curte, compartilha e escreve) nas redes sociais,
podem definir sua identidade como sujeito na vida “real”. Tanto, que nos dias atuais,
mais de 70% das empresas já consultam Redes Sociais, antes e/ou durante o processo
de contratação (MENDES, 2011, on-line)4. No Twitter, sabe-se a opinião pessoal do
candidato sobre vários temas, no Facebook, suas crenças pessoais e estilo de vida e
no Linkedin, toda sua trajetória profissional. O fato é que essa “checagem” também
deve ser questionada no âmbito da ética, pois isso não seria invasão de privacidade?
Por outro lado, uma pessoa que compartilha conteúdos de violência animal,
racismo, homofobia e pensamentos machistas não é responsável por esta imagem
que cria? (GOMES; CHERER; LÖBLER, 2012). Tanto os prós e contras dessa
abordagem sugerem que a ética é observada, tanto direta, quanto indiretamente.

ÉTICA, TECNOLOGIA E MEIO AMBIENTE


191

O uso de redes sociais para fundamentar boatos é a forma de dar as costas à


ética. O nome hoax, termo usado para designar os boatos dentro do mundo vir-
tual, tem como conceito toda prática em disseminar notícias de teor duvidoso,
com pouca ou nenhuma verdade, além de teor catastrófico e algumas vezes o
uso de imagens apelativas.
■ Um hoax (boato virtual) tem sua comprovação difícil, com argumentos
falaciosos e pessoais, considerando que, geralmente, esse tipo de especu-
lação baseia-se no fato de seu criador tentar divulgar a sua crença pessoal
e, para alcançar seus objetivos, utiliza-se de argumentos fantasiosos. Um
hoax tem como objetivos principais disseminar uma crença pessoal e
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explorar as “fraquezas” humanas.


■ A princípio, um hoax pode não ter maiores consequências - se for men-
tira, logo todo mundo esquece e tudo volta ao normal. Porém não é bem
assim. Dependendo das circunstâncias, um boato na internet pode cau-
sar vários problemas, razão pela qual este tipo de conteúdo deve ser
combatido. A seguir veremos alguns tipos de transtornos que podem ser
causados pelos hoaxes:
■ O boato pode ofender, denegrir, causar constrangimento ou comprome-
ter a reputação de alguém;
■ Da mesma forma, o boato pode causar problemas a empresas e outras
organizações que, além de reputação arranhada, poderão ter trabalho
extra para desmentir ou amenizar a situação;
■ Quem divulga o hoax, mesmo não sendo o autor da mensagem, pode ter
sua imagem prejudicada por espalhar informação inconsistente, o que é
especialmente ruim no ambiente corporativo;
■ A mensagem pode transmitir orientações prejudiciais, como procedi-
mentos incorretos em situações de emergência ou dicas de saúde sem
comprovação científica;
■ Um hoax também pode induzir o usuário a baixar um arquivo perigoso
(malware) ou convencê-lo a informar dados que, na verdade, poderão
ser utilizados para ações maliciosas, como uma falsa petição on-line que
pede informações confidenciais;
■ Mensagens do tipo podem sobrecarregar serviços de e-mail ou gerar incô-
modos em redes sociais por causa da frequência com a qual são divulgadas;
■ Na condição de boato, o hoax pode causar comoção desnecessária, assim como
gerar mobilização para situações irreais ou já superadas (ALECRIM, 2012, s/p.).

Redes Sociais
192 UNIDADE IV

Recentemente, o caso envolvendo redes sociais e os exames da ex-primeira-dama


Marisa Letícia Lula da Silva deixou claro a questão ética. O Conselho Regional de
Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) abriu uma sindicância para punir a
médica Gabriela Munhoz e o neurocirurgião Richam Faissal Ellakkis. Munhoz
teria fotografado os resultados dos exames e postado em um grupo em uma rede
social, enquanto Ellakkis teria, na mesma rede social, insultado a ex-primeira
dama, violando o Código de Ética médico. Ambos os médicos foram demitidos
(O Estado de S.Paulo, 2017, on-line)5.
Semanas antes do falecimento da esposa do ex-presidente Lula, o médico

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Drauzio Varella foi a público desmentir o boato que ligava mamografia ao cân-
cer de tireoide. O hoax causou até a necessidade do instituto Oncoguia publicar
uma nota, afirmando que não há relação entre o exame e a doença. Varella foi
usado como “fonte” no boato, mas nunca havia dito tal informação (COSTA,
2016, on-line)6.
A foto do serralheiro Carlos Luiz Batista, de 39 anos, viralizou na inter-
net e em grupos de redes sociais. Nas mensagens, a foto dele era identificada
como o de um condutor de um carro preto, estuprador e sequestrador de crian-
ças (EXTRA, 2016, on-line)7. Sem nenhuma fonte ou checagem, a notícia se
espalhou e fez com que Batista não pudesse mais sair de casa. Assustado, teve
que registrar queixa na Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática
(DRCI) e aguardar o processo. O fato é que, mesmo apagando todas as men-
sagens e punindo os criadores do boato, a imagem de Carlos Batista nunca
mais será a mesma.
Todavia, o caso de maior repercussão foi a da morte de Fabiane Maria de
Jesus, linchada e morta após ser vítima de boatos, que diziam que ela sequestrava
crianças para fazer magia negra. O caso de Fabiane foi emblemático, visto que
primeiro criaram um hoax, de que estavam sequestrando crianças para rituais
de magia negra no litoral, em Guarujá. Depois, junto das mensagens, coloca-
ram aleatoriamente um retrato falado de uma mulher, dizendo que ela seria a
sequestradora.

ÉTICA, TECNOLOGIA E MEIO AMBIENTE


193

No link abaixo, você acompanha toda a história do caso de Fabiane, acusada


injustamente, linchada e morta por causa de um boato em redes sociais.
O caso ficou sendo emblemático e conhecido como um exemplo de caça
às bruxas moderno, referenciando à caça às bruxas em Salém, nos Estados
Unidos do século XVII, tendo como fundamento apenas boatos. Acesse:
<http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2014/05/bcomo-internetb-contri-
buiu-para-morte-brutal-de-fabiane.html>. Acesso em: 28 abr. 2017.
Fonte: O autor.
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As pessoas da região começaram a ficar preocupadas com a história, sendo que


a polícia já havia alertado que nenhuma criança tinha sumido. Contudo, uma
página no Facebook chamada “Guarujá Alerta” publicou o hoax, sem checar
os fatos. Em um domingo, Fabiane sai de casa, passa no mercado e vai à Igreja
com a Bíblia nas mãos. Oferece uma fruta à uma criança que estava sozinha.
Neste momento, alguém grita: “olha, a mulher que sequestra para fazer ritu-
ais”. Rapidamente, Fabiane começa a ser linchada, sem poder se defender. Em
determinado momento, alguém diz que o livro que estava com Fabiane era um
“livro de bruxaria”. Fabiane, que sempre foi uma boa mãe e cidadã, morre dois
dias depois, sem ao menos saber o motivo (G1, 2014, on-line)8. Alguns agresso-
res foram presos, mas ainda hoje, o processo sobre quem começou o boato e o
compartilhou segue na justiça.
Os casos mostram que, se a ética fosse um fenômeno presente nas redes
sociais, nada disso teria acontecido. Muitas vezes, tais casos só fazem a tecnofo-
bia crescer, criando uma ideia de que as redes sociais e a internet são perigosas,
mas na verdade, ambas são apenas instrumentos.

Redes Sociais
194 UNIDADE IV

CYBERBULLYING

O cyberbullying passou a ser conhecido devido ao advento das novas tecnolo-


gias de informação e comunicação, sendo uma modalidade de agressão que se
situa em um ciberespaço e está apoiada pelas ferramentas tecnológicas de inte-
ração, conforme destacam Wendt e Lisboa (2014).
O cyberbullying é, de modo geral, um bullying que acontece no ciberespaço,
próprio da cibercultura. O termo ciberespaço foi utilizado pela primeira vez
por Gibson em seu livro Neuromancer (1984). A partir desse livro, iniciaram-se

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os estudos sobre ciberespaço. O livro mostra que o ciberespaço não é um local
físico ou um território delimitado, mas sim uma rede que mantêm as informa-
ções mais acessíveis.
O ciberespaço, na concepção de Rabaça e Barbosa (2001), é um universo
virtual que contêm informações que circulam e são armazenadas em todos os
computadores ligados em rede, um local onde as pessoas se comunicam por meio
de computadores interligados à internet, ou seja, um lugar real, mas não físico.
Já a cibercultura é a cultura que surgiu a partir do uso da rede de compu-
tadores, isto é, se todo espaço produz cultura, o espaço virtual (ciberespaço)
também. O autor Pierre Lévy, em seu livro Cibercultura (1999), expressa que
ela se constrói sobre a indeterminação de um sentido global qualquer. O refe-
rido autor ainda afirma que cibercultura é o “conjunto de técnicas (materiais e
intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento, que se desen-
volvem juntamente com o crescimento do ciberespaço”.
Barwinski (2010, on-line)9 concorda com Lévy (1999), quanto cita que a
“cibercultura é entendida como um conjunto de espaços, atitudes, rituais e cos-
tumes que as pessoas desenvolvem quando entram em contato com a tecnologia”.
Em síntese, a cibercultura é construída a partir do conhecimento comum e teórico,
por meio de culturas aplicadas/inseridas na tecnologia existente no ciberespaço.
Após conceituar os termos ciberespaço e cibercultura, torna-se mais fácil enten-
der o que é cyberbullying, ou seja, violência ocorrida no ciberespaço. Esse ato
violento não ocorre fisicamente, mas sim virtualmente.
Segundo Maidel (2009, p. 14), “cyberbullying é um tema relativamente novo
na literatura e envolve o uso das tecnologias digitais por crianças e adolescentes

ÉTICA, TECNOLOGIA E MEIO AMBIENTE


195

com o intuito de promover constrangimento moral ou psicológico.” Em termos


gerais, o processo de cyberbullying pode ser compreendido como um tipo espe-
cífico de bullying que ocorre por meio de instrumentos tecnológicos, sobretudo
telefones, celulares e internet (SLONJE; SMITH, 2008 apud WENDT; LISBOA,
2014). É fundamental descrever o cenário em que o cyberbullying ocorre.
O cyberbullying ocorre por meio de violações de senhas, roubo de dados pes-
soais, piadas, utilização de informações pessoais, fotos em redes sociais, e-mails
entre outros, sem autorização ou conhecimento, com o intuito de desacredi-
tar sua imagem perante um grupo ou sociedade. Além do mais, o cyberbullying
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pode se manifestar de diversas maneiras, tais como injúria, difamação, ofensa,


falsa identidade, calúnia, ameaça, racismo, constrangimento ilegal e incitação
ao suicídio (MAIDEL, 2009).
Semelhante a esse ponto de vista, a autora Shariff (2011) mostra que o cyber-
bullying demonstra, de forma simples e reduzida, a questão dos impactos nos
ambientes relacionados aos ambientes cibernéticos

Figura 5 - Cyberbullying: bullying no mundo virtual

Cyberbullying
196 UNIDADE IV

De acordo com Hinduja e Patchin (2009 apud, WENDT; LISBOA, 2014) cyber-
bullying é um processo no qual alguém executa, proativa e repetidamente, atitudes
como piadas acerca de uma pessoa em contextos virtuais, ou quando um indi-
víduo “assedia” alguém através de e-mails ou mensagens de texto, ou ainda por
meio de postagem de tópicos sobre assuntos que a vítima não aprecia. A nova
era, chamada era digital, trouxe novas soluções, contudo, também novos pro-
blemas acerca de vários aspectos, inclusive sobre o comportamento humano.
Neste sentido, o cyberbullying é mais frequente entre crianças e adolescentes, pois
esse grupo de pessoas não possui condições claras de distinguir o que pode ser

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aproveitado e o que deve ser descartado no uso das novas tecnologias. Contudo,
cresce o número de vítimas e agressores entre adultos.

O site SaferNet Brasil foi criado para oferecer recursos a educadores que
queiram promover o uso ético e consciente da Internet de forma transversal
em suas atividades curriculares e extracurriculares. O melhor do site são as
orientações sobre diversas situações de conflito entre internet e ética como
o Sexting (uso da Internet para expressão da sexualidade na adolescência),
o cyberbullying (bullying virtual), crimes virtuais etc. O site está disponível no
link: <http://new.netica.org.br/educadores/orientacoes/orientacoes>
Fonte: o autor.

ÉTICA, TECNOLOGIA E MEIO AMBIENTE


197

ÉTICA, MEIO-AMBIENTE E SOCIEDADE

O que meio ambiente tem a ver com justiça social? Bem, devemos nos ater, pri-
meiramente, a nossa Constituição, que diz:
Todos têm direito ao Meio Ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impon-
do-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preser-
vá-lo para as presentes e futuras gerações. Art. 225 da Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988 (BRASIL, 2002, p. 136).
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Como percebemos, o meio ambiente é um direito e um bem de uso comum do


povo, essencial à sadia qualidade de vida. A relação entre meio ambiente, ética
e sociedade se configura quando há domínio e exploração da natureza, tanto de
modo positivo como negativo, associados ambos ao modo de produção vigente.
Esse modelo determinará as relações econômicas e sociais entre os sujeitos.
Rodrigues e Souza (2012,p. 2) nos dá um exemplo para ilustrar isso:
Um bom exemplo seria um pescador inserido numa economia natural
que teria na pesca a necessidade de suprir sua subsistência e outro pes-
cador usando das mesmas formas de captura, com o objetivo de lucro
monetário para a reprodução do capital. Logo, a partir dessa relação, o
meio ambiente tem se transformado diante da ação do sistema econô-
mico e social atual.

O capitalismo, bem como o moderno sistema de crescimento econômico, que


alimenta uma visão de curto prazo, acaba entrando em choque com questões
éticas em relação ao meio-ambiente e, consequentemente, trazendo prejuí-
zos sociais. Amaral e Cosac (2009) entendem que a degradação da natureza e
a injustiça social andam de mãos dadas quando o assunto é o atual modelo de
crescimento econômico.
Não iremos no ater aos vários modelos de crescimento que o Brasil optou
desde a década de trinta, período em que privilegiou a industrialização.
Porém, sobre estes modelos, temos um questionamento: Foi necessário?
Sim! Somente com esse sistema o país teria condições de empregabilidade em
massa, produção de riqueza e uma melhor distribuição de renda. Todavia, desde
a década de 30 do século XX até os anos 90 do mesmo século, nenhum projeto
ou modelo de crescimento foi sustentável, isto é, privilegiando o meio ambiente.

Ética, Meio-Ambiente E Sociedade


198 UNIDADE IV

De lá para cá, a ilusão de que um país pode crescer sem afetar a natureza
ou certos grupos sociais, só ratificou as palavras de Marx (1968, p. 71), que “[...]
na lógica do capital, não há crescimento sem a exploração da natureza, do tra-
balhador e também não há aumento do capital sem aumento da pobreza e da
vulnerabilidade social.” Ou há crescimento econômico, ou há exploração da
natureza. Em último caso, não há nada ou há apenas pobreza: “A natureza for-
nece os meios de produção, mas o produto não pertence ao trabalhador e sim à
propriedade privada, resultado do trabalho exteriorizado da relação externa do
trabalhador com a natureza”(MOREIRA, 2013, p. 20).

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Da extração de minérios até o fomento à pecuária, qualquer atividade que
vise o crescimento econômico de um país terá consequências diretas na natureza.

Em 5 novembro de 2015, ocorreu o pior acidente da mineração brasileira


no município de Mariana, em Minas Gerais. Essa tragédia ambiental afetou
diretamente as estruturas sociais da população, e é um exemplo claro de
como a força do capital pode influenciar as forças da natureza. Leia as re-
portagens completas em: <http://g1.globo.com/minas-gerais/desastre-am-
biental-em-mariana/>
Fonte: o autor.

Assim, somente a partir do início dos anos 2000, na gestão do ex-presidente


Fernando Henrique Cardoso, um pacote denominado “Avança Brasil” e em 2007,
na gestão de Luiz Inácio Lula da Silva, o Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC) foram criados, aliando, ao mesmo tempo, conceitos de sustentabilidade
social e ambiental.
O PAC, em específico, trouxe consigo os Projetos de Trabalho Técnico Social
(PTTS), isto é, projeto que visa um “mapeamento” social, econômico, ambiental e
cultural das regiões que serão afetadas pelo Programa de Crescimento. Os envol-
vidos devem ser obrigatoriamente profissionais do Serviço Social, Psicologia e/ou
Sociologia, com experiência comprovada na área de desenvolvimento comunitário.

ÉTICA, TECNOLOGIA E MEIO AMBIENTE


199

Os projetos visam consolidar e sustentar os resultados de transforma-


ções física, social e cultural executados pelo PAC nas áreas de interven-
ção propostas, integrando diversos serviços e ações nas comunidades
atendidas pelo projeto. O Projeto de Trabalho Técnico Social (PTTS),
vem garantir condições para o exercício da participação comunitária,
promover atividades para elevação da qualidade de vida das famílias,
fomentar e valorizar as potencialidades dos grupos sociais atendidos,
fortalecer vínculos familiares e comunitários, viabilizar a participação
dos beneficiários nos processos de decisão, implantação e manutenção
dos bens e serviços, a fim de adequá-los às necessidades e à realidade
local e promover a gestão participativa, com vistas a garantir a susten-
tabilidade do empreendimento. Na área ambiental os trabalhos socioe-
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ducativos nos entornos são feitos através de campanhas educativas, ofi-


cinas de multiplicadores (coletivo educador) para recuperação da mata
ciliar e das nascentes, palestras sobre resíduos sólidos, projeto para a
redução do lixo, reciclagem e coleta seletiva (MOREIRA, 2013. p. 23).

Nesse sentido, Moreira (2013, p. 24) reafirma o papel do Serviço Social com a
ética no meio-ambiente, pois crê que o
assistente Social tem como responsabilidade dentre outras, executar
trabalhos no sentido de ampliar a responsabilidade ambiental e ecoló-
gica da sociedade através de uma educação sustentável, ou seja, educa-
ção ambiental junto à comunidade local.

Figura 6 - Meio ambiente é responsabilidade social

Ética, Meio-Ambiente E Sociedade


200 UNIDADE IV

Independente de ser um profissional do Serviço Social ou não, todo cidadão deve


compreender que os problemas ambientais têm causas socioeconômicas, polí-
ticas e culturais, ou seja, cabem discussões multidisciplinares. Por essa razão, é
impossível atualmente falar de responsabilidade social sem tocar na temática
ambiental. O assistente social, atualmente, tem a necessidade de compreender e
se posicionar em relação à realidade socioambiental, objetivando junto com as
comunidades a transformação por meio da observação, conscientização e ação.
A ética ambiental vai de encontro ao paradigma do crescimento econômico
atual, que visa ações de bem-estar a curto prazo, em detrimento de consequên-

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cias indeléveis a longo prazo, causadas pela natureza.
[...] maior concentração de riqueza, aumento da pobreza, degradação
do meio ambiente, utiliza forma predatória de recursos naturais, pre-
mia a dimensão material da vida fortalecendo o individualismo e ali-
mentando a visão de curto prazo. Cria, no limite, um cenário favorável
para que cada cidadão não se preocupe com as futuras gerações (AMA-
RAL; COSAC, 2009, p. 88-89).

A preocupação com o outro (futuras gerações) é um pilar da responsabilidade


social. É uma questão de princípio. É ético! Dessa forma, devemos compreen-
der que o Serviço Social tem várias responsabilidades com a sociedade, inclusive
em mantê-la harmônica com a natureza.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Finalizamos nossa unidade, que abordou temas como Tecnologia, Meio-Ambiente,


Ética e Moral que, como vimos, são recorrentes e importantes nas relações sociais
e consequentemente no trabalho do Assistente Social. Percebemos que estas
quatro palavras fazem parte do nosso dia a dia, e o modo como lidamos com
elas dizem muito sobre nós.

ÉTICA, TECNOLOGIA E MEIO AMBIENTE


201

De início, estudamos e conceituamos o que é Ética e Moral, dois elementos


intrínsecos na sociedade que precisam ser conhecidos e discutidos dentro da
profissão do Assistente Social. A partir disso, entendemos que a Ética é baseada
na reflexão e em princípios, enquanto a Moral é latente e baseada em crenças,
quase sempre, pessoais. Tal diferenciação nos possibilitou, dentro desta unidade,
compreender o poder de influenciação que nossas crenças pessoais podem causar,
bem como o papel e escolha do profissional de Serviço Social. Vimos exemplos
de como a moral, principalmente religiosa, interfere negativamente no processo,
na ação e no perfil do assistente, que a princípio deve ser regido apenas pela ética,
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

guardando sua moral para casos pessoais.


Em seguida, investigamos as relações entre tecnologia e ética, na perspec-
tiva que, no mundo da internet, há uma outra sociedade, a virtual, que padece
tanto quanto a sociedade real em relação a falta de ética. Estudamos especifica-
mente essa relação nas redes sociais, por meio dos boatos e hoax. Ainda neste
viés, continuamos a discutir sobre o fenômeno do cyberbullying, uma espécie
de bullying que acontece no ciberespaço, espalhando assim, pela rede, a intole-
rância e a violência.
Por fim, discutimos e refletimos sobre o papel social que a relação entre ética
e meio-ambiente propõem, ainda mais em uma sociedade do consumo. Vimos
que trabalhar para a igualdade social, sem levar em conta a relação entre socie-
dade e a natureza, é um sonho utópico.

Considerações Finais
202

1. Um motorista de ônibus dialogava com uma mulher sobre uma notícia que saíra
no jornal naquela manhã: “Eu não acho que bandido deveria viver, se o ladrão
se feriu no assalto, deveria ficar lá. Não há por que da polícia acionar uma am-
bulância”.
Essa ideia do homem está intimamente ligada a uma questão moral e ética. So-
bre isso, leia as assertivas, e em seguida, assinale a alternativa correta:
I. Achar que todo bandido deve morrer é um princípio ético do motorista do
ônibus.
II. Salvar a vida de alguém, independentemente de ser um criminoso ou não, é
um princípio ético.
III. Ficar indignado por um criminoso estar vivo é fruto de uma moral pessoal.
IV. Se os policiais que atenderam o criminoso tivessem a mesma moral do moto-
rista do ônibus, os criminosos não seriam salvos.
Estão corretos:
a. Somente II, III e IV;
b. Somente I, II e IV;
c. Somente II e IV;
d. Somente I, II e III;
e. Somente I.

2. Uma dona de casa recebeu o seguinte mensagem via rede social:


‘’ATENÇÃO, REPASSEM!
Casais homossexuais estão adotando meninos para abusarem sexualmente de-
les. Os casos estão crescendo em todos os Estados. Incentive seus amigos e fami-
liares a não apoiarem a adoção de crianças por casais gays’’.
A mensagem foi repassada. A mulher, por ser muito religiosa e ser contra a ado-
ção por casais homoafetivos, não se deu o trabalho de checar as fontes e a vera-
cidade da notícia, acabando por disseminar um hoax. Ao fazer isso, a mulher
tomou uma atitude:
a. Ética;
b. Moral;
c. Imoral;
d. Anti-ética;
e. Amoral.
203

3. O cyberbullying é um fenômeno que acontece em situações específicas. Assinale


a alternativa correta a esse respeito:
a. Acontecem em casa, a partir de um computador
b. Acontece apenas na escola
c. Acontece na escola , a partir de um computador
d. Acontece em qualquer lugar, a partir de qualquer mídia digital com acesso à
internet.
e. Acontece em qualquer lugar, a partir de um computador.

4. Para Marx, o crescimento econômico só acontece mediante a exploração da Na-


tureza. Isso, consequentemente, gera outra situação, que seria:
a. O aumento da riqueza do país
b. O aumento da riqueza dos trabalhadores
c. O aumento da desigualdade social
d. O aumento da preocupação com o meio-ambiente.
e. A competitividade entre os governos.

5. Na sua opinião, você acredita que suas crenças pessoais/morais/religiosas po-


dem afetar suas escolhas e decisões dentro da profissão de Assistente Social?
Por quê?
204

A ÉTICA NA PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE


* Rosângela Trajano

Se todos os homens construíssem valo- seja, não é examinada a essência dessas


res morais desde a infância não estaríamos decisões. Cabe a ética discernir e corrigir os
sofrendo com o aquecimento global. A valores dessas decisões enfatizando a sua
moral que define os bons costumes de uma especificidade e a sua natureza enquanto
sociedade é estudada pela ética. Uma vez moral a ser seguida. Decidir sobre a redu-
que a ética estuda a moral, penso estar- ção de poluentes nos rios é importante,
mos diante de um estudo crítico e rigoroso pois ao longo do tempo pesquisadores
quanto a preservação do meio ambiente. têm identificado alto índice de poluição
Os homens provocam as horríveis catás- matando peixes e outros seres marinhos.
trofes da natureza, porque são leigos no Mas, isso não é suficiente para conscien-
caminho da busca para o bem. Esses mes- tizar os homens. Trata-se tão-somente de
mos homens que criam leis regularmente uma questão moral, como fundamenta
pensando na prática do bem não sabem Kant, a moral não surge da experiência. No
que antes de praticar é preciso indagar qual entanto, a moral está no comportamento
o bem dessa prática. Acredito que a ética humano. É este comportamento que busca
deve voltar-se para a investigação criteriosa a ética. A ética identificará qual o compor-
de tais leis, enquanto noção de bem ou mal tamento do homem diante da preservação
aos homens e ao meio ambiente. É preciso do meio ambiente.
que a ética se encarregue de orientar os
homens na conscientização de uma moral É o dever que leva o homem a fazer uma
voltada à preservação do meio ambiente coisa certa não a sua moral. Há no homem
urgentemente, avaliando o outro lado das o vício de só fazer as coisas por dever. Eu
questões. O lado homem sapiens. não devo matar ursos polares, não devo
derrubar árvores, não devo jogar lixo na
Fala-se muito em meio ambiente, animais rua, não devo desperdiçar água etc. Mas
em extinção, queimadas, desflorestamento. posso muito bem fazer todas essas coisas
Congressos e encontros criam normas e sem que ninguém veja, ou melhor ainda,
órgãos encarregados da preservação do posso fazer para mostrar a todos que sou
meio ambiente. No entanto, não se avalia a bonzinho e quem sabe ser recompensado.
questão ética em que essas normas devem É assim que pensa o homem contempo-
ser fundamentadas e qual o papel desses râneo. E é esse pensamento o objeto de
órgãos na essência da sua constituição. É estudo da ética. O homem não deve fazer as
simples tomar como exemplo a questão coisas porque deve, mas porque tem den-
polêmica do monóxido de carbono contri- tro de si princípios morais que o intimidam
buindo para o aquecimento global. Muito diante das coisas erradas. A ética necessita
se discute sobre isso, porém as decisões avaliar o pensamento do homem nas dife-
tomadas repercutem de diversas formas rentes questões sobre a preservação do
porque não são tratadas por unidades, ou meio ambiente tratando-o como agente
205

atuante em que suas atitudes devem ser diria alguém:. eu posso, mas não devo.
encontradas no seu âmago. Construir edi- As leis devem ser criadas para elevar o
fícios, abrir estradas, montar indústrias pensamento a reflexão: eu posso derru-
químicas etc., são necessidades para a bar esse baobá, mas em que isso vai me
contemporaneidade. Como tudo isso vai fazer mais feliz? A ética na preservação do
ocorrer depende de cada profissional. Mas meio ambiente pode reduzir o número
antes de tudo deve-se considerar os impac- de árvores derrubadas quando consta-
tos no seio da sociedade não só no que tar que o comportamento do homem
concerne a aquecimento global ou outras além de imoral não o beneficia em nada
coisas desastrosas, como também, na enquanto sentimento de bem.
mudança de comportamento do homem,
na sua felicidade, no seu bem-estar. Não é a criação a peça principal do artista,
mas o seu processo criatório. Da mesma
A ética acredita que a preservação do forma não são os deveres que fazem do
meio ambiente será possível quando o homem sábio, mas seu processo cons-
homem voltar-se ao estudo do compor- trutivo de tal saber. A construção do
tamento dos seus antepassados e ao seu pensamento humano baseado em prin-
comportamento atual, ou seja, o dever cípios e valores morais estabelecem um
nem sempre é o melhor. Os homens anti- cuidado e zelo com as coisas ao seu redor,
gamente viviam em paz com a natureza, pois tal homem preocupa-se na procura
porque aprenderam a respeitá-la não por do seu bem, logo conservará os atribu-
dever, mas por amor. O amor ora refe- tos desse bem. Se os homens aprenderem
rido é aquilo que faz do homem um ser desde a infância a amar os animais não
reflexivo diante das suas ações, dos seus será na idade adulta tomados pelas caças
deveres e comportamento. Não adianta ilegais, pois sabem que os animais são
praticar o bem pensando no retorno. constituem esses atributos. A felicidade
Não adianta conservar uma árvore não está em plantar uma rosa, mas em
pensando que ela dará bons frutos. É como regá-la mesmo nas manhãs em que
preciso saber plantar sementes tantas ela não necessitar. O bem consiste na divi-
vezes sejam necessárias em terra árida e são ímpar para a rosa e para quem dela
seca, mas com o amor e felicidade, sem cuida, eis porque a ética estuda o com-
esperar retorno. O meio ambiente não portamento e o fundamento das leis.
precisa de leis que não se preocupem
com o comportamento humano, como Fonte: Trajano (2010,on-line)10.
MATERIAL COMPLEMENTAR

Serviço Social e Meio Ambiente


Alejandro Gaona Perez (2009)
Editora: Cortez
Sinopse: a experiência acumulada pelos/pelas assistentes sociais com
as camadas excluídas e marginalizadas é de fundamental importância
para o desenvolvimento da perspectiva da educação ambiental
como educação política, de intervenção, participação e voltada para
a construção de uma sociedade justa e sustentável. [...] Que os textos aqui publicados não
sejam lidos como modelos e idéias importadas. Embora ainda muito freqüente, a importação
descontextualizada de idéias tende a não frutificar em espaços acadêmicos e políticos onde a
perspectiva dialógica freireana não é apenas um slogan bem intencionado, mas sim uma prática e
uma busca vivenciada cotidianamente.

Ética e Moral
Leonardo Boff (2003)
Editora: Vozes
Sinopse: contra a apatia dominante acerca do que é bom ou mau, certo
ou errado tem termos éticos e morais, Leonardo Boff apresenta reflexões
que visam criar clareza e motivações para um comportamento ético e
moral responsável e à altura dos desafios contemporâneos.

Série: Black Mirror


Provedor: Netflix (Criado por: Charlie Brooker - 2011)
Sinopse: uma espécie de híbrido entre “The Twilight Zone” e “Tales
of the Unexpected”, Black Mirror explora sensações do mal-estar
contemporâneo. Cada episódio conta uma história diferente, traçando
uma antologia que mostra o lado negro da vida atrelada à tecnologia.
207
REFERÊNCIAS

AMARAL, R. G.; COSAC, C. M. D. O terceiro setor e o desenvolvimento sustentável. In:


Serviço Social & Realidade, Franca, v. 18, n.2, p. 81-106, 2009. Disponível em: <ht-
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-fez-comentarios-sobre-marisa-leticia,70001652748>. Acesso em: 28 abr. 2017.
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Em: <http://g1.globo.com/bemestar/noticia/2016/10/e-um-desservico-mulheres-
-drauzio-varella-desmente-boato-que-liga-mamografia-cancer-de-tireoide.html>.
Acesso em: 28 abr. 2017.
7
Em: <http://extra.globo.com/casos-de-policia/vitima-de-boato-em-redes-sociais-
-homem-tem-medo-de-sair-de-casa-rv1-1-20227314.html>. Acesso em: 24 abr. 2017.
8
Em: <http://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2014/05/mulher-morta-apos-
-boato-em-rede-social-e-enterrada-nao-vou-aguentar.html>. Acesso em: 28 abr.
2017.
Em: <https://www.tecmundo.com.br/internet/4232-o-que-e-cibercultura-.htm>.
9

Acesso em: 28 abr. 2017


Em: <http://www.rosangelatrajano.com.br/eticaambiente.html>. Acesso em: 24
10

abr. 2017.
209
GABARITO

1. A
2. C
3. E
4. C
5. Você deve refletir sobre o comportamento dele em relação às escolhas da profis-
são e crenças pessoais.
Professor Dr. Silvio Ruiz Paradiso

V
CIDADANIA, GLOBALIZAÇÃO,

UNIDADE
DEMOCRACIA E POLÍTICA
INTERNACIONAL

Objetivos de Aprendizagem
■ Discutir a origem, o desenvolvimento e a posição das políticas sociais
brasileiras no tempo presente.
■ Refletir a importância da participação popular e do controle social no
cenário brasileiro.
■ Analisar a importância do Serviço Social nos espaços de participação
e controle de políticas públicas.
■ Pensar sobre o atual percurso das relações humanas a partir de uma
perspectiva global.
■ Compreender a relação dos fenômenos de violações de direitos
humanos pelo mundo no cenário brasileiro.
■ Refletir sobre a perspectiva dos tempos líquidos nas relações
humanas.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ Democracia e cidadania sob o viés das políticas públicas
■ Sobre as políticas sociais
■ As políticas sociais brasileiras pós 1988
■ Participação popular e controle social: princípios fundamentais para a
efetivação da cidadania e da democracia
■ Globalização, política internacional e os seus rebatimentos nas
relações humanas.
213

INTRODUÇÃO

Caríssimo(a) aluno(a), esta Unidade apresenta apontamentos para reflexão acerca


das políticas sociais e a garantia de direitos na atual conjuntura, em uma pers-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

pectiva crítica. É importante compreendermos a conjuntura político-econômica,


social e cultural que interferem, historicamente, na luta pelos direitos sociais.
Desta forma, dividimos a unidade em duas partes. A primeira parte discute
as concepções de cidadania e democracia, para então adentrarmos ao cenário das
políticas sociais. Primeiro, traçamos um percurso histórico para compreender
a gênese e o desenvolvimento da política social no Brasil. O segundo momento
apresenta a promulgação da Constituição Federal de 1988, marco histórico do
retorno da fase democrática brasileira.
A partir desse período, traçamos reflexões sobre o desenvolvimento das
políticas sociais, agora em um contexto democrático e participativo. O terceiro
momento apresenta algumas reflexões sócio-históricas e políticas acerca da
origem da participação popular, e como ela discorre no cenário brasileiro, pro-
porcionando pensar o nosso papel enquanto cidadãos, estudantes de Serviço
Social e profissionais nos espaços de controle social.
A segunda parte desta Unidade faz um trajeto sobre os fenômenos globais
que têm violado os direitos humanos, provocando reflexões acerca de seus reba-
timentos nas relações humanas e sociais. Reportamo-nos ao pensador polonês
Zygmunt Bauman, para nos auxiliar na construção do pensamento e do conhe-
cimento sobre os tempos líquidos e seus impactos nos relacionamentos entre
as pessoas, na atual sociedade global, em tempo real ou conectados via redes
sociais, considerando esse momento histórico de diluição das relações huma-
nas de tempos de amor líquido.
Ao final da unidade, há algumas questões reflexivas para vocês, alunos(as),
pensarem sobre o que leram e aprenderam. Boa leitura e bons estudos a todos(as)!

Introdução
214 UNIDADE V

DEMOCRACIA E CIDADANIA SOB O VIÉS DAS


POLÍTICAS PÚBLICAS

Partindo das concepções etimológicas, a categoria cidadania remete à concep-


ção de vida comunitária, de viver em sociedade, de levar a vida em conjunto com
outros indivíduos e com outras comunidades, os quais - indivíduos e comunida-
des - certamente possuirão culturas (modus vivendi) próprias e diferenciadas.
Implícitas no conceito da palavra cidadania, encontram-se as ideias de limitação
à individualidade e à liberdade pessoal de agir, e também as noções basilares de

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
aceitabilidade das diferenças, de solidariedade, mútuo respeito, e, ainda, de con-
sideração para com o ambiente e para com a natureza (BUENO, 2011).
Sobre a categoria democracia, o dicionário práxis de sociologia, da
Universidade Federal de Santa Catarina, a conceitua como um regime político,
ou seja, uma maneira de organizar as relações de poder no seio de um grupo
social soberano. O princípio fundador da democracia é a afirmação de que toda
a relação de poder entre societários e cidadãos se enraíza naqueles que obedecem
e não naqueles que mandam, quer o façam em seu nome próprio ou em nome
de um princípio transcendente, como Deus, a nação, história, classe ou raça.
Cada um é senhor de si, podendo ou não obedecer aos outros. Cada qual
só obedece se julgar vantajoso fazê-lo. A democracia é, por tal fato, uma socie-
dade de responsabilidade limitada, em que cada um entra para atingir certos
fins. Esses fins são de duas ordens: uns são próprios dos indivíduos ou dos gru-
pos intermédios (famílias, empresas, clubes e Igrejas), outros são comuns a todos
(DICIONÁRIO DE SOCIOLOGIA, [2017], on-line)1.
Um espaço democrático e cidadão pressupõe a participação de toda a popu-
lação ou de representantes em espaços decisórios, monitorando e acompanhando
as ações do Estado ou de outras Instituições constituídas nos territórios. Para
Tonet (2005), a concepção que temos de cidadania e democracia é aquela cons-
truída sob moldes liberais, no qual falamos em participação, direitos e liberdade,
porém, todas estabelecidas com várias limitações.
Não vivemos em uma sociedade plenamente livre, logo, a democracia que
temos notícia está aquém de se efetivar, garantindo igualdade e mesmas opor-
tunidades à todos.

CIDADANIA, GLOBALIZAÇÃO, DEMOCRACIA E POLÍTICA INTERNACIONAL


215
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Figura 1 - A democracia seria “o governo do povo”, mas qual povo? Todo? Ou parte dele?

Nesta perspectiva, pensando na desconstrução da visão sobre cidadania e demo-


cracia na perspectiva liberal, Marx, ao longo de sua vida, reflete a importância
da luta para a efetivação de uma sociedade sem classes sociais, sem Estado e
sem capital. Para o pensador alemão, esa seria a luta pela emancipação humana.
Seria uma utopia pensarmos no estabelecimento de uma nova ordem societária
a partir do fim do capitalismo. Ao mesmo tempo, precisamos relembrar que o
capitalismo não é a primeira ordem societária vigente.
O mundo já viveu outros modos de produção e reprodução da vida mate-
rial e social, como a comunidade primitiva, o escravismo, feudalismo e, por fim
(ao menos por ora), o capitalismo. É óbvio que a ordem atual tem se desenvol-
vido sobre outras estruturas econômicas e sociais, todavia, a crítica deve ser feita
com a proposituras de ações, que visem reduzir aos poucos os danos causados
por este sistema destrutivo.
Relacionando a categoria emancipação à formação e ao trabalho profissio-
nal do Assistente Social, podemos inferir que as reflexões sobre a emancipação,
já construídas por Marx no século XIX, chamaram a atenção de Gramsci que,
décadas após a morte de Marx, passou a estudar a categoria emancipação,

Democracia e Cidadania sob o viés das Políticas Públicas


216 UNIDADE V

relacionando-a à conjuntura da Itália nos difíceis anos iniciais do século XX.


“O modo de produção da vida material condiciona a vida social, política e inte-
lectual. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; ao contrário,
é o seu ser social que determina a sua consciência” (FERNANDES, 2001 apud
LUIZ, 2013, p. 95).
Gramsci acreditava no poder da ciência e no progresso do trabalho, articula-
das à liberdade e vontade humana. Acreditava ainda na consciência e na liberdade
do indivíduo, em sua capacidade de desenvolver o espírito crítico e de organiza-
ção social, para enfrentar o “jugo da servidão e da exclusão social” (LUIZ, 2013,

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
p. 91). Defendia a criação de um Projeto Ético-político que fomenta a potenciali-
dade das massas, que por sua vez ficaram relegadas às propostas emancipatórias
da modernidade.
O pensador ainda defendia a transformação social pela via cultural e política,
pela via do protagonismo consciente, organizado e ativo dos homens, desenca-
deando processos de rupturas com o atual sistema coercitivo e de dominação,
que explora, oprime e impede a conquista da liberdade, criando assim uma
contra-hegemonia.
Gramsci centrou seus estudos nos movimentos revolucionários dos operários,
da elevação crítica da consciência humana, da edificação de uma contra-hege-
monia, centrando o poder nas classes subalternas, além da extinção do fascismo
na Itália.
Gramsci considerava a educação como a via mais importante para ascen-
der as classes subalternas à consciência filosófica, ou seja, sair do senso comum,
partindo para o bom senso frente a realidade. Assim, as práticas pedagógicas e
democráticas devem ser fomentadas para socializar e universalizar o conheci-
mento, criando, consequentemente, uma cultura política madura nas classes e
grupos sociais, enfrentando assim os mecanismos de poder e dominação hege-
mônicos (LUIZ, 2013).
O pensador chama esse processo de rupturas moleculares, pois essas práti-
cas vão agindo em cada grupo ou classe específica, e cada molécula social vai,
aos poucos, conquistando maiores condições de emancipação que, ao se junta-
rem, consolidam o projeto de transformação, e a emancipação humana por meio
de uma contra-hegemonia será, finalmente, concretizada.

CIDADANIA, GLOBALIZAÇÃO, DEMOCRACIA E POLÍTICA INTERNACIONAL


217

Levando o pensamento gramsciano para o Serviço Social, a formação profis-


sional do Assistente Social deve apresentar uma qualidade substantiva, de modo
a aproximar o aluno à realidade posta, considerando todo o processo histórico-
-dialético. A contribuição de Gramsci levou o Serviço Social a pensar:
■ Projeto Ético-Político – “afirma seu compromisso com a autonomia, com
a emancipação e com o pleno desenvolvimento dos indivíduos sociais”
(SILVA, 2013, p. 185).
■ Defesa da construção de outra ordem societária sem exploração e domi-
nação de classe, gênero e etnia.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

■ Código de Ética.
■ Lei de Regulamentação da Profissão.
■ Liberdade como valor ético central – explicada como a possibilidade de
escolha entre alternativas reais concretas.
■ Emancipação humana.

O Serviço Social, após aderir ao pensamento de Marx, na intenção de ruptura


com a visão conservadora, transformou-se em uma profissão com postura
crítica, que questiona as contradições da realidade e busca por meio da luta
cotidiana meios para garantir aos sujeitos os seus direitos, que por vezes são
violados e negados.
A proposta de luta pela emancipação humana surge desse movimento de
reconceituação, no qual o Serviço Social deixa de ser uma profissão que visava
atender os interesses da classe dominante, ajustando e adaptando os indivíduos
na sociedade, passando a reconhecer a história da luta de classes e as contradi-
ções colocadas pelos meios de produção material, bem como suas consequências
na vida material, social, política e intelectual dos sujeitos.
Esses aspectos históricos devem estar fortemente inseridos e discutidos
nas salas de aula, estimulando os estudantes ao movimento crítico-reflexivo da
realidade, seguindo a concepção gramsciana de conquista de uma consciência
filosófica. Só com a criticidade desenvolvida é que os estudantes terão, final-
mente, a atuação ético-política que a categoria vem direcionando sua prática
nas últimas décadas.

Democracia e Cidadania sob o viés das Políticas Públicas


218 UNIDADE V

A formação profissional também deve acompanhar teórica e criticamente


o aluno quando ele adentra aos campos de estágio, pois a realidade da profissão
nos espaços sócio-ocupacionais propiciarão impacto na visão do aluno sobre a
realidade e sobre seu compromisso de trabalho, que começará a ser apreendido
por meio da supervisão do profissional, que deverá possuir esta consciência filo-
sófica em constante construção.
É importante que, desde a formação na graduação, os estudantes tenham
claramente o conhecimento da categoria emancipação e suas subcategorias, para
relacioná-las à prática do estágio e, desse modo, configurar uma postura profis-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
sional, comprometida com a luta pela libertação dos trabalhadores e das pessoas
sem trabalho das opressões do sistema capitalista.
É importante ainda reconhecer que nossa prática profissional possui, além
das dimensões teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa, a dimen-
são educativa, sendo que a educação é o meio para construir conhecimento e
elevar o pensamento das pessoas pela via crítica-reflexiva.
Esse conhecimento não só auxiliará o profissional a atuar em face aos sujei-
tos de sua intervenção, como também oferecerá elementos para que o próprio
profissional, enquanto sujeito inserido em uma classe trabalhadora, crie estra-
tégias para se emancipar. O conhecimento crítico emancipa a todos e estimula
a luta, para que esta proposta não se perca e nem deixe de existir.
Assim, a práxis deve ser configurada desde o estágio, estimulando os
estudantes a sempre alimentá-la para que, futuramente, o profissional dessa
área não adentre ao discurso de que teoria é uma realidade e prática é outra
totalmente distante. Distanciar teoria da prática é perder toda a bagagem
de formação no período da graduação, oferecendo riscos ao cometimento
de posturas antiéticas que fogem do compromisso atual da categoria dos
Assistentes Sociais.
Há profissionais que dizem que a teoria está muito distante da prática.
Contudo, conforme já dito anteriormente, esse pensamento pode ocasionar em
práticas profissionais descomprometidas com o Projeto Ético-Político defendido,
arruinando qualquer forma de luta pela liberdade e emancipação da classe tra-
balhadora das opressões e domínio do capital.

CIDADANIA, GLOBALIZAÇÃO, DEMOCRACIA E POLÍTICA INTERNACIONAL


219

Durante o curso, você já questionou tal frase “A teoria está muito distante
da prática”?
Você já refletiu como pode mudar isso? Qual sua responsabilidade neste
contexto?

Agir profissionalmente desconsiderando a criticidade, diante da realidade em


que se está intervindo, favorecendo ainda mais o processo de dominação e o for-
talecimento da hegemonia burguesa, que explora e transforma cada vez mais as
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

pessoas em objetos de produção de riqueza e fabricantes de lucro.


Sabe-se que o cotidiano profissional está repleto de desafios, pois nós,
Assistentes Sociais, atuamos em espaços formados por contradições, em que o
poder do Estado e/ou das Instituições privadas tenta prevalecer aos interesses
que defendemos e lutamos.
Deparamo-nos com resistências de gestores em avançar na luta pela emanci-
pação, observamos o sucateamento das políticas públicas que deterioram nossas
condições de trabalho, as condições de atendimento e desqualificam o atendi-
mento em face aos cidadãos, acentuando as violações de direitos.
Nota-se um processo inverso: o espaço em que deveria se garantir direitos
com qualidade, dignificando os cidadãos para uma vida mais autônoma, com
subsídios para sua emancipação atua de forma contrária, não garantindo aquilo
que está proposto pela política social que desenvolve, gerenciando a miséria,
mantendo os níveis de desigualdade social, adoecendo profissionais e nos desa-
fiando a construir outras formas de embates para reversão da situação.
Todavia, mesmo com o desânimo que essa realidade acarreta em nossas práticas,
não podemos esquecer que a formação nos proporcionou a elevação do conheci-
mento a partir da crítica. Crítica esta que nos dá liberdade para promover discussões
e empoderar os cidadãos que são atendidos por nós. Temos por formação o com-
promisso de participar de espaços de discussão e deliberação, além da capacidade
teórica, ética, técnica, educativa e crítica para promover a elevação do conhecimento
nas classes subalternas, e não nos esqueçamos da práxis, sempre presente, com o
dever de alimentá-la com novas aprendizagens e socialização de conhecimentos.

Democracia e Cidadania sob o viés das Políticas Públicas


220 UNIDADE V

A luta é diária, com vários obstáculos a serem superados. Resistir é importante,


todavia, em alguns momentos, estamos sujeitos a ceder às pressões da hegemonia
burguesa e rever nossas estratégias para retomarmos os diálogos. Essa reflexão
não acredita em luta armada. Não vejo a violência como alternativa para a con-
cretização do projeto emancipatório das classes subalternas. Pensa-se que a luta
deve se dar pelo diálogo, pelas possibilidades de resistência, sem desistir. Temos
espaços que permitem esses avanços e temos condições para potencializá-los.
Para isso, é importante que o Serviço Social se reconheça enquanto classe
trabalhadora, que ao mesmo em que atua para a emancipação dos sujeitos, tam-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
bém deve lutar pela sua própria emancipação, pois a categoria também sofre
com a dominação, coerção e barbárie do sistema hegemonicamente posto, e o
conhecimento que nós adquirimos desde a graduação, perpassando pela prática
do estágio e, posteriormente, nos campos de atuação, dão subsídios suficientes
para lutar pela construção de uma contra-hegemonia, pelo desenvolvimento das
classes e igualdade, e da tão defendida emancipação humana.
Isto posto, este capítulo segue com algumas reflexões e provocações acerca
da importância das políticas sociais, para pensarmos em direitos em um con-
texto democrático e cidadão.

Um espaço democrático e cidadão pressupõe a participação de toda a po-


pulação ou de representantes em espaços decisórios, monitorando e acom-
panhando as ações do Estado ou de outras Instituições constituídas nos ter-
ritórios. Como e onde ocupar esses espaços?

CIDADANIA, GLOBALIZAÇÃO, DEMOCRACIA E POLÍTICA INTERNACIONAL


221

SOBRE AS POLÍTICAS SOCIAIS

Inicialmente, cabe registrar o significado de política social e sua gênese no Brasil,


discorrendo sobre sua implementação e execução na atualidade, considerando
sua inserção no sistema econômico capitalista globalizado e no cenário neode-
senvolvimentista, cuja inserção se dá em meio aos choques de classes sociais, na
qual as medidas de proteção social ainda não são das mais eficazes.
As políticas sociais e a formatação de padrões de proteção são desdo-
bramentos e até mesmo respostas e formas de enfrentamento – em geral
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setorializadas e fragmentadas – às expressões multifacetadas da ques-


tão social no capitalismo, cujo fundamento se encontra nas relações
de exploração do capital sobre o trabalho (BEHRING; BOSCHETTI,
2007, p. 51).

Iamamoto (2008) define a Questão Social como o conjunto das expressões das
desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz em comum: a
produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente
social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopoli-
zada por uma parte da sociedade.
Sob o viés global, as expressões da questão social surgiram no processo de
industrialização dos países europeus no século XVIII, num período em que o
Estado se caracterizava como liberal.
O Estado Liberalista focava a condução da economia para o desenvolvi-
mento da nação. A questão das manifestações populares deveria ser resolvida
entre patrão e empregado. No entanto, reconhecendo a importância dos direi-
tos aos cidadãos, até mesmo sob a ótica de manter estável e pacífica as relações
entre classes, o Estado Liberal passou a ser conhecido como Estado Social.
As manifestações não instalaram uma nova ordem social, mas contribuíram
para a criação e garantia de direitos antes inexistentes, mais dignidade à classe
trabalhadora, questionamento do papel do Estado frente à sociedade e controle
de suas ações. Esses fenômenos se caracterizam por políticas sociais, uma res-
posta às problemáticas sociais oriundas das relações precarizadas de trabalho.
Segundo Behring e Boschetti, o final do século XIX foi o “período em que o
Estado capitalista passa a assumir e a realizar ações sociais de forma mais ampla,
planejada, sistematizada e com caráter de obrigatoriedade” (2007, p. 64).

Sobre as Políticas Sociais


222 UNIDADE V

Ampliando a compreensão de política social e sua associação com as polí-


ticas públicas, Pereira (2009), apresenta a diferenciação entre Política e Política
Pública, sendo a primeira um enfoque clássico, voltado para as instâncias de
governo e elegibilidade dos governantes, e a “convivência entre diferentes em
sociedades internamente diferenciadas” (ARENDT, 1998, p. 21); e a segunda
voltada para a atividade governamental frente à sociedade, ou nas palavras
da autora, a política pública como a “base institucional da atividade política”
(PEREIRA, 2009, p. 87).
Cabe ainda destacar o sentido de “público” nesse conceito, pois entende-se

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que a população, em sua totalidade, ou seja, o público, tem acesso às políticas
implementadas pelo governo para suprir suas necessidades básicas com mais
qualidade de vida.
A Política Social envolve os direitos sociais em sua composição, e é dire-
cionada às parcelas da sociedade que vivenciam vulnerabilidades e fragilidades
decorrentes da conjuntura política, econômica, cultural e social, configuradas a
partir da mundialização e financeirização do capital. Segundo Pereira (2009, p.
92, grifos da autora), “a política social é uma espécie do gênero política pública” .
Para Magalhães (2013, p. 42), política pública é o mesmo que “governo em
ação”. Essa ação é controversa, já que se compreende por público algo que, em
tese, deveria pertencer ou ser acessado por todos. Todavia, como sabe-se que,
na prática, esse acesso universal não acontece, vem a política social como uma
ação mediadora entre a ordem capitalista e a classe trabalhadora, no desafio de
harmonizar as relações econômicas da hegemonia capitalista em face das neces-
sidades básicas da população.
A política social é uma política, própria das formações econômi-
co-sociais capitalistas contemporâneas, de ação e controle sobre as
necessidades sociais básicas das pessoas não satisfeitas pelo modo
capitalista de produção. É uma política de mediação entre as neces-
sidades de valorização e acumulação do capital e as necessidades de
manutenção da força de trabalho disponível para o mesmo. Nesta
perspectiva, a política social é uma gestão estatal da força de traba-
lho e do preço da força de trabalho. Ressaltamos que entendemos,
por força de trabalho todos os indivíduos que só têm a sua força
de trabalho para vender e garantir sua subsistência, independente
de estarem inseridos no mercado formal de trabalho (MACHADO;
KYOSEN, [2000], p. 1).

CIDADANIA, GLOBALIZAÇÃO, DEMOCRACIA E POLÍTICA INTERNACIONAL


223

No Brasil, o surgimento das políticas sociais são diferenciadas, visto que não
vivemos uma revolução industrial no século XVIII. Os problemas sociais aqui
têm sua gênese no processo de colonização do país, a partir do século XVI, se
desenvolvendo até as últimas décadas do século XIX, quando encerra-se o impé-
rio e inicia-se o regime democrático e independente.
Ao longo do século XX, o Brasil conquista uma característica de país liberal,
surgindo as classes burguesas. A influência das relações comerciais e até mesmo
da colonização de europeus foram fatores bastante influentes para a configura-
ção do sistema social, político e econômico brasileiro.
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A economia brasileira foi influenciada por duas guerras mundiais, princi-


palmente pelo crack na bolsa de valores de Nova York em 1929, levando muitos
cafeicultores à ruína. Após os anos de 1930, com o início da Gestão Vargas,
muitas mudanças ocorreram no país, como a transformação de uma economia
agrária para a economia industrial. Assim, os operários, sentindo a exploração
e a precariedade nas condições de trabalho, movimentaram contra os emprega-
dores e causaram manifestações e greves, pressionando o governo a enxergar a
causa e garantir direitos.
Diante dessa realidade, a economia estava em total desarmonia, e os conflitos
sociais começaram a emergir. Dessa forma, para amenizar a revolta dos populares,
Getúlio Vargas instalou algumas leis para beneficiar os operários, como a car-
teira de trabalho, previdência social, férias, leis trabalhistas (CLT – 1943) e saúde
pública, e também surgiram, ao longo das décadas, organizações responsáveis em
executar as políticas voltadas à área social, como o Instituto de Aposentadorias
e Pensões (IAP’s) – em 1933; O Serviço de Assistência ao Menor (SAM) – em
1941; A Legião Brasileira de Assistência (LBA) – em 1942, entre outras.
O surgimento de benefícios e organizações de assistência à população só
foram possíveis porque houve a manifestação da classe trabalhadora, que naquele
período foram os operários. Dessa forma, pode-se concluir que, só é possível
construir políticas públicas, se os interessados pressionarem o governo e insti-
tuições da sociedade civil.
Faz-se uma ressalva, considerando que o Estado Social não beneficiaria a
população por mera comoção. Levando em conta a intensificação da luta de clas-
ses e as dificuldades para viver e sobreviver em meio às sequelas da guerra e crise

Sobre as Políticas Sociais


224 UNIDADE V

econômica, o governo viu a necessidade de amparar a sociedade, para aumen-


tar os níveis de consumo, e ao mesmo tempo silenciar os movimentos operários,
que importunavam a construção da “ordem e progresso” do Brasil.
Atualmente, após um longo processo de transformações societárias, sur-
gem novos grupos específicos que reivindicam por equidade e cidadania. Dessa
forma, a partir destes novos grupos, as políticas sociais públicas devem apresen-
tar o compromisso de elevarem as discussões e a construção de estratégias para
serem desenvolvidas por instituições públicas e privadas.
De forma a aprofundar a constituição e a condução das políticas sociais

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públicas no Brasil, o próximo item traz uma reflexão histórica e contemporâ-
nea sobre elas, após o processo de redemocratização na década de 1980 até o
presente momento.

AS POLÍTICAS SOCIAIS BRASILEIRAS PÓS 1988

Como mencionado anteriormente, as políticas sociais no Brasil apresentam um


histórico recente, cujas raízes se concentram no período entre guerras, demar-
cado pela crise econômica mundial.
Enquanto os EUA e a Europa implementavam o Welfare State como política
social de geração de emprego, estímulo ao consumo e redução das desigualdades,
associando a política do pleno emprego ao crescimento econômico, pautados
pelos ideais keynesianos, o Brasil iniciou um processo político-social, cuja base
de intervenção correspondiam aos princípios básicos da caridade, da benesse e
manutenção da ordem social.
Sabe-se que o Brasil nunca adotou um Estado de Bem Estar Social, desen-
volvendo políticas fragmentadas, assistencialistas, focalistas, sem a mínima
conotação de direitos sociais.

CIDADANIA, GLOBALIZAÇÃO, DEMOCRACIA E POLÍTICA INTERNACIONAL


225

Nos países pobres periféricos não existe o Welfare State nem um ple-
no keynesianismo em política. Devido à profunda desigualdade de
classes, as políticas sociais não são de acesso universal, decorrentes do
fato da residência no país ou da cidadania. São políticas “categoriais”,
isto é, que tem como alvo certas categorias específicas da população,
como trabalhadores (seguros), crianças (alimentos, vacinas) desnutri-
das (distribuição de leite), certos tipos de doentes (hansenianos, por
exemplo), através de programas criados a cada gestão governamental,
segundo critérios clientelísticos e burocráticos. Na América Latina, há
grande diversidade na implantação de políticas sociais, de acordo com
cada país [...] (FALEIROS, 1991, p. 28).
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A categorização das políticas sociais, como destaca Faleiros (1991), se manteve


no contexto brasileiro por décadas, cujas transformações começaram a aparecer
em meados da década de 1980, com o processo de redemocratização do Estado
e da Sociedade.
A constante luta de classes, somada aos interesses do Estado e da classe domi-
nante, culminaram na reordenação das políticas sociais no Brasil, verificando
assim a necessidade de dar novas respostas às novas demandas que foram sur-
gindo nesse processo de luta, mudanças políticas e realidade social existente.
Desse modo, as políticas sociais:
São vistas como mecanismos de manutenção da força de trabalho, em al-
guns momentos, em outros como conquistas dos trabalhadores, ou como
doação das elites dominantes, e ainda como instrumento de garantia do
aumento da riqueza ou dos direitos do cidadão (FALEIROS, 1991, p. 8).

Interpretando a reflexão de Faleiros (1991), as políticas sociais, ao longo de sua


história de formação e implementação, garantiram nada mais do que a manuten-
ção da sociedade subalterna à sua condição de classe trabalhadora, empobrecida
e explorada, sem perspectivas de emancipação. Todavia, para que os primeiros
direitos sociais fossem colocados em pauta e deferidos pelo governo, foi necessá-
ria a mobilização desta mesma classe subalterna, que estafados de tanta miséria
e exploração, decidiram levantar-se e exigir do Estado uma atenção mais sensi-
bilizada frente à realidade que vivia.
Ao mesmo tempo, vem os “nobres elitistas” que realizavam o trabalho social,
doando um pouco do seu tempo, bens materiais ou dinheiro para amenizar tem-
porariamente as misérias de uma sociedade vulnerável e frágil. Fala-se aqui da

As Políticas Sociais Brasileiras Pós 1988


226 UNIDADE V

filantropia, que faz uso da imagem da pobreza e do pobre para a obtenção de


maiores taxas de lucro e consequentemente status social, por meio da constru-
ção de uma “bela imagem social”
Assim, infere-se que as políticas sociais no Brasil se desenvolvem em um
emaranhado complexo de interesses políticos, sociais e capitalistas. O que é pos-
sível afirmar, neste contexto, é que a caracterização das políticas sociais como
direitos sociais, instituídas e regulamentadas por vias legais, se destaca a partir
do texto constitucional de 1988, que as reestrutura na sua proposição, elabora-
ção, implementação, execução e avaliação.

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Pela primeira vez, uma Carta Magna afirma as políticas sociais com o com-
promisso do Estado frente à sociedade civil, afirmando um sistema de proteção
social que venha de encontro às demandas sociais, respeitando a diversidade
territorial e descentralizando ações para os Estados e Municípios, propondo
políticas voltadas para as diversas áreas que contemplem a superação de vulne-
rabilidades e riscos.
A Constituição de 1988 consagrou os novos princípios de reestrutura-
ção do sistema de políticas sociais, segundo as orientações valorativas
então hegemônicas: o direito social como fundamento da política; o
comprometimento do Estado com o sistema, projetando um acentuado
grau de provisão estatal pública e o papel complementar do setor pri-
vado; a concepção da seguridade social (e não de seguro) como forma
mais abrangente de proteção e, no plano organizacional, a descentrali-
zação e a participação social como diretrizes do reordenamento insti-
tucional do sistema (DRAIBE, 2003, p. 69, grifos da autora).

A estrutura da Constituição de 1988 contempla títulos e capítulos referentes às


políticas públicas, com destaque às políticas sociais, que definem direitos e deve-
res ao Estado e sociedade, de modo a garantir que estes sejam acessados pela
população. O Título II traz os direitos e garantias fundamentais, com destaque
ao Capítulo I – Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos e o Capítulo II –
Dos Direitos Sociais. Adiante, a Constituição contempla, em seu oitavo título,
os aspectos legais e normativos da ordem social, destacando o Capítulo II, que
traz a política de seguridade social contemplando em seu tripé a Previdência
Social, a Saúde e a Assistência Social, o Capítulo III – Da Educação, da cultura e
do desporto, Capítulo VI – Do Meio Ambiente, Capítulo VII – Da Família, da

CIDADANIA, GLOBALIZAÇÃO, DEMOCRACIA E POLÍTICA INTERNACIONAL


227

Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso e o Capítulo VIII – Dos Índios


(BRASIL, 2013).
É importante que o leitor tenha cuidado ao interpretar o sentido de “ordem
social”, registrado no texto constitucional. Segundo o Artigo 193 da Constituição
Federal de 1988, “A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como
objetivo o bem-estar e a justiça sociais”. Anteriormente, a ordem visava o silen-
ciamento do povo através de mandos e desmandos de um Estado Social/ Policial
que atendia aos interesses do sistema capitalista.
Atualmente, compreendendo as reações do Estado frente aos últimos acon-
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tecimentos no país, é importante retomar a reflexão: de que ordem social se está


falando: aquela policiada e opressiva ou a pautada pela justiça e igualdade social?
[...] as políticas sociais brasileiras sempre tiveram um caráter assis-
tencialista, paternalista e clientelista, com o qual o Estado, por meio
de medidas paliativas e fragmentadas, intervém nas manifestações da
questão social, preocupado, inicialmente, em manter a ordem social
(PIANA, 2009, p. 38).

No período transitório da década de 1980 para a década de 1990, o Brasil vivia


uma intensa crise social e econômica, herdada das políticas fracassadas do perí-
odo ditatorial. A democracia brasileira estava aprendendo a engatinhar e muito
deveria ser feito para que a nação voltasse a crescer consideravelmente em
pouco tempo. Nesse período, os primeiros governos democráticos assumem-se
enquanto Estado provedor das políticas sociais, buscando, dessa maneira, aten-
der às demandas da população ao mesmo tempo em que a política e a economia
necessitavam de atenção sistemática.
Dessa forma, as intervenções do Estado voltaram-se para a estabilização da
moeda nacional, redução da inflação e congelamento de preços, para favorecer
o consumo e assim girar capital no mercado, e ações sociais voltadas para a defi-
nição das políticas de seguridade: Saúde – Universal, Previdência – Contributiva
– Assistência Social – Seletiva/ Para quem necessitar e aprovação do Estatuto da
Criança e do Adolescente (1990). Os primeiros anos da década de 1990 foram
marcados pelos escândalos envolvendo políticos em esquemas de corrupção,
o que acarretou em uma mobilização nacional, e o impeachement do então
Presidente Collor em 1992.

As Políticas Sociais Brasileiras Pós 1988


228 UNIDADE V

Assim, assume Itamar Franco, que lança em conjunto com Fernando Henrique
Cardoso, na época Ministro da Fazenda, o Plano Real e a substituição da moeda
Cruzeiro Real para a moeda Real, sendo esta oficial até o presente momento. No
campo social houve a aprovação da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS),
em 1993, que regulamenta os artigos da CF 1988 voltados para esta política e,
em 1994, aprova-se a Política Nacional do Idoso.
A partir de 1995 a 2002, a gestão FHC expandiu os programas sociais, criando
diversas formas de transferência de renda, como o Bolsa Escola (1995), Bolsa
Alimentação (2001), Vale Gás (2002) e Cartão Alimentação (2002). Esse período

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também foi marcado pela privatização de estatais, abertura econômica e comercial,
atendendo à política de globalização e intensificação das relações internacionais.
Conforme ilustra Draibe (2003), o Governo FHC traçou algumas estratégias
de desenvolvimento social com crescimento econômico, conforme tabela a seguir:

OBJETIVOS CONDIÇÕES NECESSÁRIAS DESAFIOS


Garantia dos Estabilidade Crescimento
direitos sociais macroeconômica econômico
Igualdade de Reforma Geração
oportunidades do Estado de emprego
Proteção aos Retomada Melhora da distribuição
grupos vulneráveis do crescimento econômico de renda
Reestruturação dos
programas sociais universais
Tabela 1 - Governo FHC: Estratégia de Desenvolvimento social
Fonte: adaptado de Draibe (2003, p. 74).

Destas estratégias, destaca-se a criação de medicamentos genéricos na polí-


tica de saúde em 1995 e a implementação do BPC (Benefício de Prestação
Continuada) e do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) em
1996. Os dois mandatos de FHC atravessaram crises econômicas de cunho
mundial, sobrevivendo com sequelas principalmente no campo econômico,
com o aumento do valor da dívida pública interna e externa e maior depen-
dência de capital internacional.

CIDADANIA, GLOBALIZAÇÃO, DEMOCRACIA E POLÍTICA INTERNACIONAL


229
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Figura 2 - Fernando Henrique Cardoso Figura 3 - Luiz Inácio Lula da Silva

Cansados do modo em que o Governo conduzia as questões sociais, políticas e


econômicas no país, a população, usando da soberania popular, elegeu o então
ex-sindicalista e político de “esquerda” Lula, que pelo PT e por ideais socialis-
tas, governou a nação também por dois mandatos (2003 – 2006; 2007 – 2010).
Foi a expectativa do momento, quando toda a população via, em Lula, o “sal-
vador da pátria”.
O espírito sindicalista não venceu a ordem econômica capitalista. Lula pros-
seguiu com algumas privatizações e afirmou ter quitado a dívida externa, porém
a interna ainda não foi liquidada. Seu carro chefe preconizou ações sociais de
combate à pobreza.
Além do mais, Lula unificou os programas de transferência de renda cria-
dos por FHC pelo Bolsa Família em 2003, ampliando os gastos na área social.
Houve aumento no PIB na média de 4% a.a., redução das taxas de desemprego,
descontrole na inflação, redução dos índices de pobreza e ínfimo decréscimo
das desigualdades sociais.

As Políticas Sociais Brasileiras Pós 1988


230 UNIDADE V

O presidente foi alvo de críticas devido aos escândalos de corrupção como o


mensalão, a partir de 2005, cujos capítulos desta novela perduram até o momento.
Vivenciou a crise bancária mundial em 2008, sendo bem avaliado por organismos
internacionais, devido à forma com que lidou com o problema, intensificou os
investimentos em infraestrutura através dos Planos de Aceleração do Crescimento
1 e 2 e elevou, mesmo que remotamente, o padrão de vida da população, che-
gando ao final de seu mandato, em 2010 como líder da sétima potência econômica
mundial.
Por fim, em 2011, adentra Dilma Rousseff como a primeira presidente mulher

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da história do Brasil, sucedendo Lula pelo mesmo partido. Dilma deu continui-
dade à gestão lulista, visando o crescimento econômico, contudo com um maciço
investimento na área social. Deu continuidade ao carro chefe de Lula, expan-
dindo o Programa Bolsa Família, enfatizou o programa habitacional Minha Casa,
Minha Vida e substituiu o Fome Zero pelo Brasil sem Miséria.
Houve a desaceleração do crescimento do PIB. As metas anuais de cresci-
mento econômico não foram cumpridas dentro das expectativas traçadas todos
os anos. Dilma também assumiu, sem escolha, os ranços e a prática da corrup-
ção historicamente constituída e exercida. O Brasil chegou em 2011 como a
sexta economia mundial, perdendo o posto para o Reino Unido ao final de 2012
(PORTAL G1, 2013, on-line)2.
Dilma Rousseff enfrentou, recentemente, a indignação e revolta da popu-
lação, que foi às ruas, em junho de 2013, reivindicando melhorias nas mais
variadas políticas públicas. O movimento esfriou ao longo dos meses, porém
ainda não cessou. As relações internacionais buscam acordos econômicos com
a China e com potências do mundo todo, como também volta para a questão
dos Direitos Humanos.
Houve a criação de novos Ministérios e Secretarias de Estado, mesmo com
muitas críticas devido à ampliação dos gastos com o funcionalismo público. A
marca do governo Dilma consiste nos investimentos do PAC 2 e cobertura da
Copa do Mundo de 2014.
Os atuais calores das manifestações e a indignação frente a tantos programas
sociais, somado à precária educação básica que não permite que a massa crie
opiniões com maior criticidade, internacionalização de patrimônios naturais,

CIDADANIA, GLOBALIZAÇÃO, DEMOCRACIA E POLÍTICA INTERNACIONAL


231

influência cada vez maior de mega organizações empresariais e financeiras na


política econômica, bem como as reações da população frente a estas decisões
têm abalado a opinião pública a respeito da reeleição de Dilma. Todavia, as regi-
ões Norte e Nordeste, que são as mais impactadas pelos programas sociais, ainda
a mantém na popularidade.
Fechando a reflexão, os fundamentalismos religiosos, na política partidária e
social, e a influência cada vez maior dos preceitos teocráticos nas decisões polí-
ticas têm sido violentos e preocupantes, já que, constitucionalmente, o Brasil é
um Estado Laico. A laicidade do Estado Brasileiro possui feridas cada vez mais
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complexas, e questões de ordem voltadas aos direitos sociais e humanos estão


sendo violentados com base em princípios cristãos.
Toda essa complexidade política instaurada no cenário atual afeta a condu-
ção das políticas sociais, que estão se tornando institucionalizadas sob a égide
capitalista.
A metodologia de implementação das políticas sociais públicas, nas últimas
décadas, é analisada por Iamamoto (2009), sob o viés do desmonte do legado de
conquistas de direitos pela classe trabalhadora. As políticas sociais, que deveriam
atender a população em sua totalidade, são executadas mediante a elegibilidade
para seu acesso, focalizando critérios e segregando cidadãos dos seus direitos
sociais. Ao mesmo tempo, o Estado fraco e ineficaz depende das Organizações
da Sociedade Civil para cumprir com as suas responsabilidades, sendo assim
normatizadas e cofinanciadas para a execução de ações.
Essa transferência de responsabilidades ao terceiro setor e a compra de seus
serviços, sob a lógica da economia na redução de custos, mercantiliza e preca-
riza as políticas sociais, que mesmo sendo executadas pelas organizações sociais
não apresentam potência suficiente para promover a emancipação humana, o
empoderamento e a tão sonhada igualdade social, já que o Estado e os grandes
capitalistas manipulam a condução das políticas sociais, intensificando interes-
ses próprios.

As Políticas Sociais Brasileiras Pós 1988


232 UNIDADE V

PARTICIPAÇÃO POPULAR E CONTROLE SOCIAL:


PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS PARA A EFETIVAÇÃO
DA CIDADANIA E DA DEMOCRACIA

As discussões acerca da participação iniciam em discursos científicos no século


XVIII (GOHN, 2007), e ocorrem com maior intensidade no tempo presente.
Segundo a autora citada, a participação tem caráter plural e os indivíduos são
considerados cidadãos. A participação implica a divisão de responsabilidades
entre os cidadãos, independentemente da sua representatividade, pois as necessi-

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dades coletivas e comuns a todos devem estar em primeiro lugar. Referenciamos
aqui, umas concepções clássicas sobre a participação, a partir dos movimentos
de Gramsci sobre os conselhos de fábricas.
As primeiras discussões sobre a participação dos trabalhadores dos espaços
de decisão vieram com Gramsci, em 1905, quando foi criada a Comissão Interna
em uma fábrica. Para o pensador, essa comissão deveria estimular os operários a
participarem da gestão da fábrica e das decisões que nela deveriam ser tomadas.
Gramsci também frisava que essa comissão deveria ser cada vez mais libertada
das opressões e do controle dos dirigentes das fábricas (WANDERLEY, 2012).
Esse acontecimento na, Itália em 1905, abriu precedentes para a histórica
formação da participação da população enquanto cidadãos políticos. O Brasil
herda, segundo Wanderley (2012), esse pensamento, quando começa a pensar
na participação popular no país, na pluralidade dos participantes, na autonomia
dos conselhos e na sua paridade – Estado = Sociedade Civil.
Gohn (2007) traz algumas concepções de participação, a partir dos seus
estudos, sendo elas:
Participação liberal: parte do princípio de democracia, na qual todos os
membros da sociedade são iguais, e a participação destes poderão corres-
ponder às suas necessidades particulares.
Participação corporativa: deriva da participação liberal, todavia a dife-
rença está, digamos, no sentimento que move o interesse do indivíduo em
ser partícipe: para Gohn, a adesão na participação parte do espírito e não dá
razão por um interesse. “Há um sentimento de identidade e concordância
com uma certa ordem social que cria algo superior chamado ‘bem comum’”

CIDADANIA, GLOBALIZAÇÃO, DEMOCRACIA E POLÍTICA INTERNACIONAL


233

(GOHN, 2007, p. 16).


Participação comunitária: também deriva da participação liberal. Todavia,
foca o fortalecimento da sociedade civil e sua participação no interior da
administração pública, com agentes representativos do aparelho estatal. A
participação é livre e não distingue o indivíduo pela raça/etnia; gênero, sexu-
alidade, religião, dentre outras.
Participação autoritária: “é aquela orientada para a integração e controle
social da sociedade e da política” (GOHN, 2007, p. 17). Ocorre em regimes
políticos autoritários de direita (fascismo) ou de ideário socialista, com suas
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grandes manifestações populares.


Participação revolucionária: organizações em coletivos, que visam lutar
contra as relações de dominação e divisão política. Podem se desenvolver nos
caminhos do ordenamento jurídico vigente ou em outros caminhos paralelos.
Participação democrático-radical: fortalecimento da sociedade civil, para
a construção de caminhos para combater e eliminar as injustiças, as desi-
gualdades, discriminações, exclusões, etc. Nessa concepção, prevalece o
pluralismo, sinalizando que os partidos políticos não são mais importantes
que os movimentos sociais.

Atualmente, a temática da participação está muito focada, dentre muitas esferas,


nos conselhos de políticas públicas. A participação no Brasil é garantida cons-
titucionalmente, e em todas as políticas públicas é preconizada a importância
da participação dos cidadãos nos conselhos, para o exercício do controle social
e da fiscalização das ações, de modo a acompanhar desde a elaboração, perpas-
sando pela implantação e execução, até a avaliação das políticas.
É garantida aos cidadãos a participação nas três esferas de governo. Mesmo com
essas garantidas, faz-se necessário algumas ressalvas. Tatagiba (2000) apud Wanderley
(2012) assinala que os conselhos representam espaços públicos com composição plu-
ral e paritária; buscam a resolução dos conflitos derivados dos distintos interesses
em jogo no processo dialógico e funcionam como instâncias deliberativas condu-
zindo para a democratização da gestão. Mesmo reconhecendo as dificuldades de
uma avaliação mais profunda, para ela os conselhos representam um importante
avanço na construção de formas mais democráticas de gestão nas atividades públicas.

Princípios Fundamentais para a Efetivação da Cidadania e da Democracia


234 UNIDADE V

Segundo Tatagiba (2000 apud WANDERLEY, 2012), O princípio da paridade


tende a favorecer o Estado: Representantes governamentais possuem represen-
tação frágil, com posição particular, desvinculada das propostas e discussões
de interesse da esfera pública. Os Conselheiros não-governamentais possuem
pouco respaldo das Entidades que representam. Alguns defendem interesses par-
ticulares da sua Instituição, distorcendo seu papel representativo no Conselho.
Há ainda a ausência, ou baixa formação inicial e permanente que contribua
com a formação da consciência crítica e política do cidadão. Há também a recusa
das instâncias governamentais em compartilhar o poder. O que observa-se é que

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o Estado Brasileiro cumpre com pouca seriedade o dever de garantir espaços de
participação e controle com efetividade, pois na educação básica pouco ou não
se trabalha essas questões com os estudantes. Historicamente, a massa popula-
cional não foi mobilizada para este direito, transformando as gerações em grupos
etários com pouca ou nula consciência política.
Quando consegue-se levar para os espaços de participação pessoas que
usufruem das políticas públicas, porém leigas no conhecimento da política que
acessa, observa-se a baixa adesão ou o desaparecimento destas pessoas, pois, o
constrangimento por não compreender a linguagem das discussões, realizadas
nos espaços de participação e controle, soam mais alto que a coragem de dizer
que não se compreende aquilo que está em pauta.
As representações se encontram em
mesmo patamar, não podendo haver
hierarquia por níveis de conheci-
mento, pois, se isso acontece, estamos
desmerecendo, em primeiro lugar, a
importância do cidadão que acessa
as políticas públicas e os espaços de
controle, e ainda contribui-se para a
perpetuação das desigualdades socio-
políticas e da segregação social dos
menos favorecidos.
Figura 4 - Falta de representatividade política,
inequidade e injustiças sociais: consequências de
um povo apolítico

CIDADANIA, GLOBALIZAÇÃO, DEMOCRACIA E POLÍTICA INTERNACIONAL


235

GLOBALIZAÇÃO, POLÍTICA INTERNACIONAL E OS


SEUS REBATIMENTOS NAS RELAÇÕES HUMANAS

O tempo presente é constituído por uma trama social, na qual a filosofia de vida
se resume no “cada um por si” e nem sempre Deus para todos. Vivemos em tem-
pos líquidos, onde a insegurança domina a vida em sociedade e afasta cada vez
mais as pessoas umas das outras. A empatia pelo próximo está enxuta e quase
nula, e tende-se a não manifestar interesse em dar ao trabalho de preocupar pelas
questões que atingem negativamente aqueles que não conhecemos ou mesmo
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

aqueles que conhecemos.


Isso é contraditório, pois vivemos em uma sociedade global em que as rela-
ções sociais, humanas, políticas, econômicas e culturais estão além das fronteiras
e do mundo real. O processo de globalização começa a se formar há séculos, em
um período histórico de dominação de territórios, expansão das navegações para
outros continentes e sua consequente colonização. Este processo foi se configu-
rando e se aprimorando com o avanço da tecnologia. No tempo presente, nossas
relações vão além dos territórios que moramos, além do plano físico, devido ao
constante uso das redes sociais para relações sócio-virtuais pessoais e coletivas.
Diante do exposto, considerando as reflexões do pensador Zygmunt Bauman
(1925-2017) sobre os atuais tempos líquidos, em que toda a conjuntura vem se
diluindo a favor da soberania do capital, abordaremos os rebatimentos das rela-
ções globais no processo de liquidez do tempo presente, apontando o avanço do
conservadorismo e a consequente barbarização e criminalização da vida, fenô-
menos que compõem a complexidade de uma totalidade gerida e derruída pelo
capitalismo global.
A vida em sociedade se dilui, e esta dissolução atinge de várias formas cada
sujeito inserido no atual contexto capitalista globalizado. Bauman (2007) retrata,
na sua obra Tempos Líquidos, que a globalização exerce um papel negativo e des-
trutivo nas relações humanas. A abertura para a globalização expandiu não só
as relações políticas e econômicas, mas também as relações humanas, sociais e
culturais.
Devido ao fato destas relações não se estabelecerem de forma igualitária e
justa, os conflitos através da violência perpassam relações, objetivando ilustrar

Globalização, Política Internacional e os seus rebatimentos nas Relações Humanas


236 UNIDADE V

e concretizar as revoltas por não existir igualdade e justiça nas relações globais.
Diante do exposto, compreendemos a globalização como perversa e injusta em
sua natureza. “A perversa ‘abertura’ das sociedades imposta pela globalização
negativa é por si só a causa principal da injustiça e, desse modo, indiretamente,
do conflito e da violência” (BAUMAN, 2007, p. 14).
Os sujeitos que são impedidos de satisfazer essas necessidades fabricadas pela
indústria cultural, podem expressar o sofrimento que decorre desta insatisfação,
em gestos de violência. Logo, “a violência, em muitos casos, pode ser conside-
rada expressão trágica de necessidades não atendidas” (SCHERER, 2013, p. 29).

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Dessa forma, a globalização vem destruindo tudo que não é conveniente para
a manutenção da dominação burguesa e para a acumulação capitalista, como
exemplo, as relações humanas. Bauman (2007) vai nos dizer que o tempo pre-
sente é o tempo das relações frágeis. O medo perpassa por toda a dinâmica da
sociedade, que se reflete nos aspectos locais e globais e que configuram o mundo
contemporâneo, afrouxando ou rompendo os laços humanitários entre pessoas
e/ou comunidades, nivelando a individualização e a falácia de que uma auto-
proteção e maior segurança de cada sujeito é reforçada.
Diante dessa perspectiva, a solução para superar ou amenizar os medos de viver
nas cidades violentas é o investimento no consumo – de bens materiais para ali-
viar os momentos de solidão e de segurança para proteção. Bauman (2007, p. 18)
chama o mercado da segurança de “capital do medo”, considerando que o mercado
acumula grande parte do seu capital através do medo e insegurança das pessoas.
Para se vender segurança, é necessário investir no medo e propagar a inse-
gurança a qualquer custo. Dessa forma o mercado, juntamente com a mídia e
a política, ou seja, os atores aliados ao grande capital, investem na acentuação
e na reconfiguração do cenário de violência e barbárie, já instaladas na socie-
dade global. Isso não quer dizer que a violência é mera fantasia do capitalismo.
Ao contrário, é sabido que os índices de violência estão se elevando, porém, os
aliados do capital manipulam as formas de determinar os “únicos culpados”, ou
melhor, os vilões da sociedade contemporânea, para vender a segurança para
indivíduos que vivem em função do medo em suas rotinas diárias.
Atribuir a uma classe ou grupo de pessoas a condição de vilões da socie-
dade contemporânea, além de ser uma expressão da barbárie, esquiva o sistema

CIDADANIA, GLOBALIZAÇÃO, DEMOCRACIA E POLÍTICA INTERNACIONAL


237

capitalista e suas interfaces das suas (ir)responsabilidades devastadoras. É cul-


pabilizar essa mesma classe ou grupo como se estes fossem desajustados e/ou
rebeldes, contrariando a ordem do sistema vigente.
Bauman (2004) afirma que essa ideia de desajuste ou rebeldia configura a des-
qualificação da humanidade, ou seja, é a perda da subjetividade humana e a sua
transformação em objetos – pessoas, como problemas de segurança que devem
ser descartadas imediatamente. Para o sociólogo, a atual ordem societária que
ele mesmo chama de desordem, seleciona aqueles que não possuem importân-
cia para o capitalismo e os descartam pelas vias da segregação ou do extermínio.
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[...] todo modelo de ordem é seletivo, e exige que se cortem, aparem,


segreguem, separe ou extirpem as partes da matéria-prima humana que
sejam inadequadas para a nova ordem, incapazes ou desprezadas para o
preenchimento de qualquer de seus nichos. Na outra ponta do processo
de construção da ordem, essas partes emergem como “lixo”, distintas do
produto pretendido, considerado útil (BAUMAN, 2004, p. 148).

“Pilhas de lixo humano crescem ao longo das linhas defeituosas da desordem mun-
dial, e se multiplicam os primeiros sinais de uma tendência à autocombustão, assim
como os sintomas de uma explosão iminente” (BAUMAN, 2004, p. 149). É inegável
que a miséria e a segregação vêm crescendo em todo o planeta, e observamos ações
desumanas de atenção à população segregada, com vistas a higienizar um planeta
que se encontra cheio – superlotado de pessoas. Os soberanos do capital, que nada
mais são do que bonecos de ventríloquos do próprio sistema, sentem-se no poder
absoluto de determinar a “[...] vida que não vale a pena ser vivida” (BAUMAN,
2004, p. 158), financiando as guerras e outras ações de extermínio por todo o globo.
São muitos os fenômenos que poderíamos apontar neste capítulo. Porém, nos
atentaremos aos exemplos mais recentes que vem ganhando destaque na mídia
nacional e internacional. Comecemos pelo processo de imigração de refugiados
pelos países europeus. São pessoas que deixaram às pressas os seus países por
diversos motivos: miséria, conflitos entre facções, disputas de poder, ausência
de Estado de proteção, assassinatos em massa e conflitos históricos, do passado
ou recentes, que obstrui qualquer capacidade de manutenção e sobrevivência
com qualidade e segurança.
O movimento imigratório intensifica a chama da xenofobia, em que pessoas
estranhas que se encontram à nossa porta (BAUMAN, 2017) são humilhadas,

Globalização, Política Internacional e os seus rebatimentos nas Relações Humanas


238 UNIDADE V

agredidas e ofendidas de todas as formas possíveis. Para famílias, adultos, crianças,


adolescentes, jovens, mulheres, pessoas idosas e refugiados, não existia digni-
dade em suas terras natais e não existe dignidade em terras de outros povos. Há
pouca receptividade em face à esse público que busca, em qualquer país, uma
forma ínfima de segurança e paz para viver.
As alegações são variadas: que os imigrantes são subversivos, vão destruir a cul-
tura local, vão nivelar a violência, tirarão as oportunidades de emprego daqueles
nascidos e crescidos em âmbito local ou que não são, de fato, bem vindos naquele país.
Observamos uma crescente no tocante ao conservadorismo. Ao invés das rela-

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ções humanas se potencializarem com o passar do tempo, nota-se um avanço de um
conservadorismo carregado de barbárie, ódio, intolerância e desejo de extermínio.
A recente eleição e ascensão de Donald Trump nos Estados Unidos, tam-
bém contribui para o avanço da discussão, trazendo à tona a preocupação dos
rumos das relações globais, a partir de ações reacionárias de chefes de Estado,
sob o aval de seus eleitores e, ao mesmo tempo, causando a fúria daqueles que
ainda lutam por uma sociedade mais digna, humana e justa.
Trump, ainda em campanha e após assumir a posição de destaque nos EUA
e no mundo, apresenta e reitera o seu discurso xenofóbico de separar o México
dos EUA, a partir da construção de um muro, cuja conta seria paga pelo Estado
Mexicano. É o discurso da “América para os americanos” ganhando nova rou-
pagem, cada vez mais perversa e desumana. Além dos discursos xenofóbicos
contra os latino-americanos e povos do Oriente Médio, Trump, no seu primeiro
dia como presidente, retira do portal da Casa Branca informações acerca da luta
e dos direitos LGBTIs, deixando nítida sua posição perante liberdade e direito
de expressão de gênero e sexual.
Os discursos de chefes de Estado de outros países, como os de Donald Trump,
intensificam, em outros espaços, discussões que deveriam não mais existir: discur-
sos de ódio contra minorias, xenofobia, preconceitos de classe e intolerâncias de
diversas naturezas, colocando em status pessoas públicas, como políticos da extrema
direita brasileira, que vem ganhando notoriedade com discursos ultraconservadores.
Em uma sociedade global, onde vivemos interconectados diariamente com várias
pessoas do mundo, é comum, porém não natural, acessarmos e multiplicarmos
informações que acentuam a barbárie e a destruição da humanidade das pessoas.

CIDADANIA, GLOBALIZAÇÃO, DEMOCRACIA E POLÍTICA INTERNACIONAL


239
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Figura 5 - O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, desconhece o sentido de “sociedade global”

Ademais, além dos fenômenos já explícitos, o processo de acumulação do capi-


tal também contribui severamente para a expansão da barbárie e das violações
de direitos que ocorrem no mundo todo, com reflexos perversos no contexto
brasileiro. Podemos destacar alguns: os conflitos religiosos entre grupos que não
reconhecem como direito à livre expressão religiosa pelas pessoas e/ou coleti-
vos, a interferência cada vez mais acentuada de dogmas cristãos nos assuntos do
Estado, corroendo as bases do Estado laico, violando as liberdades individuais
e coletivas, a deterioração do meio ambiente, utilizando-o como fonte de recur-
sos para a produção de riqueza, a exploração do trabalho infantil, que ocorre de
diversas formas em vários países, principalmente naqueles em desenvolvimento,
o tráfico de pessoas, uso de crianças-soldados em conflitos armados no Oriente
Médio, abuso infantil, a violência de gangues, acentuação do machismo dentre
outras expressões da barbárie, que podemos reconhecê-las como as velhas novas
expressões da questão social.
Nesta sociedade líquida e frágil, estar na condição de refugiado, pertencer às
minorias sociais ou estar em condição de pobreza ou miséria é estar na mira das
criminalizações. Infere-se que o atual percurso das relações humanas, influenciada

Globalização, Política Internacional e os seus rebatimentos nas Relações Humanas


240 UNIDADE V

pelo “capital do medo”, segue as rotas do ódio e da intolerância, envolvendo em


movimentos (sem prévia reflexão crítica) pró-repressão, violência, encarcera-
mento, expulsão, aniquilação e demais formas de desqualificação e descarte dos
indesejáveis, dessocializados, perigosos ou daqueles considerados estranhos.
“O severo controle penal e exterminador dos pobres marginalizados são
ainda dominantes, expressões do clamor punitivo que grassa na sociedade glo-
bal por maior repressão mais prisões e penas mais rigorosas” (SALES, 2007, p.
65). Para Bauman (2007), é possível não sentir-se culpado por se associar em
mobilizações pró-barbárie, pois estas discorrem por todo o globo com o intuito

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de eliminar o perigo, mesmo que isto custe a extinção de uma parte da popula-
ção, a dos mais pobres.
É possível que se possa curar a consciência culpada cuja causa é o
destino da parcela condenada da humanidade. Para obter esse efeito,
basta permitir que o processo de biosegragação prossiga, invocando e
fixando identidades maculadas por guerras, violência, êxodos, doen-
ças, miséria e desigualdade – um processo que já está em pleno curso.
Os portadores do estigma serão mantidos definitivamente à distância
em razão de sua humanidade inferior, o que representa sua desuma-
nização tanto física quanto moral (LE HOUEROU apud BAUMAN,
2007, p. 47).

Não há dúvidas de que o “capital do medo” criou as suas raízes na sociedade global,
e consegue manter o domínio sobre boa parte dos seres humanos que, subordi-
nados ao ideário da insegurança, perdem o senso de humanidade e tornam-se
objetos do consumo, mercadorias do sistema que são facilmente manipuláveis
para viabilizar a acumulação capitalista, e agem de modo a violentar a vida de
pessoas que sofrem com as contradições do capital.
Bauman (2013) retrata a ausência da ética, no tocante a pensar as relações
humanas e possíveis formas de resolver o problema da segurança, que é a base
sólida da liquidez do tempo e das sociabilidades. Não há, por parte da população
insegura, condições ou intenções de pensar a reintegração daqueles que, supos-
tamente, oferecem perigo para a sociedade. O medo acentuado apenas permite
que sejam consideradas as maneiras de eliminação dos sujeitos perigosos, sejam
eles quem for – crianças, adolescentes, jovens, adultos ou velhos. É o descarte
acima de qualquer característica ou questão.

CIDADANIA, GLOBALIZAÇÃO, DEMOCRACIA E POLÍTICA INTERNACIONAL


241

O que coloca a segurança e ética em oposição, do ponto de vista de princí-


pios (uma oposição difícil de superar e conciliar), é o contraste entre segmentação
e comunhão: o impulso de separar e excluir o que é endêmico à primeira versus a
tendência inclusiva, unificadora e constitutiva da segunda. A segurança gera um
interesse em apontar riscos e selecioná-los para fins de eliminação e, por isso, ela
escolhe fontes potenciais de perigo como alvos de uma ação de extermínio “preven-
tiva”, empreendida de maneira unilateral. “Os alvos dessa ação são, segundo o mesmo
padrão, excluídos do universo das obrigações morais” (BAUMAN, 2013, p. 77).
A repressão e os pedidos de violência, como vêm acontecendo no Brasil e no
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mundo, consistem na ampliação da intolerância e do ódio por aqueles que não


seguem os padrões morais estabelecidos. É evidente que alguns princípios morais
ainda postos não condizem mais com a atual realidade. Entretanto, vivemos em
um Brasil conservador, que sente no cotidiano os fervores de movimentos pro-
gressistas, a favor da liberdade plena dos sujeitos e de ações humanitárias com
justiça social de fato.

A perversa ‘abertura’ das sociedades imposta pela globalização negativa é


por si só a causa principal da injustiça e, desse modo, indiretamente, do con-
flito e da violência.
(Zygmunt Bauman)

Segundo Barroco (2014, p. 470), para garantir a legitimidade da propriedade pri-


vada e a identidade do individualismo possessivo, são “reproduzidas determinadas
máximas que funcionam como normas de convivência, visando à regulação do
comportamento dos indivíduos em sua convivência social”.
Dentre elas, destaca-se a máxima que afirma que “a sua liberdade ter-
mina quando começa a do outro”. Ocultando a realidade ao invocar
a proteção da liberdade de todos, ou seja, do “bem comum”, difunde
a falsa ideia de que a delimitação do espaço de liberdade de cada um
equivale a uma atitude de respeito mútuo (BARROCO, 2014, p. 470).

Globalização, Política Internacional e os seus rebatimentos nas Relações Humanas


242 UNIDADE V

Obviamente, a classe dominante não seria conivente com movimentos como


estes, e jamais aceitaria defesas frente aos atores da classe trabalhadora que,
por suas razões, desrespeitam regras e normas. Essa defesa não é para justificar
qualquer ação ilegal, mas para clamar por proteção e estratégias de reeducação
e reintegração social.
Na intolerância, também ocorre uma relação social em que um dos
sujeitos (ou um grupo, uma classe social etc.) é diferente ou faz algo di-
ferente, e isso nos atinge. Porém nossa reação é oposta à da tolerância;
aqui, diante das diferenças, assumimos atitudes destrutivas, fanáticas,
racistas, reacionárias. A diferença é negada; mais do que isso, buscamos

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destruí-la, excluir a identidade do outro por meio da afirmação da nos-
sa, tomada como a única válida (BARROCO, 2014, p. 472).

Enquanto na tolerância a diferença é reconhecida e respeitada, embora não seja


compartilhada, na intolerância a identidade do outro é rechaçada, justamente
por ser diferente.
Enquanto a tolerância exige um horizonte de liberdade, uma reciproci-
dade objetivadora de relações de comum liberdade e igualdade, a into-
lerância objetiva uma relação assimétrica em que somente um é livre e
quer impor a sua identidade ao outro (BARROCO, 2014, p. 472).

Ainda sobre a identidade, que possui vários vieses, e estes formatam conflitos
visando impor aquela ideia concebida como verdadeira, única e correta, Bauman
(2005, p. 82-83) afirma que:
[...] é uma ideia inescapavelmente ambígua, uma faca de dois gumes.
Pode ser um grito de guerra de indivíduos ou das comunidades que de-
sejam ser por estes imaginadas. Num momento o gume da identidade é
utilizado contra as “pressões coletivas” por indivíduos que se ressentem
da conformidade e se apegam a suas próprias crenças (que “o grupo”
execraria como preconceitos) e a seus próprios modos de vida (que “o
grupo” condenaria como exemplos de “desvio” ou “estupidez”, mas, em
todo caso de anormalidade, necessitando ser curados ou punidos). Em
outro momento é o grupo que volta o gume contra um grupo maior,
acusando-o de querer devorá-lo ou destruí-lo, de ter a intenção viciosa
e ignóbil de apagar a diferença de um grupo menor, forçá-lo ou indu-
zi-lo a se render ao seu próprio “ego coletivo”, perder prestígio, dissol-
ver-se... Em ambos os casos, porém, a “identidade” parece um grito de
guerra usado numa luta defensiva: um indivíduo contra o ataque de um
grupo, um grupo menor e mais fraco (e por isso ameaçado) contra uma
totalidade maior e dotado de mais recursos (e por isso ameaçadora).

CIDADANIA, GLOBALIZAÇÃO, DEMOCRACIA E POLÍTICA INTERNACIONAL


243

Os tempos líquidos dissolvem os sentimentos e o amor entre os semelhantes, algo


tão propagado ao longo da história. Está difícil exercitar a capacidade de tole-
rância e pensar com mais humanidade. As pessoas estão mais individualizadas,
com sede de vingança, sem qualquer remorso quanto a repressão e a violência
do atual Estado militarizado e repressivo, que age por meio de suas armas de
fogo. A liberdade de fato não existe, porque está limitada à ordem capitalista e
possui critérios para exercê-la.
A atual concepção de liberdade, segundo Barroco (2014), conota a falácia
do respeito ao próximo, sendo esta, na verdade, maquiada pela moral conserva-
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dora. A autora afirma que a noção de liberdade, a defendida pelos movimentos


progressistas, não se separa da sociabilidade. Se há restrições no tocante a liber-
dade de alguma pessoa ou grupo, então a totalidade do ser social não é livre.
Pressupõese que indivíduos sejam livres em relação uns com os outros;
não podemos ser livres enquanto os outros não o são. Isso supõe o en-
frentamento dos conflitos, das contradições, a aceitação consciente dos
demais como seres iguais e diferentes (BARROCO, 2014, p. 479).

No interior dos processos de luta, travados em nosso cotidiano, há um desafio que


se tornou questão de ordem: os vínculos afetivos e o seu fortalecimento em meio aos
grupos sociais os quais nos socializamos. No mundo líquido, o amor e os sentimentos
que estabelecemos pelas pessoas estão se perdendo, a ponto do risco de se dissolver.
Bauman (2004) retrata o amor líquido como resultante da individualização dos sujei-
tos, mediante a insegurança de se conviver com vínculos estreitos com os outros.
Para o sociólogo, enquanto aspectos subjetivos na nossa existência, há o
desejo de amar e ser correspondido, porém, diante do atual cenário de barbá-
rie, as pessoas optam por limitar as suas relações de modo que facilite a ruptura
e o descarte, caso estas deixem de ser coniventes com os nossos interesses. “Um
desejo que todos nós compartilhamos e sentimos de maneira especialmente
forte e apaixonada é o desejo de amar e ser amado”(BAUMAN, 2015, p. 201).
Entretanto, referenciando Bauman (2015), entregar-se para esse amor pelas
outras pessoas se mostra cada vez mais difícil, pois estreitar relações com os
outros leva tempo, não há como agilizar o processo. Gera-se medo e insegurança
e, desta forma, as pessoas buscam meios mais rápidos, “seguros” e fáceis de se
relacionar, sendo, neste caso, com os objetos por meio do consumo.

Globalização, Política Internacional e os seus rebatimentos nas Relações Humanas


244 UNIDADE V

Como nosso mercado descobre e responde ao que o consumidor mais quer,


“nossa tecnologia tornou-se extremamente competente em criar produtos que
correspondam à nossa fantasia ideal de relacionamento erótico, aquele no qual
o objeto amado nada pede e tudo dá, de forma instantânea; faz com que nos sin-
tamos poderosos; não dá terríveis ataques quando é substituído por um objeto
ainda mais estimulante, enquanto ele é jogado numa gaveta” (FRANZEN apud
BAUMAN, 2015, p. 57).
Para Bauman (2015), o amor pelos próximos, conforme reza a cartilha que
historicamente aprende-se ao longo dos anos, demanda muito trabalho, dedi-

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cação, cuidado, paciência e tolerância. Contudo, as reflexões já expostas neste
item, a capacidade para o árduo compromisso de se envolver em relações sociais
e buscar maneiras de mantê-las sempre fortalecidas está se perdendo.
Amar significa abrir-se ao destino, a mais sublime de todas as condi-
ções humanas, em que o medo se funde ao regozijo num amálgama
irreversível. Abrir-se ao destino significa, em última instância, admi-
tir a liberdade do ser: aquela liberdade que se incorpora no Outro, o
companheiro no amor. “A satisfação no amor individual não pode ser
atingida... sem a humildade, a coragem, a fé a disciplina verdadeiras”,
afirma Erich Fromm – apenas para acrescentar adiante, com tristeza,
que em “uma cultura na qual são raras essas qualidades, atingir a ca-
pacidade de amar será sempre, necessariamente, uma rara conquista.”
(BAUMAN, 2004, p. 21).

Sem humildade e coragem não há amor. Essas duas qualidades são exigidas,
em escalas enormes e contínuas, quando se ingressa numa terra inexplorada e
não mapeada. “E é a esse território que o amor conduz ao se instalar entre dois
ou mais seres humanos” (BAUMAN, 2004, p. 22). Diante do medo de explorar
os caminhos das relações por meio dos sentimentos, o amor também se tornou
mercadoria, pois hoje é possível estabelecer um vínculo e rompê-lo sem dores,
a qualquer momento. É a banalização da expressão humana e sentimental do
amor. Hoje se ama a tudo, a todos e, de repente deixamos de exercê-lo facilmente.

CIDADANIA, GLOBALIZAÇÃO, DEMOCRACIA E POLÍTICA INTERNACIONAL


245
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Figura 6 - Paradoxo contemporâneo: Uma sociedade vivendo dissociada.

Quando há movimentos de resistência em face às atuais formatações das rela-


ções humanas, embasadas por regras morais conservadoras, há um rebatimento
por parte dos que consideram suas morais como regras de vida através da trucu-
lência, intolerância e do distanciamento. A liberdade dos sujeitos, bem como o
respeito e tolerância à diversidade humana não se efetivou de fato. Ela está posta
em um processo de luta constante, em uma arena minada pelos preconceitos e
estereótipos, afrouxando as relações nesta sociedade líquida.
No atual mundo líquido, segundo a crítica de Bauman (2004), não faz sen-
tido alimentar sentimentos por alguém que não se conhece. Como confiar em
uma pessoa, estreitar vínculos e permitir a abertura para os sentimentos, para o
amor, sendo que não se sabe se haverá reciprocidade ou ainda se haverá algum
tipo de dano futuro nessa relação? O amor na sociedade líquida é conquistado
via meritocracia – ama-se aqueles que são merecedores, e esse merecimento é
mensurado através de vários critérios.

Globalização, Política Internacional e os seus rebatimentos nas Relações Humanas


246 UNIDADE V

Se eu amo alguém, ela ou ele deve ter merecido de alguma forma


[...] mas, se ele é um estranho para mim e se não pode me atrair por
qualquer valor próprio ou significação que possa ter adquirido para a
minha vida emocional, será difícil amá-lo. (BAUMAN, 2004, p. 97).

Essa provocação que o sociólogo nos coloca pode ser associada à segregação
que a sociedade estabelece, em face aos públicos apresentados neste capítulo.
Não há razão em constituir relações com aqueles considerados perigosos para
a sociedade. É impossível ter qualquer empatia pelos estranhos que se encon-
tram próximos a nós, pois, se fazem mal para a sociedade, merecem o descarte,

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o encarceramento e até a mesmo a extinção.
O rebaixamento de homens, mulheres, crianças, adolescentes, jovens e velhos
refugiados, delinquentes, perigos para a sociedade e subversivos no atual con-
texto capitalista é condição suficiente para defender a perversa ideia de se manter
distância deles. Diante dos riscos, melhor evitar se socializar com eles. “O com-
promisso com outra pessoa ou com outras pessoas, em particular o compromisso
incondicional, [...] parece cada vez mais uma armadilha que se deve evitar a todo
custo” (BAUMAN, 2004, p. 111). Essa é nossa sociedade: a sociedade que o assis-
tente social tem um grande desafio.

Zygmunt Bauman (19 de novembro de 1925, Poznan) é um sociólogo polonês


que iniciou sua carreira na Universidade de Varsóvia, onde teve artigos e livros
censurados e, em 1968, foi afastado da Universidade. Logo em seguida, emigrou
da Polônia, reconstruindo sua carreira no Canadá, Estados Unidos e Austrália, até
chegar à Grã-Bretanha onde, em 1971, se tornou professor titular da Universida-
de de Leeds, cargo que ocupou por vinte anos. Lá, conheceu o filósofo islandês
Ji Caze, que influenciou sua prodigiosa produção intelectual, pela qual recebeu
os prêmios Amalfi (em 1989, por sua obra Modernidade e Holocausto) e Adorno
(em 1998, pelo conjunto de sua obra). Foi professor emérito de Sociologia das
Universidades de Leeds e Varsóvia. Tem mais de dezesseis obras publicadas no
Brasil, dentre as quais Amor Líquido, Globalização: as Conseqüências Humanas
e Vidas Desperdiçadas. Bauman tornou-se conhecido por suas análises das liga-
ções entre a modernidade e o holocausto, e o consumismo pós-moderno.
Fonte: Pizzinga ([2017], on-line)3.

CIDADANIA, GLOBALIZAÇÃO, DEMOCRACIA E POLÍTICA INTERNACIONAL


247

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nessa Unidade, compreendemos que as políticas sociais são ações que visam
garantir os direitos constitucionalmente adquiridos pela população, e que elas vêm
passando por um reordenamento, cujas raízes do ajustamento do ser humano ao
meio social e a intervenção paternalista e imediatista se reconfiguram em meio
à crise do capital, impactando severamente as classes subalternas.
O reordenamento aqui exposto desmonta as conquistas da sociedade, que
por meio das lutas de classes e disputas de poder político e ideológico conquista-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

ram direitos, que por sua vez beneficiam gerações no país. As políticas públicas
traduzem, em seu processo de elaboração e implantação e, sobretudo em seus
resultados, formas de exercício do poder político, envolvendo a distribuição e
redistribuição de poder, o papel do conflito social nos processos de decisão, a
repartição de custos e benefícios sociais.
Dessa maneira, o Estado tem um importante papel de representação pública,
com o desafio histórico de emancipar uma sociedade secularmente violentada e
explorada pelos sistemas econômicos colonizador, escravista, rural, industrial e,
o mais recente, o capitalista e tecnológico, que não exclui a população da dinâ-
mica global, mas os segrega da forma mais discriminatória, desumanizando as
relações sociais.
A (des)ordem capitalista do tempo presente e a acumulação sem preceden-
tes e a qualquer custo, formataram vários mecanismos de segregação e extinção
das pessoas, consolidando a ideia de tempo e amor líquidos, permitindo inferir
que a liberdade e o amor entre humanos não serão possíveis enquanto o capita-
lismo for a ordem societária vigente.
O desafio só será superado a partir do momento em que o Estado reconhecer
de fato a soberania da população, ouvir seus clamores e assumir um compro-
misso legítimo de desenvolvimento social atrelado ao crescimento econômico,
construindo um espaço em que as oportunidades serão igualitárias e a visão
social das classes será mais respeitosa e política.

Considerações Finais
248

1. Segundo o texto, as contribuições de Gramsci para o Serviço Social foram:


a. Projeto Ético-político e educação bancária.
b. Projeto Ético-Político, defesa da construção de outra ordem societária sem explo-
ração e dominação de classe, gênero e etnia, Código de Ética, Lei de Regulamen-
tação da Profissão, Liberdade como valor ético central e Emancipação humana.
c. Projeto Ético-Político, defesa da construção de outra ordem societária sem explo-
ração e dominação de classe, gênero e etnia, Código de Ética, Lei de Regulamen-
tação da Profissão, Liberdade como valor ético central e Emancipação social.
d. Projeto Ético-Político de cunho positivista, defesa da manutenção da ordem so-
cietária capitalista, Código de Ética, Lei de Regulamentação da Profissão, Liberda-
de como valor ético central e Emancipação humana.
e. Projeto Ético-Político fenomenológico, defesa da construção de outra ordem societária
sem exploração e dominação de classe, gênero e etnia, Código de Ética, Lei de Regu-
lamentação da Profissão, Liberdade como valor ético central e Emancipação política.
2. A participação no Brasil é garantida constitucionalmente, e em todas as políticas pú-
blicas é preconizada a importância da participação dos cidadãos nos conselhos para
o exercício do controle social e da fiscalização das ações, de modo a acompanhar
desde a elaboração, perpassando pela implantação e execução, até a avaliação das
políticas. A partir dessa assertiva, assinale a alternativa correta:
a. Os conselhos representam espaços privados com composição plural e paritária;
buscam a resolução dos conflitos derivados dos distintos interesses em jogo no
processo dialógico; funcionam como instâncias apenas consultivas conduzindo
para a democratização da gestão.
b. Os conselhos representam espaços públicos com composição plural e não paritá-
ria; buscam a resolução dos conflitos derivados dos distintos interesses em jogo
no processo dialógico; funcionam como instâncias deliberativas conduzindo para
a democratização da gestão.
c. Os conselhos representam espaços públicos e privados com composição plural e
não paritária; buscam a resolução dos conflitos derivados dos distintos interesses
em jogo no processo dialógico; funcionam como instâncias deliberativas condu-
zindo para a democratização da gestão.
d. Os conselhos representam espaços públicos com composição plural e paritária; bus-
cam a resolução dos conflitos priorizando os interesses do poder público; funcio-
nam como instâncias deliberativas conduzindo para a democratização da gestão.
e. Os conselhos representam espaços públicos com composição plural e paritária;
buscam a resolução dos conflitos derivados dos distintos interesses em jogo no
processo dialógico; funcionam como instâncias deliberativas conduzindo para a
democratização da gestão.
249

3. Bauman, pensador polonês, afirma que vivemos em uma época em que nada é dura-
douro; as pessoas estão mais individualistas, em constante medo, seja da violência ou
de estreitar vínculos com outras pessoas. Bauman chama esse fenômeno de:
a. Tempos Modernos.
b. Amor Líquido e Tempos Modernos.
c. Tempos Líquidos para nossa sobrevivência.
d. Tempo Líquido e Amor Líquido.
e. Pós-modernidade líquida.
4. Segundo a leitura e reflexão sobre a primeira parte desta Unidade, o Serviço Social
começa a repensar sua posição ideopolítica a partir do movimento de reconceitua-
ção. Sobre essa afirmativa, assinale a alternativa correta:
a. A partir deste movimento, o Serviço Social adere à filosofia de Mary Richmond,
propondo o modelo médico, reconhecendo os trabalhadores como clientes do
Serviço Social.
b. A partir deste movimento, o Serviço Social reconhece o pensamento positivista
e funcionalista compreendendo a classe trabalhadora como classe que deve se
adequar à ordem vigente.
c. A partir deste movimento, o Serviço Social reconhece o pensamento de Marx,
compreendendo a história de luta da classe trabalhadora, considerando-os pro-
tagonistas de um processo de luta contra os mandos da classe dominante, visan-
do uma sociedade emancipada.
d. A partir deste movimento, o Serviço Social reconhece o pensamento de Marx,
negando a história de luta da classe trabalhadora, considerando-os antagonistas
de um processo de luta contra os mandos da classe dominante, visando uma so-
ciedade dominada.
e. A partir deste movimento, o Serviço Social não reconhece o pensamento de Marx,
desconsidera a história de luta da classe trabalhadora, considerando-os antago-
nistas de um processo de organização da sociedade capitalista.
5. O surgimento das políticas sociais brasileiras teve como premissas:
a. A Constituição Federal de 1988 e a Consolidação das Leis Trabalhistas de 1943.
b. Os princípios da caridade, benesse e de manutenção da ordem, para somente,
décadas mais tarde virem a ser reconhecidas como direitos sociais à população.
c. A implantação do Welfare State como aconteceu nos EUA.
d. Os princípios da caridade, benesse e de manutenção da ordem, se mantendo le-
galmente desta forma até o tempo presente.
e. Os princípios da caridade, benesse e de manutenção da ordem, para somente, dé-
cadas mais tarde virem a modificadas a partir da implantação do Welfare State.
MATERIAL COMPLEMENTAR

Democracia e Participação Social: desafios contemporâneos


Ângela Vieira Neves (organizadora)
Editora: Papel Social
Sinopse: o presente livro analisa a participação social tomando
como referência diferentes formas de mobilização da sociedade
civil, principalmente no contexto dos anos 2000 no Brasil. Este livro é
composto de vários capítulos teóricos, com pesquisas empíricas que
representam o esforço de colocar em xeque qual o tipo de participação
social tem sido efetivado pelos sujeitos políticos no contexto da sociedade brasileira, marcada
pelo neoliberalismo e pela cultura política do favor e do mando no Brasil.

Tempos líquidos
Zygmunt Bauman
Editora: Zahar
Sinopse: uma reflexão profunda sobre a insegurança, sobretudo nas
grandes cidades. Terrorismo, desemprego, solidão – fenômenos típicos
de uma era na qual, para Bauman, a exclusão e a desintegração da
solidariedade expõem o homem aos seus temores mais graves. Tempos
líquidos mostra como as cidades, que originalmente foram construídas
para fornecer proteção ao cidadão, se tornaram um ambiente inseguro.
“As ideias de Bauman são fortes. O mundo contemporâneo está, de fato, infestado de emoções
fluidas, que transformam a vida numa experiência rápida e sem profundidade, como se viver fosse
deslizar sobre as águas de uma piscina. “José Castello, O Globo.
251
REFERÊNCIAS

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Em: <http://www.uel.br/grupo-pesquisa/gepal/terceirosimposio/marialucimar.pdf>.
4
255
GABARITO

1. B
2. E
3. D
4. C
5. B
CONCLUSÃO

Caro(a) aluno(a), finalizamos aqui a nossa disciplina de Tópicos Especiais, do


curso de Serviço Social. Esse material foi organizado e elaborado a fim de pro-
mover o estudo sobre vários temas importantes de nossa sociedade: Violência,
Sexualidade, Racismo, Inclusão, Preconceito, Ética, Moral, Tecnologia, Meio-
Ambiente, Política, Democracia e Direitos Humanos. Logo, vimos em cada
exemplo que o profissional do Serviço Social tem o dever de refletir sobre esses
temas, compreender seu papel nesta nova e mutante sociedade e perceber a
importância deles em seu ofício.
Durante o material, trabalhamos com a ideia de que a prática de interven-
ção do Assistente Social é mais complexa e desafiadora, e só é possível a partir de
reflexões. Todos estes temas foram trabalhados em cinco unidades, tendo como
elo a sociedade e o papel do Assistente Social.
Na Unidade I, abordamos os fenômenos da violência e seus mais variados
vieses, focando-nos na mulher, criança, adolescente, idoso e, principalmente, no
imaginário sobre a violência em nosso país. Já na unidade II, estudamos sobre
questões raciais e como o racismo atinge nossa sociedade. Nesse contexto, dis-
cutimos e compreendemos o porquê das políticas públicas de cunho racial e
conhecemos algumas para os povos afro-brasileiros, indígenas e ciganos.
A Unidade III veio para que compreendamos a temática da sexualidade
dentro de nossa sociedade. Estudamos conceitos sobre gênero e sexualidade,
homofobia, adoção homoparental e a dificuldade social das pessoas trans para
o direito ao nome social. Enquanto que na Unidade IV, a ética, a tecnologia e o
meio-ambiente foram debatidos.
Por fim, na Unidade cinco, nosso principal foco foi a política e todas suas
relações acerca da cidadania, globalização e democracia.
Por fim, espero que esse material tenha dado, pelo menos, um pouco de infor-
mação, reflexão e debate sobre temas tão importantes em nossa realidade social.

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