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CONTEMPORÂNEA
GRADUAÇÃO
Unicesumar
Reitor
Wilson de Matos Silva
Vice-Reitor
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de Administração
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de EAD
Willian Victor Kendrick de Matos Silva
Presidente da Mantenedora
Cláudio Ferdinandi
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA
SEJA BEM-VINDO(A)!
Estimado(a) aluno(a), é uma satisfação e ao mesmo tempo uma responsabilidade ofere-
cer a você um manual didático de História Contemporânea, seguramente um dos perí-
odos mais complexos, em que a humanidade evoluiu tecnologicamente, militarmente,
cientificamente; mas, concomitante à evolução da técnica, houve retrocessos inima-
gináveis, guerras que elevaram ao absurdo o número de vítimas militares e civis. Um
tempo que trouxe consigo o paradoxo evidente entre evolução econômica e retrocesso
social. Eric Hobsbawm definiu bem o século XX como a “Era dos extremos”, mas a deno-
minação poderia ser aplicada a toda contemporaneidade (cronologicamente abordada
de 1789 até o 11 de setembro de 2001).
A partir dessa visão não linear da História é necessário estabelecer um método de análi-
se que interligue as cinco unidades do livro, um roteiro didático para organizar critérios
de avaliação e estudo do período. Em síntese, vale a máxima de Walter Benjamin (1994),
de que todo documento de cultura é também um documento de barbárie. A evolução
da técnica traz consigo um índice reverso, o retrocesso da sociedade. É nesse ponto
que o Positivismo fracassa como metodologia histórica (a ilusão de conhecer o passado
“como de fato foi”), porque, na evolução da técnica, o positivismo só foi capaz de reco-
nhecer os progressos da técnica, não os retrocessos da sociedade. A estética social de
Benjamin, crítico da modernidade, será o pressuposto para analisar o período em ter-
mos dialéticos e culturais, seguindo a tendência dos grandes centros e da intelligentsia
antropofágica brasileira, que em outros tempos consumiu Lukács e Gramsci e, nos anos
noventa, Edward Palmer Thompson. Assim, acreditamos estar levando ao(à) aluno(a) da
Unicesumar o que está em destaque na historiografia nacional, aliado, é claro, à didática
necessária.
Partindo das premissas da história cultural e de uma citação magnífica de Hobsbawm
(1998, p. 87), de que “o historiador das ideias pode não dar o mínimo para economia, e o
historiador econômico desprezar Shakespeare, mas o historiador social que negligencia
um dos dois não irá muito longe”, busca-se compreender as questões materiais, as lutas,
as revoluções, as guerras, a fome como a produção cultural da era contemporânea, co-
nhecida também como o mundo das superestruturas.
Na apreensão da História Social (econômica e cultural), a concepção dos historiadores
da Nova Esquerda Inglesa (Hobsbawm, Thompson, George Rudé, Raymond Williams)
fornece conceitos valiosos. Tal como descrito por Harvey Kaye (1989), essa escola resga-
ta a memória dos chamados vencidos em uma perspectiva “de baixo para cima”, isso é
de vital importância para a compreensão de que os grandes protagonistas da História
são as classes trabalhadoras, em um sentido etimológico da palavra “classes”, enquanto
coletividade, como relações e processos históricos. Nesse sentido, as classes baixas tor-
nam-se ativas na formação da História, como sujeito e objeto histórico, mais que meras
vítimas passivas, protagonistas no sentido de “fazer-se”, de Thompson (1987). Espera-se
que assim surjam – nas palavras de George Rudé (1991) – os rostos na multidão, gente
de carne e osso, e não apenas os termos teóricos e metodológicos, ou grandes reis, mi-
litares e sacerdotes, como na metodologia positivista.
APRESENTAÇÃO
UNIDADE I
15 Introdução
16 A Revolução Industrial
36 Revolução Francesa
51 Considerações Finais
UNIDADE II
MODERNIDADE E “PROGRESSO”(1848-1900)
63 Introdução
UNIDADE III
115 Introdução
UNIDADE IV
155 Introdução
UNIDADE V
195 Introdução
237 CONCLUSÃO
239 REFERÊNCIAS
245 GABARITO
Professor Me. Rui Bragado Sousa
I
A ERA DAS REVOLUÇÕES: DA
REVOLUÇÃO INDUSTRIAL À
UNIDADE
PRIMAVERA DOS POVOS (1789-
1848)
Objetivos de Aprendizagem
■■ Analisar a profunda transformação qualitativa na transição do século
XVIII para o XIX.
■■ Avaliar os avanços e retrocessos da Revolução Industrial e Francesa.
■■ Compreender a motivação dos motins populares e a formação da
classe operária moderna.
■■ Verificar a ascensão da burguesia como classe dominante e os novos
valores da modernidade.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ Revolução Industrial
■■ Os trabalhadores e a formação da classe operária
■■ Revolução Francesa
■■ A Era Napoleônica e o Congresso de Viena (1814-1815)
15
INTRODUÇÃO
toriador e sua metodologia. Pelo contrário, nosso foco visa estabelecer diálogo e
discussão com as demais vertentes historiográficas e, sempre que possível, per-
mitir que o leitor retire suas próprias conclusões, com embasamento referencial.
Ainda, a título de introdução, é necessário definir o moderno conceito de
Revolução. Nesse quesito, a chamada “história dos conceitos”, que tem no ale-
mão Reinhart Koselleck seu maior nome, é bastante relevante. Há, em geral, uma
imprecisão conceitual da expressão por se tratar de um produto linguístico da
modernidade. Escreve Koselleck (2006, p. 62):
O conceito semântico de “revolução” varia desde os movimentos de
deposição e/ou golpes políticos e sociais até inovações científicas deci-
sivas, podendo significar tudo ao mesmo tempo, ou apenas um desses
sentidos exclusivamente.
Introdução
16 UNIDADE I
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL
O período de 1770 a 1848 marca uma transição, uma mudança súbita no padrão
da evolução social e política. Descreve Geoge Rudé (1991, p. 3):
Para mencionar apenas algumas inovações, as fábricas urbanas, as
ferrovias, os sindicatos estáveis, um movimento trabalhista, as ideias
socialistas, bem como a nova Lei dos Pobres e uma força policial na
Inglaterra, eram indícios de que uma nova era, longe de estar sendo
criada, já havia surgido.
A Revolução Industrial
18 UNIDADE I
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
tal em nível mundial. “O capital para o desenvolvimento industrial foi fornecido,
direta ou indiretamente, por mercadores, traficantes de escravos e piratas, cujas
fortunas tinham sido acumuladas no ultramar”, afirma Christopher Hill (2003,
p. 285), historiador das revoluções inglesas e contemporâneo de Hobsbawm.
Convém lembrar que a supremacia inglesa nos mares deve-se aos famo-
sos “Atos de Navegação”, de Oliver Cromwell, publicado em 1651. Essa foi uma
medida claramente protecionista, pois estabelecia que todos os navios a atra-
carem nos portos ingleses deveriam ser britânicos. A intervenção do Estado
britânico fortaleceu a iniciativa privada e o desenvolvimento da burguesia daquele
país; antes atrasado e suplantado pela Espanha e Holanda, doravante esses atos
tomaram a dianteira do comércio marítimo mundial. Essa medida causou atri-
tos com países como a Holanda, que tentou inutilmente revogá-la por meio da
guerra, sendo derrotada em 1654. A Inglaterra tornava-se soberana dos mares
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A Revolução Industrial
20 UNIDADE I
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
capitais e, depois, com o desenvolvimento de novos métodos mecânicos. Mas a
passagem da manufatura para a indústria deve-se, também, à produção de fari-
nha de trigo e de cerveja, importantes pioneiros da modernização. A invenção
da tiragem de cerveja sobre pressão foi um dos primeiros triunfos de Henry
Maudslay, pioneiro da engenharia industrial.
As inovações e invenções foram, assim, o pano de fundo da industrialização.
Invenções na manufatura têxtil forneceram o impulso econômico e tecnológico
da Revolução. A antiquada roca de fiar foi suplantada pela lançadeira volante
(flying shuttle), criada em meados de 1730; o filatório (spinning Jenny) de 1760
permitia ao artesão trabalhar com vários fios de uma só vez; em seguida veio
o tear movido à força hidráulica (water frame), de 1769; finalmente, a “mula”,
patenteada por Arkwright na década de 1780, funcionando com água ou vapor.
A máquina a vapor de James Watt (1769) consolidou o ciclo de inovações e per-
mitiu que as indústrias fossem instaladas em qualquer localidade e não apenas
próximo aos rios, para aproveitar sua energia hidráulica. Naturalmente as grandes
reservas de carvão mineral na Inglaterra contribuíram para acelerar o processo.
Vimos, portanto, que apenas na Inglaterra havia as condições propícias ao
desenvolvimento tecnológico, permitindo que esse pequeno país em território
se tornasse “a oficina mecânica do mundo” e elevasse a Grã-Bretanha ao status
de maior império marítimo e comercial dos oitocentos; processo decorrente da
ampliação das trocas, da divisão do trabalho (ou racionalização do trabalho que,
posteriormente, ocasionou a linha de montagem, onde cada trabalhador faz ape-
nas uma ínfima parcela do produto final) e da adoção de novas técnicas. Essa é
a visão geral de Paul Mantoux (1994).
A Revolução Industrial
22 UNIDADE I
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Figura 1: O trabalho de mineração é característico de regiões industriais na Inglaterra durante a Revolução Industrial
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ção. A partir daí as chamadas trade-unions se estenderam por toda a Inglaterra e
a união trouxe as armas da luta necessária, como a greve ou breves paralisações
do trabalho (turn-out). Mas, em geral, essas associações eram constantemente
derrotadas pelos fura-greves e pela “lei de oferta e procura de homens”, isto é, a
massa de desempregados substituía os grevistas. Concomitante ao enfrentamento
aberto, ao incêndio de fábricas, aos motins, a classe trabalhadora organizou-se em
termos políticos, por meio da “Carta do Povo”, que reivindicara ao Parlamento
(Câmara dos Comuns) sua participação democrática. Em 1838, uma comissão
da Associação dos Operários de Londres, tendo à frente William Lovett, definiu
a Carta do Povo em seis pontos principais (THOMPSON, 1987):
1. Sufrágio universal para todos os homens adultos sadios e não condena-
dos por crimes.
2. Renovação anual do Parlamento.
3. Fixação de uma remuneração parlamentar a fim de que os próprios tra-
balhadores sem recursos fossem eleitos.
4. Eleições por voto secreto, para evitar a corrupção e intimidação pela
burguesia.
5. Circunscrições eleitorais para assegurar as representações equitativas.
6. Abolição da lei que permitia a eleição apenas por renda àqueles que tinham
propriedades de terras no valor de pelo menos 300 libras.
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“A cultura popular é rebelde, mas o é em defesa dos costumes”
(Edward Thompson, Costumes em Comum, 1998, p. 308).
A historiografia dos movimentos sociais evoluiu positivamente a partir das publi-
cações de autores anglo-saxões como Eric Hobsbawm, Christopher Hill, Perry
Anderson, Edward Thompson, Raymond Williams e do canadense George Rudé,
que, em meados da década de 1950, com a criação de revistas como a Past and
Present e, depois, a New Left Review,rompem com a ortodoxia marxista (vulgar)
baseada no determinismo econômico sem, no entanto, perder a “luta de classes”
de vista. Nas palavras de Ronaldo Vainfas (1997, p. 155), trata-se “de uma visão
marxista da história cultural”. De acordo com esse historiador, o campo teórico
da cultura popular em Thompson valoriza a resistência social e a luta de classes
em conexão com as tradições, os ritos e o cotidiano das classes populares, em
um contexto histórico de transformação. São inter-relações recíprocas entre os
dois universos culturais que, de certo modo, escreve Vainfas, aproximam-se do
conceito de circularidade formulado por Ginzburg. “Pois não existe desenvolvi-
mento econômico que não seja ao mesmo tempo desenvolvimento ou mudança
de uma cultura” (THOMPSON, 1998, p. 304).
Em Costumes em comum, ao analisar os motins populares do século XVIII,
Thompson (1998) afasta-se de interpretações tradicionais, nas quais as revoltas da
“multidão” ou da “turba” seriam manifestações inconsequentes e niveladoras da
“falta de consciência” da classe operária em formação. Defende a tese de que “a
consciência e os usos costumeiros eram particularmente fortes no século XVIII”.
Na verdade, alguns desses “costumes” eram de criação recente e representavam
Esses motins ou rebeliões não tinham como objetivo a destruição de bens mate-
riais (como ocorre posteriormente com o Ludismo), eram um movimento coletivo,
pouco organizado, em que a ação principal não era o saque de celeiros nem o
furto de grãos de farinha, mas fixar o preço. Esse processo estava enraizado na
mentalidade das massas graças a uma construção histórica de longa duração,
baseada no Book of Orders, que, desde o reinado de Elizabeth, garantia o abaste-
cimento mínimo de cereais à população por meio de magistrados que regulavam
a distribuição, os estoques e até o preço dos grãos. Era, de fato, a intervenção e
o controle do abastecimento por parte do Estado.
As ordens de 1630 não autorizavam explicitamente os juízes a fixar o
preço, mas mandavam-nos cuidar do mercado e assegurar que os po-
bres fossem ‘abastecidos de cereais necessários [...] pelos preços mais
razoáveis que se pudesse obter por meio da persuasão honesta aos juí-
zes’. O poder de fixar o preço dos grãos e de farinha ficava, numa emer-
gência, a meio caminho entre a imposição e a persuasão (THOMP-
SON, 1998, p. 177).
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subiam e os pobres se tornavam turbulentos, o modelo era ressusci-
tado, pelo menos para produzir um efeito simbólico (THOMPSON,
1998, p. 160).
pontos em que se deve ter cautela (...). Do modelo do laissez-faire, devemos dizer
apenas que não é comprovado empiricamente”.
Dessa maneira, a partir da análise cultural das mudanças estruturais e qua-
litativas que ocorreram na passagem do século XVIII ao XIX, ou da sociedade
agrária, paternalista, manufatureira para a sociedade industrial com economia
de mercado, pode-se compreender o entrechoque dialético que ocorreu no inte-
rior daquela cultura em transformação. De um lado, os valores morais, religiosos,
paternalistas, tradicionais embasados no costume de longa duração; de outro,
uma cultura em rápida transformação.
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num ano de greves e perturbações gerais, nas quais os fatores políticos
tiveram um papel tão grande quanto a preocupação com o preço do
pão [...]. Muitos assados, muito pudim de ameixas e cerveja forte, com
3 horas de diárias de trabalho.
Essas eram as necessidades básicas pelas quais o povo lutava. Friedrich Engels
descreve ainda uma grande revolta contra o aumento do preço da cerveja na
região da Bavária, que durou quatro dias e obrigou o rei a revogar o aumento.
O objetivo era realmente fixar o preço do alimento, do pão, da cerveja e até
do dízimo. “Em muitas paróquias, o primeiro lugar visitado foi a casa do pároco,
onde o ocupante era solicitado com cortesia, mas com firmeza, a reduzir os
dízimos”. Em Sussex, os dízimos foram baixados de 1400 libras para 400 libras.
“Párocos da Igreja Anglicana foram advertidos para que abrissem mão de seus
dízimos” (RUDÉ, 1991, p. 174).
Se Thompson cunhou o termo “economia moral”, pode-se dizer que Raymond
Williams trabalha na “fronteira da moral”, entre o campo e a cidade, o contraste
entre a urbes e o rústico. A moral aqui apresentada está embasada no contexto
da cultura, na série de valores e costumes que perpassam as mudanças históri-
cas e demoram para se adaptarem aos novos horizontes culturais e/ou religiosos.
Contudo, ainda há em Williams um engajamento que o leva a ver as transfor-
mações abruptas do século XVIII com certo estranhamento, tendo em vista
sua origem em uma Grã-Bretanha rural. É o olhar do observador surpreso e às
vezes pasmo de que lembra Friedrich Engels em “A situação da classe trabalha-
dora na Inglaterra”.
tantas formas de vida com as quais todos nós partilhamos nosso uni-
verso físico, é importante demais, comovente demais, para que abra-
mos mão dela sem resistência, numa traição odiosa, e a entreguemos à
arrogância dos inimigos de todas as formas significativas e concretas de
independência e renovação (WILLIAMS, 1989, p. 365).
Em suma, foi uma fase de transição, uma fase predatória do capitalismo agrá-
rio e comercial, “e o próprio Estado estava entre os principais objetos da rapina”
(THOMPSON, 1998, p. 42).
A tese central de Thompson (1998) é – compartilhando a opinião de Marcos
Antônio Lopes e Sidnei Munhoz (2010) – de que o controle da classe dominante
no século XVIII se localizava primordialmente em uma “hegemonia cultural” e
apenas secundariamente em uma expressão de poder econômico ou físico (mili-
tar). A resistência da populaça inglesa daquele período estava fundada em uma
complexa trama que Thompson (1998) chamou de “reciprocidades paternalistas”,
por intermédio da qual a gentry exercia o controle e a subordinação das plebes
ao mesmo tempo em que as classes trabalhadoras impunham à aristocracia a
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riores que questionassem a ordem social). Contudo, tampouco deve
descrevê-la como uma cultura deferente. Fomentava motins, mas não
rebeliões; ações diretas, mas não organizações democráticas (THOMP-
SON, 1998, p. 62).
Por fim, resta analisar a mais profunda e sutil mudança atrelada à Revolução
Industrial, a alteração da própria noção de temporalidade histórica.
A crescente racionalização do mundo moderno – Renascimento, Reforma,
Contrarreforma, Iluminismo – levou ao processo que o sociólogo Max Weber
(1983) chamou de “desencantamento de mundo”. O tempo profano veio desa-
fiar o tempo sagrado cristão. Uma história desse mundo veio desafiar e conviver
com a história universal sagrada. Deus não seria abandonado, mas não reinaria
mais sozinho e de modo absoluto. O êxtase material desafia o êxtase religioso.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Fonte: Thompson (1987, p. 240).
José Carlos Reis (1994) afirma que, na Revolução Industrial, houve uma “revo-
lução epistemológica” quanto ao conceito de tempo histórico, uma mudança
substancial. A primeira grande mudança na noção de “tempo” foi produzida
pela religião ao romper com o mito – a religião opôs a profecia ao ritual, a sal-
vação futura contra a salvação na origem (na antiguidade). A segunda mudança
foi realizada pela filosofia do século XVIII, ao romper com a religião, a filosofia
opôs a utopia à escatologia, a demonstração racional à fé em uma profecia, um
futuro humano, temporal, histórico, ao futuro divino, meta-histórico, eterno. Na
perspectiva de José Carlos Reis (2006, p. 30),
êxtase profano (utopia) venceu o êxtase religioso (parusia) da outra
vida eterna. O futuro não é mais o fim do mundo. Agora, a espera é
outra: a realização da história, do progresso, como obra dos homens,
que se tornaram competidores de Deus na criação do mundo.
“Antes dos relógios existirem, todos tinham tempo. Hoje todos têm relógios”.
Fonte: Eno T. Wanke.
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Figura 2: “A Liberdade guiando o povo”, Eugène Delacroix, 1830.
REVOLUÇÃO FRANCESA
A escolha da epígrafe que abre este tópico sobre a Revolução Francesa não é de uma
obra específica sobre tal evento, mas denota a possibilidade de mudança histórica,
da transformação feita pelos homens. Como vimos anteriormente, na discussão
sobre o tempo histórico, antes da Revolução Francesa, a História (com “H” mai-
úsculo) era impensável como obra dos homens. “A Revolução Francesa devolveu
à terra a fé no impossível”, disse Edgar Quinet. A tradição cristã (sobretudo com
Santo Agostinho, no século IV d.C.) consolidou o que pode ser denominado de
“transcendência histórica”, o que ultrapassa os limites da experiência possível.
Todavia, o declarado anticlericalismo dos franceses e, posteriormente, as dou-
trinas materialistas devolveram à História sua materialidade.
Ainda, nas revoluções inglesas de 1742 e 1788, havia forte conotação religiosa.
Nas palavras de Karl Marx (apud HILL, 2003, p. 61): “Cromwell e o povo inglês
tomaram seus discursos, paixões e ilusões do Antigo Testamento (...). Quando
a transformação burguesa foi consumada, Locke suplantou Habacuque [profeta
hebraico]”. A sólida argumentação de Hill não deixa dúvidas quanto à utiliza-
ção bíblica como representação, mesmo na esfera secular, em Hobbes, Locke,
Milton, Newton, e, é claro, Oliver Cromwell. O próprio conceito de revolução
social, segundo Hill, também surgiu nos anos 40 e 50 do século XVII, nasce em
expressões bíblicas, tais como: “O mundo virado de ponta-cabeça” e na frase
“derrubem, derrubem, derrubem” (Ezequiel 21.27).
Essa introdução é importante para se pensar a racionalização da história que
se segue à Revolução Francesa e devida também aos pensadores iluministas. O
conceito de que a história é feita pelos homens de acordo com as circunstâncias
que encontram (Marx) superou a doutrina do “espírito puro” de Hegel, (o mundo
das ideias agindo na História independentemente da ação humana). Mas o pen-
samento idealista ainda se faria sentir nos pensadores do século XIX como Alexis
de Tocqueville [1805-1859], em obra monumental sobre a grande Revolução,
mas que em determinado momento afirma que “a Revolução resolveu repentina-
mente, por um esforço convulsivo e doloroso, sem transição, sem precauções, sem
deferências, o que ter-se-ia realizado sozinho” (TOCQUEVILLE,1997, p. 68, grifo
nosso). Tocqueville refere-se à queda do Antigo Regime, do poder aristocrático
do Clero e Nobreza, que, como veremos, permaneceu em maior ou menor grau
até a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), em países como Rússia, Alemanha,
Revolução Francesa
38 UNIDADE I
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do. Antes as nações não sabiam de nada, e as pessoas pensavam que
os reis eram deuses sobre a terra e que tinham que dizer que tudo que
eles faziam era bem feito. Devido a esta mudança, agora é mais difícil
dominar o povo.
A análise política feita por Tocqueville em meados do século XIX ainda perma-
nece atual, mas não pode ser referência única na análise do fato marcante que
dividiu a história. Soma-se ao político francês o denso trabalho de seu contem-
porâneo, o historiador Jules Michelet, e dos recentes estudos de François Furet,
que o tornaram referência no tema. Enquanto Tocqueville aborda a obra polí-
tica da Revolução no clássico O Antigo Regime e a Revolução, Michelet foca um
grupo social até então marginalizado em meados dos oitocentos, o povo. François
Furet, por sua vez, ocupa-se em relativizar a oposição entre a burguesia ascen-
dente (o terceiro Estado) e a nobreza.
Na sua interpretação, o conflito era, pois, entre a sociedade civil e contra o
Estado. Com a entrada das massas (novos agentes históricos), a elite perdeu o
controle sobre a Revolução, ao menos na fase jacobina, radical. Nesse sentido,
a Revolução não seria uma luta de classes, mas uma competição de discursos
pela apropriação da legitimidade. Em síntese, François Furet critica a tese quase
consolidada da Revolução Francesa como uma revolução burguesa, a tomada
do poder político da aristocracia pela burguesia em ascensão. A tese inversa, isto
é, a da revolução como obra da burguesia e da luta de classes, Furet desqualifica
como “vulgata marxista” que explica tudo a partir da ótica econômica.
1795 a
Reação Termidoriana ou Diretório e a terceira Constituição.
1799
1799 Consulado e o golpe do 18 de brumário de Napoleão.
Quadro 1: Cronologia da Revolução Francesa
Fonte: o autor.
Revolução Francesa
40 UNIDADE I
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
insuportáveis, tanto em termos econômicos (a aristocracia tornou-se anacrônica,
retrógrada) quanto culturais e políticos (foi necessário um século de bombar-
deios iluministas para abalar os pilares da aristocracia e do clero).
Mas o moribundo Antigo Regime não morreria sem lutar, muito menos de
causas naturais, como sustentou Tocqueville. Como vimos na introdução desta
unidade, o que caracteriza o conceito de Revolução é acelerar determinado acon-
tecimento, rompendo com o anterior. Nesse sentido, é válida a observação de
Tocqueville (1997, p. 44), quando afirma que a Revolução teve dois períodos dis-
tintos: “o primeira durante o qual os franceses parecem abolir tudo que pertenceu
ao passado; e o segundo, onde nele vão retornar uma parte do que deixaram”. De
fato a criação de um novo calendário, rompendo com a contagem de tempo a.C
e d.C e a total supressão do clero foi paulatinamente relevada e restringiu ape-
nas a subordiná-lo ao Estado, como Henrique VIII já o fizera na Inglaterra em
1534 nos Atos de supremacia.
No entanto, sobre o novo calendário, Walter Benjamin (1994, p. 230) faz
uma análise mais detalhada:
A Grande Revolução introduziu um novo calendário. O dia com o
qual começa um novo calendário funciona como um acelerador his-
tórico. No fundo, é o mesmo dia que retorna sempre sob a forma dos
dias feriados, que são os dias de reminiscência. Assim, os calendários
não marcam o tempo como os relógios. Eles são monumentos de uma
consciência histórica [...].
Revolução Francesa
42 UNIDADE I
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
dade um oficial do duque de Monmouth que havia dado a vida para salvar a do
seu senhor. O verdadeiro duque teria escapado para a França, porém ali teria
sido detido por Luis XIV e enclausurado na Bastilha. Havia ordens para que o
prisioneiro fosse imediatamente morto caso revelasse sua identidade e, quando
finalmente pereceu, sua cabeça foi separada do corpo e seu rosto desfigurado,
além de todo o cuidado para queimar toda sua roupa de cama e eliminação de
qualquer vestígio da cela onde havia habitado.
Não havia qualquer direito político ou civil aos prisioneiros da Bastilha, mui-
tos eram presos na calada da noite e só após anos saberiam ou não do motivo de
sua prisão. Os poucos que saíam ainda com vida do local assinavam um termo
de compromisso que os proibia de revelar uma palavra sequer do que tinham
visto e ouvido ali dentro. Em um local onde todo contato era proibido, os pri-
sioneiros se desdobravam para inventar formas de comunicação entre si. Alguns
prisioneiros criaram uma forma de alfabeto através de pancadas na parede, outros
ensinaram um cão a levar e trazer bilhetes escritos entre os corredores.
“Todas essas coisas demonstram o quanto a Bastilha era uma ferramenta
do poder, e o quanto ela não era um instrumento do direito”, conclui Benjamin
(2015, p. 169). Portanto, o que caiu, no histórico 14 de julho de 1789, não foi
meramente uma prisão secular, um depósito de armas ou os muros de uma for-
taleza, mais que isso, foi uma instituição que ruiu como um castelo de cartas,
bastando derrubar a primeira peça. Daí em diante, novos intendentes foram esco-
lhidos, a nova Constituição aboliu os privilégios feudais, as terras da Igreja foram
confiscadas pelo Estado e os clérigos subordinados à França e não mais a Roma.
tema de representações que denota a ala mais radical da baixa burguesia. Decorre
desse período a clássica separação entre direita e esquerda na política, enquanto
os radicais sentavam-se à esquerda do Parlamento, em oposição aos Girondinos,
ala conservadora da burguesia que ficava à direita.
No mesmo ano, o rei Luís XVI foi condenado por traição à Revolução, acu-
sado de conspiração com a Áustria, e a personagem característica do período
Jacobino entrou em ação: a guilhotina. Em 21 de janeiro de 1793, o rei foi exe-
cutado e sua famosa rainha Maria Antonieta – que ficou eternizada pelo desdém
aos pobres na conhecida frase “se não tem pão que comam brioches” – teve o
mesmo destino. Robespierre, agora na dianteira da Revolução, enfrentaria dois
fortes adversários, a ala radical de Danton e Marat (guilhotinados) e a contrarre-
volução conservadora dos camponeses da região de Vendeia (partidários ainda
da monarquia) e da alta burguesia. Ele acabou isolado, mesmo vencendo as ame-
aças de invasão externa.
A República Jacobina (1792-1794) foi a etapa mais radical e popular da
Revolução. Para malograr o apoio do campesinato, diversas leis foram aprovadas
para suprimir os direitos feudais, sem indenização. Nas cidades, para garantir o
apoio dos sans-culottes, o preço dos alimentos foi tabelado e foram aprovadas leis
rigorosas contra os especuladores. No campo político, houve nova Declaração dos
direitos do homem e do cidadão, mais radical que em 1789. A nova Constituição
de julho de 1793 reforçou o poder Legislativo, eleito pelo sufrágio universal, além
da abolição da escravidão nas colônias. Por esses fatos, é lícito aceitar o termo de
Hobsbawm, o “período heroico”, como contraponto ao senso-comum, o “terror”.
Revolução Francesa
44 UNIDADE I
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
prio poder público está obrigado a defender-se contra todas as facções
que o ataquem. O governo revolucionário deve aos bons cidadãos toda
a proteção nacional; aos inimigos do povo não lhes deve senão a morte.
não mais homem nem mulher”, disse Paulo aos Gálatas (Gálatas 3.28) (BÍBLIA
PORTUGUÊS, online). Por sua vez, Napoleão (apud COTRIM, 1994, p. 296)
disse aos italianos: “Povos da Itália, o exército vem romper seus grilhões [cor-
rentes]... Fazemos a guerra como adversários generosos e só sentimos rancor
contra os tiranos que nos escravizam”.
Bonaparte levou as cores da bandeira tricolor francesa e as impôs pela força
militar e das ideias a praticamente toda a Europa continental, com o estandarte
de liberdade, igualdade e fraternidade. Em sua visão, não se tratava de conquista
militar, mas de libertação. No continente, ele encontrou oposição dos antigos
impérios dos Habsburgo na Áustria, dos Junquers prussianos e do czarismo russo,
legítimos representantes do Antigo Regime. Nos mares e oceanos, enfrentou a
poderosa marinha de guerra britânica, o que contrariou seus desejos imperia-
listas. Essa conjuntura o levou a decretar o famoso “Bloqueio Continental” em
1806, proibindo aos países europeus o comércio com a Inglaterra, sob ameaça
de invasão. Nesse aspecto, a Revolução Industrial teve impacto imediato e deci-
sivo quanto às pretensões de Napoleão dominar a Europa. A oficina mecânica
do mundo estava do outro lado do canal da mancha, na Inglaterra, e a França
não foi capaz de suprir todas as necessidades industriais do continente europeu,
pelo fato de ainda estar atrasada na mecanização e pela rede de influências e inte-
resses econômicos que os ingleses souberam consolidar com Portugal e Rússia.
Revolução Francesa
46 UNIDADE I
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
toso em um primeiro momento (invasão de Portugal e Espanha, vinda da família
real ao Brasil) e desastroso ao final (na tentativa frustrada de conquistar a Rússia,
com um exército de mais de meio milhão de soldados).
Durante o retorno da malograda campanha na Rússia, os exércitos de
Napoleão foram paulatinamente suprimidos por uma coalizão da Áustria, Prússia
e Inglaterra, primeiro em Leipzig e depois em Waterloo (1814 e 1815). Derrotado,
Napoleão abdicou e foi isolado na ilha de Elba, de onde conseguiu fugir no ano
seguinte e iniciou o governo dos cem dias (março a junho de 1815). Novamente
vencido por ingleses e prussianos na batalha de Waterloo, na Bélgica, foi defi-
nitivamente exilado e aprisionado na Ilha de Santa Helena, no sul do oceano
Atlântico. Morreu em 1821, possivelmente envenenado. Déspota, ditador, liber-
tário? Não há consenso sobre o papel histórico desempenhado por Bonaparte.
Leitor entusiasmado de Voltaire e antigo amigo de Robespierre, Bonaparte veria
todo o sangue de suas batalhas cair no esquecimento com a restauração euro-
peia da Santa Aliança, no Congresso de Viena de 1815.
Napoleão e seu exército entraram como uma lança por toda a Europa, à exce-
ção da Rússia. Dominou facilmente Portugal e Espanha, onde colocou seu irmão
como monarca e levou seu estandarte até a Itália, subjugando até o Papa. Mas
como foi dito na introdução, o Ancien Régime não cairia sem lutar, muito menos
espontaneamente. Nesse quesito, fica evidente a importância da “união” das anti-
gas potências ainda absolutistas da Europa do leste (Rússia, Prússia e Áustria)
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
que tomaram partido da restauração sem antes ter passado pela fase de revo-
lução. Trata-se de um claro conservadorismo pela manutenção das formas de
governo tradicionais, ainda que retrógradas.
No final de 1814, as potências que impuseram as primeiras derrotas militares
a Napoleão reuniram-se no imponente Palácio Imperial de Hofburg, na Áustria.
Durante vários meses a hospitalidade dos Habsburgo (dinastia que ocupou o
trono austríaco por séculos), sua faustosa recepção e banquetes suntuosos deram
o tom da política europeia. Ao todo compareceram 212 delegações. A Inglaterra
foi representada pelo duque de Wellington, um dos vitoriosos de Waterloo; pela
Rússia, compareceu o Czar em pessoa, Alexandre; a Prússia teve o barão von
Humboldt, seu diplomata; a França teve o habilidoso ministro Charles Maurice de
Talleyrand, seu representante; pela Áustria, o príncipe Klemens von Matternich.
O objetivo do congresso, apensar dos interesses dispersos de cada país, era
um consenso geral: reorganizar as forças da Europa (ou restaurar) sob o Antigo
Regime. Para entender a lógica do processo, é necessário conhecer os princípios
que estavam em pauta: equilíbrio e legitimidade. Equilíbrio de força entre as
potências após o furacão chamado Napoleão e legitimidade ou restituição dos
territórios ao seu “legítimo” proprietário, segundo o velho direito monárquico.
A França, apensar dos esforços do habilidoso Talleyrand, teve suas fronteiras
reduzidas ao equivalente de 1791; perdeu a posse de São Domingos, antiga joia
colonial, e teve que pagar aos Aliados uma indenização de 700 milhões. Manteve,
porém, as regiões da Alsácia, Lorena e Flandres, apesar da cobiça prussiana. A
Prússia ganhou generosos territórios, uma porção da Polônia e passou de 190.000
quilômetros quadrados para 280.000. A Áustria tornou-se uma potência dentro
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Boubons foi restaurada na França, o que levou Luís XVIII ao trono do país. De
caráter moderado, governou até 1824, quando foi substituído pelo irmão Carlos
X, defensor intransigente do regime absolutista. Com as revoluções de 1830, foi
obrigado a abdicar e fugir para a Inglaterra. A onda conservadora do Congresso
de Viena não resistiria às forças devastadoras do liberalismo. Essa é a ideia-chave
determinante para a compreensão da primeira metade do século XIX. Os reis
absolutistas seriam agora suplantados pelo reinado dos banqueiros.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A segunda onda revolucionária ocorreu na década de 1830, mais preci-
samente entre 1829-1834 e afetou toda a Europa a oeste da Rússia e os EUA
com as reformas de Andrew Johnson (1829-1837). Na Europa, a derrubada
dos Bourbons na França (Carlos X) estimulou diversas outras insurreições. Em
1830, a Bélgica, Irlanda, Suíça, Polônia e partes da Itália se tornam independen-
tes. Essa década marca a vitória dos industriais e banqueiros (burguesia) frente
à antiga aristocracia.
E, por fim, a terceira fase em 1848, na qual o epicentro da revolução parte
da França para toda a Europa. Para Eric Hobsbawm (1997, p. 130), não houve
nada tão próximo a uma revolução mundial quanto em 1848, pois o que ocor-
reu em 1789 foi o levante de apenas uma nação (França), agora (1848) parecia
a “primavera dos povos de todo um continente”.
Assim, podemos estabelecer um “tipo ideal” para a análise do Liberalismo e
suas consequências. É um regime que prima pela existência de uma Constituição
e, com ela, a dissolução dos poderes do Estado, limitando o poder; a coexistência
de duas Câmaras legislativas, permitindo dividir, compensar e equilibrar os jogos
políticos. O Liberalismo em seu nascedouro não foi sinônimo de democracia, não
houve sufrágio universal após as promessas dos tempos revolucionários. É conhe-
cida a frase de Guizot, primeiro ministro da França em 1848, enquanto defendia
o voto censitário, por renda, dizia àqueles que queriam votar: “Enriquecei-vos”.
A “igualdade de direito, desigualdade de fato” resume a ópera do Liberalismo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Olá, caro(a) aluno(a)! Chegamos ao final da primeira unidade e espero que você
tenha gostado do conteúdo, tenha sintetizado as principais informações e tenha
compreendido as profundas mudanças que a Revolução Industrial e a Francesa
trouxeram a todo o mundo. E, o mais importante, que todas essas transformações
foram atos humanos que ocorreram a partir das relações materiais de existência.
O ano de 1789 é uma dessas datas imortalizadas no calendário histórico, pois, a
partir dela, inicia-se um novo modelo de política, de pensamento e até de viver,
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Considerações Finais
A REFORMA PROTESTANTE E O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO
É notória a influência das ciências sociais sobre a historiografia. Quer seja nos Anna-
les, na Nova Esquerda Inglesa, ou entre os historiadores alemães, a sociologia de Marx,
Durkheim e Max Weber é determinante para a compreensão dos fenômenos religiosos e
políticos com o desenvolvimento econômico. A associação da primeira geração da École
des Annales com as ciências sociais levou o renomado historiador Peter Burke a designar
essa escola – com certo exagero – como “a revolução francesa da historiografia”. Den-
tre as análises sociológicas mais influentes na historiografia está a relação da Reforma
com o desenvolvimento do capitalismo e o debate entre Marx e Weber, benéficos para a
compreensão desse processo complexo e de longa duração.
Max Weber, o autor da Ética Protestante e o espírito do capitalismo, critica a análise ma-
terialista de Karl Marx que, n’O Capital, afirmou ser a Reforma um “reflexo” das mudanças
econômicas e da ascensão da burguesia no século XVI, carente de uma nova “ética” reli-
giosa mais coerente com os desejos de lucro e poupança dessa classe, até então conde-
nada pelo catolicismo como usura. Weber refere-se ao materialismo histórico de Marx
como “ingênuo” e que suas ideias se originam como mero “reflexo ou como superestru-
tura de situações econômicas” (WEBER, 1983, p.14). Com relação à Reforma protestante,
Weber (1983, p. 61) ainda afirma que:
devemos evidentemente libertar-nos da ideia de que é possível inter-
pretar a Reforma como ‘conseqüência histórica necessária de certas
mudanças econômicas’. Inúmeras circunstâncias históricas que, não
somente independem de toda lei econômica, como também não man-
tém relação alguma com qualquer ponto de vista econômico.
Weber (1983, p. 61) reitera que o estudo sobre a Ética protestante e o espírito do capita-
lismo poderia também, “de uma forma evidentemente modesta, tornar-se uma contri-
buição para a compreensão da maneira pela qual as ‘ideias’ adquirem força na História”,
uma vez que “o espírito do capitalismo estava presente antes do desenvolvimento ca-
pitalista”. Como veremos, no entanto, há mais aproximações que distanciamento entre
Karl Marx e Weber, desde que o conceito de religião seja compreendido de acordo com
a definição de Durkheim (1996, p. XVI), como uma coisa eminentemente social. As re-
presentações religiosas são representações coletivas; os ritos são maneiras de agir que
apenas surgem no interior de grupos coordenados e se destinam a suscitar, manter ou
refazer alguns estados mentais desses grupos. “Nada pode haver na fé que não tenha
estado antes nos sentidos. (...) A religião parece (...) não como um vago e confuso deva-
neio, mas como um sistema de ideias e de práticas bem fundamentadas na realidade”
(DURKHEIM, 1996, p. 63).
No Grundisse (manuscritos de 1857 e 1858), obra lançada pela primeira vez no Brasil em
2011, no capítulo sobre o dinheiro, Marx cita a lamentação dos povos antigos, gregos
sobretudo, do dinheiro como fonte de todos os males e afirma que os laços têm de estar
organizados como laços políticos, religiosos etc., na medida em que o poder do dinheiro
53
Costumes em comum
Edward Palmer Thompson
Editora: Companhia das Letras
Sinopse: livro de referência obrigatória em história contemporânea.
Thompson é reconhecido como um dos principais historiadores do século
XX, e Costumes em comum consolida os costumes e a cultura popular no
processo de formação (the making of ) da classe operária moderna. Ele
analisa os motins pelo pão, a venda de esposas e a mudança na noção de
temporalidade histórica como formas de resistência popular, na transição
de uma “economia moral” baseada nos costumes, para a economia
monetária da Revolução Industrial.
Título: Os Miseráveis
Ano: 2012
Sinopse:o filme é uma adaptação de uma das principais obras do
escritor francês Victor Hugo. O cenário e o enredo são os contrastes dos
efeitos da Revolução Industrial e Revolução Francesa.
Material Complementar
Professor Me. Rui Bragado Sousa
MODERNIDADE E
II
UNIDADE
“PROGRESSO”(1848-1900)
Objetivos de Aprendizagem
■■ Compreender os desdobramentos e as consequências das grandes
Revoluções (Industrial e Francesa).
■■ Comparar os dois modelos de pensamento que surgiram desse
processo (liberalismo e socialismo).
■■ Analisar o desenvolvimento da cultura moderna e os impactos da
noção de “progresso”.
■■ Verificar a dinâmica do nacionalismo, darwinismo e positivismo.
■■ Pensar no fio condutor que liga a Revolução Industrial ao
Imperialismo.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ 1848 – Da primavera dos povos ao golpe 18 brumário de Luís
Bonaparte (a história se repete?)
■■ Do socialismo utópico ao socialismo científico: Do Manifesto
Comunista à Comuna de Paris, 1848-1871
■■ Matrizes do pensamento moderno: nacionalismo, darwinismo,
positivismo
■■ Da Revolução Industrial ao Imperialismo.
63
INTRODUÇÃO
Introdução
64 UNIDADE II
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
1848 – DA PRIMAVERA DOS POVOS AO GOLPE 18
BRUMÁRIO DE LUÍS BONAPARTE (A HISTÓRIA SE
REPETE?)
MODERNIDADE E “PROGRESSO”(1848-1900)
65
à antiga nobreza absolutista. Criou leis que indenizavam a nobreza pelas terras
confiscadas pela Revolução de 1789 e outras medidas ainda mais conservado-
ras como a dissolução da Assembleia Nacional e da Guarda Nacional, censurou
a imprensa e restringiu a participação das classes populares na política. A rea-
ção não tardou a acontecer e uma nova personagem entrou na cena histórica, as
barricadas. Tal como a guilhotina marcou o período jacobino, a barricada seria a
forma de manifestação característica dos movimentos de 1830 e 1848. Essas bar-
ricadas, pequenas formas de trincheira, deram o tom para o ataque ao Hotel de
Ville em 28 de julho de 1830. Por três dias houve enfrentamento entre as tropas
leais ao rei e a população. Em 30 de julho, o rei abdicou e fugiu para a Inglaterra.
Após a revolução de Julho, um banqueiro liberal chamado Laffitte, ao con-
duzir em triunfo para o Hotel de Ville (sede da câmara de Paris) o duque de
Orleans, Luís Felipe, teceu o seguinte comentário: “Agora o reino dos banqueiros
irá começar”. Laffitte traíra o segredo da revolução, anotou Marx (2012, p. 37).
Uma nova aristocracia entrou na cena política da França, a chamada aristocracia
financeira, banqueiros, especuladores da bolsa e do tesouro e grandes proprie-
tários. Por essas questões, Luís Felipe (1830-1848) ficou conhecido como “o rei
burguês”. Elaborou-se uma nova constituição de caráter liberal, privilegiando os
segmentos da alta burguesia. Novos reis surgiam não mais da aristocracia, mas
surgiam reis da bolsa, reis das estradas de ferro, reis banqueiros.
1848 – Da Primavera dos Povos ao Golpe 18 Brumário de Luís Bonaparte (A História se Repete?)
66 UNIDADE II
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
tenham ultrapassado de longe o dobro das despesas extraordinárias no tempo
de Napoleão” (MARX, 2012, p. 39).
As frações não dominantes da burguesia gritavam “corrupção” e o povo
“abaixo os grandes ladrões, abaixo aos assassinos”. Finalmente, após mais de
quinze anos de rapina, dois acontecimentos econômicos mundiais aceleraram
o eclodir da insatisfação popular e amadureceram o descontentamento até o
converter em revolta: a praga da batata (uma praga que apodrecia o carboidrato
mais consumido da Europa, levando milhões à morte na Irlanda) e as más colhei-
tas de 1845 e 1846. A carestia de alimentos fez estalar conflitos sangrentos não
só na França, mas em todo o continente. Frente aos escândalos da aristocracia
financeira, a luta do povo pelos alimentos de primeira necessidade. Essa devas-
tação econômica causou uma epidemia generalizada no comércio e na indústria,
tornando insuportável a dominação exclusiva dos banqueiros. A burguesia opo-
sicionista promoveu banquetes na rua, clamando a agitação popular e exigindo
uma reforma eleitoral. O governo tornou-se insustentável.
MODERNIDADE E “PROGRESSO”(1848-1900)
67
Poderíamos acrescentar Auguste Blanqui (em 1848) como Graco Babeuf (em
1797). O que Marx quer dizer com essa brilhante comparação é que 1848 reeditou
a grande época da tomada da Bastilha de 1789, porém com novos personagens,
novos atores sociais e uma classe trabalhadora muito mais consciente de seu
protagonismo histórico.
Aposto que essa avalanche de novos nomes confundiu um pouco as coisas,
pois certamente você já está adaptado(a) aos nomes de Robespierre, Danton,
Montanha, mas não aos de Blanc, Caussidière e Blanqui. Entretanto, tão logo
analisarmos as fases dessa “primavera dos povos”, as coisas ficarão cristalinas
como o processo de 1789. Então, vamos lá!
A fome, o endividamento do Estado, a consequente inflação, a queda do
consumo, a crise do sistema bancário e a ferrenha oposição dos críticos de Luís
Felipe tornaram seu governo insustentável. Jornais como O Nacional (onde
escrevia o poeta Lamartine) e o Reforma conclamavam reuniões populares
com a oferta de banquetes públicos, muitas vezes na rua. Era literalmente um
prato cheio para os esfomeados e para as pretensões políticas da oposição, que
precisava do apoio popular. Luís Felipe tentou proibir um desses banquetes mar-
cado para 22 de fevereiro de 1848; todavia, a multidão resistiu pedindo a cabeça
do ministro Guizot, e a manifestação alastrou-se por toda Paris. Em dois dias,
as barricadas tomaram conta da capital, quartéis foram tomados, obrigando a
capitulação do rei. Esse processo marca o que foi chamado de jornadas revolu-
cionárias de fevereiro de 1848.
1848 – Da Primavera dos Povos ao Golpe 18 Brumário de Luís Bonaparte (A História se Repete?)
68 UNIDADE II
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
partidários do jornal O Nacional, como Lamartine. Os representantes da monar-
quia reuniam-se em torno de Crémieux, pela sucessão de Luís Felipe pelo neto.
A classe operária tinha apenas dois representantes, Louis Blanc e Albert.
Até 25 de fevereiro de 1848 a República ainda não tinha sido proclamada;
em contrapartida, todos os ministérios já se encontravam distribuídos entre os
elementos burgueses do governo provisório. Os operários, porém, dessa vez, não
estavam dispostos a tolerar a rapina de junho de 1830, quando foram deixados
de fora de todo o governo, após terem sido decisivos para a deposição de Carlos
X. Em fevereiro de 1848, a classe trabalhadora estava disposta a fazer prevalecer
seus direitos, a deixar a vanguarda, para ser o protagonista da história; estava dis-
posta a proclamar a República pela força das armas. Foi com essa mensagem que
Raspail (um operário) se dirigiu ao Hotel de Ville, em nome dos trabalhadores
de Paris, e ordenou ao governo provisório que proclamasse a República. Se den-
tro de duas horas essa ordem do povo não tivesse sido cumprida, ele retornaria
à frente de 200.000 homens. Antes que se esgotasse o prazo os muros de Paris
ostentavam as palavras de ordem: République Française! Liberté, Egalité, Fraternité!
A análise feita por Karl Marx (2012, p. 44) sobre as lutas de classe na França
foi certeira e permanece atual, por que ela resume bem os fatos em apenas um
parágrafo:
Ao ditar a República ao Governo provisório e, por meio de o Gover-
no provisório, a toda a França, o proletariado passou ao primeiro pla-
no como partido autônomo, mas, ao mesmo tempo, desafiou contra
si toda a França burguesa. O que ele conquistou foi o terreno para a
luta pela sua emancipação revolucionária, de modo nenhum a própria
emancipação.
MODERNIDADE E “PROGRESSO”(1848-1900)
69
Parte dos trabalhadores sem emprego foi recrutada para a nova Guarda Nacional,
cerca de vinte mil homens; outros cem mil foram integrados nas Oficinas
Nacionais, estatais, um exército de operários.
A oposição da burguesia não tardou. Ora, sem um exército de desempre-
gados mantendo os salários artificialmente baixos, os lucros dos empregadores
eram menores. Vemos, com esse exemplo, que a apologia às privatizações não
é coisa atual apenas. Mas isso não vem ao caso agora, veremos essas questões
na unidade V.
A “opinião pública” logo espalhou os rumores de que essas oficinas eram o
embrião do socialismo ou uma pensão do Estado para um trabalho fingido. A
crescente agitação popular com o objetivo de assegurar direitos básicos como
o trabalho teve seu objetivo inverso;foi vítima de uma vulgar conspiração do
Governo provisório.
1848 – Da Primavera dos Povos ao Golpe 18 Brumário de Luís Bonaparte (A História se Repete?)
70 UNIDADE II
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
República do povo, caiu. Os atritos entre a população e o Governo chegaram ao
ponto crucial, e a insurreição de junho de 1848 marcou o mais colossal aconteci-
mento na história das guerras civis europeias. O estopim que ateou fogo a Paris
foi um decreto contra as Oficinas Nacionais – o verdadeiro alvo do ataque –,
que ordenava a expulsão violenta das oficinas nacionais de todos os trabalhado-
res solteiros ou sua incorporação no exército. Aos operários não restava escolha,
morreriam de fome ou iniciariam a luta.
A barricada é o ponto central do movimento de resistência. Durante a
Revolução de Junho, mais de quatro mil barricadas se espalharam por Paris.
Esses operários preferiram, escreve um dos historiadores modernos da Comuna,
“a luta no próprio quarteirão ao combate aberto e, se preciso, a morte atrás do
calçamento empilhado como barricada, numa rua de Paris”. Dificilmente se
pode exagerar o prestígio revolucionário que Auguste Blanqui então possuía e
que manteve até a morte. Antes de Lênin, não houve quem tivesse aos olhos do
proletariado traços mais distintos. Se, por um lado, Blanqui entrou na tradição
como “putschista”, há boas razões para isso. Para a tradição, ele representa o tipo
de político que, como diz Marx, vê sua missão no “antecipar-se ao processo de
evolução revolucionário, impeli-lo por meio de artifícios para a crise, improvi-
sar uma revolução sem que haja condições para ela” (apud BENJAMIN, 1995,
p. 07). Blanqui foi preso e a insurreição esmagada.
Os trabalhadores tinham apenas a si mesmos. Já o Governo tinha o apoio da
aristocracia financeira, da classe média, do exército, dos “intelectuais” escritores
do jornal O Nacional. Mais de três mil insurgentes foram mortos após a vitó-
ria das tropas do general Cavaignac, 15 mil foram deportados sem julgamento,
MODERNIDADE E “PROGRESSO”(1848-1900)
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1848 – Da Primavera dos Povos ao Golpe 18 Brumário de Luís Bonaparte (A História se Repete?)
72 UNIDADE II
O escritor francês Victor Hugo fez alusão a Luís Bonaparte como “Napoleon,
le Petit” (Napoleão, o pequeno). Uma visão depreciativa, porém não distor-
cida. Karl Marx foi ainda mais incisivo na crítica quando demonstra como as
circunstâncias e as condições políticas da França possibilitaram a um “persona-
gem medíocre e grotesco” desempenhar o papel de herói. Ele governou a França
até 1871, quando foi derrotado na malograda campanha contra a unificação da
Alemanha, na guerra franco-prussiana. Dizem os críticos que uma única vez
Luís Bonaparte retirou sua espada da bainha, não para a luta, mas para entregá-
-la ao chanceler alemão Bismarck.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
As energias revolucionárias dos trabalhadores tiveram que esperar mais de
20 anos para poder explodir novamente, na Comuna de Paris em 1871. Mas,
nesse ínterim, eles foram representados na obra do poeta Charles Baudelaire,
não como meros coadjuvantes da história, como protagonistas. “Seja qual for o
partido a que se pertença”, escreveu Baudelaire em 1851,
[...] é impossível não ficar emocionado com o espetáculo desta
população doentia, que engole a poeira das fábricas, que inala
partículas de algodão, que deixa penetrar seus tecidos pelo alvaiade,
pelo mercúrio e por todos os venenos necessários à realização de obras-
-primas [...] Esta população espera os milagres a que o mundo lhe pa-
rece dar direito; sente correr sangue purpúreo entre as veias e lança um
longo olhar carregado de tristeza à luz do sol e às sombras dos grandes
parques (apud BENJAMIN, 2015, p. 48 e ss.).
MODERNIDADE E “PROGRESSO”(1848-1900)
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Na década de 1990, foi feita uma pesquisa de opinião pela rede BBC de Londres
questionando qual seria o maior filósofo ou pensador de todos os tempos. Os
britânicos apontaram Karl Marx, à frente de homens como Platão, Aristóteles,
Descartes e Kant. Mesmo duvidando da credibilidade da votação, que, como toda
pesquisa, pode ser tendenciosa, basta digitar seu nome no Google, Marx con-
tinua a ser a maior de todas as grandes presenças intelectuais, só superado por
Darwin e Einstein, mas bem à frente de Adam Smith e Freud.
É preciso advertir que, sem compreender o socialismo como sistema econô-
mico oposto ao liberalismo e o comunismo como contraponto ao capitalismo,
não se entende todo o século XX, que estudaremos nas próximas unidades. O
século dos extremos esteve dividido entre essas duas concepções econômicas
e históricas. Cerca de 1/3 da humanidade viveu e pensou sob os pressupostos
desenvolvidos por Karl Marx, não apenas econômicos, pois Marx também é
considerado um dos fundadores da sociologia moderna, ao lado de Max Weber
e Émile Durkheim. Ele harmonizou, como um alquimista, o melhor da econo-
mia inglesa, da filosofia alemã e do socialismo francês.
DoSocialismoUtópicoaoSocialismoCientítico:doManifestoComunistaàComunadeParis(1848-1871)
74 UNIDADE II
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A MARCHA DAS UTOPIAS E O SOCIALISMO UTÓPICO
MODERNIDADE E “PROGRESSO”(1848-1900)
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dizer com essa comparação entre eletricidade e utopia é que devemos entendê-
-las em termos modernos, atuais, e não na forma arcaica em que surgiram. Pra
você ter uma ideia da grandeza desse conceito, ele foi investigado ao extremo
por dois dos maiores pensadores do século XX, Ernst Bloch e Karl Mannheim.
É porque o homem constrói utopias – e não só as imagina – que ele se torna
capaz de julgar o imediato e o factual, seja em referência ao passado, pela sau-
dade, pela lembrança, pela recordação de uma idade de ouro; seja em referência
ao futuro, pela espera de um paraíso em um comportamento que vai transformar
o presente. Essa concepção de utopia é desenvolvida no Princípio Esperança, de
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Ernst Bloch. A utopia não somente indica aos outros a existência dos possíveis
além do real, mas é também um instrumento de trabalho que permite a explo-
ração sistemática de todas as possibilidades concretas existentes no real. Nesse
sentido, o pensamento utópico na sua crítica do atual não é irreal, porque se apoia
nas tendências fundamentais do presente, que tem as suas raízes no passado, e
irrompe para o futuro. O pensamento utópico propõe um instrumento prospec-
tivo e não analítico. A utopia é uma forma de ação e não uma mera interpretação
da realidade, afirma Pierre Furter (1974, p. 147) em Dialética da Esperança.
Karl Mannheim, em seu livro Ideologia e Utopia, procurou distinguir os dois
conceitos. Para ele, ideologia é o conjunto de concepções, ideias, representações,
teorias que se orientam para a estabilização ou legitimação ou ainda reprodução
da ordem estabelecida. São aquelas doutrinas que têm certo caráter conservador,
no sentido amplo da palavra, e servem para a manutenção da ordem estabele-
cida. As utopias, pelo contrário, são aquelas ideias, representações e teorias que
aspiram outra realidade, uma realidade ainda não existente. Utopias negam a
ordem social ao criticá-la e, pelo fato de criticar a ordem estabelecida, têm uma
função subversiva e, em alguns casos, revolucionária.
DoSocialismoUtópicoaoSocialismoCientítico:doManifestoComunistaàComunadeParis(1848-1871)
76 UNIDADE II
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
circulam no meio do povo comum, como crenças, folclore, mitos e experiên-
cia popular. Indico dois grandes trabalhos para quem pretende saber mais
sobre ideologias: Ideologia e protesto popular, de George Rudé (1991);
Ideologias e ciência social, de Michael Löwy (2010).
Fonte: o autor.
MODERNIDADE E “PROGRESSO”(1848-1900)
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78 UNIDADE II
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dade a partir do mérito, uma hierarquia. A humanidade seria dividida em três
classes, os savants (sábios), aqueles que tinham posses e os que não tinham pos-
ses. Os savants exerceriam o “poder espiritual” da sociedade ocupando os cargos
no órgão supremo, que seria denominado “conselho de Newton”. O objetivo era
tornar os homens bons cristãos e garantir o desenvolvimento de suas faculdades.
Gastou toda a fortuna nos estudos e na publicação de seus livros, lidos apenas
pelos amigos próximos (WILSON, 1994).
Charles Fourier pode ser definido como um “Altruísta”, homem raro que
se preocupa com o bem das pessoas sem esperar retorno. Quando jovem, apa-
nhava dos colegas maiores por defender os mais fracos e, na velhice, caminhava
por horas na chuva ao saber de alguma injustiça ou alguém necessitado. Mas
foi ao ver um carregamento de arroz ser jogado no rio, porque os proprietários
haviam conseguido monopolizar o mercado e queriam manter o preço elevado
artificialmente, enquanto o povo passava fome, que moldou seu engajamento
em favor dos pobres. Mas as fantasias de Fourier, tão ridicularizadas, revelam-se
hoje surpreendentemente razoáveis. Segundo Fourier, o trabalho teria, entre seus
efeitos, que quatro luas iluminariam a noite, que o gelo se derreteria dos polos,
que a água marinha deixaria de ser salgada (apud BENJAMIN, 1994, p. 240). O
processo de aquecimento global referenda as “fantasias” de Fourier.
MODERNIDADE E “PROGRESSO”(1848-1900)
79
Robert Owen certamente é a figura mais notável dos três utopistas clássicos.
Saiu de casa aos dez anos e aos vinte já dirigia uma grande indústria de tecidos
em Manchester, exercendo a liderança de centenas de pessoas. Edmund Wilson
(1994, p. 88) associa seu gênio administrativo e empreendedor ao do magnata
dos automóveis, Henri Ford. Foi influenciado pelas ideias de Rousseau, a teoria
do bom selvagem descrita em O contrato social, no qual Rousseau considera o
homem bom por natureza, a sociedade que o corrompe. Owen observou a dis-
crepância entre a “atenção dada às maquinas inanimadas e o descaso e desprezo
com que se tratavam as máquinas vivas, os homens”. Aliou a habilidade de ges-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
DoSocialismoUtópicoaoSocialismoCientítico:doManifestoComunistaàComunadeParis(1848-1871)
80 UNIDADE II
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
“Pois o socialismo não é somente a questão operária ou a do quarto estado,
mas [...] a questão da torre de Babel que foi precisamente construída sem
Deus, não para atingir o céu a partir da terra, mas para trazer o céu até a
terra.”
Fonte: Dostoievsky, Os Irmãos Karamazov.
MODERNIDADE E “PROGRESSO”(1848-1900)
81
contemporânea.
O método dialético consiste em pensar a
evolução histórica por meio das contradições. Os
gregos foram pioneiros nessa forma de pensamento triangular: se há uma tese,
logo haverá sua antítese, e esta formará uma síntese, que eventualmente terá
uma tese oposta, assim sucessivamente. Outro exemplo: se eu faço uma afirma-
ção e você discorda, você teria uma negação do que afirmei, todavia eu ainda
poderia negar a sua negação e fazer outra afirmação, assim infinitamente. O que
os gregos queriam dizer é que a história se transforma, que a matéria morre,
que o mundo está em constante evolução (ou retração). Isso porque a matéria é
dialética e está em constante movimento de abertura e fechamento, de indeter-
minação e terminação. A matéria é dinâmica.
Mas o mundo material foi paulatinamente suplantado pelo mundo do espí-
rito, das ideias. Primeiro com Santo Agostino, que deslocou o eixo temporal da
terra para a cidade de Deus. Depois com o filósofo Georg Wilhelm Hegel (1770-
1831) e sua Fenomenologia do espírito. Há o famoso exemplo da “dialética do
senhor e do escravo”, que sintetiza a teoria de Hegel. Para ele, na relação entre o
senhor e seu escravo, a emancipação ocorre por meio da libertação da consci-
ência do escravo, pelo espírito, e não pelo rompimento das relações escravistas
no mundo material. O pensamento contemplativo e conservador de Hegel, na
prática, justificava as intenções do Congresso de Viena (1815) ou a reação con-
servadora da Europa pós Revolução Francesa.
A superação da dialética hegeliana em Marx viria após a publicação do livro
DoSocialismoUtópicoaoSocialismoCientítico:doManifestoComunistaàComunadeParis(1848-1871)
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Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Fonte: Bloch (2006).
MODERNIDADE E “PROGRESSO”(1848-1900)
83
da filosofia alemã, que desce do céu para a terra, aqui é da terra que se sobe ao
céu” (MARX, ENGELS, 2007, p. 19).
O método dialético e materialista ganha fundamentação histórica no
Manifesto Comunista, de 1848. Ao desenvolver o conceito de luta de classes,
Marx e Engels encontram o motor da histórica nas contradições dialéticas. A
história de todas as sociedades até hoje é história da luta de classe, ele escrevem.
Homem livre e escravo, patrício e plebeu (na antiguidade), senhor e servo (no
período medieval), burgueses e proletários (na era contemporânea), opressores
e oprimidos formaram as classes opostas e contraditórias na história. Ao expor
o antagonismo de classes, Marx esboçou a própria dinâmica do capitalismo; ao
realizar o diagnóstico de sua estrutura econômica, traçou os prognósticos para
sua superação: o comunismo, em que não haveria mais classes sociais.
Para Marx, é a partir das relações materiais, das forças produtivas, do traba-
lho, que ele denominou de base econômica ou infraestrutura, que se desenvolvem
as esferas da cultura, do direito, da moral, da filosofia e teologia, denominadas
superestruturas. Portanto, a base do pensamento seria puramente material e
não ao contrário, como na filosofia alemã idealista, de Hegel, sobretudo. Isso não
significa que a base econômica determine todas as esferas da cultura, sendo que
a teologia e a filosofia são estruturas que flutuam independentes da economia
e, inversamente, até influenciam o desenvolvimento material. Muitos marxistas
como Georg Lukács e Raymond Williams preferem termos como “forças mutua-
mente determinantes, embora desiguais”, uma vez que o utilitarismo econômico
faz parte apenas da sociedade capitalista onde a economia penetra inteiramente
em todos os outros tipos de vida e de consciência.
DoSocialismoUtópicoaoSocialismoCientítico:doManifestoComunistaàComunadeParis(1848-1871)
84 UNIDADE II
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
(REIS, 1996, p. 48).
É, portanto, com o método científico do materialismo histórico e dialético
que ocorre a superação do socialismo utópico. Não que Marx e Engels desde-
nhassem as contribuições dos utopistas, ao contrário, eles os reconheciam como
grandes mentes daquele século com propostas para reorganizar a sociedade,
mas não conseguiam entender a dinâmica de seu funcionamento e evolução.
“O que caracteriza o poder e a verdade do marxismo é justamente o fato de ele
ter dissipado a nuvem que envolvia os sonhos para frente sem ter apagado as
colunas de fogo que neles ardiam, dando-lhes, ao contrário, força e concretude”
(BLOCH, 2006, p. 145).
Ao lado da produção teórica havia a organização da classe operária por meio
da Associação Internacional dos Trabalhadores, cuja primeira Internacional data
de 1864, onde Marx rivalizou com anarquistas como Bakunin, que viam apenas
o Estado como fonte de todos os males, e com os social-democratas, partidá-
rios da reforma constante da sociedade, sem, no entanto, alterar o regime da
propriedade privada. Nesse sentido, se pode falar do marxismo como “filosofia
da práxis”, por unir a teoria e a prática no projeto de emancipação da classe tra-
balhadora ou do proletariado. A Comuna de Paris é um exemplo prático dessa
associação, a primeira experiência de autogestão dos trabalhadores.
MODERNIDADE E “PROGRESSO”(1848-1900)
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DoSocialismoUtópicoaoSocialismoCientítico:doManifestoComunistaàComunadeParis(1848-1871)
86 UNIDADE II
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Figura 4: Canhões posicionados estrategicamente na defesa de Paris durante a comuna.
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O NACIONALISMO
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Da mesma forma, um siciliano ou veneziano não se via como italiano. Nesse
sentido, pode-se falar do nacionalismo como algo inventado, criado e até imagi-
nado. Para entender esse processo, primeiro analisaremos as unificações tardias
da Itália e Alemanha (1870) e, depois, consolidaremos o estudo com uma discus-
são historiográfica do nacionalismo, o debate entre grandes especialistas do tema.
Os processos de unificação da Itália e Alemanha são chamados de “tardios”
pelo fato de que diversos outros povos conseguiram a independência antes dessas
nações, como Grécia (1829) e Bélgica (1830). O atraso deve-se também à atuação
da Áustria, antiga e poderosa monarquia que dominou a política naquela região
por séculos, com a dinastia dos Habsburgo. A Áustria controlava um vasto ter-
ritório na Europa central e do leste, conhecido como Império Austro-Húngaro,
com influência direta sobre diversos ducados alemães e sobre Veneza, Parma,
Módena, Toscana e Lombardia, na Itália.
MODERNIDADE E “PROGRESSO”(1848-1900)
89
SUIÇA
Tirol ÁUSTRIA
Sabóia
Veneza Ístria
Turim
Gênova PARMA
ENA
MÓD
Mônaco Zara
TOSCANA ESTADOS
PONTIFÍCIOS
M
REINO DO
AR
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
PIEMONTE Córsega
AD
SARDENHA
RI
ÁT
I
CO
Roma
Nápoles REINO
Sardenha DAS DUAS
SICÍLIAS
Estados dos Habsburgos MAR
TIRRENO
Estados dos Bourbons
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da Alemanha em território francês, em Versalhes. Em 1871, nascia o Segundo
Reich (segundo reino, sendo o primeiro o Sacro Império Romano Germânico),
com Guilherme I como Imperador e Bismarck como primeiro ministro.
MAR
MAR SCHLESWIG BÁLTICO
DO NORTE
HOLSTEIN
1867
Hamburgo
1888
1888
HANOVER
P R Ú S S I A
SAXÔNIA
TURINGIA
E
SS
LUXEMBURGO
HE
BADEN
ALS
MODERNIDADE E “PROGRESSO”(1848-1900)
91
HISTORIOGRAFIA DO NACIONALISMO
Eric Hobsbawm (1998, p. 17) sempre foi taxativo quanto aos (maus) usos e abu-
sos da História e sua apropriação política como instrumento de construção de
identidades e nações. “O passado legitima” – escreve ele em Sobre História. “O
passado fornece um pano de fundo mais glorioso a um presente que não tem
muito o que comemorar”. Para os objetivos deste tópico, essa citação é de grande
relevância. Ainda que exista um debate e campos de estudo abertos quanto ao
conceito de formação das nacionalidades, os trabalhos teóricos de Hobsbawm
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Apesar do alcance teórico que as obras de Anderson e Hobsbawm tiveram na
historiografia recente sobre nacionalismo e nacionalidade, não existe consenso
acerca desse debate. Outros autores questionam conceitos como “invenção” ou
“imaginação” no processo de construção dos modernos Estados-Nação. Francisco
Carlos Teixeira, um importante historiador contemporâneo, chegou a afirmar
que a obra Nações e Nacionalismo é um livro equivocado. O posicionamento
de Teixeira deve-se, sobretudo, à análise de Hobsbawm sobre os nacionalismos
europeus da segunda metade do século XIX como sendo notadamente frutos de
um modo de produção específico, o capitalismo monopolista, tendo o Estado
como seu principal mantedor. Teixeira (apud SOUSA, 2013) argumenta que as
diversas etnias europeias são o principal fator determinante para a irrupção do
nacionalismo.
Todavia, as nações emergentes no século XIX criaram hinos, bandeiras, espor-
tes nacionais, mitos, heróis, buscando um sentido identitário, criando memórias
e utopias, construindo o ser nacional, dando sentido ao coletivo. E, nesse sen-
tido, foram “comunidades imaginadas” e “tradições inventadas”.
O que tornou possível imaginar as novas comunidades, num sentido
positivo, foi uma interação mais ou menos casual, porém explosiva, en-
tre um modo de produção e de relações de produção (o capitalismo),
uma tecnologia de comunicação (a imprensa) e a fatalidade da diversi-
dade linguística humana (ANDERSON, 2008, p. 78).
MODERNIDADE E “PROGRESSO”(1848-1900)
93
Apenas no final do século XIX essa interação foi possível. A combinação desses
fatores, do nacionalismo aliado à política expansionista e imperialista das gran-
des potências da Europa, produziu verdadeiras catástrofes, dizimação de povos
ditos inferiores em nome da alta cultura europeia. (Ver o documentário da rede
BBC, “Racismo, uma história”, em material complementar). “O paradoxo do
nacionalismo era que, ao formar sua própria nação, automaticamente criava con-
tra-nacionalismos para aqueles que, a partir de então, eram forçados à escolha
entre assimilação ou inferioridade” (HOBSBAWM, 1998, p. 135).
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O DARWINISMO SOCIAL
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mento de que isso preservaria os membros mais fracos e malsucedidos da raça.
A raça tornou-se um componente muito importante na ideologia do imperia-
lismo. No caso do imperialismo, era perfeitamente possível argumentar que os
melhores e mais fortes sobreviventes (no caso, a raça anglo-saxã) tinham o dever
diante da humanidade de prosseguir impondo-se e de não limitar sua competi-
ção diante dos povos mais fracos devido a alguma consideração ética falsa ou a
alguma noção legalista de seus direitos (WILLIAMS, 2011, p. 124).
O darwinismo social agradou tanto os burgueses quanto a aristocracia.
Estimulou a competição desenfreada entre os homens, sem regras, sem ética, ao
bom estilo liberal do laissez-faire. A aristocracia estava privilegiada, pois, pelos
pressupostos da doutrina social darwinista, os mais fortes estavam no topo da
competição. Mas a maior justificativa aos interesses imperialistas foi a noção de
“raça”, utilizada por Darwin para pensar o reino animal, mas degenerada por
teóricos como Spencer e Langbehn para as “raças humanas”, umas inferiores
(que deveriam ser conquistadas) outras superiores (que deveriam prevalecer,
pela “seleção natural”).
O pensamento social darwinista foi adaptado nas mais diversas vertentes
políticas. A social-democracia liberal ganhou fundamentação com o livro de
Benjamin Kidd, intitulado Evolução social, em que argumentava que devia-se
realizar ações sociais para preservar a competição real. Em um momento em que
poucos tinham condições para concorrer em igualdade com os mais poderosos,
suas teses pregavam a reforma social. Os mais conservadores, contudo, tinham
na obra de W. H. Mallock, Aristocracia e evolução, os pressupostos aristocráti-
cos. Na obra de Mallock, estão as teorias da elite e os embriões do fascismo, na
MODERNIDADE E “PROGRESSO”(1848-1900)
95
medida em que cultuava a figura do grande líder, do poder absoluto do mais forte,
e a “única” condição à evolução é que os demais simplesmente obedecessem e o
seguissem, para colocar suas visões “grandiosas” em operação (WILLIAMS, 2011).
Até mesmo os anarquistas revolucionários, como Kropotkin, buscaram os
fundamentos para suas leituras da sociedade na história natural, nas ações “coo-
perativas” de abelhas e formigas!
Friedrich Engels foi um dos primeiros a notar que a teoria darwinista do
reino animal, biológico, não poderia ser associada ao homem, ao social. Pois
“os meios de desenvolvimento são produzidos socialmente, as categorias toma-
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das do reino animal não são, de forma alguma, aplicáveis”. Mas a iluminação de
Engels representava apenas areia de um deserto no pensamento europeu, uma
vez que o darwinismo social atendia às demandas expansionistas do continente
berço da Revolução Industrial, fornecia a fundamentação para subjugar outros
povos, ditos “inferiores” (WILLIAMS, 2011, p. 129, 130).
O darwinismo social se converteu na concepção de mundo preponderante
das classes dominantes e governantes da Europa. Tal pensamento devia grande
parte de sua importância à sua natureza sincrética, isto é, “era ciência e fé”. Ele
proporcionou um apoio pseudocientífico para as antigas classes dominantes que
vinham se reafirmando. Adequava-se às ideias das elites, justificando as desigual-
dades sociais. Em sua concepção, os homens eram desiguais por natureza, e o
mesmo ocorria quanto à estrutura da sociedade, destinada a ser dirigida pelos
“mais aptos” (MAYER, 1987).
Seguindo as teorias do darwinismo social, chega-se ao imperialismo, às teo-
rias racistas e à racionalização da guerra. Não havia protestos enquanto os brancos
civilizados da Europa escravizavam os negros e indígenas de outros continentes,
o problema do darwinismo social começou apenas quando os nazistas arianos
resolveram escravizar todo o restante da humanidade, inclusive outros brancos.
No Congo belga, não menos que dez milhões pereceram sob domínio do rei
Leopoldo, da Bélgica. Tribos aborígenes inteiras foram dizimadas na Austrá-
lia sob domínio britânico. A fome matou outros milhões na Índia controlada
pela Inglaterra. A fundamentação social darwinista ao racismo levou mi-
lhões à morte. Recomendo o documentário “Racismo, uma história”, da rede
BBC de Londres que retoma um episódio pouco lembrado pelos europeus e
sua “racionalidade iluminista” em material complementar.
Fonte: o autor.
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O POSITIVISMO
MODERNIDADE E “PROGRESSO”(1848-1900)
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de Augusto Comte é bastante conservador. Este explica que seu método posi-
tivo deve se consagrar enquanto teoria e prática à defesa da ordem real. Nascem,
com Comte, as palavras-chave do positivismo: ordem e progresso, que, por sinal,
estão estampadas na bandeira nacional.
A utopia positivista ou a transição para a sociedade positiva baseava-se na
Religião da Humanidade. Na fundamentação de Augusto Comte, a humanidade
teria três fases distintas ou três estados. A fase mítica ou mitológica, corres-
pondente à antiguidade clássica; a fase teológico-militar, identificada com o
medievo; a fase derradeira ou “positiva” deveria ser encarnada pela República.
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A fase “final” da história, a positiva, racionalizada, deveria ser regulada por leis
naturais, invariáveis, independentes da vontade e da ação humana. A sociedade
deveria ser interpretada tal como uma equação matemática ou lei da gravidade,
ou do movimento da Terra em torno do Sol.
Hoje, sabemos o quanto esse pensamento tem de simplicidade e até inge-
nuidade, mas, no final dos oitocentos, o positivismo influenciou sociólogos do
calibre de um Émile Durkheim e historiadores como Leopond von Ranke. É bem
conhecida a ilusão de Ranke, que almejava conhecer o passado “como de fato foi”,
como algo fixo e cristalino. Mas o que é mais importante e conveniente compre-
ender sobre o positivismo é a doutrina que lhe é subjacente: a ideia do progresso
como algo inevitável e contínuo, como aperfeiçoamento linear da história e da
humanidade. Justamente nesse ponto o positivismo fracassa enquanto método,
pois ele reconhece apenas a evolução da técnica, do capitalismo, da indústria e
não os retrocessos da sociedade.
Esses ideais modernos, condensados no que então era visto como associa-
ção indissolúvel entre os conceitos de progresso e de civilização, redesenhavam
o quadro internacional, acenavam com a possibilidade de um otimismo sem
limites em função das conquistas da ciência e da técnica, impunham uma deter-
minada concepção de tempo e de história (NEVES, 2010).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
em si, na qual as condições da experiência parecem afastar-se cada vez mais,
da própria experiência”. O tempo positivista é visto como um continuum entre
dois polos que especificam seu ponto de partida e seu telos [meta, objetivo final],
situado no polo que assinala a sempre renovada conquista do progresso e da civi-
lização, marcado com um sinal de positividade e oposto ao polo do atraso e da
barbárie, negativado (NEVES, 2010, p. 22-23).
A ideologia do progresso, na visão lúcida de Margarida de Souza Neves
(2010), impedia a percepção dessa diferença fundamental e de algumas formas
das decorrências menos edificantes do espírito do tempo, tais como o etnocen-
trismo, o desrespeito aos valores de diversas culturas, a injusta distribuição da
riqueza entre os Estados e no interior deles, a preponderância, a violência e a
exploração. Perceba como o positivismo se adéqua aos objetivos do Imperialismo,
isto é, justifica levar o “progresso” aos povos “atrasados”.
Desde a metade do século XIX, essa ideologia, síntese dos ideais moder-
nos, transformara-se em algo muito próximo a uma religião leiga. Como toda
religião, para além de realizar seu sentido etimológico – religare – ao congre-
gar os que partilhavam a mesma fé em torno de um credo comum, aquela que
se consolida a partir da crença inabalável na marcha do progresso da humani-
dade como decorrência lógica e necessária das conquistas técnicas e científicas,
saberá encontrar seus ritos, sua liturgia e suas celebrações.
MODERNIDADE E “PROGRESSO”(1848-1900)
99
[...] tudo deve ser pago. Não se podia, em hipótese alguma, dar nada a
ninguém, ou oferecer ajuda gratuita. A gratidão deveria ser abolida, e as
virtudes que dela brotavam deveriam deixar de existir. Cada minuto da
existência humana, do nascimento até a morte, deveria ser uma barga-
nha diante de um guichê. (Charles Dickens, Tempos difíceis).
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ram o auge da Revolução Industrial e suas narrativas constituem documentos
históricos desse processo e de seus impactos, pensando a literatura como uma
representação da realidade social. Tempos difíceis, publicado em 1854, ilus-
tra como a modernidade expulsou da vida material dos indivíduos qualidades
como beleza, cor e imaginação, reduzindo-a a uma rotina repetitiva, cansativa
e uniforme.
São os Sinais dos tempos, sintetizado na obra de mesmo título do Thomas
Carlyle, em 1829. O texto resume a inquietude e o desconforto dos românticos
frente à modernidade, no que chamaram de “mecanização do mundo”. Diz Carlyle,
“Se nos pedissem para qualificar com um único epíteto esta era em que vivem,
estaríamos tentados a chamá-la não de uma Era Heroica, Piedosa, Filosófica nem
Moral, mas antes de tudo de uma Era Mecânica [...]” (LÖWY; SAYRE, 2015, p.
52-67). A revolta e a melancolia dos românticos frente ao progresso capitalista
representam mais que um protesto aos ideais da modernidade, eles denunciam
a catástrofe que viria no século XX.
Os românticos, no entanto, tinham a seu favor apenas a revolta e a melan-
colia; os imperialistas, por outro lado, tinham todo o restante. O nacionalismo,
o positivismo e o darwinismo social foram os pressupostos teóricos para a Era
dos Impérios.
MODERNIDADE E “PROGRESSO”(1848-1900)
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O IMPERIALISMO (1875-1914)
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Objetivos Exploração comercial (especiarias, Exportação, investimento
metais, escravos) de capitais, busca de maté-
rias - primas, escoamento
de mão de obra e mercados
consumidores.
Tabela 1: Diferenças entre colonialismo e neocolonialismo
Fonte: o autor.
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103
Reino Unido
França
IMPÉRIO RUSSO
Rússia
JAPÃO
TUR Estados Unidos
QU CORÉIA
IA
Portugal
AFEGANISTÃO
Alemanha
CHINA
PÉRSIA Holanda
ARÁBIA
Japão
ÍNDIA
INDO
FILIPINAS OCEANO
CHIN
PACÍFICO
A
OCEANO
ÍNDICO
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moeda de troca. A função das colônias era complementar as economias metro-
politanas e não fazer-lhes concorrência.
Portanto, o motivo para a expansão imperialista foi a procura de mercados.
Mas diversas potências sentiram a necessidade de novos mercados, acirrando
ainda mais a concorrência entre os europeus. Nesse sentido, o imperialismo foi o
“subproduto natural de uma economia internacional baseada na rivalidade entre
várias economias industriais concorrentes, intensificada pela pressão econômica
dos anos de 1880” (HOBSBAWM, 1998, p. 101). Na década de 1880, houve uma
grave crise econômica na Europa, justamente pelo excesso de produção e pouco
consumo, logo, o ideal de livre concorrência liberal, cuja máxima era laissez-faire
(deixe fazer, deixe passar), caiu em desuso, em detrimento do protecionismo, das
altas taxas de câmbio. No lugar do livre cambismo ou comércio irrestrito, houve
a ascensão do capitalismo monopolista.
Dessa forma, é possível descrever uma definição conceitual do termo
Imperialismo. Segundo o estudo clássico de Edward Said (1995, p. 40),
o império é uma relação formal ou informal em que um Estado con-
trola a soberania política efetiva de outra sociedade política. Ele pode
ser alcançado pela força, pela colaboração política, por dependência
econômica, social ou cultural.
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105
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Chegamos ao fim de mais uma unidade e dos estudos em torno do século XIX.
Espero que a leitura tenha sido agradável e estimulante para motivá-lo(a) a aden-
trar na “Era dos extremos”, como Eric Hobsbawm denominou o século XX.
Nessa viagem pela modernidade, pudemos observar como uma transforma-
ção econômica (Revolução Industrial) traz consigo o desenvolvimento de novas
ideias, valores e uma cultura que ora a legitima (liberalismo) ora a critica (socia-
lismo),assim como as doutrinas que lhe dão sustentação, como o nacionalismo,
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a República e o Positivismo.
A expansão desenfreada do capital econômico no final do século XIX encon-
traria limites do planeta Terra no limiar do século XX. Como os limites humanos
e tecnológicos não permitiam anexar as estrelas (como sonhou Cecil Rhodes), “o
capital só poderia devorar-se a sim mesmo, para começar novamente o infinito
processo da geração de poder”, anotou Hannah Arendt (1998, p. 176).
Mas o otimismo positivista e mecânico de que a humanidade caminhava
naturalmente rumo ao aperfeiçoamento, em uma concepção linear e meramente
evolutiva de história, logo cairia por terra com a desilusão da Primeira Grande
guerra mundial, com a ascensão do fascismo e com o terror nazista. Essas pon-
derações são relevantes para não apreendermos a História meramente como
processo evolutivo e contínuo. Compreender as rupturas, as contradições e as
cesuras é de vital importância para se pensar a História em termos dialéticos.
Nos estudos acerca do século XX, essa forma de pensar e escrever nossa
disciplina ficará mais clara. É preciso compreender tanto os avanços como os
retrocessos da sociedade, tanto no que se refere aos termos políticos quanto aos
culturais. Das luzes iluministas à escuridão fascista é o que veremos nas próxi-
mas unidades. Boa leitura!
MODERNIDADE E “PROGRESSO”(1848-1900)
107
3. O “Darwinismo social” foi uma importante doutrina política durante o final do sé-
culo XIX. Darwinismo social significa a aplicação popular da ideia biológica da se-
leção natural para o pensamento social e político, justificando, assim, a conquista
dos mais fracos. Quanto à relação entre Darwinismo social e Imperialismo,
assinale a alternativa correta:
a) Herbert Spencer e Charles Darwin foram os criadores do Darwinismo social.
b) O Darwinismo social foi a justificativa dos povos colonizados para suas lutas de
independência e liberdade.
c) Ao afirmar que existem raças superiores e inferiores, o Darwinismo social justifi-
cava a dominação dos mais fracos pelos mais fortes.
d) O Reino biológico é o correspondente natural do homem em sociedade.
e) Ao levar aos povos ditos primitivos os ideais civilizatórios do Ocidente, os países
imperialistas estavam levando a cultura aos povos bárbaros.
Cultura e Materialismo
Raymond Williams
Editora: Unesp
Sinopse: Williams é um dos autores que inserem a literatura como fonte
para pensar determinados períodos históricos. Não se trata de analisar
a História como ficção, como literatura, mas de buscar um método
que interligue a produção intelectual (romances, poemas, crônicas,
sátiras) com a realidade material, com o social e político. Nesse livro, o
leitor encontra referências para estudar o romance industrial inglês, as
utopias e ficções científicas do século XIX, como fenômeno análogo à
modernização capitalista.
MATERIAL COMPLEMENTAR
Baudelaire e a Modernidade
Walter Benjamin
Editora: Autêntica
Sinopse: Walter Benjamin é reconhecido com um dos maiores críticos
literários do século XX, e sua obra sobre Charles Baudelaire demonstra
como conseguiu penetrar com brilhantismo nas estruturas sociais,
culturais e políticas da França sob governo de Luís Bonaparte. Benjamin
consegue relacionar os poemas de Baudelaire (As flores do mal; Spleen
de Paris) com a metodologia do materialismo histórico, de Marx.
Ligando a poesia e a luta de classes, Benjamin faz uma análise quase
alquimista da sociedade francesa. No livro, estão conceitos-chave do
pensamento benjaminiano, como a “perda da aura” ou da experiência
com a industrialização e o homem reduzido a mero “autômato”, um ser
sem alma, quase uma máquina, que ele denomina como “experiência
de choque”. Tais conceitos são retirados de Baudelaire (perda do
Halo, no Speen de Paris) e de Karl Marx (fetichismo da mercadoria e coisificação do
trabalhador). Um livro monumental.
Material Complementar
MATERIAL COMPLEMENTAR
III
DA GUERRA À REVOLUÇÃO:
UNIDADE
PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL E
REVOLUÇÃO RUSSA
Objetivos de Aprendizagem
■■ Compreender a continuidade do Imperialismo do século XIX e suas
consequências, cuja principal foi a Primeira Guerra Mundial.
■■ Analisar a conjuntura social, política e econômica que levou a Europa
à guerra.
■■ Entender a formação dos blocos e coalizões: tríplice entente e
aliados.
■■ Verificar as consequências da Primeira Guerra: Tratado de Versalhes,
perdas da Alemanha e ascensão dos EUA.
■■ Estudar a Revolução Russa e o nascimento da União Soviética (URSS).
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ Das luzes à escuridão: origens e causas da Primeira Guerra Mundial
(1900-1914)
■■ Primeira Grande Guerra: o Teatro de Operações (1914-1918)
■■ “A Revolução que Abalou o Mundo”: a Revolução Russa (1917)
■■ Formação da União Soviética, do Socialismo e suas consequências
115
INTRODUÇÃO
como “A era dos extremos”, mas poderíamos chamar também de era dos para-
doxos ou das contradições. Há ainda uma contradição histórica a ser notada: os
temas da Segunda Guerra Mundial são muito mais expostos ao nosso incons-
ciente por meio da manutenção da memória viva daquele conflito pelo cinema
hollywoodiano e por uma literatura abundante. É certo que as atrocidades come-
tidas na Segunda Grande Guerra foram maiores, tanto no que se refere ao número
de vítimas civis e militares quanto à destruição de cidades inteiras, às inova-
ções militares e ao terror do Holocausto provocado pelos nazistas. Contudo, até
a eclosão da Segunda Guerra não havia tal distinção (primeira ou segunda); os
europeus faziam referência apenas à “Grande Guerra” de 1914 e muitos ainda
utilizam essa sintaxe.
As proporções da Grande Guerra (1914-1918) foram determinantes para des-
locar o eixo de poder da Europa para as nações em ascensão, como EUA e URSS,
além do Japão. Boa parte do modo de vida e pensamento do homem moderno
no século XX foi decidida em detrimento das consequências da Primeira Guerra
Mundial. Sendo que o desenvolvimento do Socialismo na URSS é uma de suas
“obras” e, em certa medida, só foi possível pela derrota militar da Rússia cza-
rista frente aos alemães.
Nesse sentido, as primeiras décadas do século XX fornecem um repertório
histórico muito rico e complexo. Vamos focar dois grandes eixos temáticos de
estudos: Primeira Grande Guerra e Revolução Russa, assim como seus desdo-
bramentos. Mãos à obra?! Boa leitura!
Introdução
116 UNIDADE III
Figura 10: Imagem característica da Primeira Guerra Mundial: soldados nas trincheiras utilizando máscaras contra os ataques
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com gás venenoso
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pelos imperialistas. Forma-se, então, a primeira aliança fixa dos países retarda-
tários na corrida imperialista: Alemanha, Áustria-Hungria e Itália.
que empregava vinte mil homens nas vésperas da guerra. “O comércio interna-
cional moderno da morte já estava bem encaminhado” (HOBSBAWM, 1998, p.
427). Porém, a Europa não foi à guerra devido à corrida armamentista como tal,
mas devido à conjuntura internacional que lançou as nações nessa competição.
Conjuntura essa que analisaremos a seguir.
Descobrir as origens da Primeira Grande Guerra não equivale a descobrir “o
agressor”, adverte Hobsbawm (1998, p. 431). Desse modo, uma alternativa para
analisarmos a gênese desse conflito é compreendermos a política de alianças e
acordos mútuos entre as nações beligerantes.
Alianças entre países europeus sempre existiram, mas agora eram diferen-
tes, pois eram alianças fixas, embora muitas vezes contraditórias. A Alemanha
tinha um acordo com a Áustria desde 1882, em que a Itália integrou posterior-
mente. Essa aliança ficou conhecida como a “Tríplice Aliança” e tinha como
característica principal a união de forças pela divisão imperialista da África, na
qual eram retardatários.
A França, temerosa do crescente poder alemão no continente, uniu-se com
a Rússia em 1891. Essa aliança também se explica pela rivalidade franco-alemã
e pelo desejo crescente de retomar as regiões da Alsácia e Lorena. A Rússia, por
sua vez, aliou-se à França pelo interesse dos territórios dos Bálcãs, de população
eslava, porém controlado em sua maioria pela Áustria. Mas a França não tinha
reais brigas com a Áustria, nem a Rússia com a Alemanha. Entre 1903 e 1907, a
Inglaterra – rival histórica da França – uniu-se ao lado antialemão – para a sur-
presa de todos – formando a “Tríplice Entente”.
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não era mais a França, mas sim a Alemanha.
Três problemas transformaram o sistema de aliança em uma bomba-relógio,
explica Hobsbawm (1998, p. 433). O primeiro foi a situação do fluxo internacio-
nal, desestabilizado por novos problemas e ambições mútuas entre as nações.
Como segundo problema, temos a lógica do planejamento militar que conge-
lou tais alianças em blocos fixos. E, finalmente, a entrada de uma grande nação
(Grã-Bretanha) em um dos blocos, o que de fato tornou o conflito mundial, pela
escala de suas colônias.
Segundo as definições de David Thomsom (1986), a participação da comu-
nidade Britânica, a mais universal de todas as potências de então, transformou
um conflito local em guerra mundial. Para Thomsom, sem a participação dos
ingleses, o conflito seria apenas a quarta guerra imperialista alemã, sendo as três
primeiras de Bismarck pela unificação alemã (em 1864, contra a Dinamarca; em
1866, contra a Áustria-Hungria; em 1870, contra a França).
Assim, a política de alianças fixas aliada ao capitalismo industrial monopo-
lista criou as condições necessárias para a eclosão da guerra. De certa forma, essa
corrida armamentista e o imperialismo desmedido criaram uma bomba-relógio,
faltava apenas o estopim para atear o fogo da explosão. E o estopim da guerra
veio com o assassinato do arquiduque (herdeiro do trono austríaco) Francisco
Ferdinando, em julho de 1914.
O problema maior não foi o assassinato de um personagem pouco signifi-
cante na política europeia, mas sim o fato de ter ocorrido na região dos Bálcãs,
conhecida como “o barril de pólvora da Europa”. Em uma visita à cidade de
Sarajevo em 28 de julho de 1914, Francisco Ferdinando foi alvejado pelo militante
Até mesmo um historiador como Eric Hobsbawm afirma que explicar as causas
da Primeira Guerra Mundial significa mergulhar em águas profundas e turbu-
lentas. Não é tarefa simples. Mas vamos esboçar aqui duas tendências opostas
que têm a pretensão de responder essa questão. A primeira tese explicativa é a
de Eric Hobsbawm, no famoso capítulo de A era dos impérios, intitulado “Da
paz à guerra”. A tendência oposta é a de Arno Mayer, em um clássico sobre as
origens do Imperialismo e da Primeira Guerra Mundial, denominado A força
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da tradição: a persistência do Antigo Regime (1848-1914).
A tese central de Hobsbawm é a de que, com a concorrência entre os Estados
modernos, a economia passou a ser a base do poder internacional, ou seja, o poder
econômico passou a ser igual ao poder político e militar. “O desenvolvimento do
capitalismo empurrou o mundo inevitavelmente em direção a uma rivalidade
entre os Estados, à expansão imperialista, ao conflito e à guerra” (HOBSBAWM,
1998, p. 437). O que tornou um lugar ainda mais perigoso “foi a equação tácita
de crescimento econômico ilimitado e poder político”, ele conclui.
A tese oposta e não menos interessante é a de Arno Mayer (1987). Inversamente
a Hobsbawm, Mayer não atribui como causa da Grande Guerra a concorrência
capitalista dos países imperialistas, mas sim os poderes anacrônicos e reacioná-
rios dos Impérios ainda governados por forças do Antigo Regime (aristocracia,
nobreza). Basta relembrar que, em 1914, boa parte dos países que protagonizaram
a guerra eram ainda monarquias absolutistas e autoritárias. É o caso do império
alemão da dinastia dos Hohenzollern, governado pelo Kaiser Guilherme II; do
império Austro-Húngaro, da dinastia Habsburgo; dos russos, uma retrógrada
monarquia absolutista semi-feudal governada pelo Czar Nicolau Romanov; do
império Turco-Otomano.
Nesses países, as instituições liberais consolidadas pela Revolução Francesa
(igualdade, liberdade, fraternidade) ainda eram muito frágeis para que tais
ideias de raízes iluministas pudessem triunfar e se tornar hegemônicas. A tese
de Arno Mayer é consolidada pelo apoio do alto Clero, dos oficiais do Exército
(uma tradição aristocrática na Alemanha) e da intelligentsia europeia aos ide-
ais conservadores, aristocratas, como, por exemplo, o pensamento do filósofo
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A PRIMEIRA GRANDE GUERRA: O TEATRO DE
OPERAÇÕES (1914-1918)
porém os alemães tinham sido detidos. O plano Schlieffen havia falhado, assim
como a guerra rápida de movimento.
A GUERRA DE TRINCHEIRAS
As trincheiras privilegiavam muito mais o defensor que o atacante, uma vez que
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uma metralhadora bem posicionada podia repelir um ataque numeroso do ini-
migo. Por isso os dois blocos (Entente e Aliados) permaneceram praticamente
estacionados em 1915 e 1916, na frente ocidental. No lado oriental, porém, os
alemães conseguiram sucessivas vitórias sobre os russos, mal armados e mal
treinados.
A “imobilidade” dos exércitos não significa que as batalhas não fossem
menos sangrentas. Na Batalha do Somme, no verão de 1916, franceses e ingleses
concentraram 2000 canhões pesados atrás de uma linha de 15 km e bombar-
dearam as linhas inimigas continuamente durante uma semana. Em um único
dia de ataque, os ingleses perderam 60.000 homens para avançar apenas quatro
quilômetros. Na batalha toda, os alemães perderam meio milhão de soldados,
franceses e ingleses perderam outros seiscentos mil. Processo semelhante ocor-
reu na Batalha de Verdun, em 1916, na qual os franceses contiveram um ataque
alemão a um custo de cerca de um terço de milhão de homens, para cada lado
(THOMSON, 1986, p. 64-65).
A indústria da guerra não tardaria a desenvolver armamentos novos e sofis-
ticados que pudessem tirar os soldados das trincheiras e virar o jogo para a
ofensiva, uma vez que a guerra de trincheiras beneficiava somente os defensores,
a retaguarda, no caso, aos franceses. A primeira engenhoca da guerra moderna
foi o tanque ou os blindados, de uma forma geral. O tanque de guerra foi desen-
volvido pelos ingleses, mas eram ainda rústicos demais para surtir efeito, eram
lentos e pouco eficientes. O segundo armamento inaugurado na Primeira Guerra
Mundial foi a aviação militar, utilizada como bombardeiros e metralhadoras com
fortes canhões. Mas seu desenvolvimento foi tardio e só entrou em cena em um
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interno e externo permitiu a ascensão dos bolcheviques, levando Lênin ao poder.
Com o famoso lema “paz, pão e terra”, instalaram o governo comunista soviético
(consolidado apenas em 1922). Trotsky foi enviado para negociar a paz com os
alemães, assinada em 3 de março de 1918.
Pelo tratado de Brest-Litovsk os russos concordaram em ceder à Alemanha
os territórios perdidos durante a guerra: Finlândia, Polônia, Ucrânia, Letônia,
Estônia e Lituânia. Com o tratado, os alemães estavam livres para guerrear em
apenas uma frente de combate, a ocidental. Mas as vantagens vieram demasiada-
mente tarde para surtir efeito. No final de 1917 e início de 1918, os Estado Unidos
entraram na guerra ao lado dos aliados franceses e britânicos e, nesse período,
já desembarcavam mais de 250 mil homens por mês na Europa. Além disso, os
aliados alemães já demonstravam sinal de esgotamento. A Áustria sucumbira
frente aos russos e italianos, e os turco-otomanos já se encontravam derrotados
pelos britânicos e seus aliados do Oriente Médio.
Mesmo mantendo seus exércitos no território inimigo durante toda a guerra,
pode-se dizer que os planos da Alemanha não foram totalmente satisfatórios.
O plano Schlieffen, executado pelo General Moltke, havia falhado em 1914; os
esforços do General Hindemburg para aniquilar a Rússia em 1915 também; o ata-
que sobre Verdun, destinado a “ferir de morte a França”, tinha sido contido por
Pétain. E, por fim, o plano Ludendorff, de 1918, destinado a dividir os franceses
e ingleses, foi anulado pelo comando unificado de Foch e pelos suprimentos e
reservas dos EUA (THOMSON, 1986, p. 67).
A entrada dos Estados Unidos na guerra deve-se às estreitas relações que
tinham com a França e Inglaterra e também para evitar a concorrência alemã
dentro do território francês e nenhuma força inimiga sobre solo alemão, permi-
tindo assim que fosse criado o mito de que o Exército não tinha sido derrotado
(THOMSON, 1986, p. 68).
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Otomano foi retalhado entre as diversas nacionalidades que abrigava. Na Rússia, o
czarismo, forma de governo absolutista, foi suplantado pelos bolcheviques. Novos
países independentes surgiram, como, por exemplo, a Polônia, Tchecoslováquia
e Iugoslávia. A maior alteração geopolítica foi o deslocamento do eixo de poder,
da Europa para os EUA, URSS e Japão.
A Primeira Guerra Mundial deixou um saldo assustador de aproximadamente
quinze milhões de mortos, dos quais nove milhões de soldados (Grã-Bretanha,
1,7 milhão; França, 1,5 milhão; Áustria-Hungria, 1,5 milhão; dois milhões de
alemães; quantidade semelhante de Russos) e seis milhões de civis ceifados pela
fome e doenças como a gripe espanhola.
A criação da Liga das Nações, mediada pelo presidente estadunidense
Woodrow Wilson, tinha como objetivos construir uma paz justa e duradoura.
Mas, na prática, mostrou-se pouco relevante frente aos desejos instáveis e opor-
tunistas de ingleses e franceses. As sementes da segunda guerra mundial estavam
presentes no clímax da primeira (THOMSON, 1986, p. 69).
Por fim, podemos falar ainda da vitória da democracia após 1918. As conse-
quências sociais da Grande Guerra alteraram o panorama político e trabalhista
de todo o mundo. As mulheres ascenderam ao mercado de trabalho, o voto
tornou-se universal na maioria dos países e, apesar da falência da ilusão do pro-
gresso, no pós-guerra, havia a esperança de paz. Contudo, a alteração de maior
impacto no século XX foi a ascensão bolchevique na Rússia e o desenvolvimento
do socialismo, que veremos a seguir.
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doxo, os herdeiros da “terceira Roma”. Isso explica a utilização do termo “czar”
pelos imperadores, uma junção da tradição bizantina do Cesaropapismo, ou
seja, a união entre o poder secular (político) e o religioso, entre César e o Papa
em um único monarca. Em boa medida, essa representação de Roma continuou
até 1917, pois o czar era legitimado como um representante de Deus na terra.
Na segunda metade do século XVII, a nova dinastia reinante, os Romanov
(que ficaria no poder de 1613 até 1917), procurou aumentar seus domínios e
modernizar o Estado e as forças armadas. O auge desse processo ocorreu no rei-
nado de Pedro, o Grande, entre 1682 e 1725. Em 1703, os russos conquistaram
uma série de vitórias frente aos suecos e ao território de São Petersburgo, trans-
formado em capital posteriormente. No reinado de Catarina II, a Grande, entre
1762 e 1796, a expansão continuou, e a Rússia foi elevada ao status de Império.
No século XIX, o Império Russo encontrou ao mesmo tempo seu apogeu e o
início da decadência. O ápice ocorreu após a vitória frente ao grande exército de
Napoleão, formado por mais de 550.000 homens. A vitória final sobre Napoleão
ocorreu com a coalizão de russos, prussianos e ingleses, mas, de qualquer modo,
a entrada de um exército russo em Paris foi, “com certeza, um símbolo da ascen-
são russa ao status de potência mundial” (BERTONHA, 2011b, p. 31).
A expansão russa continuou nas décadas seguintes até a Guerra da Crimeia
(1854-1856). Nesse grande conflito, os russos entraram em guerra contra os
turcos, pela anexação de novos territórios, mas foram barrados pela marinha
britânica e francesa juntas. O czar Alexandre II foi obrigado a ceder, com perdas
humanas estimadas em meio milhão de soldados. Todavia, o traço mais mar-
cante da decadência imperial russa não foi a derrota na guerra da Crimeia, mas
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pelo czar Alexandre II (pressionado após a derrota da Crimeia), e, mesmo no
limiar do século XX, ainda se podia encontrar resquícios de feudalismo, em que
cerca de 80% da população de 140 milhões de habitantes viviam no meio rural.
Os sinais do descontentamento vinham de longa data, apontando a decadência
da autocracia czarista. Em 1861, o czar Alexandre II foi assassinado por militan-
tes narodnik (militantes e camponeses que utilizavam táticas terroristas contra o
Estado). Em 1887, o czar Alexandre III sofreu outro atentado, mas sobreviveu.
Nessa ocasião, Alexandre Ulianov, o irmão mais velho de Lênin (Vladimir Ilitch
Ulianov), foi enforcado pela acusação de conspiração. Em 1898, houve a criação
do Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR), imediatamente posto
na ilegalidade pelo czar e perseguido pela Okhrana, a temida polícia secreta do
czar. Em seu segundo congresso, no ano de 1903, o POSDR dividiu-se entre bol-
cheviques (maioria) e mencheviques (minoria).
Essas contradições foram intensificadas com a derrota russa frente aos japo-
neses em 1904, que, aliada à crescente crise econômica interna, abriram as portas
da revolução, em 1905. Em uma demonstração de insatisfação popular, um grupo
de trabalhadores liderado pelo Padre Georgi Apollonovich Gapon tentou entregar
uma petição ao czar no dia 9 de janeiro de 1905. A revolva foi cruelmente repri-
mida pela polícia no episódio que ficou conhecido como “o domingo sangrento”.
Esse foi o estopim para desencadear motins por toda a capital, São Petersburgo.
Em vez da liderança e dos cantos religiosos do padre Gapon, os operários des-
cobriram outra forte arma frente ao autoritarismo do czar: a greve geral. Nasceu
assim, em 1905, o embrião que estaria maduro em 1917: os sovietes (deriva do
termo russo sove’t [soviet], que significa “conselho”). O conselho de operários,
“Dezessete anos antes do fim do século XIX, Karl Marx morria. Dezessete
anos após o início do século XX, Karl Marx tornava a viver” (Leo Huberman).
Fonte: Huberman (1986, p. 271).
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Os trabalhadores, operários, camponeses, liberais moderados e socialistas tiveram
que esperar doze anos para uma nova oportunidade frente ao regime autocrático
de Nicolau II. As condições favoráveis vieram com o colapso czarista na Primeira
Guerra Mundial, mas também pela fragilidade da corte do czar, anacrônica em
pleno século XX. Em 1917, a Rússia mostrou sua verdadeira face, um “colosso
com pés de barro”, como anotou o pesquisador Fábio Bertonha (2011b, p. 47).
As razões, portanto, da Revolução Russa de 1917 são internas e externas,
privadas e econômicas. No âmbito doméstico, na política interna, pode-se dizer
que as ações de Nicolau constituem uma perfeita ingerência política. Em plena
guerra contra a Alemanha e Áustria, Nicolau era submisso às vontades da cza-
rina, de origem alemã, que, por sinal, recebia ordens de Rasputin, uma espécie
de xamã, bruxo ou feiticeiro. A história é repleta de curiosas semelhanças, pois
tanto Nicolau como Carlos I da Inglaterra e Luís XVI da França tinham rainhas
estrangeiras e odiadas pelo povo. Todos tiveram o mesmo destino, depostos por
revoluções.
Com o poder quase hipnótico que exercia sobre a czarina, Rasputin nome-
ava e destituía os ministros do Império Russo a seu bel-prazer. Nos anos de
guerra (1914-1917), houve a troca de quatro Primeiros Ministros, seis Ministros
do Interior, quatro da guerra e seis da Agricultura. Em 1915, o próprio Nicolau
assumiu o comando da guerra, persuadido pela esposa, mesmo contra a reco-
mendação por escrito de oito dos seus ministros. O czar deixou, assim, seu trono
atrelado aos destinos da guerra.
No mesmo mês de abril, um novo fato mudaria o destino dos russos: o retorno
de Lênin do exílio. Nas famosas Teses de abril, Lênin insistiu na possibilidade de
tomada de poder pelos sovietes e pelo proletariado, em uma revolução socialista,
antes mesmo de passar pela fase burguesa capitalista da história. (Lembre-se das
teses de Marx, de que a humanidade passaria do feudalismo para o capitalismo
e deste para o comunismo). Lênin defendia a tese de uma República dos sovie-
tes de deputados operários no lugar da República parlamentarista. Seus lemas
eram “todo o poder aos sovietes” e “paz, pão e terra”, visando ao apoio de solda-
dos, operários e camponeses.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Mas o fato é que Lênin conseguiu convencer seus correligionários bolche-
viques da possibilidade efetiva de um governo socialista. Outros bolcheviques
como Stalin, Kamenev e Zinoviev eram relutantes e até mesmo céticos. Mas as
circunstâncias contribuíram a favor de Lênin, sobretudo a insistência do Governo
Provisório em manter a Rússia na guerra, em condições já exaustivas. Na guerra
interna de influência, o Governo Provisório acusou Lênin e o partido bolche-
vista de serem “agentes do Kaiser alemão”, agitadores para desestabilizar o novo
governo. Trotsky foi preso e Lênin teve que se esconder na Finlândia.
©Löwy
Figura 14: Foto histórica de Lênin em 1917. Ao seu lado está Leon Trotsky, presidente dos sovietes de
Petrogrado e futuro líder do Exército Vermelho
“Os dez dias que abalaram o mundo” é o título célebre da obra do jornalis-
ta John Reed. Ele foi correspondente durante a Primeira Grande Guerra e,
depois, na Rússia, testemunhou “no calor da hora” a revolução de outubro.
Recomendo como leitura complementar e até como fonte para análise da
Revolução Russa.
Fonte: o autor.
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uma fase jacobina da revolução (extremamente revolucionária, no qual se abole
todo o passado visando construir a utopia vermelha socialista), mas também uma
etapa conservadora (termidoriana, em que alguns substratos do passado voltam
a existir para consolidar a nova política). A Revolução Francesa produziu um
Napoleão Bonaparte, os russos tam-
bém tiveram o seu déspota em Stalin.
O que importa é compreender
que, em 1917, houve “uma revolu-
ção dentro da revolução”. A etapa
natural da história seria conduzir à
queda do czar Nicolau um governo
liberal capitalista, como ocorrera
na Inglaterra (1688) e na França
(1789). Substituindo o Absolutismo
por uma Monarquia Constitucional,
pela República ou Parlamentarismo.
Mas pela especificidade que apenas
os russos tinham, que analisamos no
tópico anterior, a revolução socialista
se tornou viável e efetiva. Prova de
que a história é feita pelos homens, de
acordo com as condições existentes. Figura 15: Cartaz de propaganda soviético com os símbolos do
Comunismo: a foice e o martelo representando o camponês e
o operário
Durante a guerra
civil o governo de Lênin
foi praticamente cercado
em Moscou. As tropas de
Koltchak, um ex-almirante
czarista, e de Denikin, gene-
ral czarista, cercaram a nova
capital, apoiados por forças
do “Exército Branco” uni-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
dos para derrubar o regime
socialista, formado por
Figura 16: Soldados do Exército Vermelho durante a guerra civil
franceses, ingleses e outros
mercenários. Mas a atuação do exército vermelho foi notável e, em dois anos,
não havia mais resistência. Na tentativa de reconquistar os territórios perdidos
no tratado Brest-Litovsky, porém, houve uma derrota substancial para os polo-
neses, que consolidaram sua independência.
Em 1922, vencida a guerra civil, a Rússia bolchevique mudou de nome, pas-
sando a se chamar União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS, ou CCCP
em russo). Mas os desafios não eram menores. A população russa declinou de
171 milhões, em 1914, para 132 milhões, em 1921. Em 1920, a indústria fabricava
apenas 13% do que havia produzido em 1913; o comércio exterior estava redu-
zido a zero, a agricultura estava em ruínas e a fome generalizada (BERTONHA,
2011b, p. 72).
Nesse cenário, Lênin abandonou o Comunismo de Guerra e instaurou a NEP
(Nova Política Econômica). A NEP representou a tentativa de superar as condi-
ções adversas, as perdas da Guerra Mundial e guerra civil. Assim, estabeleceu-se
uma forma de governo misto, em que a grande indústria ficava sob o controle
do Estado, enquanto que as pequenas empresas e pequenas propriedades rurais
tinham o direito de comercializar e produzir livremente seus produtos. Na prá-
tica, a NEP representou um retorno aos antigos modos de produção capitalista.
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grande vitoriosa da Segunda Grande Guerra frente aos nazistas (principalmente
considerando o papel do Exército Vermelho). Além disso, emergiu do conflito
em disputa direta com os EUA pela hegemonia política e econômica mundial.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Caro(a) aluno(a), espero que você tenha refletido sobre a temática que serve de
roteiro para todo o livro: de que a cultura também é um documento de barbárie.
Com os exemplos da Primeira Guerra Mundial e Revolução Russa, essa visão fica
mais clara. Por isso o olhar do historiador e do professor de história devem ser
críticos e atentos. Como disse o filósofo Walter Benjamim, trata-se de “escovar
a história a contrapelo”, nadar contra a correnteza e não deixar que o óbvio se
torne regra. Perceber que a ideologia do progresso também pode ser desastrosa.
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Considerações Finais
A FOICE, O MARTELO E A CRUZ: RELIGIÃO NA RÚSSIA REVOLUCIONÁRIA
Na Rússia revolucionária, como acontecera na França do século XVIII, derrubar o poder
divino implicava igualmente atacar a Igreja. A Revolução de Outubro não foi um gol-
pe de Estado contra o czarismo, até porque os Romanov não estavam mais no poder.
A revolução era a derrubada de toda a antiga maneira de ser e pensar dos russos,
especialmente sua religião: a Igreja Católica Ortodoxa.
A força simbólica da religião e seu papel no controle das massas, a aliança entre Estado
e Igreja tinha sido notada com perspicácia tanto por Jacobinos como por Bolcheviques.
Os laços entre a autocracia e a Igreja garantiam a velha ordem social na Rússia, em pleno
século XX. As relíquias, os altares decorados com ícones, o luxo das procissões e dos
parâmentos litúrgicos dos bispos e sacerdotes faziam parte de uma aura do poder que
o czar sabia utilizar com pompa. Tratava-se da manutenção do velho cesaropapismo
bizantino, ou seja, a estreita união entre o trono e a Igreja.
Foi segurando ícones sagrados que Nicolau II desfilou diante das tropas na Primeira
Guerra Mundial. Às vésperas da revolução que abalaria o trono e o altar da “Santa Rús-
sia”, o Patriarcado ortodoxo podia envaidecer-se de suas mais de 55 mil igrejas, 29 mil
capelas, mais de 112 mil padres e diáconos, 550 monastérios, 475 conventos e quase 100
mil monges e freiras. Desde a queda de Constantinopla para os turcos em 1453, Moscou
orgulhava-se de ser a Terceira Roma e a nova fonte viva do cristianismo para os eslavos.
Esses números demonstram o quão a religião estava profundamente arraigada na “alma
russa” e o quanto o Antigo Regime e as relações feudais ainda faziam parte da sociedade
russa no limiar do século XX. O próprio alfabeto russo, chamado alfabeto cirílico, deve
sua criação a são Cirilo, que a Rússia emprega para escrever até hoje. Foi um padre orto-
doxo, Georgi Apollonovich Gapon, que liderou os trabalhadores numa petição ao czar,
no famoso episódio do “domingo sangrento”, em janeiro de 1905. Foi entoando cânticos
sagrados que os manifestantes foram recebidos à bala pelas tropas do czar.
Igualmente misturada entre política e religião era a situação do monge Grigori Rasputin,
místico ambicioso que se tornara peça-chave nos anos anteriores à revolução de 1917.
A influência quase mágica que despertava na czarina chegou a despertar murmúrios
maledicentes, assim como sua ascendência sobre o príncipe Alexei. Rasputin foi elimi-
nado por um complô da elite, temerosa com o poder de persuasão do bruxo sobre toda
a corte.
A destruição do poder, da influência e da riqueza da Igreja Ortodoxa foram os alvos
prioritários para a construção do socialismo. Uma das primeiras medidas do governo
de Lênin foi a separação Igreja-Estado, instituindo a liberdade de expressão religiosa
e o incentivo ao ateísmo. Mas a repressão também foi violenta, pois nos primeiros cin-
co anos do novo regime bolchevique, 28 bispos e cerca de 1200 padres foram levados
à morte. Em sua maioria, as grandes igrejas ortodoxas se transformaram em museus.
A bela catedral de São Basílio, em Moscou, com suas características cúpulas coloridas em
forma de cebola, fechou-se para os padres e abriu-se a visitantes como museu estatal. Datas
147
Material Complementar
Professor Me. Rui Bragado Sousa
IV
TEMPOS DE BARBÁRIE: FASCIMO,
UNIDADE
NAZISMO E SEGUNDA GUERRA
MUNDIAL (1919-1945)
Objetivos de Aprendizagem
■■ Compreender o período entreguerras e a conjuntura econômica e
política que levaram o mundo à nova barbárie.
■■ Verificar a relação intrínseca entre a crise econômica de 1929 e a
ascensão dos fascismos.
■■ Apreender a tragédia do nazismo e sua ascendência teológica e
política.
■■ Entender as causas da Segunda Guerra Mundial, bem como suas
consequências.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ Da reconstrução ao caos: o pós-guerra até a crise 1929
■■ Ascensão do fascismo: autoritarismo e totalitarismo
■■ Nazismo: Hitler e o grotesco terceiro Reich
■■ A Segunda Guerra Mundial (1939-1945)
155
INTRODUÇÃO
Introdução
156 UNIDADE IV
Na declaração mútua de
guerra entre as potên-
cias europeias em agosto
de 1914, Edward Gray, um
observador inglês, disse pro-
feticamente que “as luzes da
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Europa estão se apagando
e não as veremos brilhar
outra vez em nossa existên-
cia” (apud HOBSBAWM,
1998, p. 451). A perspicácia
da frase vai além das muitas
Figura 17: A imagem ilustra bem as condições econômicas e trabalhistas
consequências da Grande da década de 1920. A pujança capitalista e a insegurança financeira.
Guerra. Apenas em termos
conceituais, a guerra terminou em novembro de 1918, pois, em termos prá-
ticos, econômicos e políticos, ela continuaria no decorrer da década de 1920,
ainda que nos bastidores.
Há um vício eurocêntrico em muitos historiadores, na insistência em ver os
efeitos da Primeira Guerra apenas no continente Europeu. No Velho Mundo, a
guerra realmente terminou no final de 1918, porém nos países periféricos como
Turquia, Rússia, países do Oriente Médio e até no Brasil – a única nação latino-
-americana que participou do conflito mundial – os efeitos da Grande Guerra
seriam percebidos em todo o decorrer da década seguinte. Até mesmo nos Estados
Unidos, maior potência mundial desde 1913 e o grande vencedor da guerra, os
efeitos seriam catastróficos.
A Turquia perdeu seu secular Império Otomano e mergulhou em uma longa
guerra interna pela sucessão do poder até a elevação de Mustafá Kemal. Durante
esse processo devemos lembrar do massacre dos armênios, o primeiro Holocausto
do século XX. O genocídio que ceifou a vida de aproximadamente um milhão
de armênios. O Irã viu-se mergulhado na disputa de poder interno, fora o jogo
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rais no século XX. Contudo, a
nova Constituição promulgada
em agosto de 1919 trazia consigo
algumas falhas que viriam a ser
utilizadas por golpistas e nazistas.
Ela continha uma cláusula em que,
nos momentos de crise ou ausên-
cia da maioria parlamentar, o Figura 18: Karl Liebknecht, líder socialista assassinado em 1919.
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Figura 19: No alto à esquerda, o crítico literário Figura 20: Combates de rua em Berlim durante o
Gustave Landauer, comissário do povo para a Cultura levante espartaquista, em janeiro de 1919.
na República bávara. No alto à direita, o cadáver de Fonte: Löwy (2009, p. 252).
Karl Liebknecht, assassinado em 15 de janeiro de 1919.
Abaixo, Rosa Luxemburgo.
Fonte: Löwy (2009).
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A recuperação viria lenta e tardiamente, com o presidente Franklin Delano
Roosevelt, em torno de uma economia planejada, inversamente à anarquia defen-
dida pelos liberais. Planejamento econômico e cooperação eram as palavras de
ordem do New Deal (Novo acordo econômico, ou novo modelo econômico)
posto em prática a partir de 1933. Além do planejamento econômico, foram
adotadas medidas para a recuperação da economia e regulamentação do mer-
cado de capitais, bancos e a bolsa.
Nesse processo em que o governo assume “as rédeas da economia”, houve
histeria coletiva dos liberais, temerosos de que os EUA virassem uma economia
planificada ao estilo soviético, que, por sinal, parecia imune à crise. A funda-
mentação teórica do New Deal veio com o economista britânico John Maynard
Keynes e sua obra intitulada Teoria Geral do Emprego, Juros e Moeda, de
1936. O presidente Roosevelt ganhou a fundamentação teórica que precisava
para enfrentar a oposição, a Suprema Corte e os liberais, contrários à interven-
ção estatal na economia.
O keynesianismo – como ficou conhecida a escola de Keynes – tornou-se
um dos modelos de economia mais influentes do século XX e seu autor um dos
maiores economistas daquele século. Seus pressupostos, quase óbvios, é que em
momentos de crise o Estado deveria intervir, financiando o emprego público
em massa, assegurando a assistência social (previdência e seguros desemprego).
Em suma, o que o New Deal fez foi inaugurar o “Estado de bem-estar social”,
ou welfare state.
Fora dos EUA a presença do Estado na economia também crescia conforme a
crise aumentava. A URSS entrava em uma era de rápida industrialização com os
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os litores (legisladores) da Roma antiga carregavam as leis; ele tem por objetivo
simbolizar a unidade nacional. Uma tipologia do fascismo pode ser condensada
nas seguintes características: antiliberalismo, anticomunismo, nacionalismo exa-
cerbado, com uma liderança carismática (o duce para os italianos ou o führer
para os alemães, literalmente significa condutor, líder ou chefe).
Outra característica marcante do fascismo é sua pretensão “totalitária”, em
seduzir toda a população à sua ideologia. Mussolini insistia em que “[...] espiritual
ou materialmente não existiria atividade humana fora do Estado, nesse sentido
o fascismo é totalitário” (apud ARENDT, 1998, p. 198). O termo “totalitarismo”
foi endossado por diversos autores contemporâneos ao fascismo e à Guerra Fria,
como a historiadora Hannah Arendt e seu livro clássico Origens do totalita-
rismo. Contudo, atualmente, alguns pesquisadores como Fábio Bertonha (2008;
2013) e Marc Ferro (1995) consideram a expressão “totalitarismo” vaga e impre-
cisa. Isso porque havia resistência aos regimes fascistas, sobretudo resistência
dos comunistas; nem mesmo Hitler conseguiu 100% de aprovação após subir ao
poder em 1933. Para se chegar à pretensão megalomaníaca em seduzir ou hipno-
tizar toda a sociedade, os fascistas fizeram sim o uso do “autoritarismo”, criando
diversas polícias secretas, inclusive para vigiar os membros do próprio partido.
Se todo Fascismo fosse meramente sinônimo de fanatismo, intolerância ou
autoritarismo, o próprio conceito de fascismo deixaria de existir ou seria redu-
zido ao debate raso e infrutífero do termo. Em outras palavras, “não é possível
ser fascista sem ser intolerante, fanático, irracional, mas o inverso não é verda-
deiro”, esclarece o professor e pesquisador do Fascismo João Fábio Bertonha (2013,
p. 71). Afinal, se Francisco Franco, Salazar, Costa e Silva, Milton Friedman ou
Olavo de Carvalho são todos fascistas, como entender as diferenças entre eles e
com relação a fascistas reais, como Hitler, Mussolini ou Mosley? Essa reflexão
proposta por Fábio Bertonha (2013; 2008) é o ponto-chave para compreender o
fascismo em suas formas políticas e econômicas sem cair nas armadilhas e pre-
conceitos intrínsecos ao nosso problema e objeto.
Nesse sentido, ficam claros enquanto movimentos fascistas típicos o regime
de Mussolini na Itália (1922-1945) e de Hitler na Alemanha (1933-1945), além
de Guarda de Ferro na Romênia e a Cruz em Seta na Hungria. As ditaduras de
Francisco Franco, na Espanha, de Salazar em Portugal, o Estado Novo de Getúlio
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reviver o antigo Império Romano no Mediterrâneo. A segunda experiência impe-
rialista foi o apoio tácito que tanto os italianos quanto os alemães sob Hitler
deram aos golpistas na Guerra Civil Espanhola de 1937.
A Guerra Civil Espanhola de 1937 deixou claro o futuro da Europa. Foi uma
luta de um governo legítimo e democraticamente eleito da República aliado
aos socialistas, comunistas e mesmo anarquistas. De outro lado, estavam os
generais golpistas, insurgentes que se apresentaram como cruzados contra o
comunismo, um conglomerado de direita que ia do fascismo até os monarquistas
(os Carlistas) que recebeu o nome de Falange Tradicionalista Espanhola. Dentre
os generais golpistas estava o jovem Francisco Franco (1892-1975), que, após o
apoio da Alemanha e Itália, governaria ditatorialmente a Espanha até sua morte
(HOBSBAWM, 1995, p. 159).
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em termos políticos e econômicos. Como entender em termos econômicos que
a Alemanha, um dos Estados modernos mais evoluídos, onde viveram homens
como Goethe, Hegel, Marx, Nietzsche, entre outros pensadores, tenha se deixado
cair nas mãos do partido nazista, liderado por um homem como Hitler? Como
entender em termos políticos o clima místico dos rituais nazistas, que seduziram
os alemães como uma hipnose coletiva, uma espécie de anestesiamento coletivo?
Se você já assistiu ao filme “A queda”, do diretor Oliver Hirschbiegel, que
narra os últimos dias do regime nazista pelas memórias da secretária particu-
lar de Hitler, deve se lembrar do depoimento dessa funcionária quando diz, ao
final do filme, que pareciam viver “num pesadelo, do qual não conseguiam acor-
dar”. Nesse sentido, proponho duas vertentes para a análise do fascismo alemão:
a primeira clássica da economia política, que tem em Eric Hobsbawm (1995) o
maior expoente; a segunda, menos ortodoxa, que privilegia aspectos teológicos,
onde se afirma que não é pela teoria econômica que o misticismo do nazismo
pode ser compreendido. Entre os pensadores que analisaram o fascismo por esse
viés estão Walter Benjamin, Ernst Bloch e Wilhelm Reich.
Segundo a escola econômica e materialista de Hobsbawm, foi a Grande
Depressão que transformou Hitler de um fenômeno de periferia em senhor da
Alemanha. Seus argumentos são fundamentados pelo número de votos e da par-
ticipação política dos nazistas antes e depois da crise de 1929. Após a recuperação
econômica com o Plano Dawes de 1923-24, o partido nazista ficou reduzido
à participação insignificante de 2,5 a 3% do eleitorado, o que representa um
quinto do voto do partido comunista (KPD) e um décimo dos social-democratas
(SPD) nas eleições de 1928. Dois anos depois já havia subido para mais de 18%
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Figura 22: Adolf Hitler e a famosa saudação nazista
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É importante notar que a tradição judaica remete ao Êxodo, ou à libertação
dos judeus da escravidão no Egito Antigo. Já instalados na região da Pales-
tina, sua “terra prometida”, os judeus enfrentaram os maiores Impérios da
antiguidade para manter sua religião e costumes. Em 722 a.C., o cruel Im-
pério Assírio. Em 587 a. C., Jerusalém foi conquistada pelos exércitos de Na-
bucodonosor.O período de cativeiro na Babilônia, durante o reinado de Na-
bucodonosor, representou uma verdadeira catástrofe para o povo hebreu.
A destruição do templo em Jerusalém, o fim da monarquia e o novo exílio
forçaram o reavivamento das crenças messiânicas. Mesmo com a relativa au-
tonomia que os persas (Ciro, Imperador persa venceu os caldeus) relegaram
aos povos conquistados, a partir de 540 a.C., a Judeia permaneceria um terri-
tório controlado. Em 330 a.C., Alexandre, o Grande, ao vencer os persas, não
impôs somente um novo governo político aos estrangeiros, impôs também
um imperialismo cultural, o processo de helenização do mundo antigo. A
resistência judaica aos costumes gregos, helênicos, ocorreu entre 167 e 174
a.C., quando os herdeiros de Alexandre tentaram substituir o culto a Javé
pelo deus sírio Baal Shamen. Durante esse processo de resistência, houve a
pregação dos mais importantes profetas judaicos (Isaias, Jeremias, Daniel),
e, na dominação do Império Romano, houve a atuação de Jesus Cristo (Cris-
to, em grego, é a tradução do hebraico Maschiah, ou Messias). Após a cru-
cificação, o livro do Apocalipse (Revelação) remete claramente ao domínio
romano. Finalmente, em 71 d.C., os romanos ocuparam a Palestina e expul-
saram os judeus, processo conhecido como Diáspora, dispersão. Sem pátria,
a etnia semita manteve-se unida pelas tradições do Antigo Testamento e da
Cabala.
Fonte: o autor.
Figura 23: Fachada de Auschwitz, maior campo de concentração nazista, onde estima-se que cerca de dois milhões de
judeus foram mortos.
Mas a “solução final” como extermínio em massa dos judeus da Europa só teve
início em 1942, na Conferência de Wannsee, de caráter secreto e chefiada direta-
mente por Heydrich. Há um bom filme que reconstrói os debates dessa conferência
baseado na ata da reunião, chamado “Conspiração”. A partir de 1942, os judeus
de todos os territórios controlados pelos nazistas foram enviados para os “cam-
pos de concentração”, locais de escravidão, tortura e morte. O maior complexo
de extermínio foi construído na Polônia, o Auschwitz-Birkenau, que aprimorou
a tecnologia da morte com as câmaras de gás venenoso. As estimativas dos ale-
mães são que nada menos de dois milhões de judeus foram ali aniquilados, de um
total de cerca de cinco a seis milhões de judeus mortos pelos nazistas. Esse episó-
dio recebeu o nome de Holocausto, a tentativa de genocídio de toda uma etnia.
O MISTICISMO NAZISTA
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paganda nazista teve como objetivo inaugurar o que Alcir Lenharo chama de
“sistema de delírio”, um anestesiamento coletivo.
Por isso acredito que apenas a teoria econômica, a crise de 1929, a queda do
liberalismo e o revanchismo pelas perdas da Primeira Grande Guerra não expli-
cam o conteúdo místico do nazismo, seu componente teológico de propaganda,
visando atingir o inconsciente coletivo da população – o que o psicanalista Carl
G. Jung chamou de “arquétipos” ou memórias e fantasias primordiais de uma
pré-história tribal. Nesse sentido, a propaganda nazista buscava seduzir os ale-
mães em suas memórias mais íntimas e nas emoções mais sensíveis.
A propaganda visava teatralizar a política, torná-la acessível ao público por
meio apenas de formas artísticas e não práticas ou efetivas. Essa “estetização da
política” dava ao público a impressão de que fazia parte do sistema, de que era
o próprio partido “nacional e socialista”. Nos grandes comícios, desfiles, espe-
táculos esportivos e guerreiros, todos cuidadosamente captados pelas câmeras
de gravação, a massa vê seu próprio rosto, ela tem o direito de exigir ser fil-
mada. Apenas esteticamente, portanto, as massas participam do jogo político
(BENJAMIN, 1994).
sos emotivos de Hitler; na queima de livros proibidos pelo partido, uma mistura
de caça às bruxas com ritual de exorcismo católico; no culto aos mortos, os “már-
tires” do Putsch de Munique, em 1923. Até mesmo as novas bandeiras de novas
unidades das SA e SS eram “batizadas” por Hitler em um ritual místico seme-
lhante à eucaristia do catolicismo. A consagração das bandeiras era algo análogo
à consagração do pão, uma espécie de sacramento (LENHARO, 1989, p. 44).
Alcir Lenharo notou com certo sarcasmo que a ironia do nazismo era come-
morar o nascimento de um judeu (Jesus Cristo) no natal. Abolir a religião da
mentalidade das massas seria como equiparar-se aos comunistas, em grande
maioria ateus e materialistas. Proponho continuarmos essa discussão na “lei-
tura complementar” ao final da unidade, em um texto um pouco mais detalhado
sobre as técnicas de persuasão dos nazistas, o que também nos ajuda a compre-
ender a união alemã em torno do projeto do Terceiro Reich.
Ao contrário de 1914, os soldados não foram à Segunda Guerra “com uma flor
no fuzil” e muito menos cantando os hinos e canções militares. O trauma da
guerra anterior ainda estava presente na memória de toda a Europa. Inversamente
a 1914, quando praticamente todas as grandes nações se lançaram à guerra, em
1939 houve a tentativa de evitá-la até o limite. Nesse sentido, novamente fazendo
referência à Grande Guerra, na qual há uma abundante lista de causas, a causa
da segunda guerra limita-se aos agressores: Alemanha, Japão e Itália. Os demais
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Estados arrastados à guerra, sendo capitalistas (França, Inglaterra e EUA) ou
comunistas (URSS), não queriam o conflito (HOBSBAWM, 1995, p. 43).
Portanto, ainda de acordo com Hobsbawm, o que causou concretamente a
Segunda Guerra Mundial foi a agressão pelas três potências descontentes. Durante
a Guerra Civil Espanhola, as duas potências fascistas fizeram um alinhamento
formal, o Eixo Berlim-Roma; enquanto a Alemanha e Japão concluíam o “Pacto
Anti-Comintern” (antissoviético). O Japão invadiu a Manchúria em 1931; a Itália
ocupou a Albânia e iniciou sua expansão para a África em 1935, na Etiópia; a
intervenção alemã na guerra civil espanhola foi o laboratório bélico para Hitler
invadir a Áustria em 1938 e a Tchecoslováquia no mesmo ano.
Esse processo de conquista e expansão é conhecido como “a gestação da
Segunda Guerra Mundial”. Restam poucos pontos obscuros sobre esse conflito,
os quais procuraremos abordar sucintamente. Um desses pontos mais obscuros
é entender o porquê do acordo entre Hitler e Stalin em 1939, o famoso tratado
Molotov-Ribbentrop, que dividiu a Polônia entre Alemanha e URSS e foi o estopim
para a guerra. Outra questão instigante é compreender as causas do Japão não
ter atacado a URSS em 1941, quando ela estava fragilizada, preferindo enfrentar
a maior potência mundial no Pacífico, os EUA. E o mais surpreendente, como
os americanos “se deixaram” atingir em Pearl Harbor de “surpresa” em dezem-
bro de 1941?
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um ataque coordenado de centenas de tanques, com apoio aéreo e ataques de
artilharia; essa tática permitiu que o Exército alemão conquistasse praticamente
toda a Europa no primeiro semestre de 1940.
Com essa máquina de guerra (Wehrmacht), os alemães levaram apenas três
semanas para conquistar a Polônia em 1939, uma semana para vencer a Dinamarca
em abril de 1940, a Holanda em 5 de maio de 1940, a Bélgica em 28 de maio do
mesmo ano, a Noruega em 10 de junho de 1940 e a França em 14 de junho de
1940. Em pouco mais de seis meses de conflito, todo o continente europeu estava
dominado direta ou indiretamente pelos nazistas. A rendição dos franceses foi
humilhante, uma vez que se sentiam protegidos por uma longa cadeia de fortes
na fronteira com a Alemanha, a Linha Magnot, mas foram pegos pela retaguarda
e, sem defesa apropriada aos aviões da Luftwaffe, capitularam em poucas sema-
nas. O governo foi transferido de Paris para Vichy, um regime colaboracionista
com o Reich, sob a chefia do marechal Pétain.
Pétain tinha sido um herói da Primeira Guerra Mundial, destacando-se
pela famosa batalha de Verdun, onde os alemães foram barrados em 1915. Em
1940, porém, a resistência dos franceses não foi tão ferrenha quanto na experi-
ência anterior. Após sucumbir de forma rápida e devastadora, o general Pétain
foi nomeado chefe do governo com a função de terminar a guerra com os ale-
mães e evitar maiores catástrofes para a França. Ao assinar a paz, ele passa a ter
plenos poderes da Assembleia Legislativa, como presidente do governo de cola-
boração com os nazistas. Na prática, os alemães controlavam indiretamente o
governo francês, mas este também flertava com os aliados, com a resistência do
Partido Comunista e de militares como Charles de Gaulle.
Máxima extensão
do Eixo
Avanço aliado
1942-43 Vitórias do Eixo
1944 Linha de
Maginot
1945
DIA
Beligerantes não-ocupados
FINLÂN
SUÉCIA
Países neutros
EGA
RU
UNIÃ
NO
O
abril 1940
REINO
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DINAMARCA SOVIÉ
TICA
UNIDO
PAÍSES
BAIXOSBÉLGICA
POLÔNIA 1941-1943
ALEMANHA
maio 1940 TCHEC set. 1939
OSLOV
FRANÇA ÁQUIA
SUIÇA ÁUSTRIA HUNGRIA
ROMÊNIA
IUGOSLÁVIA
ITÁ
L
BULGÁRIA
UGA
LIA
ALBÂNIA TURQUIA
GRÉCIA
out. 1940
MALTA
ARGÉLIA
EGITO
abril 1941
LÍBIA dez. 1940
No final de 1940, apenas a Inglaterra resistia. A atuação dos ingleses foi propor-
cionada não apenas pela sua conhecida marinha de guerra, mas pela atuação
da RAF (Royal Air Force). A bravura dos pilotos ingleses levou o novo primeiro
ministro Witston Churchill a declarar que “Nunca tantos deveram tanto a tão
poucos”. No norte da África, local estratégico pelo petróleo, os ingleses barraram
os inicialmente invencíveis Afrika Korps do habilidoso general alemão Rommel,
na batalha de El-Alamein, com o General Montgomery.
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(comunista, extremamente o oposto do nazismo), mas esperava o ataque para
1942 (FERRO, 1995, p. 50-59).
No início de outubro do mesmo ano, os alemães já estavam nos arredores de
Moscou. Mas os russos impuseram ferrenha resistência desde 1942, e os alemães
foram detidos em Stalingrado no início de 1943. A guerra contra os soviéticos
foi muito diferente daquela ocorrida no ocidente europeu. A tática da Blitzkrieg
não surtiu o efeito desejado e os alemães deslocaram cerca de 80% de suas divi-
sões para a frente oriental. Para muitos analistas, a resistência dos russos em
Stalingrado (1942) é a maior batalha de todos os tempos, tanto no que se refere
ao conteúdo das armas utilizadas, quanto ao número de vítimas, estimadas em
quase dois milhões.
A URSS transferiu o grosso de sua indústria e alimentos para o interior do
país, mais de mil e quinhentas fábricas foram removidas, junto com dezesseis
milhões de operários em 1,5 milhões de vagões ferroviários, para além dos mon-
tes Urais. Essa “evacuação” deixou apenas o terreno vazio para Hitler, enquanto
novos armamentos eram desenvolvidos, como os tanques T-34 e os lançadores de
foguetes Katyushka. Assim, saíram das fábricas russas cerca de 200 mil canhões
e morteiros, 160 mil aviões e 100 mil tanques; apenas os EUA foram capazes de
produzir mais armamentos que a União Soviética (BERTONHA, 2011b, p. 89).
Na frente oriental, a partir de 1944, os soviéticos avançam, forçando a ren-
dição da Finlândia, Bulgária, Hungria, Polônia, Romênia, Tchecoslováquia e
Iugoslávia. No dia 2 de maio de 1945, as tropas comunistas tomam Berlim e o
Reichstag (parlamento), pondo fim à guerra na Europa. No contra-ataque sovié-
tico iniciado em 1944 até atingir Berlim em maio de 1945, houve a mobilização
Marc Ferro é um dos historiadores que suspeitam que os EUA não foram
pegos de surpresa em Pear Harbor e que apenas a sucata da marinha Americana
foi destruída naquele ataque. Naturalmente, não há como provar a hipótese, o
que também não a invalida, uma vez que há evidências que a sustentam. Em 1941
(pouco antes de Hitler ordenar a operação Barbarossa), o embaixador japonês
Matsuoka esteve em Berlim para tratar das táticas e alianças mútuas. Ele ouviu
de Hitler que “militarmente a Alemanha não precisa de ajuda... e que não pre-
tendia compartilhar sua vitória com ninguém”. Isso queria dizer, nas entrelinhas,
que o ataque frente aos russos seria unicamente feito pela Alemanha, enquanto
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que ao Japão caberia a luta no Pacífico enfraquecendo o império Britânico.
Outro dado importante é que o secretário de Estado americano Cordell Hull e
o próprio presidente Roosevelt já impunham sansões aos japoneses, sobretudo
de matérias-primas. E o mais importante, desde o verão de 1941 os america-
nos já tinham conseguido decifrar o MAGIC, o código secreto dos japoneses
(FERRO, 1995, p. 80).
Por todas essas evidências, as suspeitas de Marc Ferro, de que os americanos
sabiam ou, no mínimo, imaginavam um ataque japonês no Havaí, são lícitas. O
ataque “surpresa” geralmente leva a opinião pública a apoiar a guerra, era justa-
mente o que Roosevelt precisava para declarar guerra aos países do eixo: apoio
interno. Outro dado marcante é que apenas seis meses depois de Pear Harbor,
em junho de 1942, os americanos já impunham uma grande derrota aos japone-
ses na Batalha de Midway. Pois as perdas humanas e materiais foram mínimas
no Havaí, comparadas com outras grandes batalhas. Nesse sentido, “é dupla-
mente surpreendente que o ataque japonês fosse uma surpresa”, conclui Marc
Ferro (1995, p. 81).
No Pacífico, a guerra teve um desfecho igualmente trágico. O lançamento
das bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki, em 6 e 9 de agosto de 1945,
não foi justificado como indispensável para a vitória, então absolutamente certa
naquele momento, “mas como um meio de salvar vidas de soldados americanos”,
diz Hobsbawm (1995, p. 34). Para os historiadores mais ortodoxos, conservado-
res, o uso de artefatos nucleares serviu para apressar a rendição japonesa, pois os
soldados japoneses lutariam até a morte em caso de invasão por terra dos esta-
dunidenses. Já na versão dos historiadores revisionistas, as bombas sinalizaram
a supremacia dos EUA frente à URSS e não ao Japão propriamente dito. Nessa
perspectiva, os ataques serviram de aviso à Stalin e deram início às hostilidades
da Guerra Fria. Essa segunda versão ganha sustentação se a postura americana
nos tratados de guerra com os vencedores for observada atentamente. Em Teerã
(anterior à Hiroshima), os americanos se portaram de forma conciliatória com
a Grã-Bretanha e URSS; já em Postdan (logo após o ataque nuclear), os EUA, já
com o novo presidente Harry Truman, se mostraram autoritários e impositivos
quanto aos interesses pós-guerra.
Os dados apresentados anteriormente também ajudam a desmistificar a tese
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amplamente divulgada pela mídia de que o “Dia D” foi decisivo para os rumos da
guerra. O desembarque maciço de soldados aliados na região da Normandia, na
França, ocorreu apenas em 6 de junho de 1944. Ora, as batalhas de Stalingrado,
Al-Alamein, Guadalcanal e Midway (todas anteriores a 1944) já haviam selado o
destino da guerra. Em 2 de fevereiro de 1943, o general alemão Paulus, coman-
dante da frente oriental, decide se render, capitulando com cerca de cem mil
homens, contra as ordens de Hitler de lutar até o fim. Consta que Paulus teria
dito que não tinha intenção de suicidar-se “por aquele cabo da Baviera [Hitler]”
(FERRO, 1995, p. 59).
O número de vítimas é estimado em três ou quatro vezes mais que a Primeira
Grande Guerra, ou seja, cerca de 50 milhões de vidas. Alguns países como a
URSS, Polônia e Iugoslávia perderam de 10% a 20% de sua população total. As
baixas de Alemanha, Itália, Japão e China chegam a 6% de seu total. Apenas
Grã-Bretanha, França e EUA tiveram número de vidas inferior a 1914-1918. Os
estadunidenses, vencedores da guerra ao lado da URSS, perderam cerca de 350
mil homens, pouco mais da metade das cifras de sua Guerra civil, a Secessão de
1861-1865, estimadas em 600 mil homens. Ao passo que os soviéticos perderam
dez milhões de soldados e quantidade semelhante de civis na Segunda Guerra
Mundial. Cerca de 80% dos russos do sexo masculino nascidos em 1923 mor-
reram durante a guerra.
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“Seria menor o horror do
holocausto se os histo-
riadores concluíssem que
exterminou não 6 milhões
(estimativa original por
cima, e quase certamente
exagerada), mas 5 ou mesmo
4 milhões?” Ou, então, vinte
milhões de vítimas soviéti-
cas em vez dos estimados
27 milhões?
“Para cada mil guerras não aconteceram dez revoluções; tão difícil é o andar
ereto. E mesmo onde [as revoluções] tiveram êxito, os opressores em geral
pareciam mais substituídos do que abolidos”.
Fonte: Ernst Bloch(2005).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerações Finais
PODER E PERSUASÃO DO TERCEIRO REICH
Até o momento, abordamos a parte “fácil” dos estudos sobre o nazismo, sua trajetória
e características em busca de uma tipologia para análise. Agora, vamos complicar e so-
fisticar um pouco nosso objeto de estudos. Na primeira leitura, as seguintes passagens
podem parecer obscuras, mas, uma vez verificadas atentamente, nos auxiliam a com-
preender melhor o fascismo alemão. O filósofo e historiador judeu-alemão Ernst Bloch
(contemporâneo ao nazismo e exilado nos EUA) desenvolve a “sociologia assincrônica”
da sociedade alemã, escrita na década de 1930, no livro específico sobre a escalada na-
zista chamado Herança desta época.
A teoria da assincronia consiste em demonstrar que nem todos vivem no mesmo Agora,
ou seja, trata da “não simultaneidade dos tempos”. Para Bloch, não existe um paralelis-
mo entre a evolução histórica de diferentes eventos com uma diferente percepção do
tempo. É assincrônico aquilo que não é simultâneo ao capitalismo de respectiva época,
é, portanto,
uma consciência que se coloca de forma oblíqua, ‘atravessada’ em relação às superestru-
turas culturais e espirituais que correspondem ao respectivo nível de desenvolvimento
das forças produtivas e das condições de produção capitalista (MUNSTER, 1997, p. 221).
São formas de consciência nas quais se mantêm elementos do pensamento pré-capita-
lista, pré-industrial, mesmo após esses pressupostos econômicos terem sido liquidados.
Persistindo certo romantismo e aversão ao progresso.
O êxito do nazismo foi conseguir a convergência dos mais diversos tempos existentes na
sociedade alemã no começo do século. Quais seriam esses tempos?
1) Havia, primeiro, os tempos míticos. O “tempo periódico” ou “recorrente” de uma po-
pulação apegada às suas crenças arcaicas, que se expressarão, por exemplo, no mito da
“terra e sangue”. 2) O “tempo messiânico”, que se expressa na Alemanha durante muitos
séculos pela espera do herói político. 3) O “tempo apocalíptico”, que afirma que surgiria
e se instalaria na Europa o Terceiro Reino (Terceiro Reich), o paraíso do Espírito Santo
e da Felicidade. Mito que atravessou não só toda a Europa, como também os séculos
desde Joaquim de Fiore até Hitler, com o seu grotesco e trágico Terceiro Reich. 4) Tem-
pos puramente sociais como o “tempo recessivo”, que caracterizava a visão de mundo
da pequena burguesia, que se encontrava naquela época em recessão econômica e de
inflação, esmagada por uma proletarização de fato à qual só poderia opor uma exalta-
ção moralista das suas impossíveis virtudes. 5) Havia também o “tempo vazio”, o tempo
zero, das grandes massas urbanas. As massas esperavam sair de sua condição miserá-
vel de lumpenproletariat (literalmente Lumpen significa “trapo”) para tornarem-se bons
cidadãos, isto é, pequenos burgueses aceitos e integrados. 6) Havia, enfim, o “tempo
processivo” que valorizava as mudanças – mas de maneira formal somente. Ignorava as
opções, as escolhas e as decisões que cada mudança devia na realidade implicar. Este
tempo era o último traço do “tempo revolucionário socialista” (FURTER, 1974, p. 63-65).
187
Título: A Queda
Ano: 2008
Sinopse: O filme narra os últimos dias de Adolf Hitler e da cúpula nazista
em 1945, protegidos num bunker em Berlim. A atuação do ator Bruno Ganz
é bastante fiel na tentativa de reconstruir os trejeitos e a personalidade de
Adolf Hitler. Baseado no depoimento de Traudl Junge, secretária particular
de Hitler, e na obra do escritor Joachin Fest, um renomado pesquisador
do nazismo.O filme vale ser assistido não apenas pela atuação dos atores,
mas pela releitura do clima persuasivo e autoritário dos nazistas sobre a
população, resignada.
Material Complementar
MATERIAL COMPLEMENTAR
Título: O tambor
Ano: 1979
Sinopse: Filme dirigido por Volker Schlöndorff, vencedor do Oscar
de melhor filme estrangeiro, baseado na obra do renomado escritor
alemão Günter Grass. Uma das raras obras que descreve a atuação
do regime nazista por meio da família alemã. Na trama, um menino
recusa-se a crescer, a se tornar adulto. Mas ele tem o um dom, o grito e
um instrumento, o tambor. Na prática, Günter Grass descreve o próprio
Hitler como um menino que se recusou a esquecer do trauma da Primeira
Guerra, com o dom do grito (oratória) e o tambor, representando a guerra.
V
UNIDADE
DA HISTÓRIA” (1945-2001)
Objetivos de Aprendizagem
■■ Compreender o período da Guerra Fria e a possibilidade de extinção
da humanidade.
■■ Analisar a divisão bilateral do poder no pós Segunda Guerra.
■■ Verificar os desdobramentos da Guerra Fria no Terceiro Mundo.
■■ Apreender a globalização, a descolonização e o pensamento
econômico do neoliberalismo.
■■ Entender as causas da queda do Muro de Berlim e da URSS.
■■ Refletir sobre o “fim da história” de Francis Fukuyama e sobre o 11 de
setembro de 2001.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ A Guerra Fria e o isolamento da URSS
■■ A Guerra Fria no terceiro mundo
■■ Globalização, descolonização e neoliberalismo
■■ A queda do muro de Berlim e o fim do socialismo real
195
INTRODUÇÃO
“Da Guerra Fria ao ‘fim da história’”, título utilizado para esta unidade, tem uma
dupla conotação, um sentido figurado e outro prático. Não apenas quanto à pos-
sibilidade eminente e efetiva de extermínio e extinção da espécie humana, mas
também teoricamente. Em 1992, Francis Fukuyama publicou “O fim da histó-
ria e o último homem”. Sua tese apressada era que se inauguraria uma nova era
de equilíbrio, pacifismo e o fim das contradições, com o fim da oposição entre
capitalismo e comunismo. O que se viu foi exatamente o oposto.
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Introdução
196 UNIDADE V
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A GUERRA FRIA E O ISOLAMENTO DA URSS
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comunistas e capitalistas. Por quase um ano a população (cerca de 2,5 milhões
de pessoas) da parte ocidental de Berlim foi abastecida apenas por aviões ameri-
canos, ingleses e franceses. Em 23 de maio de 1949, foi proclamada a existência
da República Federal da Alemanha, no ocidente; poucos meses depois, Moscou
instalava a rival República Democrática Alemã (Alemanha Oriental). Considero
esse o marco inicial da Guerra Fria.
UNIÃO SOVIÉTICA
ESTADOS
UNIDOS
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ses que tinham adquirido fama de bravura na luta contra os EUA no Pacífico.
A rápida e devastadora vitória do Exército Vermelho na Ásia foi respondida
com os ataques com armas nucleares pelos americanos. Isso aumentou o
prestígio da luta em terra dos soviéticos e da tecnologia nuclear americana,
o que contribuiu para iniciar a rivalidade entre as duas superpotências. Por
outro lado, o poderio e a influência da URSS se tornaram patentes na China
e Coreia. Os EUA responderam não permitindo que os soviéticos tomassem
parte na reconstrução japonesa.
Fonte: o autor.
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níveis em torno de 40% superiores aos de antes da guerra, e a produção
agrícola ultrapassava em cerca de 10% os padrões da década de 1930
(LEUCHTEBURG, 2008, p. 613).
Esse desempenho excepcional só foi possível por que os EUA haviam saído da
guerra mundial muito mais fortes do que entraram. Em um mundo devastado
e empobrecido pela guerra, os EUA eram
a grande exceção, produzindo, em 1945,
50% do PIB mundial e controlando 2/3 das
reservas de ouro e metade do transporte
marítimo do mundo (BERTONHA, 2011b).
A União Soviética, por outro lado,
emergiu como um gigante militar, porém
economicamente pobre. A devastação cau-
sada pelos nazistas em seus territórios e os
mais de 25 milhões de mortos causou um
grande desequilíbrio interno. Ainda que a
URSS tivesse restaurado e aumentado os
antigos territórios do czar, a reconstrução
interna seria prioridade. Isso fica evidente
na recusa do Kremlin em apoiar revolu-
ções comunistas fora da URSS. Suas ações
visavam fortalecer a própria URSS e con-
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Na região do Oriente Médio, porém, o relaxamento das tensões da Guer-
ra Fria (Détente) não surtiu efeito, pelo contrário, em alguns momentos, a
tensão entre Israel e os países árabes esteve próxima de desencadear uma
guerra em cadeia mundial. Israel foi oficialmente criado em 1948, pela ONU,
como forma de restabelecer os judeus à sua “terra prometida”. A proposta
inicial era dividir a região da Palestina e Jerusalém entre árabes e judeus.
No entanto, as tensões chegaram ao clímax em 1967, levando a uma rápida
guerra entre Israel e uma coalizão do Egito, Síria e Jordânia, apoiados ainda
por Kuwait, Iraque, Arábia Saudita, Argélia e Sudão. Apesar da desvantagem
numérica, a vitória israelense foi notória. Em menos de uma semana, os ju-
deus haviam conquistado toda a Palestina, com mortes de menos de mil
soldados, ao passo que, entre os árabes, as mortes passaram dos 15 mil.
Com a vitória, Israel estabeleceu seu domínio na região, mas ao mesmo
tempo privou os palestinos de seu Estado (Jordânia). Como consequência,
houve a criação de organismos armados, como o Fatah, liderados por Yasser
Arafat e a aproximação dos árabes com a URSS.
Fonte: o autor.
PALESTINA ISRAEL
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Roger Moore, o Bond dos anos 1980, e com Pierce Brosnan, nos anos 1990, que
pareciam agentes de férias. Com Daniel Craig, o atual 007, o agente passa a ser
mais humano e realista, mais verossímil com a realidade. Mas, ainda assim, tra-
ta-se de uma série fantasiosa e talvez por isso mesmo tenha feito tanto sucesso.
Se você quer assistir a algo realista, recomendo “Munique”, do diretor Steven
Spilberg, que aborda a atuação do temido serviço secreto israelense, o Mossad.
A atuação do agente James Bond pelo MI6 (Serviço Secreto Britânico) leva
o próprio espectador a fazer parte da Guerra Fria. Veja bem que 007 não é ame-
ricano nem soviético. É certo que as maiores agências de inteligência e contra
espionagem foram a CIA e a KGB (americana e soviética, respectivamente). Essa
“imparcialidade” proposital induz o telespectador a tomar partido “inconscien-
temente”. Ao ver James Bond vencer metade da Spectre (representação da KGB)
sem derramar uma gota de suor, saindo com as mulheres mais belas, nos melhores
carros; ora, trata-se de uma propaganda capitalista deliberada. Processo seme-
lhante ocorre com o soldado Rambo, que vence metade do exército soviético no
Afeganistão com armas brancas.
Ademais, os dois primeiros filmes de 007 na década de 1960 abordam o pro-
blema das armas nucleares (“007 contra o satânico dr. No” e “Moscou contra
007”); na minha modesta opinião,são os melhores filmes de toda a série, ao lado
de “Cassino Royale”, de 2006. O que quero dizer é que o filme vende um estilo
de vida e demonstra a eficácia da propaganda cinematográfica de Hollywood.
Indiretamente, ele leva a população do terceiro mundo para dentro da Guerra
Fria, a tomar partido. Essa “estética da Guerra Fria” teve surpreendentes resul-
tados nas áreas descolonizadas e que não foram beneficiadas pelas políticas do
Plano Marshall, restrito à Europa e Japão. Não houve política econômica dos
EUA para o Terceiro Mundo, à exceção da insignificante “Aliança para o pro-
gresso”, de John Kennedy, que ocorreu justamente após a queda de Cuba para o
lado comunista, em 1959. A meu ver, houve uma espécie de colonização estética,
visual, onde o poder de consumo era precário nos países periféricos, consumia-
-se imagens, ilusões do “american way of life”, o estilo de vida americano.
Falar em welfare-state, o Estado de bem-estar social dos anos 1950-60, equi-
vale a situar a discussão nos EUA, Europa e Japão. A URSS também gozava de
pleno emprego e situação econômica favorável no pós-guerra. Todavia, o ter-
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CHINA
Intervenção chinesa
outubro 1950
Antung
Pyongyang CORÉIA
DO NORTE
Panmunjom
Seul
Avanço norte-coreano
15/9/1950
Avanço máximo da ONU
24/11/1950
CORÉIA
Avanço máximo das tropas
chinesas e norte-coreanas
DO SUL Taegu
25/1/1951
Linha do armistício
27/7/1953
Intervenção norte-americana
Não existem provas suficientes para afirmar que a invasão da Coreia do Sul foi
arquitetada diretamente por Moscou e Stalin. Mas também é pouco provável
que tenha se tratado de uma invasão espontânea e autônoma dos norte-core-
anos, tendo em vista a centralização do Partido Comunista, em que todas as
decisões vinham de cima. Nesse sentido, é lícito supor que os soviéticos viam o
leste asiático como sua zona de influência, assim como o leste europeu, supondo
que os americanos não reagiriam ao ataque. Não foi o que Truman pensou. Em
um discurso que se tornou célebre durante os anos de Guerra Fria, o presidente
americano afirmou que onde os fortes atacaram os fracos, como na Manchúria,
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Figura 31: Uma das imagens mais emblemáticas e reproduzidas no século XX. Vítimas de um ataque americano com Napalm
(bomba incendiária). Ao centro, a menina Kim Phuc, com as roupas e a pele devastadas pelo Napalm.
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O virtual equilíbrio das superpotências na Guerra Fria ficou evidente em 1955,
no episódio do ataque conjunto de Israel, França e Inglaterra ao Egito de Gamal
Abdel Nasser. Washington reagiu atônito ao ataque desmedido, temendo que
isso servisse de pretexto para os países da África e Oriente Médio aliarem-se
a Moscou. O governo do Kremlin também hesitou em intervir, pois a política
externa de Nikita Kruchev era mais comedida que a de Stalin, embora tenha inva-
dido a Hungria em 1956. Mas frente à ascensão da União Soviética no Oriente
Médio, o presidente americano Eisenhower (1953-1961) endossou a promessa
de assistência a qualquer país que fosse ameaçado de agressão comunista. Em
1955, aprovou 200 milhões de dólares aos regimes amigos no Oriente Médio.
Onde não havia a possibilidade de “auxiliar os regimes amigos”, os EUA entra-
ram com o “auxílio” militar. Foi o que ocorreu na Indochina (Laos, Camboja e
Vietnã), uma região estratégica no sudeste da China, controlada pela França depois
da Segunda Guerra Mundial, mas com um histórico de ferrenha luta nacionalista
anticolonial. Ho Chi Minh tornou-se o principal líder da resistência, com forte
teor comunista. Após sucessivas e humilhantes derrotas, o exército francês ren-
deu-se em 1954, o que acendeu o alerta em Washington. Em uma conferência
de paz em Genebra, em 1955, ficou decidido que Laos e Camboja seriam neu-
tralizados; Ho Chi Minh ficaria com a parte norte do Vietnã e os franceses com
o sul, até que fossem realizadas eleições. Em suma, o caso do Vietnã seguiu a
lógica de Alemanha e Coreia, divididas pelas superpotências. Quando a França
saiu do Vietnã do Sul, os Estados Unidos entraram.
CHINA
VIETNÃ
DO NORTE
Golfo de
Tonkin
LAOS Vinh
TAILÂNDIA
CAMBOJA VIETNÃ
DO SUL
Rota de Ho Chi Minh
Áreas controladas pela Saigon
Frente de Libertação Nacional
Áreas controladas pelo
governo de Saigon
Áreas contestadas
7ª esquadra
norte-americana (1964)
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A GUERRA FRIA NA AMÉRICA LATINA
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A Revolução Cubana de 1959 foi apenas o reflexo de meio século de ditadu-
ra e exploração da ilha. Cuba tornou-se “independente” da Espanha depois
que os EUA venceram os espanhóis em 1898, retirando dos castelhanos sua
“última joia”, como se referiam a Cuba, além de Porto Rico e das Filipinas,
no Pacífico. Após a vitória, os americanos chegaram a cogitar a hipótese de
anexar Cuba como mais um Estado da Federação. Isso não ocorreu diante
das teses racistas dos políticos estadunidenses, relutantes em aceitar uma
população eminentemente negra, e pelo fato de Cuba produzir grande
quantidade de cana de açúcar, o que levaria a uma competição interna com
os produtores de açúcar de beterraba, no sul dos EUA. Mas diante de um
grande debate no Congresso, os americanos preferiram apenas elevar Cuba
ao status de protetorado dos EUA. Na prática, a ilha tornava-se politicamen-
te “independente”, mas dependente economicamente.
Esse cenário persistiu por toda a primeira metade do século XX, em que o
desemprego ultrapassava os 20% na ditadura de Batista. Foi quando um
grupo de jovens revolucionários liderados por Fidel Castro e Ernesto Gueva-
ra de la Serna (Che Guevara) conquistou o apoio da população até a deposi-
ção do ditador Fulgencio Batista.
Fonte: Schoultz (2000).
GLOBALIZAÇÃO, DESCOLONIZAÇÃO E
NEOLIBERALISMO
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São termos que nos ajudam a pensar o conceito de globalização, mas, rela-
cionada à dinâmica da Guerra Fria, essa denominação pode ser ainda mais
expandida. Trata-se, sobretudo, de um processo de ocidentalização da cultura,
de construir uma sociedade homogênea que não permite diversidade cultural.
As culturas diferentes tendem a ser vistas como algo exótico, fora da sociedade,
mero folclore. A globalização pressupõe, assim, um modelo único de cultura,
de agir, de visão de mundo, de economia e de política.
Mas qual a relação da globalização com a Guerra Fria? Essa é a grande ques-
tão a ser pensada nesse tópico. Vimos anteriormente que a divisão bipolar do
mundo entre as duas superpotências moldou a disputa por áreas de influência
na segunda metade do século XX. Se as armas nucleares não permitiam a con-
quista formal do inimigo, o que levaria à destruição mútua de toda a espécie
humana, a forma mais eficaz de controle e persuasão é naturalmente a domi-
nação cultural. Há dois conceitos desenvolvidos pelo professor Fábio Bertonha
que permitem elucidar essa questão. Esse pesquisador da Era Contemporânea
nos ensina que não existe apenas a forma de dominação militar, bruta, autori-
tária (o que ele chama de Hard Power, ou poder forte). Há outros elementos tão
ou mais eficientes que o controle militar, como a dominação simbólica ou cul-
tural (que ele denomina de Soft Power, ou poder leve).
A tese de Fábio Bertonha (2011) faz todo sentido se pensarmos que nem
mesmo o Império Romano dominou todas as suas colônias exclusivamente com
o poderio militar. Havia um acordo tácito de proteção e cooperação entre as elites
de dominantes e dominados para evitar as guerras. Processo semelhante ocor-
reu durante a Guerra Fria, uma vez que EUA e URSS formaram, na perspectiva
O NEOLIBERALISMO
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Serfdom). O alvo direto do fundador do neoliberalismo era o Partido Trabalhista
Inglês, mas, indiretamente, visava atingir as teses do modelo keynesiano de eco-
nomia, ou seja, o Estado de bem-estar social na Europa e o New Deal nos EUA.
O modelo descrito por Keynes se sobressaiu no pós-guerra, com o Estado pater-
nalista, pleno emprego e condições razoáveis de igualdade entre os trabalhadores,
além de um movimento sindical forte e articulado politicamente.
A tese central de Hayek, em O caminho da servidão, é que o Estado inter-
vencionista limita as ações individuais dos cidadãos. Isso levaria, indiretamente,
a uma servidão moderna, como ocorrera na Alemanha de Hitler. Desafiando o
consenso oficial da época, Hayek argumentava que a desigualdade era um valor
positivo – na realidade, imprescindível em si –, pois disso precisavam as socieda-
des ocidentais. Nesse sentido, a igualdade promovida pelo Estado de bem-estar
destruía a liberdade dos cidadãos e a vitalidade da concorrência, da qual depen-
dia a prosperidade de todos (ANDERSON, 1995).
Naquele momento (1944-45), as teses de Hayek não faziam muito sentido,
eram, na verdade, um contrassenso. A Europa e o Japão encontravam-se devasta-
dos e a reconstrução caberia ao Estado, financiado pelas políticas econômicas do
Plano Marshall; apenas em alguns pontos específicos a iniciativa privada poderia
contribuir. Além do mais, havia o socialismo como parâmetro para uma igual-
dade de fato, o que inibia e balizava as ações predatórias dos capitalistas. Nesse
sentido, pode-se dizer que a classe trabalhadora vivenciou uma era de ouro nos
anos de 1950-60, com o desenvolvimento pleno do capitalismo no pós-guerra.
Por essa razão, não pareciam muito verossímeis os avisos neoliberais dos
perigos que representavam qualquer regulação do mercado por parte do Estado.
Isso fica claro no exemplo da França, que demorou a seguir o exemplo da vizi-
nha Inglaterra. Contudo, em meados da década de 1980, os níveis de desemprego
eram maiores na França socialista moderada, que na Inglaterra conservadora e
neoliberal, como Thatcher se gabava em repetir.
Na América Latina, a experiência chilena sob a ditadura de Augusto Pinochet
[1973-1990] tornou-se pioneira na aplicação dos princípios neoliberais. No Chile,
porém, a influência para as reformas veio da Escola de Chicago, encabeçada por
Milton Friedman, antigo participante da sociedade de Mont Pèlerin e também
adepto das teses de Hayek e da Escola Austríaca de economia.
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Outro fator econômico foi muito mais eficaz para a aplicação das políticas
neoliberais na América do Sul que a ditadura: a hiperinflação. Brasil, Argentina,
Peru, Bolívia, quase todos os países da região sofreram com esse problema crônico
durante as décadas de 1980 e 1990. Diante desse caos econômico e desvalorização
contínua da moeda, o neoliberalismo entrou como uma “medicina deflacionária
drástica”, um remédio com graves efeitos colaterais (desemprego, desigualdade,
pobreza), mas a única solução conhecida naquele momento.
Para conter a hiperinflação, as medidas neoliberais mostraram-se eficazes,
o “paciente” estaria curado de um de seus males, mas irremediavelmente doente
pelos efeitos colaterais da medida econômica. As taxas de crescimento dos anos
1990 não foram maiores que as anteriores, mas politicamente o neoliberalismo
triunfou como movimento ideológico em escala verdadeiramente mundial,
como o capitalismo jamais havia produzido no passado. “Trata-se de um corpo
de doutrina coerente, autoconsciente, militante, lucidamente decidido a trans-
formar todo o mundo à sua imagem, em sua ambição estrutural e sua extensão
internacional”, conclui Perry Anderson (1995, p. 38).
atualmente, o que vemos é um processo inverso, em que o Estado não tem fun-
ção de investir no indivíduo. Uma tese contraditória em si.
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da Revolução Russa degenerou-se na burocracia estatal de Stalin, o que foi con-
vertido em autoritarismo. Há indícios de que o socialismo na antiga Iugoslávia
foi mais democrático que o modelo soviético.
No entanto, em se tratando de termos conceituais, não há como divergir de
que a União Soviética tentou construir um regime socialista, ela falhou na ten-
tativa de chegar ao comunismo, por diversos fatores, entre eles a concorrência
desenfreada com o capitalismo ocidental. O ideário do neoliberalismo havia sem-
pre incluído, como componente central, o anticomunismo mais intransigente de
todas as correntes capitalistas do pós-guerra. Portanto, compreender os motivos
da queda da URSS requer o conhecimento prévio de toda a Guerra Fria, da glo-
balização e do neoliberalismo. São temas que em conjunto formaram um “tipo
ideal” de contenção comunista.
Já no final da década de 1970, a economia soviética dava sinais de ligeira
diminuição de ritmo. Daí em diante a taxa de crescimento caiu constantemente,
incluindo o Produto Interno Bruto (PIB), a produção industrial, agrícola e a
renda per capta. Mesmo o índice de expectativa de vida era menor na URSS
que em países da Europa, EUA e Cuba. Como Eric Hobsbawm (1995, p. 248)
notou com perspicácia, “o paradoxo da Guerra Fria é que o que derrotou e aca-
bou despedaçando a URSS não foi o confronto, mas a détente”. Estranhamente,
o bloco soviético começou a declinar no mesmo momento em que as tensões
com o Tio Sam diminuíam.
O período do governo de Leonid Brejnev [1964-1982] marca tanto a Idade
de Ouro dos soviéticos quanto o início da decadência. Brejnev, sucessor de Nikita
Kruchev, ficou marcado como uma combinação de incompetência e corrupção,
tornada mais evidente que a URSS operava basicamente por um sistema de patro-
nato, nepotismo e suborno. No início da década de 1980, a Europa Oriental se
encontrava em uma aguda crise de energia. Isso produziu a escassez de alimen-
tos e bens manufaturados (HOBSBAWM, 1995, p. 459).
Para completar a crise, os russos insistiram na intervenção armada no
Afeganistão, ocupado em 1989. Segundo alguns analistas, houve a montagem,
uma estratégia forçando o expansionismo soviético em uma região inóspita e
com histórico de ferrenha resistência. Quando os russos cruzaram as fronteiras
do Afeganistão, um político americano influente afirmou com notoriedade: “eles
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primeiros a colocar um satélite na órbita da Terra e a enviar uma nave tripulada
para o espaço. Porém essa tecnologia ficou restrita à centralização do Estado, não
houve a expansão desse pioneirismo em escala populacional, para o mercado
interno, o que tornou a URSS praticamente inoperante na revolução tecnoló-
gica da informática, robótica e biotecnologia.
Dentro dessa paralisação, imobilitismo, estagnação da economia, diversos
debates foram travados no interior do Partido Comunista para tentar recupe-
rar a pujança dos velhos tempos. Das alternativas, a primeira seria fortalecer
ainda mais o aparato do Estado sobre a população, como nos tempos de Stalin; a
segunda opção seria reformar o sistema a partir de dentro. A segunda alternativa
sagrou-se vitoriosa com a ascensão de Mikhail Gorbachev ao poder, em 1985.
Gorbachev não pretendia eliminar o socialismo como modelo econômico
predominante da URSS, pois havia uma sólida tradição comunista desde os tem-
pos de Lênin que impedia sua supressão. O objetivo claro era a reforma política e
econômica para dar dinamismo ao sistema. Dessa forma, Gorbachev lançou sua
campanha para transformar o socialismo soviético com os slogans Perestroica
(reestruturação da economia política) e Glasnost (transparência ou liberdade de
informação). A Glasnost tinha objetivos meramente publicitários, visando apro-
ximar o povo do Partido e dar a este uma nova legitimidade. Assim, a censura foi
abolida e a liberdade de expressão incentivada, além de certa autonomia local e
descentralizada. Com a Perestroica, procurou-se descentralizar o planejamento
econômico, estimulando a iniciativa individual dos camponeses e operários.
Como escreve Fábio Bertonha (2011b, p. 110),
bastante diversas dos primórdios da URSS. Como bem diz Hobsbawm (1995),
democratizar exércitos não melhora sua eficiência. Os reformadores desejavam
ter as vantagens do capitalismo sem perder as do socialismo. Em resumo:
O que levou a União Soviética com rapidez crescente para o precipí-
cio foi a combinação de glasnost, que equivalia à desintegração da au-
toridade, com uma perestróica que equivalia à destruição dos velhos
mecanismos que faziam a economia mundial funcionar, sem oferecer
qualquer alternativa (HOBSBAWM, 1995, p. 468).
Foi uma combinação explosiva, uma vez que solapou as rasas fundações da
unidade econômica da URSS. Ao mesmo tempo em que a Glasnost permitiu a
contestação do bloco soviético, fomentando as elites regionais à independência,
a Perestroica deu-lhes o fundamento econômico para isso, isto é, a participa-
ção na sociedade capitalista. Com isso o Estado socialista praticamente deixou
de existir, extinguiu-se.
Assim como a criação do Estado de direito na Revolução Francesa contri-
buiu para a queda dos muros da Bastilha em 1789, as reformas de Gorbachev
aceleraram a queda do Muro de Berlim em 1989. Duzentos anos separam os dois
eventos, mas a comparação demonstra a força das instituições democráticas na
História e o potencial revolucionário que possuem.
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quando o capitalismo não mais fosse capaz de atender às necessidades básicas
do ser humano. Pode-se dizer que o socialismo soviético foi bastante precoce e
ocorreu em um país que ainda não possuía as condições efetivas para seu desen-
volvimento. Ainda assim as realizações dos russos no século XX são notáveis.
A industrialização de um país semifeudal, a vitória frente ao Terceiro Reich de
Hitler e a paridade com a maior economia do mundo, os EUA, mostram que a
Revolução de Outubro de 1917 não foi despropositada.
Friedrich Engels, certa vez, tentando elucidar a questão de como seria a
transição do socialismo para o comunismo, disse que, quando houvesse tal pos-
sibilidade, o Estado praticamente se extinguiria, deixaria de existir. Em vez de
chegar ao comunismo, o socialismo soviético chegou ao... capitalismo, com a
extinção do Estado socialista.
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o sistema global, militar e econômico de influência americana. Nesse sentido, o
ataque às Torres Gêmeas no World Trade Center, o onze de setembro de 2001,
representou a oportunidade de recriar um vilão, um inimigo e referendar os EUA
como “defensores da liberdade” no ocidente.
Nesse sentido, o 11 de setembro de 2001 representou um instrumento efi-
ciente para justificar a manutenção de todo esse sistema. Para alguns analistas,
pode-se comparar o ataque terrorista de 2001 com o ataque japonês a Pear
Harbor, em 1941. Essa analogia nos ajuda a compreender a forma como o jogo
político ocorre na era Pós-moderna, depois da queda do Muro de Berlim, em
um mundo unilateral, hegemônico. É preciso eleger sempre novos inimigos para
justificar o expansionismo e as invasões. O 11 de setembro serviu de pretexto
para o ataque americano ao Afeganistão em 2001 e para a invasão do Iraque em
2003. Como álibi, os americanos usaram a suspeita da captura do inimigo invi-
sível Osama Bin Laden, no Afeganistão, e a desmontagem da Al Qaeda e dos
Talibãs; no Iraque, a alegação da invasão foi a misteriosa produção de armas quí-
micas de Saddam Hussein. Como ficou provado, não havia armas químicas no
Iraque, muito menos tecnologia militar nuclear, foi um ataque meticuloso para
levar à força os interesses americanos pelo Oriente Médio, antes que China o
fizesse. Árabes e chineses são os novos inimigos eleitos dos EUA no século XXI.
Enfim, o que ocorreu após o onze de setembro de 2001 ainda está sendo anali-
sado e escrito, por isso o ciclo da história contemporânea encerra-se nessa data.
O que veio depois é estudado como “tempo presente” e descrito como pós-mo-
dernidade. Mas se você deseja conhecer uma análise detalhada do mundo pós
11 de setembro, recomendo o livro do filósofo esloveno Slavoj Žižek, muito
bem intitulado “Bem vindo ao deserto do real”. Žižek simplesmente esmiúça
de forma visceral a realidade virtual em que vivemos, moldada pela superficia-
lidade das mídias, pelo comodismo das telas em terceira dimensão, enfim, um
mundo em que pouca coisa pode ser considerada real. A realidade do entrete-
nimento impede a visão da realidade de fato. E isso é um objeto de análise dos
próximos historiadores e professores do século XXI. É um trabalho desafiador,
mas também estimulante.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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a análise prévia do liberalismo (pensamento burguês pós Revolução Francesa)
e do socialismo (doutrina oposta ao liberalismo), que nasce como seu antago-
nista. Essa interface teórica e prática permite uma análise mais específica sobre
a Guerra Fria, em que há um choque dialético e cultural entre as duas versões
de economia, ideologia e de História.
Outro ponto digno de nota é a militância política de Hobsbawm após a
queda do Muro de Berlim, em 1989, e do consequente ceticismo que se instaurou
entre as esquerdas em um momento de – pode-se dizer – hegemonia neoliberal
na década de 1990. A crença quase mitológica na “mão invisível” do mercado
que se autorregula, em um período em que as profecias mais apressadas chega-
ram a prever o “fim da História”, como em Fukuyama, caiu por terra logo após
o colapso do bloco soviético. A ilusão de que tudo adiante seria liberal e livre
mercado foi logo desmistificado com as guerras, políticas protecionistas e orga-
nização de blocos econômicos locais. Para Hobsbawm, enquanto houve uma
alternativa ao capitalismo liberal, as classes trabalhadoras conquistaram direitos
como nunca antes, o famoso Estado de bem-estar social e as políticas keynesianas.
Como afirma Martins (2010, p. 84), por mais que o modelo de socialismo real
não tenha sido o ideal, ele teve o efeito de “corrigir os excessos do capitalismo”.
O espírito do capitalismo não tem a ética protestante, parafraseando o soció-
logo Max Weber (A ética protestante e o espírito do capitalismo). Nesse sentido,
a metodologia de “escovar a história a contrapelo” torna-se indispensável na
modernidade.
4. “O que levou a União Soviética com rapidez crescente para o precipício foi a
combinação de glasnost, que equivalia à desintegração da autoridade, com
uma perestróica, que equivalia à destruição dos velhos mecanismos que faziam
a economia mundial funcionar, sem oferecer qualquer alternativa”(HOBSBAWM,
1995, p. 468).Quanto à definição do conceito de glasnost e perestroica, assi-
nale a alternativa correta:
a) Glasnost significa modernização do sistema, e Perestroica, abertura política.
b) Perestroica significa reestruturação da economia política, e Glasnost, transpa-
rência ou liberdade de informação.
c) Glasnost significa reestruturação da economia política, e Perestroica, transpa-
rência ou liberdade de informação.
d) Perestroica significa abertura política, e Glasnost equivale ao controle do Estado
na economia.
e) Glasnost significa abertura política, e Perestroica equivale ao controle do Estado
na economia.
MATERIAL COMPLEMENTAR
Material Complementar
MATERIAL COMPLEMENTAR
Título: Munique
Ano: 2005
Sinopse: Filme dirigido por Steven Spielberg que retrata a atuação
do serviço secreto israelense, o Massad. Roteiro bastante realista e
fiel aos evento que deram origem ao longa, o ataque terrorista contra
a delegação israelense nas Olimpíadas de Munique em 1972 e a
consequente caçada dos agentes de Israel aos árabes.
Título: Platoon
Ano: 1986
Sinopse: Do gênero de drama de guerra e dirigido por Oliver Stone, o
filme é considerado por muitos críticos como a melhor montagem de
guerra de todos os tempos, ao lado de “O resgate do soldado Ryan”. O
cenário para o filme é a Guerra do Vietnã e a dinâmica da Guerra Fria.
237
CONCLUSÃO
SOUSA, R. B. “Aqui é da terra que se sobe ao céu”: Marx, Engels e a religião. Acta
Scientiarum. Human and Social Sciences.Uem, Maringá, v.35, n.1, p. 115-126,
2013.
_____. “Estetização da política e politização da arte”: a estética do fascismo nas obras
de Walter Benjamin. Revista Espaço Acadêmico, Uem, n. 171, agosto de 2015.
THOMSON, D. Pequena História do Mundo Contemporâneo, 1914-1961. Rio de
Janeiro: Zahar, 1986.
THOMPSON, E. P. Costumes em Comum. São Paulo: Cia das Letras, 1998.
_____. A formação da classe operária inglesa. Tradução de Denise Bottman. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1987. (3 volumes).
TOCQUEVILLE, A. de. O antigo regime e a revolução. Brasília: Editora UNB, 1997.
WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo. Tradução de Irene e
Tomás Szmrecsánui. 3. ed. São Paulo: Pioneira, 1983.
WILLIAMS, R. O campo e a Cidade na história e na literatura. São Paulo: Cia da
Letras, 1989.
_____. Cultura e Imperialismo. São Paulo: Editora Unesp, 2011.
WILSON, E. Rumo à estação Finlândia: escritores e atores da história. São Paulo: Cia
das Letras, 1994.
YOUNG, P. A Segunda Guerra Mundial. São Paulo: Circuito do Livro/Melhoramen-
tos, 1980.
245
GABARITO
UNIDADE 1
1. Opção correta é a C.
2. Opção correta é a C.
3. Opção correta é a A.
4. Opção correta é a C.
5. Opção correta é a C.
UNIDADE 2
1. Opção correta é a D.
2. Opção correta é a A.
3. Opção correta é a C.
4. Opção correta é a E.
UNIDADE 3
1. Opção correta é a D.
2. Opção correta é a D.
3. Opção correta é a B.
4. Opção correta é a E.
UNIDADE 4
1. Opção correta é a D.
2. Opção correta é a E.
3. Opção correta é a C.
4. Opção correta é a B.
UNIDADE 5
1. Opção correta é a D.
2. Opção correta é a A.
3. Opção correta é a B.
4. Opção correta é a B.