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LITERATURAS EM

LÍNGUA INGLESA II

Professor Dr. Silvio Ruiz Paradiso

GRADUAÇÃO

Unicesumar
RReitor
Wilson de Matos Silva
Vice-Reitor
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de Administração
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de EAD
Willian Victor Kendrick de Matos Silva
Presidente da Mantenedora
Cláudio Ferdinandi

NEAD - Núcleo de Educação a Distância


Direção Operacional de Ensino
Kátia Coelho
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Direção de Polos Próprios
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Direção de Desenvolvimento
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Supervisão do Núcleo de Produção de
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Supervisão de Projetos Especiais
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Coordenador de Conteúdo
Fabiane Carniel
Design Educacional
C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Maria Fernanda Vasconcelos
Distância; PARADISO, Silvio Ruiz
Iconografia
Literaturas em Língua Inglesa II. Silvio Ruiz Paradiso. Amanda Peçanha dos Santos
Maringá-Pr.: UniCesumar, 2015. Reimpresso em 2020. Ana Carolina Martins Prado
216 p.
“Graduação - EaD”. Projeto Gráfico
Jaime de Marchi Junior
1. Literaturas. 2. Língua Inglesa. 3. EaD. I. Título. José Jhonny Coelho
ISBN 978-85-459-0131-0 Arte Capa
CDD - 22 ed. 820 Arthur Cantareli Silva
CIP - NBR 12899 - AACR/2 Editoração
Melina Belusse Ramos
Revisão Textual
Keren Pardini
Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário
João Vivaldo de Souza - CRB-8 - 6828

Impresso por:
Em um mundo global e dinâmico, nós trabalhamos
com princípios éticos e profissionalismo, não so-
mente para oferecer uma educação de qualidade,
mas, acima de tudo, para gerar uma conversão in-
tegral das pessoas ao conhecimento. Baseamo-nos
em 4 pilares: intelectual, profissional, emocional e
espiritual.
Iniciamos a Unicesumar em 1990, com dois cursos
de graduação e 180 alunos. Hoje, temos mais de
100 mil estudantes espalhados em todo o Brasil:
nos quatro campi presenciais (Maringá, Curitiba,
Ponta Grossa e Londrina) e em mais de 300 polos
EAD no país, com dezenas de cursos de graduação e
pós-graduação. Produzimos e revisamos 500 livros
e distribuímos mais de 500 mil exemplares por
ano. Somos reconhecidos pelo MEC como uma
instituição de excelência, com IGC 4 em 7 anos
consecutivos. Estamos entre os 10 maiores grupos
educacionais do Brasil.
A rapidez do mundo moderno exige dos educa-
dores soluções inteligentes para as necessidades
de todos. Para continuar relevante, a instituição
de educação precisa ter pelo menos três virtudes:
inovação, coragem e compromisso com a quali-
dade. Por isso, desenvolvemos, para os cursos de
Engenharia, metodologias ativas, as quais visam
reunir o melhor do ensino presencial e a distância.
Tudo isso para honrarmos a nossa missão que é
promover a educação de qualidade nas diferentes
áreas do conhecimento, formando profissionais
cidadãos que contribuam para o desenvolvimento
de uma sociedade justa e solidária.
Vamos juntos!
Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está
iniciando um processo de transformação, pois quando
investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou
profissional, nos transformamos e, consequentemente,
transformamos também a sociedade na qual estamos
inseridos. De que forma o fazemos? Criando oportu-
nidades e/ou estabelecendo mudanças capazes de
alcançar um nível de desenvolvimento compatível com
os desafios que surgem no mundo contemporâneo.
O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de
Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo
este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens
se educam juntos, na transformação do mundo”.
Os materiais produzidos oferecem linguagem dialógica
e encontram-se integrados à proposta pedagógica, con-
tribuindo no processo educacional, complementando
sua formação profissional, desenvolvendo competên-
cias e habilidades, e aplicando conceitos teóricos em
situação de realidade, de maneira a inseri-lo no mercado
de trabalho. Ou seja, estes materiais têm como principal
objetivo “provocar uma aproximação entre você e o
conteúdo”, desta forma possibilita o desenvolvimento
da autonomia em busca dos conhecimentos necessá-
rios para a sua formação pessoal e profissional.
Portanto, nossa distância nesse processo de cresci-
mento e construção do conhecimento deve ser apenas
geográfica. Utilize os diversos recursos pedagógicos
que o Centro Universitário Cesumar lhe possibilita.
Ou seja, acesse regularmente o Studeo, que é o seu
Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos fóruns
e enquetes, assista às aulas ao vivo e participe das dis-
cussões. Além disso, lembre-se que existe uma equipe
de professores e tutores que se encontra disponível para
sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de
aprendizagem, possibilitando-lhe trilhar com tranqui-
lidade e segurança sua trajetória acadêmica.
AUTOR

Professor Dr. Silvio Ruiz Paradiso


Doutor em Letras com ênfase em Estudos Literários (Diálogos Culturais), pela
Universidade Estadual de Londrina (UEL), e sócio da AFROLIC - Associação
Internacional de Estudos Literários e Culturais Africanos. Teve condução direta
ao doutorado em 2010 com louvor. Professor da Graduação e Pós-graduação
do Centro Universitário de Maringá (UNICESUMAR) e da pós-graduação da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Jandaia do Sul (FAFIJAN). Tem
curso de Extensão em Filosofia pela University of Edinburgh, Extensão em
Narrativas curtas e de média extensão de Mia Couto (UEL), curso de Extensão
em Pós-colonialismo (UEM) e História e Cultura afro-brasileira e Africana
(UEL). Na pesquisa em Letras aborda temas como: Literatura pós-colonial,
Religiosidade nas Literaturas Africanas, Realismo Animista, Religiões de matriz-
africana. Na Pedagogia, o foco se dá nas pesquisas, principalmente sobre
diversidade na escola (Cultural, sexual, étnica). É líder do grupo de pesquisa
sobre Pós-colonialismo, Literatura e Estudos Culturais e membro do GT
de Estudos Comparados de Literatura de Língua Portuguesa, da ANPOLL.
Possui publicações na área em revistas científicas conceito CAPES como Acta
Scientiarum. Language and Culture (UEM), Terra Roxa (UEL), UniLetras (UEPG),
Nau literária (UFRGS), Ipotesis (UFJF), GT História das Religiões e internacional,
como a Revista Lusófonas de Estudos Culturais. Tem ampla experiência em
colegiado acadêmico, Núcleo docente estruturante, coordenação de projetos,
Ensino a distância (material e aula) e orientações de Iniciação Científica, TCC e
trabalhos de conclusão de Especializações.
APRESENTAÇÃO

LITERATURAS EM LÍNGUA INGLESA II

SEJA BEM-VINDO(A)!
Caríssimo(a) acadêmico(a),
Bem-vindo(a) à disciplina de Literaturas em Língua Inglesa II. Este material foi organi-
zado e elaborado a fim de promover o estudo sobre as literaturas em Língua Inglesa.
Nesta disciplina, iremos dar continuidade aos estudos de Literaturas em Língua Inglesa,
comprovando algo que é estudado na disciplina I, que o conceito de Literatura Inglesa
ultrapassa a noção de Literatura da Inglaterra ou Reino Unido.
Em Literaturas em Língua Inglesa I, abordam-se textos específicos das ilhas britânicas,
divididos em fases como Old English, Middle English e Modern English. Devo destacar e
relembrar que o corpus da Literatura Inglesa I foi basicamente em Standard English (In-
glês Padrão), apresentando uma língua inglesa homogênea, ainda que diferente duran-
te o tempo. Contudo, começamos a observar uma ‘mudança’ de estilo e linguagem na
última unidade, quando abordamos a Literatura Romântica Inglesa, que, com o advento
do romance (gênero), chegou mais próximo da burguesia e, consequentemente, dos
seus gostos e modos de falar. Nesta disciplina, veremos outros tipos de ‘inglês’, possibi-
litando entender que a cultura de um povo não está intimamente ligada a sua língua,
mas, sim, ao uso dela.
Em Literatura em Língua Inglesa II, iremos para as ex-colônias inglesas, como os Estados
Unidos propriamente dito, a Índia, e alguns países da África e do Caribe, não mais fo-
cando um estudo temporal e cronológico (com exceção da primeira unidade), mas com
foco geográfico e temático. Dessa forma, estudaremos como os Estados Unidos, a Índia,
o Caribe e alguns países africanos trabalham com o viés do feminismo, da problemática
racial, do pós-colonialismo, da literatura trivial, tendo como aglutinador a língua ingle-
sa, que nem sempre será tão inglesa assim – “escrever em inglês não significa escrever
como um inglês”, dizia Chinua Achebe (apud BONNICI, 2000, p. 45), autor nigeriano que
iremos conhecer nesta disciplina.
Da mesma forma como em Literaturas em Língua Inglesa I, a disciplina de Literaturas em
Língua Inglesa II possibilita ao aluno de Letras reconhecer na literatura um instrumento
importante sobre a leitura, interpretação, análise crítica e conhecimento culturais, além
de conhecer clássicos universais. Outro ponto semelhante é que os textos não serão
exclusivamente em inglês, sendo que você terá oportunidade de ler os textos originais,
comparando-os.
Neste livro, Literatura em Língua Inglesa II, na unidade I – Estados Unidos: Da Colônia à
Jovem República, vamos compreender como o mundo colonial estadunidense influen-
ciou a escrita no Novo Mundo e como a temática desse período ultrapassou fronteiras
temporais.
O terror, o suspense e as literaturas policiais fazem parte da unidade II – Edgar Allan Poe
e as Literaturas de terror e de detetives, em que grandes nomes da literatura em língua
inglesa sobressaíram-se com temáticas de arrepiar leitores de todo o mundo e todas as
gerações.
APRESENTAÇÃO

Com a chegada do século XIX, o romance ganha fôlego, e os Estados Unidos, já


emancipado da Inglaterra há quase cem anos, nos apresenta uma série de roman-
cistas e obras magníficas. Na unidade III – A Literatura do Novo Mundo do Século
XIX, iremos abordar os principais nomes da literatura norte-americana, como Twain,
Miller, Whitman, Melville, Hemingway, Fitzgerald, Faulkner, Lawrence e Dickinson,
entre vários outros, dando destaque à prosa e à poesia.
Já, na unidade IV – Caribe, Índia e Oceania: As Literaturas em Língua Inglesa da Diás-
pora, iremos conhecer autores e obras caribenhos, indianos e da Oceania, mostran-
do que a diversidade literária é expressão da diversidade cultural.
Por fim, estudaremos a unidade V – Literaturas Africanas em Língua Inglesa. Nesta
unidade, iremos conhecer grandes nomes da literatura mundial, que se destacaram
no século XXI, com texto e temáticas que abordam o colonialismo, o nacionalismo
e as várias problemáticas da modernidade no continente africano. Textos e autores
da Nigéria, África do Sul e Quênia serão nosso foco.
Abraços!
09
SUMÁRIO

UNIDADE I

ESTADOS UNIDOS: DA COLÔNIA À JOVEM REPÚBLICA

15 Introdução

16 Bem-vindo(a) à Nova Inglaterra!

32 Washington Irving (1783-1859)

34 A Independência dos Estados Unidos da América 

42 Considerações Finais

UNIDADE II

EDGAR ALLAN POE E AS LITERATURAS DE TERROR E DE DETETIVES

51 Introdução

52 O Gótico e a Literatura Inglesa

54 Edgar Allan Poe

65 O Romance Policial ou Romance de Detetive

74 Literatura de Terror

82 Considerações Finais
SUMÁRIO

UNIDADE III

ESTADOS UNIDOS, SÉCULOS XIX E XX: TEXTOS E AUTORES

93 Introdução

94 Os Séculos XIX/XX e a Literatura Inglesa: O Despertar do Romance 

106 Nathaniel Hawthorne (1804 – 1864)

108 Herman Melville (1819-1891)

110 Mark Twain (Samuel L. Clements) (1876-1910)

112 Kate Chopin (1850 –1904)

114 Ernest Hemingway (1899-1961)

116 F. S. Fitzgerald (1896 – 1940)

117 William Faulkner (1897-1962)

120 Considerações Finais

UNIDADE IV

CARIBE, ÍNDIA E OCEANIA: AS LITERATURAS EM LÍNGUA INGLESA DA


DIÁSPORA

135 Introdução

136 A Literatura em Língua Inglesa é Diaspórica?

139 A Literatura Caribenha

152 A Literatura em Língua Inglesa da Índia 

156 A Literatura em Língua Inglesa da Oceania

159 Considerações Finais


11
SUMÁRIO

UNIDADE V

LITERATURA AFRICANA EM LÍNGUA INGLESA

171 Introdução

172 Literatura Africana em Língua Inglesa 

174 A Literatura da Nigéria

185 A Literatura da África Do Sul 

191 A Literatura do Quênia

194 Considerações Finais


Professor Dr. Silvio Ruiz Paradiso

I
ESTADOS UNIDOS: DA

UNIDADE
COLÔNIA À JOVEM
REPÚBLICA

Objetivos de Aprendizagem
■ Compreender o contexto histórico da formação colonial dos Estados
Unidos.
■ Relacionar os elementos da cultura colonial do Novo Mundo com a
cultura dos novos colonos, em especial, dos puritanos.
■ Estudar os principais textos e autores do período colonial
norte-americano.
■ Estudar textos que, de alguma forma, dialogam com o período
colonial e com a recém-república estadunidense.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ Bem-vindo(a) à Nova Inglaterra!
■ Washington Irving (1783-1859)
■ A Independência dos Estados Unidos da América
15

INTRODUÇÃO

Nesta primeira unidade, iremos nos ater à colônia mais importante até então do
Império Inglês, os Estados Unidos. No século XVI, a Inglaterra, desejosa de ser
um império colonial e marítimo, parte para a América e funda a Nova Inglaterra.
Contudo, a formação da colônia é humana e não apenas política, sendo formada,
em muitos casos, de ingleses excluídos, principalmente por motivos de divergên-
cias religiosas e ideológicas. Assim iremos ver que a Literatura Inglesa se expande
com a colonização e nos apresenta os EUA como terreno fértil literário, já que
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

possuíam nativos amantes das letras, como será observado na narrativa Walam
Olum, dos índios Delaware.
Nesta unidade, parto de um movimento sincrônico e diacrônico de Literatura,
ou seja, irei fazer relações e diálogos entre textos do período e local, com outros,
afastados geograficamente e espacialmente. Por exemplo, veremos um texto de
Angela Carter, escritora feminista do século XX, que nos apresenta, em Our lady
of the massacre (1979), uma realidade do choque cultural entre índios e colo-
nos na Nova Inglaterra. O mesmo faremos com The Crucible (1953), de Arthur
Miller, o qual mostra a horrenda perseguição às bruxas na fanática e puritana
Salém do século XVII, e com Uncle Tom’s Cabin (1852), texto essencial para
entender a Guerra Civil americana, bem como as relações ente senhores e escra-
vos. Propositalmente, eu escolhi três gêneros diferentes, conto, teatro e romance,
com três vieses também diferentes sobre o período colonial americano: o nativo
indígena, a mulher e o negro.
Chegaremos ao escritor Washington Irving e seus contos, The Legend of
Sleepy Hollow (1820) e Rip Van Winkle (1819), que resumem os primeiros mitos
nativos, essencialmente norte-americanos. Por fim, vamos estudar os desdobra-
mentos literários advindos da Independência dos Estados Unidos da América.

Introdução
16 UNIDADE I

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BEM-VINDO(A) À NOVA INGLATERRA!

No século XVI, a Inglaterra, ambiciosa em se tornar o maior império ultrama-


rino da Europa e, consequentemente, império colonial, buscou, por meio de uma
divergência com o império espanhol, aproveitar a situação e minar os planos de
Felipe II em conquistar grande parte da América.
No reinado de Elizabeth I, filha de Henrique VIII, a Inglaterra divergia da
escolha religiosa dos espanhóis católicos, enquanto que a monarquia inglesa era
anglicana. Além disso, a Espanha considerava a participação inglesa no tráfico
de escravos (1562), como contrabando e ‘saque’ em suas colônias da América
Central (Índias Ocidentais). A Armada espanhola ataca e afunda vários navios
ingleses na região, iniciando o conflito diplomático, em contrapartida, vários
navios ingleses tornam-se corsários, iniciando as estratégias de pirataria, o que
desmonta o montante do tesouro espanhol. A guerra deflagra oficialmente em
1585, entre a armada inglesa e a espanhola, conhecida como ‘invencível’, com
seus 130 navios. Porém o capitão e navegador inglês Francis Drake comandou
sua armada, que saqueou São Domingo, Cartagena das Índias e San Agustín, des-
truindo a até então ‘invencível” armada espanhola. Os ingleses saíram vitoriosos,
expondo a Inglaterra como soberana dos mares ocidentais (CORBETT, 1898).
A partir disso, os navios ingleses partem à América, local de interesse comer-
cial e solução para a superpopulação britânica. Os desejosos em ir ao Novo Mundo
não foram apenas os mercadores, desbravadores e mercantilistas, mas também
os religiosos, em busca da liberdade de fé. Devemos lembrar que, no período,

ESTADOS UNIDOS: DA COLÔNIA À JOVEM REPÚBLICA


17

a Inglaterra enfrentava a revolução puritana, isto é, uma revolução de conflitos


religiosos entre a Igreja Anglicana e a ideologia puritana (Calvinista), além de
conflitos das bases intelectuais do processo revolucionário.
As primeiras colônias estabelecidas pelos ingleses no Novo Mundo não pros-
peraram devido à falta de suprimento, inverno rigoroso e as constantes batalhas
com os indígenas. Contudo, a chegada dos colonos foi pouco a pouco se firmando,
e colônias como a da Carolina do Norte, Carolina dos Sul, Virgínia, Jamestown
e Nova Iorque (Nova Inglaterra) foram tendo um pouco mais de “sucesso”.
Na Carolina do Norte, por exemplo, conhecida por sua misteriosa história
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no período da colonização, os líderes ingleses retiraram-se da colônia a fim de


auxiliar a Metrópole contra a Espanha, no período chamado Guerra anglo-es-
panhola (1585-1604), deixando, assim, amigos e familiares no local. Três anos
depois, esses líderes regressaram à colônia, porém não mais encontraram os
colonos. Todos, sim, caro(a) aluno(a), que habitavam o local desapareceram –
homens, mulheres, crianças, até animais. A única pista deixada foi uma palavra
em uma árvore: “CROATOAN”.

Bem-vindo(a) à Nova Inglaterra!


18 UNIDADE I

Foi a partir desse misterioso leste do país, o que corresponde ao litoral que é
banhado pelo oceano Atlântico, é que a história dos Estados Unidos e, respec-
tivamente, de sua literatura se inicia. A partir do século XVI, quando colonos
ingleses aportaram no lado norte do continente americano, trouxeram para a
terra dos cherokees, iroqueses, algonquinos, comanches e apaches uma nova
língua (a inglesa) e novos gêneros literários. Digo gêneros literários e não litera-
tura, pois os nativos norte-americanos já possuíam sua literatura, muitas vezes
marcada pela oralidade ou por gêneros bem diferentes do que conhecemos. Um
exemplo é o Walam Olum (ou Walum Olum), um suposto texto histórico-nar-

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rativo dos índios delaware.

Walam Olum (s.d.)


Walam Olum ou Walum Olum, normalmente traduzido como “Registro
Vermelho” é supostamente uma narrativa histórica da tribo nativo-americana
lenape (delaware). O documento é controverso em relação à autenticidade, apesar
de conter muitos elementos próprios dessa tribo. A publicação da coletânea foi
feita pelo botânico Constantine Samuel Rafinesque, em 1830. Os que acreditam
na veracidade apontam que Rafinesque encontrou os fragmentos e os “reescre-
veu”, baseado em mitos orais dos lenape. Já os críticos consideram que, além de
ter sido manipulado, há forte presença da mentalidade judaico-cristã de bem e
mal, além de uma gênese feita por um deus masculino. Na maioria dos mitos
nativo-americanos, o mundo foi criado por animais ou, pelo menos, pela pre-
sença da figura feminina (mulher).

I - Sayewi talli wemiguma wokgetaki. (At first, in that place, at all times,
above the earth).

ESTADOS UNIDOS: DA COLÔNIA À JOVEM REPÚBLICA


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II- Hackung kwelik owanaku wak yutali Kitanitowit-essop. (On the earth,
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[was] an extended fog, and there the great Manito was).

III- Sayewis hallemiwis nolemiwi elemamik Kitanitowit-essop. (At first, fore-


ver, lost in space, everywhere, the great Manito was).

IV- Sohawalawak kwelik hakik owak awasagamak. (He made the extended
land and the sky).

Bem-vindo(a) à Nova Inglaterra!


20 UNIDADE I

V- Sohalawak gishuk nipahum alankwak. (He made the sun, the moon, the
stars).

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VI- Wemi-sohalawak yulikyuchaan. (He made them all to move evenly).

VII- Wich-owagan kshakan moshakwat kwelik kshipehelep. (Then the wind


blew violently, and it cleared, and the water flowed off far and strong).

ESTADOS UNIDOS: DA COLÔNIA À JOVEM REPÚBLICA


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VIII- Opeleken mani-menak delsin-epit. (And groups of islands grew newly,


and there remained).1
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Os índios lenape ou delaware viviam em grande quantidade na região da Virginia,


local em que a primeira colônia ou assentamento se fixou com êxito, abrigando
um grande contingente de colonos, não só ingleses, como espanhóis, franceses
e irlandeses (KARNAL, 2007).

1 (SACRED TEXTS, WALAM, online).

Bem-vindo(a) à Nova Inglaterra!


22 UNIDADE I

A colônia tinha como capital Jamestown e rapidamente se desenvolveu por causa


da exploração do ouro. Foi exatamente isso que degradou a colônia. A necessi-
dade de mão de obra para exploração fomentou a escravidão de índios, como
cherokees, iroqueses, algonquinos, e lenapes. A escravidão indígena não era
exclusiva da Virgínia, mas de outras colônias como as Carolinas, que desenvol-
veram o hábito de vender índios como escravos. A Carolina do Sul, por exemplo,
em 1708, tinha mais de 1.400 escravos índios (KARNAL, 2007). Além disso, o
avanço da expansão agrícola sobre as terras indígenas desencadeou uma rea-
ção violenta de resistência por parte dos nativos, que atacavam as colônias dos

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ingleses. Todavia, não eram apenas os indígenas que sofreram com o processo de
colonização, mas até mesmo as mulheres pobres e crianças órfãs inglesas: “Em
1620, a Companhia de Londres trazia cem órfãos para a Virgínia. Da mesma
maneira, mulheres eram transportadas para serem leiloadas no Novo Mundo”
(KARNAL, 2007, p. 47).
Em 1979, a escritora Angela Carter (1940-1992) escreveu o conto Our Lady
of the Massacre, parte da coleção Black Venus. Nesse conto, a autora inglesa mes-
cla história e ficção, subvertendo os padrões eurocêntricos e tocando em assuntos
polêmicos para a época, como miscigenação, colonização, gênero e religiosidade.
No conto, podemos ver a violência inglesa contra os índios norte-americanos,
bem como contra suas próprias mulheres.

Our lady of the massacre (1979)


Também intitulado Captured by the Red Man (1979), Our Lady of the Massacre
conta a história de uma jovem prostituta inglesa que, banida à colônia inglesa na
América (Nova Inglaterra/Virgínia), foge, refugiando-se em uma tribo indígena e
adotando seus costumes. O conto demonstra as formas pelas quais a personagem
confronta sua marginalização sob relações violentas de gênero, buscando a auto-
defesa, antes e durante seu contato com os indígenas. De acordo com Paradiso
e Barzotto (2010), a protagonista é inserida em um processo violento de acultu-
ração, isto é, de perda da identidade cultural, motivada pelo viés do feminismo,
pois é sexualmente violentada quando ainda vive na Inglaterra.

ESTADOS UNIDOS: DA COLÔNIA À JOVEM REPÚBLICA


23

Quando na colônia inglesa, já nos Estados Unidos, continua a ser alvo


de perseguição sexual ao cumprir sua pena em trabalhos forçados nas
áreas agricultáveis do Novo Mundo. Todavia, todas estas formas de
aculturação impostas a esta personagem vão constituir uma miríade de
contrapostos étnico culturais que fomentam sua força identitária em
busca da harmonia sociocultural que julga encontrar na tribo algoquia-
na com a qual passa a viver (PARADISO; BARZOTTO, 2010, p. 108).

A protagonista do conto de Carter experimenta, nessa vida de “fugitiva” no Novo


Mundo, valiosas e inúmeras experiências culturais que marcarão sua identidade,
constituindo-a em uma nova mulher – uma indígena norte-americana, cujos
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valores e costumes são progressivamente reformulados à luz daquela sociedade


que a abrigou. Nessa tribo, é aceita e dela passa a fazer parte. Todavia pinta-se
para que a pela “pálida” fosse transculturada pela vermelha da tribo algoquiana.
Somente um traço denuncia sua nova identidade indígena: seus olhos azuis.
By the time the weather turned, I was rattling away in the Indian lan-
guage as if I’d been born to it, […] As for my pale face, by the end of
the harvest it was brown as any of theirs and my mother stained my
light hair for me with some darkish dye so they grew accustomed to my
presence among them and at six months end you would have thought
she whom I called my ‘mother’ was my own natural mother and I was
Indian born and bred, except my blue eyes remained a marvel2 (CAR-
TER, 2004, p. 268-269).

No título do conto Our Lady of The Massacre, Nossa Senhora do Massacre, Angela
Carter revela a forma monstruosa que os colonos do novo Mundo trataram os
nativos. Por meio da protagonista vemos que o encontro cultural entre ingleses e
nativos desmistifica a visão negativa e preconceituosa sobre os indígenas, como,
por exemplo, o reconhecimento do termo ‘pele vermelha’ é pejorativo, visto que
a pele dos índios é, na verdade, morena (brown), além do fato de que o termo
“canibais” não poderia ser genérico aos nativos.

2 À época em que os ventos mudaram de rumo, eu já tagarelava na língua Indígena, como se aquela fosse a minha língua
materna. [...] Quanto a meu rosto pálido, no fim da colheita, ele havia se tornado marrom como o de qualquer um
deles, e minha mãe me tingiu os cabelos claros com uma tintura escura para que os outros se acostumassem à minha
presença entre eles e, ao fim de um período de seis meses, qualquer um pensaria que aquela a quem eu chamava de ‘mãe’
era a minha mãe biológica e eu, uma índia ali nascida e criada, a não ser pelos meus olhos azuis, que continuaram uma
maravilha. (tradução do autor)

Bem-vindo(a) à Nova Inglaterra!


24 UNIDADE I

She [an indian] is a handsome woman, not red but wondrous brown
[…] I had heard these Indians were mortal dragons, accustomed to eat
the flesh of dead men, but the pretty little naked children playing with
their dollies in the dust, oh! Never could such [...] be reared on cannibal
meat!3 (CARTER, 2004, p. 266).

A jovem inglesa que, aos poucos se


transcultura, revela uma sociedade
limpa, bonita, saudável, pacífica e
organizada, com sua relação agrá-
ria baseada no rio, tabaco, feijão e

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
milho (CARTER, 2004, p. 266).
Bellei (2000) e Barbour (1970)
entendem que o texto de Angela
Carter é uma subversão paródica
da história da índia algoquiana,
que queria ser inglesa: Pocahontas.
Pocahontas, que se casou com John
Rolfe, foi uma nativa americana,
filha do chefe Powhatan, indígena
que governou uma grande área na
região de Tidewater, em Virgínia.
O território de Pocahontas e
Powhatan chamava-se, na época,
de Tenakomakah. Muito além das
estórias da Disney, Pocahontas não
se casou com John Smith. Aliás, o English Puritan missionary known as the Apostle to
assentamento de Jamestown não foi the Indians, preaching at a native american camp -
John Eliot (1604-1690)
completamente destruído graças ao
comandante Smith, o qual, apesar de pressionar os colonos com seu ideal: “sem
trabalho, sem comida”, acabou sendo “erroneamente” associado como o “amante”
de Pocahontas e não John Rolfe. O mito de Pocahontas foi citado por John

3 Ela [uma indígena] é uma mulher bonita, não é vermelha, mas, amarronzada […] eu ouvi que estes índios eram dragões
mortíferos, acostumados a comer carne de homens, mas a pequenina e bela criança nua brincando com suas bonecas na
poeira, oh! Nunca [...] poderiam ser elevados a canibais. (tradução do autor)

ESTADOS UNIDOS: DA COLÔNIA À JOVEM REPÚBLICA


25

Davis em seu texto Travels in the United States of


America, em 1803 (TILTON, 1994, p. 35).
Os conflitos sociais e étnicos na região da
Virgínia fizeram que grupos religiosos também
não conseguissem se desenvolver nessa região,
migrando para outras colônias, como a Nova
Inglaterra. Localizada ao Nordeste dos Estados
Unidos, a Nova Inglaterra foi o segundo assenta-
mento da colonização, fundado por dois grupos
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religiosos diferentes: os peregrinos, que queriam


sair da Igreja da Inglaterra, e os puritanos, que que-
riam reformá-la.
No entanto grande parte dos puritanos foi para
Massachusetts.

Por aceitarem a doutrina da predestinação, os puritanos foram duramente


perseguidos na Inglaterra, razão pela qual muitos fugiram de lá, rumo ao
Novo Mundo, em busca de “liberdade religiosa”. O primeiro grupo de emi-
grantes da Inglaterra era liderado por John Winthrop, um advogado purita-
no. O grupo chegou às colinas da Nova Inglaterra na América do Norte em
abril de 1630. Winthrop foi uma figura importante na fundação da colônia
de Massachusetts Bay, a primeira grande colônia depois da Colônia de Ply-
mouth. Muitos dos puritanos que fugiram para a Nova Inglaterra introduzi-
ram ali o Presbiterianismo.
Contudo, justamente no seio dos que buscavam liberdade religiosa, vários
fanáticos levaram à Salem, Massachusetts, um dos mais terríveis episódios
dos Estados Unidos: a Caça às Bruxas. O episódio gerado pela superstição e
pela credulidade levou mais de 22 pessoas à morte, em sua maioria mulhe-
res.
Fonte: Karnal (2007, p. 51).

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26 UNIDADE I

The Crucible (1953)


Em 1953, o escritor Arthur Miller escreveu The Crucible (As Bruxas de Salem).
A peça teatral é baseada nos eventos históricos que levaram à perseguição às
bruxas de Salem, a partir de fevereiro de 1692, em Massachusetts.
Miller escreve The Crucible em um momento delicado das relações entre EUA
e União Soviética por disputas militares, econômicas e políticas do pós-guerra.
Nesse período, o governo americano cria o Comitê de Atividades Antiamericanas,
em que se “julgava” qualquer pessoa, órgão ou material que fosse uma ameaça
à segurança nacional. O medo de ideias subversivas e antiamericanas fez que os

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comunistas fossem amplamente perseguidos, em um verdadeiro momento de
“caça às bruxas”. Rangel (2011, p. 12) declara que Miller “ajustou a trama histó-
rica com a qual vinha trabalhando para fazer da dramatização da caça às bruxas
uma alegoria dessa caça aos comunistas”.
Miller, após leitura de The Devil in Massachusetts
(1949), de Marion Starkey, vai à Salem para elabo-
rar uma pesquisa historiográfica.
O que Arthur Miller encontra em Salém é uma
ótima história para um livro, com a diferença de que
foi real. A cidade de Massachusetts estava em caos.
Karnal (2007, p. 51) revela que, no ano de 1692, o
fanatismo e a histeria religiosa em Salem assumiam
proporções inéditas: “Nesse ano, um grupo de ado-
lescentes acusou várias pessoas de enfeitiçá-las. O
processo acabou envolvendo muitos membros da
comunidade, entre homens e mulheres”. Surtos Arthur Miller
Fonte: U.S. State Deparment (online)
eram frequentes, e tudo era motivo para protago-
nizar um julgamento público.
Os Processos de Salem já receberam várias explicações. Algumas, de
caráter mais psicológico, lembram as tensões entre mães e filhas, estas
fazendo coisas que não poderiam normalmente fazer e alegando esta-
rem enfeitiçadas. Em outras palavras, alegando o poder do demônio,
uma jovem poderia gritar com sua mãe ou mesmo ficar nua! Afinal,
era tudo obra do demônio... A moral puritana de oração e trabalho era
tão forte que os jovens não podiam, por exemplo, praticar esportes de

ESTADOS UNIDOS: DA COLÔNIA À JOVEM REPÚBLICA


27

inverno como patinar, pois isso era considerado imoral. Assim, diante
dessa vida dura, a possessão passou a ser uma boa saída. Outras expli-
cações remetem às tensões internas das colônias – entre as principais
famílias – em que acusar o membro de uma família rival de bruxo ou
bruxa tinha um grande peso político. [...] (KARNAL, 2007, p. 52-53).

A brincadeira das jovens, assinada pela intolerância religiosa e pelo fanatismo,


resulta em quase 200 pessoas presas e 14 mulheres e 6 homens mortos – todos ino-
centes. O fato deixou um trágico saldo na memória dos colonos de Massachusetts.
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Arthur Miller
Dramaturgo norte-americano, nascido em 17 de outubro de 1915 e falecido
em 10 fevereiro de 2005, foi considerado um dos principais autores do te-
atro norte-americano contemporâneo. Destacou-se também por protestar
contra a perseguição a supostos comunistas no período do macartismo1 .
Nasceu em Nova Iorque e trabalhou como auxiliar em um armazém para pa-
gar os estudos na Universidade de Michigan. Iniciou a carreira como escritor
de comédias para o rádio, tendo como primeiro sucesso o romance Focus,
de 1945. A primeira peça, Todos os Meus Filhos (1947), reflete a influência de
Ibsen em sua obra. Em 1949, escreveu sua peça mais importante, A Morte de
um Caixeiro Viajante, pela qual recebeu o Prêmio Pulitzer.
Na década de 50, com as investigações sobre atividades subversivas pro-
movidas pelo governo dos Estados Unidos, depôs no Comitê de Atividades
Antiamericanas e recusou-se a delatar intelectuais que participavam de reu-
niões comunistas.
Foi declarado culpado por omissão, mas recorreu da decisão e ganhou a
causa. Em 1953, escreveu As Bruxas de Salem, metaforizando tal persegui-
ção e, sete anos depois, escreve o roteiro do filme Os Desajustados para a
segunda esposa, a atriz Marilyn Monroe. Até o fim da vida, produziu contos
e ensaios sobre teatro.
Fonte: ARTHUR (online).

1 Macartismo (em inglês McCarthyism) é o termo que descreve um período de intensa patrulha anticomunista,
perseguição política e desrespeito aos direitos civis nos Estados Unidos que durou do fim da década de
1940 até meados da década de 1950. Foi uma época em que o medo do Comunismo e da sua influência em
instituições americanas tornou-se exacerbado, juntamente ao medo de ações de espionagem promovidas pela
OTAN. Originalmente, o termo foi utilizado para criticar as ações do republicano Joseph McCarthy, senador
americano por Wisconsin.

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28 UNIDADE I

O enredo entre a história de Salem e a peça de Miller é a mesma: em fevereiro


de 1692, em Salem, Massachusetts, algumas jovens da vila se reúnem na flo-
resta com uma escrava ‘africana’, de nome Tituba4 , que contava fatos sobre suas
crenças ancestrais como o vodu5. Uma das garotas, em especial, ia aos encontros
com propósitos nefastos. A jovem chamada Abigail acreditava que iria aprender
magia e, com isso, mataria Elizabeth Proctor, esposa de John Proctor, o homem
que Abigail amava. É necessário entender que Abigail e John já haviam tido rela-
ções esporádicas, antes dos incidentes.
No fatídico dia, as jovens são surpreendidas pelo reverendo Parris, tio de

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Abigail.
Betty, a filha de Parris e prima de Abigail, e Ruth, filha do casal Putnam, come-
çam a ter convulsões e nenhum médico local consegue diagnosticar. Contudo,
tanto Putnam quanto Parris acreditam que Ruth e Betty estão possuídas pelo
demônio, vitimizadas por feitiçaria de Tituba.
Hale, um reverendo ortodoxo local, acusa Abigail e Tituba de bruxaria, mas
Abigail joga a culpa na negra escrava. Tituba, espancada, admite a culpa para
não morrer e é forçada a contar quem mais dentre a vila pratica bruxaria e se
encontra com Satã. As jovens iniciam então um processo de acusação aleatório a
fim de que a culpa se desvie delas, e Abigail aproveita a oportunidade para acu-
sar Elizabeth Proctor, a mulher de John, abrindo seu caminho para o homem.
Justamente essa estratégia é a condutora do enredo de Miller: acusações sem
provas. No texto, é perceptível o reconhecimento que Abigail, Tituba e as outras
garotas têm de que a delação mudaria seus destinos. Agora tinham o poder de
acusar quem quisessem, colocando em suas mãos a vida da população.
Tituba: (assustada com o processo). Senhor Reverendo, eu realmente
acredito que alguém esteja enfeitiçando estas garotas.

Hale: Quem?

4 Tituba é a protagonista do romance I, Tituba: Black Witch of Salem (1986), de Maryse Condé.
5 Vodu, vodum e vudu são termos genéricos que se referem às práticas religiosas animistas, baseadas nos ancestrais,
que têm as suas raízes primárias entre os povos Ewe-Fon do Benin. O vodu é uma religião e não um boneco ou um
feitiço erroneamente citado no pensamento popular. A prática voduísta chegou ao Novo Mundo por meio do tráfico
transatlântico de escravos (século 16 ao século 19).

ESTADOS UNIDOS: DA COLÔNIA À JOVEM REPÚBLICA


29

Tituba: Eu não sei, senhor, mas o demônio possui várias bruxas.

Hale: Quando o demônio vem até você, ele vem com outra pessoa? (Ela
olha para sua face). Talvez alguém da vila? Alguém que você conhece.

Parris: Quem veio com ele?

Putnam: Sarah Good? Você viu Sarah Good com ele? Ou Osburn?
(RANGEL, 2011, p. 101).

Os inquisidores sugerem respostas específicas e tal fato desencadeia acusações


sem sentido, a fim de desviar o fato da “dança na floresta”.
Tituba: (furiosamente): [...] E então numa noite de tempestade ele me
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apareceu, e disse, - Olhe, eu tenho gente branca que me pertence. E eu


olhei e ali estava Goody Good.

Parris: Sarah Good.

Tituba: (se balançando e chorando): Sim, senhor, e Goody Osburn.

[...] (Abigail levanta, olhando como se inspirada, e grita)

Abigail: Quero abrir-me. (todos se voltam para ela, assustados. Ela está
em pé [...]). Eu vi Sarah Good com o diabo! Eu vi Goody Osburn com
o diabo! Eu vi Bridget Bishop com o diabo!

(Enquanto ela está falando, Betty está se levantando da cama, e com


uma febre nos olhos, adere ao coro).

Betty: Eu vi George Jacobs com o diabo! Eu vi Goody Howe com o


diabo!

[...]

Hale: Glória a Deus! Foi quebrado, elas estão livres!

Betty: Eu vi Martha Bellows com o diabo.

Abigail: Eu vi Goody Sibber com o diabo (RANGEL, 2011, p. 102).

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30 UNIDADE I

A História de Miller, nos dias de hoje, com certeza seria ambientada nas Re-
des Sociais. O caso que aconteceu em maio de 2014, em Guarujá, onde a
dona de casa Fabiane Maria de Jesus foi morta, acusada de bruxaria (<http://
odia.ig.com.br/noticia/brasil/2014-05-10/perigo-na-rede-social-boatos-no-
-facebook-levaram-a-morte-de-dona-de-casa.html>), é um exemplo. Mui-
tos usuários do Facebook fizeram o papel de Abigail e Tituba, condenando à
“fogueira” uma inocente mulher.

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Fonte: o autor.

Se, por um lado, Massachusetts no período colonial perseguia as mulheres, acu-


sando-as de bruxaria, a colônia não dependia da escravidão como mão de obra,
apesar de muitas famílias possuírem “escravos do lar”, como o exemplo de Tituba
na peça de Miller. Contudo, a escravidão em colônias como Virgínia, Carolinas,
Georgia, e outras, teve caráter bastante opressor e era passada entre as gerações.
Os escravos não possuíam nenhum tipo de direito legal, trabalhando em plan-
tations, bem como nas casas de seus senhores.
As colônias foram se desenvolvendo e criando autonomia até a primeira
metade do século XIX. Uma delas, ainda no século XVIII, Kentucky, fora colo-
nizada pelos colonos da Pensilvânia, em 1774, passando a ser controlada pela
Virgínia. Kentucky foi o palco do enredo de um dos romances (novela) mais
importantes do século XIX, Uncle Tom’s Cabin (A Cabana do Pai Tomás), da
escritora estadunidense Harriet Beecher Stowe6.
Uncle Tom’s Cabin (1852)
De acordo com Vollaro (2015), Stowe tinha, com seu livro, o objetivo de
educar os colonos do norte sobre a horrenda realidade escravocrata do sul, bem
como alertar o sul sobre a falta de humanização ao aceitar-se a escravidão como

6 Harriet Beecher Stowe Elisabeth (1811 - 1896) foi uma escritora abolicionista estadunidense, que nasceu em berço
religioso e ficou conhecida pela sua novela de 1852, apesar de ter escrito 30 livros, memórias, artigos e cartas.

ESTADOS UNIDOS: DA COLÔNIA À JOVEM REPÚBLICA


31

o mal necessário. Uncle Tom’s Cabin é uma novela que conta de forma roma-
nesca a estória do escravo Uncle Tom (Pai Tomás), bem como a relação entre os
ricos proprietários de terras no sul dos Estados Unidos e a escravidão.
Devido a dívidas, uma família de fazendeiros do Kentucky vende seus escra-
vos, sendo um deles, Tom. O negro é colocado em um barco com destino a Nova
Orleans, mas a bordo, durante a viagem sobre o rio Mississippi, Tom conhece uma
jovem branca chamada Eva. Tom descobre que o pai de Eva, Senhor Augustine
St. Clare, o comprará. Tom e Eva começam a se afeiçoar um ao outro por causa
da profunda fé cristã que ambos partilham.
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O registro literário de Harriet Beecher Stowe contribuiu intensamente para a


abolição da escravatura, tanto que, dois anos depois do lançamento do livro, foi
criado o Partido Republicano, estritamente de causa abolicionista (KAUFAMAN,
2006). Ademais, o presidente norte-americano da época, Abraham Lincoln, ao
encontrar Stowe, disse: “So this is the little lady who started this great war7”
(HEDRICK, 1994, p. 306).
Voltando ao período colonial, a Província de Nova Iorque foi uma colô-
nia inicialmente dos Países Baixos, quando, em 1609, o inglês Henry Hudson,
explorando em nome da Holanda, navegou rio Hudson acima e oficialmente
reivindicou a região. A colônia ou província incluía os atuais estados de Nova
Jersey e Vermont, bem como partes do Maine e Massachusetts. Entre 1640 e 1650
muitos colonos ingleses de Connecticut migraram para Long Island, parte do
atual estado de Nova Iorque. Inicialmente, as relações entre os colonos ingleses e
holandeses foram pacíficas, mas, no final da década de 1650, tudo mudou, visto
que a Inglaterra queria expandir seu território, conquistando assim a província.
O território anglo-batavo-americano foi palco para um conto do escritor
Washington Irving, The Legend of Sleepy Hollow (1820).

7 “Então é esta pequena senhora que começou esta grande guerra?”

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32 UNIDADE I

WASHINGTON IRVING (1783-1859)

Washington Irving nasceu em 03 de abril de 1783 e


faleceu em 28 de novembro de 1859. Além de escri-
tor, fora ensaísta, biógrafo, historiador e diplomata.
Seus trabalhos históricos incluem biografias
de George Washington e várias histórias sobre a
Espanha do século XV. Em 1815, se mudou para a
Inglaterra, alcançando ali fama internacional com

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a publicação de The Sketch Book of Geoffrey Crayon,
Gent. (1819–20), obra esta que contém seus mais
famosos textos: “Rip Van Winkle” (1819) e “The
Washington Irving
Legend of Sleepy Hollow” (1820).
De acordo com Burstein (2007), foi um dos primeiros escritores america-
nos a ganhar aclamação na Europa e o primeiro autor best-seller americano.
The Legend of Sleepy Hollow (1820)
The Legend of Sleepy Hollow, traduzido no Brasil como A Lenda do Cavaleiro
sem Cabeça, foi o conto mais extenso publicado como parte do livro The Sketch
Book of Geoffrey Crayon, com
Washington Irving usando
o pseudônimo de “Geoffrey
Crayon”, em 1820.
A história se passa por volta
de 1790 no assentamento ame-
ricano-holandês de Tarrytown,
Nova Iorque, em uma vila
chamada Sleepy Hollow. O
supersticioso professor Ichabod
Crane, compete com o valentão
Abraham “Brom Bones” Van
Brunt a mão da jovem Katrina Van Tassel, filha única do rico fazendeiro local.
Quando Crane, em uma noite de outono, ao deixar uma festa na casa dos Van
Tassel, é perseguido pelo “Cavaleiro sem Cabeça”, um suposto fantasma de um

ESTADOS UNIDOS: DA COLÔNIA À JOVEM REPÚBLICA


33

soldado, cuja cabeça fora arrancada por uma bala de canhão durante uma “bata-
lha sem nome” da Revolução Americana. O fantasma cavalga todas as noite até
o local da tal batalha a fim de encontrar sua cabeça. Com medo, Ichabod desa-
parece misteriosamente da cidade, deixando Katrina se casar com Brom Bones.
A natureza do Cavaleiro sem Cabeça é deixada em aberto, embora hajam indí-
cios de que seja, na verdade, Brom Bones disfarçado.

Texto em inglês: Disponível em: <http://www.bartleby.com/310/2/2.html>. Acesso:


29 maio 2015.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Texto em inglês no formato audiobook: <https://librivox.org/search?title=The+Le-


gend+of+Sleepy+Hollow&author=Irving&reader=&keywords=&genre_id=0&sta-
tus=all&project_type=either&recorded_language=&sort_order=catalog_date&se-
arch_page=1&search_form=advanced>. Acesso em: 29 maio 2015.

Rip Van Winkle (1819)


O conto Rip Van Winkle foi uma das primeiras histórias elaboradas por Irving
para seu livro The Sketch Book of Geoffrey Crayon. Famoso na cultura popular,
a história de Rip Van Winkle tem espaço e tempo, uma
pequena vila, próxima de Catskill Mountains, na pro-
víncia de Nova Iorque, duas décadas antes da Guerra da
Independência dos Estados Unidos. Na vila, morava um
colono anglo-batavo-americano de nome Rip Van Winkle.
Amado por todos, gentil com as crianças e idosos, Van
Winkle tem um trabalho duro e uma esposa intransigente
e irritante. Em um dia, para ficar longe da esposa e do tra-
balho, Van Winkle sobe as montanhas com seu cão Wolf e
lá vê um velho homem vestindo antigas roupas holandesas,
rolando um barril. Van Winkle ajuda o velho e, no meio
de uma “gruta”, vê vários outros homens velhos e barbu-
dos que estão jogando Kegeln (nove pinos) e bebendo. Rip
Van Winkle bebe um pouco da bebida de um deles e cai
em profundo sono. Ao acordar, o protagonista descobre

Washington Irving (1783-1859)


34 UNIDADE I

que a paisagem mudara, que sua barba está comprida, quase chegando ao chão.
Ao retornar para a vila, não reconhece ninguém, descobre que sua esposa
morreu e que seus amigos íntimos morreram na guerra. Ao observar a estátua
do rei George, Winkle se proclama súdito daquele homem, mas, ao chegar pró-
ximo, vê que é George Washington. Rip Van Winkle dormira durante 20 anos,
representando as pessoas que não compreendiam a nova realidade pós-Revo-
lução Americana.

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A INDEPENDÊNCIA DOS ESTADOS UNIDOS DA
AMÉRICA

A partir da década de 1750, as relações entre as treze colônias britânicas na


América do Norte e a Inglaterra passaram a se deteriorar, e iniciou-se a luta pela
independência dos Estados Unidos da América. A metrópole começa a taxar e
aumentar os impostos no Novo Mundo, além de criar leis que dificultariam a vida
dos estadunidenses, como a Lei do Chá, a Lei do Selo e a Lei do Açúcar.8 Os colo-
nos se revoltaram com protestos, os quais geraram forte reação da metrópole, que
exigiu dos habitantes os prejuízos, além de colocar soldados ingleses cercando a
cidade. A relação hostil entre Inglaterra e sua principal colônia fez que, em 1774,
os colonos do norte promovessem um “congresso”, a fim de tomar medidas em
causa própria. Esse congresso ficou conhecido como Primeiro Congresso da
Filadélfia. Mas o rei George III não aceitava esse congresso autônomo e, como
retaliação, adotou mais medidas controladoras e restritivas. Dois anos depois,
em 1776, os colonos se reuniram no segundo congresso com o objetivo maior
de conquistar a independência. Ali estava um homem com ideais iluministas e
republicanos, Thomas Jefferson, que redigiria a Declaração de Independência dos
Estados Unidos da América. Todavia a Inglaterra não aceitou a independência e

8 Lei do Chá (deu o monopólio do comércio de chá para uma companhia comercial inglesa), Lei do Selo (todo produto
que circulava na colônia deveria ter um selo vendido pelos ingleses), Lei do Açúcar (os colonos só podiam comprar
açúcar vindo das Antilhas Inglesas).

ESTADOS UNIDOS: DA COLÔNIA À JOVEM REPÚBLICA


35

declarou guerra, que ocorreu entre 1776 e 1783, tendo os Estados Unidos como
nação vencedora. As Treze Colônias na América do Norte declararam sua inde-
pendência ratificando a Declaração em 4 de julho de 1776.
Com o “nascimento” dos Estados Unidos, os ideais iluministas, a consciên-
cia política e a busca de uma identidade própria marcaram o
final do século XVIII. Benjamin Franklin (1706-1790) foi um
dos fundadores desse novo país, coassinando a Declaração
de Independência (1776) e a Constituição (1787). Franklin
publicou sátiras no New England Courant (espécie de jor-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

nal), mas foi com o Almanaque do pobre Ricardo (1733)


que mostrou suas várias facetas, desde um escritor preo-
cupado com a moral laica, um conselheiro, até mesmo um
escritor “instrutivo e engraçado” (RYOT). Nesse almana-
que, Benjamin Franklin apresenta provérbios, conselhos
úteis, anedotas, bem como pequenas crônicas sobre a vida
cotidiana. Entretanto sua escrita visava zombar das institui-
ções coloniais, como a Religião e a Justiça. Benjamin Franklin
O futuro presidente dos Estados Unidos, Thomas
Jefferson, também publicou textos com conteúdos patriotas.
Em 1788, usando o pseudônimo Publius, escreveu a obra
O Federalista, uma coletânea de dois volumes com arti-
gos e ensaios.
Com a Constituição dos Estados Unidos pronta e com
fortes características iluministas, garantindo a propriedade
privada (interesse da burguesia), mantendo a escravidão,
optando pelo sistema de república federativa e defendendo
os direitos e garantias individuais dos cidadãos, a recém-li-
teratura norte-americana floresce em conteúdo e gênero. De
acordo com Royot (2009, p. 15), as formas de escrita princi-
pais do período colonial americano até sua independência
foram, além das crônicas, os sermões, as jeremiadas, os poe-
mas e tímidas ficções. Thomas Jefferson

A Independência dos Estados Unidos da América


36 UNIDADE I

A crônica, gênero que relata os acontecimentos em sua ordem cronológica


(daí seu nome), ou seja, o registro histórico de um evento, foi comum no período
colonial. Wiilaim Bradford (1590-1657), primeiro governador de Plymouth em
Massachusetts Bay, colônia fundada pelos puritanos em 1620, escreveu History
of Plymouth plantation (1651 [publicada, porém, em 1856]), contando desde as
perseguições que os puritanos vivenciaram na Inglaterra até a vida na colônia,
de Massachusetts Bay. Na mesma colônia, Thomas Morton (1579–1647), um
intruso advogado inglês, considerado por toda comunidade como “herético”, foi
autor de New English Cannan (1637), uma sátira sobre os pregadores religiosos

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
locais, utilizando o mesmo estilo de Geoffrey Chaucer (ROYOT, 2009). A ques-
tão é que Morton era um reformador. Também cronista, temos Robert Beverley
(1673-1722) com History and Present State of Virginia (1705).
Tendo como tema estórias bíblicas, a salvação eterna, o pecado e dogmas
religiosos, o sermão foi o “gênero máximo e bastante popular” (ROYOT, 2009,
p. 15). Nome como o de Roger Williams (1603-1683) e seu The Bloody Tenent
of Persecution, for Cause of Conscience (1644) podem ser um exemplo perfeito
de sermão da época.
As jeremiadas, termo em alusão às Lamentações de Jeremias (lamentação
persistente), referem-se aos textos que seriam
formas de evocações rituais com base no enfraquecimento do fervor
dos colonos. A partir de 1670, eram evocados os perigos da insubordi-
nação e da renúncia da fé, suscetíveis de ameaçar o projeto messiânico
da Nova Inglaterra (ROYOT, 2009 p. 16).

Exemplos de jeremiadas podem ser Wonders of the invisible world (s.d), de Cotton
Mather (1663 - 1728), e The Day of Doom (1662), de Michael Wigglesworth
(1631 - 1705).
A poesia, como gênero diferente dos demais citados, seguia os padrões
ingleses, utilizando-se de temas épicos, satíricos, retóricos e patrióticos
(VANSPANCKEREN, 1994, p. 8). Anne Bradstreet (1612-1672) e Edward Taylor
(1642-1729) são exemplos desse período. A primeira teve sua obra “The Tenth
Muse” (1650), em que figurava seu mais famoso poema “To My Dear and Loving
Husband” (BRADSTREET, online, tradução do autor):

ESTADOS UNIDOS: DA COLÔNIA À JOVEM REPÚBLICA


37

If ever two were one, then surely we.


If ever man were loved by wife, then thee;
If ever wife was happy in a man,
Compare with me ye women if you can.
I prize thy love more than whole mines of gold,
Or all the riches that the East doth hold.
My love is such that rivers cannot quench,
Nor ought but love from thee give recompense.
Thy love is such I can no way repay;
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

The heavens reward thee manifold, I pray.


Then while we live, in love let’s so persever,
That when we live no more we may live ever.

Se alguma vez dois forem um, seguramente, seremos nós.


Se o homem, alguma vez, for amado pela sua esposa, então você o será.
Se a mulher for feliz em um homem
Compare comigo, suas mulheres. Se for possível.
Eu valorizo teu amor mais que uma mina de ouro inteira,
Ou om todas as riquezas dos tesouros do Oriente.
Meu amor é tal que os rios não poderiam saciar,
Nem o devem fazer, mas o amor que você me da me recompensa.
Seu amor é tal, que eu não posso pagá-lo em tudo;
Os céus irão recompensá-lo de várias maneiras, eu rezo.
Enquanto vivemos, no amor, isso vai permitir-nos perseverar,
O quanto vivemos, sempre podemos viver mais.

Já Taylor escreveu uma variedade de versos, desde elegias fúnebres, poemas


medievais e líricos, sendo sua obra-prima Preparatory Meditations (1682–1725).
O poeta mais famoso dos Estados Unidos nesse período foi Henry Wadsworth
Longfellow (1807-1882). Amigo pessoal de Dom Pedro II, Longfellow graduou-
-se na Europa, tendo, assim, contato com o Romantismo e, em 1836, voltando
aos Estados Unidos, lecionou em Harvard, alcançando sucesso com o livro de

A Independência dos Estados Unidos da América


38 UNIDADE I

poesia Vozes da Noite (Voices of the Night), em 1839. Em 1854, abandonou o


ensino e passou a se dedicar à literatura, publicando uma série de poemas nar-
rativos, tais como O Canto de Hiawatha (The Song of Hiawatha, 1855), visão
idealizada da vida indígena, e O Namoro de Miles Standish (The Courtship of
Miles Standish, 1858), narrando o romance de um antepassado. O poema mais
famoso do poeta é The Psalm of Life, que apresento a seguir (GRÜNEWALD,
1988, p. 21-22):
A Psalm of Life

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Tell me not, in mournful numbers,,
Life is but an empty dream!
For the soul is dead that slumbers,
And things are not what they seem.
Life is real! Life is earnest!
And the grave is not its goal;
“Dust thou art, to dust returnest,”
Was not spoken of the soul.
Not enjoyment and not sorrow,
Is our destined end or way
But to act that each to-morrow
Find us further than to-day.
Art is long, and Time is fleeting,
And o our hearts, though stout and brave,
Still, like muffled drums, are beating
Funeral marches to the grave.
In the world’s broad field of battle,
In the bivouac of life,
Ben ot like dumb, driven cattle!
Be a hero in the strife!
Trust no future, howe’er pleasant!
Let the dead Past bury its dead!
Act – act in the living Present!
Heart within, and God o’erhead!

ESTADOS UNIDOS: DA COLÔNIA À JOVEM REPÚBLICA


39

Lives of great men all remind us


We can make our lives sublime;
And, departing, leave behind us
Footprints on the sands of time –
Footprints that perhaps another,
Sailing o’er life’s solemn main,
A forlorn and shipwrecked brother,
Seeing, shall take heart again.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Let us then be up and doing!


With a heart for any fate;
Still achieving, still pursuing,
Learn to labour and to wait.

Um Salmo à Vida

Não me faleis, em enlutados versos,


Que um sonho vazio seja a vida!
Pois morta é a alma que adormece
E as aparências enganosas são.
Genuína, a vida! Vida, coisa séria!
O fim último o túmulo não é;
“Sois pó e ao pó retornais”,
Assertiva não condizente à alma.
Nem só de alegrias ou de tristezas
Se traçam nossos destinos
Mas de atos cumpridos a fim de que cada amanhã
Um passo melhor do que hoje seja.
Longa é a tarefa e fugaz é o Tempo,
Nossos corações, posto fortes e valentes,
Como tambores surdos ainda tocam
Marchas fúnebres a caminho do túmulo.

A Independência dos Estados Unidos da América


40 UNIDADE I

Que no amplo campo de batalhas do mundo


No bivaque da vida,
Não sejais gado inerte e submisso!
Um herói sede na luta!
Ainda que promissor, no Futuro não confieis!
Deixai que o Passado morto os que se foram sepulte!
Agi – no Presente em vida, agi!
Com o coração aberto e com Deus no Alto!
Recordar nos fazem todos os grandes homens

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Que podemos tornar sublimes nossas vidas;
E, na despedida, deixar devemos
Nas areias do tempo nossas marcas –
Marcas que, quiçá, um outro ser,
Da vida velejando sobre o mar solene,
Um irmão, náufrago à deriva,
Avistando-as, a esperança há de reaver.
Em alerta e em ação permaneçamos sempre.
Com o coração a qualquer situação pronto
Alcançar procurando, perseguindo sempre,
A lutar e a esperar aprendei.

(Tradução de Cunha e Silva Filho)

Apesar da predominância da poesia, timidamente, a prosa começou a apare-


cer, e ficções emergentes como The Power of Sympathy (1789), de William Hill
Brown; Charlotre Temple (1791), de Susanna Rowson e The Contrast (1787), de
Royall Tyler, abriram caminho para a chegada do romance padrão do romantismo
inglês. Um exemplo disso é Charles Brockden Brown (1771-1810), o primeiro
escritor estadunidense a viver do ofício (ROYOT, 2009, p. 24), que, com textos
como Wieland (1798), Ormond (1799), Edgar Huntly (1799) e Arthur Mervyn
(1799), assemelhou-se ao gótico britânico de Ann Radcliff, abordando o terror,
a loucura, a obsessão, o fanatismo religioso, a criminalidade e a libertinagem.

ESTADOS UNIDOS: DA COLÔNIA À JOVEM REPÚBLICA


41

James Fenimore Cooper (1789-1851) foi um romancista que vivera em


Cooperstown, na região de Nova York, em um momento histórico em que os colo-
nos avançavam cada vez mais ao oeste. Quando escreveu O último dos moicanos
(1826), muitas pessoas acreditavam que os nativos americanos desapareceriam e
acabariam sendo assimilados ou mortos. Tal tema interessou Cooper, que tam-
bém se interessava pela questão de transição do espaço geográfico entre colonos
e nativos norte-americanos. Em O último dos moicanos, a morte de um jovem
índio simboliza toda essa problemática e a extinção de uma população autóctone.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

O Transcendentalismo
Transcendentalismo é um movimento filosófico e poético desenvolvido na
América do Norte nas primeiras décadas do século XIX. Ele parte da afirma-
ção do transcendental de Kant, como única realidade, ao mesmo tempo em
que expressa uma reação ao racionalismo e uma exaltação ao indivíduo nas
relações com a natureza e a sociedade.
Na literatura, religião, cultura e filosofia, prega a existência de um estado
espiritual ideal que “transcende” o físico e o empírico, defendendo a percep-
ção por meio de uma sábia consciência intuitiva. O conceito surgiu na Nova
Inglaterra, na metade do século XIX, sendo às vezes chamado de “transcen-
dentalismo estadunidense”. Começou como um protesto contra o estado
em que a cultura e a sociedade se encontravam na época - em particular, ao
intelectualismo de Harvard e à doutrina da Igreja Unitária (Doutrina Calvi-
nista e do dogma da Trindade). Os transcendentalistas desejavam dividir sua
religião e filosofia em princípios transcendentais: princípios não baseados
em experiências sensoriais, mas vindos do interior espiritual ou mental do
ser humano.
O transcendentalistas mais conhecidos são Ralph Waldo Emerson (1803-
1882) e Henry David Thoreau (1817-1862).
Fonte: Transcendentalismo (online). Disponível em: <http://pt.wikipedia.
org/wiki/Transcendentalismo>. Acesso em: 03 jun. 2015.

A Independência dos Estados Unidos da América


42 UNIDADE I

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta unidade, focamos essencialmente a literatura e a história dos Estados


Unidos, observando a literatura inglesa de forma sincrônica e diacrônica, rela-
cionando e dialogando a história dessa colônia com outros textos afastados em
tempo e espaço.
Iniciamos entendendo que a literatura não chegou com os ingleses colonos,
mas já estava aqui de forma oral, como na narrativa Walam Olum, dos índios
delaware. Aliás, o tema do conflito entre indígenas e colonos, próprio do movi-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
mento de colonização da Nova Inglaterra, foi enredo do texto de Angela Carter,
escritora feminista do século XX, que nos apresenta em Our lady of the massa-
cre (1979) uma realidade chocante, com sua protagonista Sal.
Outro fruto da colonização que também trouxe marcas de sangue ao territó-
rio americano foi a perseguição às bruxas na fanática e puritana Salém do século
XVII, observada na maravilhosa peça de teatro de Arthur Miller, The Crucible
(1953). Já a escravidão e o racismo recém-chegado podem ser conferidos no
texto de Harriet Beecher Stowe, Uncle Tom’s Cabin (1852), cujo contexto tam-
bém serve para entender a Guerra Civil Americana.
Estudamos a vida e obra do escritor Washington Irving e seus contos The
Legend of Sleepy Hollow (1820) e Rip Van Winkle (1819), estórias claramente
europeias apesar de a ação se desenrolar nos Estados Unidos. Por fim, vimos os
desdobramentos literários advindos da Independência dos Estados Unidos da
América e a influência da política na literatura.
Acredito que você, aluno(a), pôde compreender que o nascimento da litera-
tura estadunidense veio de um parto difícil, visto que ainda não se tinha cortado
amplamente o cordão da mãe Inglaterra. Todavia tenho certeza de que, ao ler
sobre a vida e obra de alguns escritores, bem como sobre a temática colonial
presente em outros textos, percebeu que a própria história dos Estados Unidos
permitiu uma rápida autonomia, tanto de autoria, de estética quanto de tema.

ESTADOS UNIDOS: DA COLÔNIA À JOVEM REPÚBLICA


43

1. Considerando as literaturas em língua inglesa e a relação com os Estados Unidos,


comente sobre o surgimento desse país.
2. A expansão dos ingleses sobre as terras indígenas gerou um violento ataque por
parte dos nativos às colônias. Todavia eles não eram apenas os únicos afetados
pelo avanço colonial, até mesmo sobre mulheres e crianças foram afetadas. A
escritora Angela Carter (1940-1992) escreveu sobre o assunto no conto Our Lady
of the Massacre, em 1979. Analise-o e comente sobre a violência dos ingleses
para com os índios e as mulheres.
3. Os colonizadores da Nova Inglaterra se dividiram em dois grupos: o dos peregri-
nos e o dos puritanos que queriam reformar a Igreja. Contudo a obsessão desses
últimos levou a um episódio que ficou conhecido como A Caça às Bruxas. Co-
mente sobre a posição de Arthur Miller a respeito do assunto na obra As Bruxas
de Salém.
4. Tendo em vista que a crônica, por ser um gênero que relata os acontecimentos
em sua ordem cronológica, foi amplamente divulgada no período da Indepen-
dência dos Estados Unidos, pesquise uma crônica dentre as citadas e comente a
visão do autor a respeito desse período.
O trecho a seguir é do artigo As minorias Mundo” trouxeram suas próprias línguas e
na literatura norte-americana (2001), de literaturas. No início, tentaram preservar
Eloina Prati dos Santos. Esse texto resume suas ligações com suas terras natais e trans-
o desenvolvimento das várias literaturas portaram para as colônias suas expressões
de minorias étnicas nos Estados Unidos, literárias. Inevitavelmente, porém, a distân-
considerando as relações destas com a cia e a competição com outros mundos
literatura hegemônica, de origem branca, verbais e literários nas Américas alteraram
cristã e europeia, predominante no país até continuamente essas línguas e literaturas
a metade do século XX, e destacando que imigrantes, bem como a das populações
seu estudo é importante para a promo- nativas. A complexidade da literatura dos
ção da descolonização de nossas mentes. Estados Unidos bem como a diversidade
O assunto é importante, visto que temos de sua população atestam os confrontos e
que compreender o início da literatura a confluência de muitas culturas. Durante
estadunidense já dentro desse viés, afi- cinco séculos, tem sido constante a che-
nal, mulheres, minorias religiosas, negros gada de povos das mais diversas etnias
e índigenas foram a base da colonização aos Estados Unidos: no início do período
dos Estados Unidos. colonial, ingleses, escoceses, irlandeses,
holandeses, alemães, os negros trazidos
Aqueles que conheceram a experiência da como escravos da África; mais tarde, italia-
colonização e da escravidão, do olhar redu- nos, judeus de todas as partes do mundo,
tor do Outro, que tiveram de reconstruir mexicanos; conforme os conflitos mun-
um eu dilacerado, um nós recomposto e diais e os êxodos por eles provocados de
novas culturas híbridas e prenhes de novas povos que procuravam uma vida melhor,
formas, não têm a pretensão ao absoluto. com liberdade e oportunidades de traba-
Por terem vivido do outro lado da história, lho, vieram indianos, vários povos asiáticos,
eles podem viver a Relação no respeito do entre outros.
Diverso (Victor Senegalen, 1908).
Quem viu a série sobre a história da cidade
A história literária dos Estados Unidos Nova York, levada ao ar no segundo semes-
começou quando o primeiro homem que tre de 2000 pela GNT, deve lembrar que,
lá vivia usou a língua de forma criativa. Esse por volta de 1640, ainda durante a ocu-
homem, pode-se presumir, foi um membro pação holandesa da ilha de Manhattan,
de um dos numerosos povos indígenas, falava-se 18 línguas na cidade. Esse tipo
seus habitantes nativos, que formulou uma de constatação nos leva a enfatizar ainda
expressão poética para contar uma histó- mais a lamentável desconsideração des-
ria, e isso pode ter ocorrido há muito mais sas culturas ditas “minoritárias” por parte
séculos atrás do que podemos imaginar. As da academia e do establishment cultural
primeiras evidências escritas na América por tanto tempo. A base teórica e pedagó-
do Norte estão registradas nas paredes das gica que norteou a história da literatura e
cavernas do sudoeste, onde índios dese- a formação do cânone até os anos 60 do
nharam suas narrativas. Entrando na parte século XX nos Estados Unidos foi predo-
conhecida da história, os primeiros explo- minantemente europeia, branca, cristã e
radores europeus que aportaram no “Novo anglo-americana. A maior parte das antolo-
45

gias e dos acervos escolares e universitários hispânicos e asiáticos; somente nas últi-
compreendiam obras de homens brancos, mas décadas do século é feito um esforço
os clássicos nomes de Benjamin Franklin, para incluir os índios e os homossexuais,
Thomas Jefferson, Ralph Waldo Emerson, tanto nas antologias quanto nos progra-
David Thoreau, Nathaniel Hawthorne, Her- mas dos cursos de literatura. Foi quando
man Melville, Walt Whitman, Henry James, as associações de professores e intelec-
Mark Twain, Ezra Pound, T. S. Elliot, William tuais estadunidenses convenceram-se de
Faulkner, Ernest Hemingway, citando que uma história literária dos Estados Uni-
alguns, pressupondo a exclusão de escrito- dos deveria ter um modelo multiétnico e
res judeus e negros e da maioria das obras multirracial que refletisse sobre as relações
escritas por mulheres. Após as duas pri- entre a literatura e a identidade nacional e
meiras décadas do nosso século, algumas confrontasse, de forma radical, os pressu-
mulheres passam a figurar escassamente postos culturais e ideológicos dessa colcha
dentro desse universo, Emily Dickinson e de retalhos criada por tantas mãos.
Edith Wharton, por exemplo. Mas somente
na segunda metade do século passado são
incluídos escritores judeus e negros e os
grupos imigrantes mais tardios, como os Fonte: Santos (2001, p. 3-12).
MATERIAL COMPLEMENTAR

O Caso dos Exploradores de Caverna


Ano: 1992
Sinopse: O Último dos Moicanos do diretor e roteirista Michael
Mann é uma história de amor sem fronteiras, uma recriação
detalhada da turbulenta América colonial e uma saga excitante
sobre a guerra entre ingleses e franceses, no século 18, por
um pedaço de solo americano. Daniel Day-Lewis interpreta
Hawkeye, um homem criado por índios e que luta por justiça e
pelos princípios moicanos. Madeleine Stowe é Cora Munro, filha
de um oficial britânico. Eles se apaixonam e, juntos, enfrentam
a ira do cruel e vingativo Magua.

As Bruxas de Salem
Ano: 1996
Sinopse: baseada em uma das melhores peças teatrais do Século
XX, a história de As Bruxas de Salem se passa em Massachusetts,
no ano de 1692. Em um pequeno vilarejo puritano, onde a vida
de todos é dedicada a servir a Deus, algumas adolescentes são
vistas na floresta e são acusadas de estarem “a serviço do diabo”.
À medida que o tempo passa, o povoado é tomado pelos brados
contra a bruxaria. Uma a uma, as inocentes vítimas dessa histeria
em massa são arrancadas de seus lares e de suas famílias.
MATERIAL COMPLEMENTAR

Pocahontas
Ano: 1995
Sinopse: Pocahontas encontra um misterioso navio com
trabalhadores ingleses e, rapidamente, se torna amiga do
corajoso capitão John Smith. Quando o clima fica pesado entre
seus povos, ela tenta encontrar uma maneira de fazer com que
todos vivam em paz juntos.

A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça


Ano: 1999
Sinopse: no leste dos EUA, no século 18, um policial (Johnny
Depp) investiga as mortes atribuídas ao espírito de um soldado.
Na investigação, conhece uma jovem (Christina Ricci), filha de
uma família influente. A obra traz uma atmosfera de fantástico
estilizado típico do diretor Tim Burton, baseado no clássico
de Washington Irving (1783-1859) sobre a lenda do cavaleiro
sem cabeça. O Mestre Tim Burton criou uma esfuziante e
encantadora versão desse clássico do terror. Johnny Depp é
Ichabod Crane, um excêntrico investigador, decidido a deter
o assassino Cavaleiro sem Cabeça. Chrstina Ricci é Katrina Van
Tassel, a bela e misteriosa garota que tem laços secretos com
o terror sobrenatural.

Material Complementar
Professor Dr. Silvio Ruiz Paradiso

II
EDGAR ALLAN POE E AS

UNIDADE
LITERATURAS DE TERROR E
DE DETETIVES

Objetivos de Aprendizagem
■ Conhecer a vida e obra do escritor estadunidense Edgar Allan Poe.
■ Compreender os gêneros gótico, terror e policial.
■ Relacionar os gêneros de terror às obras de autores como Stoker,
Stevenson e King.
■ Relacionar os gêneros de detetive às obras de autores como Conan
Doyle e Agatha Christie.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ O Gótico e a Literatura Inglesa
■ Edgar Allan Poe
■ O Romance Policial ou Romance de Detetive
■ Agatha Christie
■ Arthur Conan Doyle
■ Literatura de Terror
51

INTRODUÇÃO

Com o advento do Romantismo nos Estados Unidos, o gênero gótico, até então
exclusivo do mundo britânico, cruza os mares e é apresentado à América.
Geograficamente distantes, a ex-colônia e a ex-metrópole têm, nesse gênero,
similaridades. Nesta unidade, iremos estudar a literatura inglesa por um viés
do medo. Os gêneros góticos, de Detetive e de Terror, serão estudados com sua
estética, tema, títulos e autores de destaque. Ao ler esta unidade, atente-se ao
fato de que essa literatura em língua inglesa teve contribuição de ingleses, esta-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

dunidenses e escoceses.
Iniciaremos abordando sobre o gótico, seu histórico e desenvolvimento, até
chegar aos Estados Unidos pelas mãos do maior contista do gênero, Edgar Allan
Poe. A vida de Poe será confrontada com sua extensa obra, que tematizou o medo,
a loucura e a insanidade, além do simbolismo mágico do século XIX. Textos
como O Corvo, O Gato Preto, O Coração Delator, entre outros, serão aborda-
dos revelando a essência da escrita poeana. Veremos que, com Edgar Allan Poe,
o gótico tematiza a loucura e o psicológico e passa por duas ramificações e/ou
subgêneros: o Romance Policial/Romance de Detetive e a Literatura de Terror.
A estética do romance policial será discutida apresentando autores como
o próprio Poe, a rainha do crime Agatha Christie e o escocês Arthur Conan
Doyle. Aliás, nesta unidade, iremos observar a presença dos detetives na lite-
ratura inglesa, um modelo que fez muito sucesso, desde Dupin, o protótipo de
Edgar Allan Poe, passando pelos detetives de Christie, Poirot e Miss Marple, até
o maior de todos os detetives, Sherlock Holmes.
Por fim, o Terror será analisado desde escritores do século XIX até o atual e
contemporâneo Stephen King, apresentando como o conceito de medo, e escre-
ver sobre o medo, foi se alterando grandemente durante os tempos.

Introdução
52 UNIDADE II

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
O GÓTICO E A LITERATURA INGLESA

O romantismo estadunidense teve como grande nome Edgar Allan Poe, autor
que trouxe à América a temática gótica de uma forma brilhante.
O termo gótico vem da palavra gotar, um antigo título escandinavo dado
aos heróis de guerras. De forma geral, o
termo refere-se “àquele de Gotland”, terra
da Suécia. De lá surgem os godos, e gótico
fica sendo o termo para a língua desse povo.
Segundo Menon (2007), sabe-se que os nobres
dessa etnia, os visigodos, passaram a viver na
Ucrânia, em especial na Transilvânia.
A arquitetura gótica é o resquício mais
Gárgula
visível desse povo, referindo-se ao estilo
medieval do século XII, com arcos ogivais, com as abóbadas, com rebuscadas
decorações e ornamentos. Logo, o termo entra no vocabulário medieval, princi-
palmente, quando um monge observou que tal arquitetura teria função didática
na transmissão dos ensinamentos religiosos na Igreja (SHAVER, 1982).
Essa inovação arquitetônica que promete acabar com as igrejas escuras,
colocando nelas vitrais coloridos, arabescos, colunas, semicírculos etc., visava
criar um ambiente no qual se sentisse a presença de Deus, incorporando mesmo
assim algum simbolismo pagão, como as gárgulas, por exemplo. O estilo tinha
como objetivo criar um efeito sobrenatural e mágico no espectador, evocando
uma espécie de terror, vulnerabilidade, temor, o sentir-se à mercê de um poder

EDGAR ALLAN POE E AS LITERATURAS DE TERROR E DE DETETIVES


53

superior. O estilo gótico prosperou até o século XVI.


Foi dessa leitura que a produção literária do século XVIII, de cunho macabro
e sombrio, assimilou o nome. Dessa literatura temos que compreender algumas
coisas, como, por exemplo, o fato de que ela nasce quase que paralelamente com
o conceito moderno de Romance e em um contexto do Iluminismo, cuja prota-
gonista é a Razão. O gótico vem inverter esses dois elementos, como nos revela
Menon (2007, p. 23):
Os textos góticos, no entanto, parecem entrar na contramão do ro-
mance de costumes devido ao caráter transgressor que irão assumir
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no decorrer de sua evolução [...]. A princípio, tais textos, mais especi-


ficamente as narrativas, respondem aos ideais da Revolução Francesa
[...] ao fazerem apologia contrária à tirania exercida por nobres, algo
já perceptível em O Castelo de Otranto (1764), de Horace Walpole1,
considerada genericamente como a primeira narrativa gótica.

Em relação à mentalidade do Iluminismo, Kilgour (1995, p. 3) afirma que:


o surgimento do gótico no século dezoito é também interpretado como
um sinal de ressurreição da necessidade pelo sagrado e transcendente
em um moderno século iluminado que nega a existência de forças so-
brenaturais, ou como rebelião da imaginação contra a tirania da razão.

O fato é que a literatura gótica é altamente criativa, imaginativa e expansiva


(BOTTING, 1996). Suas primeiras manifestações eram chamadas de Literatura
do Pesadelo, ambientada em castelos e abadias, explorando a dramacidade e
com acontecimentos assustadores e surpreendentes. Menon (2007) pontua que o
texto gótico exprimia também crises morais, alternando momentos de depressão
e angústia, idealizando a morte, o erotismo, a confissão e a fantasia. No século
XIX, os enredos privilegiavam heróis, vilões cruéis e seres fantásticos e, prin-
cipalmente, as “projeções e conflitos do eu-interior unidos à emocionalidade,
revelando o lado obscuro dos seres e também passando a explicitar aspectos
de decadência moral” (MENON, 2007, p. 24). O gótico foi um gênero tão forte
que influenciou autores dos séculos seguintes. The Mysteries of Udolpho (1794),
escrito por Ann Radcliffe (1764–1823), escritora inglesa e pioneira do romance

1 Horace Walpole (1717 — 1797) foi um aristocrata e romancista inglês e escreveu Castelo de Otranto (The Castle of
Otranto, 1764). A história gira em torno do príncipe Manfred, que se apropria indevidamente de um castelo pertencente
a sua família, mas uma antiga maldição o impede de tomar a posse definitiva do castelo.

O Gótico e a Literatura Inglesa


54 UNIDADE II

gótico, contava a história de Emily St. Aubert que sofre, entre outras desventu-
ras, a morte de seu pai, além de terrores sobrenaturais em um castelo sombrio.
Já, em Northanger Abbey (1818), escrito por Jane Austen, o protagonista lê o
romance de Radcllife e vê em seus amigos a imagem de seres góticos.
Mas se o ambiente continua o mesmo, a ambientação muda: castelos passam
a ser substituídos por casarões, as florestas e abadias passam a ser ruas escuras e
becos, e os monstros e fantasmas passam a ser outros protagonistas, frutos das
loucuras, alucinações e paranoias dos protagonistas. Nisso, Edgar Alan Poe resume
bem a nova configuração desse gótico, que iria se desdobrar em romance policial.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
EDGAR ALLAN POE

O jovem Edgar Allan Poe, nascido em Boston,


Massachusetts, no ano de 1809, não gostava
em nada do transcendentalismo e, como rea-
ção literária, escolheu um gênero ainda recente
na Inglaterra, o gótico, parte do Romantismo
Sombrio. Poe, quando jovem, ficou órfão de
mãe, que morreu pouco depois de seu pai aban-
donar a família, e foi acolhido por um casal de
Richmond, na Virgínia, engressando na univer-
sidade. A vida universitária durou um semestre,
pois Poe sempre estava envolvido em confusões
relativas a mulheres e ao álcool (MEYERS, 1992). Edgar Allan Poe
Por isso tivera uma discussão com o pai adotivo,
que o fez se alistar nas forças armadas, mas, novamente, por causa do vício do
álcool e do jogo, foi dispensado em menos de dois anos.
Sua carreira começou humildemente, com a publicação de uma coleção
anônima de poemas, Tamerlane and Other Poems (1827). Anos depois, come-
çou a escrever contos e trabalhar em revistas e jornais. Em Baltimore, em 1836,

EDGAR ALLAN POE E AS LITERATURAS DE TERROR E DE DETETIVES


55

casou-se com Virginia Clemm, sua prima de 13 anos de idade, mas ela morre2
de tuberculose dois anos depois da publicação de seu mais famoso poema O
Corvo (The Raven [1845]).

The Raven (1845)


Once upon a midnight dreary, while I pondered, weak and weary,
Over many a quaint and curious volume of forgotten lore—
While I nodded, nearly napping, suddenly there came a tapping,
As of some one gently rapping, rapping at my chamber door.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

“’Tis some visitor,” I muttered, “tapping at my chamber door—


Only this and nothing more.”

Ah, distinctly I remember it was in the bleak December;


And each separate dying ember wrought its ghost upon the floor.
Eagerly I wished the morrow;—vainly I had sought to borrow
From my books surcease of sorrow—sorrow for the lost Lenore—
For the rare and radiant maiden whom the angels name Lenore—
Nameless here for evermore.

And the silken, sad, uncertain rustling of each purple curtain


Thrilled me—filled me with fantastic terrors never felt before;
So that now, to still the beating of my heart, I stood repeating
“’Tis some visitor entreating entrance at my chamber door—
Some late visitor entreating entrance at my chamber door;—
This it is and nothing more.”

Presently my soul grew stronger; hesitating then no longer,


“Sir,” said I, “or Madam, truly your forgiveness I implore;
But the fact is I was napping, and so gently you came rapping,
And so faintly you came tapping, tapping at my chamber door,

2 Biógrafos e críticos costumam sugerir que o tema de “morte de mulheres bonitas” que aparece frequentemente em suas
obras decorre da perda de mulheres ao longo de sua vida, incluindo sua esposa.

Edgar Allan Poe


56 UNIDADE II

That I scarce was sure I heard you”—here I opened wide the door;—
Darkness there and nothing more.

Deep into that darkness peering, long I stood there wondering, fearing,
Doubting, dreaming dreams no mortal ever dared to dream before;

But the silence was unbroken, and the stillness gave no token,
And the only word there spoken was the whispered word, “Lenore?”
This I whispered, and an echo murmured back the word, “Lenore!”—

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Merely this and nothing more.

Back into the chamber turning, all my soul within me burning,


Soon again I heard a tapping somewhat louder than before.
“Surely,” said I, “surely that is something at my window lattice;
Let me see, then, what thereat is, and this mystery explore—
Let my heart be still a moment and this mystery explore;—
’Tis the wind and nothing more!”

Open here I flung the shutter, when, with many a flirt and flutter,
In there stepped a stately Raven of the saintly days of yore;
Not the least obeisance made he; not a minute stopped or stayed he;
But, with mien of lord or lady, perched above my chamber door—
Perched upon a bust of Pallas just above my chamber door—
Perched, and sat, and nothing more.

Then this ebony bird beguiling my sad fancy into smiling,


By the grave and stern decorum of the countenance it wore,
“Though thy crest be shorn and shaven, thou,” I said, “art sure no craven,
Ghastly grim and ancient Raven wandering from the Nightly shore—
Tell me what thy lordly name is on the Night’s Plutonian shore!”
Quoth the Raven “Nevermore.”

EDGAR ALLAN POE E AS LITERATURAS DE TERROR E DE DETETIVES


57

Much I marvelled this ungainly fowl to hear dis-


course so plainly,
Though its answer little meaning—little relevancy
bore;
For we cannot help agreeing that no living human
being
Ever yet was blessed with seeing bird above his
chamber door—
Bird or beast upon the sculptured bust above his
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chamber door,
With such name as “Nevermore.”

But the Raven, sitting lonely on the placid bust, spoke only
That one word, as if his soul in that one word he did outpour.
Nothing farther then he uttered—not a feather then he fluttered—
Till I scarcely more than muttered “Other friends have flown before—
On the morrow he will leave me, as my Hopes have flown before.”
Then the bird said “Nevermore.”

Startled at the stillness broken by reply so aptly spoken,


“Doubtless,” said I, “what it utters is its only stock and store
Caught from some unhappy master whom unmerciful Disaster
Followed fast and followed faster till his songs one burden bore—
Till the dirges of his Hope that melancholy burden bore
Of ‘Never—nevermore’.”

But the Raven still beguiling all my fancy into smiling,


Straight I wheeled a cushioned seat in front of bird, and bust and door;
Then, upon the velvet sinking, I betook myself to linking
Fancy unto fancy, thinking what this ominous bird of yore—
What this grim, ungainly, ghastly, gaunt, and ominous bird of yore
Meant in croaking “Nevermore.”3

3 Poe (1988, s.p.).

Edgar Allan Poe


58 UNIDADE II

This I sat engaged in guessing, but no syllable expressing


To the fowl whose fiery eyes now burned into my bosom’s core;
This and more I sat divining, with my head at ease reclining
On the cushion’s velvet lining that the lamp-light gloated o’er,
But whose velvet-violet lining with the lamp-light gloating o’er,
She shall press, ah, nevermore!

Then, methought, the air grew denser, perfumed from an unseen censer

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Swung by Seraphim whose foot-falls tinkled on the tufted floor.
“Wretch,” I cried, “thy God hath lent thee—by these angels he hath sent thee
Respite—respite and nepenthe from thy memories of Lenore;
Quaff, oh quaff this kind nepenthe and forget this lost Lenore!”
Quoth the Raven “Nevermore.”

“Prophet!” said I, “thing of evil!—prophet still, if bird or devil!—


Whether Tempter sent, or whether tempest tossed thee here ashore,
Desolate yet all undaunted, on this desert land enchanted—
On this home by Horror haunted—tell me truly, I implore—
Is there—is there balm in Gilead?—tell me—tell me, I implore!”
Quoth the Raven “Nevermore.”

“Prophet!” said I, “thing of evil!—prophet still, if bird or devil!


By that Heaven that bends above us—by that God we both adore—
Tell this soul with sorrow laden if, within the distant Aidenn,
It shall clasp a sainted maiden whom the angels name Lenore—
Clasp a rare and radiant maiden whom the angels name Lenore.”
Quoth the Raven “Nevermore.”

“Be that word our sign of parting, bird or fiend!” I shrieked, upstarting—
“Get thee back into the tempest and the Night’s Plutonian shore!
Leave no black plume as a token of that lie thy soul hath spoken!

EDGAR ALLAN POE E AS LITERATURAS DE TERROR E DE DETETIVES


59

Leave my loneliness unbroken!—quit the bust above my door!


Take thy beak from out my heart, and take thy form from off my door!”
Quoth the Raven “Nevermore.”

And the Raven, never flitting, still is sitting, still is sitting


On the pallid bust of Pallas just above my chamber door;
And his eyes have all the seeming of a demon’s that is dreaming,
And the lamp-light o’er him streaming throws his shadow on the floor;
And my soul from out that shadow that lies floating on the floor
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Shall be lifted—nevermore!

As melhores traduções de O Corvo em português são de Fernando Pessoa e


Machado de Assis. Veja, a seguir, trechos de ambas as traduções.

O CORVO (tradução de Fernando Pessoa)

Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,


Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de algúem que batia levemente a meus umbrais.
“Uma visita”, eu me disse, “está batendo a meus umbrais.
É só isto, e nada mais.”
Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu’ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P’ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais -
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
Mas sem nome aqui jamais!

(PESSOA, 1974, s.p).


____________

Edgar Allan Poe


60 UNIDADE II

O CORVO (tradução de Machado de Assis)

Em certo dia, à hora, à hora


Da meia-noite que apavora,
Eu, caindo de sono e exausto de fadiga,
Ao pé de muita lauda antiga,
De uma velha doutrina, agora morta,
Ia pensando, quando ouvi à porta
Do meu quarto um soar devagarinho,

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
E disse estas palavras tais:
“É alguém que me bate à porta de mansinho;

Há de ser isso e nada mais.”

Ah! bem me lembro! bem me lembro!


Era no glacial dezembro;
Cada brasa do lar sobre o chão refletia
A sua última agonia.
Eu, ansioso pelo sol, buscava
Sacar daqueles livros que estudava
Repouso (em vão!) à dor esmagadora
Destas saudades imortais
Pela que ora nos céus anjos chamam Lenora.

E que ninguém chamará mais. 4

Em seu texto The Philosophy of Composition (1846), Poe explica o passo a passo
de sua escrita e produção de The Raven, considerado como uma “lenta agonia
romântica” (ROYOT, 2009, p. 33). Poe, em seu ensaio, revela que tentou passar
por meio da sonoridade a melancolia (POE, 1967). Buscou, então, um estribilho
que, na palavra nevermore (nunca mais), produziria essa função:

4 Câmara Jr. (1958, p. 101-109).

EDGAR ALLAN POE E AS LITERATURAS DE TERROR E DE DETETIVES


61

Na verdade, afirmou, “foi a primeira {palavra} que me veio à mente”,


procurando, em seguida, um pretexto para empregá-la repetidamente.
Pensou, então, em incluir a figura de um corvo, ave de mau agouro e
símbolo da morte, que repetiria a palavra nevermore; o som nasalado
do estribilho e a repetição do fonema fechado / :/ só acentuariam o
tom triste e choroso do poema. Decidiu, finalmente, combinar a figura
de um jovem chorando a morte da bela amada com a presença de um
corvo, à janela, agourando que o jovem “Nunca mais” veria a sua ama-
da. Para completar o efeito, conclui Poe, “fiz também com que a ave
pousasse sobre o busto de Palas para contrastar as plumas negras e o
mármore”, além de considerar a sonoridade do nome da deusa (ANAS-
TÁCIO; SILVA, 2007, p. 51).
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Percebe-se que o simbolismo utilizado por Poe é frequente em todo poema, ou


melhor, em toda sua obra. A poesia e prosa poeana é caracterizada pelos sím-
bolos, metonímias e deslocamentos (Freud), ou seja, tem-se uma ideia e passa-a
por meio de outras. No caso de The Raven, por exemplo, o efeito da melancolia
e perda apoia-se na sonoridade, na imagem do corvo, na cor de suas penas, no
busto de Palas (a deusa bélica) e no termo Nevermore.
Já o poema A Dream Within A Dream foi primeiramente publicado em 1849.
Tem 24 linhas, divididas em duas estrofes, e questiona a forma como se pode
distinguir a realidade da fantasia, outro tema comum em Poe, devido às ques-
tões de sanidade e loucura trabalhadas em seus contos.

Quando um louco parece completamente lúcido é o momento de colocar-


-lhe a camisa de força.
Fonte: Edgar Allan Poe

Edgar Allan Poe


62 UNIDADE II

A Dream Within a Dream

Take this kiss upon the brow!


And, in parting from you now,
Thus much let me avow —
You are not wrong, who deem
That my days have been a dream;
Yet if hope has flown away
In a night, or in a day,

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In a vision, or in none,
Is it therefore the less gone?
All that we see or seem
Is but a dream within a dream.

I stand amid the roar


Of a surf-tormented shore,
And I hold within my hand
Grains of the golden sand —
How few! yet how they creep
Through my fingers to the deep,
While I weep — while I weep!
O God! Can I not grasp
Them with a tighter clasp?
O God! can I not save
One from the pitiless wave?
Is all that we see or seem
But a dream within a dream?
(POE, 1988, p.14)

EDGAR ALLAN POE E AS LITERATURAS DE TERROR E DE DETETIVES


63

Um Sonho dentro de um Sonho

Tome este beijo sobre tua fronte!


E, desvencilhando-me de ti agora,
Permita-me confessar -
Não erras, ao supor
Que meus dias têm sido um sonho;
Ainda se a esperança esvaiu-se
Numa noite, ou num dia,
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Numa visão, ou em nenhuma,


Tudo aquilo que vemos ou nos parece
Nada mais é do que um sonho dentro de um sonho.

Permaneço em meio ao bramido


Da costa atormentada pelas ondas,
E seguro em minha mão
Grãos dourados de areia-
Quão poucos! e contudo como arrepiam
Por entre meus dedos às profundezas,
Enquanto choro-enquanto choro!
Oh Deus! não posso eu segurá-los
De punho mais firme?
Oh Deus! não posso salvar
Um único da onda impiedosa?
Tudo aquilo que vemos ou nos parece
Nada mais é do que um sonho dentro de um sonho.
(Tradução do autor)

Já, na prosa, seu primeiro conto foi Ms. Found In a Bottle (1833), seguido por
vários outros clássicos, como A Queda da Casa de Usher (The Fall of the House
of Usher [1839]) e O Barril de Amontillado (The Cask of Amontillado [1846]):

Edgar Allan Poe


64 UNIDADE II

A história do Barril de Amontillado (1846), por exemplo, se passa du-


rante um carnaval italiano. Nele, Montresor satisfaz sua sede de
vingança atraindo Fortunato, razão de suas desgraças, para seu
porão, para aí enterrá-lo vivo. [...]. O narrador de “A queda da
casa Usher” (1839) visita Roderick Usher, amigo de juventude,
que mora numa casa decrépita, às margens de um lago. Enfra-
quecida por catalepsia, Madeline, irmã gêmea de Roderick, é de-
clarada morta e depois enterrada no porão da casa. Numa tarde
tempestuosa, Roderick lê em voz alta um texto medieval cuja

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ação se confunde com barulhos que antecedem a aparição de
Madeline em sua mortalha. Quando irmão e irmã caem mor-
tos, o narrador, tomado de pavor, vê a casa os Usher desmoronar
dentro do lago, à luz da lua (ROYOT, 2009, p. 34).

Outros contos como O Poço e o Pêndulo (The Pit and the Pendulum, [1842]), O
Gato Preto5 (The Black Cat, [1843]) e O Demônio da Perversidade (The Imp of
the Perverse, [1845]) monstram o porquê de seu nome estar no cânone mundial.
Na leitura complementar, apresento-lhe o conto O Coração Revelador/Delator
(Tell Tale Heart [1843]), um excelente conto sobre loucura e culpa.
Do ponto de vista teórico-crítico, Edgar Allan Poe contribui muito para a teo-
ria literária. Como abordado, em The Philosophy of Composition (1846), o autor
descreve seu método de escrita em O Corvo, pontuando, assim, que a escrita
é um exercício técnico: “aos seus olhos, a unidade orgânica e o efeito único de
uma obra só são alcançados por meio de uma rigorosa elaboração intelectual”
(ROYOT, 2009, p. 33).
Edgar Allan Poe faz parte da cultura popular. Não só estadunidense, mas do
mundo. Poe é pop. As referências ao contista estão na série Supernatural, The
Simpsons, CSI, na série Contos de Edgar, pelo canal FOX, e no canal Warner
Channel, com a série The Following, que mescla suspense, mistério e trama policial.
Em 7 de outubro de 1849, aos 40 anos, morreu de causa ainda hoje desco-
nhecida. Poe foi, segundo Royot (2009, p. 32), por muito tempo desacreditado
pela crítica americana, mas, hoje, é reverenciado como um dos maiores contis-
tas do mundo, bem como o precursor das narrativas de Detetive e de Terror.

5 O conto The Black Cat (O Gato Preto) foi apresentado a você no livro Teoria da Literatura.

EDGAR ALLAN POE E AS LITERATURAS DE TERROR E DE DETETIVES


65
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O ROMANCE POLICIAL OU ROMANCE DE DETETIVE

Com Os Assassinatos da Rua Morgue (The Murders in the Rue Morgue [1841]),
Poe inaugura dois elementos literários: o romance policial e o “personagem dete-
tive”, próprio dessa tipologia Chevalier Auguste Dupin é um detetive fictício
criado por Edgar Allan Poe, considerado o primeiro detetive da ficção, além de
ser o precursor dos detetives da literatura policial, incluindo Sherlock Holmes,
de Arthur Conan Doyle, e Poirot, de Agatha Christie.
Nos anos seguintes, mais duas histórias policiais de Poe foram publicadas,
The Mistery of Marie Rogêt (O Mistério de Mary Roge [1842]) e The Purloined
Letter (A Carta Roubada [1845]). O auge do texto policial foi quando tais roman-
ces foram publicados em jornais e revistas semanais, como os folhetins, por
exemplo. Ademais, o fator que acabou dando visibilidade a esse subgênero foi a
cobertura policial de crimes.
O Romance Policial ou Romance de Detetive é um gênero pertencente à lite-
ratura de massa, caracterizado basicamente por: um crime, um criminoso, uma
vítima e o detetive, além de uma estrutura narrativa que contenha o suspense ao

O Romance Policial ou Romance de Detetive


66 UNIDADE II

longo da trama, pistas acerca da identidade do criminoso, que mantém o suspense


ao longo de toda a narrativa. A partir de um crime, de autoria desconhecida, o
sujeito do fazer detetive é acionado a desvendar o mistério, e é o suspense acerca
da identidade do assassino que mantém o leitor preso à narrativa. Estaticamente
o narrador é um amigo/discípulo do investigador; a reflexão predomina sobre
a ação; há um ambiente fechado; o final precisa surpreender o leitor etc. Tais
ingredientes são perfeitos para a criação de histórias de detetives, que ganham
esse outro nome devido à presença desse personagem, que, apesar de parecer um
“tipo”, é extremamente bem construído e de profundidade psicológica. O dete-

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tive costuma receber auxílio dos chamados “auxiliares do saber”, que o auxiliam
na solução de mistérios. De forma paralela, o criminoso e o detetive percorrem
a narrativa, cruzando-se no final do enredo, quando o detetive descobre o assas-
sino e o entrega ao julgador oficial (justiça, por exemplo).
No final do século XIX, Edgar Allan Poe criou o gênero narrativa policial
ao inserir a figura do detetive Auguste Dupin nos contos de mistério “Os crimes
da rua Morgue”, “O mistério de Marie Roget” e “A carta roubada”. Dupin era um
detetive metódico, que trabalhava sozinho e que era escolhido por ser o único
do enredo capaz de encontrar a identidade do criminoso.

EDGAR ALLAN POE E AS LITERATURAS DE TERROR E DE DETETIVES


67

Auguste Dupin: é o percursor dos detetives, um verdadeiro cavaleiro, reser-


vado e que gosta muito de ler. É um detetive amador, que procura satisfazer
sua curiosidade e ego. Observador nato, Dupin vê o que o leitor e a polícia
ignora. Poe colou o narrador como amigo anônimo do detetive, inspirando
o modelo – detetive e assistente.
Hercule Poirot: apresentado em “O Misterioso caso de Styles” (1920), o ex-
-policial belga, extremamente organizado, elegante e metódico, tem como
marca seu excêntrico bigode. Presente em 80 histórias de Agatha Christie,
Poirot usa de psicologia humana para desvendar os mistérios, com a par-
ceria de seu amigo Capitão Hastings, que é narrador das histórias em que
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aparece. Christie mata o personagem no livro “Cai o Pano” (1975), escrito


25 anos antes e guardado em um cofre. A autora queria, com isso, que nin-
guém mais usasse seu personagem.
Sherlock Holmes: exemplo de criatura que supera o criador, Holmes é mais
famoso que seu autor, Conan Doyle. Com 60 histórias, o detetive da Baker
Street vive no ambiente urbano de Londres, no final do século XIX. Um pou-
co arrogante, tem como método a observação detalhada, a dedução e lógi-
ca. Seu colega Dr. Watson não faz parte dos romances, usado em primeiras
adaptações para o teatro. O personagem morre no livro “O Problema Final”
(1893), mas volta por causa de protesto de fãs em “A Casa Vazia” (1903).
Miss Marple: a senhorinha de aparência frágil é uma investigadora sagaz.
Marple gosta de fazer crochê e cuidar de jardim e, também, por ser curiosa,
de solucionar mistérios. Em “Assassinato na casa do pastor” (1930), a perso-
nagem de Agatha Christie aparece pela primeira vez. O modus operandi de
Marple é fazer paralelo dos fatos com coisas já acontecidas em sua cidade
natal.
Comissário Maigret: criação do escritor belga Georges Simenon, apareceu
em Train de Nuit (1929). Maigret é funcionário da polícia francesa e protago-
nizou mais de 100 histórias, sempre priorizando a motivação do crime e não
como ele aconteceu.
Fonte: adaptado de Ler&Cia (2014,p. 8-9).

O Romance Policial ou Romance de Detetive


68 UNIDADE II

Nos romances de detetives de Poe, Christie e Doyle, os atos de Dupin, Marple,


Holmes e Poirot eram focando o enredo, trabalhavam sozinhos, ainda que tives-
sem “assistentes”, cada um tinha seu método e técnicas próprias, de forma que
suas atuações eram sempre bem-sucedidas.
Contudo, os romances policias, ainda que seguindo modelos fixos, possuem
diferenças ou subgêneros, sendo eles: o Whodunnit?, Noir, Thriller Jurídico e
Médico e a Espionagem.
• Whodunnit?
O termo é a abreviação de Who Done It? (Quem Fez Isso?) e se refere ao

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tipo de romance policial em que há vários suspeitos para um crime. Toda a
trama, incluindo a identidade do culpado, será revelada no final do livro. Agatha
Christie, Arthur Conan Doyle e Edgar Allan Poe são exemplos dessa tipologia.
• Noir
Noir é preto em francês. Os romances noir ou literatura noire são o tipo
de romance policial com bastante mistério e suspense. O termo faz analogia ao
caráter sombrio e escuro dos ambientes e cenários, às vezes, “sujos” (tanto fisi-
camente como simbolicamente). O termo se estendeu nos anos 40 ao cinema,
designando tipos de filme. Um elemento interessante do romance noir é que
os personagens são humanizados, inclusive, os detetives e investigadores, que
podem beber, brigar, se envolver sexualmente ou afetivamente. Também exis-
tem outras tramas paralelas, a história, portanto, não gira em torno de apenas
um fato, como o crime, por exemplo, mas em torno de vários.
• Thriller Jurídico e Médico
Os romances policiais em que o protagonista é um advogado, promotor ou
policial investigador são chamados Thrillers Jurídicos. A estes cabem não só
investigar, como também provar a inocência ou a culpa de algum personagem.
Já os Thrillers Médicos são romances policiais protagonizados por médicos, que
usam seus conhecimentos para combater doenças e epidemias, erros médicos
etc., além de descobrirem circunstâncias e causas de morte por meio de análi-
ses clínicas e médicas.
• Romances de Espionagem
James Bond é o grande exemplo de personagem dos romances policiais,
geralmente envolvendo investigações de grandes crimes internacionais. Seu

EDGAR ALLAN POE E AS LITERATURAS DE TERROR E DE DETETIVES


69

criador, o escritor e jornalista Ian Fleming (1908-1964), ficou conhecido pelas


histórias que deram origem aos filmes do agente secreto 007, tendo como pri-
meiro romance Casino Royale (1953).

AGATHA CHRISTIE
No final do séc. XVII, as mulheres inglesas, preocupadas com a igualdade de direi-
tos, delinearam o que seria chamado de Feminismo. Os primeiros textos sobre
a questão do papel da mulher criticavam as restrições de atividades impostas a
elas, sem necessariamente culpar os homens por isso ou dizer de modo geral que
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as mulheres eram inferiorizadas. O feminismo é tido geralmente como iniciado


no século XIX, tendo como marco a importante publicação A vindication of the
rights of woman (1792), de Mary Wollstonecraft, mãe da escritora Mary Shelley.
O texto de Wollstonecraft veio a público somente no século XVII.
Décadas depois, com as efervescências do feminismo em Londres, Emmeline
Pankhurst, uma das fundadoras do movimento das sufragistas inglesas, preten-
deu revelar o sexismo institucional na sociedade britânica, tendo criado a União
Social e Política das Mulheres (WSPU – Woman Social and Political Union). Na
mesma época, ainda na Europa (França) do século XIX, uma das correntes posi-
tivistas, a Neurofisiologia, empenhava-se em descrever a insanidade como uma
doença física. Era a associação da medicina-patológica à pesquisa neurológica,
focando-se mais especificamente nas investigações acerca da criminalidade femi-
nina. Essa corrente representava-se por estudos conduzidos pelos antropólogos
criminais italianos, Cesare Lombroso e Guglielmo Ferrero, como observado na
obra La femme criminelle et la prostituée (1896).
Percebem-se, ao longo dos séculos e décadas, as pessoas serem influenciadas
por movimentos. Justamente, no final do século XIX, nasce a escritora Agatha
Mary Clarissa Christie, que fora, sem dúvida, influenciada, como qualquer outra
senhora de sua época, com ideias feministas de Pankhurst e Wollstonecraft quanto
com as novas ideias da criminologia feminina de Lombroso e Ferrero.
Nascida em Devon, Inglaterra, em 15 de setembro de 1890, ficou conhecida
popularmente como Agatha Christie. Apesar de ter sido uma escritora que tra-
balhou com romances, contos, teatro e poemas, foi no subgênero policial que se
destacou e tornou-se mundialmente conhecida como a “Rainha/Dama do Crime”.

O Romance Policial ou Romance de Detetive


70 UNIDADE II

Christie vendeu mais de 4 bilhões de livros ao


longo dos séculos XX e XXI. Tal contagem baseia-
-se em toda a sua obra, cerca de mais de oitenta
livros, ficando em números totais apenas atrás
da Bíblia e de William Shakespeare. De todos os
seus livros, o mais vendido foi Ten Little Niggers
(1939). Apesar da polêmica sobre o título, acu-
sado de racismo, e alterado em outras edições
como And Then There Were None ou Ten Little

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Indians, o livro foi o romance policial mais ven-
dido da história.
Ten Little Niggers (1939) Agatha Christie
Fonte: Agatha... (2014, online).
Dez pessoas recebem um estranho convite para pas-
sar um fim de semana na remota Ilha do Negro. São elas: Anthony Marston,
Emily Brent, Ethel Rogers, Thomas Rogers, Philip Lombard, Henry Blore, Vera
Claythorne, o general Macarthur, Lawrence Wargrave e o Dr. Edward Armstrong.
Nenhum dos personagens havia se encontrado antes, mas logo ficam sabendo
sobre o passado de cada, pois uma misteriosa voz, na primeira noite, após o jan-
tar, acusa-os, um por um, de crimes cometidos no passado.
Um quadro acima da lareira da sala conta um poema de como dez negrinhos
morreram, bem como os negrinhos de porcelana que enfeitam a mesa de jan-
tar revelam a ligação do que está para ocorrer com a canção de ninar chamada
Ten Little Niggers (cujas versões populares mudam para Ten Little Soldiers ou
Tem Little Indians).
Um a um vai sumindo, sendo assassinados. Impossibilitados de ir embora,
as personagens vão esperando com desespero seu derradeiro final.

O Caso dos Dez Negrinhos [em português]: http://colegiocec.com.br/arquivos/aga-


tha.christie.-.o.caso.dos.dez.negrinhos.pdf>.
Acesso em: 23 jun. 2015.

Apesar do sucesso com o livro de 1939, Agatha Christie já era conhecida devido ao
sucesso de Murder on the Orient Express (Assassinato no Expresso do Oriente),

EDGAR ALLAN POE E AS LITERATURAS DE TERROR E DE DETETIVES


71

de 1934, protagonizado pelo detetive belga Hercule Poirot.


A realidade histórica em que Agatha Christie se encontrava auxiliou no seu
processo criativo, que fora inspirado, principalmente, por Edgar Alan Poe, que
inaugurou a época dos contos policiais, com “Os crimes da rua Morgue” (1841),
o primeiro romance detetive de fato da literatura que estabelece alguns padrões
que foram seguidos por vários autores.
O diferencial de Christie está no papel que dá à mulher em suas histórias. A
mulher passa a ser a assassina, usando venenos letais e armas brancas, cometendo
o mais ardil crime no escuro e por motivos bem característicos e próprios. Artur
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Farajoto, formado em Direito pela Faculdade de Direito de Lisboa, com curso


superior de Medicina Legal e membro do Mystery Writers (USA) e da socie-
dade Internacional de Criminologia, crê que os motivos que levam a mulher a
matar ou desejar que alguém morra são: ciúmes, vingança, lucro, inveja, elimi-
nação de rival e pelo simples prazer de matar. Alguns desses motivos encontram
o mais vivo repúdio da opinião pública, mas são comuns na literatura da rainha
do conto policial. Agatha Christie mostra isso com suas assassinas, sendo, assim,
uma feminista e uma autora ícone de sua época que ousou criar uma detetive –
Miss Marple, a idosa detetive amadora.
De toda a sua obra policial, destaco os romances: The Murder of Roger Ackroyd
(1926), Murder on the Orient Express (1934), Murder in Three Acts (1935), The
A.B.C. Murders (1936), Murder in Mesopotamia (1936), Death on the Nile (1937),
Ten Little Niggers/And Then There Were None/Ten Little Indians (1939), N or M?
(1941), The Body in the Library (1942), Crooked House (1949), Cat Among the
Pigeons (1959), The Clocks (1963), Hallowe’en Party (1969) e Curtain (1975).
Agatha Christie é constantemente referida por seus emblemáticos persona-
gens, incluindo o detetive belga Hercule Poirot e a idosa detetive amadora Jane
Marple ou Miss Marple.

ARTHUR CONAN DOYLE


Em maio de 1859, nasceu Sir Arthur Ignatius Conan Doyle, escritor e médico
escocês, sendo mais conhecido seu personagem, o detetive Sherlock Holmes.
Como escritor, Conan Doyle tem obras que giram em torno da fantasia, roman-
ces de detetive, poesia, romance histórico, não ficção e romance diverso.

O Romance Policial ou Romance de Detetive


72 UNIDADE II

Doyle e seu Sherlock Holmes


Seu primeiro trabalho com Sherlock Holmes e Dr.
Watson foi no texto A Study in Scarlet, publicado
pela Ward Lock & Co, em novembro de 1886. O per-
sonagem Holmes é uma construção baseada em um
homem da ficção e outro da realidade. O detetive
Sherlock Holmes foi parcialmente baseado no ex-pro-
fessor universitário de Doyle, Joseph Bell, bem como
no personagem C. Auguste Dupin, de Edgar Allan Poe.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
As histórias em que Holmes aparecia foram publi-
cadas na revista Strand. O sucesso foi estrondoso, mas
Arthur Conan Doyle
consumava muito tempo de Doyle, que desejava dedicar Fonte: Genthe (online).
o seu tempo em romances históricos. No final de 1893,
Doyle resolve matar Sherlock Holmes, bem como seu arqui-inimigo, Professor
Moriarty, lançando-os às Cataratas de Reichenbachem “The Final Problem”. Mas
o clamor público, no entanto, faz com que Conan Doyle apresente novamente o
detetive inglês no romance The Hound of the Baskervilles (1902).
Muito antes de Holmes ser criado, Doyle já publicava romances, como The
Mystery of Cloomber (1888) e o inacabado
Narrative of John Smith, publicado apenas
em 2011 (SAUDERS, 2011). Fora dos tex-
tos policiais, Doyle é reconhecido por sua
obra The Lost World (1912). Em O Mundo
Perdido (The Lost World), a estória gira em
torno de uma expedição à bacia amazônica
da América do Sul, onde haveria ani-
mais pré-históricos, como dinossauros. O
romance foi publicado em partes na Strand
Magazine, durante oito meses. Surge, no
livro, o personagem Professor Challenger, Sherlock Holmes

Assistente no Museu Britânico e pesquisa-


dor em paleontologia e zoologia. Challenger é um personagem fixo de outros
romances de Conan Doyle.

EDGAR ALLAN POE E AS LITERATURAS DE TERROR E DE DETETIVES


73

A estória foi base para a franquia Jurassic Park, composta por livros (Jurassic
Park [1990] e The Lost World [1995]) e filmes, de Michael Crichton, em que, em
uma tentativa de criar um parque temático onde vivem dinossauros, acaba em
desastre.
Contudo, foi com The Hound of the Baskervilles (1902) que Conan Doyle
reconfigura um antigo subgênero do gótico, o Terror.

The Hound of the Baskervilles (1902)


Esse romance policial de 1902 foi traduzido
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

para português como “O Cão dos Baskervilles”.


Na estória, Holmes e Watson investigam a morte
do Sir Charles Baskerville, um milionário inglês
achado morto em um pântano próximo de seu lar.
Há um mito sobre sua morte, de que fora assas-
sinado por um cão que assombrava a região. Em
meados do século XVII, um lendário e fantasma-
górico cão matou Hugo Baskerville na charneca
da propriedade familiar, em Dartmoor, e nunca
mais parou de assombrar a família. O cão-fan-
tasma é conhecido por matar gerações da família
Baskerville. Após a morte de Sir Charles Baskerville, o seu sobrinho Sir Henry
recebe uma ameaçadora carta anônima e assume a mansão. Sherlock Holmes é
chamado para investigar o caso e descobrir se o futuro proprietário terá o mesmo
destino que seus antepassados.
O terror presente em “O Cão dos Baskervilles” diversifica seu próprio con-
ceito e antecede temas com animais e terror psicológico, como em Cujo (1981),
de Stephen King.

O Romance Policial ou Romance de Detetive


74 UNIDADE II

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
LITERATURA DE TERROR

A palavra terror vem do latim terror, “medo, terror”; de terrere, “assustar, causar
medo”. Logo, o gênero terror visa causar medo no leitor e não suspense, como os
romances de detetive. A literatura de Terror é subgênero do Gótico e se destaca
nos romances com o uso da psicologia do terror (o medo, a loucura, a devassidão
sexual, a deformação do corpo), do imaginário sobrenatural (fantasmas, demô-
nios, espectros, monstros). O terror pode ser exterior ou interior. No exterior,
quase sempre o medo é baseado na relação do enredo com sangue e à violên-
cia, e, no interior, no psicológico, o temor é gerado a partir da vulnerabilidade
da mente humana a alguma situação ou alguma sensação desconfortável psi-
cologicamente. Contudo, não é raro que ambas as relações se cruzam em cada
página dessa tipologia literária. Escritores como Robert Louis Steveson, Ann
Radcliffe, Edgar Allan Poe, Oscar Wilde, Bram Stoker e Stephen King são exem-
plos do gênero.
O romance de terror tem que ter basicamente dois elementos: o uso da psi-
cologia do terror e do imaginário sobrenatural.

The Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde (1886), de Robert Louis Steven-
son
Nascido em Edimburgo, na Escócia, em 1850, Robert Louis Balfour Stevenson

EDGAR ALLAN POE E AS LITERATURAS DE TERROR E DE DETETIVES


75

era filho de um próspero engenheiro civil, mas seguiu uma carreira alternativa
à do pai: o curso de Direito na Universidade de Edimburgo. A fascinação de
Stevenson pela vida urbana e pelo “baixo mundo” citadino o distanciou da famí-
lia. Esse submundo apresentou-lhe personagens bizarros, fornencendo um rico
material para suas histórias posteriores. Quando terminou o curso de Direito
em 1875, Stevenson já era um escritor profissional.
As primeiras obras publicadas de Stevenson, “Uma Viagem pelo interior”
(1878) e “Viagens com um burro nas Cervennes” (1879), baseadas em suas pró-
prias aventuras, foram seguidas de sua primeira obra de ficção extensa “A ilha do
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tesouro” (1883). Mas foi com a publicação de “O estranho caso do Dr. Jekyll e Mr.
Hyde” (The Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde) que ganhou fama internacional.
Nesse romance que aborda a dupla identidade, temos um advogado chamado
Gabriel Utterson, que investiga estranhas ocorrências entre seu velho amigo, Dr.
Henry Jekyll, e o malvado Edward Hyde. Mal sabe Utterson que ambos são um
só! Temos aí o tema do binarismo presente em todos os seres: o lado bom e o lado
ruim. Esse livro de Stevenson é influência para personagens como Hulk e para
o modelo ou arquétipo dos super-heróis de vida dupla: Clark Kent/Superman,
Bruce Wayne/Batman, Peter Parker/ Homem Aranha etc.
Linehan (2003) aponta que The Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde aborda
um conceito muito comum no período vitoriano inglês: o conflito interno. O
romance é interpretado de várias formas, desde o mais comum, que indica uma
dualidade da natureza humana (o bem e o mal coexistem em tudo), ou sob um
olhar freudiano, de que os pensamentos e desejos do consciente são banidos para
o inconsciente, desenvolve lá (no inconsciente) um ser totalmente diferente do
ser externo, movido pela consciência. De forma geral, “O Médico e o Monstro”,
nome popular do romance de Stevenson, aborda muito o caráter de “civilizado
contra selvagem”. Pois Dr. Jekyll vive em constante estado de repressão, contro-
lando seus impulsos, mecanismo este imposto pela sociedade ‘civilizada’. Hyde,
pelo contrário, não respeita nenhuma regra social, mostrando, assim, a tensão
ética e moral da sociedade anglo-escocesa do século 19, fundamentalmente fin-
cada na hipocrisia social.
Stevenson morreu em 3 de dezembro de 1894 de uma hemorragia cerebral,
enquanto trabalhava em sua obra-prima inacabada, Weir of Hermiston, em 1894.

Literatura de Terror
76 UNIDADE II

The Picture of Dorian Gray (1891), de Oscar Wilde


O jogo do “duplo” também é tema
de “O Retrato de Dorian Gray”. Basil
Hallward é um pintor impressionado e
encantado com a beleza do aristocrata
Dorian Gray. Por meio de Basil, Dorian
conhece Lorde Henry Wotton e logo se
encanta com a visão de mundo hedo-
nista do aristocrata: em que a beleza

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e a satisfação sensual são as únicas
coisas que valem a pena perseguir na
vida. Entendendo que sua beleza irá
desaparecer, Dorian pactua sua alma, Dorian Gray
para garantir que o retrato, em vez dele,
envelheça e desapareça. O desejo é concedido, e Dorian persegue uma vida liber-
tina de experiências variadas e amorais; enquanto isso, seu retrato envelhece e
registra todos os pecados que corrompem a alma.
Vale destacar que a vida do autor de
The Picture of Dorian Gray, Oscar Fingall
O’Flahertie Wills Wilde, ou Oscar Wilde,
influenciou de certa forma o enredo de sua
obra-prima. Inteligente e sofisticado, bem ao
estilo dândi de ser, Oscar Wilde era filho de
um médico e de uma escritora, sendo desde
a tenra infância a companhia de grandes
intelectuais. Após viagens à França e aos
EUA, retornou à Inglaterra, onde se casou
com Constance Lloyd e teve dois filhos, mas,
mesmo após o casamento, Oscar continuou
frequentando todas as rodas literárias, espa-
lhando glamour e comentários nos eventos
sociais em que comparecia.
Dorian Gray e seu retrato
Fonte: Satran (2013, online).

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77

Em 1891, lançou The Picture of Dorian Gray, dando-lhe o auge da vida lite-
rária. Mas as comparações entre Dorian e Wilde (ambos sempre elegantes e
extravagantes) foram crescendo (CARDOSO, 1935), surgindo boatos sobre sua
suposta homossexualidade. Tudo veio à tona, em maio de 1895, em que, após
três julgamentos, foi condenado a dois anos de prisão, com trabalhos forçados,
já que a homossexualidade era severamente condenada por lei na Inglaterra. O
denunciante foi o Marquês de Queensberry, pai de Lorde Alfred Douglas, suposto
amante de Wilde. Sua fama começou a desmoronar. Suas obras e livros foram
recolhidos e suas comédias retiradas de cartaz. Mas Wilde já antecipava o pro-
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blema à não aceitação da homossexualidade pela sociedade em The Picture of


Dorian Gray, afinal o romance fala sobre esteticismo e sua relação conceitual para
viver uma vida dupla6. Wilde nunca escondeu que os três personagens do seu
romance eram reflexos de si mesmo: Basil Hallward é o que pensava ser; Lorde
Henry é o que o mundo pensava dele e Dorian Gray é o quem ele gostaria de ser.

Drácula (1897), de Bram Stoker


Com Bram Stoker, o mal e o medo não estão mais no
interior do ser humano, mas fora, personificado em uma
criatura: o vampiro. O romance “Drácula”, de 1897, do
autor irlandês Bram Stoker, tem como protagonista o
vampiro homônimo ao título. Sem dúvida trata-se do
mais famoso conto de vampiros da literatura. Nesse
romance epistolar, a história gira em torno da chegada de
um solicitador, de nome Jonathan Harker, a um castelo na
Transilvânia. O jovem Harker trava conhecimento com
o excêntrico proprietário do castelo, o conde Drácula.
A figura do vampiro, bem como a do Drácula, foi
inspirada em mitologias anteriores de diversas cultu-
ras. O fato é que a chegada dessa imagem tradicional
do vampiro trouxe respostas aos medos do patriarcado

6 Todas as passagens claramente de cunho homoerótico foram tiradas da versão publicada. FRANKEL, Nicholas. The
Picture of Dorian Gray: An Annotated, Uncensored Edition. Cambridge, Massachusetts: Belknap Press (Harvard
University Press), 2011

Literatura de Terror
78 UNIDADE II

vitoriano. De forma geral, o vampiro é um ser folclórico que sobrevive se alimen-


tando da essência vital de criaturas vivas (geralmente sangue). Possivelmente, o
personagem de Stoker foi baseado na figura do voivode (príncipe) Vlad III, que
nasceu em 1431 e governou o território que corresponde à atual Romênia. Nessa
época, a Romênia estava dividida entre o mundo cristão e o mundo muçulmano,
e Vlad III, como cristão que era, lutou contra a presença dos turcos na região,
ficando conhecido pela perversidade com que tratava seus inimigos. Conta-se
que tinha por hábito matar os inimigos por meio do empalhamento, uma prática
popularizada por diversos panfletos medievais na Transilvânia, além de beber

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o sangue dos inimigos (FLORESCU; MCNALLY, 1989). O nome Dráculo vem
do romeno, Draculea (também grafado Drakulya), usado para designar Vlad em
diversos documentos, significa “filho do dragão”, referência a seu pai, Vlad Dracul.

The Case of Charles Dexter Ward (1941), de H. P. Lovecraft


Stephen King, o mestre do horror, considera Lovecraft como um “professor”.
Daí já podemos concluir que Howard Phillips Lovecraft (1890-1937), conhecido
como HP Lovecraft , foi um dos maiores autores de Terror, especificamente de
“ficção científica de terror”, do século XX.
Lovecraft nasceu em Providence, Rhode Island, onde passou a maior parte
de sua vida. Seu pai estava confinado em uma instituição mental, sendo cuidado
pelo avô, um rico empresário, que gostava de contar-lhe histórias de horror.
Intelectualmente precoce, Lovecraft começou a compor contos de terror aos oito
anos de idade. Já adulto, foi convidado a ser jornalista amador, abrindo portas
para a sua primeira publicação aos 31 anos.
A partir de 1926, produziu alguns de seus contos mais famosos, incluindo
The Call of Cthulhu. Seu gênero e estilo baseiam-se em um ambiente escuro
(dark), fantástico, gótico, horror e ficção científica.
A linguagem de Lovecraft não agradaria os leitores de hoje, pois o autor uti-
liza termos de época – década de 10, 20, 30. Especificamente, “O Caso de Charles
Dexter Ward” (1941) é uma novela HP Lovecraft, foi escrito no início de 1927,
mas não foi publicado durante a vida do autor, somente 14 anos depois. O livro
é, na verdade, um relato que conta a saga de um jovem interessado em arqueo-
logia que descobre que um de seus antepassados era considerado um excêntrico

EDGAR ALLAN POE E AS LITERATURAS DE TERROR E DE DETETIVES


79

feiticeiro pelo povo local. Sons de agonia


vindos de sua casa, suspeitas de vampi-
rismo e canibalismo, entre outras coisas,
eram parte das histórias contadas. O fato é
que, cada vez que o protagonista percorre
o passado, vai literalmente mergulhando
no mundo da magia negra!

Carrie (1974) e The Shinning (1977),


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de Stephen King
O maior escritor vivo de estórias de terror
Stephen King
em língua inglesa é, sem dúvida, Stephen
King. Nascido em 1947, Stephen Edwin King é um escritor estadunidense,
mundialmente conhecido pelo gênero de Terror e Ficção Científica. King é um
bestseller e um exemplo de literatura de massa considerada de qualidade. King
publicou mais de 54 romances, muitos considerados novelas. Stephen King tam-
bém escreve o gênero conto, que, atualmente, somam-se em mais de 200.
A qualidade da obra de King é visualizada em seus prêmios: Bram Stoker
Awards, World Fantasy Awards, British Fantasy Society Awards, Medal for
Distinguished Contribution to American Letters (2003), O. Henry Award, World
Fantasy Award for Life Achievement (2004), Canadian Booksellers Association
Lifetime Achievement Award (2007) e Grand Master Award from the Mystery
Writers of America (2007).
Stephen King foi um leitor assíduo de Mary Shelley, Stevenson, Edgar Allan
Poe e Lovecraft. Em seu livro The Philosophy of Horror (1990), Noël Carroll
discute o trabalho de King como um exemplar da moderna ficção de horror, ou
seja, você, aluno(a) de Letras, para compreender a estética do horror na litera-
tura em língua inglesa, tem que, necessariamente, passar por King.
Dos textos de King, eu sugiro a lista abaixo:
1974 - Carrie, a Estranha (Carrie)
1975 - Salem/A Hora do Vampiro (Salem’s Lot)
1977 - O Iluminado (The Shining)
1978 - A Dança da Morte (The Stand)

Literatura de Terror
80 UNIDADE II

1979 - A Zona Morta (The Dead Zone)


1980 - A Incendiária (Firestarter)
1981 - Cão Raivoso (Cujo)
1983 - O Cemitério (Pet Sematary)
1983 - A Hora do Lobisomem (Cycle of the Werewolf)
1986 - It - A Coisa (It)
1987 - Misery/Angústia (Misery)
1987 - Os Estranhos (The Tommyknockers)
1994 - Insônia (Insomnia)

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1995 - Rose Madder (Rose Madder)
1996 - À Espera de um Milagre (The Green Mile)
2009 - Sob a Redoma (Under The Dome)
2013 - Doutor Sono (Doctor Sleep)
Destes, porém, destacam-se “Carrie, a Estranha” (Carrie), de 1974, e “O Iluminado”
(The Shining), de 1977. Na primeira história, em estilo epistolar, a narrativa é
contada baseada em documentos ficionais, extratos de livros, notícias e outras
transcrições, apenas para deixar mais real a história de Carietta “Carrie” White,
uma garota adolescente de Chamberlain, no Maine. A mãe de Carrie, Margaret
White, uma cristã doentiamente fundamentalista, tem uma personalidade
vingativa e estranha, e, no passar dos anos, educou a jovem Carrie de forma con-
denativa. O comportamento abusivo, mental e emocional de Margaret faz com
que desperte em Carrie poderes
‘psíquicos’, que transforma-
rão para sempre a vida da
garota e da comunidade
local. A melhor adaptação
do romance para os cine-
mas foi em 1976, chamado
Carrie, a estranha, dirigido
pelo diretor estadunidense
Brian De Palma, trazendo
no elenco Sissy Spacek como Stephen King ao centro, com seus personagens. O palhaço de It e Carrie
(à Dir.) e Jack, de O Iluminado, e a antagonista de Misery.
Carrie. Fonte: Smith (2014, online).

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Já em “O Iluminado” (1977), vai narrar a estória de Jack Torrance, um aspi-


rante escritor e alcoólatra em recuperação que aceita o emprego de zelador do
famoso Hotel Overlook, nas montanhas do Colorado, na baixa temporada (alto
inverno). Para lá, junto com Jack, vai a sua esposa Wendy e seu filho Danny.
Danny é o “Iluminado” do título, uma criança que possui um conjunto de habili-
dades psíquicas que permitem que ele veja o passado horrível do hotel. As forças
sobrenaturais que habitam o hotel começam a influenciar a sanidade de Jack,
colocando em perigo sua esposa e filho, impossibilitados de sair, visto que uma
tempestade de neve deixa a família presa. A estória tem cenários e personagens
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baseados nas experiências pessoais do Stephen King, incluindo suas visitas ao


Hotel Stanley, no Colorado, em 1974, e a sua reabilitação do alcoolismo. O livro,
como quase todos romances de King, também foi adaptado para o cinema, tendo
a versão mais famosa, The Shining, dirigido por Stanley Kubrick, de 1980. Em
2013, o livro de 1977 ganhou uma sequência intitulada Doctor Sleep.

Literatura de Terror
82 UNIDADE II

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta unidade, estudamos a literatura inglesa pelo viés do gótico e de seus subgê-
neros: Romance Policial e Romance de Terror, bem como seus maiores expoentes,
obras e crítica literária.
Estudamos que o gênero gótico, surgido na Inglaterra, passa por uma refor-
mulação até chegar ao Romantismo estadunidense, com Edgar Allan Poe, contista
que ficou conhecido pela sua poesia e prosa gótica.
Estudamos a vida de Edgar Allan Poe, bem como sua obra, marcada pelo

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simbolismo macabro, o fantástico, o medo, a loucura e a insanidade, além do sim-
bolismo mágico do século XIX. Lemos trechos da obra de Poe, bem como o poema
O Corvo e o conto O Coração Delator na íntegra (na Leitura Complementar desta
unidade), percebendo, ali, marcas da escrita poeana, bem como de seu gênero.
Estudamos que foi com Edgar Allan Poe que o gótico passou por duas ramifica-
ções e/ou subgêneros: o Romance Policial/Romance de Detetive e a Literatura
de Terror, que também foram explorados nesta unidade.
Em relação ao romance policial, conhecemos e estudamos a obra de Agatha
Christie e de Arthur Conan Doyle. Também vimos que esses autores desenvol-
veram modelos de literatura com detetives como protagonistas, como Auguste
Dupin, o belga Poirot e a simpática velhinha Miss Marple e o maior de todos, o
detetive Sherlock Holmes. Tal modelo vingou e se tornou de grande valia para a
literatura trivial. Em muitos casos, vimos que o suspense já antecipava o medo,
sentimento esse que se desenvolveu como outro subgênero e que ganhou notorie-
dade nos dias de hoje. Assim, na última parte desta unidade, estudamos a estética
do medo desde Robert Stevenson, no século XIX, até o atual e contemporâneo
Stephen King, considerado o “mestre do horror”, que teve sua obra aproveitada
por grandes cineatas. Tais autores do medo e do suspense são, com seus temas
e obras, essenciais para a compreensão desse complexo mundo da literatura do
medo e do suspense, que foi tão profícuo na literatura em língua inglesa.

EDGAR ALLAN POE E AS LITERATURAS DE TERROR E DE DETETIVES


83

1. O estilo gótico desenvolveu-se durante a Idade Média e influenciou diversos


campos, da arquitetura às artes plásticas, chegando à literatura no século XVIII
com uma proposta estética oposta à do romantismo. Aponte as principais carac-
terísticas da literatura gótica.
2. O romantismo estadunidense tem como um de seus maiores nomes Edgar Allan
Poe, autor que popularizou o gênero gótico e cujas obras seguem ainda em nos-
sos dias arrebatando fãs e influenciando a cultura pop. Com base nessa afirma-
ção, pesquise a influência do legado cultural deixado por Poe na arte contempo-
rânea (cinema, música, literatura, dentre outros).
3. Com a publicação de The Murders in the Rue Morgue, Edgar Allan Poe inaugura
o gênero Romance Policial ou Romance de Detetive. Tal gênero pertence à li-
teratura de massa, vide a popularidade de autores como Agatha Christie, cujas
obras ultrapassam a casa dos bilhões de exemplares vendidos, ou de persona-
gens como Sherlock Homes, que se tornou mais popular que o próprio autor dos
romances, Conan Doyle. Sobre esse gênero, disserte acerca das peculiaridades
de sua estrutura narrativa.
4. A literatura de terror é considerada um subgênero do Gótico, prevalecendo en-
tre suas características a abordagem de temas obscuros, sobrenaturais, com di-
reito a monstros e fantasmas, mas também recorrendo-se ao chamado terror
psicológico, com a presença de elementos como o medo e a loucura. Assim, nes-
sas obras, o terror tanto pode ser exterior quanto interior. Nesse sentido, com
base nos autores estudados, aponte ao menos uma obra em que o terror é tanto
externo quanto interno, apresentando elementos da narrativa que corroborem
com sua escolha.
O CORAÇÃO DELATOR

É verdade! Nervoso, muito, muito nervoso nenhuma luz brilhasse, e então eu pas-
mesmo eu estive e estou; mas por que você sava a cabeça. Ah! o senhor teria rido se
vai dizer que estou louco? A doença exacer- visse com que habilidade eu a passava. Eu
bou meus sentidos, não os destruiu, não os a movia devagar, muito, muito devagar,
embotou. Mais que os outros estava agu- para não perturbar o sono do velho. Levava
çado o sentido da audição. Ouvi todas as uma hora para passar a cabeça toda pela
coisas no céu e na terra. Ouvi muitas coi- abertura, o mais à frente possível, para que
sas no inferno. Como então posso estar pudesse vê-lo deitado em sua cama. Aha!
louco? Preste atenção! E observe com que Teria um louco sido assim tão esperto? E
sanidade, com que calma, posso lhe con- então, quando minha cabeça estava bem
tar toda a história. dentro do quarto, eu abria a lanterna com
cuidado — ah!, com tanto cuidado! —, com
É impossível saber como a idéia penetrou cuidado (porque a dobradiça rangia), eu a
pela primeira vez no meu cérebro, mas, uma abria só o suficiente para que um raiozinho
vez concebida, ela me atormentou dia e fino de luz caísse sobre o olho do abutre.
noite. Objetivo não havia. Paixão não havia. E fiz isso por sete longas noites, todas as
Eu gostava do velho. Ele nunca me fez mal. noites à meia-noite em ponto, mas eu sem-
Ele nunca me insultou. Seu ouro eu não pre encontrava o olho fechado, e então era
desejava. Acho que era seu olho! É, era isso! impossível fazer o trabalho, porque não
Um de seus olhos parecia o de um abutre era o velho que me exasperava, e sim seu
- um olho azul claro coberto por um véu. Olho Maligno. E todas as manhãs, quando
Sempre que caía sobre mim o meu sangue o dia raiava, eu entrava corajosamente no
gelava, e então pouco a pouco, bem deva- quarto e falava Com ele cheio de coragem,
gar, tomei a decisão de tirar a vida do velho, chamando-o pelo nome em tom cordial e
e com isso me livrar do olho, para sempre. perguntando como tinha passado a noite.
Então, o senhor vê que ele teria que ter
Agora esse é o ponto. O senhor acha que sido, na verdade, um velho muito astuto,
sou louco. Homens loucos de nada sabem. para suspeitar que todas as noites, à meia-
Mas deveria ter-me visto. Deveria ter visto -noite em ponto, eu o observava enquanto
com que sensatez eu agi — com que pre- dormia.
caução —, com que prudência, com que
dissimulação, pus mãos à obra! Nunca fui Na oitava noite, eu tomei um cuidado
tão gentil com o velho como durante toda ainda maior ao abrir a porta. O ponteiro
a semana antes de matá-lo. E todas as noi- de minutos de um relógio se move mais
tes, por volta de meia-noite, eu girava o depressa do que então a minha mão.
trinco da sua porta e a abria, ah, com tanta Nunca antes daquela noite eu sentira a
delicadeza! E então, quando tinha conse- extensão de meus próprios poderes, de
guido uma abertura suficiente para minha minha sagacidade. Eu mal conseguia conter
cabeça, punha lá dentro uma lanterna fur- meu sentimento de triunfo. Pensar que lá
ta-fogo bem fechada, fechada para que estava eu, abrindo pouco a pouco a porta,
85

e ele sequer suspeitava de meus atos ou primeiro barulhinho, quando se virara na


pensamentos secretos. Cheguei a rir com cama. Seus medos foram desde então cres-
essa idéia, e ele talvez tenha ouvido, por- cendo dentro dele. Ele estivera tentando
que de repente se mexeu na cama como fazer de conta que eram infundados, mas
num sobressalto. Agora o senhor pode pen- não conseguira. Dissera consigo mesmo:
sar que eu recuei — mas não. Seu quarto “Isto não passa do vento na chaminé; é ape-
estava preto como breu com aquela escuri- nas um camundongo andando pelo chão”,
dão espessa (porque as venezianas estavam ou “É só um grilo cricrilando um pouco”. É,
bem fechadas, de medo de ladrões) e então ele estivera tentando confortar-se com tais
eu soube que ele não poderia ver a porta suposições; mas descobrira ser tudo em
sendo aberta e continuei a empurrá-la mais, vão.Tudo em vão, porque a Morte ao se
e mais. aproximar o atacara de frente com sua som-
bra negra e com ela envolvera a vítima. E a
Minha cabeça estava dentro e eu quase fúnebre influência da despercebida sombra
abrindo a lanterna quando meu polegar fizera com que sentisse, ainda que não visse
deslizou sobre a lingüeta de metal e o velho ou ouvisse, sentisse a presença da minha
deu um pulo na cama, gritando: cabeça dentro do quarto.

— Quem está aí? Quando já havia esperado por muito tempo


e com muita paciência sem ouvi-lo se deitar,
Fiquei imóvel e em silêncio. Por uma hora decidi abrir uma fenda — uma fenda muito,
inteira não movi um músculo, e durante muito pequena na lanterna. Então eu a abri
esse tempo não o ouvi se deitar. Ele con- — o senhor não pode imaginar com que
tinuava sentado na cama, ouvindo bem gestos furtivos, tão furtivos — até que afinal
como eu havia feito noite após noite pres- um único raio pálido como o fio da ara-
tando atenção aos relógios fúnebres na nha brotou da fenda e caiu sobre o olho
parede. do abutre. Ele estava aberto, muito, muito
aberto, e fui ficando furioso enquanto o
Nesse instante, ouvi um leve gemido, e eu fitava. Eu o vi com perfeita clareza - todo de
soube que era o gemido do terror mortal. um azul fosco e coberto por um véu medo-
Não era um gemido de dor ou de tristeza nho que enregelou até a medula dos meus
— ah, não! era o som fraco e abafado que ossos, mas era tudo o que eu podia ver do
sobe do fundo da alma quando sobrecar- rosto ou do corpo do velho, pois dirigira o
regada de terror. Eu conhecia bem aquele raio, como por instinto, exatamente para o
som. Muitas noites, à meia-noite em ponto, ponto maldito.
ele brotara de meu próprio peito, aprofun-
dando, com seu eco pavoroso, os terrores E agora, eu não lhe disse que aquilo que o
que me perturbavam. Digo que os conhe- senhor tomou por loucura não passava de
cia bem. Eu sabia o que sentia o velho e me hiperagudeza dos sentidos? Agora, repito,
apiedava dele embora risse por dentro. Eu chegou a meus ouvidos um ruído baixo,
sabia que ele estivera desperto, desde o surdo e rápido, algo como faz um relógio
quando envolto em algodão. Eu também Se ainda me acha louco, não mais pensará
conhecia bem aquele som. Eram as batidas assim quando eu descrever as sensatas pre-
do coração do velho. Aquilo aumentou a cauções que tomei para ocultar o corpo. A
minha fúria, como o bater do tambor ins- noite avançava, e trabalhei depressa, mas
tiga a coragem do soldado. em silêncio. Antes de tudo desmembrei
o cadáver. Separei a cabeça, os braços e
Mas mesmo então eu me contive e conti- as pernas.
nuei imóvel. Quase não respirava. Segurava
imóvel a lanterna. Tentei ao máximo possí- Arranquei três tábuas do assoalho do
vel manter o raio sobre o olho. Enquanto quarto e depositei tudo entre as vigas.
isso, aumentava o diabólico tamborilar Recoloquei então as pranchas com tanta
do coração. Ficava a cada instante mais e habilidade e astúcia que nenhum olho
mais rápido, mais e mais alto. O terror do humano — nem mesmo o dele — pode-
velho deve ter sido extremo. Ficava mais ria detectar algo de errado. Nada havia a
alto, estou dizendo, mais alto a cada ins- ser lavado — nenhuma mancha de qual-
tante! — está me entendendo? Eu lhe disse quer tipo — nenhuma marca de sangue.
que estou nervoso: estou mesmo. E agora, Eu fora muito cauteloso. Uma tina absor-
altas horas da noite, em meio ao silêncio vera tudo - ha! ha!
pavoroso dessa casa velha, um ruído tão
estranho quanto esse me levou ao terror Quando terminei todo aquele trabalho,
incontrolável. Ainda assim por mais alguns eram quatro horas — ainda tão escuro
minutos me contive e continuei imóvel. Mas quanto à meia-noite.
as batidas ficaram mais altas, mais altas!
Achei que o coração iria explodir. E agora Quando o sino deu as horas, houve uma
uma nova ansiedade tomava conta de mim batida à porta da rua. Desci para abrir com
— o som seria ouvido por um vizinho! Che- o coração leve — pois o que tinha agora a
gara a hora do velho! Com um berro, abri temer? Entraram três homens, que se apre-
por completo a lanterna e saltei para dentro sentaram, com perfeita suavidade, como
do quarto. Ele deu um grito agudo — um oficiais de polícia. Um grito fora ouvido
só. Num instante, arrastei-o para o chão e por um vizinho durante a noite; suspeitas
derrubei sobre ele a cama pesada. Então de traição haviam sido levantadas; uma
sorri contente, ao ver meu ato tão adian- queixa fora apresentada à delegacia e eles
tado. Mas por muitos minutos o coração (os policiais) haviam sido encarregados de
bateu com um som amortecido. Aquilo, examinar o local.
entretanto, não me exasperou; não seria
ouvido através da parede. Por fim, cessou. O Sorri — pois o que tinha a temer? Dei as
velho estava morto. Afastei a cama e exami- boas-vindas aos senhores. O grito, disse,
nei o cadáver. É, estava morto, bem morto. fora meu, num sonho. O velho, mencio-
Pus a mão sobre seu coração e a mantive nei, estava fora, no campo. Acompanhei
ali por muitos minutos. Não havia pulsa- minhas visitas por toda a casa. Incentivei-
ção. Ele estava bem morto. Seu olho não -os a procurar — procurar bem. Levei-os,
me perturbaria mais. por fim, ao quarto dele. Mostrei-lhes seus
tesouros, seguro, imperturbável. No entu-
87

siasmo de minha confiança, levei cadeiras ninharias, num tom alto e gesticulando com
para o quarto e convidei-os para ali des- ênfase; mas o barulho continuava a cres-
cansarem de seus afazeres, enquanto eu cer. Por que eles não podiam ir embora?
mesmo, na louca audácia de um triunfo Andei de um lado para outro a passos lar-
perfeito, instalei minha própria cadeira exa- gos e pesados, como se me enfurecessem
tamente no ponto sob o qual repousava o as observações dos homens, mas o barulho
cadáver da vítima. continuava a crescer. Ai meu Deus! O que
eu poderia fazer? Espumei — vociferei —
Os oficiais estavam satisfeitos. Meus modos xinguei! Sacudi a cadeira na qual estivera
os haviam convencido. Eu estava bas- sentado e arrastei-a pelas tábuas, mas o
tante à vontade. Sentaram-se e, enquanto barulho abafava tudo e continuava a cres-
eu respondia animado, falaram de coisas cer. Ficou mais alto — mais alto — mais
familiares. Mas, pouco depois, senti que alto! E os homens ainda conversavam ani-
empalidecia e desejei que se fossem. Minha madamente, e sorriam. Seria possível que
cabeça doía e me parecia sentir um zum- não ouvissem? Deus Todo-Poderoso! —
bido nos ouvidos; mas eles continuavam não, não? Eles ouviam! — eles suspeitavam!
sentados e continuavam a falar. O zum- — eles sabiam! - Eles estavam zombando
bido ficou mais claro — continuava e ficava do meu horror! — Assim pensei e assim
mais claro: falei com mais vivacidade para penso. Mas qualquer coisa seria melhor
me livrar da sensação: mas ela continuou do que essa agonia! Qualquer coisa seria
e se instalou — até que, afinal, descobri mais tolerável do que esse escárnio. Eu não
que o barulho não estava dentro de meus poderia suportar por mais tempo aque-
ouvidos. les sorrisos hipócritas! Senti que precisava
gritar ou morrer! — e agora — de novo —
Sem dúvida agora fiquei muito pálido; ouça! mais alto! mais alto! mais alto! mais
mas falei com mais fluência, e em voz mais alto! — Miseráveis! — berrei — Não dis-
alta. Mas o som crescia - e o que eu podia farcem mais! Admito o que fiz! levantem
fazer? Era um som baixo, surdo, rápido as pranchas! — aqui, aqui! — são as bati-
— muito parecido com o som que faz das do horrendo coração!
um relógio quando envolto em algodão.
Arfei em busca de ar, e os policiais ainda
não o ouviam. Falei mais depressa, com
mais intensidade, mas o barulho continu- Fonte: Poe (online).
ava a crescer. Levantei-me e discuti sobre
MATERIAL COMPLEMENTAR

Edgar Allan Poe - O Mago Do Terror


Jeanette Rozsas
Editora: Melhoramentos
Sinopse: esse livro ilustrado procura ser a biografia
romanceada de Edgar Allan Poe. Jeanette Roszas busca
mostrar que o autor teria uma vida marcada por perdas e
decepções desde a infância, e que se tornou uma pessoa
dotada de genialidade e de sensibilidade tida como
peculiar.

Coleção Agatha Christie, V.1 - Box


Agatha Christie
Editora: Nova Fronteira
Ano: 2014
Sinopse: o leitor encontra aqui alguns dos casos
mais famosos de Hercule Poirot e Miss Marple, os
inesquecíveis detetives criados pela escritora. Em tramas
engenhosamente traçadas para nos despistar em todo
momento, os astutos investigadores apontarão os culpados em meio a espetaculares reviravoltas,
atestando a genialidade e o sucesso dessa autora que se tornou um clássico da literatura de
mistério. Agatha Christie é, e sempre será, a inspiração máxima para todos os autores do gênero.
Livros do Box 1 – ‘Assassinato no Expresso do Oriente’, ‘Morte
no Nilo’, ‘Um corpo na biblioteca’.

Drácula
Bram Stoker
Tradutor: José Francisco Botelho
Editora: Penguin Companhia
Ano: 2014
Sinopse: quando um agente imobiliário ajuda um conde
a comprar uma propriedade em Londres, não poderia
imaginar o mal que estava levando ao Ocidente. Na partida
de xadrez que se segue, entre esse nobre perturbador (que
pouco aparece, mas é onipresente) e um determinado grupo de adversários (que inclui o professor
Van Helsing e a inteligente Mina Harker), o que está em jogo vai além da luta entre a vida e a morte.
MATERIAL COMPLEMENTAR

Assista a O Coração Delator, uma animação de 1953 adaptada do conto de Edgar Allan Poe,
disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=6D7aUJToxDg>. Acesso em: 31 jul. 2015.

O Iluminado (The Shinning)


Ano: 1980
Sinopse: durante o inverno, um homem (Jack Nicholson) é
contratado para ficar como vigia em um hotel no Colorado e vai
para lá com a mulher (Shelley Duvall) e seu filho (Danny Lloyd).
Porém, o contínuo isolamento começa a lhe causar problemas
mentais sérios e ele vai se tornado cada vez mais agressivo e
perigoso, ao mesmo tempo em que seu filho passa a ter visões
de acontecimentos ocorridos no passado, que também foram
causados pelo isolamento excessivo.

Carrie – a estranha
Ano: 1976
Sinopse: Carry White (Sissy Spacek) é uma jovem que não faz
amigos em virtude de morar em quase total isolamento com
Margareth (Piper Laurie), sua mãe e uma pregadora religiosa que
se torna cada vez mais ensandecida. Carrie foi menosprezada
pelas colegas, pois, ao tomar banho, achava que estava morrendo,
quando, na verdade, estava tendo sua primeira menstruação.
Uma professora fica espantada pela sua falta de informação e
Sue Snell (Amy Irving), uma das alunas que zombaram dela, fica
arrependida e pede a Tommy Ross (William Katt), seu namorado
e um aluno muito popular, para que convide Carrie para um baile
no colégio. Mas Chris Hargenson (Nancy Allen), uma aluna que foi
proibida de ir festa, prepara uma terrível armadilha que deixa Carrie ridicularizada em público. Mas
ninguém imagina os poderes paranormais que a jovem possui e muito menos de sua capacidade
de vingança quando está repleta de ódio.

Material Complementar
MATERIAL COMPLEMENTAR

Murder on the Orient Express


Ano: 1974
Sinopse: no Orient Express, um passageiro é morto, e Hercule
Poirot (Albert Finney), o famoso detetive belga que embarcou
por acaso, considera que todos os passageiros são suspeitos, pois
todos tinham motivos para matar a vítima, que tinha sequestrado
e matado uma menina, já que os suspeitos de alguma forma
tinham alguma conexão com a criança morta.

O Corvo (The Raven)


Ano: 2012
Sinopse: o escritor Edgar Allan Poe (John Cusack) está na caça
de um assassino serial que imita os crimes de seus contos e
ainda sequestrou sua noiva Emily (Alice Eve). Para ajudá-lo na
investigação, o detetive Emmet (Luke Evans) assume o caso e
pretende dar um fim aos terríveis assassinatos, que são seguidos
de charadas criadas pelo criminoso que desafia a inteligência do
autor em um jogo de gato e rato.
Professor Dr. Silvio Ruiz Paradiso

III
ESTADOS UNIDOS, SÉCULOS

UNIDADE
XIX E XX: TEXTOS E
AUTORES

Objetivos de Aprendizagem
■ Conhecer o contexto literário do século XIX e início do século XX.
■ Conhecer grandes nomes do contexto literário em língua inglesa do
período.
■ Relacionar as mudanças estéticas da literatura mundial, nos textos e
autores dos Estados Unidos, do século XIX e XX.
■ Conhecer a vida e obra de grandes poetas norte-americanos.
■ Conhecer a vida e obra de grandes romancistas norte-americanos.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ Os séculos XIX/XX e a Literatura Inglesa: o Despertar do Romance
■ Nathaniel Hawthorne (1804 – 1864)
■ Herman Melville (1819 – 1891)
■ Mark Twain (Samuel L. Clements) (1876 – 1910)
■ Kate Chopin (1850 – 1904)
■ Ernest Hemingway (1899 – 1961)
■ F.S. Fitzgerald (1896 – 1940)
■ William Faulkner (1897 – 1962)
93

INTRODUÇÃO

Os contos e romances viram, nos séculos XIX e XX, seu despertar. Desde o
Romantismo francês, a literatura em língua inglesa viu o nascimento de gran-
des obras e autores, que seriam clássicos mundiais. O período vitoriano inglês
teria com Charles Dickens o protótipo do romance moderno, como também
com David Copperfield (1850) e Oliver Twist (1837). O mesmo com Charlotte
Brontë, com Jane Eyre (1847). O polonês Joseph Conrad, o irlândes James Joyce
e a neozelandesa Katherine Mansfield receberam tais influências pela ágil e ativa
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

língua inglesa.
O conceito de literatura nacional surge e o romance passa a ser modelo lite-
rário, tanto que é adotado nos colégios ingleses e americanos. O romancista
desse século passou a ser o porta-voz da cultura de seus países e o livro passa a
ser objeto das massas. Novos conceitos nascem na literatura, como o fluxo de
consciência e a epifania, da mesma forma como o conceito de estilo. Os poe-
tas também aderem as novidades e nomes como Walt Whitman (1819–1892),
Emily Dickinson (1830-1883), Ezra Pound (1885–1972), Henry W. Longfellow
(1807–1882) e os modernos T. S. Eliot (1888–1965) e E. E. Cummings (1894-
1962) passam a fazer parte da controversa, canônica e clássica lista literária em
língua inglesa.
Assim, falar em literatura inglesa é falar de nomes que, por alguma razão,
marcaram a sociedade, seu tempo e a crítica literária, como Nathaniel Hawthorn,
autor de Scarlet Letter, ou Herman Melville, criador da baleia branca Moby Dick.
Também é falar da feminista Kate Chopin e do pai do romance estadunidense,
Mark Twain. Falar da literatura inglesa desse período é citar a tríade Ernest
Heminway, F. S. Fitzgerald e William Faulkner.
Nesta unidade, iremos conhecer um pouco das obras e nomes importantes
da literatura em língua inglesa do século XIX e início do século XX.

Introdução
94 UNIDADE III

OS SÉCULOS XIX/XX E A LITERATURA INGLESA: O


DESPERTAR DO ROMANCE

Até o século XVIII, o épico era o gênero narrativo mais comum na Europa, tal-
vez por sua essência poética, gênero preferido desde a antiguidade. O “boom”
do conto e do romance vem no alvorecer do
século XIX, e seus autores foram influenciados
pela estética e nomes do romantismo europeu,
como Victor Hugo, com The Hunchback of

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Notre Dame (1831) e Les Misérables (1862).
White (2008) revela que a marca dos romances
do século XIX foi a diferenciação dos livros his-
tóricos e jornais, ou seja, os romances levavam
o leitor a vivenciar outras ‘experiências’, além de
verdades inconvenientes, como a escravidão, o
racismo, a luta de classe, o trabalho infantil, a
criminalidade, a condição da mulher, o colo-
nialismo, a tecnofobia, entre outras. Emile Zolá,
Dickens, Dostoyevsky, Tolstoy, George Eliot e H. G. Wells foram autores decisi-
vos para apresentar um início de debate sobre tais temas.
Na Inglaterra, em especial, no período vitoriano, o escritor Charles Dickens
era seu melhor expoente.
Adotando o pseudônimo Boz, no início da carreira, Charles John Huffam
Dickens popularizou o romance, apesar de também escrever artigos jornalís-
ticos, peças e contos. Em sua obra, apresentou os problemas sociais de uma
Inglaterra industrializada e de mentalidade capitalista: a violência, o desem-
prego, a pobreza, as condições precárias das fábricas, a prostituição e o trabalho
infantil foram seus temas. Dickens é um exemplo de como a literatura tem que ir
além do texto, pois fez questão de participar de atividades sociais a fim de mudar
as condições que denunciava em seus livros. Propôs melhorias na educação, a
criação de hospital infantil e reforma sanitária para seu país (FORSTER, 2006).
Charles Dickens é um escritor realista, sobre isso, Cevasco e Siqueira (1999, p.
56) dizem: “Quem leu Dickens sabe que, ao lado da impressão da vida como ela

ESTADOS UNIDOS, SÉCULOS XIX E XX: TEXTOS E AUTORES


95

é, há em seus romances melodrama, pieguice, moralismo e improbabilidades”.


Dickens nos apresentou clássicos ingleses e universais, como A Christmas
Carol (Um conto de Natal [1843]), A Tale of Two Cities (Um Conto de Duas
Cidades [1859]), entre outras. Mas as obras clássicas e mais conhecidas de Dickens
são David Copperfield (1850) e Oliver Twist (1837).
Em David Copperfield (1850), Dickens nos apre-
senta a estória do jovem David Copperfield, desde a
infância, como órfão, o encontro do amor, os anos
na Universidade até suas viagens. A difícil vida de
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Copperfield é apresentada por meio da orfandade, do


padrasto cruel e disciplinador, do colégio interno e da
morte da primeira esposa. Contudo, o livro fala sobre
vencer os desafios, sendo um dos textos mais autobiográ-
ficos de toda a obra de Dickens, já que muitos elementos
descritos no livro se parecem com eventos de sua vida.
Selo comemorativo de Oliver Twist
Já, em Oliver Twist (1837), Dickens escreve sobre as
aventuras vividas pelo órfão Oliver, o qual fora supostamente aliciado por um
judeu. A trama ocorre em um orfanato, na Inglaterra, com Oliver, que foge para
Londres. Lá conhece Fagin1, um velho judeu que comanda um bando de garotos
que furta nas ruas de Londres. As aventuras de Oliver, até compreender quem é
e conhecer o verdadeiro amor de uma família, fazem parte de uma obra funda-
mental para entender a condição da criança no período vitoriano.
Publicado originalmente em folhetim, entre os anos de 1837-1828, Oliver
Twist é o primeiro romance em língua inglesa a ter uma criança como protagonista.
Outras escritoras também foram precursoras do romance moderno, no século
XIX, como as irmãs Brontë, em especial, Charlotte Brontë, com Jane Eyre (1847).
O texto conta a estória de Jane Eyre, uma menina órfã que vive com sua tia, a sra.
Reed, e seus primos, que sempre a maltratam. Até que, cansada do convívio for-
çado com a sobrinha de seu falecido esposo, a mulher envia Jane a um colégio

1 Fagin, assim como Shylock e Barrabás, faz parte do rol de caricaturas de judeus na literatura inglesa. Para maiores
informações, leia: PARADISO, S. R.; SANTOS, C. B. A imagem do judeu na literatura britânica: Shylock, Barrabás e
Fagin. Revista Diálogos e Saberes, v. 8, n. 1, 2012. Disponível em: <http://seer.fafiman.br/index.php/dialogosesaberes/
article/view/277>. Acesso em: 17 jul. 2015.

Os Séculos XIX/XX e a Literatura Inglesa: O Despertar do Romance


96 UNIDADE III

para moças, onde ela cresce e se torna profes-


sora. Com o tempo, cresce nela a vontade de
expandir seus horizontes. Ela põe um anúncio
no jornal em busca de trabalho como gover-
nanta. O anúncio é respondido pela senhora
Fairfax, e Jane parte do colégio para trabalhar
em Thornfield Hall. Lá, ela conhece seu patrão,
o Sr. Rochester, um homem brusco e sombrio,
por quem se apaixona. Mas um grande segredo

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
do passado se interpõe entre eles. O texto aborda
um tema espinhoso para a época, a emancipa-
ção da mulher.
Nathaniel Hawthorne, Joseph Conrad,
Melville, F. Scott Fitzgerald, William Faulkner,
Charlotte Brontë (1816-1855)
entre outros, são exemplos do que há de melhor
na literatura inglesa do século XIX, contexto em que a experiência do Realismo
e Nacionalismo na literatura em língua inglesa marcou sua estética. Sobre o
Realismo, Ian Watt, em The Rise of the Novel (A Ascensão do Romance [1957]),
revela que o romance tem como elemento “romanesco” naturalmente a estética
realista, já que o intuito do romance, pelo menos inicial, era reportar experiên-
cias humanas autênticas e profundas. O realismo na literature inicia em meados
do século XIX, na França, e se extende a toda Europa, visando agarrar o leitor
pela identificação das banalidades do dia a dia, bem como por fatos da reali-
dade. Nos Estados Unidos, William Dean Howells foi o primeiro autor a trazer
a estética realista ao país, com a obra The Rise of Silas Lapham.
Também, no século XIX, surgem as literaturas nacionais, que irão mode-
lar o futuro romance moderno. Docherty (1999) sinaliza que, de todos os países
anglófonos, a Inglaterra foi o que mais relutou em adotar essa literatura, já que o

ESTADOS UNIDOS, SÉCULOS XIX E XX: TEXTOS E AUTORES


97

mercado leitor inglês já tinha seu conceito de nacional, apoiado em Shakespeare.


Outro fator que influenciava um novo tipo de romance, e agora secular, é jus-
tamente a relação simbiótica entre Religião e Estado no Reino Unido, diferente
dos Estados Unidos recém-independente. O novo romance “nacional” não tinha
nenhum laço com a religião nacional, pois era produto que deveria circular
internacionalmente, ou seja, sem proselitismo algum, multicultural: “Literature
now offered texts of international significance, that could be used in schools and
universities instead of religious texts” (HUNTER, 1988, s.p). Porém, com a inter-
nacionalização da literatura estadunidense, a Inglaterra se curvou para o romance
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

nacional, e, entre as décadas de 70 e 80 do século XIX, ambos os países inseriram


tais literaturas no sistema educacional, formulando a ideia de cânone moderno.
Dessa forma, novas regras comerciais e editoriais surgiram nos países angló-
fonos, a fim de padronizar a relação da tríade autor, editor e leitor, como as leis
de direitos autorais, por exemplo. O romancista desse século passou a ser o
porta-voz da cultura de seus países e o livro passa a ser objeto utilizado fora de
bibliotecas e escritórios, popularizando-se, já que o mercado ficcional clamava
por títulos, fomentando o nascimento de grandes editoras.
Mas, se o tema e o modelo do romance mudaram desde o século XVIII, a
transição do século XIX para o XX trouxe também novos elementos para a lite-
ratura, como o fluxo de consciência, por exemplo, mecanismo usado por James
Joyce em Ulysses (1922), texto de grande influência nos romancistas do século
XX. Aliás, Joyce foi precursor da epifania na literatura (GOTLIB, 1990, p. 51).
Esfregar na cara da sociedade o que era tabu tornou-se leitmotiv das litera-
turas de transição, e, sobre isso, como não pensar em David Herbert Lawrence
ou D. H. Lawrence, o controverso autor inglês que escreveu Lady Chatterley’s
Lover (O Amante de Lady Chatterley [1928]), romance proibido e censurado,
devido às cenas de sexo. O livro foi publicado clandestinamente na Itália.

Os Séculos XIX/XX e a Literatura Inglesa: O Despertar do Romance


98 UNIDADE III

Sexualidade foi uma das marcas de D. H. Lawrence, inclusive, a homoafetiva.


David Herbert Lawrence nasceu em 1885 no vilarejo de Eastwood, próximo
a Nottingham, na Inglaterra. Escreveu dez romances ao longo dos 20 anos
de carreira, poesia, crítica literária, contos, livros de história, filosofia, peças
e ensaios. Lawrence começa sua vida literária em 1908, quando abandona
definitivamente os estudos e passa a se dedicar integralmente à literatura.
Sua carreira iniciou quando seus poemas foram publicados no English Re-
view, em Londres. Três anos depois, publica seu primeiro romance O pavão
branco, o qual obteve aceitação e um sucesso razoável, se comparado com

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
O amante de Lady Chatterley, romance que gerou polêmica por causa de
considerações éticas e sociais feitas pelo autor, por isso foi proibido por 32
anos na Inglaterra. Em 1930, diagnosticado com tuberculose, D. H. Lawrence
falece no sanatório Ad Astra, na França.
Em seu conto The blind man (2004), o protagonista Maurice Pervin, cego e
possuidor de uma horrenda cicatriz no rosto, é casado com Isabel. Eles mo-
ram em uma fazenda, se amam e desejam ter filhos. Entretanto os dois co-
meçam a notar que faltava algo na relação, alguma coisa estava incompleta
entre eles. Certo dia, Bertie Reid, amigo e primo distante de Isabel, do qual
Maurice não gosta, escreve para ela relembrando a amizade antiga, e o casal
consente que Bertie venha visitá-los. Durante a visita, quando os três estão
na sala, Maurice sai em direção à casa do caseiro. Após um tempo, Isabel e
Bertie se preocupam, então o velho amigo vai atrás dele. Esse o encontra no
curral, local onde acontece o clímax da diegese, pois, nesse contato, ambos
trocam sutis e íntimos toques. Maurice, the blind man, pede para ser tocado
em sua cicatriz e solicita que Bertie deixe ser tocado no rosto também, após
a troca recíproca, se direcionam para casa ao encontro de Isabel. A partir
desse acontecimento, o sentimento que envolvia os três muda.
_________________
Fonte: adaptado de Passeri (2011, online).

Outro elemento que se popularizou na virada dos séculos foi o “estilo”. Entendia-se
por estilo o modo de escrita peculiar de cada escritor. No sentido lexicográfico,
estilo é a “maneira ou caráter particular de falar ou escrever; feição especial de
trabalhos de um artista, de um gênero ou de uma época; caráter de uma com-
posição literária ou musical” (AMORA, 2001, p. 290).

ESTADOS UNIDOS, SÉCULOS XIX E XX: TEXTOS E AUTORES


99

Contudo não foram somente os romancistas do século XIX que expandiram


a ideia de “estilo”, os poetas como Walt Whitman (1819 – 1892), Emily Dickinson
(1830-1883), Ezra Pound (1885 – 1972), Henry W. Longfellow (1807 – 1882) e
os modernos, T. S. Eliot (1888 – 1965) e E. E. Cummings (1894 – 1962) tam-
bém o fizeram.

Os principais poetas clássicos estadunidenses


Whitman e Dickinson foram os “primeiros” poetas a escrever uma poesia pro-
fundamente estadunidense, cada qual com seu estilo. Walt Whitman, nascido em
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Nova Iorque, em 1819, viveu a juventude como aprendiz de tipógrafo. Publicou


a primeira edição de sua mais famosa obra Leaves of Grass, em 1855, custeando
com seu próprio dinheiro. Os versos desse livro eram livres, longos e brancos,
imitando os ritmos da fala. Não é à toa que Whitman é chamado de “pai do verso
livre” (REYNOLDS, 1995, p. 314).
A seguir, veja um trecho do poema de Whitman, When Lilacs Last in the
Dooryard Bloom’d (1865 apud BONNICI, 2004, p. 23), uma elegia em homena-
gem ao presidente Abraham Lincoln, assassinado no mesmo ano.

When lilacs last in the dooryard bloom’d,


And the great star early droop’d in the western sky in the night,
I mourn’d, and yet shall mourn with ever-returning spring.
Ever-returning spring, trinity sure to me you bring,
Lilac blooming perennial and drooping star in the west,
And thought of him I love.

O powerful western fallen star!


O shades of night—O moody, tearful night!
O great star disappear’d—O the black murk that hides the star!
O cruel hands that hold me powerless—O helpless soul of me!
O harsh surrounding cloud that will not free my soul.
[...]

Os Séculos XIX/XX e a Literatura Inglesa: O Despertar do Romance


100 UNIDADE III

Já Emily Elizabeth Dickinson, nascida em Massachussets, em 1830, trabalha seus


poemas com ironia e obscurantismo. Em toda sua vida, a poetiza americana
publicou apenas dez poemas anônimos, mas teve descoberta sua grandiosa obra
após sua morte. A vida de Emily Dickinson é marcada pela discrição e reclusa,
e sua obra, pela liberdade sintática e pela proximidade do uso oral da língua,
pela estrofação e pela versificação irregular, pela ocorrência marcante de rimas
internas ao invés de rimas finais e pelo ritmo entrecortado ocasionado pelo tra-
vessão, que dá velocidade e pausas bruscas no poema.
A seguir, veja um poema de Dickinson, The Soul selects her Own Society

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
(1890 apud BONNICI, 2004, p. 27), em que o eu-lírico revela a postura seletiva
d’alma que escolhe suas companhias e se isola do restante do mundo, ou seja, a
própria alma dickinsoniana.

The Soul selects her own Society —


Then — shuts the Door —
To her divine Majority —
Present no more —

Unmoved — she notes the Chariots — pausing —


At her low Gate —
Unmoved — an Emperor be kneeling
Upon her Mat —

I’ve known her — from an ample nation —


Choose One —
Then — close the Valves of her attention —
Like Stone —

Porém, se Walt Whitman e Emily Dickinson inovaram na forma e conteúdo,


sendo poetas originais, um com expressões idiomáticas e métrica e rima livres, e
outra com expressão emocional e liberdade lexical, ainda há laços britânicos. No
caso de Whitman, a longa métrica da versão King James da Bíblia, e Dickinson
com linhas curtas e estrofes, derivados de hinos protestantes.

ESTADOS UNIDOS, SÉCULOS XIX E XX: TEXTOS E AUTORES


101

Henry W. Longfellow (1807 – 1882), Ezra Pound


(1885 – 1972) e os poetas do século XX, T. S. Eliot
(1888 – 1965) e E. E. Cummings (1894 – 1962) foram
figuras que rejeitaram a forma poética tradicional,
o metro e a dicção vitoriana.
Nascido em Portland, Maine, terra do escritor
Stephen King, Henry Wadsworth Longfellow foi um
poeta muito famoso do século XIX. Longfellow gra-
duou-se em 1825 e, após, percorreu a Europa. Na
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Alemanha, familiarizou-se com o Romantismo e,


a partir disso, exerceu o ofício de docente. Porém,
a partir de 1854, abandonou o ensino e passou a se Whitman
dedicar à literatura. Faleceu em Massachusetts, em março de 1882, deixando
fatos poucos conhecidos, como, por exemplo, a amizade íntima com o Imperador
Dom Pedro II. Seu poema mais famoso é o “épico” Evangeline (1847), além das
coletâneas Voices of the Night (1839), Baladas (1841), Poems on Slavery (1842),
entre outras. Longfellow usava muita metáfora em sua poesia, um exemplo é o
poema The Tide Rises, The Tide Falls, que aborda os altos e baixos da vida, repre-
sentados nas marés (BONNICI, 2004. p. 15):

The Tide Rises, The Tide Falls,

The tide rises, the tide falls,


The twilight darkens, the curlew calls;
Along the sea-sands damp and brown
The traveller hastens toward the town,
And the tide rises, the tide falls.

Darkness settles on roofs and walls,


But the sea, the sea in the darkness calls;
The little waves, with their soft, white hands,
Dickinson
Efface the footprints in the sands, Fonte: Wikimedia Commons (online)
And the tide rises, the tide falls.

Os Séculos XIX/XX e a Literatura Inglesa: O Despertar do Romance


102 UNIDADE III

The morning breaks; the steeds in their stalls


Stamp and neigh, as the hostler calls;
The day returns, but nevermore
Returns the traveller to the shore,
And the tide rises, the tide fall

Ezra Weston Loomis Pound (1885), nascido em Hailey, foi um poeta, músico e
crítico literário americano que, junto com T. S. Eliot, foi uma das maiores figu-
ras do movimento modernista da poesia do início do século XX nos Estados

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Unidos. Sua originialidade é observada, por exemplo, no uso sensorial das pala-
vras. Sua poesia é pura cinestesia (BONNICI, 2004. p. 27):

Ts’ai Chi’h

The petals fall in the fountain,


the orange-coloured rose-leaves,
Their ochre clings to the stone.

In a Station of the Metro

The apparition of these faces in the crowd;


Petals on a wet, black bough.

Já seu parceiro no modernismo, Thomas Stearns Eliot, ou popularmente conhe-


cido com T. S. Eliot, nasceu em St. Louis em 1888 e foi, além de poeta, contista,
ensaísta, dramaturgo e crítico literário. Ganhador do Prêmio Nobel de Literatura
de 1948, T. S. Eliot tornou-se cidadão britânico em 1927 e faleceu em 1965. Apesar
de ter renunciado a cidadania americana, ter nascido no Missouri, nos Estados
Unidos, influenciou muito sua poesia, como ele mesmo argumenta: “My poe-
try wouldn’t be what it is if I’d been born in England, and it wouldn’t be what it
is if I’d stayed in America. It’s a combination of things. But in its sources, in its

ESTADOS UNIDOS, SÉCULOS XIX E XX: TEXTOS E AUTORES


103

emotional springs, it comes from America”2 (GELPI, 1987, p. 113).


O trecho a seguir é a terceira parte do poema Journey of the Magi (1927 apud
BONNICI, 2004, p. 27), uma analogia à viagem dos reis magos ao menino Jesus.
O poema é dividido em três estrofes ou três fases da viagem. Contudo, o poema é
a lembrança de um dos reis magos, metaforicamente, a viagem do ateísmo até a fé!

Journey of the Magi


[...]
All this was a long time ago, I remember,
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And I would do it again, but set down


This set down
This: were we led all that way for
Birth or Death? There was a Birth, certainly
We had evidence and no doubt. I had seen birth and death,
But had thought they were different; this Birth was
Hard and bitter agony for us, like Death, our death.
We returned to our places, these Kingdoms,
But no longer at ease here, in the old dispensation,
With an alien people clutching their gods.
I should be glad of another death.

__________________________________
[...]
Tudo isso há muito tempo se passou, recordo,
E outra vez o farei, mas considerai
Isto considerai
Isto: percorremos toda aquela estrada
Rumo ao Nascimento ou à Morte? Um nascimento, é certo,
Tínhamos prova, não dúvidas. Nascimento e morte contemplei,
Mas os pensara diferentes; tal Nascimento era, para nós,

2 “Minha poesia não seria o que é se eu tivesse nascido na Inglaterra, e não seria o que é se eu tivesse permanecido nos
Estados Unidos. É uma combinação de coisas. Mas, nas suas fontes, na sua força emocional, ela vem dos Estados Unidos”
(tradução do autor).

Os Séculos XIX/XX e a Literatura Inglesa: O Despertar do Romance


104 UNIDADE III

Amarga e áspera agonia, como a Morte, nossa morte.


Regressamos às nossas plagas, estes Reinos,
Porém aqui não mais à vontade, na antiga ordem divina,
Onde um povo estranho se agarra aos próprios deuses.
Uma outra morte me será bem-vinda.
(Tradução de Ivan Junqueira)

Pound e Eliot transformaram o inglês norte-americano, misturando-o às teorias


poética da França, do século XIX, e o resultado foi a abertura da poesia estadu-

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nidense ao modernismo do século XX. Densidade, complexidade, técnicas de
fragmentação, alusão, ironia, paralelismo, justaposição, concretismo, reticências
são exemplos de elementos dessa nova poética. Ninguém, tão bem como Edward
Estlin Cummings, usualmente abreviado como e. e. cummings (como ele assi-
nava), soube trabalhar a linguagem de forma inusitada. Poeta, pintor, ensaísta e
dramaturgo, Cummings ia desde o tradicional, como o soneto, verso livre, poe-
sia em prosa, até as vanguardas positivas do início do século XX. Com ironia,
tem como tema o conservadorismo, a crítica ao sistema político e econômico
do Ocidente e até o progresso massificante. Com mais de 900 poemas e diversas
outras obras, E. E. Cummings brinca com o uso não ortodoxo das letras maiúscu-
las e minúsculas, com a pontuação e com a forma, como no poema The Sky Was3.

3 KENNEDY, R. S. (ed). E. E. Cummings: Selected Poems. Liveright, 1994.p. 20.

ESTADOS UNIDOS, SÉCULOS XIX E XX: TEXTOS E AUTORES


105
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o
céu
era
açú car lumi
noso
comestível
vivos
cravos tímidos
limões

Os Séculos XIX/XX e a Literatura Inglesa: O Despertar do Romance


106 UNIDADE III

verdes frio s e choco


late
s
sob
uma lo
co
mo
tiva cusp
indo

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vi
o
letas4

NATHANIEL HAWTHORNE (1804 – 1864)

Nathaniel Hawthorne foi um romancista e contista estadunidense do século XIX


e figura central no desenvolvimento e despertar da literatura norte-americana,
focando-se, sobretudo, nos Estados Unidos Colonial, do século XVII, em espe-
cial na colônia puritana de Massachussets.
Até a universidade, na Bowdoin College, o autor usava o nome de Hathorne,
mas para esconder a sua relação com seu antepassado, John Hathorne, o único juiz
dos julgamentos das bruxas de Salem, que não se arrependeu, Nathaniel Hawthorne
decidiu inserir um “w”, quebrando essa relação. Seu primeiro trabalho foi publi-
cado anonimamente e chamava-se Fanshawe (1828). Em 1837, publicou Twice-Told
Talesand, casando-se um ano depois. Sua obra prima foi The Scarlet Letter (1850),
escrita enquanto morava em Salem e seguida de vários outros textos. Hawthorne
faleceu em 19 de maio de 1864, deixando uma obra considerada de cunho crítico,
sobre a moral puritana, parte do movimento romântico estadunidense.

4 CAMPOS, A. de (Trad. e org.). 40 Poem(a)s. Editora Brasiliense, 1986. p.22

ESTADOS UNIDOS, SÉCULOS XIX E XX: TEXTOS E AUTORES


107

Royot (2009, p. 35) entende que


Hawthorne estrai seus temas da dolorosa herança cultural da Nova In-
glaterra, uma colônia puritana. Dela exorciza os demônios, com olhar
aguçado para os sofrimentos psicológicos e os dramas morais, que ele
revive por meio da arte [...].

Podemos ver essa herança cultural do período colonial no conto The Young
Goodman Brown (1846), publicado em Mosses from na old manse, que conta
a história do jovem Mr. Brown, que vive com a esposa e filhos na vila de Salem,
em Massachusetts. Mr. Brown, um dia, descobre que na floresta local há encon-
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tros e sabás das bruxas, em que participa a sua então “inocente e pura” mulher.
No romance The maypole of Merry Mount (1837), Hawthorne apresenta como
personagem Thomas Morton, aquele que abordamos na unidade I, o “intruso
e herético advogado inglês”, que deixou a colônia de Massachusetts de cabeços
em pé, autor de New English Cannan (1637).
Mas é pelo romance The Scalet Letter (A Letra escarlate [1850]), que
Hawthorne é conhecido. No texto, ambientado também no século XVII, em
Massachusetts, o autor apresenta a estória de Hester Pryne, acusada de adúltera
por trair o marido com o reverendo local, tendo uma filha.

The Scarlet Letter (1850)


Publicado em 1850, o romance The Scarlet Letter é considerado a obra-prima
de Nathaniel Hathorne. A estória inicia com uma multidão observando Hester
Prynne sendo escoltada da prisão até o pelourinho, carregando um bebê no colo e
com a letra escarlate “A” bordada no peito, marca essa sinalizada no título da obra.
Hester Pryne trai o marido com o pastor Arthur Dimmesdale – com
quem teve uma filha, Pearl – e por isso traz bordada em seu vestido a
letra A, sinal aviltante da mulher adúltera. No pelourinho, Hester assu-
me corajosamente seu erro sem revelar a identidade do sedutor e de-
monstra, diante de Pearl, uma radiante vitalidade. Pregador admirado
por todos, Dimmesdale vê-se torturado por sua consciência, mas, por
orgulho, guarda o segredo durante muito tempo (ROYOT, 2009, p. 35).

Nathaniel Hawthorne (1804 – 1864)


108 UNIDADE III

HERMAN MELVILLE (1819-1891)

Hawthorne pertencia a uma categoria de escritores que abordavam temas voltados


aos colonos, “os caras-pálidas”, mas havia outra categoria, a os dos “peles-verme-
lhas”, que ousaram viajar e se “bronzear” em novos destinos literários (ROYOT,
2009). Herman Melville é um desses autores da segunda categoria, que ganhou
fama a partir de seus cinco primeiros livros, como Taipi, Omoo e White-Jacket,
por exemplo, os quais relembravam os episódios de suas expedições.
Melville nasceu em Nova York, em 1º de agosto de 1819, em uma família de

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origens inglesa e holandesa, e, aos vinte anos, decidiu trabalhar como cama¬reiro
em um navio, viagem essa que ensinou o autor o amor pelo mar. Outras viagens,
como em um baleeiro pelos mares do sul, também forneceriam estórias para sua
obra-prima, o romance Moby Dick (1851).
Em muitas de suas viagens, Melville
desertou do navio. Um caso é especial, o da
Polinésia, em que abandona o navio para
morar entre os nativos nas ilhas Marquesas
por vários meses. Melville regressou aos
Estados Unidos em 1844, como um mari-
nheiro, na fragata chamada United States,
que aportou em Boston (MILDER, 1988).
Lá, se casou em 1847 e, em 1850, mudou-se
para Massachusetts, sendo vizinho e amigo
de Nathaniel Hawthorne. Um ano depois,
publica Moby Dick, seguido de textos de
cunho autobiográfico e poesias. Herman
Melville decide pausar a vida literária para
se dedicar a um cargo público por deze- Herman Melville
nove anos, deixando alguns manuscritos
incompletos, entre os quais Billy Budd, descoberto apenas em 1920. Morreu em
Nova York, em 28 de setembro de 1891, deixando outros clássicos, como White-
Jacket (Jaqueta Branca [1850]), Pierre (1852) e The confidence-man (O homem
de confiança [1857]).

ESTADOS UNIDOS, SÉCULOS XIX E XX: TEXTOS E AUTORES


109

Moby Dick (1851)


O título Moby Dick ou The Whale (A Baleia)
é o nome da personagem, uma baleia (cacha-
lote) branca. A história é narrada pelo
protagonista Ismael, que narra as aventu-
ras sobre ser pescador, junto com seu amigo
Queequeg, no baleeiro Pequod, cujo capitão é
o vingativo Ahab, desejoso em confrontar-se
com Moby Dick, responsável por arrancar-lhe
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a perna. O texto orginalmente foi publicado


em três partes e, no mesmo ano, em edição
integral. O romance é aclamado principal-
mente pelo conteúdo “não ficcional”, como a
biologia das baleias, métodos de caça e pesca,
detalhes sobre as embarcações etc.
Heffernan (1990) revela que a obra de
Melville é uma junção de suas experiências pessoais com o naufrágio do navio
Essex, do capitão George Pollard, atacado por uma cachalote branca.
O narrador de Moby Dick, “destinado a viver como errante [...] ele está
aberto à sabedoria ancestral e aos rituais do arpoador, o negro Quee-
queg. [...] O capitão Ahab, mutilado pela baleia branca Moby Dick, sai
em sua perseguição por todos os mares, arrastando a tripulação nessa
trajetória devastadora. A Brancura da baleia é, assim, a tela a qual ho-
mens projetam seus fantasmas. [...] A riqueza documental de Moby
Dick de maneira nenhuma se ofusca pelas questões metafisicas propos-
tas nesse romance universal (ROYOT, 2009, p. 37).

Royot, na citação acima, defende a ideia de que Moby Dick é um romance uni-
versal, pois a baleeira Pequod é a metáfora da humanidade, mostrando os medos
do homem moderno. Moby Dick é uma leitura desafiadora, para começar, devido
sua extensão: mais de 650 páginas!

Herman Melville (1819-1891)


110 UNIDADE III

MARK TWAIN (SAMUEL L. CLEMENTS) (1876-1910)

Considerado o “Pai do Romance americano”


por William Faulkner (JELLIFFE, 1956),
Samuel Langhorne Clemens, conhecido como
Mark Twain, foi responsável pelos dois maio-
res clássicos da literatura norte-americana The
Adventures of Tom Sawyer (1876) e Adventures
of Huckleberry Finn (1885). Nascido em novem-

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bro de 1835, Mark Twain passou a infância no
Mississippi, tendo que ajudar cedo em casa
devido à precoce morte do pai. Twain foi aju-
dante, entregador, escriturário, aprendiz de
tipógrafo e impressor, mas foi como piloto
fluvial nas águas do Mississipi que teve a opor-
Mark Twain
tunidade de conhecer o jargão que daria a ele o
pseudônimo para a escrita. Aller (2006) revela que Mark Twain significa Mark
Two ou marco dois, um termo usado nas embarcações para dizer que o rio tem
duas vezes 6 pés (uma marca), ou seja, 12 pés, aproximadamente 3,7 metros.
Na época em que foi piloto de embarcação, já escrevia textos de humor e,
depois, também passou a escrever para jornais locais. Sua reputação como escri-
tor satírico veio com o texto The Innocents Abroad (1869), no mesmo ano em
que se casou com Olívia Langdon.
Os textos Roughing It (1970) e The Gilded Age (1973) vieram em seguida,
mas foi com “As aventuras de Tom Sawyer” (1876), romance baseado nas expe-
riências da adolescência do autor no rio Mississipi, que ficou reconhecido em
todo país. Da mesma forma, a obra-prima veio com a “continuação do texto”,
“As aventuras de Huckleberry Finn” (1884).
Outras obras do autor: “O Príncipe e o Mendigo”, “Um ianque na corte do
Rei Artur” (1889), “A tragédia de Pudd’nhead Wilson” (1894) e “Joana D`Arc”
(1896), fazem parte de sua obra literária. O grande escritor e palestrante genui-
namente americano faleceu, em 1910, de ataque cardíaco, um ano depois de ter
recebido o grau de doutor em Letras, pela Universidade de Oxford.

ESTADOS UNIDOS, SÉCULOS XIX E XX: TEXTOS E AUTORES


111

Os conceitos de Great American Novel (Grande Romance Americano) e Zei-


tgeist são muito próximos. Entre o final do século XIX e começo do XX, o
conceito de Great Amercian Novel surge para definir os romances que re-
presentariam o que é a América (Estados Unidos). Brown (1935) revela que
tal romance seria criado por um nativo americano, conhecedor profundo da
cultura, língua, folclore e hábito do homem comum americano. Logo, esse
Great American Novel seria a representação em livro do zeitgeist americano,
ou seja, o espírito da época.
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Zeitgeist é um termo em alemão, vindo de Hegel, que deriva de Zeit e geist,


espírito da época, espírito do tempo, ou seja, todo pensamento intelectual,
filosófico e cultural de um lugar em determinado período, ou seja, sua re-
presentação. Certos romances, equivalentes ao épico nacional, podem ser
considerados representantes do zeitgeist daquela nação.
Em se tratando de Estados Unidos do século XIX, Mark Twain foi o autor que
melhor representou esse conceito. Suas obras como Adventures of Tom Wa-
yer e Huckelberry Finn são exemplos da cultura e mentalidade da época, são
sínteses do espírito estadunidense.
Fonte: Brown (1935).

The Adventures of Tom Sawyer (1876) e The Adventures of Huckelberry


Finn (1884)
Os dois romances deram grande fama ao escritor Mark Twain. Os livros con-
tam peripécias de dois garotos, retomando experiências da juventude de Twain
às margens do Mississipi. Porém o que parece apenas uma literatura infanto-ju-
venil é uma crítica à sociedade americana da época, que se industrializava e se
urbanizava. Huck Finn e Tom Sawyer eram personagens com os quais muitos
americanos se identificavam, sedentos de uma vida mais simples na natureza.
The Adventures of Tom Sawyer narra as peripécias de Tom Sawyer, um garoto
morador de uma pequena cidade às margens do rio Mississipi, com a tia Polly, o
irmão Sidney e a sua prima Mary. Em suas aventuras, está o seu melhor amigo
Huck Finn, que protagonizará o maior sucesso de Twain.
Adventures of Huckleberry Finn fez mais sucesso que o primeiro livro e, até
hoje, é leitura obrigatória nos colégios americanos. Tematicamente, o tom desse

Mark Twain (Samuel L. Clements) (1876-1910)


112 UNIDADE III

livro é mais sério que o primeiro, incluindo temas como


relações raciais. Inclusive há polêmicas em relação ao
personagem Jim, um negro escravo, muitas vezes tra-
tado pelo termo nigger (altamente pejorativo). O fato é
que Mark Twain estava sendo realista, projetando uma
história genuinamente literária e americana. O princi-
pal tema de Adventures od Huckeberry Finn é sobre a
fé do jovem Huck Finn na vida, e, assim, caro(a) alu-
no(a), acredito que a obra é importante também para

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jovens brasileiros, pois a temática é universal.

Tom Sawyer e Huck Finn em


selo comemorativo

“All modern American literature comes from one book by Mark Twain called
Huckleberry Finn.”.
Fonte: Ernest Hemingway.

KATE CHOPIN (1850 –1904)

Feminista à frente de seu tempo, Kate O’Flaherty nasceu em St. Louis, Missouri,
em 1850, no seio de uma família abastada. Aos cinco anos foi encaminhada ao
colégio interno católico – The Sacred Heart Academy. Ainda, em 1855, perdeu
o pai em um acidente, fazendo com que Kate vivesse em um lar estritamente
feminino, com a mãe, a avó e a bisavó, com a exceção da avó, todas viúvas. Avó,
em especial, ensinou a Kate O’Flaherty música, ciências e francês. O que essas
mulheres ensinaram de mais importante foi que as mulheres teriam o mesmo
direito dos homens. A avó materna foi a primeira mulher em St. Louis a se sepa-
rar legalmente do marido, comandando os próprios negócios.

ESTADOS UNIDOS, SÉCULOS XIX E XX: TEXTOS E AUTORES


113

Kate O’’Flaherty regressou ao The Sacred Heart Academy, sendo lá reconhe-


cida como aluna brilhante e popular.
A vida adulta da escritora aconteceu em um momento delicado dos Estados
Unidos: a Guerra Civil. Um fato especial marcou a vida de Kate Chopin, sua amiga
Kitty Garesche, negra e de família de ex-escravos, foi arrancada à força do colé-
gio e levada a servir casarões no Sul (TOTH, 1999). A mãe de Kate morre em
1863 e um irmão que não vivia com elas, também, porém na guerra. Em 1870,
casa-se com Oscar Chopin, filho de uma família abastada do ramo de algodão
(paineiras), na Louisiana. O casal teve sete filhos e, após a morte de Oscar, Kate
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assumiu os negócios.
A obra de Kate Chopin aborda os elementos marcantes da sua vida: o femi-
nismo, as questões raciais e a morte. Seu primeiro romance, At Fault (1890), foi
seguido por coletâneas de contos, Bayou Folk (1894) e A Night in Acadia (1897).
Contudo a fama veio com The Awakening (1899), precursor dos romances femi-
nistas. Seus contos mais conhecidos são Désirée’s Baby (1893) e The Story of an
Hour (1894), estes a deixaram conhecida como a escritora das mulheres e dos
negros. Sobre Désirée’s Baby, Paradiso e Granatiere (2015, s/p) relatam:
O conto Désirée’s Baby foi publicado pela primeira vez na revista Vogue
(1893) e posteriormente na coleção de estórias Bayou Folk (1894), nele
a autora descreve a paixão de Armand, senhor de terras e escravos, por
Désirée, órfã criada pela família Valdomondé. Apesar de pouco saber
sobre a ascendência de Désirée, Armand decide se casar com ela. Po-
rém, quando o filho do casal revela traços multirraciais, Armand ime-
diatamente acusa Désirée de ser de origem africana e ter escondido
isso. A partir deste momento o comportamento dele muda. Torna-se
mais violento com os escravos, mal trata e isola Désirée. Por fim, renega
a esposa e o filho.

O final é surpreendente, dando uma reviravolta no conflito de todos persona-


gens. Aliás, finais surpreendentes são o “estilo” de Chopin, como em The Story
of an Hour ou Dream of an Hour. Nesse conto, Chopin apresenta-nos uma pro-
tagonista que experimenta em uma hora os prazeres nunca sentidos na vida, em
relação à sexualidade e autonomia (o texto está disponível em português, como
Leitura Complementar).

Kate Chopin (1850 –1904)


114 UNIDADE III

ERNEST HEMINGWAY (1899-1961)

Um dos maiores escritores da literatura inglesa do


século XX, Ernest Hemingway nasceu em Ollinois,
nos Estados Unidos, em 1899, iniciando a vida de
escritor como colunista de um jornal no Kansas, em
1916. Durante a Primeira Grande Guerra, foi voluntá-
rio e condecorado e, ao retornar à América, tornou-se
repórter internacional de um jornal americano na

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Europa. Lá, escreveu seu primeiro grande trabalho
The Sun Also Rises (1926), seguido de A Farewell to Ernest Hemingway
Arms (1929). Sua experiência pessoal como repórter
durante a Guerra Civil Espanhola foi a base para seu maior romance de sucesso,
For Whom the Bell Tolls (Por quem os sinos dobram [1940]).
Hemingway foi, além de grande escritor, um grande esportista e, por isso,
gostava de escrever sobre caçadores, toureiros, soldados etc. A sua prosa de diá-
logo livre, simples, o uso de eufemismo e linguagem objetiva são marcas de seus
contos. Em relação a seus contos, Hemingway é conhecido por The Old Man and
the Sea (1952), cuja estória é sobre um velho pescador e sua jornada solitária
no mar, da vitória à derrota. Outro brilhante conto é The Killers (Os assassinos
[1927]), que, de forma objetiva, ágil, dá ao leitor uma sensação de claustrofobia.
Com um enredo simples, ambiente minimalista e com predominância de diálo-
gos, conta a estória de dois assassinos em um restaurante. Escrito na década de
1920, no auge do crime organizado, durante a Lei Seca, o conto mostra como a
escrita poética, em detrimento da escrita prosaica, tem capacidade de criar tensões.
Veja um trecho do conto The Killers (LEITE, 2012, online):

A porta do restaurante “do Henry” se abriu e entraram dois homens que se


sentaram ao balcão.
— O que vão pedir? — perguntou-lhes George.
— Não sei. — disse um deles —. O que você quer comer, Al?
— Como vou saber? — respondeu Al — Não sei.
Lá fora estava escurecendo. As luzes da rua entravam pela janela. Os dois

ESTADOS UNIDOS, SÉCULOS XIX E XX: TEXTOS E AUTORES


115

homens liam o menu. Do outro extremo do balcão, Nick Adams, que tinha estado
conversando com George quando eles entraram, observava-os.
— Eu vou pedir costeletas de porco com molho de maçãs e purê de batatas.
— disse o primeiro.
— Ainda não está preparado.
— Então por que diabos o põem no cardápio?
— Esse é o jantar. — explicou-lhe George — Pode-se pedir a partir das seis.
George olhou o relógio na parede detrás do balcão.
— São cinco horas.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

— O relógio marca cinco e vinte. — disse o segundo homem.


— Adianta vinte minutos.
— Ora, dane-se o relógio. — exclamou o primeiro — O que tem para comer?
— Posso lhes oferecer qualquer variedade de sanduíche, — disse George —
presunto com ovos, toucinho com ovos, fígado e toucinho, ou um bife.
— Para mim, suprema de frango com ervilhas e molho branco e purê de
batatas.
— Esse é o jantar.
— Será possível que tudo o que pedimos seja o jantar?
— Posso lhes oferecer presunto com ovos, toucinho com ovos, fígado...
— Presunto com ovos — disse o que se chamava Al. Vestia um chapéu de
feltro e um sobretudo preto abotoado. Sua face era branca e pequena, seus lábios
estreitos. Levava um cachecol de seda e luvas.
— Me dê toucinho com ovos. — disse o outro. Era mais ou menos da mesma
estatura que Al. Embora de rosto não se parecessem, vestiam-se como gêmeos.
Ambos usavam sobretudos muito justos para eles. Estavam sentados, inclina-
dos para frente, com os cotovelos sobre o balcão.
— Há algo para beber? — perguntou Al.
— Refrigerante de gengibre, cerveja sem álcool, e outros refrigerantes. —
enumerou George.
— Diga se tem algo para beber.
— Só o que nomeei.
— É um povo caloroso este, não? — disse o outro — Como se chama?
— Summit.

Ernest Hemingway (1899-1961)


116 UNIDADE III

— Alguma vez ouviu falar nele? — perguntou Al a seu amigo.


— Não — respondeu-lhe este.
— O que se faz aqui à noite? — perguntou Al.
— Janta-se. — disse seu amigo — Vem-se para cá e janta-se muito bem.
— É isso mesmo. — disse George.
— Então acredita que é isso mesmo? — Al perguntou a George.
— Certamente.
— Então é um menino esperto, não é?
— Certamente. — respondeu George.

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— Pois não é. — disse o outro homenzinho — Não é mesmo, Al?— Ficou
mudo.
[...]

Ernest Hemingaway ganhou o Nobel de Literatura em 1954, deixando um legado


literário de sete romances, seis coletâneas de contos e dois livros não ficcionais, além
de vários livros publicados pós-morte. Faleceu em Idaho, Estados Unidos, em 1961.

F. S. FITZGERALD (1896 – 1940)

Outro grande escritor do século XX, o estadunidense F. Scott Fitzgerald, autor


de um dos livros mais importantes de seu século: The Great Gatsby (O Grande
Gatsby [1925]).
Francis Scott Key Fitzgerald nasceu em 24 de setembro de 1896, reconhe-
cido como um dos maiores romancistas estadunidenses do século XX, junto
com Hemingway e Faukner. Além dos romances, escreveu contos, muitos deles
reunidos na coletânea Tales of the Jazz Age (1922), que, como o próprio nome
diz, reflete o estado de espírito da época. Nele, há o conto The Curious Case of
Benjamin Button, que narra a história do personagem homônimo do título, o
qual nasce velho e, conforme os anos vão passando, começa a rejuvenescer até
simplesmente não existir mais.

ESTADOS UNIDOS, SÉCULOS XIX E XX: TEXTOS E AUTORES


117

Muitos de seus contos tratam


da juventude da época e do estilo
de vida ao qual visavam os jovens.
Em vida, finalizou quatro
romances: This Side of Paradise,
The Beautiful and Damned, The
F.S. Fitzgerald
Great Gatsby e Tender Is the Fonte: Popova (2013, online).
Night. O quinto, porém, ficou ina-
cabado, sendo publicado posteriormente com o nome de The Love of the Last
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Tycoon. “O Grande Gatsby” foi seu romance de sucesso, publicado em abril de


1825. A estória se passa em Nova Iorque e na cidade de Long Island durante o
verão de 1922, sendo uma crítica ao “Sonho Americano”. Apesar de o romance
exalar o glamour da época, o enredo se foca no caótico contexto da Primeira
Guerra Mundial, em que a sociedade americana vivia, paradoxalmente, uma
próspera economia e o aumento do crime organizado, consequência, talvez, da
proibição de produção e consumo de bebidas alcoólicas – a grande Lei Seca.
Narrado por um falido aristocrata chamado Nick Garraway, The Great Gatsby
tem como protagonista um anfitrião que abre sua mansão para as mais extrava-
gantes festas. Personagens como o próprio Nick, que vai à Nova Iorque trabalhar
como corretor de títulos, sua prima Daisy (por quem Gatsby é apaixonado), Tom
Buchanan (o marido de Daisy) e o golfista Jordan Baker fazem do romance um
texto repleto de imagens da tradicional aristocracia americana da década de 20.
O livro foi adaptado para peças na Broadway e filmes de Hollywood, integrando
a lista dos 100 melhores romances do século XX (SAVIGNEAU, 1999).

WILLIAM FAULKNER (1897-1962)

Ganhador do Nobel de Literatura em 1949, do Pullitzer em 1955 e de outro


Pullitzer póstumo em 1963, William Cuthbert Faulkner nasceu em setembro
de 1897, no Mississipi. Faulkner teve dificuldade financeira até a vida adulta,
até encontrar emprego de roteirista em Hollywood, em 1932. Da década de 30

William Faulkner (1897-1962)


118 UNIDADE III

até a década de 50, trabalhou para Metro, Fox e Warner, mas, antes, já escrevia
romances, como Soldier’s Pay (1926), Mosquitoes (1927) e Sartoris (1929). Porém
Faulkner entrou em uma nova fase, quando encontrou seu estilo nas obras The
Sound and the Fury (Som e a Fúria [1929]), e Sanctuary (Santuário [1931]), esses
dois últimos são clássicos de sua carreira. Em The Sound and the Fury, o ambiente
é o sul dos Estados Unidos, escravocrata e derrotado na Guerra da Secessão, em
que narra a agonia de uma família da velha aristocracia sulista, os Compson, entre
os dias 2 de julho de 1910 e 8 de abril de 1928. Em Sanctuary, Faulkner brinca
com o título, pois o santuário aqui não tem nada de sagrado, mas sim é metáfora

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
de um mundo de lassidão moral mal disfarçado pelas convenções sociais e pela
letra da lei, sempre distorcida ao sabor das conveniências de ocasião.
A obra de Faulkner é grande, possuindo vários romances, coletâneas de con-
tos, poesia e livro infantil. Há uma trilogia que conta a história de uma gente
gananciosa e sem escrúpulos, os Snopes, em The Hamlet (1940), The Town (1957)
e The Mansion (1959). Todavia não podemos falar de William Faulkner se não
falarmos do romance de 1936 Absalom, Absalom!
A seguir, temos um trecho do romance Absalão, Absalão! (1936), que narra
os embates e desencontros das quatro gerações da família Sutpen, protagonizada
por Thomas Sutpen. A história acontece no fictício condado de Yoknapatawpha
e mostra, a partir dos Sutpen, toda a tragédia do homem moderno. O trecho a
seguir diz respeito ao segundo capítulo, em que é narrada a chegada do prota-
gonista ao condado (TRECHO..., online):
Isso foi tudo que a cidade saberia dele por quase um mês. Aparente-
mente, havia chegado à cidade vindo do sul – um homem com cerca
de vinte e cinco anos, como a cidade ficou sabendo depois, porque na
época sua idade não poderia ter sido adivinhada porque ele parecia um
homem que estivera doente. Não como um homem que tivesse ficado
pacientemente na cama e se recuperado para se mover com uma espé-
cie de reservado e ensaiado espanto num mundo em que ele se acredi-
tasse prestes a submeter, mas como um homem que passara por alguma
experiência solitária de fornalha que era mais do que simples febre,
como diz um explorador, que não só tinha que enfrentar a dificuldade
normal da busca que escolhera, mas fora tragado pelo obstáculo adi-
cional e imprevisto da febre também e a combatera com enorme custo,
menos físico do que mental, sozinho e sem ajuda e não peço impulso

ESTADOS UNIDOS, SÉCULOS XIX E XX: TEXTOS E AUTORES


119

cego e instintivo de resistir e sobreviver, mas de ganhar e conservar


para desfrutar o prêmio material pelo qual aceitara a aposta original.
Um homem de compleição grande, porém agora descarnada, com uma
barba curta avermelhada que parecia um disfarce e por cima da qual
seus olhos claros tinham uma qualidade ao mesmo tempo visionária e
alerta, implacável e descansada num rosto cuja carne tinha uma apa-
rência de cerâmica, de ter sido colorido por aquela febre de forno fosse
de alma ou ambiente, mais profunda que a do sol apenas embaixo de
uma superfície morta impenetrável como se de argila esmaltada. Isso
foi o que eles viram, embora tenham passado anos até a cidade saber
que isso era tudo o que ele possuía na época – o cavalo forte e esgotado,
as roupas do corpo e um pequeno alforje onde mal cabiam uma muda
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

de roupa branca e as navalhas, e as duas pistolas sobre as quais a srta.


Coldfield já contara a Quentin, com as coronhas gastas pelo uso como
cabos de picareta e que ele usava com a precisão de agulhas de tricotar;
mais tarde o avô de Quentin viu Sutpen cavalgar num meio-galope e
meter duas balas numa carta de baralho pregada numa árvore. Ele ti-
nha um quarto na Pensão Holston, mas levava a chave consigo e toda
manhã alimentava e selava o cavalo e saía cavalgando antes do dia cla-
rear, para onde a cidade também não conseguiu saber, provavelmente
pelo fato de que ele deu a demonstração de pistola no terceiro dia de-
pois da sua chegada. Assim, eles tiveram que depender de indagações
para descobrir o que pudessem sobre ele, o que necessariamente seria à
noite, à mesa na sala de jantar da Pensão Holston ou no salão que ele te-
ria que cruzar para alcançar seu quarto e trancar a porta de novo, o que
ele faria tão logo terminasse de comer. O bar também dava para o salão,
e esse seria ou poderia ter sido o lugar para abordá-lo e mesmo inqui-
ri-lo, exceto pelo fato de que ele não frequentava o bar. Ele não bebia,
assim disse a eles. Não disse que costumava beber e tinha parado, nem
que jamais tivesse consumido álcool. Disse simplesmente que não se
interessava por bebida; levou anos até o avô de Quentin (ele era jovem,
então; anos se passariam até ele se tornar o General Compson) saber
que a razão por que Sutpen não bebia era que ele não tinha dinheiro
para pagar a sua parte ou retribuir a cortesia; o General Compson foi
o primeiro a perceber que nessa época Sutpen carecia não só de di-
nheiro para gastar com bebida e sociabilidade, mas também de tempo
e inclinação: que ele era, nessa época, escravo absoluto de sua secreta
e furiosa impaciência, da convicção que tinha adquirido sabe-se lá em
que experiência recente – aquela febre mental ou física – de uma ne-
cessidade de pressa, de tempo fugindo embaixo dele, que o iria mover
nos cinco anos seguintes – tal como o General Compson o computou,
aproximadamente até cerca de nove meses antes de seu filho nascer.

William Faulkner (1897-1962)


120 UNIDADE III

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta unidade, estudamos uma gama de autores e obras em língua inglesa, prin-
cipalmente o romance, que, como vimos com Ian Watt, em The Rise of the Novel
(A Ascensão do Romance [1957]), a partir do século XVIII, foi o gênero narra-
tivo mais apreciado na Europa.
Vimos que Charles Dickens foi o precursor desse romance na Inglaterra,
com seus textos famosos como A Christmas Carol (Um conto de Natal [1843]),
A Tale of Two Cities (Um Conto de Duas Cidades [1859]), David Copperfield

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
(1850) e Oliver Twist (1837), da mesma forma que Charlotte Brontë foi com
Jane Eyre (1847).
O romance em língua inglesa apresentou elementos estéticos novos como o
fluxo de consciência, usado por James Joyce em Ulysses (1922). Aliás, Joyce foi
precursor da epifania na literatura. A rebeldia também veio com o romance no
século XIX e um exemplo é o clássico romance proibido e censurado, devido às
cenas de sexo de D. H. Lawrence, o controverso autor inglês que escreveu Lady
Chatterley’s Lover (O Amante de Lady Chatterley [1928]). Vimos, porém, que
essas novidades trazidas pelo romance afetaram grandes poetas da época, como
Walt Whitman (1819 – 1892), Emily Dickinson, Ezra Pound (1885 – 1972),
Henry W. Longfellow (1807 – 1882) e os modernos, T. S. Eliot (1888 – 1965) e
E. E. Cummings (1894 – 1962), cujos estilo, vida e obra conhecemos.

ESTADOS UNIDOS, SÉCULOS XIX E XX: TEXTOS E AUTORES


121

Por fim, estudamos grandes nomes da prosa estadunidense, iniciando pelo


século XIX com Nathaniel Hawthorne, autor de The Scarlet Letter (1850); Herman
Melville e sua obra-prima, o romance Moby Dick (1851); o pai do romance esta-
dunidense Mark Twain, pseudônimo de Samuel L. Clements, pai dos clássicos
The Adventures of Tom Sawyer (1876) e Adventures of Huckleberry Finn (1885).
Contudo não foram apenas os homens que marcaram a literatura norte-americana
do século XIX, a escritora Kate Chopin soube muito bem apresentar uma boa
literatura de cunho social. Já, no século XX, percebemos que é impossível falar de
literatura em língua inglesa nos Estados Unidos sem falar da tríade Hemingway,
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

autor de For Whom the Bell Tolls (Por quem os sinos dobram [1940]); F. Scott
Fitzgerald, autor de um dos livros mais importantes de seu século, The Great
Gatsby (O Grande Gatsby [1925]); William Faulkner, autor de The Sound and the
Fury (Som e a Fúria [1929]), Sanctuary (Santuário [1931]) e Absalom, Absalom!

Considerações Finais
1. Com o estudo desta unidade, verificamos o “despertar do Romance” na literatura
inglesa. Sobre isso, estudamos que houve uma espécie de transição do gênero
épico para o Romance. Esse último trouxe à tona algumas verdades inconve-
nientes e ainda fez que o leitor vivenciasse novas experiências. Considerando
essa ideia, discorra sobre essas verdades inconvenientes.
2. Considerando o conteúdo estudado nesta unidade, comente sobre a literatura
nacional.
3. Charles Dickens é, sem sombra de dúvidas, um dos maiores nomes da literatura
universal. Responsável por popularizar o gênero romance, o autor apresentou
uma literatura engajada com seu contexto sócio-histórico. Disserte sobre essa
peculiaridade da obra do autor.
4. Na poesia estadunidense, dois são os nomes apontados como os “pioneiros” de
uma escrita que realmente refletia os valores e aspectos da cultura dos Estados
Unidos: Walt Whitman e Emily Dickinson. Em vida, Emily Dickinson teve apenas
10 poemas publicados, sendo que sua vasta obra só viria a público após sua
morte. Sobre o estilo literário da poetisa, reflita sobre quais aspectos se desta-
cam em sua estética e como isso viria a contribuir para a ruptura de paradigmas
de poetas que a sucederam.
5. Moby Dick, de Herman Melville, é um dos romances mais aclamados da história.
Mesmo sem ter lido o romance, muitas pessoas conhecem a famigerada rivali-
dade entre o capitão Acab e a baleia que lhe arrancou a perna. Sobre essa obra,
explique os motivos pelos quais ela figura como a obra-prima de Melville e seus
reflexos na cultura popular.
123

A HISTÓRIA DE UMA HORA, DE KATE CHOPIN


Como a Sra. Mallard sofria do coração, foi com extremo cuidado e delicadeza que lhe
disseram que o marido havia morrido.
Josephine, sua irmã, deu-lhe a notícia em sentenças entrecortadas; uma pista aqui, ou-
tra acolá, a verdade insinuando-se entre um véu e outro. Richards, um amigo do marido,
acompanhava toda a cena de perto, ao lado da viúva. Fora ele quem, trabalhando na
redação do jornal, recebera as primeiras informações sobre o acidente ferroviário, junta-
mente com uma lista de vítimas encabeçada pelo nome Brently Mallard. Não podia per-
der tempo: após certificar-se da veracidade dos fatos através de um segundo telegrama,
ele correra para a casa dos Mallard com o intuito de impedir que algum outro amigo me-
nos carinhoso, ou menos atencioso, se adiantasse na tarefa de transmitir a triste notícia.
Ela não ouviu a história como muitas mulheres já o fizeram: com uma paralisante inca-
pacidade de aceitar o seu significado. Caiu em prantos imediatamente, jogando-se nos
braços da irmã em súbito e profundo abandono. Quando o turbilhão de emoções se
esgotou, subiu para o seu quarto. Queria ficar sozinha; pediu que ninguém a seguisse.
A poltrona ampla e confortável estava de frente para a janela escancarada. Ela afundou
ali, esmagada por uma exaustão física tão intensa que parecia atravessar os limites do
corpo e atingir em cheio a sua alma.
Pelo quadrado aberto diante de si, ela podia ver os topos das árvores em alvoroço com
a chegada da primavera e da vida nova. Um delicioso aroma de chuva impregnava o ar.
Na rua logo abaixo, um mascate anunciava suas mercadorias. Notas de uma música que
alguém cantava chegavam, distantes, aos seus ouvidos. Inúmeros pardais gorjeavam
nos beirais dos telhados.
Nesgas de céu azul rasgavam as nuvens que haviam se encontrado e se empilhado, uma
em cima da outra, a oeste de sua janela.
Sentada, a cabeça esparramada no encosto da poltrona, ela permanecia praticamente
imóvel. Apenas os soluços, que de vez em quando subiam pela garganta e faziam-na
estremecer como uma criança que chora até dormir e continua soluçando em seus so-
nhos.
Ela era jovem. As linhas do rosto calmo e agradável denunciavam um quê de repressão
e até um certo vigor. Agora, entretanto, os olhos arregalados pareciam embotados. O
olhar, capturado por uma daquelas manchas azuis no céu, não mostrava nenhum sinal
de raciocínio ponderativo. Pelo contrário, sugeria a suspensão total de pensamento in-
teligente.
Havia algo vindo ao seu encontro e ela aguardava por isso, amedrontada. O que seria?
Não sabia; era algo muito sutil e impalpável para ser nomeado. Mas podia senti-lo, des-
cendo furtivamente do céu, alcançando-a por meio dos sons, dos cheiros e das cores
que tingiam o ar.
Agora o seu peito arfava descompassadamente. Estava começando a reconhecer aquela
coisa que se aproximava para possuí-la, e lutava para afastá-la de si com a força da sua
vontade. Esta, porém, revelava-se tão ou mais fraca do que as suas duas mãos brancas
e delgadas.
Quando desistiu de lutar, uma pequenina palavra, um sussurro, escapou pelos seus lá-
bios entreabertos. E ela repetiu, secretamente: “Livre, livre, livre!” O olhar perdido e a ex-
pressão de terror fugiram dos seus olhos. Eles ficaram alertas e brilhantes. Sua pulsação
aumentou e o sangue passou a circular mais quente, relaxando cada pedacinho do seu
corpo.
Não parou para se perguntar se a felicidade que tomava conta do seu ser era monstruo-
sa ou não. Uma percepção clara e exaltada convenceu-a de que aquela era uma questão
irrelevante.
Sabia que choraria novamente quando visse as mãos gentis e ternas incorporadas à
morte; quando visse o rosto - outrora amoroso - rígido, cinza e morto. Mas podia en-
trever, por detrás de um breve instante de amargura, uma longa sucessão de anos que
seriam todos seus, absolutamente seus. E então, abriu e estendeu os braços, acolhendo
calorosamente os anos vindouros.
Durante os próximos anos não teria que dedicar a sua vida a ninguém; viveria para si
mesma. Não teria que se curvar diante de um poder maior do que o seu, naquele jogo
cego e persistente no qual homens e mulheres acreditam ter o direito de impor suas
vontades a uma outra pessoa. Embalada por aquele momento de iluminação, ela podia
enxergar, claramente, que as melhores ou as piores intenções não tornavam tal ato mais
ou menos criminoso.
Mas ela o amara – algumas vezes. Poucas vezes. Mas que diferença isso fazia agora? O
que importava o amor, esse mistério insondável, diante da conquista de tamanha auto-
confiança? De repente, entendeu que aquele sentimento inédito era a coisa mais forte,
mais importante de sua vida!
- Livre! Corpo e mente livres! – repetia para si mesma.
Josephine estava ajoelhada atrás da porta trancada, os lábios colados no buraco da fe-
chadura, suplicando para ser admitida no quarto.
- Louise, abra a porta! Eu lhe imploro, abra a porta. Você pode passar mal. O que você
está fazendo, Louise? Pelo amor de Deus, abra esta porta!
- Vá embora. Eu não estou passando mal!
Não; ela estava bebendo do elixir da vida através da janela aberta.
Sua imaginação galopava enlouquecida diante da perspectiva de todos os dias que ain-
125

da teria pela frente. Dias de primavera, dias de verão, dias quaisquer – todinhos seus.
Ela murmurou uma rápida oração pedindo que a vida fosse longa. E pensar que ontem
mesmo havia percebido, com terror, que a vida poderia ser longa.
Finalmente, ela se levantou e abriu a porta para as importunações da irmã. Havia um
triunfo febril em seus olhos. Sem se dar conta, portou-se como se fosse uma deusa da
Vitória. Passou o braço em torno da cintura da irmã e, juntas, desceram as escadas. Ri-
chards aguardava as duas na base da escadaria.
Um barulho de chave girando na fechadura. Alguém abria a porta da frente. Era Bentley
Mallard. Suas roupas estavam ligeiramente empoeiradas por causa da viagem. Carre-
gava com elegância a pasta e o guarda-chuva. Ele passara longe da cena do acidente,
e sequer ouvira falar de desastres naquele dia. Ficou perplexo com o grito agudo de
Josephine; estranhou os rápidos movimentos de Richards para evitar que sua esposa o
enxergasse. Mas Richards não fora rápido o suficiente.
Quando os médicos chegaram, informaram-lhes que ela havia morrido de doença do
coração – de felicidade fulminante.

Fonte: Aronovich (2010, online).


MATERIAL COMPLEMENTAR

Os Fantasmas de Scrooge
Ano: 2009
Sinopse: Ebenezer Scrooge (Jim Carrey) começa as férias de Natal
como de costume, mesquinho e de mau humor, berrando com seu
fiel assistente (Gary Oldman) e com seu alegre sobrinho (Colin Firth).
Mas quando os fantasmas dos Natais Passado, Presente e Futuro o
levam a uma surpreendente jornada que revela as verdades que o
velho Scrooge reluta em enfrentar, ele deve abrir seu coração para
desfazer anos de maldades antes que seja tarde demais.

O Grande Gatsby
Ano: 2013
Sinopse: O Grande Gatsby acompanha o aspirante a escritor Nick
Carraway enquanto ele deixa o centro-oeste americano e chega à
Nova York na primavera de 1922, uma era de afrouxamento moral,
jazz resplandecente e rios de contrabando. Perseguindo seu próprio
sonho americano, Nick vira vizinho de um misterioso e festeiro
milionário, Jay Gatsby, quando vai viver do outro lado da baía com
sua prima Daisy e seu marido mulherengo de sangue azul Tom
Buchanan. É assim que Nick é atraído para o mundo cativante dos
milionários, com suas ilusões, amores e fraudes. Ao testemunhar
fatos de dentro e fora do mundo que ele habita, Nick escreve um
conto de amor impossível, sonhos incorruptíveis e tragédias que
espelham nossos próprios conflitos em tempos modernos.

O Curioso Caso Benjamin Button


Ano: 2008
Sinopse: drama baseado no clássico conto de F. Scott Fitzgerald,
que narra a história de Benjamin Button, um homem que nasce
velho e misteriosamente começa a rejuvenecer, passando a
sofrer as bizarras consequências do fenômeno. Indicado a 13
Oscars e vencedor nas categorias: Efeitos visuais - Maquiagem
- Direção de Arte.
MATERIAL COMPLEMENTAR

A Letra Escarlate
Nathaniel Hawthorne
Editora: Penguin Companhia
Ano: 2011
Sinopse: na rígida comunidade puritana de Boston do
século XVII, a jovem Hester Prynne tem uma relação adúltera
que termina com o nascimento de uma criança ilegítima.
Desonrada e renegada publicamente, ela é obrigada a levar
sempre a letra ‘A’ de adúltera bordada em seu peito. Hester usa
sua força interior e sua convicção de espírito para criar a filha sozinha, para lidar com a volta do
marido e para proteger o segredo acerca da identidade de seu amante.

Moby Dick em Quadrinhos


Herman Melville
Adaptador: Sam Ita
Editora: Publifolha Editora
Ano: 2009
Sinopse: ‘Moby Dick’, a saga épica de Herman Melville, ganha
versão pop-up com essa adaptação tridimensional para os
quadrinhos. Projetado por Sam Ita, este livro traz desenhos
que saltam para fora da página e dão movimentos aos
personagens. Esta obra é um convite para o leitor acompanhar
a busca do capitão Acab pela baleia branca.

As Aventuras de Huckleberry Finn em Quadrinhos


Mark Twain
Editora: SM Editora
Ano: 2014
Sinopse: o romance As aventuras de Huckleberry Finn,
publicado pela primeira vez em 1885, continua atual não só nas
críticas ao racismo e à desigualdade social, mas também no tom
insolente do protagonista. A graça do discurso de Huck, aliada
aos seus tropeços, oferece um olhar peculiar sobre a sociedade
norte-americana de meados do século XIX. Esta adaptação para
HQ dá ainda mais cores e movimento à narrativa, fazendo com
que os leitores tenham vontade de seguir em frente, celebrando a liberdade.

Material Complementar
MATERIAL COMPLEMENTAR

20 Poemas de Amor e uma Canção de Emily


Dickinson
Jose Lira
Editora: Jose Lira
Ano: 2009
Sinopse: mais conhecida pela ironia e morbidez de seus
versos curtos e enigmáticos, a poesia de Emily Dickinson
volta-se com frequência para o amor, visto em sua obra como
um sentimento que transcende qualquer conceituação. Esse
folheto reúne as traduções de vinte poemas românticos, além de
uma ‘canção desesperada’, na qual a autora mostra o melhor de seu talento criativo.

A Ascensão do Romance
Jose Lira
Editora: Jose Lira
Ano: 2009
Sinopse: mais conhecida pela ironia e morbidez de seus versos
curtos e enigmáticos, a poesia de Emily Dickinson volta-se com
frequência para o amor, visto em sua obra como um sentimento
que transcende qualquer conceituação. Esse folheto reúne as
traduções de vinte poemas românticos, além de uma ‘canção
desesperada’, na qual a autora mostra o melhor de seu talento
criativo.
MATERIAL COMPLEMENTAR

Ulysses
James Joyce
Organizador: Caetano Waldrigues Galindo
Editora: Penguin Companhia
Ano: 2012
Sinopse: um homem sai de casa pela manhã, cumpre com as
tarefas do dia e, pela noite, retorna ao lar. Foi em torno desse
esqueleto que James Joyce elaborou o enredo desta obra.
‘Ulysses’ é ambientado em Dublin e narra as aventuras de
Leopold Bloom e seu amigo Stephen Dedalus ao longo do
dia 16 de junho de 1904. Bloom precisa superar numerosos
obstáculos e tentações até retornar ao apartamento na rua
Eccles, onde sua mulher, Molly, o espera.

Absalão, Absalão!
William Faulkner
Tradutor: Julia Romeu e Celso Mauro Paciornik
Editora: Cosac Naify
Ano: 2015
Sinopse: ‘Absalão, absalão’, publicado originalmente em
1936, é um romance Ambientado no sul dos Estados
Unidos durante e após a Guerra Civil Americana, e narra
a ascensão e queda de Thomas Sutpen, fundador de
uma dinastia que acaba sendo destruída por sua própria
descendência.

Material Complementar
MATERIAL COMPLEMENTAR

Kate Chopin – Contos Traduzidos e Comentados


Kate Chopin
Idioma: Português
Editora: Editorial Luminara
Ano: 2011
Sinopse: nesta obra, os autores procuram mostrar como a
obra de uma escritora norte-americana do fim do século
19 pode ter muito a ensinar para quem estuda literatura,
medicina e tradução. Os doze contos abordam temas
como: liberdade, preconceito, paixão, ciúme, lealdade,
casamento, loucura, maternidade, descoberta e rebeldia. Abrangem o período que vai desde
1869, quando Chopin tinha 19 anos, até pouco antes de sua morte, em 1899. Em seu conjunto, os
ensaios dialogam com os contos de Chopin, tecendo uma rede intertextual.

Contos, V.1
Ernest Hemingway
Tradutor: Jose J. Veiga
Editora: Bertrand Brasil
Ano: 2015
Sinopse: neste primeiro tomo, o autor empresta sua
vida ao personagem Nick Adams. É por meio desse
protagonista que o leitor mergulha, página a página,
cada vez mais profundamente nas histórias pessoais
desse escritor. Composto por 28 contos, a obra reúne
fortes e densas narrativas, cheias de aventura, violência,
brutalidade, realismo e nostalgia, com trechos emocionantes,
nascidos da imaginação e da experiência de um homem que viveu intensamente o seu tempo,
e que, por temperamento, sempre abominou o ódio e as falsidades de um mundo injusto e
desassossegado. Hemingway, um dos escritores mais importantes do último século, narra algumas
de suas histórias íntimas, como as de Nick Adams, nos Estados Unidos, na Europa e no Oriente
Médio, e também as suas recordações dos anos de exílio. Além do valor literário, esse livro tem o
sabor de um documento sobre uma vida e uma época que se confundem em aventuras, dúvidas
e esperanças.
MATERIAL COMPLEMENTAR

A Literatura Americana
Daniel Royot
Editora: Atica Editora
Ano: 2009
Sinopse: ao abordar os principais movimentos, escritores
e obras da literatura americana, o autor pretende atrair o
interesse do leitor para que, posteriormente, leia as obras
citadas e se aprofunde no assunto. As primeiras narrativas
mencionadas datam do período colonial nos Estados
Unidos, momento em que a literatura do país ainda
amadurecia. Em seguida, no século XIX, chamada de ‘época
do florescimento’, ele aborda autores relevantes como: Washington Irving, James Fenimore Cooper,
Henry David Thoreau, Edgar Allan Poe, Nathaniel Hawthorne, Herman Melville e Walt Whitman. Na
segunda metade do século XIX, destacam-se a literatura cômica de Mark Twain, a poesia de Emily
Dickinson e as importantes obras de Henry James, Edith Wharton e Jack London. Já, no século
XX, no período entre guerras, bem como após a Segunda Guerra Mundial, despontam escritores
como: Ernest Hemingway, John dos Passos, Francis Scott Fitzgerald, T. S. Eliot e Eugene O’Neill,
além de John Steinbeck, com seu romance social, e de William Faulkner, com sua literatura realista.
O movimento beatnik, representado por Jack Kerouac e William Burroughs, também tem espaço
nesse panorama, bem como a voz contestadora de J. D. Salinger, o teatro de Tennessee Williams e
Arthur Miller e as premiadas obras de Saul Bellow e John Updike. Também têm presença a literatura
negra americana (com Langston Hughes, Toni Morrison e Alice Walker) e os autores descendentes
das minorias indígenas, asiáticas e hispânicas (como James Welch, Amy Tan e Rudolfo Anaya,
respectivamente), além de escritores contemporâneos, Cormac McCarthy, Paul Auster, Philip Roth,
entre outros.

Material Complementar
Professor Dr. Silvio Ruiz Paradiso

IV
CARIBE, ÍNDIA E OCEANIA:

UNIDADE
AS LITERATURAS EM LÍNGUA
INGLESA DA DIÁSPORA

Objetivos de Aprendizagem
■ Compreender o pós-colonialismo e sua relação com a literatura em
língua inglesa.
■ Conhecer grandes nomes da literatura em língua inglesa do Caribe e
Guiana.
■ Conhecer grandes nomes da literatura em língua inglesa da Índia.
■ Conhecer grandes nomes da literatura em língua inglesa da Oceania.
■ Relacionar obras e autores às temáticas congruentes ao pós-
colonialismo, como gênero, etnia-raça, identidade, classe, língua etc.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ A Literatura em Língua Inglesa é Diaspórica?
■ A Literatura Caribenha
■ A Literatura em Língua Inglesa da Índia
■ A Literatura em Língua Inglesa da Oceania
135

INTRODUÇÃO

A diáspora e a colonização espalharam pelo mundo manifestações culturais e


literárias, além de muita dor. Entretanto o amálgama desses elementos fez surgir
obras interessantes em língua inglesa, mostrando ao mundo que as ex-colônias
também poderiam produzir boas literaturas, inclusive merecedoras de prêmios
como Nobel de Literatura.
Nesta unidade, iremos conhecer um pouco das literaturas das ex-colônias
inglesas, em especial as do Caribe, Índia e Oceania (Austrália e Nova Zelândia).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Iremos começar pelas literaturas do Caribe, que também englobam a pro-


dução da Guiana Inglesa. Nelas, veremos alguns elementos próprios, como a
presença das marcas da colonização inglesa, o sentimento em relação à África
negra, o conflito de identidade sobre a qual mundo pertencer e a questão da
língua, em que o autor caribenho assimila a língua inglesa e, ao mesmo tempo,
ab-roga-a, utilizando o inglês pidgin e o creole. Tais marcas podem ser obser-
vadas na poesia de Derek Walcott (Nobel de 1992), Kamau Brathwaite, Uma
Marson e o poeta dub, Benjamin Zephaniah. Compreenderemos que a poética
do caribe, em especial da Jamaica, assimila elementos da música reggae, dando
origem à dub poetry. Na prosa, o Caribe apresenta-nos nomes congrados na lite-
ratura moderna, como a guianense Paulina Melville, o tobaguiano V. S. Naipul
e o são cristovense Caryl Phillipis.
Já a literatura inglesa da Índia é controversa devido ao forte enraizamento
cultural britânico. Enquanto escritores anglo-indianos como Alice Perrin denun-
ciam os males coloniais e a aculturação inglesa, e Arundhati Roy, que aborda a
modernidade na Índia, o escritor Rudyard Kipling presta serviços à hegemonia
do império, como observado no Conto Beyond The Pale.
Por fim, na Oceania, veremos a contista neozelandesa Katherine Mansfield,
que apresenta mulher como protagonista de seus contos, e o australiano David
Malouf, que relembra os protagonistas da Austrália pré-colonização: os aborígenes.
Logo, veremos, nesta unidade, que o multiculturalismo acaba sendo pre-
sente nos textos desses desconhecidos (para nós) autores em língua inglesa que
utilizaram a escrita pós-colonial para romper as barreiras linguísticas e cultu-
rais a fim de nos trazer o prazer literário.

Introdução
136 UNIDADE IV

A LITERATURA EM LÍNGUA INGLESA É DIASPÓRICA?

Sim.
O colonialismo marcou mais de três quartos da população mundial do planeta,
e, se levarmos em conta formas indiretas, esse dado tende a subir. Colonialismo
é o nome que damos para toda política de exercer o controle ou a autoridade,
por meio militar ou político, sobre um território ocupado e administrado por
um grupo de indivíduos. Paradiso (2014, p. 48) complementa o conceito:
Tal política, quase sempre, é contra a vontade dos habitantes da terra

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colonizada que, muitas vezes, são desapossados de parte dos seus bens
(como terra arável ou de pastagem) e de eventuais direitos políticos que
detinham. Essa ideologia constitui-se da extensão do território exce-
dente da soberania de uma nação, além de suas fronteiras pelo estabe-
lecimento das colônias do povoamento ou das dependências adminis-
trativas em que as populações nativas diretamente são governadas ou
deslocadas. Colonizadores geralmente dominam os recursos, o traba-
lho e os mercados do território colonial, e podem também impor estru-
turas socioculturais, religiosas e linguísticas na população conquistada.
Embora o colonialismo seja usado frequentemente e permutavelmente
com imperialismo, esse último é usado amplamente quando o controle
é exercitado a partir da revolução industrial, através da influência po-
lítica e econômica das nações ricas sobre os países subdesenvolvidos.
O colonialismo baseia-se na ideia em que os valores dos colonizadores
são superiores aos do colonizado.

Entre os séculos XV e XVI, com o avanço das ideias da industrialização e do


capital, a colonização passou a ser sinônimo de fonte de riquezas, de matérias-
-primas, de fauna e flora abundantes com a finalidade de enriquecer ainda mais
a metrópole, e o continente americano e africano foram as maiores vítimas. Na
América, o Caribe sofreu duplamente, por ver seus nativos serem dizimados e
ser repovoada pelo horror da escravidão.

CARIBE, ÍNDIA E OCEANIA: AS LITERATURAS EM LÍNGUA INGLESA DA DIÁSPORA


137

Os chamados textos pós-coloniais são textos que compreendem assuntos refe-


rentes às sociedades que sofreram com o infortúnio da colonização, enaltecendo
tópicos como: os dilemas de desenvolver uma identidade nacional após as regras
coloniais; os modos com os quais os escritores de países colonizados tentam arti-
cular e, até mesmo, celebrar as suas identidades culturais; o conhecimento dos
modos pelos quais os colonizados serviram aos interesses dos colonizadores e
como o saber de pessoas subjugadas ao poder é produzido e é usado; a maneira
que a literatura é usada para justificar o colonialismo pela perpetuação de ima-
gens dos colonizados e sua cultura como inferiores etc. (PARADISO, 2014).
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São textos diaspóricos, pois a língua em que são escritos, no nosso caso a
inglesa, cruzou os mares em diáspora, ou seja, dispersão.
Esse tipo de texto pode se manifestar de três formas distintas:
1. textos literários escritos por representantes do poder colonial. E aqui
devemos pensar em nomes como Shakespeare e Defoe, trabalhados em
Literaturas em Língua Inglesa I;
2. textos literários escritos por nativos que receberam educação desses
representantes nas cidades da Europa e escritas em línguas europeias,
principalmente a língua inglesa, espanhola, portuguesa e francesa (em
pequena escala). Nesse patamar, temos como maior exemplo o anglo-in-
diano, Rudyard Kipling.
3. textos literários com forte apelo crítico e subversivo, visando uma rup-
tura com a literatura da metrópole, escritos por nativos, cujo objetivo
principal é a formação de uma contraliteratura, como é a literatura cari-
benha e africana.

Os estudos pós-coloniais se concretizaram em definição de estudo em meados


da década de 70. É nos Estudos Culturais (HALL, 2003) que o pós-colonialismo
tem suas bases, em que influenciaram as posições analíticas e ideológicas de
modo multidisciplinar, principalmente na teoria literária, com forte teor de aná-
lises históricas, antropológicas, políticas, religiosas e filosóficas.
Nas unidades IV e V, iremos trabalhar com tais literaturas, frutos da língua
inglesa advinda da colonização. Nesta unidade, especificamente, iremos conhecer
a literatura do Caribe (e Guiana), da Índia e da Oceania. O caráter de impacto da

A Literatura em Língua Inglesa é Diaspórica?


138 UNIDADE IV

literatura desses países bem como sua emersão da experiência da colonização e


a afirmação na tensão com o poder imperial, enfatizando as suas diferenças com
o centro (Império), são características das literaturas pós-coloniais, como refe-
rem Ashcroft, Griffith e Tiffins
(apud WASHBURN, 2006).
O processo literário
pós-colonial difere de lugar
para lugar, por um motivo
óbvio: as consequências

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coloniais foram diferentes,
ainda que todas as colô-
nias tenham passado por
um processo traumático.
As colônias podem ser
divididas em três grupos
(BONNICI, 2005): colônias
de povoamento, colônia inva-
dida e colônias duplamente invadidas.
Nas colônias de povoamento, as línguas nativas foram praticamente ignora-
das e a língua do colonizador imposta. Brasil, América do Sul, Austrália e Nova
Zelândia são exemplos disso. As colônias invadidas são aquelas com uma cultura
centenária (às vezes, milenar), como a Índia e a África. Nelas, as línguas nativas
continuaram sendo usadas pelos nativos, como sânscrito, yorùbá, banto, além
da língua inglesa, uma língua ‘oficial’ (turística e administrativa).
Nas colônias duplamente invadidas, o processo foi mais doloroso, pois a cul-
tura original fora totalmente destruída e os nativos exterminados, como no caso
do Caribe. Após esse processo, outro aconteceu, de forma alheia, o povoamento
por meio da imigração de europeus, de africanos escravizados e de indentured
laborers (sudoeste asiático e da Índia). No Caribe, as línguas nativas ameríndias
desapareceram, permanecendo apenas a língua europeia.
Dessa forma, a literatura pós-colonial tem autoridade para revelar, por meio
de narrativas, a forma brutal como muitos povos foram subjugados ao regime de
outros, recuperando resquícios que a história apagou, com o dever de estabelecer

CARIBE, ÍNDIA E OCEANIA: AS LITERATURAS EM LÍNGUA INGLESA DA DIÁSPORA


139

uma literatura crítica e reflexiva acerca dos erros de muitos homens e mulhe-
res (leia-se impérios, religiões, ideologias...) que causaram o sofrimento e a dor
de tantos outros ao longo do processo imperialista de dominação nos séculos
XIX e XX.

A LITERATURA CARIBENHA
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Caribe é a região do continente americano formada pelo mar do Caribe, por suas
ilhas e por estados insulares. Também é chamado de Antilhas ou Índias Ocidentais.
A literatura caribenha em língua inglesa é praticamente excluída dos cursos de
Letras. Talvez, pela falta de conhecimento, vontade ou até mesmo por um olhar
etnocêntrico, que não observa tais literaturas como inglesas. Realmente não são,
mas, assim como as literaturas africanas, são literaturas “em” língua inglesa, fruto
da colonização britânica pelo mundo. Nesta primeira parte da unidade, irei, de
forma sucinta, apresentar a você um pouco da literatura caribenha em inglês,
ou seja, aquela cuja produção é de autores de países como Antígua e Barbuda,
Bahamas, Barbados, Jamaica, Santa Lúcia, São Cristovão e Neves, São Vicente e
Granadinas, Trinidad e Tobago, Ilhas Virgens e a Guiana Inglesa. Além de terri-
tórios ultramarinos, como Anguilla, Ilhas Cayman e Bermuda (ainda colônias,
britânicas). A poesia “Jamaica”, de 1889, de Tom Redcam, foi pioneira na poé-
tica caribenha (BONNICI, 2004, p. 140).
A poesia caribenha teve um “upgrade” entre as décadas de 30 e 40, quando
se iniciaram agitações políticas e trabalhistas na região, além de novas oportu-
nidades de emprego derivadas do turismo. Assim, novos temas foram surgindo
como o “anticolonialismo”, protesto contra a desigualdade social e o racismo,
além de temas que abordavam a beleza e a estética afroamericana. Décadas mais
tarde, E. K. Brathwhite, M. Carter e Derek Walcott ganharam destaque na poética
caribenha, na década de 50, abordando suas experiências coloniais, problema-
tizando, assim, a história e a identidade cultural do Caribe. (BONNICI, 2004,
p. 140). No final da década de 60, todos os escritores caribenhos já escrevem

A Literatura Caribenha
140 UNIDADE IV

adotando a experiência colonial, além de cuidar e melhorar a técnica de escrita,


agora mais criativa, aproveitando as influências do Reggae e do Rastafarianismo.
Por fim, nos anos 80, Bonnici (2004, p. 140) aponta que as mulheres caribe-
nhas, como as guianenses Grace Nickols e Mahadai Das, as jamaicanas Christine
Craig e Pamela Mordecai, e Dionne Brand e Claire Harris, de Trinidad e Tobago,
começam a emergir no espaço literário até então predominantemente masculino.
Nomes que se destacam na literatura caribenha são os de Derek Walcott (St.
Lucia), Paulline Menville (Guiana Inglesa), V. S. Naipul (Trinidad e Tobago),
Benjamin Zephaniah (Jamaica), Earl Lovelace (Trinidad e Tobago), Claude McKay

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
(Jamaica), Orlando Patterson (Jamaica), Andrew Salkey (Panamá/Jamaica),
Edward Kamau Brathwaite (Barbados), Linton Kwesi Johnson (Jamaica), Michelle
Cliff (Jamaica), Caryl Phillips (S. Cristovão e Neves), Colin Channer (Jamaica)
Marlon James (Jamaica), Marie-Elena John (Antigua), Lasana M. Sekou (St.
Martin), entre outros.
Tais autores têm, em seus textos, muita afinidade conosco: “The colonial
history of the archipela-
gos (including Guyana)
has a great deal of affi-
nities with Brazilian
history, the slave trade,
hybridism and African
pride 1” (BONNICI,
2004, p. 141).
Essa relação com a
África se dá pelo fato
de que, com a coloniza-
ção Inglesa e espanhola
nas ilhas, muitos nati-
vos foram escravizados,
levando muitas etnias à

1 A história colonial do arquipélago (incluindo a Guiana) tem uma grande afinidade com a história do Brasil, como o
trafégo negreiro, o hibridismo e o orgulho africano. (Tradução do autor).

CARIBE, ÍNDIA E OCEANIA: AS LITERATURAS EM LÍNGUA INGLESA DA DIÁSPORA


141

quase extinção. Com isso, muito africanos


foram trazidos escravizados paras as colô-
nias, fazendo do arquipélago um espaço
multicultural.
O ganhador do Nobel de 1992, Derek
Walcott, nascido em Santa Lucia, mostra em
sua obra a difícil situação do sujeito caribe-
nho, que vive ao mesmo tempo em várias
culturas – deslocado.
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Essas questões de nacionalidade e o


dilema de pertencer às duas pátrias ao mesmo
tempo, bem como a fragmentação da iden-
tidade caribenha, são temas recorrentes de
Santa Luciense, Derek Walcott
Walcott e de outros poetas locais. Paradiso
Fonte: Felver (online). (2007, s.p) considera que
tais indivíduos também podem ser chamados de sujeitos ‘traduzidos’,
‘hifenados’ ou ‘híbridos’, pois carregam a tradição de uma experiência
colonial ou pós-colonial ao mesmo tempo em que traduzem novas rea-
lidades, muitas vezes migrando para a metrópole colonizadora.

No seu poema The Castaway (1964-5), em The Castaway and Other Poems, perce-
be-se a fragmentação do sujeito pós-colonial, na imagem da história de Robinson
Crusoé. No poema, apresenta-se o “náufrago”, uma metáfora para o sujeito colo-
nial que, vivendo à margem (colonizado caribenho), deseja alcançar o centro
(colonizador inglês). Walcott harmonicamente apresenta em sua obra a estética
e a métrica inglesa e o ritmo crioulo, próprio do Caribe.
O dilema de pertencer a dois mundos é marcado pelas constantes dicotomias
como: étnica e emocional (a paisagem e o tema caribenho cultural). Durante
todo o poema, o autor, por meio dos biografemas e narrativa em primeira pes-
soa, se apresenta como o próprio título supõe: The Castaway, ou seja, o náufrago.
Ora como o náufrago Crusoé (branco, cristão, violento e intelectual), buscando
a pátria inglesa, ora como o náufrago Walcott (negro, pagão e pacífico), acei-
tando sua condição de “nativo” (PARADISO, 2007).
Vejamos um trecho do poema (WALCOTT, 2011, online):

A Literatura Caribenha
142 UNIDADE IV

The Castaway (1965)


The starved eye devours the seascape for the morsel
Of a sail.

The horizon threads it infinitely.

Action breeds frenzy. I lie,


Sailing the ribbed shadow of a palm,
Afraid lest my own footprints multiply.

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Blowing sand, thin as smoke,
Bored, shifts its dunes.
The surf tires of its castles like a child.

The salt green vine with yellow trumpet-flower,


A net, inches across nothing.
Nothing: the rage with which the sandfly’s head is filled.

Pleasures of an old man:


Morning: contemplative evacuation, considering
The dried leaf, nature’s plan.
Seu primeiro poema, “1944”, foi publicado no jornal The Voice of St. Lucia,
quando ainda era um adolescente. Seguido por publicações bancadas por ele
mesmo, como 25 Poems (1948) e Epitaph for the Young: XII Cantos (1949),
Derek Walcott ganhou atenção da University of the West Indies, recebendo uma
bolsa de estudos. Estudou teatro publicando também peças teatrais. Contudo, o
maior trabalho de Walcott é o épico “Omeros” (1990), um poema que faz refe-
rências a Homero e sua “Ilíada”. Porém a composição tem como espaço a ilha de
Santa Lúcia no Caribe, reforçando temas como a beleza local, a identidade frag-
mentada e o papel do poeta pós-colonial.
Como abordei anteriormente, o poeta do Caribe tem fortes relações com
a África, como percebemos no poema de Walcott A Far Cry From Africa (1962
apud WALCOT, online):

CARIBE, ÍNDIA E OCEANIA: AS LITERATURAS EM LÍNGUA INGLESA DA DIÁSPORA


143

A wind is ruffling the tawny pelt


Of Africa, Kikuyu, quick as flies,
Batten upon the bloodstreams of the veldt.
Corpses are scattered through a paradise.
Only the worm, colonel of carrion, cries:
‘Waste no compassion on these separate dead!’
Statistics justify and scholars seize
The salients of colonial policy.
What is that to the white child hacked in bed?
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To savages, expendable as Jews?


Threshed out by beaters, the long rushes break
In a white dust of ibises whose cries
Have wheeled since civilizations dawn
From the parched river or beast-teeming plain.
The violence of beast on beast is read
As natural law, but upright man
Seeks his divinity by inflicting pain.
Delirious as these worried beasts, his wars
Dance to the tightened carcass of a drum,
While he calls courage still that native dread
Of the white peace contracted by the dead.

Again brutish necessity wipes its hands


Upon the napkin of a dirty cause, again
A waste of our compassion, as with Spain,
The gorilla wrestles with the superman.
I who am poisoned with the blood of both,
Where shall I turn, divided to the vein?
I who have cursed
The drunken officer of British rule, how choose
Between this Africa and the English tongue I love?
Betray them both, or give back what they give?
How can I face such slaughter and be cool?
How can I turn from Africa and live?

A Literatura Caribenha
144 UNIDADE IV

Note que, nos últimos versos, “Between this Africa and the English tongue I
love?”, o eu-lírico questiona a questão da língua. O que falar da poesia caribe-
nha? Inglês ou Creole?

A questão da língua
A língua inglesa da poesia do caribe não é a mesma língua inglesa de Shakespeare,
afinal, ali há um reflexo direto da miscigenação e do multiculturalismo que as
Antilhas viveu. Desde o século XVI, o inglês “pidgin” (o inglês misturado, prin-
cipalmente com o yorùbá) foi o idioma local, até o desenvolvimento do creole

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(mistura das línguas africanas com espanhol, francês e inglês). No período colo-
nial, apesar dos esforços dos colonizadores em impor a língua inglesa oficial
(Standard), o creole tornou-se forte, ainda mais pela presença da oralidade. Hoje,
o creole e o pidgin não são mais vistos como “inglês ruim” (BONNICI, 2004, p.
142), mas como uma variação que até tem poemas, peças e romances próprios.
É justamente esse jogo sonoro de língua, dialetos e creolização que faz as
literaturas do Caribe serem tão ricas.
O poeta Kamau Brathwaite (1930), de Barbados, nos dá um exemplo disso
no poema From Wings of a Dove (1973), vejamos alguns trechos (BONNICI,
2004, p. 144):

Brother Man the Rasta


man, beard full of lichens
brain full of lice
watched the mice
[...]

And I
Rastafar-I
[...] hear my people
cry, my people
shout:

CARIBE, ÍNDIA E OCEANIA: AS LITERATURAS EM LÍNGUA INGLESA DA DIÁSPORA


145

Down down
white
man, con
man, brown
man, down
down full
man, frown-
ing fat
man, that
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white black
man that
lives in
the town.

Rise rise
locks-
man, Solo-
man wise
man, rise
rise rise
leh we
laugh
dem, mock
dem, stop
dem, kill
dem an go
back back
to the black
man lan
back back
to Af-
rica.

A Literatura Caribenha
146 UNIDADE IV

Há forte presença de oralidade, seja pelos versos


curtos, seja pela falta de pontuação, além do uso
de termos regionais como Rasta, supressão da
palavra Rastafari, palavra essa que se transforma
em Rastafar-i, dando a ideia de “far”, distante
em inglês, ou seja, marcando o deslocamento do
sujeito. O mesmo acontece com a palavra Af- rica,
uma brincadeira com o termo em espanhol “rica”.
Entretanto, nítido é a creolização do idioma inglês, marcada nos termos dem

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(them), an (and) e lan (land).
O mesmo acontece na poesia Kinky Hair Blues, de Una Marson (1905 -1965),
a qual, de apresentar uma crítica ao padrão de beleza branco e a demonização
da estética afroamericana, faz um apelo ao creole, com os termos como dose
(those), gals (girls), jes (just), gwine (going to), oder (other), me by (by me) reve-
lam o apelo ao creole.
Vejamos um trecho (MARSON, online):

Kinky Hair Blues

Gwine find a beauty shop Cause I ain’t a belle.


Gwine find a beauty shop Cause I ain’t a lovely belle.
The boys pass me by,
They say I’s not so swell.

See oder young gals


So slick and smart.
See dose oder young gals
So slick and smart.
I jes gwine die on de shelf
If I don’t mek a start.

CARIBE, ÍNDIA E OCEANIA: AS LITERATURAS EM LÍNGUA INGLESA DA DIÁSPORA


147

Essa mudança da língua tem uma função especial, marcar o locus enunciativo,
ou seja, o local do discurso do eu-lírico: sou caribenho! Isso é muito importante
para se entender, por exemplo, o poema A modern Slave Song (1992), do ‘jamai-
cano’ Benjamin Zephaniah. Nascido Benjamin Obadiah Iqbal Zephaniah, em
Birmingham, em abril de 1958, Zephaniah se considera jamaicano ou anglo-ja-
maicano escritor rastafári e poeta dub.
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DUB POETRY
Dub poesia é uma forma de poesia de origem caribenha, especialmente, da
Jamaica. É um gênero poético derivado do dub music, que, por sua vez, é
um subgênero do reggae. A marca do gênero musical consiste no “falar” ou
cantar um poema anteriormente preparado, sob o ritmo do reggae.
Nascido na década de 1970, a dub music e a dub poetry possuem um dis-
curso cantado com acentuação rítmica acentuada e dramática estilizada nos
gestos do seu cantor/poeta. Seus temas são quase sempre de cunho políti-
co e social.
Um dos maiores nomes da poesia dub é Benjamin Zephaniah, que continua
a publicar no Reino Unido. Outros nomes desse gênero constumam publi-
car suas letras ou em forma de poesia ou de música.
Fonte: Morris (1998, s.p).

Em seu poema a seguir, observamos o olhar de um eu-lírico colonial, sobre as


estórias pós-escravismo no Caribe. A linguagem e o enredo são fantásticos! Veja
abaixo (DONNELL, 1996. p. 461):

A modern slave song

When yu cosy in yu house


Remember I exist,
When yu drink expensive drink

A Literatura Caribenha
148 UNIDADE IV

Remember I exist,
When yu lying on me beach
Remember I exist,
When yu trying to sell me beans to me
Remember I exist.

When yu loving each other to death


Remember I exist,
When yu selling me me music

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Remember I exist,
When yu sell dat cotton shirt
Remember I exist,
When yu interviewing me
Remember I exist.

I was de first inventor-remember


I am black an dread an luv-remember
I am poor but rich, don’t mess-remember
I made history-remember
Yu tried to shut me mouth-remember
Yu studied me an filmed me-remember
Yu spending me money-remember
Yu trying to feget me but remember,
Remember I am trained to not give in,
So don’t feget.
Remember I hav studied studying
So don’t feget.
Remember where I come from, cause I do.
I won’t feget.
Remember yu got me, cause I’ll get yu.
I’ll mek yu sweat

CARIBE, ÍNDIA E OCEANIA: AS LITERATURAS EM LÍNGUA INGLESA DA DIÁSPORA


149

A prosa do Caribe inglês


A prosa caribenha tem grandes nomes da litera-
tura universal. Destaco aqui nomes como Paulline
Menville (Guiana Inglesa), V. S. Naipul (Trinidade
e Tobago), (S. Cristovão) Cary Phillips, que são
alguns dos exemplos.
Pauline Melville nasceu na Guiana em 1948,
mas hoje vive e trabalha na Inglaterra. Assim
como muitos escritores guianenses e caribenhos,
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

mudou-se para a Inglaterra onde atualmente vive


e trabalha. De formação híbrida, por ser filha de
mãe inglesa e de pai guianense, Melville aborda
com realidade as estórias da América do Sul, prin- Pauline Melville
cipalmente da Guiana, já que passou grande parte Fonte: Pauline... (online).

da juventude ali.
Seu romance mais famoso é The Ventriloquist’s
Tale (1997), que aborda o encontro cultural entre
europeus e uapixanas. Sobre ele, Fonseca e Paradiso
(2015, s./p.) sintetizam:
Em The Ventriloquist’s Tale, Melville
demonstra com maestria as marcas
do encontro entre o colonizador eu-
ropeu e o sujeito nativo ameríndio
mediante um amor incestuoso entre
irmão e irmã da família McKinnon.
Na obra, há a representação da cultu-
ra hegemônica europeia por meio do
aventureiro, do religioso e do intelec-
tual, que por sua vez, está interligada
ao grupo familiar de ameríndios da
savana guianesa, envolto em seus cos-
tumes, folclores e mitos (BARZOT-
TO, 2006). A narrativa propriamente
dita é contada de forma não crono-
lógica, ou seja, narrada em flashbacks O encontro de Ameríndios e Europeus na
Guiana Inglesa é o tema do romance de
durante a época da colonização. Melville.

A Literatura Caribenha
150 UNIDADE IV

Um fato curioso sobre The Ventriloquist’s Tale (1997) é que o narrador é um per-
sonagem bem conhecido da literatura brasileira: Macunaíma.
Além do romance, a autora guianense publicou o livro Eating Air (2009)
e dois livros de contos, Shape-shifter (1990) e The Migration of Ghosts (1998),
com seus doze contos abordando o realismo mágico latino-americano. O pri-
meiro livro de contos lhe rendeu os prêmios Commonwealth Writers, Guardian
Fiction e o Macmillan Silver Pen Award, ao retratar a vida pós-colonial no Caribe
(BARZOTTO, 2011).
A prosa de V. S. Naipul (1932 -) tem mais prêmios que livros. Sir Vidiadhar

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Surajprasad Naipaul é um escritor nascido em Trinidad e Tobago, educado em
Londres. De família indiana, assina seus livros como V. S. Naipaul, devido à
dificuldade de pronúncia do nome. Ganhador do Booker Prize, em 1971, e do
Nobel de Literatura, em 2001, por Half a Life (2001), que narra a estória de um
imigrante indiano na Inglaterra.
Romances como A House for Mr. Biswas (1961), A Bend in the River (1979) e
A Way in the World (1994) também são conhecidos, e todos possuem sua marca
registrada: o pessimismo, a ironia e o tom cínico na escrita. Dos romances, des-
taco The Mystic Masseur (1957), um texto mais cômico, que narra a estória de
um escritor de ascendência indiana, que resolve ser político e que, para che-
gar aos rumos de sua ambição, utiliza-se de um excêntrico talento: o de ser um
místico massagista. No conto, temos a coletânea Miguel
Street (1959), cujos contos remetem às experiências de
Naipul, na capital Port of Spain, em Trinidade e Tobago,
entre a comunidade hindu.
V. S. Naipul também escreve não ficções, como An
Area of Darkness (1965), India: A Wounded Civilization
(1977) e Among the Believers: An Islamic Journey (1981).
No Brasil, grande parte de sua obra literária já possui
tradução e publicação.
Por fim, quero apresentar-lhe um escritor muito
utilizado nos estudos pós-coloniais, o são cristovense
Caryl Phillips (1958).
V.S. Naipul
Fonte: Chotiner (2012).

CARIBE, ÍNDIA E OCEANIA: AS LITERATURAS EM LÍNGUA INGLESA DA DIÁSPORA


151

Nascido na ilha de São Cristóvão e Neves, ou St. Kiitys, Phillips é um drama-


turgo, ensaísta e romancista que comumente aborda os resultados da diáspora
negra (africana) na Europa, Caribe e Estados Unidos. O início da carreira foi com
a escrita de peças teatrais, como Strange Fruit (1980), Where There is Darkness
(1982) e The Shelter (1983). Em 1984, ganhou um prêmio por The Wasted Years
(1984). Mas foi com os romances que ficaram conhecidos, principalmente com
Crossing the River (1993), A Distant Shore (2003) e Dancing in the Dark (2005).
Em Crossing the River (1993), como o próprio título metaforiza, conta a
história de três pessoas negras, em três diferentes períodos e diferentes locali-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

zações geográficas, que têm em comum os laços com a África. Nash, Marta e
Travis apresentam seus conflitos sobre a dificuldade do indivíduo diaspórico
viver ao tentar “cruzar o rio”. Em A Distant Shore (2003), Phillips propõe uma
narrativa divida em duas: a de Dorothy, uma inglesa, e de Solomon, seu vizi-
nho africano. Os protagonistas irão perceber, ao longo do enredo, que a única
coisa que os une é tão somente a língua. Já Dancing in the Dark (2005) conta a
estória real de Bert Williams (1874-1922), o primeiro showman estadunidense
negro. Contudo, a estória de sucesso e fortuna de Williams é construída sobre
o racismo americano, quando ele tem que se caracterizar como um blackface.
Leiamos um importante trecho do romance:
Tudo o que se esperava de um artista negro era que ele cantasse, dan-
çasse, e contasse um pouco de história. [os artistas brancos] costuma-
vam se mostrar tão ridículos quanto podiam quando representavam
um “negrinho”. Sua “maquiagem” sempre incluía lábios vermelhos
enormes e seu vestuário era assustadoramente exagerado. O efeito fatal
que isso teve sobre os artistas de cor foi que eles imitavam os artistas
brancos em sua maquiagem de “negrinhos”. Nada parecia mais absurdo
que ver um homem negro ridicularizando a si mesmo a fim de repre-
sentar a si mesmo (PHILLIPS, 2007, p. 140).

O trecho acima era o desabafo do amigo de Bert Williams, George Walker, sobre
a transformação de William, em um sujeito imponente, em um “negrinho”, desa-
jeitado e trapalhão.
A escrita de Caryl Phillips fez que seu nome constasse nas listas do Sunday Times
de melhores escritores jovens de 1992 e de melhor escritor da Young British Writers.
Seus três maiores sucessos são vencedores de dezenas de premiações literárias.

A Literatura Caribenha
152 UNIDADE IV

Atualmente, Phillips lecionou em várias universidades do mundo, dos Estados


Unidos, passando pelo Caribe, África, Ásia e Europa, enquanto escrevia outros
trabalhos, como os de não ficção, The European Tribe (1987), The Atlantic Sound
(2000), A New World Order (2001), Colour Me English (2011); e os romances
The Final Passage (1985), A State of Independence (1986), Higher Ground (1989),
Cambridge (1991), The Nature of Blood (1997), Foreigners (2007), In the Falling
Snow (2009), e o último, Lost Child (2015).
Para finalizar nossa unidade, irei apresentar-lhe um pouco da literatura em
língua inglesa da Índia e da Oceania.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A LITERATURA EM LÍNGUA INGLESA DA ÍNDIA

De 1858 a 1947, a Índia


foi uma colônia britâ-
nica, conhecida como
British Raj. O período
foi quando os direi-
tos da Companhia
Britânica das Índias
Orientais foram trans-
feridos para a coroa
britânica, até 1947,
Forte Akbar, na Índia, um dos símbolos do imperialismo inglês na região.
ano em que o Reino
Unido passou a soberania sobre aquele território para os recém-criados – Índia
e Paquistão. Elenco aqui três autores importantes: Rudyard Kipling, Alice Perrin
e Arundathi Roy. Os dois primeiros viveram no período colonial inglês, enquanto
a última experimentou uma Índia já pós-colonial.

CARIBE, ÍNDIA E OCEANIA: AS LITERATURAS EM LÍNGUA INGLESA DA DIÁSPORA


153

Rudyard Kipling
Nascido em Bombaim, na Índia, em 30 de dezembro de 1865, Joseph Rudyard
Kipling foi um autor e poeta do império britânico, bem como um de seus solda-
dos, retratando o período colonial inglês na Índia em vários contos, alguns deles
reunidos no volume Plain tales from the hills, de 1888. Lançou The Jungle Book
(O livro da selva), em 1894, que se tornou um clássico para crianças de todo o
mundo, também conhecido pelo seu personagem principal: o pequeno Mogli.
Seguiu publicando The Second Jungle Book (1895), Just So Stories (1902), Puck
of Pook’s Hill (1906) e Kim (1901), um romance de espionagem que aborda a
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vida de Kim, um órfão indiano que vive sob a presença do Império britânico,
tendo como pano de fundo o conflito político entre a Rússia e a Grã-Bretanha
na Ásia Central, no final do século XIX.
Kipling, em 1907, recebeu o Prêmio Nobel de Literatura, mesmo com mui-
tos críticos o considerando o principal representante da literatura imperialista,
o que é bem visível em muitos de seus textos.
Kipling se preocupava com o futuro do império britânico, que, mesmo
sabendo da certeza de seu declínio, sustentava a ética como base para qual-
quer ato inglês. O poeta anglo-indiano faleceu em Londres, em 18 de janeiro de
1936, deixando um legado literário e muitas vezes polêmico, como sua campa-
nha antimiscigenação. Paradiso (2013) revela que esse Kipling é observado no
conto Beyond the pale, escrito em 1888, considerado por Kingsley Amis como
a mais terrível estória na língua inglesa.
No conto, narra-se a história de uma jovem indiana de quinze anos, Bisesa,
que se tornara viúva muito cedo e acaba se apaixonando novamente, por um sol-
dado inglês, Trejago. O soldado conhece-a quando a vê dentro de um cômodo
com janela barrada. Ambos começam uma relação secreta, separada por grades de
ferro e preconceitos raciais. No entanto a origem étnica de ambos culmina numa
tragédia: tanto Bisesa quanto Trejago perdem-se mutuamente, pagando pesada-
mente por terem pisado além dos limites de seus próprios (PARADISO, 2013,
p. 226). O início do conto já antecipa seu fim: “A man should, whatever happens,
keep to his own caste, race and breed” (KIPLING apud BONNICI, 2002, p. 315).

A Literatura em Língua Inglesa da Índia


154 UNIDADE IV

Alice Perin
Já Alice Perrin (1867-1934), também nascida
na Índia, em julho de 1867, permaneceu lá
até o início da década de 1930. Era filha do
general da cavalaria de Bengala John Innes
Robinson. Bengala, terra natal de seu pai, é
uma região repleta de religiosidade hindu, cuja
imagem sempre é retomada em seus textos.
Perrin casou-se em 1886 com o engenheiro e

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
também oficial médico do serviço civil indiano
Charles Perrin, em tempos em que a Índia
ainda era controlada pela coroa britânica.
Escreveu diversos romances e coleções base-
O faquir é um asceta hindu. Personagem do
ados em suas experiências lá vividas durante conto de Perrin.
o fim do século XIX e início do século XX.
Conhecida como uma best selling “anglo-indiana”, Perrin conseguia magis-
tralmente expor as relações entre a Índia e a Inglaterra utilizando a ironia e o
bom humor, como no conto The Fakir’s Island (1901), uma história de amor que
tem como pano de fundo a intolerância à cultura alheia.
O conto tem seu espaço e tempo no reinado da rainha Elisabeth, quan-
do uma jovem inglesa (Mona Selwyn) chega à Índia (colônia britâni-
ca) em visita ao seu tio (comandante do forte de Akbar) e dois meses
depois começa um relacionamento amoroso com o soldado George
Robertson.

Ela fica surpresa com a cultura hindu, principalmente pelo ritual hindu
Khoom Mela (ou Kumbha Mela). Em meio a cuspidores de fogo, camas
de pregos, encantadores de serpentes e praticantes do autoflagelação,
Mona e seu amigo inglês vêem um grupo de mendigos hindus e um
velho faquir. O velho faquir e seu grupo, tomados de toda a sorte de
doenças - como varíola e lepra - imploram por esmolas. Mona não en-
tende a razão do pedido e o ataca verbalmente, e seu amigo Kerr gol-
peia o pote de mendicância do velho faquir. Então, o faquir amaldiçoa
a jovem inglesa, desejando que ela se torne tão desfigurada quanto seus
seguidores [os faquires] que ali estavam. George Robertson sai por dois
meses da Índia e quando retorna tem ciência do estado de Mona, defor-
mada pela varíola, a esperar pelo seu amor (PARADISO, 2007, p. 109).

CARIBE, ÍNDIA E OCEANIA: AS LITERATURAS EM LÍNGUA INGLESA DA DIÁSPORA


155

Perrin ainda publicou aproximadamente 25 romances e alguns contos. Suas


obras mais famosas foram: Caulfield’s Crime, In the Next Room, Chunia, Ayah,
The Bead Necklace, Footsteps in the Dust, Powers of Darkness, The Sistrum e, prin-
cipalmente, East of Suez (1901) e Red Records (1906). Alice Perrin faleceu em
1934, no dia 13 de fevereiro.

Arundhati Roy
Já Suzanna Arundhati Roy nasceu na Índia em 24 de novembro de 1961. Filha
de mãe indiana cristã, Mary Roy, uma ativista dos direitos da mulher, e de pai
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

bengalês plantador de chá. É escritora e ativista política, declaradamente anti-


globalização e anti-neoimperialismo. Seus textos e ensaios focam temas como
justiça social e desigualdades de classe e gênero. Ganhou o Booker Prize, em
1997, com The god of small things. Esse seu romance, um tanto autobiográfico
em muitos aspectos, aborda o amor e as diferentes formas de manifestá-lo em
uma sociedade em que as barreiras são tantas - a indiana.
The god of small things é um romance passado na Índia, em Kerala, entre as
décadas de 60 e 70, onde encontramos uma população que incorporou os hábitos
dos colonizadores europeus e, ao mesmo tempo, conserva ainda a maior parte
das suas tradições, ritos e, inclusive, alguns dos seus tabus ancestrais, tais como:
a marginalização dos intocáveis (os dalits). O texto inicia-se com uma cena na
estrada para Cochin, em que um carro fica retido no meio de uma manifesta-
ção de trabalhadores. Em seu interior, estão os gêmeos Rahel e Estha – e assim
começam suas histórias. Os dois crescem entre caldeirões de geleia de banana e
pilhas de grãos de pimenta na fábrica da avó cega, Mammachi. Armados somente
da invencível inocência das crianças, tentam inventar uma infância à sombra
da ruína que é sua família – a mãe, a solitária e adorável Ammu; o tio Chacho;
a rival Baby Kochamma; o fantasma de uma mariposa que um dia pertenceu a
um entomologista imperial. Rahel e Estha ficam sabendo que ‘as coisas podem
mudar num só dia’, que elas podem até cessar para sempre. As ‘pequenas coisas’
são descritas até o mais ínfimo pormenor, como que para prolongar ao máximo
a durabilidade daqueles momentos preciosos, proibidos, obrigando as persona-
gens a se agarrarem a elas, mesmo que ancoradas na angústia, porque tudo pode
mudar um dia – tudo (PARADISO, 2013).

A Literatura em Língua Inglesa da Índia


156 UNIDADE IV

A construção das personagens femininas é importante no romance de Roy,


e por seu trabalho como ativista, recebeu o prêmio Cultural Freedom Prize, da
Lannan Foundation, em 2002.

Não há como dissociar os estudos pós-coloniais dos estudos acerca da mu-


lher na literatura. Tanto os estudos femininos quanto os estudos pós-colo-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
niais são críticas que surgiram no século XX em decorrência dos Estudos
Culturais. Tais movimentos procuram analogamente desconstruir a ideo-
logia imperialista e patriarcal no cânone literário hegemônico para então
entendê-lo e modificar suas estruturas. Um exemplo é a imagem da mulher
indiana na cultura colonial, que muitas vezes tem sua representação sob a
ótica da opressão, do silêncio e até mesmo da subversão – estratégias para
denúncia e contra-ataque literário.
Assim, em meu artigo “A imagem da mulher indiana nas Literaturas Pós-Co-
loniais. Uma análise em Mia Couto, Arundhati Roy e Rudyard Kipling”, eu
analiso as representações da mulher indiana na literatura pós-colonial, em
especial, com as personagens Dia Kumari, de “O outro pé da sereia” (2006),
de Mia Couto; Bisesa, do conto Beyond the pale (1888), de Rudyard Kipling;
Ammu, de The god of small things (1997), de Arundhati Roy. As duas últimas
foram abordadas aqui nesta unidade.
Leia o artigo completo disponível em: <http://revistas2.uepg.br/ojs_new/
index.php/uniletras/article/view/6014>. Acesso em: 15 de jul. de 2015.
Fonte: Paradiso (2004, online).

A LITERATURA EM LÍNGUA INGLESA DA OCEANIA

Na metade do século XVIII, o inglês James Cook realizou três viagens por ilhas
do Pacífico chegando à Nova Zelândia, transformando a Austrália em uma colô-
nia penal. Os franceses exploraram as ilhas simultaneamente com os ingleses,
determinando a divisão da Oceania entre as potências colonizadoras: Reino
Unido, França e Estados Unidos.

CARIBE, ÍNDIA E OCEANIA: AS LITERATURAS EM LÍNGUA INGLESA DA DIÁSPORA


157
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Por fim, gostaria de apresentar-lhe dois autores da Oceania que gosto muito:
o australiano David Malouf e a neozelandesa Katherine Mansfield.
Nascido em Brisbane, na Austrália, em 1934, David George Joseph Malouf
é um dos autores australianos mais premiados, escrevendo romances, contos,
poesia, teatro e até ópera. Seus prêmios incluem o Neustadt International Prize
for Literature, o International IMPAC Dublin Literary Award e o Austrália-Ásia
Literary Award, além da indicação ao Booker Prize. Seu pai era um cristão libanês,
e a mãe, uma inglesa de ascendência judaica. Malouf é gay, mas não escreve sobre
a perspectiva queer, e sim pós-colonial e multicultural, sempre pelo viés da busca
de uma identidade. Alguns exemplos são seus maiores sucessos Remembering
Babylon (Lembrando a Babilônia [1993]) e o romance Ransom (Resgate [2009]).
No primeiro, Malouf aborda as relações interpessoais e as comunidades
que vivem à margem, como os aborígenes australianos. O narrador é um garoto
inglês chamado Gemmy Fairley, abandonado em uma terra estrangeira e criado
por um grupo de aborígenes, nativos. Porém, quando os colonos brancos che-
gam ao local, Gemmy tenta retornar ao seu mundo europeu, mas percebe que
já se encontra lutando contra sua própria identidade.
Em Ransom (Resgate), Malouf reinventa os livros 22, 23 e 24 de Ilíada, nar-
rando a história de dois: Aquiles, temível e respeitado guerreiro e chefe dos
gregos, e Príamo, rei dos troianos, cujo filho Heitor foi morto por Aquiles em
um ato de vingança.

A Literatura em Língua Inglesa da Oceania


158 UNIDADE IV

Já a contista neozelandesa Katherine Mansfield aposta em outro viés em sua


obra: o feminismo. A mulher é a grande protagonista
dos contos de Mansfield, seja a mulher na infância,
na vida adulta ou velhice.
Katherine Mansfield nasceu em 14 de outubro
de 1888, em Wellington, Nova Zelândia. Filha de
pais ingleses, de 1903 a 1906 estudou na Inglaterra.
Voltou a Wellington, onde exerceu atividade literária
principiante. Em 1910, publica In a German Pension,

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
seu primeiro volume de contos. Em meio a uma con-
turbada vida afetiva, sexual e social, vê seu irmão
morrer, em 1915, durante a guerra. Anos depois, sur-
gem os primeiros acessos de tuberculose. Em 1918,
publica seu segundo volume de contos: Prelude, e,
em 1921, Bliss and Other Stories. Dos 88 contos
de Mansfield, eu indicaria a você os cinco a seguir:
Capa de Remembering Babylon (1993)
■ The Woman at the Store (1912). Fonte: Wikimedia Commons (online).

■ Prelude (1918): nesse conto, as relações familiares dos Burnell mostram


tanto o isolamento quanto a vontade de liberdade das mulheres do século
XX.
■ Bliss (1918): o título desse conto significa
“êxtase, alegria imensa”. A protagonista é Bertha
Young, de 30 anos, uma mulher de classe média
que, junto com o marido, resolvem dar um
jantar aos amigos. Dentre os convidados está
Pearl Fulton, uma mulher loira e bela, que des-
perta sentimentos homoeróticos em Bertha. Tal
despertar inspira o êxtase interior em Bertha,
inclusive o desejo sexual a seu próprio esposo.
■ Miss Brill (1920): uma idosa é a protagonista
desse conto. Miss Brill é uma professora que,
todos os domingos, senta-se em bancos em um Katherine Mansfield
parque francês, observando o seu movimento. Fonte: Wikimedia Commons (online).

CARIBE, ÍNDIA E OCEANIA: AS LITERATURAS EM LÍNGUA INGLESA DA DIÁSPORA


159

O tema do conto gira em torno da solidão, da rejeição e da juventude e


velhice.
■ The Doll’s House (1922): esse conto é o meu preferido. O conto fala sobre
distinção de classes sociais, em especial, com crianças. O enredo gira em
torno de uma casa de bonecas de garotas ricas, as Burnell, e da vontade
de garotas pobres, as Kelveys, em “visitar” tal casa. Porém a margem que
separa ricos e pobres isola a vontade das pobres garotas.

Mansfield foi amiga de D. H. Lawrence e Virginia Woolf. Esta última junta-


mente com Angela Carter possuem similaridades com a escrita da neozelandesa.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Katherine Mansfield teve uma depressão profunda, seguida de tuberculose, ante-


cipando a sua morte em 1923. No Brasil, já há muitas traduções de sua obra.

“O prazer de ler é dobrado quando se vive com alguém com quem se com-
partilha os mesmos livros”.
Fonte: Katherine Mansfield

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vimos, nesta unidade, que, para entender as literaturas em língua inglesa da diás-
pora, temos que entender o contexto de escrita dessas literaturas, e, no caso, o
contexto foi o da colonização.
As literaturas em língua inglesa estão também presentes nas ex-colônias
britânicas, que, nesta penúltima parte do material, focou-se no Caribe, Índia e
Oceania (Austrália e Nova Zelândia).
Compreendemos que a diáspora é um movimento de dispersão forçado,
causado por vários motivos, no qual, dentre eles, a escravidão se destacou.
Entendemos que a escravidão negra, de alguma forma, modelou a literatura cari-
benha, estudada na primeira parte desta unidade.

Considerações Finais
160 UNIDADE IV

Estudamos a estética, os temas e os nomes das literaturas do Caribe, englo-


bando também a produção da Guiana Inglesa com Pauline Melville. Vimos que
a poética caribenha tematizou a colonização inglesa, fato traumático na região,
colocando o autor do Caribe como porta-voz do saudosismo da África negra, e
confessores do conflito de identidade. Vimos também que a questão da língua,
em que o autor caribenho assimila a língua inglesa e, ao mesmo tempo, ab-roga-a,
utilizando o inglês pidgin e o creole, é um dos elementos mais fortes desse grupo
literário. Muitos poetas caribenhos sintetizam esse modelo estético do caribe,
como o Nobel de Literatura Derek Walcott, Kamau Brathwaite, Uma Marson

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
e o poeta dub Benjamin Zephaniah. Além disso, vimos que a poética Jamaica,
em especial, assimila elementos da música reggae, dando origem à dub poetry.
Por fim, estudamos a prosa do Caribe com Caryl Phillipis, que tematiza a diás-
pora e o racismo, e V. S. Naipul, sempre tematizando sua ascendência indiana.
Por falar em índia, na segunda parte da unidade, estudamos um pouco sobre
a literatura inglesa da Índia, conhecendo a vida e a obra de autores anglo-india-
nos como Alice Perrin, Rudyard Kipling e Arundhati Roy.
Por fim, conhecemos a contista neozelandesa Katherine Mansfield, que apre-
senta a mulher como protagonista de seus contos, e o australiano David Malouf,
expoente da literatura inglesa da Oceania.

CARIBE, ÍNDIA E OCEANIA: AS LITERATURAS EM LÍNGUA INGLESA DA DIÁSPORA


161

1. Conforme estudamos na unidade IV de nosso livro, os chamados textos pós-co-


loniais compreendem assuntos referentes às sociedades que sofreram com o
infortúnio da colonização. Assim descreva as três formas distintas de manifes-
tação desses textos.
2. Em nossos estudos, vimos que a língua inglesa da poesia do caribe não é a mes-
ma língua inglesa de Shakespeare. Pautando-se na compreensão do conteúdo
estudado, comente essa afirmação.
3. Sobre nossos estudos das literaturas inglesas em terras indianas, comente como
se deu essa literatura nesse território.
O trecho a seguir é a introdução do artigo de Elsa Maxwell, da Universidade do Chile,
intitulado Literatura del Caribe Anglófono: Una revisión de la primera mitad del siglo XX,
em que problematiza o “nascimento” dessa literatura, enfatizando a Jamaica.
El tema principal de este estudio es la producción literaria del Caribe anglófono de la pri-
mera mitad del siglo XX, periodo histórico que ha sido poco estudiado debido, en gran
medida, al predominio de un paradigma crítico que niega la existencia de una literatura
anglófona caribeña anterior a la “generación del boom” de la década de los cincuenta. En
este sentido, busca aportar al proyecto recuperativo de escritores tempranos del Caribe
anglófono, al presentar una revisión panorámica de los principales hitos de la producci-
ón literaria de esta región lingüística durante la primera mitad del siglo XX. Siguiendo la
línea investigativa de Alison Donnell (2006) y Donnell y Lawson Welsh (1996), la primera
parte de este trabajo aborda iniciativas literarias que surgen durante las dos primeras
décadas del siglo, tomando como caso los esfuerzos por fomentar la producción, dise-
minación y lectura de escritura local en Jamaica. La segunda sección aborda las décadas
de los 30 y 40 y destaca los esfuerzos por levantar revistas literarias en distintas partes
de la región -Jamaica, Trinidad, y Barbados, entre otros países- poniendo particular én-
fasis en los desafíos enfrentados en términos culturales y monetarios que a menudo
impedían la continuidad de ellas. La tercera sección aborda el patrón de emigración
que comienza durante la primera mitad del siglo, debido en gran parte a los obstáculos
enfrentados al intentar escribir en forma profesional durante este periodo de desarrollo
cultural en la región.
En términos generales, el paradigma de la inexistencia de una literatura caribeña an-
glófona anterior a 1950 se fundamenta en la idea de que no había una escritura “autén-
tica” anterior a la publicación de los escritores caribeños asociados al “boom”, muchos
de ellos autoexiliados en Inglaterra: George Lamming y Edward Kamau Brathwaite de
Barbados, V.S. Naipaul de Trinidad, Wilson Harris, Sam Selvon y Edward Mittleholzer de
la Guyana británica, y Roger Mais y V.S. Reid de Jamaica. Con el tiempo, estos autores
serían canonizados como “la generación del boom” del Caribe anglófono y llegarían a
constituir el punto de partida para el estudio del corpus de las Indias Occidentales (Don-
nell y Lawson Welsh, 1996).
La idea de que no había literatura en el Caribe antes de 1950, o que era imitativa y por
ende inauténtica, se va forjando en el mismo contexto de la generación del boom, pe-
riodo en el cual aparecen numerosas referencias críticas al estado inexistente, muerto o
dormido de la literatura caribeña durante la primera mitad del siglo. Esta idea también
se encuentra en los escritos de los mismos autores del boom autoexiliados en la metró-
polis, cuyas reflexiones sobre la genealogía literaria de su generación a menudo apuntan
a la inexistencia de modelos literarios caribeños anteriores y, por extensión, la ausencia
de una tradición literaria caribeña antes de 1950. Muy ilustrativas de esta visión son las
afirmaciones de C.L.R. James respecto a la literatura en Trinidad durante los treinta (“no
había mucho que conocer”, 1996: 163) y los planteamientos de George Lamming en Los
placeres del exilio (2007 [1960]), texto en el cual sostiene que la novela del Caribe an-
163

glófono emergió en la década del 50 en Londres y sin antecedentes antillanos previos:


El hecho histórico es que el “surgimiento” de aproximadamente una docena de nove-
listas en el Caribe británico con unos cincuenta libros en su haber y deshaber y todos
publicados entre 1948 y 1958 constituye algo así como un fenómeno (54).
Como debe ser, el novelista fue el primero que relató la experiencia antillana desde den-
tro. Fue el primero en registrar la memoria antillana hasta donde le fue posible remon-
tarse... Hemos visto antes nuestros ojos una actividad llamada escritura, que adopta la
forma de novela, cristalizar sin tradición autóctona anterior de que tomar. Mittleholzer,
Reid, Selvon y Roger Mais [...] son los primeros constructores de la que será una tradición
en la literatura imaginativa antillana, una tradición que se dará por sentada o que servirá
a los fines del análisis crítico que realicen antillanos de una generación anterior (68-69,
cursiva mía).
Por cierto Lamming se está refiriendo específicamente a la emergencia del género de la
narrativa caribeña, aunque su descripción de los novelistas del boom como los pioneros
de la primera tradición de escritura imaginativa caribeña implícitamente sugiere la ine-
xistencia de la escritura creativa antes del boom.
Debido a que Lamming y otros integrantes del boom llegarían a ejercer un papel in-
fluyente en la fijación de los estándares críticos empleados durante las décadas del 70 y
80, la idea de la inexistencia de una tradición literaria caribeña anglófona anterior a 1950
también tomaría fuerza en el plano de la crítica contemporánea, donde frecuentemente
se refiere al boom como la primera generación de escritores del Caribe anglófono. Asi-
mismo se ve reflejado en el posicionamiento de la cronología literaria caribeña a partir
de 1950 en adelante, lo cual ha producido estudios e historias literarias que suelen dejar
de lado las generaciones anteriores de poetas, novelistas y ensayistas que activamente
buscaban fomentar la producción literaria en la región. Una de las pocas excepciones se
encuentra en las frecuentes referencias a C.L.R. James, cuya obra temprana publicada en
Londres durante la década del 30 es a menudo estudiada en relación a la generación del
boom, pero no en relación al periodo literario en el que fue escrita y publicada.
Pero más allá de la atención crítica dirigida a la obra de James, sigue siendo difícil encon-
trar estudios enfocados específicamente en el periodo literario anterior a 1950, tal como
señala Donnell (2006) en su reciente libro sobre la literatura del Caribe anglófono antes
del boom. Sin embargo, investigaciones recientes como la antología de Donnell y Law-
son Welsh (1996), han demostrado que efectivamente existieron importantes iniciativas
literarias durante la primera mitad del siglo que, si bien no logaron el éxito internacional
de la generación del boom, constituyen un aporte fundamental al desarrollo de las le-
tras en el Caribe anglófono.

Fonte: Maxwell (2014, p. 101-116).


MATERIAL COMPLEMENTAR

Mogli, o menino lobo


Ano: 1967
Sinopse: conheça os personagens mais inesquecíveis e embarque
em uma aventura emocionante com Mogli enquanto ele viaja
para as profundezas da selva e aprende ‘o necessário’ sobre a
vida com o descontraído urso Balu. Conheça Baguera, a velha e
sábia pantera, e o louco Rei Louie, o orangotango. Mas cuidado
com o astuto Shere Khan, o tigre, e Kaa, a mais sorrateira cobra
da selva! Repleto de diversão selvagem, música cheia de ritmo e
personagens queridos, esta obra atemporal celebra o verdadeiro
significado da amizade.

Apocalypto
Ano: 2006
Sinopse: ‘Apocalypto’ é um épico histórico que nos transporta
para uma civilização antiga da América Central. No crepúsculo
da misteriosa civilização maia, o jovem Jaguar Paw é capturado
e levado para uma grande cidade maia, onde enfrentará um fim
trágico. Movido pela força de seu amor por sua esposa e filho, ele
foge em uma desesperada e emocionante corrida para resgatá-
los e salvar seu próprio modo de vida.

Interfaces culturais: The ventriloquist’s tale e


Macunaíma
Leoné Astride Barzotto
Editora: UFGD
Ano: 2011
Sinopse: o livro faz um estudo comparativo entre The
Ventriloquist´s Tale, de Pauline Melville e Macunaíma: o herói
sem nenhum caráter, de Mário de Andrade. O entrelaçamento
das duas narrativas se realiza pelo fato de Macunaíma ser
curiosamente o narrador do romance de Pauline Melville e
também porque ambas as narrativas permitem um captar de
traços paralelos de personagens, histórias, mitos e problemas comuns às realidades guianesa e
brasileira. Os dois romances apresentam não somente uma proximidade sociocultural em seus
enredos, mas também possibilitam uma reflexão acerca da concepção do sujeito latino-americano,
fruto de uma cultura colonizada que se encontra multifacetada, multicultural e miscigenada.
MATERIAL COMPLEMENTAR

Omeros
Derek Walcott
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2011
Sinopse: poeta mulato das Antilhas, ganhador do prêmio
Nobel de literatura de 1992, Derek Walcott escreveu um
poema destinado a permanecer entre os mais belos e
instigantes desse século.
Em Omeros, se o mar e os negros pescadores de Santa
Lucia fornecem a matéria-prima, um vasto arsenal de
imagens, ritmos e texturas tropicais, são os arquétipos da
Ilíada e da Odisseia, as personagens míticas de Aquiles, Helena, Heitor e Filoctete (além do próprio
Homero, encarnado em um pescador cego, de nome Sete Mares), que definem as linhas mestras
do poema.
Misto de poesia, mito, romance e roteiro de cinema, Omeros é também uma meditação sobre
questões cruciais do mundo contemporâneo, como a destruição da natureza, a identidade das
minorias e o desenraizamento individual e coletivo.
Das raízes mediterrâneas aos grandes autores da língua inglesa, passando pelo patois crioulo
das Antilhas e os sons africanos que pulsam até hoje nas margens do Caribe, esse é um canto
universal, que funde de modo magnífico o encontro de raças, línguas e culturas que se deu nas
praias americanas.

Felicidade e Outros Contos


Formato: ePub
Katherine Mansfield
Editora: Revan
Disponível para ler em: Android, Desktop, Ereader, IOS,
Windows
Sinopse: o livro reúne oito grandes contos dessa
extraordinária escritora. Para Virgínia Woolf, ninguém na
língua inglesa escreveu contos tão bem quanto ela.

Material Complementar
MATERIAL COMPLEMENTAR

Dançando no Escuro
Caryl Phillips
Tradutor: Francesca Angiolillo
Editora: Record
Ano: 2007
Sinopse: Caryl Phillips recria a fascinante trajetória de Bert
Williams, grande artista negro da Broadway no início do
século XX. Williams tomou a decisão de pintar no rosto
uma máscara negra e fazia comédia com o preconceito,
que sempre teve raízes fortemente fincadas em solo norte-
americano. No entanto as barreiras que ele derrubou para se firmar sob os holofotes pesaram sobre
sua vida pessoal, e as contradições entre homem sob a maquiagem e o personagem interpretado
tornaram-se cada vez mais irreconciliáveis para o artista.

A História do Ventriloquo
Pauline Melville
Tradutor: Beth Vieira
Editora: Companhia das Letras
Ano: 1999
Sinopse: o primeiro livro de Pauline Melville, uma inglesa que
morou na Guiana, foi um conjunto de histórias sobre os laços
culturais entre Londres e sua ex-colônia na América do Sul.
Estreando agora como romancista, ela volta a contemplar
a Guiana sem receio de tomar partido - sob ‘A História do
Ventríloquo’ está o massacre cultural dos povos indígenas assentados naquele espaço que veio a se
tornar a Guiana Inglesa. Esse livro renova a percepção de como o colonizar transformou costumes
indígenas em superstições.
MATERIAL COMPLEMENTAR

O Livro Negro do Colonialismo


Marc Ferro
Editora: Ediouro Editora - RJ
Ano: 2004
Sinopse: os conflitos no Oriente Médio, os massacres na
Chechênia, Ruanda e Kosovo são resultados de um ainda
pouco estudado fenômeno histórico. Com o objetivo de
preencher essa lacuna, Marc Ferro, diretor de estudos da
Écule des Hautes Études em Sciences Sociales (EHESS),
cercou-se de mais de duas dezenas de especialistas, em
um dos mais importantes trabalhos coletivos sobre as heranças
do colonialismo e os seus efeitos perversos.

Material Complementar
Professor Dr. Silvio Ruiz Paradiso

LITERATURA AFRICANA EM

V
UNIDADE
LÍNGUA INGLESA

Objetivos de Aprendizagem
■ Compreender o conceito de Literatura Africana em Língua Inglesa.
■ Relacionar os estudos de literatura africana em língua inglesa com
os estudos pós-coloniais, compreendendo essa literatura como uma
literatura além de estética, também de engajamento político.
■ Estudar os principais autores do mundo literário africano em língua
inglesa, na Nigéria, África do Sul e Quênia.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ Literatura africana em língua inglesa
■ A literatura da Nigéria
■ A literatura da África do Sul
■ A literatura do Quênia
171

INTRODUÇÃO

O historiador e professor de Literaturas Africanas da King’s College da Universidade


de Londres, Patrick Chabal (1994), analisa que o conceito de literatura africana
em língua inglesa é inseparável da experiência colonial. Assim como as literatu-
ras africanas em língua portuguesa, as literaturas da anglofonia africana possuem
elementos básicos em relação a sua estética e à africanidade, base de sua litera-
riedade. A oralidade, o animismo, a volta ao passado, o resgate de identidade e
nação bem como a temática da colonização são presentes.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Nesta última unidade, veremos na literatura africana em língua inglesa, uma


produção híbrida que traduz a mistura da língua inglesa com a autoria de escri-
tores genuinamente africanos.
Estudaremos que a literatura africana em língua inglesa possui uma rela-
ção conflituosa com a língua, despertando o questionamento sobre escrever
ou não na língua do colonizador? Se, por um lado, D. O. Fagunwa e Ngugi wa
Thiong´o renegam e ab-rogam o idioma inglês, outros, como Achebe e Soyinka,
se apropriam do idioma, dando visibilidade a seus discursos. O fato é que os
onze escritores aqui apresentados (meu cânone pessoal) revelam em seus tex-
tos, sejam eles narrativos, dramáticos ou poéticos, as muitas vozes de milhares
de etnias africanas, dando a oportunidade ao mundo de conhecer a verdadeira
África, nem tão miserável e doente, nem tão exótica e paradisíaca, mas uma
África real, cheia de cicatrizes da colonização e de desejos esperançosos de ven-
cer. Nossa unidade se dividirá em três partes: a literatura da Nigéria, com autores
como D. O Fagunwa, Amó Tutuola, Ben Okri, Wole Soyinka, Chimamanda
Adiche e Chinua Achebe; a literatura da África do Sul, com Njabulo Ndebele,
Nadine Gordimer e JM Coetzee; por fim, veremos a literatura do Quênia, com
seus maiores expoentes MG Vassanji e o escritor e crítico Ngugi wa Thiong´o.

Introdução
172 UNIDADE V

LITERATURA AFRICANA EM LÍNGUA INGLESA

Podemos dizer que o marco da literatura africana em língua inglesa foi na década
de 50, do século XX. Em 1952, Amós Tutuola escreveu The Palm-Wine Drinkard,
considerado o primeiro romance africano pós-colonial em língua inglesa. Tutuola
apresenta a rica tradição yorùbá [iorubá], usando uma prosa em língua inglesa
fora do padrão. O autor em questão rompe os padrões estético e linguístico euro-
peu e critica o consumismo ocidental, bem como os males da inserção cultural
hegemônica (branca-europeia-cristã) nas sociedades tradicionais da África, fato

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
esse presente na temática de vários autores, como o nigeriano Chinua Achebe,
que, anos depois, seguiria o caminho de Amós Tutuola, escrevendo seu best-
-seller Things Fall Apart.
A colonização inglesa na África foi diferente do processo português. Contudo,
a temática é quase a mesma: processo colonial e suas consequências. Uma dife-
rença, porém, é que a África inglesa experimentou um regime de apartheid
institucionalizado (mesmo que essa segregação acontecesse em todo país afri-
cano colonizado), presente como tema em todos autores da África do Sul, por
exemplo, local em que a segregação racial se instalou oficialmente e legalmente.
Outra diferença é que as literaturas africanas em língua inglesa têm um apelo
muito maior na reescrita histórica, já que a maior parte da historiografia afri-
cana foi feita pelo colonizador britânico.
Os contos, as peças teatrais, os romances e as poesias da África inglesa
trazem um novo olhar sobre os fatos históricos envolvendo o continente, des-
construindo o antigo problema da enunciação, do lócus enunciativo (Quem
fala? De onde fala?). A literatura da Nigéria, Quênia e África do Sul, por exem-
plo, problematizam a relação ente Literatura e História, um diálogo intertextual
e interdisciplinar. Sobre isso, Esteves (1998, p. 12) revela:
não se trata de substituir a história pela ficção, mas de possibilitar uma
aproximação poética em que todos os pontos de vista contraditórios,
mas convergentes, estejam presentes, formando uma representação to-
talizadora, uma forma privilegiada de se ler os signos da história.

A literatura inglesa na África não é somente a literatura dos países africanos colo-
nizados pelo Império Britânico, mas também as que têm a língua inglesa como

LITERATURA AFRICANA EM LÍNGUA INGLESA


173

oficial ou como segunda língua. Apesar da lista desses países conter nomes como
Namíbia, Botswana, Zimbábue, Zâmbia, Tanzânia, Uganda, Sudão, Camarões,
Gana, Libéria, Serra Leoa e Ruanda, nosso foco será nos três maiores “produto-
res” literários em língua inglesa do continente: Nigéria, África do Sul e Quênia.
Entretanto, devo salientar a você que a literatura é anterior à chegada dos
colonizadores nesses países. Um grande exemplo que sempre utilizo são os poe-
mas sagrados orikis, manifestações líricas, com jogos de palavras, figuras de
linguagem, sonoridade, versificação, paralelismo etc., que são milenares.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Orikis
Se a literatura nos moldes de uma Europa letrada não era uma realidade do
povo yorùbá, na Nigéria, antes da chegada dos britânicos, no séc. XIX, não
significa a ausência de uma literatura própria. Antes da colonização, os yoru-
bás possuíam uma rica e estruturada expressão literária oral, poética e mile-
nar. Se, hoje, a poesia yorùbá, conhecida como Ewi, é conhecida por toda a
Nigéria contemporânea, já existia entre eles, há tempos, um corpus poético
extenso, musical, léxico e semanticamente rico, chamado oríkì [oriki].
Oríkì, no sentido lexicográfico, significa “saudação à cabeça”, vem do yorù-
bá Ori (cabeça) e ikí (saudação, invocação). São poemas sagrados cantados,
que, quando entoados, abordam homenagens aos deuses, aos ancestrais, a
personalidades e, até mesmo, a pessoas comuns. No campo literário, o orìkì
é apenas um dos gêneros literários yorùbá, que abrange também àdúrà
(oração), ofò (encantamentos), Iba (saudação), orin (cantiga), odus (poesia
sagrada de Ifá), itan (lendas), entre outras.
Os orikis são usados no Brasil como parte litúrgica de religiões de matriz-a-
fricana, como o candomblé, por exemplo, especialmente os orikis relaciona-
dos às divindades.
Fonte: Paradiso (2014b, p. 86-104).

Obviamente que todas as literaturas pré-colonização, na maior parte dos países


citados, são oraturas. Todavia, a tarefa de escritores como Chinua Achebe, Wole
Soyinka e Ngugi Wa Thiong’o, bem como de seus contemporâneos, é justamente

Literatura Africana em Língua Inglesa


174 UNIDADE V

recriar ou traduzir toda uma tradição oral para uma tradição escrita (LOTT,
2013, p. 35).
A África inglesa apresentou ao mundo o primeiro Nobel de Literatura africano
com o nigeriano Wole Soyinka, colocando no centro das discussões canônicas
e da crítica literária que o mundo inglês presente no continente negro possui
mais preciosidades que todos os diamantes das minas de Johanesburgo: suas
obras e seus autores.

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A LITERATURA DA NIGÉRIA

A Nigéria é um país que


está localizado na África
Ocidental e compartilha
fronteiras terrestres com a
República do Benim a oeste,
país muito próximo cultu-
ralmente. O país teve, no
passado, grandes reinos e
impérios, transformando-
-se em um Estado único a
partir da invasão britânica,
durante o final do século
XIX ao início do século XX.
Apesar do fato de os britânicos criarem estruturas administrativas e legais,
mantendo as chefias tradicionais nos cargos, o país enfrentou uma guerra civil,
em meados de 1960, trazendo consequências à alternância de governos demo-
cráticos e ditaduras militares. Entretanto, apesar da violência civil, a Nigéria é
referida como “o gigante da África”, devido a sua grande população e econo-
mia. O país com mais de mais de 500 grupos étnicos, dos quais os três maiores
são os hauçás, os igbos (ibos) e os yorùbás (iorubas), tem se identificado como

LITERATURA AFRICANA EM LÍNGUA INGLESA


175

potência africana, sendo membro da ONU, da União


Africana da Organização dos países Exportadores de
Petróleo e da Commonwealth.
Religiosamente, a Nigéria abriga diversas cren-
ças, não de forma harmoniosa, embora os conflitos
de cunho religioso sejam regionais. O país é divi-
dido igualmente entre seguidores do islamismo e do
cristianismo (que predominam no norte e no sul, res-
pectivamente), mas por toda a Nigéria há uma crença
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

generalizada, embora suprimida por razões políti-


cas, em práticas religiosas tradicionais locais, isto é,
o animismo. Oficialmente, uma minoria da popula-
ção pratica religiões tradicionais e locais, tais como as
‘religiões’ igbo e yorùbá.
Os maiores nomes da literatura africana nige- Muitos conhecidos dos brasileiros, os orixás
são divindades próprias da etnia yorùbá,
riana são: D. O. Fagunwa, Amós Tutuola, Ben Okri, Wole etnia essa que possui escritores famosos,
como Wole Soyinka, D. O. Fagunwa e Amós
Soyinka, Chimamanda Adiche e Chinua Achebe. Tutuola. Acima, uma estatueta de àngó
(Xangô), o deus da justiça e do fogo.
D.O. Fagunwa
A importância de D.O. Fagunwa para a literatura africana em língua inglesa é
enorme. Daniel Olorunfẹmi Fagunwa (1903–1963) é um escritor nigeriano, pio-
neiro em escrever um romance em língua nativa yorùbá. D. O. Fagunwa, como é
popularmente conhecido, nasceu em Oke-Igbo, no Estado de Ondo, na Nigéria,
estudando em colégios construídos por colonizadores britânicos até tornar-se pro-
fessor. Em 1938, escreve o romance Ògbójú Ọdẹ nínú Igbó Irúnmalẹ, ` primeiro texto
em molde europeu escrito em yorùbá e um dos primeiros romances escritos em
língua de alguma etnia africana. Em 1968, o dramaturgo nigeriano Wole Soyinka
traduziu o texto para o inglês, com o título The Forest of A Thousand Daemons.
A obra de Fagunwa também conta com os textos Igbo Olodumare (The Forest
of God [1949]), Irinkerindo ninu Igbo Elegbeje (Expedition to the Mount of Thought
[1954]), entre outros, e gira em torno de tradições linguísticas e folclóricas do
yorùbás, incluindo a relação entre homens e deuses (orixás) e, principalmente,
a aculturação religiosa que as tradições africanas sofrem, com o proselitismo
cristão (GIKANDI, 2003).

A Literatura da Nigéria
176 UNIDADE V

Amós Tutuola
Amós Tutuola (1920-1997) foi um escritor nige-
riano famoso por seus livros baseados, em parte, no
folclore yorùbá. Nascido em Abeokuta, na Nigéria,
Tutuola teve pais cristãos, que fizeram que, aos sete
anos, fosse para o Exército da Salvação, em uma
escola primária. Aos 12 anos, frequentou a Escola
Central Anglicana, em Abeokuta, tendo sua edu-
cação limitada em seis anos. Após a morte do pai,

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
foi padeiro, ferreiro e mensageiro. Contudo, se saiu
bem como escritor, completando, em 1946, o seu Amós Tutuola
romance O Drinkard Palm-Wine (O bebedor de Fonte: Amos... (online).
Vinho de Palmeira), publicado em 1952.
“O bebedor de Vinho de Palmeira” (1952) é a obra mais conhecida de Tutuola,
em que ilustra os mitos yorùbás, que concernem à morte, como a morada da
morte, a cidade dos mortos, ou a relação do homem com seus antepassados.
Mesmo não citando os nomes dos deuses, aponta as divindades como o próprio
protagonista, que, com seus amuletos (jujus), pode se transformar no que dese-
jar; além disso, há a presença de entidades/objetos, como o tambor, instrumento
musical importantíssimo para a cultura africana, que aparece personificado em
uma relação direta com os habitantes (vivos e mortos) daquela terra. A obra é
considerada a primeira publicação africana na língua do colonizador que conta
as desventuras de um homem que perdeu (para a morte) o seu preparador de
vinho de palmeira e que, para reencontrá-lo (visando trazê-lo de volta a sua casa),
viaja por 10 anos até a longínqua cidade dos mortos, passando por incríveis desa-
fios que misturam realidade e imaginação. Sobre o romance, o dramaturgo Wole
Soyinka (1963, p. 630) disse:
Of all his novels, The Palm-Wine Drinkard remains his best and the least
impeachable. This book, apart from the work of D. O. Fagunwa, who wri-
tes in Yoruba, is the earliest instance of the new Nigerian writer gathering
multifarious experience under, if you like, the two cultures, and exploiting
them in one extravagant, confident whole.

LITERATURA AFRICANA EM LÍNGUA INGLESA


177

The Palm-Wine Drinkard foi seguido de My Life in the Bush of Ghosts (1954), seguido
por outros livros em que Tutuola continuou a explorar as tradições e o folclore yorùbá.
Tutuola tornou-se um dos fundadores da Mbari Clube, organização dos
Escritores e Editores. Na década de 80, foi pesquisador visitante tanto na
Universidade de Ife, Nigéria, quanto na Universidade de Iowa, nos Estados
Unidos. Faleceu aos 77 anos da hipertensão e diabetes.

Ben Okri
Outro nome da literatura nigeriana é o poeta e romancista Ben Okri, nascido
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

em 1959, em Minna, norte da Nigéria. A mãe de Okri é da etnia igbo e o pai


da etnia Urhobo. Okri cresceu em Londres, antes de voltar para a Nigéria com
sua família em 1968, é justamente este período em que testemunhou a violên-
cia política em seu país, na guerra civil, que Ben Okri explora em sua literatura.
Entre os anos de 1983 e 1986 foi editor de poesia da revista West Africa e repór-
ter internacional da BBC.
Assumiu cargos na Royal Society of Literature em 1987 e foi laureado pelas
Universidades de Westminster (1997) e Essex (2002). Flowers and Shadows (1980)
e The Landscapes Within (1981), seus dois primeiros romances, têm como pro-
tagonistas jovens homens que tentam conviver no ambiente hostil e caótico da
Nigéria. Ben Okri ganhou em 1991 o Prêmio Booker de ficção para seu romance
The Famished Road (1991). Situado em uma aldeia nigeriana, esse é o primeiro
de uma trilogia de romances que contam a história de Azaro. A estória de Azaro
continua em Songs of Enchantment (1993) e Dangerous Love (1996).

A Literatura da Nigéria
178 UNIDADE V

OS ABIKUS E OGBANJES
Os abikus (àbíkus), para a cultura yorùbá, e os ogbanjes, para os ibos, são
seres de mesmo conceito. Os autores Achebe e Okri (ibo) e Soyinka (yorùbá),
mesmo de etnias diferentes, exploram esses elementos folclóricos em suas
obras.
Abiku é um termo da mitologia yoruba, que, segundo eles, é um espírito de
uma criança que teima em morrer, atingindo, assim, a família com azar. Sua

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
tradução literal é “criança que vem e vai”. A criança natimorta ou que morre
prematura (até 5 anos de idade) é um abiku. O espírito abiku não quer encar-
nar, logo, tem uma condição de viver pouco tempo na terra, regressando ao
mundo espiritual e espera nascer novamente, começando um ciclo.
Os abikus, quando encarnados, são crianças que têm poderes, como por
exemplo, de ser ponte entre os dois mundos.
Fonte: Okonkwo (2008, s.p).

Em The Famished Road (1991), o narrador protagonista é Azaro, um abiku. Ele é


uma testemunha, um intermediário entre o mundo dos vivos e dos mortos, pro-
tetor de seus pais e da comunidade em que vivem. Ele e sua família vivem em
uma cidade desconhecida na África. Azaro é constantemente assediado por seus
irmãos espíritos do outro mundo que querem que ele deixe a vida terrena e volte
para o mundo dos espíritos. Mas Zaro teima em ficar, pelo amor aos seus pais.
Há, no enredo, temas sobre a corrupta política, a violência, os ritos e as crenças
tradicionais, como, por exemplo, o apelo de madame Koto, proprietária de um
bar local, que pede a Azaro para visitar seu estabelecimento, convencida de que
ele vai trazer boa sorte e clientes; o fato de seu pai, que se prepara para ser um
boxeador, chamado Black Tyger, convencido de que tem o dom de ser pugilista;
a presença de dois partidos políticos opostos que tentam subornar ou coagir os
moradores a votar neles. Todas essas tramas paralelas acontecem em meio a um
momento pré-independência da Nigéria colonial.
A literatura de Ben Okri evoca os ritos tradicinais, os espíritos, visões e a
luta, a realidade e o sofrimento das pessoas contra a corrupção e exploração.

LITERATURA AFRICANA EM LÍNGUA INGLESA


179

Tais vertentes estão presentes em sua trilogia, bem como em vários volumes de
histórias, ensaios e poesia, que discutem tudo isso de forma política, simbólica
e satírica. A prosa de Okri é altamente poética, e partes de sua poesia evocam
imagens de seus romances, como em Political Abiku, poema da coletênea An
African Elegy (1992 apud BEN, online):

She screamed again:


The birth pangs had returned
And another bloody
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Parturition wracked our demented nation.

Wole Soyinka
O dramaturgo nigeriano, Akinwande Oluwole “Wole”
Babatunde Soyinka, popularmente Wole Soyinka, não
só tem grande papel na literatura africana, mas também
na crítica literária africana. Wole Soyinka nasceu em 13
de julho de 1934, na cidade de Abeokuta, Nigéria. Da
etnia yorùbá, estudou na University College e na University
of Leeds, se formando em Literatura Inglesa. Trabalhou
durante seis anos na Inglaterra, no Teatro da corte real
(Royal Court Theater), e depois voltou à Nigéria para se
dedicar ao estudo da dramaturgia africana. Foi professor
de teatro em universidade nigeriana, fundando dois gru- O dramaturgo Wole Soyinka
Fonte: Godwin (2015, online).
pos teatrais: The 1960 Masks e Orisun Theatre Company.
Além da dramaturgia, Soyinka publica romances e poesia, com temas influen-
ciados pela tradição popular Africana. Nos textos, tem como base a mitologia
yorùbá, centralizada na divindade Ogun, o deus da Guerra e do ferro.
As primeiras peças foram escritas quando estava em Londres, destacan-
do-se The Lion and the Jewel (1963) e Death and the King’s Horseman (1975).
Considerada a maior e melhor peça teatral de Wole Soyinka, Death and the
King’s Horseman (A Morte e o Cavaleiro do Rei [1975]), é baseada em um inci-
dente real que ocorreu na Nigéria durante o domínio colonial britânico, quando

A Literatura da Nigéria
180 UNIDADE V

o suicídio ritual do condutor/cavaleiro de um importante chefe tribal foi impe-


dido pela intervenção das autoridades coloniais. A peça gira em torno não só da
intervenção da cultura britânica no fato, mas da convição do cavaleiro real, Elesin,
de que o não cumprimento do rito representaria o caos para a cpmunidade. De
acordo com uma tradição yorùbá, a morte de um rei deve ser seguida pelo sui-
cídio ritual de seu condutor/cavaleiro para, juntos, chegarem ao òrún (paraíso).
Já The Lion and the Jewel (O Leão e a Joia [1963]) narra de forma cômica o
valor da tradição yorùbá e as inovações europeias. A estória acontece em uma
aldeia nigeriana Ilujinle. Lá, vive Sidi, uma moça conhecida pela beleza e muito

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
admirada pelo professor da aldeia, Lakunle, que a deseja por esposa. Sidi não é
contrária ao desejo de Lakunle, mas insiste que o professor pague seu dote, a fim
de manter a reputação da moça. Professor Lakunle, no entanto, é um moder-
nista e, por ser da capital, Lagos, está “contaminado” pelas ideias eurocêntricas,
relutando em participar de uma tradição e cultura que ele considera “arcaica”.
Além das peças, Soyinka escreveu os romances, The Interpreters (1965) e
Season of Anomy (1973). Já a poesia está nas coletâneas Idanre, and Other Poems
(1967), Poems from Prison (1969), A Shuttle in the Crypt (1972), Ogun Abibiman
(1976) e Mandela’s Earth and Other Poems (1988).
Na crítica literária africana, Soyinka é um dos grandes nomes, principalmente,
pela teorização acerca do teatro africano, em especial, o nigeriano. Em The Fourth
Stage: Through the Mysteries of Ogun to the Origin of Yoruba Tragedy, no ensaio
Myth, Literature, and the African World (1976), o autor relê o texto do pensador
alemão Friedrich Nietzsche (1844–1900), The Birth of Tragedy (O nascimento
da tragédia) (1872). No texto de Nietzsche, se coloca a origem da tragédia grega
como o resultado da fusão de duas tendências artísticas antagônicas: o espírito
apolíneo e o espírito dionisíaco, ou seja, uma releitura estética a partir dos mitos
gregos de Apolo e Dionísio. Mas, se o espírito dionisíaco revelado por meio do
exagero, da embriaguês, da orgia e da desmesura e o espírito apolíneo com a ilu-
são, perfeição, harmonia e o poder criativo são matérias-primas do nascimento
da tragédia grega, Soyinka vê nos Orixás Ogun e Obatalá a correspondência esté-
tica de Apolo e Dionísio, abordados por Nietzsche. Obviamente, esse paralelo é
uma crítica à estética hegemônica ocidental. Quando Wole Soyinka revela que
os mitos de Obatalá e Ogun podem ser vistos como base para o nascimento da

LITERATURA AFRICANA EM LÍNGUA INGLESA


181

tragédia yorùbá, revela uma subversão própria dos autores pós-coloniais, além
de uma releitura. Busca em seu povo as raízes estéticas e artísticas do texto dra-
mático, deixando claro o espaço hifenado entre o mundo nagô e o mundo grego,
isto é, dando-lhe uma alcunha negra, africana, uma subversiva comparação entre
a tragédia grega e a yorùbá.
Por essas e outras é que Soyinka foi o primeiro escritor africano a receber o
Nobel de Literatura (DASENBROCK, 1987).

Chimamanda Ngozi Adiche


Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Chimamanda Ngozi Adichie nasceu e cresceu na Nigéria, sendo da etnia ibo.


Nascida em 1977, é uma jovem escritora e uma das mais importantes autoras
anglófonas, que atrai uma nova geração de leitores de literatura africana e, ao
mesmo tempo, faz sucesso editorial. Viveu próximo da Universidade da Nigéria,
onde seu pai era professor de Estatística e sua mãe trabalhava como adminis-
tradora. Mudou-se para os Estados Unidos, quando completou dezenove anos,
estudando na Universidade Drexel, na Filadélfia, e, depois, na Universidade
de Connecticut. Seu mestrado foi nos Estados Unidos em estudos africanos,
na Universidade Yale. Seu primeiro romance, Purple Hibiscus (Hibisco Roxo
[2003]), conta a história de Kambili Achike, uma garota de 15 anos, que vive em
uma Nigéria pós-colonial. Kambili é de uma família rica e tem como pai Eugene,
um católico e fanático religioso, figura violenta, que objetifica e silencia a esposa
Beatrice. Kambili e o irmão testemunham espancamentos e crueldade psicoló-
gica. Após um tempo, Kambili e seu irmão Jaja passam um período na casa de
sua tia, irmã de Eugene. Embora também católica, Aunty Ifeoma pratica sua fé
de modo totalmente diferente do irmão, tendo uma mente aberta, já que trabalha
como professora na Universidade da Nigéria. Após esse período de estadia, vários
eventos acontecem e mudam a vida e a história de todos. O romance ganhou os
prêmios Commonwealth Writers’ Prize e o Hurston/Wright Legacy Award.
O segundo romance, Half of a Yellow Sun (Meio Sol Amarelo), foi assim
chamado em homenagem à bandeira da Biafra, ao antes e pós-guerra de Biafra,
também ganhando prêmios. Já, no romance Americanah (2014), a estória acon-
tece na década de 1990, em Lagos, na capital nigeriana. Enquanto a Nigéria vive
um terrível conflito civil, sob um governo militar, Ifemelu e Obinze vivem uma

A Literatura da Nigéria
182 UNIDADE V

estória de amor. Com a educação em caos, a jovem


Ifemelu busca outra alternativa para seus estudos,
muda-se para os Estado Unidos, porém, lá, se depara
pela primeira vez com o racismo e o machismo.
Adiche também é conhecida e reconhecida pela
militância feminista. Em 2014, lançou o romance We
Should All Be Feminist, que aborda a questão. O dis-
curso de Adiche foi usado por Beyoncé, na música
Flawless (KNOWLES; NASH; HOLLIS; REEL, 2013

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
apud FLAWLESS..., online):

[...]
We teach girls to shrink themselves Chimamanda N. Adiche
Fonte: Pearson (2013, online).
To make themselves smaller
We say to girls
“You can have ambition
But not too much
You should aim to be successful
But not too successful
Otherwise you will threaten the man”
Because I am female
I am expected to aspire to marriage
I am expected to make my life choices
Always keeping in mind that
Marriage is the most important
Now marriage can be a source of
Joy and love and mutual support
But why do we teach to aspire to marriage
And we don’t teach boys the same?
We raise girls to each other as competitors
Not for jokes (?) or for accomplishments
But for the attention of men
We teach girls that they cannot be sexual beings

LITERATURA AFRICANA EM LÍNGUA INGLESA


183

In the way that boys are


Feminist - the person who believes in the social
Political, and economic equality of the sexes.
[...]

Chinua Achebe
Considerado o pai da ficção africana moderna, Chinua Achebe, nascido Albert
Chinualumogu Acheeb, nasceu em Ogidi, uma aldeia nigeriana em 16 de novem-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

bro de 1930. Filho de um missionário cristão e uma professora, cresceu em um


ambiente tanto ibo quando inglês, daí o fato de protagonizar uma nova geração
de autores africanos que abordam questões culturais, sobre a colonização, ances-
tralidade e o conflito da língua oral e escrita.
Seu pai, Isaiah Okafo Achebe, e sua mãe, Janet Anaenechi Iloegbunam,
apesar de serem de família tradicional ibo, se converteram à Church Mission
Society1 (EZENWA-OHAETO, 1997, p. 3). Uma das consequências foi a fusão
de nomes anglo-cristãos aos tradicionais africanos no batismo dos seis filhos:
Albert Chinualumogu, Frank Okwuofu, John Chukwuemeka Ifeanyichukwu,
Zinobia Uzoma, Augustine Nduka e Grace Nwanneka. Mais tarde, Achebe iria
recusar o nome Albert, refutando, assim, a cultura
imposta, abreviando o nome Chinualumogu, que
significa “Que deus lute em meu favor” (EZENWA-
OHAETO, 1997, p. 7).
Desde cedo, Achebe se interessava pela cultura
ancestral. Ezenwa-Ohaeto (1997, p. 10-11) relata
que Achebe, em particular, gostava das frequentes
‘cerimônias das máscaras’, isto é, cerimônias religio-
sas cujas máscaras eram protagonistas, junto com
os espírtios ancestrais. Tais eventos são comuns na
Chinua Achebe
África, como o Kimpassi, no Congo, e as cerimônias Fonte: Shapiro (2008, online).

1 A Church Mission Society é um grupo de sociedades evangelistas, fundado em 1799, que trabalha com a Comunidade
Anglicana e as Igrejas Protestantes por meio do mundo com missões de catequização.

A Literatura da Nigéria
184 UNIDADE V

iniciáticas dos Nkisses, em Angola. Entretanto, os egwugwu, dos ibos, e sua


variante, os egunguns yorùbás, os mascarados, tornaram-se conhecidos e difun-
didos por meio dos romances e contos de Achebe.
Em 1936, entra no colégio Saint Phillips Central School, onde participa de aulas
dominicais (catequese). Em uma das reuniões, Achebe presencia uma polêmica
discussão, quando ibos apóstatas “da nova religião” desafiaram o catequista sobre
os dogmas do cristianismo (EZENWA-OHAETO, 1997, p. 12).

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
“Escrever em inglês, mas não como um inglês.”
Fonte: Chinua Achebe (apud PARADISO, 2007, p. 3).

Achebe, mais tarde, incluiria tal incidente em Thing Fall Apart. Na University
College (hoje, Universidade de Ibadan), Achebe ganha uma bolsa de estudo para
cursar medicina, mas foca-se em Língua Inglesa, História e Teologia (EZENWA-
OHAETO, 1997, p. 37). Ainda na Universidade, Chinua Achebe escreve seus
primeiros contos: In a Village Church, que explora as relações da vida tradi-
cional nigeriana com o cristianismo, The Old Order in Conflict with the New
e Dead Men’s Path, cuja temática é o conflito entre tradição e modernidade.
Entretanto, nas aulas de religião comparada, na Universidade, Achebe explora
ainda mais as relações e a história do cristianismo e das religiões e religiosidades
tradicionais da África, tema esse o grande leitmotiv de sua obra. Achebe tam-
bém é famoso por sua tese: An Image of Africa: Racism in Conrad’s Heart of
Darkness, uma crítica mordaz ao famoso romance de Joseph Conrad. Hoje, essa
crítica é reconhecida como uma das intervenções mais aclamadas sobre Heart
of Darkness. Entretanto, Chinua Achebe ficou mundialmente conhecido pelo
romance Things Fall Apart (1958, seu primeiro romance, que vendeu mais de
11 milhões de cópias e foi traduzido para mais de 45 idiomas) (THOMPSON,
2008). O romance conta a estória de Okonkwo, que luta contra o legado de seu
fraco pai, se vendo no meio de um conflito cultural: a chegada dos missionários

LITERATURA AFRICANA EM LÍNGUA INGLESA


185

brancos na tribo de Umuofia. O livro explora o terreno do clash cultural, em par-


ticular, do encontro da tradição e religiosidade ibo com a doutrina cristã. Nesse
romance, Achebe retorna aos temas de sua própria história, a partir de seu pró-
prio passado colonial.
Além de Things Fall Apart, Achebe escreveu No Longer At Ease (1960),
Arrow of God (1964), A Man of the People (1966) e Anthills of the Savanna (1987),
além de ensaios, poesias, contos e livros infantis. É o pai da literatura africana
moderna e um dos mais premiados. Achebe faleceu aos 82 anos, em março de
2013, em Boston.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

A LITERATURA DA ÁFRICA DO SUL

África do Sul, oficialmente


República da África do Sul,
é um país localizado no
extremo sul da África, com
2.798 quilômetros de litoral.
É uma democracia parla-
mentar e conhecida por
sua diversidade de culturas,
idiomas e crenças religiosas.
Embora 70% da população
sul-africana seja negra, o país
é multiétnico, possuindo as
maiores comunidades de
europeus e indianos do con-
tinente africano. Linguisticamente, onze línguas oficiais são reconhecidas, duas
dessas línguas são de origem europeia: o africâner, uma língua que se originou
principalmente a partir do neerlandês, que é falado pela maioria dos brancos e
mestiços sul-africanos; e o inglês sul-africano, que é a língua mais falada na vida

A Literatura da África Do Sul


186 UNIDADE V

pública oficial. As etnias nativas principais são os zulus, xhosas, basothos, bapedi,
vendas, tswanas, tsongas, suázis e ndebeles, os quais falam as línguas banto.
A presença europeia acontece no século XV. Exatamente em 1652, um século
e meio após a descoberta da Rota Marítima do Cabo, a Companhia Holandesa
das Índias Orientais fundou uma estação de abastecimento que mais tarde viria a
ser a Cidade do Cabo. Com a presença dos holandeses nas terras e a consequente
migração dos nativos que eram severamente caçados e violentados, conflitos étni-
cos começaram a surgir por causa de território, entre os grupos xhosa, zulu e,
posteriormente, entre os afrikaners. No século XIX, a luta já era entre europeus,

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
já que os britânicos queriam controlar a área. Anos seguiram com o controle do
império inglês, mas, dentro do país, muitos grupos focavam a independência.
Com a presença dos europeus, durante os períodos coloniais holandês e bri-
tânico, o racismo se implantava e a segregação racial era informal, mas visível.
Só no século XX que o racismo se institucionalizou e tornou-se legal. Sobre isso,
Chaim e Paradiso (2012, p. 184) relatam:
Como toda colonização é um processo de invasão, divisão e espolia-
ção, com o regime Apartheid não seria diferente. O Apartheid foi um
regime de segregação racial, ou seja, foi uma separação entre brancos e
negros que aconteceu na África do Sul. Em 1902, colonizadores bran-
cos instituíram a segregação racial (separação dos grupos raciais) como
sistema de domínio, privando a população não branca do seu desenvol-
vimento e de direitos políticos e civis. Essa dominação dos brancos, que
limitou os diretos dos negros, foi definida em lei em 1913, expondo os
negros à situação de humilhação dentro das suas próprias terras. Duas
leis impediam o desenvolvimento dos negros: “O Ato das Terras” e as
“Leis do Passe”. A primeira garantia à população branca a maior par-
te das terras sul-africanas e a maioria negra ficaria com uma pequena
parte, privando-os assim do seu desenvolvimento como agricultores
autossuficientes. A população negra só poderia entrar na cidade caso
tivesse emprego permanente, porém, era necessário deixar sua família
na reserva (guetos) e retornar para casa somente quando seus serviços
não fossem mais necessários. A segunda lei exigia que todos os negros
possuíssem um passaporte, pois, assim, a supremacia branca conseguia
movimentar todos os seus passos, até mesmo depois do toque de re-
colher.

Pazzinato e Senise (1997) ainda relata que, no período, os negros deveriam sem-
pre estar com esse passaporte, pois qualquer pessoa branca teria o direto de

LITERATURA AFRICANA EM LÍNGUA INGLESA


187

pedi-lo para verificação, e, caso o negro não o portasse, resultaria na perda do


emprego ou, até mesmo, sua prisão (PAZZINATO; SENISE, 1997). Os resquí-
cios do apartheid ainda são visíveis e a maioria negra ficou em desvantagem em
quase todos os aspectos, como renda, educação, habitação e expectativa de vida.
A África do Sul tornou- se independente em 31 de maio de 1910, como
União Sul-Africana, na forma de Domínio do Império Britânico. A colonização, a
extração e exploração de diamantes nas minas de Joanesburgo, o apartheid, o neo-
colonialismo religioso e a África do Sul contemporânea são alguns dos temas dos
escritores sul-africanos, como Nadine Gordimer, JM Coetzee e Njabulo Ndebele.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Njabulo Ndebele
Njabulo Simakahle Ndebele nasceu em 4 de julho de 1948, em Johanesburgo, na
África do Sul. De acordo com Paradiso e Chaim (2012, p. 463), Ndebele graduou-
-se em Língua e Literatura Inglesa e em Filosofia pela University of Botswana,
University of Lesotho e University of Swaziland, em 1973. Fez seu mestrado em
literatura inglesa pela Universidade de Cambridge, em 1975, e seu doutorado em
Filosofia, em 1983. Njabulo Ndebele foi reitor da Universidade da Cidade do Cabo
e Universidade de Limpopo, além de ter ocupado várias outras posições impor-
tantes em universidades e fundações por toda a África do Sul (RAMRAJ, 2009,
p. 375). Como escritor, destacou-se com o romance The Cry of Winnie Mandela,
recebendo, seu livro de contos Fools and Other Stories, o prêmio Noma, o mais
alto prêmio literário africano. Ndebele também é conhecido por seus ensaios e
críticas culturais, tendo a África como leitmotiv.
Por sua forte influência no mundo acadêmico e literário, Njabulo Ndebele
aproveitou a literatura como instrumento de denúncia contra as mazelas da coloni-
zação e a perversa segregação racial que ainda assombra a África do Sul, como em
seu conto Death of a son, publicado em 1996. No conto Death of a son, observa-
mos o contexto pós-regime Apartheid e como a opressão militar dos colonizadores
brancos e dos policiais, também brancos, afetara a vida do casal de sul-africanos,
Buntu, o esposo, e a narradora, esposa dele, que não revela seu nome. Em meio
aos preconceitos e a opressão, eles tentam incessantemente recuperar o corpo de
seu filho, que foi morto por policiais brancos, mostrando-nos a marcada distin-
ção entre negros e branco, mesmo depois do cessar do regime racista.

A Literatura da África Do Sul


188 UNIDADE V

O conto é baseado na realidade, afinal, muitas mães sofreram com essa


mesma humilhação, opressão e atitude racista dos policiais brancos,
todavia, a verdade é omitida pela estética de se mostrar uma sociedade
capaz de passar por cima do que já aconteceu, esquecendo-se da real
opressão dos brancos sobre os negros na África do Sul. Em Death of
a son, os sonhos do casal são desconstruídos a partir da morte de seu
único filho (CHAIM; PARADISO, 2012, p. 192).

Nadine Gordimer
Nadine Gordimer também é

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
conhecida por tratar das questões
do regime Apartheid na sua escrita.
Branca, nascida em
Joanesburgo, em 20 de novem-
bro de 1923, falecendo em 2014,
Gordimer foi filha de imigrantes
judeus, o pai um relojoeiro que
migrou da Lituânia e sua mãe que
viera da Inglaterra. Desde a cole-
Nadine Gordimer
tânea de contos de estreia Face to Fonte: Fick (2014, online).
Face (1949) e do primeiro romance
The Lying Days (1953) até The Conservationist (1974), obra com que foi ven-
cedora do Prêmio Man Booker, dedicou-se a ficcionalizar as questões morais e
sociais marcadas pela segregação racial na África do Sul.
Ganhadora do prêmio Nobel de Literatura de 1991, a autora, no início, não
optou por tematizar o apartheid, mas era impossível falar sobre a história da
África do Sul e ignorar o sistema racista que lá estava. Com sua literatura, lei-
tores do mundo todo conheceram os efeitos das “barreiras da cor da pele”, em
uma escrita realista e cruel, com teor altamente histórico-social. Gordimer foi
autora de mais de duas dúzias de livros, incluindo romances, contos, ensaios e
crítica literária.
Os textos importantes de Nadine Gordimer que mais apresentam o horror da
consequência colonial e do regime apartheid são Is there nowhere else where we
can meet? (1951), da coletânea The Soft Voice of the Serpent and Other stories

LITERATURA AFRICANA EM LÍNGUA INGLESA


189

e The Ultimate Safari (1991), inicialmente publicado no períódico Granta, em


1989, e, posteriormente, incluído na coletânea da autora Jump and other stories
(1991), e o romance July’s People (1981).
Em Is there nowhere else where we can meet? (1951), retrata-se o encontro
entre uma jovem branca e um nativo negro, em um bosque em pleno regime de
segregação – um conto psicológico que aponta a construção que fazemos do outro.
Em The Ultimate Safari, os problemas causados pela colonização europeia
na África, com enfoque especial em Moçambique e África do Sul, são relatados.
A história é narrada por uma menina moçambicana que perdeu os pais e é obri-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

gada a sair de seu país, devido à guerra civil que ali ocorrera, juntamente com o
restante de sua família a algumas outras pessoas. A única alternativa que resta
a essas pessoas é atravessar o Parque Kruger para fugir da guerra e da escassez
de alimento e ir para a África do Sul, onde estava ocorrendo o ápice do regime
apartheid. O fato é que, nesse Safari, a identidade humana e animal se confun-
dem. Já, no romance July’s People (1981), é retratada a história da família Smales,
que, ao se ver atingida por uma desordem social de grandes proporções, só tem
como solução fugir da cidade dominada pelo homem branco e abrigar-se na
aldeia natal do seu criado negro – July.

JM Coetzee
John Maxwell Coetzee nasceu na Cidade do Cabo, África do Sul, em 9 de fevereiro
de 1940, sendo o filho mais velho, de uma mãe professora e um pai advogado.
A família, mesmo não sendo britânica, usava a língua inglesa como língua ofi-
cial no lar (JM, 2014).
Coetzee recebeu a Educação Primária na Cidade do Cabo, na África, e o
Ensino Secundário, em uma escola católica, os Irmãos Maristas. O Ensino Superior
ocorreu em 1957, graduando-se em Inglês em 1960, e em Matemática em 1961.
Dois anos depois, casou-se com Philippa Jubber (1939-1991), tendo dois filhos,
Nicolas e Gizela. Em 1965, Coetzee ingressou na pós-graduação da Universidade
do Texas, em Austin, e, em 1968, finalizou seu doutorado em Inglês, Linguística e
Línguas Germânicas, tendo como tese os estudos de Samuel Beckett. Durante os
anos de 1968 e 1971, Coetzee foi professor da Universidade de Nova York, pro-
fessor de Literatura da Cidade do Cabo e professor também na Johns Hopkins

A Literatura da África Do Sul


190 UNIDADE V

University, Universidade de Harvard, Universidade de Stanford e da Universidade


de Chicago. Apesar da carreira acadêmica, o escritor sul-africano dedicou-se à
ficção, iniciando em 1969. Seu primeiro livro, Dusklands (1974), foi publicado
na África do Sul e três anos depois In the Heart of the Country (1977), com o
qual ganhou prêmios, sendo publicado na Grã-Bretanha e nos EUA. Em 1986,
publicou Foe, um marco nos estudos pós-coloniais.
Foe (1986), de J. M. Coetzee, se apropria do conteúdo do romance inglês do
século XVIII, Robinson Crusoé (1719), dando-lhe nova roupagem. Dessa forma,
a reescrita em Foe aponta como uma resposta ao clássico. Essa reescrita, para

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Bonnici (2000, p. 42), “consiste na apropriação do texto canônico pelo escritor
de alguma ex-colônia europeia, consciente de seu papel de mestre no contexto
pós-colonial”. Isto é, Foe traz à tona o que Robinson Crusoé silenciou. O título
do livro é uma paródia ao sobrenome do escritor de Crusoé, Daniel Defoe, que
constrói o mestre dominador Crusoé, criando um narrador que representa a
figura masculina do branco europeu, enquanto que, na narrativa de Coetzee,
a narração é feita por uma mulher, Susan Barton, a qual forçosamente convive
com Cruso, um homem dependente e resignado a sua condição de náufrago,
bem como seu criado Friday, o nativo sem voz. Em Foe, Cruso é uma alusão ao
Crusoé, de Defoe, simbolicamente suprimido de agência e identidade (pela falta
da letra “e”), e Friday é um nativo cuja língua fora cortada (em alusão a sua obje-
tificação e silêncio no romance inglês).
Entretanto, Coetzee é reconhecido pela sua obra máxima, Disgrace (1999),
que ganhou o Booker Prize.
Disgrace, traduzido como Desonra, é, de fato, um marco em sua carreira.
Foi com esse livro que o autor conseguiu a proeza de ganhar dois Book Prizes. O
enredo do livro é um dos mais tristes do escritor. Disgrace é a obra de Coetzee
que melhor representa sua literatura, abrangendo quase que todos os elementos
inerentes de sua escrita: a violência humana, a desonra pública, a inadequação
aos lugares e a incapacidade de se relacionar.
Desonra trata de David Lurie, um professor de uma universidade da
África do Sul que é afastado de seu cargo após se envolver com uma
de suas alunas. Sem saber o que fazer, vai morar com sua filha, uma
fazendeira de trejeitos masculinos que comandava uma pequena coo-
perativa de agricultores. No interior, conhece a ferocidade e a violência

LITERATURA AFRICANA EM LÍNGUA INGLESA


191

da vida africana, pouquíssimo valorizada e que a todo custo, sobrevive


em meio à selva criada pelos próprios homens. (DITO, 2013).

Além dos romances, Coetzee também escreveu dois livros de memórias fic-
cionais, um conjunto de ensaios sobre a literatura e a cultura da África do Sul
e crítica literária. Coetzee é também tradutor de literatura holandesa e africâ-
ner. Assim, como Gordiner e Ndebele, Coetzee é um escritor que, por meio da
escrita, percebe a crueldade da vida e dos homens em um país marcado pela
segregação racial.
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A LITERATURA DO
QUÊNIA

Quênia, em suaíli, e, em inglês,


grafado como Kenya, é um país da
África Oriental, limitado ao norte
pelo Sudão do Sul e pela Etiópia.
A capital e cidade mais populosa
é Nairóbi, que também é centro
comercial regional. O país de 581
309 km² e de população com 45
milhões de habitantes, de acordo
com estimativas para 2014, tem seu nome derivado do Monte Quênia, seu ponto
geográfico mais elevado e a segunda montanha mais alta de África. Por situar-
-se na linha do equador, o Quênia tem um clima diversificado, desde quente e
úmido, ao longo de sua costa, com fauna rica em savana e gramados do interior
para a capital, até o frio em Nairóbi, que vai aumentando ao ir se aproximando
do Monte Quênia. O Quênia é famoso por seus safaris e diversas reservas de
vida selvagem e parques nacionais.
O país é multicultural, com presença europeia e árabe remontando ao início
do período moderno. Todavia, a exploração inglesa no interior do país iniciou-se

A Literatura do Quênia
192 UNIDADE V

apenas no século XIX. O Império Britânico estabeleceu o protetorado da África


Oriental Britânica em 1895, conhecida desde 1920 como a Colônia Quênia. Que
se tornara independente em dezembro de 1963.

MG Vassanji
Moyez G. Vassanji (1950) é outro romancista e editor queniano, que, hoje, entre-
tanto, vive no Canadá. Publicou seis romances e duas coletâneas de contos
(short-stories), relatos de viagem e uma biografia. Por viver na América do
Norte, Vassanji ganhou inúmeros prêmios locais, como Giller Prize de melhor

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ficção no Canadá (ganhou três vezes), Governor-General’s Prize for nonfiction
e o Commonwealth Regional Prize (África).
O tema de Vassanji é a situação dos nativos da África Oriental, bem como
a diáspora dos africanos para outros territórios, como a Europa e a América do
Norte (OJWANG, 2001). Ele, como os demais autores africanos, preocupa-se
com a relação entre literatura e história, principalmente a história colonial, e
quais as consequências dela hoje.
Vassanji tem chamado atenção da crítica literária por centrar questões
como cidadania, sexualidade, origem ética, migração e diáspora em seus textos
(DELBAERE, 2002).
Suas principais obras são The Gunny Sack (1989), The Assassin’s Song (2007)
e as coletâneas de contos Uhuru Street (1992) e When She Was Queen (2005).

Ngũgĩ wa Thiong’o
Ngugi nasceu em 5 de janeiro de 1938 e é o escritor queniano mais conhecido no
mundo. Sua obra divide-se em romances, contos, ensaios, novelas e peças teatrais,
tendo também escrito ensaios sociais e textos infantis. O fato mais importante
de Ngugi é sua relação com a língua inglesa, extremamente conflituosa. O início
da carreira literária de Ngugi foi em língua inglesa, mas, posteriormente, abdi-
cou dela, escrevendo na língua gĩkũyũ.
De acordo com Lott (2013, p. 123-125), Ngugi começou sua carreira pro-
duzindo obras em língua inglesa, tendo o texto mais conhecido desse período a
peça The black hermit (1963) e os romances Weep not, child (1964), The river

LITERATURA AFRICANA EM LÍNGUA INGLESA


193

between (1965) e A grain of wheat (1967). Em 1975, lançou o livro de contos


Secret lives, and other stories e a peça The trial of dedan kimathi (1976), em par-
ceria com a escritora queniana Micere Githae Mugo2 . Um ano depois, em 1977,
Ngugi publicou Petals of blood, mas o
ano ia ser um divisor de águas em
sua vida, não por esse livro, mas
após a publicação da peça Ngaahika
ndenda3, seu primeiro trabalho em
gikuyu. A participação dos morado-
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res da vila de Limuru, no Quênia, foi


essencial para a escrita da peça.
Seu texto, com forte tom polí-
tico e crítico, despertou a ira do
ditador Daniel Arap Moi. Ngugi foi
preso sem ser julgado e exila-se em
Ngugi Wa Thiong’o
Londres e, depois, na Califórnia. Na Fonte: Olufemi (2014, online).
prisão, ainda no Quênia, escreve seu
primeiro romance em gikuyu, Caitaani mutharaba-Ini, traduzido para o inglês
como Devil on the cross (O diabo na cruz), “fruto de uma longa reflexão acerca
do papel desempenhado pela língua inglesa como instrumento do poder impe-
rialista” (LOTT, 2013, p. 124).
Em Devil do the cross, Ngugi também aborda as questões econômicas, princi-
palmente como a forma do capitalismo ocidental destruiu a sociedade queniana.
Afinal, a economia do Quênia é a maior da África Oriental e Central, tradicional-
mente exportando chá e café, e, mais recentemente, flores frescas para a Europa,
tendo o setor de serviços um dos principais motores da economia e a agricultura
uma grande empregadora no país. Como pode um país, membro da Organização
das Nações Unidas (ONU), da União Africana (UA) e da Comunidade da África

2 Micere Githae Mugo (1942) é uma romancista, poetisa, dramaturga, ativista queniana, autora, instrutora e poeta
do Quênia. É também crítica literária e professora de Literatura do Departamento de Estudos Afro-Americanos da
Universidade de Syracuse. Foi exilada na década de 80, assim como Ngugi, pelo ditador Daniel Arap Moi. As publicações
de Mugo incluem seis livros, um em coautoria com Ngugi wa Thiong’o. Ela também é editora de revistas e livros didático
no Zimbabué.
3 Tradução inglesa: I will marry when I want.

A Literatura do Quênia
194 UNIDADE V

Oriental (CAO) ter uma população tão pobre e um abismo social? Esse romance
de Ngugi foi todo escrito em papel higiênico, enquanto seu autor permanecia
preso, o texto, posteriormente, foi revisado e editado.
Depois do exílio, voltou ao Quênia e trabalhou como jornalista para The
Nation, antes de sua pesquisa sobre Joseph Conrad para a Universidade de Leeds,
mas segue a carreira literária, passando, então, a publicar todas as suas obras em
gikuyu, com exceção dos trabalhos de cunho teórico.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
“Se eu tivessse um Nobel para dar, daria para o Jorge Amado, que me deu a
sensação do que é o Brasil.”
Fonte: Ngugi Wa Thing’o, 2015 na FLIP, Brasil.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta última unidade de nosso material, vimos que as literaturas africanas em


língua inglesa têm muito em comum com as literaturas africanas em língua por-
tuguesa, já que ambas apresentam elementos básicos em relação a sua estética e
à africanidade, base de sua literariedade, como a oralidade, o animismo, a volta
ao passado, o resgate de identidade e nação, bem como a temática da coloni-
zação são presentes. A diferença é que a colonização inglesa na África trouxe
outra terrível consequência, a institucionalização do regime de apartheid, isto
é a segregação racial. Vimos em várias obras, em especial africana de Njabulo
Ndebele, Nadine Gordimer e Coetzee a temática.
Nesta unidade, vimos o resumo de várias obras africanas, e grande parte
delas apelam para a reescrita histórica, que, como abordamos, é necessária, visto
a falsificação histórica que o continente sofreu, graças à historiografia etnocên-
trica feita pelo colonizador britânico – branco e cristão.

LITERATURA AFRICANA EM LÍNGUA INGLESA


195

Estudamos que a literatura africana em língua inglesa possui uma relação


conflituosa com a língua, trazendo-nos textos híbridos em que a construção lin-
guística soma-se à temática, quase sempre abordando a relação colonizador e
colonizado, tradição e modernidade, cristianismo e anismismo etc.
Nosso estudo dividu-se em três partes: a literatura da Nigéria, com auto-
res como D. O. Fagunwa, Amó Tutuola, Ben Okri, Wole Soyinka, Chimamanda
Adiche e Chinua Achebe; a literatura da África do Sul, com Njabulo Ndebele,
Coetzee e Nadine Gordimer; por fim, vimos a literatura do Quênia, com seus
maiores expoentes, MG Vassanji e o escritor e crítico Ngugi wa Thiong’o. A lite-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

ratura africana em língua inglesa é rica e tem uma função a mais do que apenas
literária, ela, como grande parte das literaturas pós-coloniais, serve como meta-
ficção historiográfica, auxiliando a reescrita e releitura da história oficial.

Considerações Finais
1. A literatura africana em língua inglesa tem como marco inaugural a publicação,
em 1952, do romance The Palm-Wine Drinkard, de Amós Tutuola, considerado o
primeiro romance africano pós-colonial. Tal vertente literária tem como uma de
suas características a reescrita da história. Comente sobre a importância desse
processo de reescrita da história na literatura africana em língua inglesa contra-
dizendo a história oficial.
2. A Nigéria, assim como tantos outros países do continente africano e das Amé-
ricas, tem sua histórica marcada pelos conflitos ocorridos durante o período de
colonização. Um dos mais importantes nomes da literatura nigeriana é Amós
Tutuola, cujo romance “O bebedor de Vinho de Palmeira” foi uma das poucas
obras da literatura africana que conseguiu visibilidade internacional, mesmo
abordando temas peculiares à cultura yorùbás, uma das tantas etnias que com-
põem o quadro cultural nigeriano. Pesquise e reflita sobre a recepção dessa obra
por parte tanto da crítica literária quanto dos leitores.
3. Em relação à África do Sul, dois romancistas se destacam, um nativo e uma des-
cendente de judeus. Identifique quais são as críticas presentes em suas obras.
4. Sobre a produção literária do queniano Ngũgĩ Wa Thiong’o, comente os princi-
pais temas abordados em suas obras, sobretudo no tocante à crítica social reali-
zada pelo escritor.
197

O CASO DE ACHEBE E DA LÍNGUA INGLESA


Ao pensarmos em apropriação da língua inglesa, não há como desassociá-la da imagem
de Chinua Achebe, o autor que escreve em inglês, mas não como um inglês. Essa é a
base dos argumentos dos defensores da apropriação, que creem no “escrever em in-
glês” sem estar à mercê de prerrogativas ideológicas, padronizadas e elitizadas. Achebe
(2000, p. 45) observa a escolha do uso da língua europeia como uma forma inteligente
de expor ao mundo a experiência ancestral:
Não me resta outra escolha. Esta língua foi dada para mim e pretendo
usá-la [...] percebo que a língua inglesa carregará todo o peso da minha
experiência africana. Todavia, terá de ser um inglês diferente, em plena
comunhão com sua pátria ancestral, mas transformado, para adaptar aos
ambientes africanos.
Dessa forma, a estratégia da apropriação da língua inglesa por escritores africanos é
baseada em um modelo simples: texto em inglês – leitura de povos que entendem a
língua inglesa – leitura e recebimento da cultura ibo e da crítica e da própria subversão
da língua inglesa.
A apropriação se utiliza da língua do colonizador para subvertê-lo, tendo-a como arma
de revide, já que é com textos na língua dos impérios que emana a denúncia e resistên-
cia contra a hegemonia europeia e toda sua gama de dogma, que visam objetificar, do-
minar e outremizar o colonizado - uma estratégia calibanesca, diria. Questionado sobre
não utilizar sua língua materna, o ibo, para escrever seus textos, Achebe responde:
Bem, é um assunto difícil de explicar. É óbvio que toda gente devia ser
capaz de dizer “não, eu não vou escrever em inglês, porque o inglês é a
língua dos que foram meus colonizadores”. No entanto, se quisermos ser
verdadeiramente livres, escapando plenamente de todas as regras impos-
tas pelo colonialismo, vamos ser obrigados a lutar por essa liberdade em
inglês, o idioma usado por aqueles que nos colonizaram. Eu penso que a
linguagem é uma opção livre de cada um. A minha relação com o inglês
é, sobretudo profissional, pois prefiro guardar a minha língua-mãe, o Igbo,
para contextos mais íntimos e familiares, como o da conversação (ACHEBE,
2011a).
O escritor africano, ao escrever em inglês, elabora lacunas e hiatos próprios dessas lite-
raturas pós-coloniais na África. Para ele, a língua inglesa alcança vários povos, expondo,
assim, as riquezas culturais de povos colonizados. Tal estratégia, além de expor a cultura
local, denuncia os males da colonização europeia em um idioma de alcance mundial.
Além disso, no mercado literário atual, as línguas nativas não teriam alcance de público
nem o léxico necessário exigido pelas editoras. Muitos povos, como os ibos, a etnia de
Achebe, aceitaram em comum acordo que a língua inglesa fosse a língua oficial da lite-
ratura ibo (EMENYONU, 1978:XIV). Achebe ressalta que escreve em inglês não só para
ser aceito no mercado editorial inglês, mas também pelo motivo do idioma ibo não ser
fácil de se transliterar. Entretanto, admite que, por motivações ideológicas do “Euroci-
dente”, algumas palavras do idioma ibo não encontram correlatos em inglês, como, por
exemplo, dibia, traduzido por medicine man. Tal tradução faz o termo dibia perder todas
as suas complexas funções na sociedade ibo, muito mais que apenas um “curandeiro”.
Achebe bem como Mia Couto decidem escolher a língua do colonizador por dois sim-
ples motivos: um estético e outro político. O primeiro seria porque tais idiomas são lín-
guas literárias, no sentido editorial, e, o segundo, visando desestruturar a língua euro-
peia, decepando-a: “infiltrating the ranks of the enemy and destroying him from within”
(ACHEBE apud GALLAGHER, 1997b). O linguista Ferdinand de Saussure (1997, p. 30) ex-
põe o poder que a língua literária tem em expandir as informações, motivo esse da utili-
zação das línguas europeias pela maioria dos escritores pós-coloniais: “A língua literária
ultrapassa, em todas as partes, os limites que lhe parece traçar a literatura”. E continua
revelando a consequência da escolha “[...] Por outro lado, suscita a avultada questão do
conflito que se estabelece entre ela e os dialetos locais”. Nisso surge o conceito de ab-
-rogação, a rejeição total ou parcial da língua colonizadora, a fim de valorizar as línguas
autóctones. Tal ab-rogação não pressupõe a rejeição total do idioma colonizador, como
é a proposta de Ngugi, queniano que escreve em gikuyu ou Mazisi Kunene, poeta sul-
-africano, que escreve em zulu; a ab-rogação deve ser entendida na descontrução da
língua canônica, na promoção de hiatos e lacunas, resultados da inserção de termos
nativos, da poesia, provérbios e oralidade nas narrativa.

Leia o texto completo, disponível em: <http://www.bibliotecadigital.uel.br/documen-


t/?view=vtls000190884>. Acesso em: 06 jun. 2015.

Fonte: Paradiso (2013, online).


MATERIAL COMPLEMENTAR

Hibisco Roxo
Chimamanda Ngozi Adiceh
Tradutora: Julia Romeu
Ano: 2011
Editora: Cia das Letras
Sinopse: protagonista e narradora de Hibisco roxo,
a adolescente Kambili, mostra como a religiosidade
extremamente “branca” e católica de seu pai, Eugene, famoso
industrial nigeriano, inferniza e destrói lentamente a vida de
toda a família. O pavor de Eugene às tradições primitivas do
povo nigeriano é tamanho que ele chega a rejeitar o pai, contador de histórias encantador, e a
irmã, professora universitária esclarecida, temendo o inferno. Mas, apesar de sua clara violência
e opressão, Eugene é benfeitor dos pobres e, estranhamente, apoia o jornal mais progressista do
país.
Durante uma temporada na casa de sua tia, Kambili acaba se apaixonando por um padre que é
obrigado a deixar a Nigéria, por falta de segurança e de perspectiva de futuro. Enquanto narra
as aventuras e desventuras de Kambili e de sua família, o romance também apresenta um retrato
contundente e original da Nigéria atual, mostrando os remanescentes invasivos da colonização
tanto no próprio país como, certamente, também no resto do continente.

Decolonising the Mind: the Politics of Language in


African Literature
Ngugi Wa Thiongo
Ano: 1997
Editora: EAEP/ Heinemann
Sinopse: para se compreender bem as literaturas africanas
em língua inglesa, é necessária a leitura do texto de
Ngugi Decolonising the Mind: the Politics of Language in
African Literature (1986). O texto é uma coleção de ensaios
sobre a linguagem e seu papel construtivo na cultura,
história e identidade de uma nação. O livro, que defende
a descolonização linguística, é um dos mais conhecidos e
mais citados sobre os debates entre linguagem e pós-colonialismo. Em temas que vão desde “A
linguagem da literatura africana”, “A linguagem do teatro africano”, “A linguagem de ficção africana”,
“à busca pela relevância”, Ngugi discute o papel da língua para combater e, ao mesmo tempo,
perpetrar o imperialismo e o neocolonialismo em nações africanas.

Material Complementar
MATERIAL COMPLEMENTAR

A Flecha de Deus
Chinua Achebe
Tradutora: Vera Queiroz da Costa e Silva
Ano: 2011
Editora: Cia das Letras
Sinopse: a aldeia de Umuaro, no interior da Nigéria, é regida
pelo sumo sacerdote Ezeulu. Mas nem todos os habitantes
da aldeia o apoiam, o que resulta em brigas internas, além
dos conflitos com aldeias vizinhas. Um dos filhos de Ezeulu,
Oduche, é enviado pelo pai para a igreja do homem branco, a
fim de conhecer sua religião e proteger a aldeia dos perigos que
ela pode trazer. Mas há controvérsias quanto ao envio de um filho ao inimigo. Ezeulu se vê numa
espécie de beco sem saída, tendo de tomar decisões que, por mais bem intencionadas, podem
resultar em desastre para o seu povo.

Contando Histórias
Autor: Vários. Nadine Gordimer (org).
Ano: 2007
Editora: Cia das Letras
Sinopse: organizada pela escritora sul-africana Nadine
Gordimer, esta coletânea traz 21 contos escolhidos pelos
próprios autores, que abriram mão de seus direitos autorais,
revertendo-os para a TAC (Treatment Action Campaign),
campanha em prol do tratamento e da prevenção da AIDS
(<www.tac.org.za>). Trata-se de uma amostra representativa
do que de melhor se produziu na literatura das últimas
décadas. Na literatura africana anglófona, Njabulo Ndebele,
Nadine Gordimer e Chinua Achebe optam por um realismo implacável para relatar os horrores da
guerra e da fome. Contar histórias, mostra-nos este livro, é acender uma luz nas trevas da barbárie.
MATERIAL COMPLEMENTAR

Religião e Religiosidade nas Literaturas Pós-coloniais Africanas


Silvio Ruiz Paradiso
Tese de Doutorado
Ano: 2013
Instituição: UEL
Sinopse: essa tese propõe questionar e problematizar as manifestações da Religião e das
Religiosidades nas literaturas africanas pós-coloniais, tanto no âmbito do colonizador como no do
colonizado, mediante uma estética própria, que apresente as ambivalências, lutas simbólicas e o
pensamento político do mundo [pós] colonial. Dessa forma, a tese foi construída a partir da ideia
marxista de luta de classe, levada, entretanto, às esferas do sagrado, em que as religiosidades
descritas no texto africano não sejam privilegiadas sob uma análise puramente teológica, mas
que abordem os aparatos e a fenomenologia religiosa como uma estratégia de criação literária
ou estratégia estética própria do pós-colonialismo, que vê no discurso a luta política inerente
ao ambiente colonial. Para tanto, a corpora analisada foram textos do escritor nigeriano Chinua
Achebe e do moçambicano Mia Couto, mais especificamente, Things Fall Apart (1958) e “O outro
pé da sereia” (2006), respectivamente.
Disponível em: <http://www.bibliotecadigital.uel.br/document/?view=vtls000190884>. Acesso
em: 27 abr. 2015.

Site com obras, biografia e materiais diversos sobre a autora Chimamanda Ngozi Adiche,
disponível em: <http://chimamanda.com>. Acesso em: 06 jun. 2015.
Site com obras, biografia e materiais diversos sobre o autor Ben Okri, disponível em: <http://
benokri.co.uk/>. Acesso em: 06 jun. 2015.
Site com obras, biografia e materiais diversos sobre o autor sul-africano Njabulo Ndebele,
disponível em: <http://www.njabulondebele.co.za/>. Acesso em: 06 jun. 2015.

O perigo de uma única historia: disponível em: <http://www.ted.com/talks/chimamanda_


adichie_the_danger_of_a_single_story?language=pt-br>. Acesso em: 4 ago. 2015.
Sinopse: nossas vidas, nossas culturas, são compostas de muitas histórias sobrepostas. A escritora
Chimamanda Adichie conta a história de como ela encontrou sua autêntica voz cultural e adverte-
nos que, se ouvimos somente uma única história sobre outra pessoa ou país, corremos o risco de
gerar grandes mal-entendidos.

Material Complementar
,
203
CONCLUSÃO

Diversidade – esse é o elemento chave que vimos nesta disciplina. Aliás, apesar da
hegemonia que a língua inglesa teve no mundo inteiro, por meio do processo da co-
lonização britânica, os autores aqui citados transformaram o conceito de literatura,
multifacetando-a, expandindo-a, tendo o inglês como elo. Porém, vimos que muitos
dos autores, principalmente nas unidades IV e V, transformam essa língua.
Em Literaturas em Língua Inglesa II, visitamos muitas ex-colônias inglesas, como os
Estados Unidos propriamente dito, a Índia e alguns países da África, do Caribe, e até
mesmo da Oceania. Você pôde ver que não focamos um estudo temporal e cronoló-
gico (com exceção da primeira unidade), mas com foco geográfico e temático.
Na primeira unidade, “Estados Unidos: Da Colônia a Jovem República”, vimos as
consequências do processo de colonização norte-americano, como isso influenciou
a escrita no Novo Mundo e como a temática desse período ultrapassou fronteiras
temporais. Você foi apresentado(a) à literatura índigena dos Delawares, bem como a
textos polêmicos de Carter, Miller e Stowe, que respectivamente observaram o índio
algoquiano, a mulher e o negro diaspórico no contexto colonial, sob a estrutura de
conto, teatro e romance.
Na segunda unidade, “Edgar Allan Poe e as Literaturas de terror e de detetives”, tema-
tizamos o terror, o suspense e as literaturas policiais. Conhecemos um dos maiores
contistas norte-americanos, Edgar Allan Poe, que trouxe ao mundo literário gêneros
importantes, como o gótico urbano, o romance policial e o romance de horror. Aga-
tha Christie, Arthur Conan Doyle e Stephen King fizeram parte dessa unidade.
Estudamos que, com a chegada do século XIX, o romance ganhou fôlego e os Esta-
dos Unidos já emancipados da Inglaterra, apresentam-nos uma série de romancis-
tas e obras magníficas. Portanto, conhecemos, na unidade III, “A Literatura do Novo
Mundo do século XIX”, os principais nomes da literatura norte-americana, tanto da
prosa quanto da poesia.
Já, na unidade IV, “Caribe, Índia e Oceania: As Literaturas em Língua Inglesa da Diás-
pora”, e na unidade V, “Literaturas Africanas em Língua Inglesa”. Conhecemos, estu-
damos e analisamos autores de ex-colônias inglesas da América Central, da África e
da Oceania, que trasnformaram a língua inglesa, a fim de abordar temáticas sobre
o colonialismo, o nacionalismo e as várias problemáticas da modernidade. Os antes
desconhecidos autores pós-coloniais fizeram-se presentes e, com eles, terminei este
material com a esperança que você, futuro(a) professor(a), realmente professe o que
Antonio Candido sempre falou sobre a função literária: de nos fazer mais humanos!

Um forte e fraterno abraço, com profundo agradecimento!


205
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213
GABARITO

UNIDADE I
1. A Inglaterra se aproveitou da divergência religiosa que havia com a Espanha,
que também considerava que eles estavam saqueando suas terras na Amé-
rica Central, e, dentre vários ataques, uma guerra foi oficialmente declarada
em 1585, da qual os ingleses saíram vitoriosos. Estes partem, em um primeiro
momento sem êxito, à América, desejosos de terem sua liberdade de fé. uma
segunda tentativa, eles começam a se firmar em colônias, como Carolina do
Norte, Carolina dos Sul, Virgínia, Jamestown e Nova Iorque (Nova Inglaterra), a
partir daí inicia-se a história dos EUA, mais especificamente a partir da Carolina
do Norte.
2. O conto mostra uma jovem que, depois de ser agredida sexualmente pelos seus
conterrâneos, sai em busca da sua autodefesa e, ao inserir-se em uma comuni-
dade indígena, passa por um forte processo de aculturação, que marcará para
sempre sua identidade, tanto que em certo momento a única evidência de sua
origem são seus olhos azuis. Nota-se também o preconceito dos colonos ao se
referirem aos índios como os de “pele vermelha”, uma vez que eram morenos, e
generalizando-os como canibais.
3. A obra foi escrita em um período de muita insegurança política, econômica e
militar, e o governo age em uma verdadeira “caça às bruxas” de caráter políti-
co, na verdade, uma caça aos comunistas, em que qualquer pessoa suspeita
era intimida a depor, como Miller foi, e induzida a confessar seus crimes e a
apontar outros suspeitos. Para trazer essa crítica ao seu texto, o autor recorre a
fatos históricos e, além de pesquisar, ele vai até a própria cidade de Salém, em
Massachusetts, buscar sua inspiração, naqueles que, pelo fanatismo religioso,
perseguiam e julgavam condenando à morte homens, mulheres e crianças, por
suspeitarem, e não terem nenhuma prova, que esses praticavam bruxaria.
4. Espera-se como resposta que o(a) aluno(a) pesquise uma dentre as crônicas ci-
tadas no tópico “A Independência dos Estados Unidos da América” e discorra
sobre a abordagem histórica apontada na obra.

UNIDADE II
1. A literatura gótica tem como principais características a ambientação das his-
tórias em cenários que remetem à Idade Média, com a presença de castelos,
palácios, templos, florestas; o apreço por temáticas sobrenaturais, crises morais,
idealização da morte, erotismo, construção de universos fantásticos, com a pre-
sença de fantasmas, monstros e outras criaturas sobrenaturais.
2. O mestre do suspense, Edgar Allan Poe, é um dos escritores que mais teve obras
adaptadas para o cinema (mais de 100 filmes foram inspirados em obras do
autor). O aluno pode apontar como exemplos da influência de Poe na cultura
popular a história em quadrinhos The Crow, de James O’Bar, publicada em 1978
GABARITO

e que, em 1994, foi adaptada para o cinema, com adaptações realizadas por
cineastas renomados como Tim Burton e Federico Fellini. Na música, bandas
como Nightwish, The Alan Parson Project e até mesmo os Beatles compuseram
músicas inspiradas em textos de Poe.
3. O romance policial ou romance de detetive tem como principais características
um crime como ponto de partida, a presença de um criminoso, uma vítima e
um detetive disposto a desvendar o mistério da trama. Outros elementos per-
tinentes ao gênero são a permanente atmosfera de suspense ao longo da nar-
rativa, a presença de “pistas” que contribuem para que o leitor vá juntando as
peças do “quebra-cabeça” juntamente com o detetive, um ambiente fechado e
um desfecho surpreendente para a história.
4. O aluno pode apontar como exemplos de narrativas em que o terror é tanto
exterior quanto interior obras como The Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde,
popularmente conhecido como “O Médico e o Monstro”, de Robert Louis Ste-
venson, “O Retrato de Dorian Gray”, de Oscar Wilde, “Carry”, de Stephen King.

UNIDADE III
1. Esses romances abordaram temáticas importantes e relacionadas ao contex-
to social, de forma a fazer críticas e levar o leitor a refletir sobre temas como
a escravidão, o racismo, a luta de classe, o trabalho infantil, a criminalidade, a
condição da mulher, o colonialismo, a tecnofobia, entre outros, os quais foram
abordados nesses romances.
2. Surgiram no século XIX e modelaram o futuro romance moderno. Essa litera-
tura não tinha nenhum laço com a religião nacional, visto que deveria circular
internacionalmente, dessa forma, sem proselitismo algum, multicultural. Outro
fato interessante a ser pontuado é que, entre as décadas 70 e 80 do século XIX,
tanto a Inglaterra quanto os Estados Unidos inseriram tais literaturas no sistema
educacional, formulando a ideia de cânone moderno. Todo esse processo fez
que o ramancista desse século se transformasse no porta-voz da cultura de seu
país e o livro passa a figurar em ambientes diversificados.
3. O escritor traz em sua obra assuntos relacionados ao período de industrializa-
ção da Inglaterra e a proliferação do capitalismo. No bojo dessa discussão, cabe-
ria tratar de temas como a pobreza, o desemprego, a violência, a precariedade
das condições de trabalho nas fábricas, a exploração do trabalho infantil, dentre
outros.
4. A poesia de Emily Dickinson trazia como principais características destoantes da
tradição literária traços da oralidade, construção de estrofes e versos de forma
irregular, gosto por rimas internas ao invés de rimas finais e uso de travessão de
modo a dar ora velocidade, ora paradas bruscas em seus poemas. Tais caracte-
rísticas viriam a ser percebidas em outros poetas que cada vez mais buscavam
215
GABARITO

fugir dos padrões engessados da lírica tradicional, prezando a originalidade e se


distanciando das antigas métricas.
5. O romance Moby Dick destacou-se, dentre outros motivos, por mesclar conteú-
dos ficcionais com não ficcionais. Herman Melville construiu o livro valendo-se
de conhecimentos de áreas como a biologia, métodos de pesca, bem como al-
guns aspectos do funcionamento das embarcações. Na cultura popular, a histó-
ria do capitão e seu algoz (ou seria o contrário?) refletiu tanto no cinema, com
o filme homônimo gravado em 1956, como nos desenhos animados, em que
encontramos referências em episódio de Tom & Jerry e o Pica-pau, valendo citar
que, entre os anos de 1967 a 1969, o canal CBS produziu e exibiu um desenho
baseado no romance.

UNIDADE IV

1. Textos literários escritos por representantes do poder colonial. E, aqui, devemos


pensar em nomes como Shakespeare e Defoe, trabalhados em Literaturas em
Língua Inglesa I.
Textos literários escritos por nativos que receberam educação desses represen-
tantes nas cidades da Europa e escritos em línguas europeias, principalmente
a língua inglesa, espanhola, portuguesa e francesa (em pequena escala). Nesse
patamar, temos como maior exemplo o anglo-indiano, Rudyard Kipling, por
exemplo.
Textos literários com forte apelo crítico e subversivo, visando uma ruptura com
a literatura da metrópole, escritos por nativos, cujo objetivo principal é a forma-
ção de uma contraliteratura, como é a literatura caribenha e africana.
2. Como acontece com a maioria dos países colonizados, esses já têm uma lín-
gua primitiva, que é “sufucada” pelo país colonizador, assim a língua inglesa do
Caribe apresentava um reflexo direto da miscigenação e do multiculturalismo
que as Antilhas viveu. Desde o século XVI, o inglês “pidgin” (o inglês misturado,
principalmente com o yorùbá) foi idioma local até o desenvolvimento do creole
(mistura das línguas africanas com espanhol, francês e inglês). No período co-
lonial, apesar dos esforços dos colonizadores em impor a língua inglesa oficial
(Standard), o creole tornou-se forte, ainda mais pela presença da oralidade.
3. De 1858 a 1947, a Índia foi uma colônia britânica, conhecida como British Raj.
O período foi quando os direitos da Companhia Britânica das Índias Orientais
foram transferidos para a coroa britânica, até 1947, ano em que o Reino Unido
passou a soberania sobre aquele território para os recém-criados – Índia e Pa-
quistão.
GABARITO

UNIDADE V

1. A literatura africana em língua inglesa, assim como a produção literária de ou-


tras minorias, como, por exemplo, a escrita por mulheres e homossexuais, sur-
ge em meados do século XX reivindicando para esse grupo um espaço em um
campo do qual fora historicamente excluído. Tendo em vista que até o século
XIX a produção literária se restringia às obras produzidas por homens brancos,
cristãos, heterossexuais e da elite, a inserção desses grupos minoritários no uni-
verso literário possibilita a reescrita da história na medida em que observamos
em seus escritos um ponto de vista divergente da história oficial, ao valorizar a
cultura africana em detrimento do padrão elitista propagado pelos escritores
canônicos, ao recriar a história do ponto de vista dos “vencidos” e não dos “ven-
cedores”.
2. A obra “O bebedor de Vinho de Palmeira”, publicada em 1952, foi muito bem re-
cebida pela crítica literária, sobretudo por ser considerado um romance de ex-
pressão continental sem deixar de lado o regionalismo. O romance do escritor
nigeriano é bem criticado por dar voz à cultura africana, trazendo para o campo
da escrita elementos culturais que ainda estavam apenas na tradição oral, cum-
prindo a função de difundir a riqueza da cultura africana e sendo reconhecido
também por sua autenticidade e crítica social.
3. Ambos denunciam as questões morais e sociais marcadas pela segregação ra-
cial na África do Sul. Nota-se também que Njabulo Ndebele tem presente em
suas obras uma denúncia contra as mazelas da colonização. A Nadine Gordimer
ficou conhecida por tratar das questões do regime Apartheid na sua escrita re-
alista e cruel, com teor altamente histórico-social.
4. Ngũgĩ Thiong’o é o mais famoso escritor queniano. Seus textos, com forte teor
crítico e político, lhe renderam uma prisão e depois o exílio. Em suas obras, Ngũ-
gĩ tece críticas ao imperialismo, ao capitalismo e ao modo como esse sistema
destruiu a sociedade queniana, a hegemonia cultural ocidental, dentre outros.

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