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LITERATURA
GRADUAÇÃO
Unicesumar
Reitor
Wilson de Matos Silva
Vice-Reitor
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de Administração
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de EAD
Willian Victor Kendrick de Matos Silva
Presidente da Mantenedora
Cláudio Ferdinandi
TEORIA DA LITERATURA
SEJA BEM-VINDO(A)!
Caro(a) aluno(a),
Seja bem-vindo(a) aos Estudos Literários! A Teoria da Literatura, como disciplina cur-
ricular de Letras, constitui-se em um importante componente da matriz curricular de
todo professor em formação em Língua Portuguesa e Estrangeira e Literaturas Corres-
pondentes. Porém, discutir literatura nem sempre é uma tarefa fácil, ainda mais quando
entram em jogo regras e definições. De modo a prepará-lo(a) para o estudo da literatura
e de suas inúmeras metodologias – tão distintas entre si e, por sua natureza singular, dís-
pares e ao mesmo tempo imprescindíveis –, escrevemos o presente livro com o intuito
de introduzi-lo(a) à análise da obra literária.
Nas cinco unidades que compõem este livro, você encontrará um panorama sobre o que
se convencionou chamar de “Teoria da Literatura”.
Na Unidade I, discutiremos sucintamente sobre a questão do cânone literário, dividindo-
-o em dois gêneros: o narrativo e o dramático.
Na segunda Unidade, realizaremos uma imersão um pouco mais técnica e histórica so-
bre o Formalismo Russo e sobre o Estruturalismo, correntes de estudo da literatura do
século XX, que procuraram sistematizar a análise literária.
A Unidade III, por sua vez, desmembra de modo mais específico a narrativa e seus ope-
radores básicos, disponibilizando a você, acadêmico(a), as ferramentas necessárias para
a análise estrutural da narrativa – discussão já iniciada na Unidade II.
A quarta Unidade discute o Lírico, ou seja, a análise da Poesia. Nela, serão definidos con-
ceitos primordiais como escansão, verso, metro e métrica, além de definir algumas das
formas poéticas mais conhecidas.
Por fim, propomos algumas teorias críticas pós-estruturalistas e pós-modernistas. Nesta
quinta Unidade, você estudará uma breve introdução sobre o Feminismo, Teorias Étnico-
-raciais, o Pós-colonialismo e, por último, sobre a Estética da Recepção alemã.
Sabemos que este livro consiste em apenas uma síntese do universo gigantesco que
compõe a teoria da literatura. Para aprofundar seus estudos, propomos ao final uma
bibliografia de apoio, que deve ser consultada e, se possível, lida, ampliando assim seus
horizontes de leitura.
Bons estudos e excelente leitura!
Professor Dr. Silvio Ruiz Paradiso
Professora Me. Roberta Fresneda Villibor
SUMÁRIO
UNIDADE I
13 Introdução
13 Cânone e Anticânone
16 Literariedade
21 Gêneros Literários
49 Considerações Finais
UNIDADE II
55 Introdução
55 Formalismo Russo
65 O Estruturalismo
73 Considerações Finais
8-9
SUMÁRIO
UNIDADE III
81 Introdução
92 Considerações Finais
UNIDADE IV
105 Introdução
105 O Lirismo
107 O Verso
108 A Escansão
111 A Métrica
UNIDADE V
O PÓS-ESTRUTURALISMO
143 Introdução
152 O Pós-Colonialismo
163 CONCLUSÃO
165 REFERÊNCIAS
169 GABARITO
Professor Dr. Silvio Ruiz Paradiso
Professora Me. Roberta Fresneda Villibor
CÂNONE, ANTICÂNONE E
I
UNIDADE
LITERARIEDADE
Objetivos de Aprendizagem
■■ Compreender os conceitos de cânone e anticânone.
■■ Estudar o conceito de Literariedade como elemento que define a
Literatura.
■■ Conceituar os diferentes gêneros literários e saber diferenciá-los.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ Cânone e Anticânone
■■ Literariedade
■■ Gêneros Literários
■■ Principais gêneros narrativos
■■ Principais gêneros dramáticos
12 - 13
INTRODUÇÃO
Nesta Unidade, você estudará conceitos basilares para os Estudos Literários, com-
preenderá os conceitos de cânone e anticânone e se familiarizará com os gêneros
literários divididos em dois grandes campos: gêneros narrativos e gêneros dra-
máticos. Além disso, entenderá o elemento indispensável para o texto literário:
a literariedade.
Na primeira parte, uma provocação: afinal, o que é a literatura? Por que uma
bula de remédio, apesar de escrita em vernáculo, não é considerada literatura? A
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provocação continua: quem define academicamente o que deve ou não ser lido
(e consumido) pelo público? Qual critério de valor é empregado na constituição
do que é boa ou má literatura? Aliás, existe boa e má literatura?
Na segunda parte desta unidade, você entrará em contato com aspectos
mais formais (que dizem respeito à estrutura) do texto literário: a classificação
dos gêneros, secionados em dois grupos: os narrativos (textos que contam/nar-
ram sequências de eventos em que um personagem foi agente e/ou paciente) e
os dramáticos – os que foram escritos para serem encenados. A partir dessa dife-
renciação, explicaremos de modo sucinto a diferença entre um romance, uma
novela, um conto, uma crônica e um ensaio, bem como entre uma fábula e um
apólogo. Por fim, faremos uma introdução aos conceitos gregos de tragédia e
comédia, terminando com a farsa.
CÂNONE E ANTICÂNONE
Nos Estudos Literários, uma palavra que você irá ter contato frequentemente
é o termo cânone. Ao ler o termo, você com certeza deve ter se recordado do
ato da canonização, que consiste em tornar “sagrado” determinado religioso a
partir do julgamento de seus atos. O mesmo processo pode ser verificado na
literatura, especificamente na crítica literária. Alguns críticos – notadamente
professores universitários – defendem determinadas obras como relevantes e de
Introdução
I
©shutterstock
leitura praticamente obrigatória para o estudioso da literatura.
Geralmente, chamamos estas obras de “clássicos da literatura”.
Ao fazê-lo, esses críticos estão elaborando sua “lista de lei-
tura”, que passa a ser estabelecida como parâmetro da chamada
boa literatura e, portanto, deve ou deveria ser seguida por quem
se pretende conhecedor dos denominados clássicos. É justa-
mente essa seleção do que é considerado uma boa leitura que
chamamos de cânone.
A palavra deriva do grego kanon, o que hoje seria conhe-
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cido como uma ‘régua’. O kanon era um objeto parecido com
uma vara, utilizado como instrumento de medida. Esta é a rela-
ção importante que você deve entender, o kanon servia para
mensurar, medir, determinar um tamanho, isto é, um modelo.
Logo, tudo que é canônico pertence ao cânone e, por con-
sequência, está inserido em um conjunto de modelo, tido como
ideal. No caso da Literatura, temos o Cânone Literário, ou seja,
uma lista de textos clássicos considerados “de valor” estético.
Ginzburg, em seu artigo Cânone e valor estético em uma teoria
autoritária da literatura (2006), revela:
Entre os elementos que podem ser examinados em
cursos universitários de Teoria da Literatura, está
o valor. Os estudantes devem saber distinguir uma
boa obra literária de uma obra sem interesse, um au-
tor relevante de um nome sem importância. Devem
fazê-lo não aleatoriamente ou por impulso emocio-
nal, mas com base em argumentos fundamentados
em um conhecimento seguro (GIZNBURG, 2006,
p.98).
Cânone e Anticânone
I
Hoje, a literatura não tem mais apenas o dever estético de produzir emoção.
Além disso, a literatura tem o dever social, como podemos observar em obras
como Textos de intervenção, de Antonio Candido (2002), Literatura, História e
Política (2007), de Benjamin Abdala Jr., e Literatura e resistência, de Alfredo Bosi
(2002), todos críticos literários, tais como Harold Bloom.
Desta forma, o valor determinado para ‘medir’ a literatura é subjetivo, já que
tão subjetivo é o que faz um tempo ser ou não literário: a literariedade.
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LITERARIEDADE
E eis que para devolver a sensação de vida, para sentir os objetos, para
provar que pedra é pedra, existe o que se chama arte. O objetivo da arte
é dar a sensação do objeto como visão e não como reconhecimento; o
procedimento da arte é o procedimento da singularização dos objetos
e o procedimento que consiste em obscurecer a forma, aumentar a difi-
culdade e a duração da percepção; a arte é um meio de experimentar o
devir do objeto, o que já é “passado” não importa para a arte (CHKLO-
VSKI, 1978, p. 45).
TEXTO 1
Literariedade
I
TEXTO 2
Tragédia Brasileira
Manuel Bandeira
Misael, funcionário da Fazenda, com 63 anos de idade, conheceu Maria Elvira na Lapa
– prostituída, com sífilis, dermite nos dedos, uma aliança empenhada e os dentes em
petição de miséria.
Misael tirou Maria Elvira da vida, instalou-a num sobrado no Estácio, pagou médico,
dentista, manicura... Dava tudo o que ela queria.
Quando Maria Elvira se apanhou de boca bonita, arranjou logo um namorado.
Misael não queria escândalo. Podia dar uma surra, um tiro, uma facada. Não fez nada
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disso: mudou de casa.
Viveram três anos assim.
Toda vez que Maria Elvira arranjava namorado, Misael mudava de casa.
Os amantes moraram no Estácio, Rocha, Catete, Rua General Pedra, Olaria, Ramos, Bom
Sucesso, Vila Isabel, Rua Marquês de Sapucaí, Niterói, Encantado, Rua Clapp, outra vez
no Estácio, Todos os Santos, Catumbi, Lavradio, Boca do Mato, Inválidos...
Por fim na Rua da Constituição, onde Misael, privado de sentidos e de inteligência,
matou-a com seis tiros, e a polícia foi encontrá-la caída em decúbito dorsal, vestida de
organdi azul.
Fonte: <recantodasletras.com.br>
Lead, do inglês to lead (liderar), ou lide em português, é o período ou o parágrafo inicial que abre uma
1
notícia e deve responder aos questionamentos básicos do jornalismo: o que aconteceu, com quem
aconteceu, quando aconteceu, onde aconteceu, como e por que aconteceu.
Literariedade
I
©tate
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Isto é uma obra de arte, chamada A Fonte.
A obra nada mais é que um urinol de porcelana branco, considerado uma
das obras mais representativas do dadaísmo na França, criada em 1917, sen-
do uma das mais notórias obras do artista Marcel Duchamp.
Há na obra de Duchamp uma singularização, afinal, o urinol foi levado a um
museu, não estando em um banheiro público. Além disso, esse deslocamen-
to dá ao objeto uma percepção estética – no museu, você observa atenta-
mente os detalhes do urinol, fato que dificilmente faria no dia a dia.
A obra de Duchamp entra em choque com as ideias estruturalistas sobre li-
terariedade, pois esta noção não está presa na estrutura, tampouco nos ele-
mentos internos do texto. A literariedade desloca-se para a esfera do leitor/
público, através de um ato interpretativo. (Você vê uma bicicleta, um urinol,
um vaso no museu, logo, você interpreta que são objetos artísticos, obras de
arte, não os objetos em si).
OBRA
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AUTOR PÚBLICO/LEITOR
Fonte: o autor
GÊNEROS LITERÁRIOS
Muitos autores de renome consideram que a primeira referência aos gêneros lite-
rários surge com Platão, segundo quem, esta questão estava diretamente ligada à
relação poeta-obra e à mimese2. Com Aristóteles e sua Poética, os gêneros literários
2 Processo que, para Platão, implicava uma representação imitativa da natureza e, portanto, algo imperfeito.
Gêneros Literários
I
assumem um caráter mais normativo e são divididos em: Tragédia, o gênero cul-
minante, pois sendo ‘sério’ eleva o ser; Comédia (o avesso da Tragédia), a qual
consiste na imitação do feio, de uma falha e que não produz efeito catártico3, e
Epopeia, que se aproxima muito da tragédia, diferenciando-se desta apenas pela
métrica e pela extensão. Depois de Aristóteles, muitos conceitos surgirão, na maio-
ria das vezes, de interpretações equivocadas da Poética, pois como Aristóteles
leva em conta o receptor na questão dos gêneros, mas não define claramente
certos aspectos, a possibilidade de interpretações variadas acaba por ser natural.
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3 Efeito catártico: descarga emocional provocada por um drama, a qual seria, segundo Aristóteles, capaz de
purificar a alma.
O QUE É MIMESE?
Eu abro devagarinho
Pra passar o menininho
Eu abro bem com cuidado
Pra passar o namorado
Eu abro bem prazenteira
Pra passar a cozinheira
Eu abro de supetão
Pra passar o capitão.
A figura 1 representa uma porta, um objeto, sou perfeitamente como a queria, tanto
neste caso de madeira, que faz o papel que, provavelmente, na ideia, a porta não
de abertura em um elemento de veda- teria arranhões, lascas, defeitos etc. A partir
ção arquitetônica, permitindo o trânsito do momento que o marceneiro a produ-
de pessoas e animais, de um ambiente a ziu (elemento 1), ela tornou-se cópia da
outro. Quem fez esta porta, a imaginou, porta do mundo das ideias (a original). Já
em um plano imaterial, uma ideia, logo, os elementos 2 (desenho) e 3 (poema) são
a porta existia antes de sua criação, neste simulacros da porta, ou seja, são cópias da
Mundo das ideias. Quem a pensou, a pen- cópia. A figura 2 é uma representação da
24 - 25
figura 1, não podendo apresentar todos Já Aristóteles via o texto dramático, por
os elementos de seu modelo, como pro- exemplo, como uma “imitação de uma
fundidade, textura, defeitos, cheiro da ação”, que na tragédia teria o efeito catár-
madeira etc. Também o poema (3), que fala tico. Diferente de Platão, Aristóteles rejeita o
e descreve uma porta, mas não consegue mundo das ideias, valorizando a arte como
expressá-la da forma como é. a real representação da natureza e mundo.
I
©shutterstock
do idealismo que encontra na lírica (intui-
ção), sobretudo, o seu lugar de excelência.
Já no séc. XX, com o italiano Benedetto
Croce, permanece a ideia de que a obra de
arte não é mimesis, mas sim um todo indi-
vidual que nasce da intuição do autor. Logo,
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Croce concorda com os românticos na ideia
de que numa grande obra de arte não cabe
apenas um gênero literário. De um modo
geral, para os teóricos do século XX, a ques-
tão dos gêneros assumirá então esta postura:
os gêneros estão ligados a processos históri-
cos, são variáveis e, portanto, é difícil fazer
uma separação total deles na prática.
No século XXI, foi o crítico literário canadense, Northrop Frye, em Anatomia
da Crítica (1957), que deu contribuição marcante para o estudo dos gêneros
literários.
Ainda assim, para efeitos didáticos, veremos a seguir as características mar-
cantes de cada gênero, bem como suas subdivisões. Estudaremos o Gênero
Narrativo , Gênero Dramático e Gênero lírico, este, porém, separadamente na
Unidade IV.
GÊNERO NARRATIVO
Romance
De todos os tipos de narrativa, o romance é, sem dúvida, o mais complexo.
Caracteriza-se principalmente pela extensão (bem maior que a da novela e
a do conto), pelo número de personagens e pela densidade da trama. Antes
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Os romances podem ser classificados quanto a sua temática e não devem ser
confundidos com a palavra romance, designada para enlaces amorosos.
A seguir, temos um excerto do romance Gabriela, Cravo e Canela, de
Jorge Amado:
Gêneros Literários
I
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cacauais. A procissão de São Jorge, naquele ano, tomara aspecto de uma ansiosa
promessa coletiva ao santo padroeiro da cidade.
o que torna o romance uma obra de extensão considerável, uma vez que, em para-
lelo à história principal, vemos outras, adjacentes, que ajudam a tecer a trama
narrativa. Mesmo com inúmeros personagens em paralelo, no romance todas as
ações convergem para a história de amor de Gabriela e Nacib.
Por ser um romance, percebemos dentro do enredo várias “sub-histórias”
que giram em torno da maior, podendo então se localizar pequenos conflitos
e até pequenos desfechos caracterizando um pequeno universo. Além disso, o
romance, por sua extensão, tem temas e subtemas. No excerto de Gabriela, já
percebemos que Jorge Amado propõe discutir a hipocrisia, a sensualidade e infe-
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Novela
Por ser um gênero pouco usual, nos dias atuais, muitas pessoas quando se depa-
ram com essa nomenclatura a associam às narrativas televisivas de mesmo nome,
Gêneros Literários
I
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parece estátua grega, e acaba sendo seu único motivo de alegria, já que o ar
pesado e céu cinzento de Veneza deprimem Aschenbach. Fascinado e com-
pletamente atraído pela beleza do rapaz, Gustav decide ir embora antes de
cometer uma loucura. Porém, sua bagagem é enviada por engano para outra
cidade italiana, o que o obriga adiar a sua partida. Não bastasse isso, há nas
ruas da cidade o temor pela cólera asiática, que gera uma evasão dos que
querem se proteger contra a doença. É nesse cenário vazio e solitário que
Aschenbach sai à procura do jovem Tadzio, ainda que ele não possa confes-
sar ao rapaz a paixão que nutre por ele, pois isso provocaria um escândalo
constrangedor para ambas as partes. Só resta a Gustav, então, o sofrimento
de um amor impossível.
CAPÍTULO 1
Numa tarde de primavera do ano de 19..., que meses a fio vinha mostrando ao
nosso continente um semblante tão ameaçador, Gustav Aschenbach, ou von
Aschenbach, como passara a chamar-se oficialmente desde seu quinquagési-
mo aniversário, saíra de sua residência na rua do Príncipe Regente, em Munique,
para um longo passeio solitário. Muito agitado por uma manhã de trabalho ár-
duo e arriscado, a exigir justamente agora uma extrema cautela, circunspecção,
rigor e força de vontade, o escritor não conseguira, nem mesmo após o almoço,
sofrear a vibração do mecanismo criador em seu íntimo --aquele motus animi
continuus que, segundo Cícero, constitui a essência da eloquência --e não pu-
dera dispor do cochilo reparador que lhe era tão necessário durante o dia, ante
o crescente desgaste de suas forças. Assim, logo depois do chá, ele procurara o
céu aberto, na esperança de que um pouco de ar livre e movimento o restabe-
lecessem, propiciando-lhe uma noite proveitosa.
Perceba que diferente do Romance, a Novela não possui tramas paralelas, focan-
do-se em apenas um conflito maior, neste caso, a trama gira no conflito de
Aschenbach. Didaticamente, a Novela é um gênero entre o Romance e o Conto.
Conto
Podemos dizer que o conto é um romance em miniatura: a trama é mais sim-
ples, concentra-se em um único conflito e o número de personagens é bastante
reduzido. Também o espaço e o tempo são tratados de modo mais direto e
econômico. Resumindo: no conto, conflito, tempo, espaço e personagens são
condensados. Muitos são os escritores brasileiros e estrangeiros que se des-
tacaram nessa modalidade narrativa, tais como, Machado de Assis, Clarice
Lispector, Nélida Piñon, Mia Couto, Jorge Luiz Borges, Hilda Hist, Lygia
Fagundes Telles, Moacyr Scliar, Rubem Fonseca, Dalton Trevisan, Charles
Dickens, Edgar Alan Poe etc.
Gêneros Literários
I
Vem à livraria nas horas de maior movimento, mas isso, já se sabe, é de propó-
sito: facilita-lhe o trabalho.
Rouba livros. Faz isso há muitos anos, desde a infância, praticamente. Come-
çou roubando um texto escolar que precisava para o colégio: foi tão fácil que
gostou; e passou a roubar romances de aventura, livros de ficção científica,
textos sobre arte, política, ciência, economia. Aperfeiçoou tanto a técnica que
chegava a furtar quatro, cinco livros de uma vez. Roubou livros em todas as
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cidades por onde passou. Em Londres, uma vez, quase o pegaram; um inciden-
te que recorda com divertida emoção.
No início, lia os livros que roubava. Depois, a leitura deixou de lhe interessar. A
coisa era roubar por roubar, por amor à arte; dava os livros de presente ou sim-
plesmente os jogava fora. Mas cada vez tinha menos tempo para ir às livrarias;
os negócios o absorviam demais. Além disso, não podia, como empresário,
correr o risco de um flagrante. Um problema - que ele resolveu como resolve
todos os problemas, com argúcia, com arrojo, com imaginação.
Zás! Acabou de surrupiar um. Nada de espetacular nessa operação: simples-
mente pegou um pequeno livro e o enfiou no bolso. Olha para os lados; apa-
rentemente ninguém notou nada. Cumprimenta-me e se vai.
Um minuto depois retorna. Como é que me saí, pergunta, não sem ansiedade.
Perfeito, respondo, e ele sorri, agradecido. O que me deixa satisfeito; elogiá-lo
é não apenas um ato de compaixão, é também uma medida de prudência.
Afinal, ele é o dono da livraria.
Fonte:<http://felmariano.wordpress.com/2010/12/13/no-mundo-das-letras-moa-
cyr-scliar/>.
Agora observe outro conto, Bezerro sem mãe, de Rachel de Queiroz. Leia o texto
e acompanhe a análise a seguir:
Rachel de Queiroz
Foi numa fazenda de gado, no tempo do ano em que as vacas dão cria. Cada vaca
toda satisfeita com o seu bezerro. Mas dois deles andavam tristes de dar pena:
uma vaca que tinha perdido o seu bezerro e um bezerro que ficou sem mãe. A
vaquinha até parecia estar chorando, com os peitos cheios de leite, sem filho para
mamar. E o bezerro sem mãe gemia, morrendo de fome e abandonado.
Não adiantava juntar os dois, porque a vaca não aceitava. Ela sentia pelo cheiro
que o bezerrinho órfão não era filho dela, e o empurrava para longe. Aí o vaqueiro
se lembrou do couro do bezerro morto, que estava secado ao sol. Enrolou naque-
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le couro o bezerrinho sem mãe e levou o bichinho disfarçado para junto da vaca
sem filho. Ora, foi uma beleza! A vaca deu uma lambida no couro, sentiu o cheiro
do filho e deixou que o outro mamasse à vontade. E por três dias foi aquela mas-
carada. Mas no quarto dia, a vaca, de repente, meteu o focinho no couro e puxou
fora o disfarce. Lambeu o bezerrinho direto, como se dissesse: “Agora você já está
adotado.” E ficaram os dois no maior amor, como filho e mãe de verdade.
Fonte: <www.falarachel.com.br/downloads/cronica-9-Bezerro-sem-mae.pdf>.
Gêneros Literários
I
Epopeia
Estilo narrativo, praticamente desaparecido, foi imensamente apreciado na Grécia e
Roma antigas. Trata-se de uma narrativa centrada em contar os feitos de um grande
herói, evidenciando as peripécias vividas por ele e sua imensa bravura para vencer
os obstáculos encontrados. Outra característica importante é que este tipo de nar-
rativa é construído em versos rimados e metrificados e compõe-se de cinco partes:
■■ Proposição: parte em que o autor indica genericamente o que vai cantar.
■■ Invocação: parte em que o autor invoca a proteção das musas literárias
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para que permitam a ele escrever um grande obra, digna do herói retratado.
■■ Dedicatória: parte que devota a obra a uma grande homem do momento
em que ela foi escrita, o qual, geralmente, era responsável por bancar os
custos de produção da epopeia.
■■ Narração: toma a maior parte do texto e é responsável pelo desenrolar
da história, propriamente dita.
■■ Epílogo: é o desfecho da narrativa em que se mostra a consagração do
herói.
Gêneros Literários
I
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Na sequência, trabalharemos a fábula e o apólogo, narrativas mais simples e
curtas.
Fábula e Apólogo
Tratam-se de gêneros aparentados, já que ambos são narrativas que utilizam
como personagens seres não humanos a quem se atribui características huma-
nas. A intenção dos dois gêneros textuais também é a mesma, de maneira
simbólica, pretendem levar o leitor a refletir sobre vícios e virtudes huma-
nas. A diferença está no fato de que na Fábula os personagens são animais,
como se vê nos clássicos textos de Esopo A raposa e as uvas, A formiga e a
cigarra, A lebre e a tartaruga, A rã que queria crescer, O escorpião e o sapo,
dentre muitas outras. Já no apólogo, as personagens são objetos, como se vê
no famoso Um apólogo, de Machado de Assis, que tem como personagens a
agulha, a linha e o alfinete.
©Nara Tanaka
Certa vez estavam um sapo e
um escorpião à beira de um rio,
quando a relva da margem em que
se encontravam começou a pegar
fogo. Ambos entraram em pânico,
com medo de morrer queimados,
assim o sapo pulou no rio, preten-
dendo nadar até a outra margem
para se salvar. O escorpião, porém,
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Gêneros Literários
I
hoje em dia ao público infantil, o que não ocorria quando de sua invenção, na
Grécia Antiga. O mais famoso fabulista, Esopo, usava a fábula como elemento de
crítica social, tendo sido condenado à morte justamente por fazer o povo pen-
sar utilizando metáforas simples.
Leia a seguir um exemplo de apólogo:
UM APÓLOGO
Machado de Assis
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
©Nara Tanaka
Era uma vez uma agulha, que disse a
um novelo de linha:
— Por que está você com esse ar, toda
cheia de si, toda enrolada, para fingir que
vale alguma cousa neste mundo?
— Deixe-me, senhora.
— Que a deixe? Que a deixe, por quê?
Porque lhe digo que está com um ar insu-
portável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.
— Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não
tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu.
Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros.
— Mas você é orgulhosa.
— Decerto que sou.
— Mas por quê?
— É boa! Porque coso. Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem
é que os cose, senão eu?
— Você? Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem
os cose sou eu e muito eu?
— Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro,
dou feição aos babados...
— Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por
você, que vem atrás obedecendo ao que eu faço e mando...
— Também os batedores vão adiante do imperador.
— Você é imperador?
— Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adian-
te; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é
que prendo, ligo, ajunto...
Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não sei se disse
que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de
si, para não andar atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da
agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser. Uma e outra
iam andando orgulhosas, pelo pano adiante, que era a melhor das sedas, entre
os dedos da costureira, ágeis como os galgos de Diana — para dar a isto uma cor
poética. E dizia a agulha:
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— Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco? Não repara que esta
distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela,
unidinha a eles, furando abaixo e acima...
A linha não respondia; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido
por ela, silenciosa e ativa, como quem sabe o que faz, e não está para ouvir pa-
lavras loucas. A agulha, vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também,
e foi andando. E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que
o plic-plic-plic-plic da agulha no pano. Caindo o sol, a costureira dobrou a cos-
tura, para o dia seguinte. Continuou ainda nessa e no outro, até que no quarto
acabou a obra, e ficou esperando o baile.
Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-
se, levava a agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E
enquanto compunha o vestido da bela dama, e puxava de um lado ou outro,
arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando, a linha para mofar
da agulha, perguntou-lhe:
— Ora, agora, diga-me, quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo
parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplo-
matas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o ba-
laio das mucamas? Vamos, diga lá. Parece que a agulha não disse nada; mas um
alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha:
— Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar
da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro
caminho para ninguém. Onde me espetam, fico.
Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a
cabeça:
— Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!
Texto extraído do livro “Para Gostar de Ler - Volume 9 - Contos”, Editora Ática - São
Paulo, 1984, p. 59.
Gêneros Literários
I
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tríade – fábula, apólogo e parábola – é “farinha do mesmo saco”.
Crônica
Embora este gênero não tenha uma forma exatamente fixa, contemporaneamente,
segundo Moisés (2004, p.11), “a crônica moderna concentra-se num aconteci-
mento diário que tenha chamado a atenção do escritor”. O autor explica ainda
que tal gênero implica na visão pessoal e subjetiva do autor perante fatos do
cotidiano e que “estimula a veia poética do prosador; ou dá margens a que este
revele-se como contador de histórias”.
A estrutura básica das crônicas costuma conter: relato do cotidiano, refle-
xões pessoais, uso de primeira pessoa, linguagem da norma culta, porém
coloquial. Até pouco tempo, a crônica era considerada um “gênero menor”,
posto ser publicada originalmente em jornais, o que fazia com que seu consumo
fosse diário e descartado na mesma velocidade em que era lida. Conforme
os cronistas deram mostras da qualidade do texto, sobretudo após a publica-
ção das crônicas de Machado de Assis, Sérgio Porto, Carlos Drummond de
Andrade e Lourenço Diaféria, o gênero conquistou definitivamente a crítica
literária e migrou do jornal para o livro, em compilações deliciosas como a
série Para Gostar de Ler, que reúne as melhores crônicas dos maiores cro-
nistas brasileiros.
engraçados, por vezes trágicos, do dia a dia das pessoas. Por isso a crônica
discute o prosaico, o rotineiro, o ônibus lotado para dirigir-se ao trabalho, a
fila de embarque nos aeroportos, a conversa de bar entre amigos em uma
happy hour, os percalços do casamento, uma festa infantil no verão carioca.
GÊNERO DRAMÁTICO
Gêneros Literários
I
Tragédia
De acordo com Aristóteles, em sua clássica obra A Arte poética, na qual descreve
os gêneros de composição, a tragédia é:
A imitação de uma ação importante e completa, de certa extensão; num
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estilo tornado agradável pelo emprego separado de cada uma de suas
formas, segundo as partes; ação apresentada, não com a ajuda de uma
narrativa, mas por atores, e que, suscitando a compaixão e o terror, tem
por efeito obter a purgação dessas emoções. Entendo por “um estilo
tornado agradável” o que reúne ritmo, harmonia e canto. Entendo por
“separação das formas” o fato de estas partes serem, umas manifestadas
só pelo metro, e outras, ao contrário, pelo canto. Como é pela ação que
as personagens produzem a imitação, daí resulta necessariamente que
uma parte da tragédia consiste no belo espetáculo oferecido aos olhos;
vêm, em seguida, a música e, enfim, a elocução (ARISTÓTELES, 2004,
p. 248)
Além disso, Aristóteles afirmava que deveria haver unidade na ação e veros-
similhança, já que o poeta não deveria narrar
o que aconteceu, mas sim o que poderia ter
acontecido. Sem dúvida, este foi o gênero
por excelência na Grécia Antiga, em que
nomes importantíssimos produziram tra-
gédias que continuam sendo referências,
tais como: Édipo-rei e Antígona, de Sófocles;
Prometeu Acorrentado, de Ésquilo, e Medeia
e As bacantes, de Eurípedes. A tragédia
apresentava como principais caracterís-
ticas o terror e a piedade que despertava
no público. Para os autores clássicos, era o
©shutterstock
além dos atores, intervinha o coro, que manifestava a voz do bom senso, da
harmonia coletiva, em face da hybris, ou seja, da desmedida dos personagens.
Diferentemente do que ocorre no drama, na tragédia o herói paga por algo que
ele não provocou diretamente a si, uma vez que teve o destino traçado e seu
sofrimento é irrefutável. Por exemplo: Édipo nasce com o destino de matar
o pai, Laios, e se casar com a mãe, Jocasta. A ação de Édipo não é motivada
por ele mesmo e sim por ações do pai, que teve toda sua linhagem de san-
gue condenada ao destino fatal. Édipo, portanto, apenas cumpre seu destino.
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Gêneros Literários
I
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em que reinou na Inglaterra a rainha
Elisabeth I, surgiu o maior dramaturgo,
autor de tragédias depois dos gregos:
William Shakespeare. Embora sua pro-
dução não tenha sido exclusivamente de
tragédias, é nelas que todos reconhecem o
grande gênio do dramaturgo inglês, sobre-
tudo em peças como Romeu e Julieta, Otelo,
Rei Lear, Macbeth e Hamlet, que tanta influ-
ência exerceram em escritores posteriores
a Shakespeare. ©shutterstock
Comédia
A origem da comédia é controversa: alguns estudiosos da cultura clássica afir-
mam que ela surgiu a partir de festas de foliões (daí o nome comédia, derivado do
grego komoidía, ou seja, canto de um grupo de foliões); outros defendem sua ori-
gem em festas em homenagem ao deus Dionísio (deus do vinho). Aristóteles, por
sua vez, afirma que o gênero é oriundo dos cantos fálicos (festas em homenagem
à fecundidade da terra, representada por celebrações e alegorias que imitavam o
membro sexual masculino). O que sabemos, contudo, é que enquanto a tragédia
dizia respeito a deuses, reis e heróis, a comédia centrava-se sobre homens comuns.
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Gêneros Literários
I
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cenário e figurino, indicações sobre a movimentação das personagens em palco,
as atitudes que devem tomar, os gestos que devem fazer ou a entoação de voz
com que devem proferir as palavras. Exemplos:
Trecho da peça Otelo, de Shakespeare:
Fonte: <http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/otelo.html>.
Fonte:<http://www.clickfacil.net/cf_conteudo/artmx_clientes/equipe/arquivos/anexos/1_o_pagador_de_
promessa.pdf>.
Farsa e Auto
Estes gêneros foram muito populares durante o humanismo português, sobre-
tudo devido ao apreço que tinha por ele o escritor Gil Vicente.
Uma farsa é um gênero teatral muito simples, centrado numa única trama
com personagens, cujos vícios são retratados de maneira exagerada para que se
leve o leitor a um final moralizador que tentará convencê-lo de que o bem deve
sempre se sobrepor ao mal. Normalmente, as farsas eram compostas a partir de
motes, ou seja, alguém sugeria ao autor um assunto a partir do qual ele escre-
veria a peça. Em A farsa de Inês Pereira, escrita por Gil Vicente e encenada em
1523 para o Rei D. João III, o mote de que partiu Gil Vicente é o seguinte: mais
vale um asno que me carregue do que um cavalo que me derrube.
Essa será a conclusão a que chegará Inês, visto que ela sempre quis ter marido
rico, mas ao conseguir, só fez ser maltratada por ele. Acaba então por casar-se
novamente com um homem rude, mas que lhe faz todos os gostos.
Gêneros Literários
I
Já o auto é uma composição teatral surgida na Idade Média. Este texto dra-
mático possui linguagem simples, personagens caricatos, elementos cômicos,
intenção religiosa e moralizadora. Alguns casos, como os autos de Camões ou
de D. Francisco Manuel de Melo, a intenção do auto é satirizar pessoas.
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Os autos eram escritos em sua grande maioria em redondilhas, e no caso
dos autos de Gil Vicente, suas personagens representavam virtudes, pecados,
santos, anjos e demônios, além de tipos correntes do medievo, como clérigos,
judeus, mercadores, cortesãs e profissionais especializados (sapateiro, banqueiro,
padeiro etc.).
Devemos ressaltar, porém, que a linguagem utilizada pelo autor pode criar
alguns obstáculos à sua interpretação, uma vez que o português por ele utilizado
traz termos desconhecidos do grande público brasileiro. Versões com glossário
são recomendadas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vimos nesta primeira unidade uma breve introdução aos Estudos Literários.
Procuramos explicar a você a diferença entre cânone e anticânone, suscitando o
debate do porquê algumas obras são alçadas à categoria literária enquanto outras
não. A partir daí, estudamos sobre a literariedade e o subjetivismo que ela carrega.
Já com os devidos conceitos, elencamos as características principais de
alguns gêneros narrativos, como o romance, o conto, a novela, a fábula, a epo-
peia, o apólogo, e de três gêneros dramáticos (a tragédia, a comédia e a farsa).
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Nosso intuito é que você, após a leitura atenta desta unidade, se familiarize com
as bases da literatura, que são a organização composicional dos gêneros e suas
peculiaridades. Sugerimos que faça a atividade de autoestudo de modo a refor-
çar os conceitos vistos até aqui.
Considerações Finais
1. Explique com suas próprias palavras a diferença entre cânone e anticânone.
2. Complete a tabela abaixo, apontando as principais características de cada um
dos gêneros narrativos solicitados:
MATERIAL COMPLEMENTAR
Acesse o site com 708 crônicas escritas pelos escritores mais consagrados do Brasil: <http://
sitenotadez.net/cronicas/>.
O vídeo a seguir, mesmo sendo curto e simples, nos dá belas imagens e explicações acerca do
teatro no mundo antigo.
<http://www.youtube.com/watch?v=PB-xAILAqns>.
O Cânone Ocidental
Harold Bloom
Editora: Objetiva
Sinopse: Uma viagem fascinante pelos grande poetas e escritores do
mundo ocidental. O respeitado ensaísta norte-americano Harold Bloom
desafia o multiculturalismo, o marxismo e o feminismo com o seu livro
O Cânone Ocidental, da editora Objetiva. Considerado uma obra-prima
pela crítica especializada, o livro investiga alguns expoentes da literatura
ocidental - como Shakespeare, Joyce, Beckett, Proust, Neruda, Borges e o contemporâneo Tony
Kushner, entre outros. Sofisticado e polêmico, O Cânone Ocidental causou furor nos meios
intelectuais norte-americanos, alcançando, quando foi lançado nos EUA, o expressivo número de
50 mil exemplares vendidos.
Material Complementar
MATERIAL COMPLEMENTAR
ESTRUTURALISMO E O
II
UNIDADE
FORMALISMO RUSSO
Objetivos de Aprendizagem
■■ Apresentar as bases conceituais do Formalismo Russo e do
Estruturalismo.
■■ Diferenciar essas duas correntes estéticas.
■■ Apresentar os conceitos formalistas e estruturalistas como proposta
de análise da obra literária.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ Formalismo Russo
■■ Problemas da Abordagem Formalista
■■ O Estruturalismo
54 - 55
INTRODUÇÃO
importante que você leia com bastante atenção cada tópico abordado e procure
diferenciar os diversos conceitos trabalhados. Ao fim da unidade propomos,
nas considerações finais, uma revisão de termos formalistas e estruturalistas, de
modo que você não se confunda em meio a tantos termos vistos. É imprescindí-
vel que responda às questões da atividade de autoestudo, pois poderá consolidar
o conhecimento proposto nesta unidade.
Boa leitura!
FORMALISMO RUSSO
Introdução
II
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
filtrado pela sensibilidade daquele que o lê. Além do caráter “sensitivo” da crí-
tica literária na época, inúmeras mudanças sociais eram sentidas na Rússia no
início do século XX, o que contribuiu para a mudança de paradigma proposta
pelos formalistas: seu contexto de eclosão foi marcado pela Revolução Russa,
ligada diretamente à crise do regime czarista.
Essa revolução tinha por bases a formação de uma sociedade – utópica – livre
de classes sociais, com destaque para a abolição da propriedade privada e regu-
lada por um Estado Democrático, calcado em princípios como a razão e a ciência.
Neste sentido, o Formalismo Russo, em sua fase heroica – na qual afirmava seus
valores, ideias e propostas de modo combativo – coincide com o projeto de for-
mação de uma sociedade comunista, o que aconteceu concomitantemente com a
criação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Porém, a ascensão
de Josef Stálin ao poder, em 1923, significou “a distorção e o dilaceramento de
boa parte das utopias proje-
tadas como ideais durante a
fase heróica” (FRANCO JR,
2003, p.94). A partir desta
data, portanto, os jovens
estudiosos que formaram
as bases do pensamento
formalista não se sentiram
confortáveis na Rússia de
Stálin e muitos chegaram a
abandonar o país.
Viktor Chklovsky e Roman Jakobson
Formalismo Russo
II
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Para Roman Jakobson, “a poesia é linguagem em sua função estética”. Como
estudamos na primeira unidade, para os formalistas, o objeto do estudo literá-
rio é a literariedade (JAKOBSON apud SCHAIDERMAN, 1978: ix). É através
dela, segundo os formalistas, que o texto pode ser analisado.
Atenção!
Para os formalistas, a Literariedade seria um resultado da utilização de procedi-
mentos desautomatizados da linguagem, oposto à utilização de procedimentos,
tidos comuns, no uso da linguagem do dia a dia. Para eles, ao desautomatizar a
linguagem, o autor faz do texto, um texto, especial, diferente, portanto artístico e/
ou literário. Ou seja, para os formalistas, a literariedade está embutida no texto e
somente no texto, já que para eles, a linguagem literária é observada como uma
organização especial de palavras e estruturas. Diferente dos críticos pós-estrutu-
ralistas, que não observam o texto literário apenas como uma especial organiza-
ção de palavras e estruturas.
1 O vocábulo fábula, na terminologia formalista, significa um conceito literário e não deve ser confundido
com o gênero narrativo no qual personagens, comumente animais, plantas ou objetos, são utilizados como
alegoria para a compreensão de algum ensinamento de fundo moral.
Contos de fadas
Para exercitar de modo objetivo a diferença
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Formalismo Russo
II
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peita a mãe, entra na floresta e é quase devorada por um lobo mau. Simples assim!
Conceito de Motivação
Agora que já vimos o que são motivos, sigamos pelo conceito de motivação.
Tomachevski define a motivação como “o sistema de procedimentos que justi-
fica a introdução dos motivos particulares e seus conjuntos” (TOMACHEVSKI,
1978, p.184). Além disso, o pensador russo diferencia a motivação em três
subtipos, a saber: motivação composicional, motivação realista e motiva-
ção estética.
A motivação composicional diz respeito ao uso dos motivos, de modo que,
ao lançar mão deles, o autor apenas utilize os motivos de que realmente precisa
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Formalismo Russo
II
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trução do relato e deve beneficiar-se de um esclarecimento particular.
A própria escolha dos temas realistas deve ser justificada esteticamente.
As discussões entre as antigas e novas escolas literárias surgem a partir
da motivação estética. A antiga corrente, tradicional, nega a existência
do caráter estético das novas formas literárias (TOMACHEVSKI, 1978,
pp. 190-191).
Caracterização de Personagens
Tomachevski (1978, p.193) classifica as personagens como suportes vivos para
diferentes motivos. Para o autor, caracterizar uma personagem é torná-la reco-
nhecível, de modo que isto facilite a compreensão leitora. Para tal, divide a
caracterização das personagens em dois grupos: a direta e a indireta. Vejamos
a diferença entre elas:
■■ A caracterização direta pode ser realizada por meio do autor/narrador,
por meio de outras personagens ou por meio de autodescrição.
■■ A caracterização indireta é realizada por meio das ações da personagem.
2 O vocábulo estética, de acordo com o Dicionário de termos Literários, de Massaud Moisés (2004), pode
ser definido como “algo suscetível de perceber-se pelos sentidos; sensação; percepção. Mas também pode
designar o conhecimento da beleza na Arte e na Natureza, a teoria ou Filosofia do Belo, entendendo-se
por Belo o conjunto de sensações experimentadas no contato com a obra de arte” (MOISÉS, 2004, p. 166).
Formalismo Russo
II
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tura por este viés e sim por um prisma dialético, partindo da premissa de que
as formas literárias de vanguarda dialogam com as formas anteriores, por vezes
repetindo elementos que já se configuravam em outros momentos. Eikhenbaum
(1978, pp. 32-33) afirma que
A história acadêmica da literatura se limitava de preferência ao es-
tudo biográfico e psicológico dos escritores isolados (que eram tão
só e certamente “os grandes”). Compreendia-se a evolução como a
ostentação passiva de uma herança que se transmitia de pai a filho,
enquanto a literatura como tal não existia: era substituída por um
material tomado emprestado da história dos movimentos sociais, da
biografia dos escritores etc. Deveríamos instruir as tradições acadê-
micas e nos desembaraçar das tendências da ciência jornalística. Para
os primeiros, seria necessário opor à idéia de evolução literária a da
literatura em si, fora das noções de progresso e de sucessão natural
dos movimentos literários, fora das noções de realismo e romantis-
mo, fora de toda matéria exterior à literatura que consideramos como
série específica de fenômenos. Para os segundos, deveríamos opor aos
fatos históricos concretos, a instabilidade e a variabilidade da forma,
a necessidade de levar em consideração as funções concretas deste ou
daquele procedimento, isto é, de contar com a diferença entre a obra
literária tomada como um certo fato histórico e sua livre interpreta-
ção do ponto de vista das exigências contemporâneas, dos gostos e
dos interesses literários.
O ESTRUTURALISMO
Cabe ressaltarmos a você, aluno(a), que não existe uma única teoria estrutura-
lista e sim teorias estruturalistas. O que fizemos no presente livro foi compilar
as mais importantes delas e citar uma bibliografia de apoio para que você possa
se aprofundar no estudo de alguns métodos estruturais. Neste momento, você
deve estar se perguntado o motivo das teorias estruturalistas terem sido coloca-
das na mesma unidade do formalismo russo, e o motivo para tal é que a análise
da obra literária, por meio do escopo estrutural e do formal, acaba sendo bas-
tante parecida – e por que não – complementar.
Grosso modo, enquanto a forma para os formalistas está intrinsecamente rela-
cionada ao significado, para os estruturalistas, a estrutura é a condição primordial
para que o significado seja compreendido – ou seja – a estrutura contribui para
que o significado da obra literária apareça. De acordo com Bonnici (2003, p.110),
©shutterstock
“o Estruturalismo é, portanto,
uma prática interpretativa
que procura certa ordem e
inteligibilidade nas inúmeras
possibilidades de padrões do
texto”, e continua informando
que um crítico estruturalista
procura “isolar os padrões significativos de signos a partir dos quais poderá chegar a
conclusões sobre o significado e a cultura que estão sendo transmitidos e pesquisados”.
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A LINGUÍSTICA E O ESTRUTURALISMO
Você deve se recordar da teoria saussuriana, certo? Caso a resposta tenha sido
negativa, recapitularemos: os significantes são as palavras, escritas ou faladas: flor,
mulher, pedra. No entanto, essas mesmas palavras são grafadas diferentemente
em outras línguas (flower, woman, rock, em língua inglesa; fiore, donna, pietra,
em língua italiana). Se o significado é o mesmo e o significante é distinto em lín-
guas distintas, percebemos, portanto, que a relação entre significado e significante
é arbitrária, ou seja, não motivada. Segundo Saussure, se não há relação entre
o significante e o significado, a origem do significante decorre de uma diferen-
ciação, ou seja, o sistema de linguagem está baseado na troca de letras criando
diferentes significantes, que por sua vez também criam diferentes significados.
Como exemplo, podemos citar a sequência mata, pata, nata, rata, gata, na qual
apenas o primeiro fonema é diferente, criando significados distintos.
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ESTRUTURALISMO LITERÁRIO
O Estruturalismo
II
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
rença: “Por si só, cada item não possui nenhum sentido; adquire sentido a partir
do sistema de signos em que funciona, ou seja, a partir da diferença de outros
signos. O item cultural não tem nenhum sentido intrínseco; depende de todo o
sistema para possuir sentido” (BONNICI, 2003, p. 111).
A partir das contribuições de Saussure e de Lévi-Strauss, Roland Barthes, em
Mythologies, de 1957, e Claude Bremond, em La logique dês possibles narratifs e
Logique du récit, publicadas respectivamente em 1966 e 1973, tentaram encon-
trar uma gramática universal da narrativa.
A partir de suas contribuições para o Estruturalismo, criaram-se os mode-
los de Barthes e de Bremond.
MODELO DE TODOROV
Desequilíbrio
Força Força
Equilíbrio Equilíbrio
Fonte: o autor
O Estruturalismo
II
Clímax
Fonte: o autor
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NARRATOLOGIA
O Estruturalismo
II
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1. Narrador extradiegético: que está fora da narrativa – terceira pessoa.
2. Narrador intradiegético: que é também um personagem – primeira pessoa.
O narrador intradiegético e o narrador extradiegético podem contar
a própria ou a história de outrem. O narrador heterodiegético conta a
história de outra personagem (não a história dele próprio); o narrador
que conta a própria história ou, de algum modo, participa da narrativa,
é chamado homodiegético. O grau de participação de narradores ho-
modiegéticos (quer extradiegéticos quer intradiegéticos) pode variar
muito. Às vezes o narrador tem o papel principal e narra sua própria
narrativa (é um narrador autodiegético) (BONNICI, 2003, p. 118).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerações Finais
II
SÍNTESE DO ESTRUTURALISMO
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
a um movimento que fez da estrutura formal do texto o sentido exclusivo
da literatura para o crítico.
■■ Entendeu o homem como uma estrutura da linguagem – um formalismo
de ordem inconsciente domina os comportamentos humanos e se realiza
neles sem que eles saibam.
■■ Para Roland Barthes e Gérard Genette, uma narrativa é uma estrutura
funcional descritível, que jamais tem a função de representar algo, con-
forme propõe a teria da mimese.
■■ O conteúdo da narrativa faz parte de sua estrutura e a narrativa refere-
se a si mesma.
■■ Portanto, a estrutura das relações é mutável e as unidades individuais
são substituíveis.
Considerações Finais
1. Defina, com suas palavras, o que é a análise imanente da literatura, preconizada
pelo Formalismo Russo.
2. Quais são as diferenças basilares entre o Formalismo e o Estruturalismo?
3. Diferencie, objetivamente, a fábula da trama.
76 - 77
MATERIAL COMPLEMENTAR
Material Complementar
Professor Dr. Silvio Ruiz Paradiso
Professora Me. Roberta Fresneda Villibor
O GÊNERO NARRATIVO E
III
UNIDADE
SEUS OPERADORES
Objetivos de Aprendizagem
■■ Conhecer os principais operadores de análise do gênero narrativo.
■■ Conhecer os conceitos dos elementos constitutivos de uma narrativa,
tais como, enredo, personagens, tempo, espaço etc.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ O Gênero Narrativo e seus Operadores
■■ Enredo
■■ Nó, Clímax e Desfecho
■■ Personagens
■■ Autor, Narrador e Foco Narrativo
■■ Tempo
■■ Espaço
80 - 81
INTRODUÇÃO
Introdução
III
ENREDO
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
plo, construir narrativas que comecem diretamente no desenvolvimento, ou que
não contenham clímax, ou em que o desfecho não seja claro.
■■ Partes do enredo:
Equilíbrio inicial ou exposição: corresponde à introdução do texto, em
que são apresentadas as personagens, o tempo, o espaço e as linhas bási-
cas da história que comporão o desenvolvimento. Serve para situar o
leitor acerca do que virá adiante.
Desenvolvimento ou complicação: a partir de um fato que romperá com
o equilíbrio inicial da trama, inicia-se o desenvolvimento, em que todos
os demais elementos da narrativa vão surgindo aos poucos, criando os
laços entre as personagens, apresentando os conflitos vividos por elas até
que estes cresçam em tensão e levem o leitor ao clímax da obra.
Clímax: ponto máximo de tensão do texto; é o momento em que o lei-
tor, já tendo acompanhado o desenrolar da trama, se pergunta como irá
terminar a história, qual será o desfecho dos personagens. Nas narrativas
tradicionais, todos os demais elementos são pensados para se conduzir
o leitor ao clímax, pois isso é o que garante o interesse dele na história.
Desfecho: é o final da narrativa, em que os fatos são resolvidos e, no caso
das narrativas tradicionais, o equilíbrio inicial é retomado. Embora no
Brasil haja um especial apreço por desfechos felizes, na prática, o desfe-
cho pode ser feliz, trágico, cômico, surpreendente e até aberto, o que é
muito comum em narrativas a partir de meados do século XX.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
momento em que a personagem principal, contrariando a mãe, segue por um
caminho alternativo no meio da floresta e, como consequência disto, acaba
encontrando o Lobo Mau. Caso Chapeuzinho tivesse seguido pelo caminho
indicado pela mãe, provavelmente não haveria conflito dramático, uma vez
que ela chegaria à casa da avó, deixaria os doces e retornaria para a casa da
mãe, possivelmente em segurança. Nos textos dramáticos, principalmente
nas Tragédias, o nó é fundamental, já que é a partir dele que nasce a hamar-
tia (o erro trágico).
Clímax: é o ponto em que o conflito dramático alcança seu auge, “momento
do tudo-ou-nada entre as forças contrárias que agem e se defrontam na nar-
rativa, engendrando e desenvolvendo a história” (FRANCO JR, 2003, p.43).
No clímax, instaura-se um momento de expectativa sobre o que vai acontecer
daquele ponto para frente, o que faz com que essa suspensão temporária dos
acontecimentos aumente ao máximo a tensão. Citando novamente o conto
de fadas Chapeuzinho Vermelho, o clímax da história acontece justamente no
momento em que Chapeuzinho questiona o Lobo Mau – travestido de vovó
e deitado na cama da velha senhora. A sequência de perguntas leva o leitor a
um momento de suspense máximo, apenas quebrado pela última resposta do
Lobo, negritada no texto transcrito a seguir:
- Vovó, que orelhas grandes você tem! - Chapeuzinho Vermelho disse para o lobo.
- É para melhor te escutar!
- E que pernas mais compridas você tem!
- É para poder correr melhor, netinha!
- E olhos grandes você tem!
PERSONAGENS
São os seres que viverão os fatos narrados no enredo e, quanto à sua participação
no enredo, podem ser classificados como protagonistas, antagonistas e secundá-
rios. Vejamos agora algumas especificidades de cada um deles:
Protagonistas: são os personagens principais, em torno dos quais gira o
enredo. Uma obra pode ter um ou mais protagonistas, dependendo de sua
extensão. Este protagonista pode comportar-se como herói, quando apresenta
características superiores às do grupo em que está inserido, tais como Peri, da
obra O Guarani, ou Ulisses, de A Odisseia, de Homero. Entretanto, o protagonista
também pode comportar-se como anti-herói, quando apresenta características
comuns ao seu grupo ou inferiores a ele, ou seja, ele está ocupando o posto de
herói sem realmente ter as características necessárias para isso. Alguns anti-heróis
são famosíssimos nas literaturas brasileira e universal, tais como: Leornardinho,
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flito e dificultando a vida do protagonista.
Nas histórias mais clássicas, em que suas
características são bem marcadas, é conhe-
cido como vilão. É o caso do Major Vidigal
em Memórias de um Sargento de Milícias, do
policial Javert, em Os Miseráveis, mas tam-
bém é preciso lembrar que em várias obras,
a função de antagonista pode ser desempe-
nhada não por uma personagem humana,
como é o caso do mar na obra O velho e o
Mar, de Ernest Hemmingway, ou até por
outro elemento da narrativa, como é o caso
Moby Dick, a baleia, é antagonista do romance
do espaço, que figura como antagonista das homônimo, de Herman Melville.
personagens em Vidas Secas, de Graciliano
Ramos. Além disso, nem sempre o antagonista é vilão, como é o caso de Macduff
em Macbeth, ou o polêmico Shylock, de O Mercador de Veneza.
Secundários: ocupam o segundo plano da história e desempenham papéis
menores que dão suporte às ações dos personagens principais. Alguns, apesar
de aparecerem pouco durante a obra, acabam se tornando peças-chave para jus-
tificar ações e comportamentos dos protagonistas e antagonistas, esse é o caso,
por exemplo, de José Dias, em D. Casmurro.
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de Christopher Marlowe; Shylock, de William Shakespeare, em O Mercador de
Veneza (1600), e, por fim, Fagin, em Oliver Twist (1838), de Charles Dickens.
Disponível em: <http://seer.fafiman.br/index.php/dialogosesaberes/article/
viewFile/166/108>.
Alter ego ou alterego (do latim alter = outro egus = eu) pode ser entendido literalmente como outro eu,
1
outra personalidade de uma mesma pessoa. O narrador ou outro personagem pode ser o alterego do
autor, como Emília e Monteiro Lobato.
Observador Onisciente Neutro: tipo mais comum de narrador, ele fica de fora
da história e se limita a contar os fatos, sem interferir neles, ou seja, não faz jul-
gamentos sobre os fatos narrados. Possui duas atribuições que lhe facilitam muito
contar a história: é onipresente (esteve em todos os locais onde a história ocor-
reu) e onisciente (sabe tudo o que os personagens pensaram e sentiram, pois pode
“ler” suas mentes), por isso, às vezes é conhecido como narrador-deus. Está pre-
sente em obras como Senhora, Quincas Borba, O Tempo e o Vento.
Observador Onisciente Intruso: possui as mesmas características bási-
cas do tipo anterior, mas interfere na história narrada, comentando os fatos e
fazendo julgamento sobre as ações das personagens. Aparece em romances como
Memórias de um Sargento de Milícias, Triste fim de Policarpo Quaresma.
Onisciente seletivo: é um tipo de foco em que há uma grande presença de
discurso indireto-livre, ou seja, os pensamentos saem diretamente da cabeça
da personagem, sem muitos filtros. É tipo comum, por exemplo, nas obras de
Clarice Lispector, tais como nos contos Amor, O búfalo, A imitação da rosa,
Laços de Família, da obra Laços de Família. Mais raramente essa onisciência
pode ser multisseletiva, ou seja, há vários narradores com essa característica
contando a mesma história, como é o caso dos personagens da obra Vidas Secas,
de Graciliano Ramos.
■■ Focos Narrativos em Primeira Pessoa
verossimilhança que atinge, já que ele presenciou os fatos narrados, o que con-
fere a eles credibilidade. Sua desvantagem é que ele não possui onisciência, ou
seja, ele sabe apenas o que as personagens fizeram, mas não o que pensaram, já
que não tem acesso a essa informação. Alguns narradores clássicos deste foco
são: Bentinho, de D. Casmurro; Paulo Silva, de Lucíola; Paulo Honório, de São
Bernardo; Werther, da obra homônima de Goethe, dentre tantos outros.
Narrador testemunha: não é o personagem principal da história, assim sendo,
assume a primeira pessoa para narrar uma história protagonizada por outro, mas
da qual ele teve participação. Seu ponto de vista é mais limitado. Alguns exem-
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plos famosos estão nas obras Memorial de Aires, de Machado de Assis e O nome
da Rosa, de Humberto Eco.
TEMPO
ESPAÇO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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prática e reflexão, e para tanto, exigem-se atividades constantes de análise tex-
tual. Logo, sugerimos uma atividade de autoestudo que te possibilitará explorar
o texto narrativo e seus principais elementos aqui estudados.
dos meus mais simples e mais puros prazeres. Com a minha aversão àquele gato,
porém, sua predileção por mim parecia aumentar. Acompanhava meus passos com
uma pertinácia que o leitor dificilmente compreenderá. Em qualquer parte onde me
sentasse, enroscava-se ele debaixo de minha cadeira ou pulava sobre meus joelhos,
cobrindo-me com suas carícias repugnantes. Se me levantava para andar, metia-se
entre meus pés, quase a derrubar-me, ou cravando suas longas e agudas garras em
minha roupa, subia dessa maneira até o meu peito. Nessas ocasiões, embora tivesse
o desejo ardente de matá-lo com uma pancada, era impedido de fazê-lo, em parte
por me lembrar de meu crime anterior mas, principalmente - devo confessá-lo sem
demora -, por absoluto pavor do animal. Esse pavor não era exatamente um pavor
de mal físico e, contudo, não saberia como defini-lo de outra forma. Tenho quase
vergonha de confessar - sim, mesmo nesta cela de criminoso, tenho quase vergonha
de confessar que o terror e o horror que o animal me inspirava tinham sido aumenta-
dos por uma das mais simples quimeras que seria possível conceber. Minha mulher
chamara mais de uma vez minha atenção para a natureza da marca de pêlo branco
de que falei e que constituía a única diferença visível entre o animal estranho e o
que eu havia matado. O leitor há de recordar-se que esta mancha, embora grande,
fora a princípio de forma bem imprecisa. Mas por leves gradações, gradações quase
imperceptíveis e que, durante muito tempo, a razão forcejou para rejeitar como ima-
ginárias, tinha afinal assumido uma rigorosa precisão de contorno. Era agora a repro-
dução de um objeto que tremo em nomear e por isso, acima de tudo, eu detestava e
temia o monstro e ter-me-ia livrado dele, se o ousasse. Era agora, digo, a imagem de
uma coisa horrenda, de uma coisa apavorante. . . a imagem de uma forca!
Oh, lúgubre e terrível máquina de horror e de crime, de agonia e de morte! E então eu
era em verdade um desgraçado, mais desgraçado que a própria desgraça humana. E
um bronco animal, cujo companheiro eu tinha com desprezo destruído, um bronco
animal preparava para mim - para mim, homem formado à imagem do Deus Altís-
simo - tanta angústia intolerável! Ai de mim! Nem de dia nem de noite era-me dado
mais gozar a bênção do repouso! Durante o dia, o bicho não me deixava um só mo-
mento e, de noite, eu despertava, a cada instante, de sonhos de indizível pavor, para
sentir o quente hálito daquela coisa no meu rosto e o seu enorme peso, encarnação
de pesadelo, que eu não tinha forças para repelir, oprimindo eternamente o meu co-
ração! Sob a pressão de tormentos tais como estes, os fracos restos de bondade que
haviam em mim sucumbiram. Meus únicos companheiros eram os maus pensamen-
tos, os mais negros e maléficos pensamentos. O mau-humor de meu temperamento
habitual aumentou, levando-me a odiar todas as coisas e toda a humanidade. Minha
resignada esposa, porém, era a mais constante e mais paciente vítima das súbitas,
freqüentes e indomáveis explosões de uma fúria a que eu agora me abandonava ce-
gamente. Certo dia ela me acompanhou, para alguma tarefa doméstica, até a adega
do velho prédio que nossa pobreza nos compelira a ter de habitar. O gato desceu os
degraus seguindo-me e quase me lançou ao chão, exasperando-me até a loucura.
Erguendo um machado e esquecendo na minha cólera o medo pueril que tinha até
ali sustido minha mão, descarreguei um golpe no animal, que teria, sem dúvida, sido
instantaneamente fatal se eu o houvesse assestado como desejava. Mas esse golpe
foi detido pela mão de minha mulher. Espicaçado por essa intervenção, com uma rai-
va mais do que demoníaca, arranquei meu braço de sua mão e enterrei o machado
no seu crânio. Ela caiu morta imediatamente, sem um gemido.
Executado tão horrendo crime, logo e com inteira decisão entreguei-me à tarefa de
ocultar o corpo. Sabia que não podia removê-lo da casa nem de dia nem de noite,
sem correr o risco de ser observado pelos vizinhos. Muitos projetos me atravessa-
vam a mente. Em dado momento pensei em cortar o cadáver em pedaços miúdos
e queimá-los. Em outro, resolvi cavar uma cova para ele no chão da adega. De novo,
deliberei lançá-lo no poço do pátio, metê-lo num caixote, como uma mercadoria,
com os cuidados usuais, e mandar um carregador retirá-lo da casa. Finalmente, deti-
ve-me no que considerei um expediente bem melhor que qualquer um destes. De-
cidi emparedá-lo na adega, como se diz que os monges da Idade média empareda-
vam suas vítimas. Para um objetivo semelhante estava a adega bem adaptada. Suas
paredes eram de construção descuidada e tinham sido ultimamente recobertas, por
completo, de um reboco grosseiro, cujo endurecimento a umidade da atmosfera
impedira. Além disso, em uma das paredes havia uma saliência causada por uma
falsa chaminé ou lareira que fora tapada para não se diferençar do resto da adega.
Não tive dúvidas de que poderia prontamente retirar os tijolos naquele ponto, in-
troduzir o cadáver e emparedar tudo como antes, de modo que olhar algum pudes-
se descobrir qualquer coisa suspeita. E não me enganei nesse cálculo. Por meio do
um gancho, desalojei facilmente os tijolos e, tendo cuidadosamente depositado o
corpo contra a parede interna, sustentei-o nessa posição, enquanto, com pequeno
trabalho, repus toda a parede no seu estado primitivo. Tendo procurado argamassa,
areia e fibra, com todas as precauções possíveis, preparei um estuque que não podia
ser distinguido do antigo e com ele, cuidadosamente, recobri o novo entijolamento.
Quando terminei, senti-me satisfeito por ver que tudo estava direito. A parede não
apresentava a menor aparência de ter sido modificada. Fiz a limpeza do chão, com o
mais minucioso cuidado. Olhei em torno com ar triunfal e disse a mim mesmo: “Aqui,
pelo menos pois, meu trabalho não foi em vão!” Tratei, em seguida, de procurar o
animal que fora causa de tamanha desgraça, pois resolvera afinal decididamente
matá-lo. Se tivesse podido encontrá-lo naquele instante, não poderia haver dúvida
a respeito de sua sorte. Mas parecia que o manhoso animal ficara alarmado com a
violência de minha cólera anterior e evitava arrostar a minha raiva do momento.
É impossível descrever ou imaginar a profunda e abençoada sensação de alívio que
a ausência da detestada criatura causava no meu íntimo. Não me apareceu durante
a noite. E assim, por uma noite pelo menos, desde que ele havia entrado pela casa,
dormi profunda e tranqüilamente. Sim, dormi, mesmo com o peso de uma morte na
alma. O segundo e o terceiro dia se passaram e, no entanto, o meu carrasco não apa-
receu. Mais uma vez respirei como um livre. Aterrorizado, o monstro abandonara a
casa para sempre! Não mais o veria! Minha ventura era suprema! Muito pouco me
98 - 99
perturbava a culpa de minha negra ação. Poucos interrogatórios foram feitos e tinham
sido prontamente respondidos. Dera-se mesmo uma busca, mas, sem dúvida, nada foi
encontrado. Considerava assegurada a minha futura felicidade. No quarto dia depois
do crime, chegou, bastante inesperadamente à casa um grupo de policiais, que pro-
cedeu de novo a investigação dos lugares. Confiando, porém, na impenetrabilidade
do meu esconderijo, não senti o menor incômodo. Os agentes ordenaram-me que os
acompanhasse em sua busca. Nenhum escaninho ou recanto deixaram inexplorado.
Por fim, pela terceira ou quarta vez, desceram à adega. Nenhum músculo meu estre-
meceu. Meu coração batia calmamente, como o de quem dorme o sono da inocência.
Caminhava pela adega de ponta a ponta; cruzei os braços no peito e passeava tran-
qüilo para lá e para cá. Os policiais ficaram inteiramente satisfeitos e prepararam-se
para partir. O júbilo de coração era demasiado forte para ser contido. Ardia por dizer
ao menos uma palavra, a modo de triunfo, e para tornar indubitavelmente segura a
certeza neles de minha inculpabilidade. - Senhores - disse, por fim, quando o grupo
subia a escada - sinto-me encantado por ter desfeito suas suspeitas. Desejo a todos
saúde e um pouco mais de cortesia. A propósito, cavalheiros, esta é uma casa muito
bem construída. . . (no meu violento desejo de dizer alguma coisa com desembaraço,
eu mal sabia o que ia falando). Posso afirmar que é uma casa excelentemente bem
construída. Estas paredes... já vão indo, senhores?. . . estas paredes estão solidamente
edificadas. Por simples frenesi de bravata, bati pesadamente com uma bengala que
tinha na mão justamente naquela parte do entijolamento, por trás do qual estava o
cadáver da mulher de meu coração. Mas praza a Deus proteger-me e livrar-me das
garras do demônio! Apenas mergulhou no silêncio a repercussão de minhas panca-
das e logo respondeu-me uma voz do túmulo. Um gemido, a princípio velado e entre-
cortado como o soluçar de uma criança, que depois, rapidamente se avolumou, num
grito prolongado, alto e contínuo, extremamente anormal e inumano, um urro, um
guincho lamentoso, meio de horror e meio de triunfo, como só do Inferno se pode
erguer a um tempo, das gargantas dos danados na sua agonia, e dos demônios que
exultam na danação.
Loucura seria falar de meus próprios pensamentos. Desfalecendo, recuei até a pa-
rede oposta. Durante um minuto, o grupo que se achava na escada ficou imóvel,
no paroxismo do medo e do pavor. Logo depois, uma dúzia de braços robustos se
atarefava em desmantelar a parede. Ela caiu inteiriça. O cadáver, já grandemente
decomposto, e manchado de coágulos de sangue, erguia-se, ereto, aos olhos dos
espectadores. Sobre sua cabeça, com a boca vermelha escancarada, o olho solitário
chispante, estava assentado o horrendo animal cuja astúcia me induzira ao crime e
cuja voz delatora me havia apontado ao carrasco.
Eu tinha emparedado o monstro no túmulo!
Fonte: Edição especial para distribuição gratuita pela Internet, através da Virtualbooks. Disponível
em:<http://www.ufrgs.br/soft-livre-edu/vaniacarraro/files/2013/04/o_gato_preto-allan_poe.pdf>.
Responda:
1. De que tipo é o narrador do texto? Em que isso influencia a percepção do leitor
sobre a obra?
2. Quem são os personagens do conto? São redondos, planos, caricatos?
3. Há muitos símbolos no conto. Você pode citar alguns e explicar a relevância de-
les no enredo?
4. Qual é o nó, o clímax e o desfecho da narrativa? Cite excertos para fundamentar
sua resposta.
5. O conto possui um ambiente gótico, típico dos contos poeanos. Retire do texto
dez vocábulos que auxiliam a construção de um ambiente de terror e suspense.
6. A ambientação de O Gato Preto é reflexiva, a partir da mente doentia do prota-
gonista-narrador. Mas, em se tratando de espaço, onde acontecem a narrativa e
a narração, respectivamente?
100 - 101
MATERIAL COMPLEMENTAR
Spoiler tem origem no verbo spoil, que significa estragar, e é um termo de origem inglesa. Spoiler é quando
2
alguma fonte revela informações sobre o conteúdo de algum livro, ou filme, sem que a pessoa tenha visto. O
spoiler é uma espécie de estraga-prazeres, pois ele é aquele indivíduo que conta os finais, ou o que vai ocorrer
com determinado personagem em filmes, séries, livros, sem saber se a outra pessoa realmente quer saber.
Material Complementar
Professor Dr. Silvio Ruiz Paradiso
Professora Me. Roberta Fresneda Villibor
IV
UNIDADE
OPERADORES
Objetivos de Aprendizagem
■■ Entender as relações entre lirismo, poética e poesia.
■■ Observar e conhecer os operadores de leitura poética, como a rima
e o ritmo, o verso, a escansão, a métrica, bem como as principais
figuras de linguagem.
■■ Conhecer e reconhecer as principais formas poéticas.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ O Lirismo
■■ O Verso
■■ A Escansão
■■ A métrica
■■ Ritmo e Rima
■■ Figuras de Linguagem
■■ Formas poéticas
104 - 105
INTRODUÇÃO
O LIRISMO
Você sabe o que é lirismo? Se não sabe, tenho que dizer que, provavelmente, já
o praticou.
Alguma vez, apaixonado(a), já exaltou seu sentimentos pessoais acerca
da(o) amada(o)? Sim? Então agora você já sabe o que é lirismo: A exaltação dos
Introdução
IV
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Dionísio de Halicarnasso, Petrônio, Lucano etc. De acordo com Massaud Moisés,
em seu livro A Criação Literária – Poesia (1984), estes pensadores, no geral, dis-
tinguiam a poesia (O gênero lírico) da prosa (O gênero narrativo), pelo fato da
primeira exprimir-se em verso.
Contudo, Moisés (2004) pontua que a diferença entra prosa e poesia não está
apenas nas posições das palavras, isto é, em estar em verso ou não, mas no foco,
já que “a poesia tem por objeto o ‘eu’, enquanto a prosa, o "não-eu".
[...] a poesia é a comunicação, a expressão do “eu”. Como a palavra é
signo literário por excelência, inferimos que a poesia é a expressão do
“eu” pela palavra. Para bem compreender o significado desse conceito,
importa salientar que dois verbos servem para exprimir a situação que o
poeta assume em face do mundo: ser e ver. Na perspectiva do primeiro,
o “eu” poético exerce ao mesmo tempo dupla função, a de espectador e
a de ator, isto é, simultaneamente sujeito e objeto (MOISES, 2004, p.85).
“Não há ninguém, mesmo sem cultura, que não se torne poeta quando o
Amor toma conta dele” (Platão)
seguinte, o Classicismo.
Desse modo, veremos na
sequência as estruturas que
marcam o gênero lírico em
suas mais diversas formas. ©shutterstock
O VERSO
Em latim, a palavra versus (que deu origem a verso) significava uma linha, um
sulco; assim convencionou-se chamar de verso a sequência de palavras, numa
determinada extensão, que organizam um poema, ou seja, a cada uma das linhas
de um poema chamamos verso.
Ocorre que a cada época distinta, os versos sofreram modificações em sua
estrutura e estilo, saindo de versos com quantidade fixa de sílabas (5 ou 7, na poesia
medieval; 10 na poesia clássica e assim por diante) para chegar aos versos de tama-
nhos e formatos distintos encontrados nas poesias moderna e contemporânea.
Ao conjunto de versos chamamos estrofe, elemento que pode variar de poema
para poema, ou seja, há poemas de estrofe única e poemas com várias estrofes.
Além disso, as estrofes também variam de tamanho: dois versos – dístico; três
versos – terceto; quatro versos – quarteto; cinco versos – quinteto; seis versos
– sexteto e assim por diante. Já em relação ao tamanho do verso utilizado pelo
O Verso
IV
poeta, chama-se metro, portanto quando se vai falar acerca do tipo de verso de
cada estilo literário, fala-se em métrica.
A ESCANSÃO
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contar o número de sílabas do verso. Nesse contexto, é importante lembrar que
a contagem de sílabas poéticas difere da contagem gramatical; isso porque gra-
maticalmente falando contamos todas as sílabas das palavras, mas na contagem
poética, contamos apenas até a sílaba tônica da última palavra do verso. Além
disso, nas sílabas poéticas, levamos em conta a pronúncia, o que pode fazer com
que sílabas gramaticalmente separadas possam ser tratadas como uma só sílaba,
já que sonoramente se pronunciam juntas; ou que sons que deveriam estar em
uma única sílaba sejam pronunciados separadamente. Vejamos os célebres ver-
sos de Camões:
“Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer”
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
“A/mor/ é/ fo/go/ que/ ar/de/ sem/ se/ ver;
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
É/ fe/ri/da/ que/ dói/ e/ não/ se/ sen/te;
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
É/ um/ con/ten/ta/men/to/ des/con/ten/te
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
É/ dor/ que/ de/sa/ti/na/ sem/ do/er”
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
1“A/mor/ é/ fo/go/ que ar*/de/ sem/ se/ ver;
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1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
2 É/ fe/ri/da/ que/ dói/ e/ não/ se/ sen/te;
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
3 É/ um/ con/ten/ta/men/to/ des/con/ten/te
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
4 É/ dor/ que/ de/sa/ti/na/ sem/ do/er”
Veja, pois, que as sílabas “que” e “ar”, do verso um, que são gramaticalmente
separadas, são lidas juntas, contando assim como uma só sílaba poética [cha-
mamos isto de elisão].
Já nos versos 2 e 3, as sílabas destacadas são desprezadas na contagem métrica,
pois estão depois da sílaba tônica da palavra. Isso faz com que o poema, embora
tenha número diferente de sílabas gramaticais em cada verso, tenha neles o
mesmo número de sílabas poéticas: 10.
A Escansão
IV
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“De amor” = De a/mor
“Depois que a banda passou” = .../quea/...
Contudo, se a palavra termina por nasal e a seguinte começa por vogal,
pode acontecer a supressão da ressonância nasal para permitir a elisão. Este
artifício é chamado de Elipse. Exemplo:
“Co’a face na mão eu te vejo ao luar” - com a = co’a
“A virge’ a não quer deixar”
O hiato, isto é, dois sons vocálicos, estão em sílabas vizinhas, sendo duas
vogais que se repelam e permanecem independentes, também precisam
ser observadas na escansão, a fim de metrificar corretamente.
“Meu Deus! Meu Deus! Mas que bandeira é esta...” = .../é esta/...
Já a sinerese é a junção de vogais no interior de uma palavra, ou em outras
palavras, é a transformação de um hiato em ditongo:
“Um raio a fecundá-la...” – um/raí/oa/fé/cun/dá/la
“Em comer os hiatos!” – em/co/mer/os/hia/tos
Por fim, a dierése é, de uma forma simples, a transformação de um ditongo
num hiato.
“Saudade! gosto amargo de infelizes” = Sa/u/da/de.
Esses recursos visam o aumento ou diminuição do número de sílabas poé-
ticas. A escolha das palavras leva em consideração estes quatro elementos.
A MÉTRICA
Quanto aos metros, existe uma grande variedade. Normalmente, até 12 sílabas
poéticas (tipo mais raro) costuma-se contar como métrica fixa, a partir disso
considera-se versos livres, ou seja, não metrificados. Isso porque quando o
poeta usa um metro maior do que 12, via de regra, ele o faz em um texto em
que cada verso possui número de sílabas diferentes. Vejamos então os tipos
de metros:
Uma sílaba: tipo pouco comum, vê-se no poema a seguir, de Cassiano
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Ricardo. Observe que o autor usou a síntese dos versos como forma de reforçar
a ideia já expressa pelo título:
Serenata Sintética
Rua
Torta.
Lua
Morta.
Tua
Porta.
Duas sílabas: também constituem versos pouco usuais. Observe que o poema
concreto a seguir, de Augusto de Campos, tem dois versos monossílabos — o
primeiro e o último — os demais são dissílabos. Desse modo, o poeta consegue
fazer com que a forma do texto relacione-se com o sentido, o que era um pres-
suposto da poesia concreta, movimento estético ao qual pertenceu Augusto de
Campos e do qual ele foi fundador. Veja que a partir da palavra forma, que ele
toma como base, Campos constrói várias outras, derivadas da primeira, mas
garantindo que tudo, após “transformado”, volte à mesma forma.
A Métrica
IV
forma
reforma
disforma
transforma
conforma
informa
forma
Três sílabas: tipo de verso mais musical, ritmado, já que haverá mais de uma
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sílaba tônica no verso. Aliás, a partir daqui já se pode introduzir um novo con-
ceito, o Esquema Rítmico (E.R), que consiste em observar a alternância entre
sílabas fortes e fracas dentro dos versos. Nos trissílabos, o E.R é 3 (1-3), ou seja,
com ênfase na primeira e terceira sílabas. Observe isso no excerto do texto Trem
de Ferro, de Manuel Bandeira:
“Bota fogo
Na fornalha
que eu preciso
Muita força
Muita força
Muita força
Muita força”
Nesse poema, Bandeira usa uma métrica variada, mas toda ela foi trabalhada
com a intenção de que a sonoridade do poema evoque a sonoridade de um trem
em movimento, desde a partida mais lenta até o ponto em que ele está em velo-
cidade. Nesse momento aqui destacado, a métrica contribui para sentirmos que
o trem está começando a ganhar velocidade. É fácil perceber isso quando con-
trapomos este trecho ao primeiro, cujo metro é diferente, observe o início do
poema, até o ponto que destacamos anteriormente:
Trem de Ferro
1 Ca/fé/ com /pão
2 Café com pão
3 Café com pão
4 Virge Maria que foi isso maquinista?
5 Agora sim
6 Café com pão
7 Agora sim
8 Voa, fumaça
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9 Corre, cerca
10 Ai seu foguista
11 Bota fogo
12 Na fornalha
13 Que eu preciso
14 Muita força
15 Muita força
16 Muita força
Repare que os três primeiros versos dão a nítida sensação de ver o trem entrando
em movimento. O verso quatro, de metro maior, reproduz o apito do trem (o
que é conseguido também com o trabalho da repetição do som vocálico i). Veja
que o verso remete à ideia de que o trem está ganhando velocidade o que vai se
reforçando nos versos subsequentes.
Quatro sílabas: este tipo de verso possui vários esquemas rítmicos diferen-
tes, o que possibilita ao autor brincar com a sonoridade do texto, flexibilizando
as palavras que ele pretende evidenciar. Observe:
A Métrica
IV
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
E a/go/ra/, Jo/sé?
A/ fes/ta a/ca/bou,
a/ luz/ a/pa/gou,
o/ po/vo/ su/miu,
a/ noi/te es/fri/ou,
e a/go/ra/, Jo/sé?
e a/go/ra/, vo/cê?
Como se pôde ver, esse metro é altamente musical, por isso foi tão amplamente
usado na época medieval e também por isso foi retomado por autores dos mais
variados períodos que pretendiam evocar a musicalidade em seus versos. Observe,
por exemplo, que no texto a seguir, de Gonçalves Dias, a cadência ditada pela
métrica evoca os tambores indígenas:
I
Não chores, meu filho;
Não chores, que a vida
É luta renhida:
Viver é lutar.
A vida é combate,
Que os fracos abate,
II
Um dia vivemos!
O homem que é forte
Não teme da morte;
Só teme fugir;
No arco que entesa
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III
O forte, o cobarde
Seus feitos inveja
De o ver na peleja
Garboso e feroz;
E os tímidos velhos
Nos graves concelhos,
Curvadas as frontes,
Escutam-lhe a voz!
Seis sílabas: assim como os versos de cinco sílabas, esses também são extrema-
mente musicais. Desse modo, muitos foram os poetas que deles fizeram uso para
criar a sonoridade em seu texto. Manuel Bandeira, por exemplo, embora não fosse
um poeta que utilizasse sempre métricas regulares, utilizou esse tipo de verso
em seus poemas a fim de reforçar neles a musicalidade. Um dos clássicos textos
em que Bandeira faz este uso é o poema Debussy. Trata-se de um texto muito
singelo, quase ingênuo, em que se vê retratada uma criança que brinca com um
novelo de lã, enquanto adormece em uma cadeira de balanço. Para fazer, então,
com que o leitor sinta o ritmo da cadeira, Bandeira utilizou no poema majorita-
riamente versos de seis sílabas e, para completar a musicalidade, deu ao texto o
A Métrica
IV
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Oscila no ar pela mão de uma criança...
(Vem e vai...)
Que delicadamente e quase a adormecer o balança
- Psiu... -
Pa/ra/ cá/, pa/ra/ lá...
Para cá e...
Veja, portanto, que os versos de seis sílabas, com o ritmo marcando a terceira e
a sexta sílabas, contribuem muito para a musicalidade, que é completada, claro,
pelos diferentes metros utilizados.
Sete Sílabas: ao lado dos versos de cinco sílabas, estes versos completam a
chamada medida velha e não só foram largamente usados durante a Idade Média,
como também tiveram cabal importância na obra de muitos poetas românticos.
Além disso, a musicalidade que lhes é peculiar torna os versos de fácil memori-
zação, devido a isso, músicas e quadrinhas populares e folclóricas também são
marcadas pela utilização dos heptassílabos. Vejamos alguns casos:
1 2 3 4 5 6 7
põe/a/mão/no/co/ra/ção
* (veja que essa seria a forma correta do verso, mas a versão popular o transformou
em um verso de sete sílabas, assim todos dizem “Esparrama” em vez de “espalha
ramas”, afinal a última sílaba que conta, na contagem poética, é a última tônica)
1 2 3 4 5 6 7
Es/ta/va a/to/a/na/vi/da
1 2 3 4 5 6 7
O /meu/a/mor/me/cha/mou
1 2 3 4 5 6 7
Pra/ver/a/ban/da/pas/sar
1 2 3 4 5 6 7
Can/tan/do/coi/sas/de a/mor
Por fim, observe a cadência que Manuel Bandeira impôs ao seu texto ao escolher
as redondilhas maiores como métrica. Veja, inclusive, que o próprio poema usa
o conceito de redondilha, o que permite perceber que o poeta deliberadamente
escolheu essa métrica para reforçar a intenção trabalhada no texto:
A Métrica
IV
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Ca/va/lei/ro/ das/ ar/mas/ es/cu/ras,
On/de/ vais/ pe/las/ tre/vas/ im/pu/ras
Com/ a es/pa/da/ san/guen/ta/ na/ mão?
Por/que/ bri/lham/ teus/ o/lhos/ ar/den/tes
E/ ge/mi/dos/ nos /lá/bios/ fre/men/tes
Ver/tem/ fo/go/ do/ teu/ co/ra/ção?
6 10
Se/te a/nos/ de/ pas/tor/ Ja/cob/ ser/vi/a
6 10
La/bão/, pai/ de/ Ra/quel/, ser/ra/na/ be/la;
6 10
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Pela escansão dos versos da primeira estrofe, pode-se ver que a métrica é real-
mente decassilábica e que as sílabas em que recai a tônica do esquema rítmico
reforçam palavras centrais para a ideia do texto. Veja que esse poema é uma relei-
tura da história bíblica de Jacó e Raquel, contada no Velho Testamento. Jacó era
primo de Labão e apaixonou-se por sua prima Raquel. Pediu, então, à Labão que
a desse a ele – Jacó – em casamento. Como Raquel era muito moça, Labão pro-
pôs que Jacó trabalhasse sete anos para ele como pastor, sem nada ganhar, para
A Métrica
IV
no fim desse período casar-se com Raquel. Passado o período, Jacó requereu a
noiva e o pai marcou o casamento. Eis que, após a noite de núpcias, ele percebeu
que havia se casado com Lia, a irmã mais velha, e não com Raquel. Ao reclamar
a Labão do engodo que sofrera, este disse a Jacó que não era costume dar a filha
mais nova em casamento antes da mais velha, mas que se ele servisse outros sete
anos, no final desse período receberia também Raquel e assim foi feito. Veja,
portanto, que Camões conferiu todo um lirismo a esse fato que, na realidade, a
história original não contém. Nesse sentido, a escolha do esquema rítmico, com-
binada, claro, com as escolhas vocabulares, contribui para esse lirismo do texto,
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exemplarmente reforçado pelo belíssimo último verso.
Decassílabo sáfico: recebe esse nome em homenagem a Safo, poetisa grega
do século VII a.C., que fez amplo uso deste tipo de verso. Eles consistem em
decassílabos cujas tônicas recaem na 4ª, na 8ª e na 10ª sílabas. Observe o excerto
a seguir, de um poema de Augusto dos Anjos:
Veja que nesse poema de Augusto dos Anjos, o poeta alterna os tipos de decas-
sílabos, fazendo com que o ritmo contribua para a tensão apresentada pelo tema
do texto. Observe que o primeiro verso é sáfico, valorizando as palavras “vem”,
“matéria”, “bruta”. O segundo verso é o chamado sáfico imperfeito, posto que a
oitava sílaba é átona, o que torna o verso ainda mais quebrado quanto ao ritmo.
Os demais são todos decassílabos heroicos, o que faz com que definitivamente
as alternâncias rítmicas imponham uma leitura que torna o poema sonoramente
A Métrica
IV
Doze sílabas: tipo de métrica utilizada pelos poetas clássicos e muito depois
pelos parnasianos, também conhecido como verso alexandrino. Na maioria das
vezes, tem a 6ª sílaba acentuada acompanhada de uma cesura (pausa interna de
leitura). Veja o exemplo no poema de Olavo Bilac:
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Inania verba
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
Ah!/ quem/ há/ de ex/pri/mir,/ al/ma im/po/ten/te e es/cra/va,
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
O /que a/ bo/ca/ não/ diz,/ o /que a/ mão/ não/ es/cre/ve?
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
- Ar/des,/ san/gras,/ pre/ga/da à/ tu/a /cruz,/ e, em/ bre/ve,
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
O/lhas,/ des/fei/to em/ lo/do, o/ que/ te/ des/lum/bra/va...
RITMO E RIMA
qual servirá de auxílio para o trabalho do tema escolhido pelo poeta. Falta-nos,
portanto, para completar as noções necessárias à percepção do ritmo, estudar
os tipos de rima, que veremos a seguir, e as figuras de linguagem mais impor-
tantes, a serem tratadas no próximo tópico. Vamos às rimas:
Veja que a vogal “a”, do verso 1, rima com a do verso 5; a vogal “i”, do versos 2,
rimas com os versos 4, 6 e 8; e a vogal “o”, do verso 3, rima com o verso 7.
Consoante – assemelha-se na repetição de todas as letras e sons das sílabas
finais dos versos, sendo por isso também chamada de rima perfeita:
Observe que aqui, todo o final do verso 1 rima com o final do verso 4, enquanto
os finais dos versos 2 e 3 rimam entre si.
Ritmo e Rima
IV
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
“E do teu escafandro esmiuçador!
Repare que, apesar de termos todos os verbos terminados em particípios, eles não
estão se comportando como formas verbais em todos eles. Pecado comporta-se
como verbo, mas empenhado comporta-se como advérbio; já despido e delinquido
comportam-se como verbos. Assim sendo, a rima dos versos 1 e 4 é considerada
rica, pelo critério gramatical, enquanto a dos versos 2 e 3 é considerada pobre.
Fônico: são ricas as rimas cujos termos começam a rimar antes da sílaba
tônica e pobres aquelas em que a rima começa a partir da sílaba tônica. De acordo
com esse critério, todas as rimas do poema anterior são pobres.
Rimas de acordo com suas combinações:
■■ Emparelhadas: ocorrem de duas em duas (AABB).
■■ Alternadas: ocorrem de forma alternada (ABAB).
■■ Interpoladas: ocorrem de forma oposta (ABBA).
Ritmo e Rima
IV
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Mas vejo, que tão bela, e tão galharda, D
Posto que os Anjos nunca dão pesares, C
Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda. D
FIGURAS DE LINGUAGEM
permitindo que determinados termos rimem entre si, além disso, elas conferem
certa complexidade ao poema, algo bastante desejável em alguns estilos literá-
rios. Vejamos outros exemplos:
“Eu não posso causar mal nenhum, a não ser a mim mesmo” (Cazuza/Lobão).
“A mim me parece que sua opinião está equivocada”.
O uso destes pleonasmos é comum no cotidiano assim como na poesia, sem-
pre com a intenção de frisar uma ideia. Observe que há um tipo de pleonasmo não
aceito pela norma culta da língua, aquele a que chamamos de pleonasmo vicioso,
o qual consiste em fazer repetições óbvias, tais como: entrar para dentro, subir
para cima, elo de ligação, hemorragia de sangue. Esse tipo de pleonasmo deve ser
evitado, já o pleonasmo estilístico, apresentado anteriormente, tem grande valia.
■■ Polissíndeto: repetição enfática de um conectivo, normalmente o conec-
tivo [e], mas não exclusivamente ele:
Figuras de Linguagem
IV
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num barracão sem número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.
■■ Anáfora: repetição da mesma palavra ou expressão no início de cada
verso ou frase. Assim como todas as figuras de repetição, é amplamente
utilizada para frisar ideias e marcar ritmo:
Neste trecho do poema Tecendo a manhã, de João Cabral de Mello Neto, é pos-
sível observar que as aliterações reproduzem o som da velha máquina de costura,
aquela que tinha um pedal. Assim, a parte fonética do poema reforça o conte-
údo de que a manhã está sendo tecida.
■■ Assonância: repetição de fonemas vocálicos:
Antífona
Ó Formas alvas, brancas, Formas claras
De luares, de neves, de neblinas!
Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas...
Incensos dos turíbulos das aras
Figuras de Linguagem
IV
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■■ Metáfora: comparação indireta, feita sem elementos de comparação. Nesse
caso a comparação se fortalece justamente porque um elemento se integra
ao outro. Veja como os versos em destaque no poema de Florbela Espanca,
que veremos a seguir, utilizam as metáforas para reforçar a importância
do ser amado na vida do eu lírico:
do efeito pela causa, a coisa pela representação, o inventor pelo invento etc.
■■ Antítese: figura que cuida de opor palavras. Via de regra, é utilizada para
que a marcação dos opostos gere um estranhamento no texto e produza
um jogo de palavras como se pode ver nos exemplos a seguir:
“Nasce o Sol, e não dura mais que um dia; Depois da Luz se segue à noite
escura; Em tristes sombras morre a formosura, Em contínuas tristezas e ale-
grias”. (Gregório de Mattos)
Figuras de Linguagem
IV
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É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;
Lembrança de Morrer
4 Em pálpebra demente.
5 E nem desfolhem na matéria impura
6 A flor do vale que adormece ao vento:
7 Não quero que uma nota de alegria
8 Se cale por meu triste passamento.
9 Eu deixo a vida como deixa o tédio
10 Do deserto, o poento caminheiro,
11 ... Como as horas de um longo pesadelo
12 Que se desfaz ao dobre de um sineiro;
13 Como o desterro de minh’alma errante,
14 Onde fogo insensato a consumia:
15 Só levo uma saudade... é desses tempos
16 Que amorosa ilusão embelecia.
[...]
37 Descansem o meu leito solitário
38 Na floresta dos homens esquecida,
39 À sombra de uma cruz, e escrevam nela:
40 Foi poeta - sonhou - e amou na vida.
[...]
Repare que os dois primeiros versos são um eufemismo para “quando eu mor-
rer”; o mesmo se dá com o verso 8; já nos versos 37 e 38 temos um eufemismo
para cemitério.
Figuras de Linguagem
IV
“... Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis...” (Machado
de Assis)
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Lobato)
FORMAS POÉTICAS
SONETO
Formas Poéticas
IV
SONETO LXXXVIII
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De ocultas faltas, onde estou enfermo;
Então, ao me perder, tens toda a glória.
(William Shakespeare)
estrofe de 14 versos.
ELEGIA
Vinícius de Morais
Acesse o link e aprecie a Elegia quase uma ode (1943), do poeta Vinícius
de Morais. Disponível em: <http://www.viniciusdemoraes.com.br/pt-br/po-
esia/poesias-avulsas/elegia-quase-uma-ode>.
ODE
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ÉCLOGA
III
Formas Poéticas
IV
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CONSIDERAÇÃOS FINAIS
Nesta unidade, vimos que o poema é uma expressão de uma visão subjetiva do
mundo condensada em palavras, organizada em conteúdo e forma específicos.
Apesar de ser subjetiva, a poesia pode ser analisada de modo objetivo, com seus
operadores de leitura.
Estudamos os principais operadores de leitura e análise do gênero lírico:
rima, verso, metro etc., e todas suas subdivisões.
Além disso, vimos que as figuras de linguagem dão ao texto poético o lirismo
necessário para transformar o simples conjunto de palavras e sons em um texto
com linguagem expressiva de um mundo transfigurado ou transcendente. São
esses elementos que criam a transfiguração do mundo empírico pela linguagem.
1. Com os seus conhecimentos e a leitura desta unidade, faça uma breve análise do
poema de Gregório de Mattos, chamado “Buscando a Cristo crucificado um peca-
dor, com verdadeiro arrependimento”. Pesquise sobre o autor, o período literário,
as rimas, a métrica, o uso de figuras de linguagem etc.
BUSCANDO A CRISTO CRUCIFICADO UM PECADOR, COM VERDADEIRO
ARREPENDIMENTO
A nona sinfonia de Beethoven incorpora parte do poema An die Freude (“À Alegria”), uma
ode escrita por Friedrich Schiller, com o texto cantado por solistas e um coro em seu último
movimento. Foi o primeiro exemplo de um compositor importante que tenha se utilizado da voz
humana com o mesmo destaque que os instrumentos, numa sinfonia, criando assim uma obra de
grande alcance, que deu o tom para a forma sinfônica que viria a ser adotada pelos compositores
românticos.
<http://www.youtube.com/watch?v=4oCvh-x0qUo>.
Professor Dr. Silvio Ruiz Paradiso
Professora Me. Roberta Fresneda Villibor
V
UNIDADE
O PÓS-ESTRUTURALISMO
Objetivos de Aprendizagem
■■ Compreender o conceito de pós-estruturalismo.
■■ Relacionar o pós-estruturalismo com as ideias do estruturalismo, bem
como entender suas divergências.
■■ Conhecer as principais teorias literárias advindas com o
pós-estruturalismo.
■■ Estudar e compreender os estudos literários feministas, queer,
afro-brasileiro e pós-colonial.
■■ Entender a Estética da Recepção, como estudo que privilegia o leitor.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ O pós-modernismo e pós-estruturalismo
■■ Teorias pós-estruturalistas
■■ Os estudos feministas
■■ Queer studies
■■ Literatura afro-brasileira
■■ O pós-colonialismo
■■ Estética da recepção
142 - 143
INTRODUÇÃO
Antes mesmo de abordar o tema desta unidade, é preciso relembrar que todos
os tópicos abordados nas unidades II e III constituem as bases da chamada aná-
lise estruturalista do texto, a qual perdurou por décadas. Para o estruturalismo,
a estrutura era o que importava na análise textual, não se levando em considera-
ção a interação entre leitor-obra. Desse modo, analisava-se a obra por ela mesma
em relação aos seus elementos de composição. Ainda hoje, os elementos estrutu-
rais continuam balizando as análises, mas não mais são vistos como o fim delas,
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O PÓS-MODERNISMO E PÓS-ESTRUTURALISMO
Introdução
V
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zsche, Martin Heidegger e outros, buscou descentrar as “estruturas”, a
sistematicidade e a pretensão científica do estruturalismo, criticando a
metafísica que lhe estava subjacente e estendendo-o em uma série de
diferentes direções, preservando, ao mesmo tempo, os elementos cen-
trais da crítica que o estruturalismo fazia ao sujeito humanista.
O PÓS-ESTRUTURALISMO
144 - 145
TEORIAS PÓS-ESTRUTURALISTAS
Teorias Pós-Estruturalistas
V
TEORIAS DE GÊNERO
OS ESTUDOS FEMINISTAS
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isso representa ideologias de época.
Iniciou-se graças aos Estudos Culturais a abordagem de análise literária com
os estudos feministas e, com isso, uma nova visão sobre a imagem das mulhe-
res nos clássicos como Lucíola e Senhora, por exemplo, de José de Alencar. Digo
nova, pois, até então, essas personagens eram construídas através das penas mas-
culinas, ou seja, autores homens, os únicos “aptos” a escreverem, de acordo com
o cânone.
O Cânone Ocidental sempre foi exclusivamente masculino, mas o que não
significa que mulheres não estivessem a escrever, usando às vezes pseudônimos
masculinos, como George Eliot, nada mais que Mary Ann Evans (1819-1880),
revela Karl (1995, p. 237).
Nos primórdios, essa discussão foi duramente criticada. A partir dos anos
80, porém, começam a surgir vários estudos nessa área, abordando as questões
do gênero na literatura. Contemporaneamente, boa parte das grandes univer-
sidades possui uma linha de pesquisa voltada para a questão do feminino na
literatura e muitos estudiosos sérios e célebres debruçam-se sobre este assunto.
Em seu artigo O sujeito do feminino e o pós-estruturalismo, Silvana Mariano
afirma:
As teorias de gênero, incluindo suas constantes revisões, contribuíram
para que os estudos feministas de crítica da modernidade revelassem
que, embora as categorias modernas e valores do Iluminismo - tais
como direitos, igualdade, liberdade, democracia - inicialmente, te-
nham instruído muitos dos movimentos feministas de emancipação,
o discurso humanista da teoria moderna, juntamente com suas noções
de Sujeito e Identidade intrinsecamente essencialistas, fundacionalistas
O PÓS-ESTRUTURALISMO
146 - 147
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Teorias de Gênero
V
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QUEER STUDIES
O PÓS-ESTRUTURALISMO
148 - 149
Na novela Pela Noite (1983), de Caio Fernando Abreu, percebemos essa te-
mática homoerótica, podendo assim analisar o comportamento dos per-
sonagens, bem como sua construção. Desta forma, no artigo de Passeri e
Paradiso, “Confrontos: a homoafetividade e a hegemonia em Pela Noite (1983),
de Caio Fernando Abreu”, os autores estudam a influência da ideologia da
sociedade real (machista e patriarcal) na vida e no comportamento dos per-
sonagens gays ficcionais.
Disponível em: <http://www.revistas2.uepg.br/index.php/uniletras/article/
view/1612/3143>.
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ESTUDOS ETNORRACIAIS
A LITERATURA AFRO-BRASILEIRA
Estudos Etnorraciais
V
Você sabia que existem 117 autores negros no Brasil com livros lançados?
Você estudou sobre eles no Ensino Fundamental e Médio? Você sabia que
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Machado de Assis é mulato, e nunca negou sua etnia? Ao contrário, foi em-
branquecido nas fotos por exigência do mercado editorial no Brasil? Você
sabia que Cruz e Souza nunca foi apaixonado pela cor branca, como vários
críticos literários pontuaram por anos, ao contrário, a cor branca no imaginá-
rio africano é a cor da morte, do luto.
Você sabia que o primeiro romance abolicionista foi escrito por uma mulher
negra? Maria Firmina dos Reis, primeira descendente de escravos a publi-
cou, Úrsula (São Luiz - MA, 1859). Você sabia que a escritora Carolina Maria
de Jesus, negra, é também catadora de papel, e que estipulou uma regra
para produção de seus textos: não revisar a linguagem?
Provavelmente, a maioria de suas respostas forma o não, afinal, é fruto de
um academicismo canônico brancocêntrico. Desta forma, este tema merece
sua atenção e reflexão.
O PÓS-ESTRUTURALISMO
150 - 151
Estudos Etnorraciais
V
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
produção literária no Brasil, com a seguinte configuração: informações bio-
gráficas, inclusive com fotos e ilustrações; dados bibliográficos; textos da
recepção crítica, tais como artigos e outros; indicação de locais e fontes de
pesquisa; antologia de textos interativa e em permanente atualização. O ob-
jetivo é recolocar os autores negros e suas produções na academia.
Acesse: <http://www.letras.ufmg.br/literafro/>.
O PÓS-COLONIALISMO
O PÓS-ESTRUTURALISMO
152 - 153
com a publicação de The Empire writes back: theory and practice in post-colonial
literature, de Bill Ashcroft, Helen Tiffin e Gareth Griffiths, os papas da teoria, e
um ano depois com White Mythologies, de Robert Young (1990).
No mundo literário, o pós-colonialismo influenciou a análise do primeiro
romance africano em Língua Inglesa: The Palm-Wine Drinkard (1952), de Amós
Tutuola, e foi instrumento crítico reconhe-
cido mundialmente, depois do romance
pós-colonial Things Fall Apart (1958), de
Chinua Achebe. A literatura pós-colonial
observa e revela essa vida cultural no espaço
pós-colonial, através da narrativa produzida
pelas ex-colônias, chamados pelo imperia-
lismo de “degradados”, “selvagens”, “devassos”,
“diabólicos”, “preguiçosos” e “primitivos”, ana-
lisando porém, detalhadamente o seu tema
central: os encontros e desencontros entre
colonizadores e colonizados, seja no âmbito
linguístico, político ou religioso (como se tais
elementos pudessem ser tão díspares). Tal ati-
tude gera uma literatura de resistência, de revide
e contra-ataque, a qual tenta resgatar forças e ide-
ais perdidos no tempo, sufocados pela violência do
Outro/dominante, para que o povo subjugado possa
ter consciência de sua identidade e lutar contra uma xas
ute
O Pós-Colonialismo
V
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
saber de pessoas subjugadas ao poder é produzido e é usado; a maneira na qual
a literatura é usada para justificar o colonialismo pela perpetuação de imagens
dos colonizados e suas cultura como inferiores. Esse tipo de texto analisa ainda
as experiências da supressão de uma cultura e da eliminação da identidade de
seus membros, manifestando-se em três patamares: 1) textos literários escritos
por representantes do poder colonial; 2) textos literários escritos por nativos
que receberam educação destes representantes nas cidades da Europa, e escritas
em línguas europeias, principalmente a língua inglesa, espanhola, portuguesa e
francesa (em pequena escala); e 3) textos literários com forte apelo crítico e sub-
versivo, visando uma ruptura com a literatura da metrópole, escritos por nativos
cujo objetivo principal é a formação de uma contra-literatura.
Os estudos pós-coloniais permitem um olhar crítico acerca:
■■ Da relação colonizado e colonizador (Iracema, de José de Alencar; Things
Fall Apart, de Chinua Achebe).
■■ Opressão cultural da colonização (A história do ventríloquo, de Pauline
Melville).
■■ Objetificação e Subjetificação (Is there nowhere else where we can meet?,
de Nadine Gordimer; A menor mulher do mundo, de Clarice Lispector).
■■ Demonização da religião nativa (Na Festa de S. Lourenço, de Anchieta; O
outro pé da sereia, de Mia Couto).
■■ Multiculturalismo (Remember Babylon, de David Malouf).
■■ Racismo fruto do colonialismo (Fruit of Lemon, de Andrea Levy).
O PÓS-ESTRUTURALISMO
154 - 155
TEORIAS CRÍTICAS
ESTÉTICA DA RECEPÇÃO
A Estética da Recepção surgiu por volta dos anos 60 e teve como principal
difusor Hans Robert Jauss. Esta teoria literária representava uma tentativa de
revigorar o estudo da literatura, devolvendo-lhe o que anos de interpretações
estruturalistas lhe tiraram: a relação entre leitor e obra. Durante o longo perí-
odo de vigência das teorias formalistas e de correntes literárias afins, o leitor era
Teorias Críticas
V
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
outras três correntes literárias, quais sejam: a) Sociologia da Leitura: cujo obje-
tivo é “estudar o público enquanto fator ativo do processo literário, já que as
mudanças de gosto e de preferências interferem não apenas na circulação, e por-
tanto na fama, dos textos, mas também em sua produção” (ZILBERMAN, 1989,
p.17); b) O Estruturalismo Tcheco, o qual ao levar em conta o efeito de estranha-
mento gerado pela obra, considera-a como um elemento móvel capaz de manter
o estranhamento através de sua permanente renovação (ZILBERMAN, 1989,
p.20); c) Reader-Response Criticism, teoria que considera que “o significado da
obra depende totalmente dos sentidos que o leitor deposita nela. Também seu
caráter estético depende do destinatário: se este não o vivencia como obra de
arte e busca aí outro tipo de experiência, o texto perde sua qualidade artística”
(ZILBERMAN, 1989, p.26). Tais semelhanças nos permitem ver que Jauss não
era uma ilha isolada nesta mudança e sim um propositor de ideias que conver-
giam para a necessidade da época: reformular os estudos literários.
Para tanto, Jauss divide seu projeto de reformulação literária em sete teses,
sendo que “as quatro primeiras têm caráter de premissas, oferecendo as linhas
mestras da metodologia explicitada nas três últimas” (ZILBERMAN, 1989, p.33).
A primeira aponta para o fato de que a atualização da obra é o que garante a sua
existência e que esta depende do leitor; a segunda discute que a própria obra,
por meio de elementos que se encontram no interior de seu sistema literário,
evoca o horizonte de expectativas, permitindo que o leitor interaja com ele, acei-
tando-o ou questionando-o; a terceira diz respeito à distância estética entre o
sujeito e a obra e considera que, quanto mais a obra se distancia do horizonte de
expectativas do público, maior é a sua qualidade; a quarta promove a tentativa
O PÓS-ESTRUTURALISMO
156 - 157
Teorias Críticas
V
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
turas à sua visão posterior; e, por fim,
e. ampliação do horizonte de expectativas: momento em que o aluno pode
compreender e passar a apreciar textos que até então não faziam parte de
suas preferências (AGUIAR, 1988, pp.89-91). Tais etapas se repetiriam ao
início de cada novo ciclo de estudos, respeitando sempre o aumento no
grau de dificuldade das atividades, distanciando-as assim do horizonte
de expectativas inicial e garantindo a sua ampliação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O PÓS-ESTRUTURALISMO
158 - 159
Ferro
Primeiro o ferro marca
A violência nas costas
Depois o ferro alisa os cabelos
Na verdade o que se precisa
É jogar o ferro fora
É quebrar todos os elos
Dessa corrente
De desespero
MATERIAL COMPLEMENTAR
Material Complementar
MATERIAL COMPLEMENTAR
CONCLUSÃO
Estimado(a) aluno(a),
Terminamos aqui o conteúdo de Estudos Literários!
Temos a certeza de que você, caro(a) estudante de Letras, percebeu a importância
da disciplina de Teoria da Literatura para sua formação, já que ela é a base para as
demais disciplinas de estudo literário.
Nossa discussão acerca de literatura foi apenas um pontapé inicial, e esperamos que
continue os estudos mais aprofundados sobre todo o conteúdo aqui trabalhado.
Agora, temos a certeza de que você já está preparada(o) para analisar uma obra
literária, e o mais importante, de maneira crítica!
Nas cinco unidades que compõem este livro, você encontrou um panorama sobre o
que se convencionou chamar de “teoria da literatura”.
Na Unidade I, discutimos sobre o cânone literário e os pressupostos ideológicos que
o cerca, levando-nos ao conhecimento do anticânone. Também focamos no estudo
da literariedade e reconhecemos os gêneros narrativo e dramático, bem como suas
subdivisões.
Na Unidade II, estudamos o Formalismo Russo e o Estruturalismo, correntes de estu-
do da literatura do século XX que procuraram sistematizar a análise literária.
Já na Unidade III, já com todo arcabouço teórico, você pôde conhecer os operadores
básicos da narrativa, tendo as ferramentas necessárias para a análise estrutural da
narrativa. Em consequência, você estudou a análise da poesia, na quarta Unidade, a
qual se discute o Lírico. Nesta unidade, você conheceu e aprendeu sobre os opera-
dores da poética, como verso, metro e métrica, além de definir algumas das formas
poéticas mais conhecidas.
Finalizando o livro, com a unidade V, você conheceu a crítica pós-estruturalista, ten-
do uma introdução sobre teorias literárias advindas deste pensamento, como o Fe-
minismo, o queer studies, a literatura afro-brasileira, o Pós-colonialismo e a Estética
da Recepção alemã.
Desta forma, esperamos que este livro tenha lhe trazido conteúdo teórico, e o mais
importante, conteúdo humanizador, já que a literatura forma mais que leitores, for-
ma seres humanos, no seu sentido estrito!
164 - 165
REFERÊNCIAS
REFERÊNCIAS
GABARITO
ATIVIDADES - UNIDADE I
1. Explique com suas próprias palavras a diferença entre cânone e anticânone.
Em linhas gerais, cânone é uma lista de obras selecionadas e autorizadas pela crítica
literária, que fazem parte do que se denomina “boa literatura”, ou aquilo que deve
ser lido/estudado/aprendido na escola. Essas obras comumente passam pelo crivo
de estudiosos da literatura (professores universitários), que estabelecem suas prefe-
rências a partir de uma série de estudos de ordem científica nos quais procuram es-
tabelecer parâmetros que atestem a qualidade literária dos textos. Já o anticânone,
como o próprio nome denuncia, são obras lidas, mas não autorizadas pela crítica e
que, mesmo assim, ou caem no gosto do público ou tentam combater a hegemonia
desses textos. Geralmente, fazem parte do anticânone autores considerados “me-
nores” pela crítica ou que exploram temáticas consideradas não universais, como
os conflitos étnicos, sociais, sexuais, de gênero etc. Esses trabalhos geralmente têm
uma proposta de inclusão daquilo que é diferente e inexplorado pela crítica. O an-
ticânone suscita debates interessantes, tais como: o regional não deve ser lido em
caráter universal? O local perde para o nacional? Quem estabeleceu estes critérios?
Ao quebrar tabus, essas obras nos fazem repensar nossa própria condição e o quan-
to somos frutos de um padrão cultural.
2. Complete a tabela abaixo, apontando as principais características de cada
um dos gêneros narrativos solicitados:
ATIVIDADES – UNIDADE II
1. Defina, com suas palavras, o que é a análise imanente da literatura, preconi-
zada pelo Formalismo Russo.
Resposta: A análise imanente da obra literária diz respeito à preocupação que os
formalistas têm com a forma e não com o contexto de produção da obra. Para essa
corrente literária, pouco importam noções como momento social, biografia do au-
tor, questões políticas e/ou econômicas. A obra tem valor calcado em si mesma,
independentemente do momento histórico em que foi criada.
2. Quais são as diferenças basilares entre o Formalismo e o Estruturalismo?
Resposta: Enquanto o Formalismo nasceu na Rússia no início do século XX e preco-
nizava a importância da forma em detrimento ao conteúdo, as teorias estruturalis-
tas são diversas e têm em comum o fato da estrutura conferir o significado da obra,
independentemente do sujeito que escreveu a obra.
3. Diferencie, objetivamente, a fábula da trama.
Resposta: A fábula diz respeito à cronologia da história, ou seja, os fatos se sucedem
em uma organização temporal; já a trama é o modo como o enredo é narrado, reve-
lando pouco a pouco sua arquitetura própria.
170 - 171
GABARITO
ATIVIDADES – UNIDADE IV
1. Com os seus conhecimentos e a leitura desta unidade, faça uma breve análi-
se do poema de Gregório de Mattos, chamado “Buscando a Cristo crucificado
um pecador, com verdadeiro arrependimento”. Pesquise sobre o autor, o perí-
odo literário, as rimas, a métrica, o uso de figuras de linguagem etc.
Resposta: Apesar das análises serem livres e abertas, há pontos fixos que devem ser
abordados, como a métrica, rima, o uso de figuras de linguagem etc. Este poema de
Gregório de Matos (1623-1696) evidencia um dos ápices de sua obra poética, visto
que pertence à sua produção sacra a qual, muito mais do que as outras (lírica e sa-
tírica), consegue fundir com maestria o drama do homem barroco, que se encontra
dividido entre a razão e emoção e, sobretudo, entre o humano e o divino. Verifica-
remos, ao longo desta análise, que este conflito não se resolve no poema - como é
típico do movimento - uma vez que todo o texto conflui para um grande paradoxo:
é preciso estar preso para ficar livre, ideia que percebemos claramente no último
verso e que procuraremos elucidar ao longo desta apreciação.
GABARITO
II
ATIVIDADES – UNIDADE V
1. Observe o poema a seguir:
Quais abordagens literárias você usaria para analisar este poema de Cuti? Jus-
tifique sua resposta e, a partir do método de análise (estrutural, pós-estrutural
ou ambos), analise o poema.
Resposta: Neste poema, a identidade negra é colocada em evidência. Utilizando-
-se do signo ferro, o poeta explora os seus significados em momentos diferentes
na trajetória do negro. Antes o ferro do branco marcava o domínio pela força,
agora o mesmo ferro é usado para marcar um domínio estético exigido por uma
sociedade pautada em parâmetros brancos. A proposta do poeta é que todos se
livrem dos ferros e das correntes que os sufocam e os deixam sob uma condição de
subserviência aos padrões que são exigidos.
GABARITO