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ADRIANA DOS SANTOS TEIXEIRA

MURILO RUBIÃO: UMA AVENTURA


SOLITÁRIA NA LITERATURA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS:


TEORIA LITERÁRIA E CRÍTICA DA CULTURA
MESTRADO EM LETRAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS, ARTES E CULTURA

Setembro de 2006
ADRIANA DOS SANTOS TEIXEIRA

MURILO RUBIÃO: UMA AVENTURA


SOLITÁRIA NA LITERATURA

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-graduação em Letras da Universidade
Federal de São João Dei-Rei, como
requisito parcial para a obtenção do título
de Mestre em Letras.

Área de Concentração: Teoria Literária e


Crítica da Cultura
Linha de Pesquisa: Literatura e Memória
Cultural

Orientadora: Profª Drª Magda Velloso


Fernandes de Tolentino

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS:


TEORIA LITERÁRIA E CRÍTICA DA CULTURA
MESTRADO EM LETRAS DEPARTAMENTO DE
LETRAS, ARTES E CULTURA

Setembro de 2006
ADRIANA DOS SANTOS TEIXEIRA

MURILO RUBIÃO: UMA AVENTURA

SOLITÁRIA NA LITERATURA

Banca Examinadora:

----------------------------------------------------------------------------------------------------
Profa Dra Magda Velloso Fernandes de Tolentino – UFSJ

----------------------------------------------------------------------------------------------------
Profª Drª Maria Conceição Monteiro – UERJ

----------------------------------------------------------------------------------------------------
Profª Drª Suely da Fonseca Quintana – UFSJ

----------------------------------------------------------------------------------------------------
Prof. Dr. Antônio Luiz Assunção
(Coordenador do Programa de Pós-graduação em Letras)

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS:


TEORIA LITERÁRIA E CRíTICA DA CULTURA
MESTRADO EM LETRAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS ARTES E CULTURA

20 de Setembro de 2006
Aos meus pais, Eli Antônio Teixeira e
Heloísa Maria dos Santos Teixeira.
AGRADECIMENTOS

A Deus, pela força constante.

À minha orientadora, Magda Velloso Fernandes de Tolentino, pela dedicação


e sutileza com que conduziu a pesquisa e pela pessoa encantadora, amiga e de
sensibilidade ímpar, que compartilhou da emoção na tessitura do texto.

A CAPES, pela concessão da bolsa, que permitiu a realização desta


pesquisa.

Aos guardiões do Acervo dos Escritores Mineiros, pela assistência.

A todos os professores do Mestrado em Letras da UFSJ, que contribuíram


para o enriquecimento desta pesquisa. Agradeço, especialmente, a professora Suely
Quintana, pelas conversas.

Aos meus familiares, pelo incentivo e apoio incessantes.

Ao Marcos Vinícius Teixeira, pelo amor e pela ajuda na busca e coleta do


material para a efetivação deste trabalho.

À família Cherubini, pela torcida.

Aos colegas, Alex Mourão, Ana Lúcia Resende, Carla Campos, Elisângela
Baptista, Lílian Moreira, Maria Tereza Lima e Renata Toledo, que compartilharam do
entusiasmo e angústias desta pesquisa.

À Filó, pelo carinho e atenção.


Não me casei, não tive filhos,
não plantei árvores, apenas alguns arbustos.
Murilo Rubião.
RESUMO

Este trabalho examina aspectos da vida e da obra do contista mineiro Murilo


Rubião, principalmente no período de 1956 a 1960, época em que ele residiu em
Madrid. A investigação é feita a partir de um depoimento que o contista concedeu
em entrevista, relembrando aquela fase de sua vida, quando, pela primeira vez,
sofreu o problema do exílio. Tendo como hipótese que o exílio de Murilo Rubião
apresenta não só o aspecto geográfico, observo outras particularidades no que diz
respeito ao exílio deste escritor, o qual vai se refletir em toda a sua obra. A
fundamentação teórica de Edward Said, Arthur Schopenhauer, Octavio Paz, Julia
Kristeva e Stuart Hall possibilitam um diálogo com este estudo. O texto de Murilo que
ilustra este trabalho é o conto “Teleco, O Coelhinho”, produto de seu tempo em
Madrid, época que é detalhadamente examinada através de sua correspondência
passiva.
ABSTRACT

This work examines some aspects of the life and work of Murilo Rubião, a
short story writer from Minas Gerais, focusing mainly in the years he lived in Madrid,
from 1956 to 1960. This study was triggered by some comments of the writer, in an
interview, as to how much he had felt an exile at that time. Setting off with the idea
that Murilo Rubião’s exile is a characteristic not only concerning his geographic
absence, the work deals on different aspects of his sense of exile, which reflects on
his written production. The work falls back on the thoughts of Edward Said, Arthur
Schopenhauer, Octavio Paz and Julia Kristeva as far as the questions of exile are
concerned. The short story studied in depth is “Teleco, o coelhinho”, which was
written during the time highlighted here. The mentioned period is studied in detail
through an examination of the letters Rubião received in those years, available in the
UFMG archive.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ……………………………………………………………………… 10
1. MURILO RUBIÃO: “O SOLITÁRIO DA SERRA” …………….………………. 15
2. MURILO RUBIÃO EM MADRID ................................................................... 33
2.1. Entre a alegria e a saudade...............................………………...........…… 41
2.2. Saudades do Brasil e da família ...................................... ........................ 50
2.3. Cobrança Literária ................……………………….................................... 57
2.4. De volta ao Brasil …………………………………....................................... 61
3. A LITERATURA SOLITÁRIA DE MURILO RUBIÃO ………………………... 66
CONSIDERAÇÕES FINAIS ………………………………………………………. 98
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS …………………………………...………. 109
BIBLIOGRAFIAS .............................................................................................. 113
Introdução

Foi ao final da minha graduação em Letras, em estudos sobre o escritor Mário


de Andrade (1893-1945), que meu interesse pelo escritor Murilo Eugênio Rubião
(1916-1991) foi despertado. Ao coletar materiais sobre o modernista e sobre sua
obra Macunaíma, para um projeto de Especialização em Lingüística e Literatura
Comparada da Universidade Federal de Viçosa, encontrei um livro curiosíssimo:
Mário e o pirotécnico aprendiz: cartas de Mário de Andrade e Murilo Rubião. Este
livro, além de trazer cartas trocadas entre os dois escritores, também trazia textos
críticos dos professores Marcos Antonio de Moraes e Eneida Maria de Souza, e
ainda, textos de Murilo Rubião e de Mário de Andrade.
Durante a elaboração do projeto para o Curso de Especialização, achei
melhor optar por trabalhar apenas com um dos escritores, uma vez que um trabalho
monográfico não poderia ser muito extenso. Pensando assim, resolvi estudar os
contos de Murilo Rubião, pois me pareceram mais significativos para o trabalho.
Assim, em minha monografia, que fez parte das exigências do curso
mencionado, apresentei um estudo sobre três contos de Murilo Rubião, a saber: “O
Ex-Mágico” (1947), “Teleco, O Coelhinho” (1965) e “Os Dragões” (1965). Todos
esses têm como traço comum a metamorfose das personagens, que a meu ver é
justificada pela tentativa de se adequarem ao meio, ao universo ao qual não
pertencem. Com efeito, nos contos os protagonistas se sujeitam à mudança de
postura e de identidade. Não agem conforme suas vontades, mas de acordo com o
que acreditam que a comunidade, na qual se inserem, valoriza e pensa ser o melhor.
Minha monografia foi aprovada em 2004, tendo como título O insólito
cotidiano das personagens de Murilo Rubião. Neste mesmo ano, apresentei um
plano de estudo ao programa de mestrado em Teoria Literária e Crítica da Cultura,
da Universidade Federal de São João del-Rei, tendo como objeto de estudo o
mesmo autor, no que fui aceita e para o qual elaboro o presente estudo que,
vinculado à linha de pesquisa “Literatura e Memória Cultural”, tem como intuito
recuperar parte da história cultural e literária de Minas a partir do estudo da
produção escrita do contista Murilo Rubião, tanto ficcional quanto documental.
Muitos escritores mineiros como Carlos Drummond de Andrade, Pedro Nava,
Murilo Mendes, Guimarães Rosa etc. saíram de Minas para morar em centros
urbanos mais avançados. O escritor mineiro Murilo Rubião sempre viveu em Belo
Horizonte, com exceção de dois anos passados no Rio de Janeiro e quatro anos em
Madrid.
Neste ano de 2006, quando se comemora noventa anos de nascimento do
mineiro Murilo Rubião, escritor, homem e intelectual importante na história de Minas
Gerais (Cf. ANDRADE, 1994), tenho como propósito discorrer sobre aspectos da
vida e da obra deste contista no período de 1956 a 1960, época em que o escritor
residiu em Madrid. Meu objetivo é investigar como Murilo Rubião lidou em diversos
momentos com o sentimento e a vivência da solidão quando, pela primeira vez, se
sentiu um estrangeiro, e se houve algum reflexo deste sentimento na sua produção
de época.
O interesse por este período específico (anos em que Murilo Rubião esteve
na Espanha na qualidade de Chefe do Escritório de Propaganda e Expansão
Comercial do Brasil em Madrid e adido junto à Embaixada do Brasil na Espanha) foi
levantado a partir de um depoimento do escritor numa entrevista, publicada em
1982. Nesta, Murilo Rubião fala que sofreu o problema do exílio durante aquela
temporada em Madrid. O contista afirma que não soubera até então o que era ser
estrangeiro.
É importante lembrar, portanto, que Murilo Rubião não foi um exilado no
sentido literal de ter sido obrigado a deixar seu país. Ele foi trabalhar durante quatro
anos em Madrid, no período do governo do Presidente Juscelino Kubitscheck. O
afastamento do país para este contista foi escolha própria, diferente de muitos que
foram obrigados a deixar sua terra, que como castigo eram forçados a abandonar
seus países.
No entanto, Murilo Rubião sentiu-se como um exilado. A questão que será
discutida aqui é o sentimento de exílio que ele manifesta após sua volta ao Brasil. O
termo “exilado” será tratado neste estudo conforme o pensamento de Edward Said,
que afirma trazer o termo em si um toque de solidão e espiritualidade.
Tendo como hipótese que o exílio de Murilo Rubião apresenta não só o
aspecto geográfico, isto é, do exilado vivendo em solo estrangeiro com a dor da
nostalgia, é importante observar outras particularidades no que diz respeito ao exílio
deste escritor. Para isso será importante compreender o exílio do contista em pelo
menos dois sentidos. O primeiro refere-se à figura do solitário, do saudosista, como
vítima; o segundo refere-se à figura do desterrado que se alegra em terra
estrangeira.
A partir de um depoimento que Murilo Rubião concedeu em entrevista,
relembrando essa fase de sua vida, buscarei investigar o homem e a sua obra.
Portanto, é necessário salientar que, farei uma crítica cultural e não um estudo
teórico minucioso. Para tanto, recorrerei a algumas entrevistas onde o contista
relembra e deixa transparecer seus sentimentos vividos à época; também são
fundamentais as correspondências recebidas e arquivadas por Murilo Rubião,
referentes a este tempo.
É importante ressaltar que, a originalidade deste estudo está em examinar um
período que vai necessitar uma investigação de caráter íntimo da vida do escritor
Murilo Rubião, a partir de seu arquivo pessoal. Serão abordados, neste trabalho,
momentos de sua vida cotidiana, seu celibato, sua escolha pelo isolamento, sua
participação em atividades jornalísticas e, principalmente, literárias, a partir de
numeroso material consultado, tais como: jornais e revistas (com entrevistas
concedidas por ele e estudos críticos a respeito do homem e do escritor Murilo
Rubião) e correspondências passivas etc.
O levantamento deste material foi feito, em janeiro deste ano, no Acervo dos
Escritores Mineiros, mais especificamente no acervo do escritor Murilo Rubião, que
se encontra na Biblioteca Central da Universidade Federal de Minas Gerais, onde fui
gentilmente recebida pelos guardiões daquele acervo, após terem tomado
conhecimento do meu trabalho de dissertação.
Neste acervo encontrei importante documentação acerca da vida particular e
pública do escritor. Fotografei todas as correspondências que datavam de 1956 a
1960, totalizando quatrocentas e noventa e seis correspondências consultadas.
Fotografei, também, alguns recortes de jornais e revistas.
Antes da análise desse material, faço no primeiro capítulo um levantamento
da trajetória de vida e obra do contista, assinalando cronologicamente alguns
momentos que considero importantes na vida de Murilo Rubião, tendo usado para tal
entrevistas e depoimentos dele próprio, para tentar perceber melhor quem foi Murilo
Rubião antes e depois da experiência de passar quatro anos fora do Brasil e tentar
perceber como esse afastamento repercutiu no homem e em sua obra. Neste
capítulo, abro parênteses para mostrar um poema escrito por Murilo Rubião, em
1939, na Revista Tentativa.
No segundo capítulo, abordo o período de 1956 a 1960. Discuto aí suas
angústias, sua impaciência, sua solidão, mas também suas alegrias, seu bem-estar
em terra estrangeira etc, por meio das correspondências passivas, isto é, com base
nas respostas dadas pelos correspondentes às cartas escritas por Murilo Rubião.
Porém, antes, destaco, brevemente, os termos “exílio” e “solidão” nos estudos
de alguns teóricos que discutiram a este respeito, tais como Edward Said, em
Reflexões sobre o exílio e outros ensaios; Arthur Schopenhauer, em seu livro
Aforismos sobre filosofia de vida; o escritor, Octavio Paz, em seu texto “A dialética
da solidão”, do livro O labirinto da solidão e post-scriptum, etc. E ainda, recorro a
muitos depoimentos de amigos do escritor para dar subsídios ao trabalho.
No terceiro e último capítulo, faço, primeiramente, uma pesquisa cultural e
literária do momento em que Murilo Rubião publicou pela primeira vez, isto é, em
1947, O ex-mágico. Com esse livro ele inaugurou no Brasil a corrente do realismo
mágico e ocupou, o lugar de pioneiro na literatura brasileira no que se refere à
narrativa fantástica1. Todavia, seu reconhecimento como pai do realismo mágico
brasileiro, e predecessor do gênero na América hispânica demoraram décadas.
Muitos estudiosos abordaram tanto este momento, quando surgiu a novidade,
quanto anos depois quando o gênero já estava estabelecido.
Logo em seguida, neste mesmo capítulo, faço uma leitura da obra do escritor,
de uma maneira geral, e mais detalhadamente do conto “Teleco, O Coelhinho”. É
interessante notar que Murilo Rubião, durante os quatro anos que passou na
Espanha, escreveu apenas um conto – “Teleco, O Coelhinho”. Era a primeira vez
que saía do Brasil. Desanimado com a Literatura, pensava em não escrever mais.

1
Realismo mágico, realismo fantástico e narrativa fantástica são termos correlatos.
Conforme Renard Perez, Rubião em sua mineirice sofre a ausência de seu ambiente
durante a elaboração deste conto. Dessa forma, investigo a possível sensação de
exílio que o contista nutria na distância em que se encontrava de sua terra e tento
perceber se esse distanciamento transparece na tessitura do conto.
Faço uma leitura mais aprofundada de um único conto pela importância que
este tem, por ter sido o único conto que Murilo Rubião escreveu durante sua estada
em Madrid. Teleco é um coelho que não consegue se adaptar no mundo dos
humanos. Ele, como tantos outros personagens de Murilo, está condenado a viver
solitariamente. Aqui, abordo o estudo de Julia Kristeva, em seu texto “Tocata e fuga
para o estrangeiro”, do livro Estrangeiros para nós mesmos. E com relação ao que
diz respeito às identidades diferentes que o sujeito assume em diferentes momentos,
abordo o livro A identidade cultural na pós-modernidade, do crítico Stuart Hall.

Capítulo 1: Murilo Rubião: “o solitário da Serra”


Nascido em 1º de junho de 1916 na cidade de Silvestre Ferraz – hoje Carmo
de Minas, Minas Gerais, Murilo Rubião, com menos de dois anos de idade, mudou-
se dali com sua família, tendo morado em cidades como Conceição do Rio Verde e
Passa Quatro até se fixar em Belo Horizonte. Nesta cidade, Murilo2 chegou aos sete
anos.
Foi matriculado primeiramente no Grupo Escolar Afonso Pena, onde ficou
quatro anos. Durante esse tempo na escola, Murilo aproveitava as férias para fazer
viagens a pequenas cidades de Minas e do Estado do Rio.
Iniciou, em 1930, o curso ginasial no Colégio Arnaldo, onde deu seus
primeiros passos na vida literária ao publicar no jornal estudantil – O Ginasiano.
Neste, Murilo escrevia poemas em moldes acadêmicos.
Entre seus dezesseis e dezoito anos, escreveu dois livros de versos,
inspirados numa namorada. Porém, ao passar a fase de paixão e já convencido da
falta de mérito dos versos, Murilo os queimou.
Foi orador da turma ao concluir o ginasial, em 1935. Em 1938 ingressou na
faculdade de Direito da Universidade de Minas Gerais. Conforme Perez, Murilo
Rubião:

Começa a trabalhar aos 12 anos numa casa de balas de um


tio, onde fica até os catorze. Estudante do 1º Complementar, mantém
durante um ano com dois colegas um escritório de procuratórios. Daí,
passará a trabalhar numa livraria alemã, lugar onde permanecerá até
o final do primeiro ano de Direito.

E é através dessa ocupação que vem a conhecer o futuro


Presidente Juscelino Kubitschek, que havia abandonado a deputação
2
Doravante usarei somente o primeiro nome do contista (Murilo) ao revés de seu sobrenome
(Rubião), principalmente quando precisar fazer referência a sua solidão. Esta escolha foi feita para
evitar, no texto, a repetição de palavra com terminação igual empregadas muito próximas uma da
outra.
e tornado ao exercício da Medicina, e lhe comprava obras de
Cirurgia. Desde então tornou-se seu amigo (PEREZ, 1987, p. 2).

No período em que passou na faculdade, Murilo participou intensamente da


política estudantil. Foi vice-presidente do Diretório dos Estudantes e logo depois
Presidente. Foi Tesoureiro do Diretório Central dos Estudantes da Universidade.
Murilo Rubião participou também de atividades jurídicas, jornalísticas e literárias:

[Murilo] participa, como Delegado do Centro de Estudos


Jurídicos da Faculdade, no I Congresso Pan-Americano de
Estudantes. Também a atividade jornalística – a que se dedicará – se
inicia nesse período, nela se incluindo igualmente a área literária
(Ibidem).

Sua carreira literária deu um salto quando fundou, em 1939, junto com um
pequeno grupo, uma Revista tendo como título Tentativa. Murilo era um dos nove
redatores da Revista. Esta, de publicação mensal, segundo Perez, chega a contar
doze números.
Ao procurar no acervo do contista mineiro os números da revista citados por
Perez, verifiquei que havia apenas sete números desta, ou seja, conforme sua
informação de que a Revista chegou a doze números, averigüei que estão faltando,
na estante de Murilo Rubião, o número um e do número nove ao número doze.
Na estante, as revistas estão todas encadernadas com capa dura,
organizadas em dois volumes. No primeiro volume estão reunidos os números dois,
três, quatro e cinco e o no outro volume constam os números seis, sete e oito.
Como observa o professor Reinaldo Marques, em seu texto “O arquivamento do
escritor”, no livro Arquivos Literários, Murilo Rubião é talvez o escritor mais atacado
pela prática arquivística, marcada pelo rigor na ordenação e classificação dos
materiais, pelo cuidado com sua conservação e preservação, como indica seu hábito
de colocar capa dura em todos os livros (MARQUES, 2003, p. 148).
É curioso, portanto, notar que Murilo Rubião, homem preocupado com o
arquivamento de sua trajetória de vida, não só jornalística como também literária,
não tem na sua coleção o número um da Revista Tentativa. Descuido ou não do
escritor, este número ficou perdido. Talvez tivesse emprestado a alguém e não lhe
tivesse devolvido.
Em todos os números da Revista Tentativa aos quais tive acesso, pude notar
que constavam variados tipos de textos, como: poemas, contos, artigos, crônicas,
comentário internacional etc.
Considero, para a presente pesquisa, a Revista número oito a mais
importante, uma vez que nesta encontram-se dois textos de Murilo Rubião e ainda
um comunicado introdutório destinado aos leitores, com o intuito de esclarecer o fim
das edições posteriores da Tentativa.
A maioria dos leitores de Murilo não conhece outro tipo de texto que não
sejam os contos, uma vez que apenas estes foram publicados em livros. O primeiro
texto de Murilo Rubião, publicado no último número da Revista Tentativa, é um
poema intitulado “Ausência”. Este poema faz-me um convite para ser abordado logo
no seu título. Ausência de quê o escritor escreve? Para apreciar outro tipo de texto
publicado pelo mineiro, abro parênteses para fazer uma leitura deste poema. Neste,
o eu-lírico fala da ausência sentida da pessoa amada.
Aos vinte e três anos, Murilo Rubião publica esse poema, composto por vinte
e dois versos, carregado de lembranças, cheio de saudade de um tempo que não
volta mais, a não ser por algumas lembranças revividas (mas nunca como realmente
acontecera) pela sua memória. O eu-lírico inicia com um questionamento: Para que
fugir si me acompanhará sempre a minha sombra? E, logo em seguida, um outro
verso responde a esta questão: si nunca encontrarei na solidão dos caminhos o
silêncio!
A pessoa amada ausente é resgatada em suas lembranças em qualquer lugar
por onde passa. Nem na solidão encontrará sossego, pois terá a companhia da
lembrança. Ele sabe que não adianta fugir, pois não encontrará o silêncio. O poeta
descreve as ações de carícias e dos beijos, comparando as mãos que o acariciavam
aos lírios brancos, e os lábios que não cansava de beijar ao crepúsculo sanguíneo
das tardes exangues:

Por todos os lugares, em toda a minha inútil existência


o eco da minha voz, a tortura do meu pensamento,
estarão onde eu for, mostrando-me o passado de que não
posso fugir.
Verei nos lírios entornados á beira das estradas
a imagem de duas brancas mãos que um dia me acariciaram;
sentirei no crepúsculo sanguíneo das tardes exangues
os lábios que me sussurravam ao ouvido,
os lábios que não cansava de beijar.3

Para o poeta, tudo lhe faz lembrar a sua amada: Em tudo que eu pensar, em
tudo que pousar meus olhos, / verei projetado, como uma sombra enorme, / a cobrir
o meu corpo cansado de caminhar/ um rosto de mulher, o rosto de minha amada!
Sentindo-se torturado por alcançar a mulher amada apenas em seus sonhos
impossíveis, ele irá procurá-la nos astros, na tranqüilidade dos campos e buscará
com os braços fatigados a sua visão fugidia...
Convicto de que não a encontrará mais, uma vez que a amada é só uma
lembrança, nos últimos versos, o poeta mostra a sua dor pela procura da luz
perdida:

E encontrarei apenas a minha voz angustiada,


Os meus olhos extenuados pela procura da luz perdida,
A recordação pungente de um sentimento sempre revivido,
A minha dor imensa cobrindo as estradas
Cheias de lírios, de silêncio, de luar... (Idem)

O poeta se sente angustiado por procurar a luz que se perdeu. E esta procura
provoca dor ao vir à memória. Nesse poema já vislumbro um eu lírico solitário em
busca de uma amada, se não em pessoa, em lembrança.
O segundo texto que Murilo Rubião publica neste mesmo número da Revista
Tentativa tem como título “Mário de Andrade, Minas e os mineiros”, onde Murilo
homenageia o paulista Mário de Andrade quando este esteve em Minas. Logo nas
primeiras páginas deste número também se encontra um comunicado aos leitores,
sobre o encerramento das edições da Revista Tentativa. Abaixo, na íntegra, o
comunicado destinado aos leitores e amigos com o título “Despedida”, que trata de
esclarecer o encerramento das publicações:

3
RUBIÃO, Murilo. Revista Tentativa, Belo Horizonte, nº 8, nov. de 1939, p. 30.
Desejamos agora comunicar aos nossos leitores, que por
circunstâncias imperiosas e imprevistas, impossíveis de debelar, nos
vimos forçados a sustar nossa publicação.
Com o presente número damos por encerrado o esforço que
há meses vínhamos realizando á custa de grandes e reais sacrifícios.
Despedindo-nos, fazemo-lo com conciência tranquila de quem
cumpriu fielmente com a sua missão, e a nós basta esta certeza para
premiar todo o nosso trabalho.
Aos nossos assinantes, que tão generosamente contribuíram
com o seu apôio para o êxito do nosso empreendimento,
devolveremos sem nenhum ônus o montante relativo aos exemplares
que não lhes serão entregues.
A todos, enfim, que com o seu incentivo e o seu aplauso nos
permitiram realizar o que realizamos, o nosso profundo
reconhecimento e a nossa imorredoura gratidão4

Diante desse comunicado e da não existência dos números subseqüentes


no acervo de Murilo Rubião, acredito que a Revista não alcançou os doze números,
conforme Perez afirma, mas sim finalizou no oitavo.
Com relação à literatura, diferentes gêneros, desde muito cedo, fazem parte do interesse de
Murilo Rubião. Aos dez anos já havia lido o Dom Quixote. Até os seus quinze anos, lê desde os
romances de aventura até os clássicos. A Bíblia, permanece lendo-a pela vida toda, assim como as
obras de Machado de Assis, principalmente Memórias Póstumas de Braz Cubas, que lê vinte e uma
vezes, fazendo anotações. O contista, como ele mesmo afirmou várias vezes sofreu influência da
obra de Machado de Assis, e assim usufruiu da importante participação, no início de sua carreira
literária, do escritor Marques Rebelo, quando este lhe apontava os excessos de influência das obras
de Machado.
Conforme Davi Arrigucci Jr., a tradição que vem de Machado de Assis certamente é decisiva
na formação de Murilo e está muito presente em suas tiradas irônicas (ARRIGUCCI, 1987, p. 148).
Assim, a formação desse contista está certamente ligada à Bíblia e às obras machadianas, sendo
estas essencialmente assimiladas no aspecto da ironia, apresentando de maneira muito forte sua
influência no contista mineiro.
Em relação à religiosidade, Renard Perez afirma que:

Muito católico, [Murilo] atravessa dos onze aos dezesseis anos


uma fase de misticismo. Mas não só a fase arrefece, como acabará o
rapaz sendo mesmo levado ao ateísmo, para isso concorrendo muito
particularmente o seu contato com os padres do colégio (PEREZ,
1987, p. 2).

4
Revista Tentativa, Belo Horizonte, nº 8, nov. de 1939, p. 3.
Em 1939, Murilo começa a trabalhar como repórter no jornal Folha de Minas.
Nesta mesma época, não se deixando vencer pela timidez, inicia correspondência
com o escritor Mário de Andrade. Durante cinco anos, a relação de amizade entre os
dois escritores, conforme afirma Souza, “de semelhante estirpe e de evidente
generosidade intelectual” (SOUZA apud MORAES, 1995, p. XV) vai sendo acrescida
de forma lenta, mas bastante fiel.
Sendo assim, Mário aponta perspectivas para a literatura precursora de Murilo
Rubião, embora encontrando muitas dificuldades acerca do seu experimentalismo.
Como diz Moraes: Se por um lado desestimula, não gostando e dizendo-se obtuso
para entender os contos de Murilo, por outro lado, dá asas ao vôo desconhecido, se
percebe nesse alçar a realização de uma personalidade ´fatalizada` (MORAES,
1995, p. XLVIII).
Na primeira carta (1939) que Murilo envia a Mário, é perceptível o gesto de
reverência ao grande escritor, em oposição à sua inexperiência, onde ele diz: Nesse
grifo o senhor não encontrará o elogio que merece. Quem o fez carece de cultura e
inteligência para dizer do seu enorme valor (RUBIÃO, apud MORAES, 1995, p. 3).
Em 1940, Murilo Rubião publica um de seus contos intitulado Mensagem, no
Jornal Literário, em Belo Horizonte, mas o seu livro de estréia fica por volta de
quatro anos percorrendo as editoras do Rio de Janeiro e Porto Alegre, sem
perspectiva de publicação.

Nessas idas e vindas dos originais deste primeiro livro às editoras, Murilo
fazia várias modificações em sua obra: o primeiro livro que fôra encaminhado para
publicação a princípio teria como título Elvira e outros mistérios; logo depois,
passara a se chamar O dono do arco-íris e, mais tarde, O Ex-Mágico da Taberna
Minhota que, a pedido de Marques Rebelo, ficara, finalmente, simplificado em O
Ex-Mágico.

É importante ressaltar que, em 1940, Murilo Rubião trabalhou também na


revista Belo Horizonte, na função de redator. Foi a partir daí que começou a trocar a
poesia pela prosa de ficção.
Segundo Humberto Werneck, em seu livro O desatino da rapaziada, foi na
Folha de Minas, a partir de 1941, que Murilo divulgou grande parte de seus primeiros
escritos como, por exemplo, uma série de contos com a mesma personagem, o Grão
Mogol, do qual não se sabia se tinha quarenta anos e sessenta mulheres, ou
sessenta anos e quarenta mulheres (WERNECK, 1992, p. 140).
De acordo com Werneck, esses contos já traziam um pouco do clima
fantástico que marcaria a obra de Murilo Rubião (Ibidem), porém nunca foram
publicados em livro. É importante ressaltar que o contista trabalhou por mais de uma
década na redação do jornal Folha de Minas e neste encontrou seu caminho na
ficção.
Outro momento muito importante na vida do escritor aconteceu em 1942,
quando ele se formou em Direito. Nesse mesmo ano foi eleito Diretor da Associação
de Jornalistas Profissionais de Minas Gerais.
Um ano depois de sua formatura, em 1943, o entrosamento do contista com o
escritor paulista aconteceu verdadeiramente. Murilo resolveu enviar alguns de seus
contos ao mestre Mário de Andrade. Antes, a timidez o havia consumido, permitindo
apenas uma constrangida e estreita troca de cartas. Murilo escreve: sinto
necessidade de contar para alguém uma porção de coisas que se amontoam,
confusas, dentro de mim (RUBIÃO apud MORAES, 1995, p. 39) e, mais adiante,
afirma: Infelizmente, escrever é para mim a pior das torturas (Op. cit, p. 40).
Murilo, sentindo-se torturado pela dificuldade de criação, ou melhor, pela
dificuldade de conclusão de suas histórias insólitas, encontra em Mário de Andrade
um amigo disposto a ajudá-lo. Solicitado para apreciação de suas obras, Mário de
Andrade, às vezes, via-se num caminho tortuoso, ou seja, não compreendia as
novidades, as histórias insólitas.
O contista, em carta datada de 23 de julho de 1943, depois de alguns anos
de confidências, confessa ao mestre Mário de Andrade, como já citado, que
escrever é para ele a pior das torturas, pois até a presente data não havia
conseguido terminar nenhum conto, mesmo depois de passados cinco anos de
plena insistência com a literatura de ficção. Todavia, a persistência com que
escreve e reescreve seus contos é de se admirar. Em 1944, Mário de Andrade
responde à mensagem dizendo que o importante para o artista talvez não seja a
obra de arte, mas o ato de criar.

Em carta a Murilo Rubião, datada de 16 de junho de 1943, Mário de Andrade


havia observado que os contos murilianos têm a força estranha de apassivar
dominadoramente o leitor, impondo o irreal como se fosse real (MORAES, 1995, p.
33). Essa característica que Mário aponta na obra de Murilo é mais tarde colocada
pelo escritor paulista como algo não convincente quando o contista mineiro, em
dezembro de 1943, pensando em melhorar a sua produção literária, aproveita da
experiência do mestre e pede que lhe mostre os incríveis defeitos (Op. cit, p. 49)
que possui. Murilo afirma que os conselhos do professor poderão ser decisivos
(Ibidem) para a arte de um principiante. E este, apesar da grande dificuldade de
entender os contos de Murilo, não os rejeita. Assim faz sua crítica:

Os elementos que você utiliza, cria, inventa, na sua fantasia,


freqüentemente não me convencem, não por serem irreais, mas por
não serem suficientemente irreais, suficientemente inesperados, é
melhor dizer. Mas eu seria o mais desonesto dos sujeitos se tivesse
certeza. Não tenho certeza nenhuma do que eu sinto (Op. cit., p. 58).

Mário, mesmo sendo um inovador da linguagem, da narrativa, da poesia, do pensamento


crítico (MORAES, 1995, p. XXI) sente-se perdido em meio às histórias insólitas de Murilo Rubião e,
por isso, não tem total convicção ao orientá-lo.
Ainda assim, Murilo Rubião era para Mário de Andrade figura admirável de discrição que
disfarça o seu drama interior no drama mais acessível da sua dificuldade de criação, inteligentíssimo,
perseguido pela própria inteligência (Op. cit, p. LXIX).
O diálogo entre Murilo e Mário se encerra em 1945 quando, em 25 de
fevereiro deste ano, o escritor paulista morre. O último encontro dos dois
acontecera um mês antes, em São Paulo, no Primeiro Congresso Brasileiro de
Escritores, onde Murilo era o responsável pela delegação mineira, composta,
segundo o programa do encontro, por 26 escritores e jornalistas, nomes feitos e
estreantes (MORAES, 1995, p. XLVI).

Mário não chegou a presenciar cargos importantes que o mineiro ocupou,


tais como: em 1946, Murilo Rubião foi Oficial de gabinete do interventor do Estado
e, em 1948, foi Chefe de divisão da Secretaria da Agricultura e diretor do Serviço
de Radiodifusão do Estado de Minas Gerais. Entre 1951 e 1952 passou de Oficial a
Chefe de gabinete do governador Juscelino Kubitschek, até chegar a Chefe do
Escritório de Propaganda e Expansão Comercial do Brasil em Madrid e adido junto
à Embaixada do Brasil na Espanha, no período de 1956 a 1960.

Segundo Werneck, Juscelino Kubitschek, tanto em seu governo de Minas


como na presidência da República, procurou cercar-se de escritores. Dentre os
talentos reunidos ao lado do presidente estavam Cyro dos Anjos, Murilo Rubião,
Cristiano Martins, e, mais adiante, Autran Dourado, Fábio Lucas, Rui Mourão,
Affonso Ávila, como diz Werneck, todos filhos da terra (WERNECK, 1992, p.134).

Em 1947, O Ex-Mágico, o primeiro livro de Murilo Rubião, é lançado,


contando a primeira edição com dois mil exemplares, que em pouco tempo se
esgota. A obra tem ótima repercussão no âmbito da crítica e, principalmente, da
imprensa, tendo obtido aproximadamente cinqüenta artigos e resenhas, assinados
por críticos renomados.

Seis anos depois, Murilo Rubião publica seu segundo livro, em edição
limitada, com o título A estrela vermelha. E em 1965, publica Os dragões e outros
contos, seguindo ainda a mesma linha do primeiro livro, com cuidadoso trabalho.
Entretanto, dos vinte contos reunidos nessa obra, apenas quatro são inéditos, pois
Murilo, valorizando suas histórias, passa mais tempo reescrevendo-as
constantemente, com uma única preocupação: a perfeição formal. Assim, aproveita
doze dos quinze contos da obra O Ex-Mágico e quatro de A estrela vermelha.
Em 1966, Murilo Rubião funda e organiza o Suplemento Literário do jornal O
Estado de Minas Gerais, tornando-se um dos órgãos de imprensa cultural mais
respeitado do país. Torna-se o primeiro editor do Suplemento.
Em 1974, Murilo publica O pirotécnico Zacarias, que contém uma seleção de
oito contos dos seus livros anteriores. E ao final desse mesmo ano, ele publica uma
coletânea de contos no livro O convidado.
Sua obra é mais bem divulgada a partir de 1975, quando passa a ser
estudada nos currículos escolares do Ensino Médio e nas faculdades, sendo objeto
de trabalho de professores. Daí em diante, ela é lançada no exterior: Estados Unidos
(1978) e Alemanha (1981). Ainda, em 1978, Murilo Rubião publica no Brasil uma
nova antologia com o título A casa do girassol vermelho e, em 1990, O homem do
boné cinzento e outras histórias.
Portanto, é a partir da publicação de O Ex-Mágico que Murilo inaugura no Brasil a corrente do
realismo mágico. Schwartz salienta o traço mais relevante do contista Murilo Rubião buscando as
palavras de Benedito Nunes:

[...] é o contraste entre a particular coerência do discurso


narrativo, minucioso e imperturbável, e a particular incoerência da
matéria narrada, isto é, dos acontecimentos extraordinários que
constituem a trama esquemática de cada história (NUNES apud
SCHWARTZ, 1987, p. 6).

A obra de Murilo Rubião é relativamente curta, pois conta com trinta e três
contos publicados. Em seus contos encontram-se situações dramáticas, em um
contexto estranho. Segundo Fábio Lucas, misturam-se o arbitrário das situações
com o realismo óptico das personagens principais ou do narrador (LUCAS, 1987, p.
11).
Talvez por isso a publicação de seu primeiro livro não tenha sido tarefa fácil pois, conforme
afirma Perez, cerca de quatro anos rodaram os originais pelas editoras – do Rio, de Porto Alegre.
Ninguém se aventurava a publicar aquelas histórias meio estapafúrdias que fugiam de tudo o que se
considerava literatura (PEREZ, 1987, p. 2). Sua obra, será examinada, mais demoradamente no
capítulo três.
Como já foi dito, Murilo Rubião chegou a Belo Horizonte, ainda menino, na
década de 20. Circulava pela região do Malleta que, como observa Márcio Lima, era
assim chamada, por causa do grande edifício de salas e apartamentos que domina a
paisagem, à direita. Mas já naquela época poderia bem ter esta denominação,
porque o Grande Hotel [...] pertencia à família Malleta (LIMA, 1989, p. 24).
Cresceu nesta cidade, morando com seus pais até os 28 anos. Morou, mais
tarde, no Rio de Janeiro, onde dividiu um apartamento com o escritor Otto Lara
Resende. A experiência foi curta. Retornou a Minas e passou a morar sozinho.
Segundo Humberto Werneck, o escritor mineiro Murilo Rubião:

[...] ao contrário dos companheiros, preferiu ficar em Minas,


cujas perspectivas culturais e até existenciais eram demasiadamente
limitadas – à exceção de períodos passados no Rio de Janeiro e em
Madrid, ele sempre viveu em Belo Horizonte (WERNECK, 1987, p.
12).
Morando sozinho e no alto da serra, no bairro do mesmo nome, onde se
dedicava apenas à sua literatura5, Murilo Rubião foi apelidado de “o solitário da
Serra” (1953). Esta denominação faz-me remeter a uma bela frase de
Schopenhauer: Os grandes gênios têm seu ninho como as águias: nas alturas e
isolado (SCHOPENHAUER, 1991, p. 112).
Pensando Murilo Rubião que viver só e no alto da serra era mais vantajoso
para o seu trabalho de escritor, ele ressalta num artigo intitulado “Morar só: um
estado que nem sempre é de solidão, mas de boa ‘sozinhez’”, publicado no Diário de
Minas, em 1988, que a literatura é uma atividade muito escravizante “ou você se
subordina a ela ou ela o abandona” (RUBIÃO, apud LIMA, 1988, p. 20). Para ele,
morar sozinho é ter liberdade para poder fazer seus horários para escrever e ler,
sem preocupações ou perturbações.
Murilo Rubião ainda revela que para a literatura a solidão é enriquecedora (...)
e que por estar sempre voltado para os livros, escrevendo ou lendo, não sofre muito
com a ausência das pessoas (Ibidem). Todavia, quando a solidão apertava, esta o
incomodava a ponto de ele sair pela rua catando os amigos (Ibidem).
Na Espanha, Murilo Rubião, já com 40 anos, experimentava outro tipo de
vida. Uma vida longe dos parentes e amigos. Uma solidão talvez não tão escolhida
como antes. Mas uma solidão forçada por não poder encontrar as pessoas queridas
no momento que desejava. O contista estava, neste momento, chefiando o Escritório
de Propaganda e Expansão Comercial do Brasil em Madrid e era adido junto à
Embaixada do Brasil na Espanha.
Retornou na década de 60; solteiro por opção, o escritor revela, em 1988, que
pensou em casamento até os 40 anos, desistiu depois (MAGIOLLI, 1988, p. 1). Na
data em que o artigo de Magiolli sobre Murilo foi publicado, o escritor estava com 72
anos. E com esta idade, ele diz que acreditava ter pagado ‘o ônus dos que optam
pela solidão’. Afinal, recorda Murilo, ‘o comportamento natural da maioria é o
casamento e a conseqüente dependência da família’ (Ibidem)6.

5
[CIRANO]. O calor embrutece o colunista. Folha de Minas, Belo Horizonte, 24 fev. 1953. Folha
corrida. 1 fl.
6
Os depoimentos colhidos nessa entrevista e nas entrevistas citadas a posteriori foram feitos por
Murilo Rubião na vida madura. O que ele declara é feito através da memória. Em seus anos mais
Rachel, ex-namorada de Murilo, numa carta escrita entre 1956 e 1957,
localizada na pasta “correspondências: escritores, suplementos e diversos”, salienta
bem o medo que o contista nutria de se apegar a alguém. Assim ela escreve:

Você tem horror ao compromisso e diz que fugiu de mim por


isso. Sempre senti isso Murilo, e não pretendia mesmo naquela
época exigir nada de você [...] Eu sentia o seu medo, o seu apêgo a
vida sem complicações. Tinha pena de você porque êsse medo ia lhe
fazer levar uma vida estéril. Mas medo de me casar isso eu também
tinha, sabe? [...] Mas o que eu queria lhe dizer, Murilo, era que
comigo você não tem que se comprometer. [...] Gostaria de receber
as vezes notícias suas. Não tenha medo de mim, por favor.

Em 1963, numa reportagem de Anna Marina publicada no suplemento


Dominical do jornal Estado de Minas, Murilo Rubião fala sobre seus quatro anos de
Espanha e o que estava fazendo, pensando e descobrindo assim que voltou de lá. É
importante ressaltar que, novamente, Murilo Rubião faz questão de deixar claro o
seu apego pelo isolamento:

Na volta, dediquei-me a um sítio que comprei em Lavras, e que


tem certa tradição literária, pois já pertenceu a João Dornas. Lá eu
leio, escrevo, descanso ou faço jardinagem, sem nenhum
compromisso de tempo ou tarefa. E lá passo quase toda a semana,
pois o sistema de plantão da Imprensa me dá quase cinco dias de
folga [...] Trouxe um carro, mas entre a condição e o isolamento,
vendi o carro e comprei o stítio (sic) (RUBIÃO apud MARINA, 1963,
p. 8).

Murilo Rubião, em entrevista concedida a Mirian Chrystus, publicada no


Suplemento Literário do Minas Gerais, em 1987, resgata sua memória de infância
revelando que sabia haver nele uma diferença, isto é, o escritor diz que, apesar de
ter sido uma criança sociável, cultivava a solidão. Murilo brincava, jogava futebol de
rua, mas sempre num determinado momento, afastava-se para um canto com um
livro na mão. E já com suas angústias, seus pensamentos (CHRYSTUS, 1987, p. 8).
Mais adiante, Mirian Chrystus pergunta-lhe se não era ruim sentir-se diferente
dos outros e como os outros reagiam? Murilo responde que ele não confessava para

produtivos ele não falava da solidão explicitamente, somente através de seus personagens. Agora,
ele deixa explícito nesta entrevista e em muitas outras que a solidão é algo necessário para ele.
os outros que ele era diferente deles. Isso só ele sabia. Ele não revelava esta
diferença para os outros meninos.
A solidão, para ele, seria uma defesa contra os chatos, isto é, contra aqueles
perto dos quais não se pode ficar, conforme frisa. Por isso a solidão deveria ser
preservada a qualquer custo. Murilo não via mal algum em querer estar só. O
escritor vê a solidão como algo bom, como algo rico. A solidão para Murilo soa como
liberdade pessoal da qual ele pode usufruir quando desejar. Estar só é um exercício
cotidiano ante a relação dele com o outro.
Outra característica forte do contista foi dita por ele próprio em seu auto-retrato, publicado no
Suplemento Literário do Minas Gerais. Neste, Murilo declara que herdou de seu pai, Eugênio Álvares
Rubião, a timidez e um certo ar cerimonioso (RUBIÃO apud PEREZ, 1987, p. 3), características que o
privavam da simpatia de numerosas pessoas. Algumas delas mulheres, o que é lamentável (Ibidem),
confessa o mineiro. Seu pai era um homem de boa cultura humanística, era filólogo e pertenceu à
Academia Mineira de Letras (Ibidem). Não deixando de fazer sua crítica, diz que seu pai escrevia com
rara elegância, apesar de gramático (Ibidem). Murilo Rubião reconhece assim que aquela
característica herdada do pai lhe trouxe aborrecimentos perante as pessoas.
Déa Januzzi, em seu artigo “O doce sabor do próprio convívio – cara-a-cara
com a solidão (2)”, dá continuidade a uma série do jornal Estado de Minas
discorrendo sobre a vida de pessoas que moram sozinhas na capital mineira. Dentre
cinco pessoas consultadas a respeito deste assunto, encontro a figura de Murilo
Rubião. O contista não se casou e não teve filhos. Neste artigo, Murilo fala o motivo
pelo qual jamais se casara, quer dizer, depois de alguns desenganos, certos
desencantos (JANUZZI, 1982, [s/p]) percebeu que não era possível se casar.
Contando um pouco da intimidade do escritor, Januzzi começa falando do
esconderijo de Murilo, isto é, da sua casa. Digo esconderijo, porque quando o
contista queria sossego, queria resguardar-se, principalmente para escrever seus
contos, ele se refugiava em sua casa.
Conforme Januzzi, Murilo usava dois apartamentos: no primeiro, localizado no
Edifício Malleta, número dois, ficavam seus livros, sua biblioteca. O segundo
apartamento também tinha toda a infra-estrutura, com telefone, móveis e tudo muito
bem arrumado; era neste que Murilo limpava as suas piteiras e escrevia quando
tinha vontade de escrever.
Houve um tempo em que Murilo tinha uma empregada que ficava o dia todo
em sua casa, conforme afirma Januzzi no artigo citado, porém ela não menciona
qual das casas. Sendo assim, ele se sentia obrigado a voltar para a casa, porque
ela tinha preparado o almoço. Sentindo-se obrigado a voltar, não quis mais almoçar
em casa. Dessa forma, a empregada passou a fazer o café da manhã e arrumar a
casa e logo em seguida ir embora. Assim, Murilo saía para encontrar os amigos,
conversar, tomar uma cerveja e dividir o almoço.
José Maria Cançado, em seu texto “A luz furtiva de Murilo Rubião” diz que na
casa do contista, além dele só uma pessoa: a empregada (CANÇADO, 1987, p. 10).
Esta é, no entanto, mais discreta do que o próprio Murilo. Só aparece quando é
absolutamente necessária. Murilo Rubião diz que não saberia viver com uma pessoa
que ficasse impondo a sua presença e ainda faz uma comparação de Clarissa (sua
empregada) com a Françoise de Proust, dizendo que aquela é o contrário desta, que
é falante e bisbilhoteira.
A receita de Murilo para viver só é não evitar a solidão. Segundo Januzzi:

Murilo não sente solidão. Seus personagens é que sentem,


porque Murilo transfere a sua solidão para “Bárbara”, a que
engordava e queria estrelas ou para o “Convidado”, que vai numa
festa onde não conhece ninguém, onde ele não entende a linguagem
dos outros e não sabe como ir embora. O “Convidado” é o conto da
solidão forçada, não escolhida. O que não acontece na vida de
Murilo (JANUZZI, 1982, [s/p]).

É interessante observar a contradição do texto de Januzzi, quer dizer,


primeiro ela afirma que Murilo Rubião não sente solidão. Logo em seguida, se
contradiz dizendo que a solidão de Murilo é transferida para os seus personagens.
Se a solidão é transferida é porque, antes, ele chega a senti-la.
Outro trecho curioso, desta reportagem, e que é incoerente com a primeira
afirmação, pode ser verificado abaixo:

Murilo não evita a solidão e está em paz consigo mesmo, mas


acha que “o cara que só gosta da solidão, é um egoísta, um
neurótico”. Solidão afetiva? Não, hoje não. [...] Murilo [...] não se liga
muito às pessoas e famílias (JANUZZI, 1982, [s/p]).

Murilo não evita a solidão, pelo contrário, ele busca a solidão, por isso está
em paz consigo mesmo. Entretanto, ele acha que aquele que só quer viver
solitariamente é uma pessoa que só pensa em si mesma ou que, até mesmo,
apresenta problemas de ordem psíquica.
Ainda neste artigo, Januzzi ressalta que Murilo nunca achou que a vida fosse
um presente, mas “uma imposição” e não sabe “se a solidão escolhida é a melhor
opção”, mas reconhece que “o pior é casar porque todo mundo casa” (JANUZZI,
1982, [s/p]).
Segundo a repórter, quando Murilo não queria ficar só, tornava-se um notável
anfitrião. Fazia da sua casa uma festa, reunindo as pessoas pelas quais ele tinha
maior estima. Ele se sentia recompensado por não ter filhos, por não ser pai, ao
deparar com tantos problemas de pais com filhos, ou pela dedicação ou pela
omissão. (JANUZZI, 1982, [s/p]).
Para finalizar a reportagem, Murilo revela o seu lado bem humorado para
tratar deste sentimento de solidão que tanto faz parte de sua vida. Talvez, com
intenção de burlar este sentimento, Murilo diz que morar sozinho foi escolha dele
próprio. Assim ele declara:

Dentro da minha escolha de morar sozinho, de ficar só, eu


não quero me tornar um chato, por isso não tenho aquela imagem do
solteirão ou da solteirona. [...] sei que não há receita para a solidão.
Não é possível evitá-la. Se eu decidisse casar, eu me prepararia para
o casamento, como me preparei para viver só, tranqüilo, em paz,
mesmo com as minhas angústias, as minhas despressões (sic),
porque não há imunidade para elas (RUBIÃO apud JANUZZI, 1982,
[s/p]).

Com base nos depoimentos acima ressaltados, pude ver que muitos foram
os artigos e as entrevistas publicados sobre a vida de Murilo Rubião, principalmente
no que se refere à sua solidão, e todas estas publicações foram guardados em
recortes pelo escritor. Nestes artigos, a solidão, na maioria das vezes, foi o
argumento do contista para explicar a sua solterice. Ele, renunciando ao matrimônio,
se preparou para viver só, uma vez que precisava de tranqüilidade para fazer suas
leituras, se dedicar à literatura. Sua solidão foi recompensada, pois sem dividir a
casa com esposa e filhos, sentia-se mais livre e não tinha que se preocupar em
dividir suas preocupações. Não precisava se dedicar à família, apenas à literatura.
O “estar só” penso ser característica muito forte não só em sua vida como
também em sua literatura. Seus personagens são obrigados a viver solitariamente.
Esta característica será discutida no capítulo três.
No momento, é necessário perceber um período específico da vida do
mineiro. Murilo Rubião passou quatro anos fora do Brasil. E esta fase foi, segundo
Murilo, sua constatação do que é ser estrangeiro, como pode-se verificar no trecho
abaixo, retirado de uma entrevista, publicada no livro Literatura Comentada,
organizada pelo professor Jorge Schwartz, em 1982:

LC - Murilo, você foi um dos poucos de sua geração que


permaneceu em Minas. Mas você passou quatro anos na Espanha,
como adido cultural. Apesar de não ser um exilado, os personagens
dos seus contos parecem exilados na própria terra. Você chegou a
sofrer o problema do exílio?

MR - Sofri. Eu não sabia o que era ser estrangeiro. Aliás, eu


era muito bem tratado. Mas para mim, sendo mineiro, era muito mais
trágico. Quem esteve lá na Espanha não era apenas um brasileiro,
mas um mineiro [...] Só escrevi “Teleco, o Coelhinho”. Eu estava no
maior desânimo com a literatura. Quando fui para Espanha, estava
pensando em não escrever mais. (RUBIÃO apud SCHWARTZ, 1982,
p. 5).

Murilo Rubião, por ser mineiro, como ele mesmo afirma, teve uma
experiência mais trágica. Talvez seja porque, conforme diz Alceu Amoroso Lima, em
seu texto intitulado Psicologia do mineiro:

[...] o mineiro não muda facilmente de casa. Gosta loucamente


de seu povoado natal. Ama a paisagem em que nasceu e dificilmente
a troca por outra [...] o mineiro é homem que em geral não sai de sua
província. A não ser quando seduzido pela tentação da modernidade,
que é forte e explica, em parte, esse grande êxodo mineiro para as
cidades, e particularmente para as capitais (LIMA, 1993, p. 16).

O mineiro, ressalta Lima, não vai em busca de novas terras, pelo contrário,
ele se dedica cautelosamente ao seu próprio território. O mineiro não se adapta
facilmente ao progresso, a novos regimes, a novas instituições, a novidades de
qualquer espécie (Op. cit., p. 17). E Murilo, como bom mineiro, permanece, na maior
parte de sua vida, em território pátrio.
Como já foi dito, Murilo sempre preferiu ficar em Minas. No seu canto, no alto
da Serra, Murilo cultivava a solidão. Ele, preferindo uma vida solitária, se conservava
à distância das pessoas quando queria. Entretanto, Murilo não vivia isolado das
pessoas da sociedade, pois sempre participou ativamente, por exemplo, de
atividades jurídicas, jornalísticas e literárias.
Sua preferência pelo isolamento não foi algo bom somente quando ele morou
fora do Brasil, pois ele chegou a sofrer como uma pessoa exilada7. Ele não sabia o
que era ser estrangeiro8. O termo “exilado” será abordado neste estudo conforme o
pensamento de Edward Said, que diz este termo trazer consigo um toque de solidão
e espiritualidade.
Porém, desde criança, Murilo sentia-se diferente, pois necessitava da solidão.
E esta foi cultivada pela vida toda conforme o próprio Murilo declarou em algumas
entrevistas.
Mas, sobre sua temporada fora do Brasil, Murilo não demonstrou satisfação
em sentir-se estranho, ou seja, não pareceu confortável em sentir-se diferente. Pelo
contrário, sofreu o exílio, no sentido figurado da palavra, ou seja, sofreu a solidão
fora do seu país. Portanto, a partir de seu depoimento, na entrevista supracitada,
fixam-se as dúvidas: O contista, neste período, não escolhera a solidão? Sentiu a
solidão forçada? Foi obrigado a ficar onde não queria ou pelo menos por um tempo
que não suportara? Sentiu-se preso? Sofreu, verdadeiramente, o problema do exílio,
conforme afirmou anos mais tarde?

7
Lembrando que a acepção do vocábulo “exílio”, neste trabalho, será abordado no sentido de
“isolamento do convívio social”; “solidão”.
8
Quando Murilo Rubião diz que não sabia o que era “ser estrangeiro”, entendo que ele não sabia se
sentir “estranho” e “solitário”.
Capítulo 2: Murilo Rubião em Madrid

Em 1956 começa uma nova fase na vida de Murilo Rubião. Ele se muda para
Madrid e fica por lá quatro anos. Mesmo tendo muito que fazer naquela cidade, no
que se refere ao serviço prestado ao Escritório de Propaganda e Expansão
Comercial do Brasil em Madrid, e também tendo contato com o grande número de
brasileiros que apareciam por lá, como, por exemplo, o amigo João Cabral de Melo
Neto que, morando em Barcelona, na mesma época em que Murilo estava em
Madrid, ia aos finais de semana a esta cidade ou então recebia Murilo em sua casa9,
ele sentiu desconforto em terra estrangeira. Murilo se sentiu um estrangeiro.
Assim sendo, este capítulo tem como propósito perceber aquele momento,
buscando subsídios nas reflexões sobre o exílio em Edward Said, sobre o
sentimento de solidão no alemão Schopenhauer e no mexicano Otavio Paz.
Segundo Edward Said, em Reflexões sobre o exílio e outros ensaios, toda
pessoa que é impedida de voltar para casa é um exilado. Todavia, o autor distingue
exilados, refugiados, expatriados e emigrados:

9
Esta informação pode ser encontrada no Suplemento Dominical do Estado de Minas, Belo
Horizonte, 3 de nov. 1963. p. 8.
O exílio tem origem na velha prática do banimento. Uma vez
banido, o exilado leva uma vida anômala e infeliz, com o estigma de
ser um forasteiro. Por outro lado, os refugiados são uma criação do
Estado do século XX. A palavra “refugiado” tornou-se política: ela
sugere grandes rebanhos de gente inocente e desnorteada que
precisa de ajuda internacional urgente, ao passo que o termo
“exilado”, creio eu, traz consigo um toque de solidão e
espiritualidade.
Os expatriados moram voluntariamente em outro país,
geralmente por motivos pessoais ou sociais. Hemingway e Fitzgerald
não foram obrigados a viver na França. Eles podem sentir a mesma
solidão e alienação do exilado, mas não sofrem com suas rígidas
interdições. Os emigrados gozam de uma situação ambígua. Do
ponto de vista técnico, trata-se de alguém que emigra para um outro
país. Claro, há sempre uma possibilidade de escolha, quando se
trata de emigrar. Funcionários coloniais, missionários, assessores
técnicos, mercenários e conselheiros militares podem, em certo
sentido, viver em exílio, mas não foram banidos. Os colonos brancos
na África, em partes da Ásia e na Austrália podem ter sido
inicialmente exilados, mas, em sua qualidade de pioneiros e
construtores de uma nação, perderam o rótulo de “exilado” (SAID,
2003, p. 54).

Vale ressaltar que, assim como Hemingway e Fitzgerald não foram obrigados
a morar na França, Murilo Rubião não foi obrigado a morar na Espanha. E mesmo
não sofrendo proibições na prática de um ato ou atividade imposta por uma
autoridade, Murilo Rubião pode ter sentido a mesma solidão de um exilado. Ao sair
de sua concha, Murilo sentiu-se estrangeiro.
A vida de um exilado, como afirma Said, é consumida em equilibrar a perda
desconcertante, criando um novo mundo para administrar. Assim, para Said não é
surpresa nenhuma que muitos exilados sejam romancistas, jogadores de xadrez,
ativistas políticos e intelectuais, porque essas atividades exigem um investimento
mínimo em objetos e dão um grande valor à mobilidade e à perícia. O novo mundo
do exilado é logicamente artificial e sua irrealidade se parece com a ficção (Ibidem).
Para finalizar, Said fala do exílio não como escolha e sim como se fosse
proveniente do nosso nascimento ou ocorrido por acaso:

Portanto, não falo do exílio como um privilégio, mas como


uma alternativa às instituições de massa que dominam a vida
moderna. No fim das contas, o exílio não é uma questão de escolha:
nascemos com ele, ou ele nos acontece. Mas, desde que o exilado
se recusa a ficar sentado à margem, afagando uma ferida, há coisas
a aprender: ele deve cultivar uma subjetividade escrupulosa (não
complacente ou intratável). (Op. cit., p. 57).

O exílio, imposto ou não, acarreta um sentimento de solidão que é por vezes


aumentado à medida que o exilado percebe-se distante de sua terra natal, longe das
pessoas com as quais deseja compartilhar todas as suas experiências. Para pensar
a questão da solidão recorri ao filósofo alemão Arthur Schopenhauer.
Ele foi um homem solitário. Além de não ter o amor de sua mãe, sentia a sua
aversão. Não tinha esposa e nem filhos. Não vivia em seu próprio país. Percorreu o
mundo, sem morada certa, vivia em pensões. Tinha como seu único companheiro
um cão. Schopenhauer experimentou definitivamente a solidão.
Para Schopenhauer, em seu livro Aforismos sobre filosofia de vida, onde ele
expõe de forma sucinta as principais características de seu pensamento, o homem
só pode ser ele mesmo se estiver sozinho e, para isso, ele tem que amar a solidão,
o que é o mesmo que amar a liberdade já que “Só se pode ser livre quando se é
sozinho” (SCHOPENHAUER, 1991, p. 91).
Para se viver em grupo é preciso que cada um se encarregue de seus
deveres e responsabilidades. Com isso, a individualidade fica prejudicada, de acordo
com o pensamento de Schopenhauer. Seu ponto de vista é que o indivíduo só
consegue se conhecer à medida que se isola:

É na solidão que se conhece a mediocridade ou a grandeza


do espírito, logo é só na solidão que cada um pode se conhecer a si
mesmo. A que conclusão isto nos leva? A de que, quanto maior for a
capacidade espiritual e interior do indivíduo, mais solitário ele será.
Mas, isso é um benefício para ele, já que a solidão física se adequa a
sua qualidade espiritual.
Ao contrário, se ele estiver num contexto tumultuado e
conflitante com seu próprio Ser, estaria sendo roubado do convívio
com seu “eu”, o que não lhe traria qualquer benefício ou
compensação” (Ibidem).

Para Schopenhauer, levar uma vida social nos acarreta aborrecimentos. Para
ele, a sociabilidade é um perigo, uma vez que na maioria das vezes temos contato
com pessoas de moral falsa e intelecto obtuso ou errado. Ao passo que ser uma
pessoa não-sociável é ter grandes qualidades. O homem não-sociável pode
dispensar estes contatos e sentir-se alegre por poder ser assim. Desse modo, o
homem terá desvelado a riqueza de sua existência. Quer dizer, ser feliz por estar só.
Isto é uma vantagem. O homem deve optar por uma vida calma, sem tumultos, para
não sofrer. Deve buscar a paz na solidão.
O filósofo afirma que a tendência para a não sociabilidade torna-se mais
intensa conforme a idade do homem vai aumentando:

Um bebê chora de medo e agonia no momento em que se


percebe sozinho; o menino vê a solidão como um castigo; o
adolescente tem grande facilidade e necessidade de se agrupar,
apenas uns poucos espíritos superiores já demonstram nessa fase
da vida amor à solidão mas, mesmo para estes é difícil suportá-la um
dia inteiro.
Para o adulto, ao contrário, essa é uma tarefa fácil e ele pode
ficar cada vez mais sozinho à medida que vai ficando mais velho. O
ancião representante de uma geração que já passou, tem, na
solidão, seu elemento característico, pois a inclinação à abstração e
à solidão aumenta numa relação direta com o seu valor intelectual
(SCHOPENHAUER, 1991, p. 96).

Ele acredita que quanto mais alguém conviver consigo mesmo, menos
precisará do mundo exterior e das outras pessoas. O homem nobre prefere a solidão
a conviver socialmente. Por isso, Schopenhauer concluiu que a inclinação para o
isolamento e a solidão é um sentimento aristocrático. As pessoas que formam
grupos, ou melhor, bandos, como o filósofo alemão salienta, são pessoas comuns,
medíocres, vulgares etc., isto é, não são pessoas nobres.
De forma diferente da perspectiva filosófica adotada por Schopenhauer,
Octavio Paz também aborda o problema da solidão. O escritor mexicano, Octavio
Paz, em seu texto “A dialética da solidão”, do livro O labirinto da solidão e post-
scriptum afirma que a solidão, o sentir-se e saber-se só, desligado do mundo e
alheio a si mesmo, separado de si (PAZ, 1984, p. 175) não é característica que se
restringe apenas ao mexicano, pois todos os homens sentem-se sozinhos pelo
menos em alguma ocasião da vida.
Paz declara que todos os homens estão sós. Nascer e morrer são práticas de
solidão. Nascemos e morremos sozinhos. Não escolhemos a solidão. Ela nos
acontece.
É importante frisar que, segundo Paz, o seu livro não é um ensaio a respeito
da filosofia do mexicano ou a busca de seu ser, também não é ontologia e nem
psicologia. Todavia, ele próprio reconhece que não conseguiu fugir totalmente das
armadilhas do humanismo abstrato quanto às ilusões de uma filosofia do mexicano
(Op. cit., p.196).
Ele salienta que o único ser capaz de se sentir só é o homem e este é o único
também que está sempre em busca do outro. De acordo com Paz, o homem é
nostalgia e busca de comunhão (Op. cit., p.175). Sendo assim, quando se sente a si
mesmo, sente-se como carência do outro, como solidão (Ibidem).
Paz vai desde o nascimento de uma criança até o crescimento da mesma
para exemplificar que quando nascemos há o rompimento dos laços de união ao
ventre materno. Assim, a sensação de separação, de ruptura, de desamparo é
transformada em sentimento de solidão, uma vez que nos sentimos sozinhos desde
o rompimento do cordão umbilical. A solidão é a condição de nossa vida, isto é, para
acontecer o nascimento é preciso quebrar o elo que nos unia ao ventre de nossa
mãe. Desse modo:

O sentimento da solidão, nostalgia de um corpo do qual


fomos arrancados, é nostalgia de espaço. Segundo uma concepção
muito antiga e encontrada em quase todos os povos, este espaço
não é senão o centro do mundo, o umbigo do universo. Às vezes, o
paraíso se identifica com este lugar e ambos, com o local de origem,
mítico ou real, do grupo. Entre os astecas, os mortos regressavam a
Mictlán, lugar situado ao norte, de onde tinham emigrado. Quase
todos os ritos de fundação, de cidades ou de modas aludem à busca
deste centro sagrado do qual fomos expulsos (Op. cit., p.187).

Conscientemente, no decorrer da vida estamos condenados a viver sozinho,


mas também estamos condenados a ultrapassar nossa solidão e a refazer os laços
que, num passado paradisíaco, nos uniam à vida (Op. cit., p.176). Nossa tendência,
segundo Paz, é tentar suprimir a solidão.
A respeito do período em que Murilo Rubião passou em Madrid, Renard
Perez salienta em seu texto “A trajetória de um escritor” que apesar de toda a
gentileza de que é cercado, do tratamento, o escritor demora a se adaptar à
Espanha. (Era a primeira vez que saía do País). Sua mineirice sofre a ausência de
seu ambiente, a distancia da terra, de seu Estado (PEREZ, 1987, p. 3). O próprio
autor afirma, em entrevista, que durante esses quatro anos, o lado positivo foi a
leitura. Li desbragadamente (RUBIÃO apud SCHWARTZ, 1982, p. 5). Se ele destaca
o “lado positivo”, sua fala traz o implícito do negativo.
Fazendo um levantamento dos documentos arquivados no acervo do escritor
Murilo Rubião, referentes ao período em que ele esteve em Madrid, verifiquei que as
correspondências podiam ser úteis no que se refere à minha intenção; ou seja,
baseada em seu depoimento, anos mais tarde, na entrevista organizada por Jorge
Schwartz em 1982, de que se sentiria exilado em Madrid, minha idéia é observar
qual a impressão que as pessoas que correspondiam com o escritor tinham a
respeito dele durante o período em que ficou distante de todos, ou melhor: qual era
a impressão que Murilo passava para aquelas pessoas: solidão? convivência e bons
relacionamentos? desânimo? coragem? medo? angústia? felicidade? saudade da
terra? etc.
É importante dizer que as correspondências a que tive acesso foram apenas
as que Murilo recebeu e não aquelas que o mineiro escreveu. Com isso será
possível apenas investigar as impressões dos correspondentes de Murilo no que
tange sua adaptação à solidão em Madrid. Ainda assim, é possível perceber
claramente a presença (da voz, da escrita) de Murilo nas correspondências de seus
amigos, uma vez que estes estão dialogando com aquele. A manifestação de quem
suplica, reclama, protesta etc. está implícita na correspondência passiva.
Consultei todas as correspondências que o próprio contista catalogou como
“Correspondências Madrid”. Nestas encontrei cartas e cartões postais. A maioria das
cartas trata de encomendas e votos para que ele já se sinta ambientado em Madrid.
Para minha surpresa, algumas cartas que Murilo recebeu, nos primeiros
meses que estava fora do Brasil, já anunciavam a sua plena adaptação. Pensando,
pois, que se a intenção do contista em suas primeiras cartas era afirmar que havia
se adaptado em outro país tão rapidamente, acredito que Murilo Rubião o tenha
conseguido.
Wander Melo Miranda, em seu livro Corpos Escritos, cita Foucault, para quem
a carta, por ser destinada a outra pessoa, passa o missivista por um exercício
pessoal: a carta, pelo gesto mesmo da escrita, age sobre aquele que a envia, como
age, pela leitura e pela releitura, sobre aquele que a recebe (MIRANDA, 1992, p.
28). Para o autor, quando uma pessoa escreve, efetivamente ela está se mostrando,
isto é, deixa transparecer para o outro a sua própria face. A carta é ao mesmo
tempo, um olhar que se lança ao destinatário e uma maneira de se dar ao seu olhar
(ibidem).
Miranda, em concordância com Sêneca, acredita que é na relação epistolar
que o exame de consciência se formula como uma narrativa escrita do eu,
intencionada a fazer coincidir o olhar do outro e o olhar que se lança sobre si mesmo
(idem, p. 29).
Buscando, agora, conhecer um pouco do homem Murilo Rubião, no que tange
suas angústias no período em que esteve em Madrid, recorri, portanto, às cartas,
que citei anteriormente, organizadas pelo próprio escritor em três pastas com o título
de “Correspondências Madrid (1956 – 1960)”. Nelas percebi que alguns remetentes
deixavam marcas de suas impressões de total felicidade e alívio com a rápida
adaptação do escritor, aclimatado com a nova vida, no velho mundo 10.
Porém, quando tive acesso ao inventário do escritor, no qual constam todos
os documentos e objetos pessoais catalogados (num total de 9.600) verifiquei que
não estavam naquela pasta todas as correspondências recebidas pelo escritor no
período em que esteve em Madrid.
A maneira que Murilo Rubião separava suas cartas em diferentes pastas tinha
um critério puramente pessoal. A pedido da família do escritor, o acervo mantém a
organização feita pelo contista.
Sendo assim, encontrei pastas intituladas “Correspondências femininas
(amigas etc.) 1935 - 1960”, “Correspondência com Fernando Sabino (1943 a ...)”,

10
Este trecho foi extraído da carta de Ana Assunção Costa, escrita em Belo Horizonte, em 17. 07.
1956. Esta está localizada na pasta “Correspondências Madrid”. Vale ressaltar que, quando aparecer
pela primeira vez o nome do (a) remetente da correspondência citada, marcarei em seguida onde
esta está localizada no arquivo do escritor Murilo Rubião. É importante esclarecer que mantive a
ortografia original de todas as cartas citadas.
“Correspondências com escritores, suplemento e diversos (1937 – 1966)”,
“Correspondências com amigos e conhecidos (12.03.46 a 12.02.60)”, ”
Correspondências com Vanessa Neto (1959)”, “Correspondências com Mário de
Andrade, Marques Rebelo, Otto [Lara Resende], Jair [Rebelo Horta] e Paulo Mendes
Campos (1943 - 1959)” etc.
Como se pode ver, nessas pastas há correspondências datadas do período
em que Murilo Rubião esteve na Espanha, isto é, não apenas nas pastas sob o título
de “Correspondências Madrid” encontrei tais missivas. Dessa forma, procurei
investigá-las.
Nas pastas intituladas “correspondências”, encontrei um total de 515
documentos que datam de 1956 a 1960. Esses documentos constavam de 496
cartas, 14 telegramas, 4 cartões postais e 1 programa de um concerto.
É importante frisar que, para este estudo, escolhi trabalhar apenas com as
cartas, uma vez que há um grande número delas e também porque nas cartas há
maior desenvolvimento dos assuntos tratados.
Ao fazer a leitura de todas as cartas, antes de tudo percebi que Murilo
Rubião, durante todo o período que passou em Madrid, recebeu muitos elogios, no
que diz respeito ao seu empenho, sua gentileza para com os que o procuravam, sua
acolhida generosa e simpática etc. Com isso pude conhecer e apreciar o perfil de um
homem atencioso, que se comportava de maneira cavalheiresca e que era bastante
respeitado por seus méritos e qualidades.
Outra observação curiosa é a dos pedidos que lhe eram feitos: alguns de
seus amigos lhe pediam dinheiro emprestado, e muitas vezes não o reembolsavam
rapidamente; pediam-lhe empregos; vários amigos abusavam da paciência e boa
vontade fazendo-lhe encomendas: bebidas, livros, máquinas de costura, perfumes,
bonecas espanholas, lenços e até véu de noiva.
Notei também que os amigos de Murilo Rubião tinham pressa de receber
cartas desse mineiro. Reclamavam uns e outros, algumas vezes dizendo que
sabiam que Murilo não gostava de escrever cartas, mas que gostariam muito de
saber notícias dele. Outras vezes, diziam que as cartas de Murilo Rubião só tinham
um defeito: eram curtas demais, ou seja, quando escrevia, não se alongava muito,
deixando para traz muitas curiosidades que seus amigos tinham a seu respeito,
enquanto o contista estava longe de Minas, tais como: trabalho, namoradas, contos
novos etc.
Em junho de 1956, a remetente Maria Luiza Andrade, que assina como
Dadá11, desabafa: A notícia chegou de repente, como uma bomba: ‘Murilo seguiu
hoje para a Espanha’ (Dadá – junho de 1956 – Pasta: “Correspondências
femininas”). Esta é a carta que indica mais ou menos o momento em que Murilo
Rubião saiu do Brasil.
E numa carta não datada, mas que se encontra entre 23.7.56 e 28.7.56 no
arquivo de Murilo, Romulo Paes salienta: Minas está chorando a sua partida mas
também sorrindo em ter nas sangrentas arenas da capital de Castilha um bravo
muchacho aqui das montanhas (Rômulo Paes – julho de 1956 – Pasta
“Correspondências Madrid”).
Minas Gerais estava sempre presente nas correspondências dos amigos de
Murilo, que faziam questão de não deixá-lo esquecer. A remetente Lucy, em
novembro, diz: Vejo você todo rodeado de Minas mas creia que a distância diminui
as montanhas (Lucy – novembro de 1956 – Pasta: Correspondências: “Escritores,
Suplemento e diversos”).
Murilo já declarou algumas vezes gostar da solidão e por isso a cultivava.
Entretanto, o problema da metamorfose, isto é, a pluralidade do sujeito Murilo, é por
vezes observada nas correspondências passivas, uma vez que quando morou
quatro anos na Espanha mostrava-se triste, desanimado, reclamava a solidão com
alguns amigos enquanto com outros se mostrava alegre e realizado.
Como é possível para Murilo Rubião, mineiro que não se desgarrava de sua
terra, de sua tão querida Belo Horizonte, já nos primeiros meses que passava em
Madrid mostrar-se feliz e bem adaptado neste lugar? De fato, nem todo sentimento
é passível de ser revelado, mesmo para aquelas pessoas que alimentam uma
amizade. Isso pode acontecer porque, às vezes, queremos poupar os amigos de
lamentações e aborrecimentos, se bem que em outros momentos precisamos
desabafar a todo custo.

11
No acervo de Murilo Rubião encontrei um arquivo de fotografias, intitulado “Vanessa Neto (1945-
1972)”, localizado no arquivo 1, gaveta 1, pasta 7, no qual constam algumas fotografias da remetente
Dadá. Nesta pasta encontrei o seu nome completo: Maria Luiza Andrade.
2.1. Entre a alegria e a saudade

No primeiro ano em que Murilo se encontrava em Madrid, é interessante notar


que a carta enviada pelo contista ao Eduardo [Portela] despertou saudade neste,
pelo fato de Murilo estar falando de seus sentimentos. A saudade a que Murilo se
referia era provavelmente saudade do Brasil, e esta aflorou no amigo Eduardo
[Portela] a ponto deste transferir a saudade que Murilo nutria pelo Brasil para as
suas lembranças e dizer que sentiu outra saudade, saudades de Madrid.

Li a sua carta para o Sérvulo e, contagiado pela sua saudade,


me apertou também uma outra saudade: a de Madrid. E como
falando de Madrid, em cuja paisagem lhe imagino perfeitamente
integrado, harmoniosamente, senti vontade de falar dessa saudade
ao bom Rubião, e pedir-lhe notícias, notícias e mais notícias.
(Eduardo [Portela] – 16.11.1956 – Pasta: Correspondências:
“Escritores, Suplemento e diversos”).

Um outro ponto muito importante foi tocado por outro amigo de Murilo: a
ansiedade do mineiro em rever seus amigos. Esta carta, que está assinada por Cid
[Rebelo Horta], revela uma observação feita pelo mesmo a respeito dos serviços
prestados por Murilo ao Escritório Comercial. Cid, assim explica o motivo pelo qual
Murilo demonstra um espírito empreendedor neste Escritório:

O Dr. Julio Soares, de regresso da Europa, deu-me notícias


suas. Falou-me da ânsia em que Você sempre está em rever os
amigos. Compreendo assim o dinamismo que você vem
emprestando ao Escritório Comercial: é uma forma de vencer o
isolamento e de dar vasão ao seu imenso coração, capacidade de
trabalho e imaginação.(Cid – 25.09.1956 – Pasta: Correspondências:
“Escritores, Suplemento e diversos”).

Ainda em 1956, o remetente, de assinatura não identificada, acredita que,


apesar de a experiência que Murilo Rubião esteja passando seja boa, sabe que ele
deve estar sofrendo por causa da distância. O remetente reconhece que apesar da
suposta liberdade de Murilo, em sua vida nova, em um novo país, no fundo ele pode
estar sofrendo por causa de sua separação da terra natal.
Ele pode se sentir livre, pois está em um país estranho onde ninguém o
conhece. Isso pode ser positivo, uma vez que não terá ninguém para importuná-lo
em suas leituras, por exemplo. E ele pode não se sentir livre, pois está num país que
não é o seu e ainda não pode voltar à sua terra quantas vezes quiser. Porém
somente uma experiência como esta pode torná-lo mais independente:

Como vai de vida você? V. deve estar experimentando uma


sensação de renascimento, de janela aberta de repente, embora no
fundo possa estar sofrendo a distancia nostálgica. Isso é um
fenômeno bem nosso, de mineiro. É a necessidade de encher os
pulmões de ar iodificado que nos faz ir ao Rio, tomar banho de mar e
depois achar tudo muito artificial, voltar para Minas ou ficar lá
“pensando na roça”. Mas só uma aventura dessas pode nos libertar,
ampliar ou quem sabe, curar. (Assinatura não identificada –
3.08.1956).

Vale ressaltar que o autor da carta se coloca no lugar do destinatário, para


explicar uma das características do mineiro, pois sendo mineiro, os dois sabem
muito bem como é sair de Minas, ficar um tempo longe e depois voltar ou ainda ficar
longe de Minas, mas pensando na roça. Ficar fisicamente em um lugar, mas
pensando em outro é viver a nostalgia.
A escritora e amiga de Murilo, Henriqueta Lisboa, em carta datada de 1956,
pede-lhe notícias sobre o escritório e sobre seu coração:

Murillão querido, vença a preguiça, pegue da pena e


escrevinhe uma dúzia de palavras contando como vai o escritório,
você (interno e externamente), como vai este coração, o maior que
eu já conheci na minha vida de solteira (e ainda não saí dela)
(Henriqueta Lisboa – 25. [12]. 1956 – Pasta “Correspondências
femininas”).

O coração de Murilo parecia angustiado, conforme uma correspondência de


1956 da amiga Vera. Nesta ela inicia com versos de Fernando Pessoa, do poema
intitulado “Hora absurda”: ‘Que o meu ouvir o teu silêncio não seja nuvens que
atristem. O teu sorriso, anjo exilado, e o teu tédio, auréola negra...’. (Vera –
dezembro de 1956 – Pasta “Correspondências femininas”). Nestes versos já se
pode perceber que a amiga chama a atenção para o exílio de Murilo Rubião. Os
vocábulos silêncio, anjo exilado, tédio e auréola negra descrevem a atual situação
do contista.
Seu sorriso é de um anjo exilado, isto é, é um sorriso sem graça, sem
vontade, como se acontecesse somente para cumprimentos de cortesia. Seu tédio é
visto do alto de sua cabeça por uma auréola, porém esta não é dourada, esta não
tem brilho, como uma pessoa fora de sua terra. Sua auréola é negra. Desse modo,
simboliza a sombra que o acompanha.
E de modo imperativo, Vera diz ao escritor:

Não reclame a sua distância. Eu gostaria agora de estar triste


bem longe daqui [...]
Murilo, não quebre seus compromissos aí. Numa ausência
assim, aprende-se a separar o importante do que se esquece logo, a
ver as coisas de longe, com o que elas perdem muito da tragédia
aparente que têm, ou da felicidade. Eu gostaria de analisar meus
sentimentos e minhas situações assim: indo para longe pensar neles
e provávelmente (sic) voltar livre.
Você me deixa perceber o que se passa em você; e com você?
(Vera – dezembro de 1956).

Vera parece compreender que a distância coloca os sentimentos nas


proporções adequadas, e ainda o incita a aproveitar sua ausência para lançar um
olhar mais objetivo em suas questões pessoais.
Em uma outra carta, datada de 13. 2. 1957, esta mesma amiga se mostra
compreensiva quanto a angústia que Murilo provavelmente havia manifestado:
Compreendo a sua angústia em noites terríveis de tedio, porque também a sinto.
Gosto que escreva, porque o compreendo e desejo que v. sinta em mim uma
constante vontade de consolo e compreensão. Com as palavras desta remetente,
fica claro a lamentação de Murilo, no que diz respeito a sua sensação de
aborrecimento, de vazio, de solidão.
Em novembro de 1956, encontra-se também em outra carta, de outra
remetente, o assunto solidão. Na carta que se segue, Dadá, amiga de Murilo Rubião,
pede notícias, pois disse que os amigos estavam preocupados com a solidão deste:
Quanto á sua operação, escreva dizendo o que foi e se já
está completamente restabelecido, pois ficamos muito preocupados
com isto e com a sua solidão. Dê notícias de tudo Murilo, quando
você vem, o que está fazendo e como tem se sentido. (Dadá –
27.11.1956).

No mesmo mês da carta acima, mas quase três semanas antes, Sérvulo
chamava a atenção de seu amigo Murilo quanto às saudades reclamadas por ele.
Sérvulo tenta abrir os olhos do outro para as belas mulheres que existem naquele
país, como se fosse um remédio para curar as suas saudades do Brasil. Seria uma
maneira de se distrair, para não ficar pensando no que está tão longe dele. Assim o
amigo de Murilo inicia a correspondência:

Para que tanta saudades meu velho se as ‘morochas’ aí estão,


cheias de encanto e ‘sonrisas’. Deixe a tristeza para quando você
voltar e estivermos novamente reunidos no ‘Solar da Serra’, vendo a
chuva cair, as azas negras da grauna, e saboreando os bons quitute
da Julia. (Sérvulo – 9.11.1956 – Pasta: “Correspondências Madrid”).

Em 1957, localizei apenas uma carta que fazia referência à saudade de Murilo
Rubião. Nesta, o escritor estava passando férias no Brasil, depois de ter ficado um
ano no exterior: Contava ver-lhe antes de partir, mas V. continua – e faz muito bem –
matando as saudades da sua B.H. – 23.3.57. O remetente desta carta não foi
identificado, mas pela organização de Murilo esta se encontra na pasta
“Correspondências Madrid”.
É importante frisar que, conforme afirma José Maria Cançado, Murilo era
avesso a confidências. Talvez por isso, não expressava exatamente o que sentia. No
entanto, em algumas cartas pude perceber um Murilo mais confidente e deixando
sua fragilidade falar mais alto, uma vez que escreveu a uma amiga dizendo que
estava abandonado pelos amigos.
Numa carta escrita por Maria Helena [Toledo], (sem data, entretanto,
confiando na organização do contista, esta carta deve ter sido escrita entre o final de
1958 e o começo de 1959) esta se mostra feliz com a animação e alegria de Murilo
demonstradas por ele na carta que foi destinada a ela, mas também chama a
atenção para as queixas do mineiro:
Você está inteiramente enganado, Murilo, ao pensar que está
sendo abandonado pelos amigos. É injustiça, pois todo mundo
pergunta, com carinho, por você e se interessa muito. Quando você
voltar vai ver que estão todos aqui, como antes. É lógico que as
pessoas mudam. Mas amizade verdadeira fica. Você sabe. (Maria
Helena – 1958/1959 – Pasta: “Correspondências femininas”).

Com as palavras da amiga, fica claro que Murilo de certa forma mendiga
afeto, como todo bom mineiro. Ele se faz de vítima para ouvir o que deseja. No
entanto, é interessante ressaltar que a partir da carta citada acima pude notar que a
felicidade que Murilo nutria pela amada Madrid se alternava com o sentimento de
abandono, angústias, tédio e reclamações do escritor. Como se vê, a mágoa do
escritor aparece vez ou outra, instaurada no abandono e indiferença dos amigos
para com ele.
Numa outra carta muito interessante, da mesma Maria Helena, provavelmente
foi escrita antes daquela, a remetente sente através da carta o sofrimento do amigo
e se preocupa com ele. Fazendo um diagnóstico, ela afirma a natureza da alteração
dos sentimentos de ambos, isto é, ela pensa que a razão de tal alteração seja
originada pelo fato de que tanto ela quanto ele são pessoas sensíveis. Maria Helena,
portanto, sublinha esse lado sensível do escritor e o compreende por também ser
assim:

Mas, chegou a minha vez de preocupar-me com você. Senti


que você está bastante deprimido. Espero que tenha sido sómente
naquele dia. O perigo é que nós, os sensíveis, estamos muito
expostos ás [?] às mudanças rápidas, não é? Apenas achei que você
não estava certo (na carta) quanto ao receio de se sentir
desambientado quando voltar. (Maria Helena – 4. [?]. 1958).

Já o amigo Wilson alerta Murilo para o lado forte que precisam ter para não
deixar a angústia perturbá-los. Wilson, compreendendo a angústia sentida por
Murilo, uma vez que também já passara por experiência de se encontrar sozinho
num quarto de hotel, lembra ao amigo que eles são homens acostumados a esse
tipo de situação, porém é categórico ao exortar a lutar contra o sentimento:
Melhor que ninguém, você pode compreender bem o que essa
angústia por nos darmos conta da solidão em terras estrangeiras,
sabe, por isso, o que sinto agora quando me encontro só, no quarto
do hotel. Ainda bem que somos homens afeitos a essas situações
que não podem perdurar e nem transtornar nosso espírito. (Wilson –
5.12.1958 – Pasta: “Correspondências Madrid”).

Na carta de Herbert Brant Aleixo, em 1958, verifico outra passagem de Murilo


pelo Brasil durante a sua chefia no Escritório Comercial em Madrid, passagem que
causa inveja ao remetente: Acabo de receber o cartão que atenciosamente me
enviou de B. Horizonte [...] Suas notícias puderam, por outro lado, avivar a imensa
saudade que tenho de nossa terra, trazendo-me justificada inveja de sua felicidade
(Herbert Brant Aleixo – 05.05.1958 – Pasta: “Correspondências Madrid”). Belo
Horizonte é uma cidade muito querida por Murilo. E quando era possível retornar a
esta cidade, o contista se alegrava absurdamente a ponto de causar desejo ao
amigo de estar também nesta cidade.
Otto Lara Resende em dois momentos também toca no assunto sobre
saudade e/ou solidão. Numa carta de 1958, ele expõe duas notícias. Uma delas foi
fornecida por uns rapazes que estiveram em Madrid e a segunda, conforme Otto, por
outras fontes :

Passaram por aqui, outro dia, três rapazes, dois baianos e um


pernambucano. Um se chama Simões. Estiveram aqui em casa e
falamos a seu respeito. Um deles, ou dois, fez curso em Madrí. Me
disse que você anda meio melancólico, recolhido. Suponho que seja
a melancolia e o recolhimento de sempre, não por motivo especial.
Por outras fontes, soube que você está muito feliz aí e nem pensa
em voltar para o Brasil”. (Otto – 06.01.1958 – Pasta:
“Correspondências com Mário de Andrade, Otto Lara Resende etc.).

As impressões dos rapazes a respeito da sua melancolia e do seu


recolhimento, não preocuparam o amigo Otto uma vez que ele, conhecendo bem
Murilo Rubião, supõe que a solidão, o individualismo e o isolamento deste não tinha
nenhum motivo especial, pois Murilo é assim. Ele gosta de cultivar estes
sentimentos.
Apesar da contradição entre as notícias recebidas por Otto, é interessante
notar que esta incoerência está presente nos sentimentos de Murilo Rubião a todo o
momento. A discrepância encontrada também se deve não só ao momento em que
Murilo escreve as cartas, mas também para quem ele escreve. Dependendo de
quem seja, o contista não reclama saudade, solidão, e muito menos deixa-lhes
perceber sua nostalgia, pois nas cartas-respostas de muitas pessoas que se
correspondiam com Murilo não são mencionados estes sentimentos. Entretanto,
para alguns amigos, percebo que Murilo se mostra um pouco mais frágil.
Já no final de 1958, em outra carta de Otto, vejo que ele aceita o convite de
Murilo para exilar-se com ele em Madrid: Está claro que, para mim, seria
extraordinàriamente simpático e agradável ter Você como companheiro de exílio.
Você me atrai mais a Madrid do que o Museu do Prado (Otto - 01.12.58).
A segunda carta em que Otto fala de saudade ao amigo Murilo Rubião, é
datada de 30.7.1959. Nesta, Otto diz ter sido informado de que Murilo permaneceria
em Madrid e que isso já era garantido por lei no Congresso. Dessa forma,
conhecendo o amigo como Otto conhecia, ele sabia que Murilo sentiria muita
saudade de Belo Horizonte: Já soube que você vai ser confirmado, com lei no
Congresso e tudo, para aí [Madrid] ficar permanentemente. Se é verdade, você vai
sentir muita saudade da rua da Bahia e arredores [Belo Horizonte], mas você já deve
estar calejado em matéria de saudades. (Otto – 30.07.1959). A cidade de Belo
Horizonte é lembrada novamente. A paixão por Belo Horizonte é por vezes
confirmada pelo amigo.
Paulo [Rubião]12, já nos primeiros momentos em que Murilo se encontrava na
Espanha, no mês de junho, envia-lhe votos para que já tenha se ambientado nessa
terra cheia de História e de feitos heróicos. (Paulo – 21.06.1956 – Pasta:
“Correspondência Madrid”). E no mês seguinte, em outra carta confirma novamente
estes votos: Fazemos tôdos daqui de casa, votos para que V. já se tenha adaptado
à vida no exterior. (Paulo – 15.07.1956). O remetente chamado Falcão pergunta,
também no mês de junho, se ele está se adaptando bem em Madrid.
Encontro a resposta de Murilo, ainda que não muito direta, em uma

12
Nesta carta não há a assinatura completa do remetente Paulo, portanto pelo desenrolar da carta
acredito que este Paulo seja o Paulo Eugênio Rubião, irmão do escritor.
correspondência que seu amigo Sérvulo envia-lhe dizendo que ficou muito feliz ao
receber um cartão de Murilo. Ele diz: Seu cartão causou grande alegria. Pensava
até que as delícias de Madrid haviam feito Você esquecer o provinciano que tanto
lhe estima e venera. (Sérvulo – 17.07.1956).
Provavelmente, Murilo estava encantado com as novidades que o cercavam
no momento, uma vez que ele tinha acabado de chegar em Madrid. Uma cidade
estranha, em um país estranho, trabalhando com pessoas ainda estranhas, mas
ainda era tudo isso novidade.
O amigo João Pinheiro [Neto], em carta não datada mas que, pela forma
ordenada das cartas colocadas por Murilo, se encontra no ano de 1956, diz saber
notícias de Murilo Rubião através do Sérvulo de que tudo vai bem ai por essas
Espanhas adoraveis, e que o amigo já imprimiu às coisas da terra, o insuperavel
ritmo rubiánico (João Pinheiro [Neto] – 1956 – Pasta: “Correspondências Madrid”).
João Pinheiro acredita que o amigo já tenha se adaptado e por isso tudo anda bem.
A amiga Mônica confirma o sentimento que o contista apresenta na sua
chegada à Espanha: ficamos contentes ao saber q. você está encantado com
Madrid e habitantes. ótimo. (Mônica – 24.07.1956 – Pasta: “Correspondências
femininas”).
Em outra carta de seu amigo João Pinheiro Neto, este repete a expressão
usada anteriormente quando diz que o velho Rubião está com a vida [...] fidalga e
tranquila dentro do velho ritmo ‘rubiônico’. (João Pinheiro Neto – 03.09.1956). E
ainda, em outra carta, é perceptível esta mesma observação: Dr. Júlio, Alberto,
Martinha e Renato Gontijo me deram notícias da vida agradável que o sr. Leva.
Fiquei satisfeito. (Lomelino – 12.09.1956 – Pasta: “Correspondências Madrid”).
Murilo, além de ser bem tratado, exercia um bom cargo. Ele, por ser um funcionário
diplomático, tinha muitos privilégios e facilidades. Isso leva a crer que o escritor tinha
uma vida confortável, pois vivia como um aristocrata e longe de perturbações.
Paulo Meira Camacho Crespo deixa mais claro sua impressão pela carta
escrita por Murilo: Fiquei bastante contente ao saber, através de sua carta, que V. se
adaptou bem aí e está satisfeito com o cargo que exerce. (Paulo Meira Camacho
Crespo – 11.09.1956 – Pasta: “Correspondências Madrid”).
A adaptação de Murilo era fator fundamental para sua estada em Madrid.
Adaptação num país diferente e adaptação no novo cargo que começara a exercer.
Até aqui Murilo não demonstrava abatimento ou arrependimento de estar em terra
estrangeira e desempenhando um outro trabalho. Ele se mostrava cumpridor de
suas obrigações e assim não reclamava.
Durante um tempo, as cartas revelavam a felicidade de Murilo Rubião em solo
estrangeiro. As pessoas que se correspondiam com ele deixavam registradas as
suas observações por meio dos vestígios, anteriormente, deixados por Murilo numa
correspondência.
Em uma das “correspondências femininas”, em 1957, observei que a
remetente também se alegrava com o entusiasmo de Murilo: Que coisa boa a sua
carta! Fiquei mesmo alegre em sentir como você está feliz aí. Uma beleza o seu
entusiasmo por sua amada Madrid [...] Fale sempre muito de Madrid, Murilo, que o
seu entusiasmo faz bem à gente. (Maria Helena – 4.05.1957), em outra carta, dois
meses depois, Sérvulo diz que mostrou uma de suas cartas á d. Sarah e ela ficou
contente com a sua alegria ibérica. (Sérvulo – 2.07.1957).
Até aqui, pude notar que Murilo, mesmo se sentindo angustiado longe de sua
terra, não deixava transparecer para essas pessoas, que ele próprio deixou
registrado como pessoas amigas, as suas angústias, a sua solidão. Assim, é
interessante notar que Murilo se divide ou se multiplica em pelo menos dois, aos
olhos de seus correspondentes: Murilo angustiado, entediado e solitário e/ou Murilo
bem adaptado, feliz e por isso não solitário. De sua solidão só ele sabia. Ele não
demonstrava a sua solidão para todos. Os outros deveriam acreditar que ele não era
ou não estava se sentindo solitário.
Murilo Rubião, em 1957, quando esteve em Lisboa, certamente falou com
Maria Helena sobre a possibilidade de ele morar nesta cidade, pois Maria Helena,
mesmo contente com as notícias da permanência de Murilo em Lisboa, sente pesar,
uma vez que o mineiro, segundo ela, estava apaixonado pela cidade de Madrid:
Fiquei contentíssima com a notícia da sua permanência aí. Lisboa deve ser muito
agradável, com o ambiente literário formidável, etc., mas seria uma pena você deixar
Madrid, estando tão ‘in love’ com ela. (Maria Helena – [s.d] entre julho a agosto de
1957).
2.2. Saudades do Brasil e da família

No final de 1956, Murilo se esforçava para conseguir passagens para a sua


mãe e sua irmã para que elas pudessem passar uma temporada em Madrid. De
acordo com o desenrolar das correspondências passivas, considero que talvez não
seja apenas um gesto de dedicação da parte de Murilo para com as duas, uma vez
que elas demonstravam vontade de conhecer Madrid, mas também vontade dele
próprio usufruir da companhia delas.
Desse modo, de setembro de 1956 até janeiro de 1957 encontrei
correspondências que tinham como assunto a possível viagem de Dona Maria
Antonieta, assim chamada a mãe de Murilo, e de sua irmã Maria Eugênia.
Amigos como Lomelino e Sérvulo anunciavam a viagem das duas: Tenho
conversado muito com sua mãe. Hoje ela lhe escreve, dando notícias de seu
embarque em outubro, juntamente com Maria Eugênia. (Lomelino – 12.09.1956). Já
providenciei os passaportes que vão estar em poder delas [mãe e irmã de Murilo
Rubião] (Sérvulo – 28.09.1956).
Todavia elas não conseguiram viajar no mês seguinte. Segundo Sérvulo, Elas
haviam resolvido esperar o desafogo da Panair para seguirem. Lá pelo fim do mês
estarão aí em Nunes Belbôa, organizando a casa e dando á você a assistência que
você merece, meu caro. (Sérvulo – 12.10.1956).
Os amigos supunham que a presença da mãe e irmã de Murilo Rubião seria
muito boa para o contista, seja organizando a casa, seja fazendo-lhe companhia. De
qualquer forma, ele teria maior assistência com a presença delas.
Vários amigos se envolvem e se empenham em acertar o mais depressa
possível o dia da viagem da família de Murilo Rubião. Sempre davam notícias ao
contista sobre o desenrolar das passagens de sua mãe e de sua irmã: já estive com
o Paulo que seguiu hoje para o Rio a fim de resolver o problema das passagens de
D. Antonieta e Maria Eugenia. (Martha e Roberto – 5.11.1956 – Pasta:
“Correspondências Madrid”). E Sérvulo, novamente, esclarece:
Paulo esteve novamente no Rio. Falei com ele sobre as
passagens para sua mãe e Maria Eugênia. Acha ele que elas não
devem seguir agora. Devem esperar que se esclareça a situação que
não anda muito boa aí na Europa e no Oriente. (Sérvulo –
9.11.1956).

Outro remetente (de assinatura não identificada), em 24.11.56, diz que


conversou com o senador Vitorino Freire para ver se ele resolvia o problema das
passagens da mãe e da irmã de Murilo, mas nada foi feito. Este mesmo remetente
registra a sua alegria ao receber a notícia por D. Antonieta de que Murilo Rubião
passaria o Natal no Brasil. Dando a sua colaboração, diz ao contista que havia
telefonado naquele mesmo dia à Edilia pedindo que lembrasse à Dona Sarah
[esposa do Presidente Juscelino Kubitschek] a promessa de obter do Presidente
autorização para sua vinda. Parece-me que o Sérvulo está providenciando tal ordem
junto ao Gabinete Civil.
Sebastião Amaral, em carta localizada na pasta “Correspondências Madrid”,
datada de 30.11.1956, informa ao contista que D. Antonieta, provavelmente iria à
Madrid só no próximo ano, tendo em vista o inverno e a situação internacional.
Outra carta que confirma que tanto a mãe quanto a irmã de Murilo Rubião
ainda não haviam viajado para Madrid é escrita por Célio, em janeiro de 1957.
Nesta, ele aponta que D. Maria Antonieta e Maria Eugênia continuam com grande
vontade de viajar para a Europa (Célio – 23.01.1957 – Pasta: “Correspondências
Madrid”).
A carta de Paulo Meira C. Crespo, datada de 28.07.1957, ainda não deixa
claro se realmente a mãe e irmã de Murilo Rubião já estavam na Espanha. Nesta,
percebo apenas votos do amigo Paulo preocupado com o seu destinatário: Estamos
[Adelaide e Paulo], também desejando que a Maria Antonieta e a Maria Eugênia
façam companhia a você.
A primeira carta que demonstra a presença das duas em terra espanhola é de
Carlos Alberto, datada de outubro de 1957: E o teu pessoal como está? Lembranças
minhas a tua mãe e irmã (Carlos Alberto – 22.10.1957 – Pasta: “Correspondências
Madrid”). Ao perguntar por duas pessoas específicas da família, o amigo demonstra
que elas já estavam lá ao lado de Murilo, senão o remetente perguntaria,
possivelmente, por todos da família. Ao enviar lembranças, reitera a presença delas
junto ao destinatário.
Célio, manifestando seu carinho e apreço, em 2.1.58, afirma ter certeza de
que Dona Maria Antonieta estava bem em Madrid, sentindo-se já como uma
autêntica espanhola. Gostaria, entretanto, de vê-la na feira e no comércio fazendo
compras ‘ y hablando perfectamente el idioma de Cervantes’.
Encontrei algumas outras cartas que registravam, principalmente, a
permanência da mãe de Murilo em solo estrangeiro, até 19.08.1958, isto é, quase
um ano, pelo menos, na Espanha. Durante este tempo todo, portanto, Murilo tinha a
companhia de sua mãe.
Ao mesmo tempo em que Murilo Rubião e amigos tentavam organizar a
viagem da mãe e irmã do contista para a cidade de Madrid, em 1956, ele já
demonstrava a sua vontade de passar o final do ano no Brasil. Isso leva a crer que
ele não ficaria satisfeito apenas com a companhia das duas, em Madrid pois, além
de esforçar-se para conseguir as passagens da mãe e da irmã, ele tentava alcançar
uma passagem para ele também, uma vez que não precisava só de companhia, mas
do chão brasileiro, ou melhor, do chão mineiro.
Lomelino, em 12.09.1956, pergunta ao mineiro se ele regressaria ao Brasil em
dezembro. E recorda que a primeira-dama dona Sarah havia informado a Edila que
era seu desejo passar o Natal no Brasil.
Murilo adoece em outubro de 1956 e um remetente, de assinatura não
identificada, já envia a notícia para a primeira-dama: Mandei que ele [senador
Vitorino Freire] contasse a Dª Sarah que você estava doente (8.10.1956). Em outra
carta, também de um remetente de assinatura não identificada, depois de duas
semanas, espera que a esta altura dos acontecimentos [Murilo Rubião] já esteja
perfeitamente em forma. (24.10.1956).
Na expectativa de encontrar Murilo no final do ano, Maria Helena interroga-
lhe: Alguém me disse que você teria dito que talvez viesse ao Brasil no fim do ano, é
verdade? Seria ótimo. (Maria Helena - 28.11.1956).
Os amigos do escritor esforçavam-se para satisfazer a vontade que Murilo
Rubião nutria de voltar ao Brasil. Paulo Crespo fala sobre o pagamento da
passagem do amigo:
[...] apressei-me a ir falar com o Dr. Falcão, no Ministério, com
o qual, aliás já tenho estado. Informou-me ele, quando o inquiri sobre
a demora do pagamento de sua passagem, que a suplementação da
verba já foi assinada e que dentro de uns quinze dias,
aproximadamente, V. iria receber aí a importância a que tem direito.
(Adelaide e Paulo – 26.11.1956).

A viagem de Murilo Rubião não se concretizou. No ano de 1956, Murilo passa


pela primeira vez o Natal fora do Brasil, conforme afirma seu amigo Sérvulo, em
carta datada de 20.12.56: Que você encontre alegria e as boas fadas o protejam
neste Natal de neve que pela primeira vez V. passa fora do Brasil; na mesma carta
confirma que Sete Camara já havia providenciado a vinda de Murilo que se daria
com uma convocação do Ministro do Trabalho. Murilo seria chamado a serviço à
cidade do Rio de Janeiro.
Pelas palavras do amigo Célio percebi a pressa e a participação de muitos
amigos de Murilo Rubião para trazê-lo ao Brasil antes da virada do ano novo, já que
não haviam conseguido trazê-lo para o Natal:

Já no Rio não me havia esquecido da sua incumbência.


Encarreguei o Hélcio de procurar naquela mesma tarde o Sérvulo e
dizer a ele que enviasse sua passagem o mais depressa possível ou,
se possível, o dinheiro correspondente.
[...]
Vamos ver se você conseguirá receber isto até dia 30, quando
poderá embarcar para passar o Ano Novo no Brasil. (Célio -
28.12.1956).

A partir do ano seguinte, os amigos continuam tentando trazer Murilo pelo


menos para uma temporada ao Brasil. Em uma carta datada de 17.1.57, um
remetente de assinatura não identificada fala sobre a autorização do Presidente para
que Murilo possa ir ao Brasil, mas sem nenhuma esperança de que o caso tenha
sido resolvido:
Tenho sido constantemente procurado pelo Sérvulo e pelo
João Pinheiro, que querem saber notícias sobre a autorização para
que você possa vir ao Brasil, chamado a serviço.
Desde que o dr. Júlio fez esse pedido e que o Presidente
mandou atender, isto somente em fins de dezembro, tenho estado
frequentemente em contacto com o Ministério do Trabalho que
autorizou a sua vinda, sem contudo mencionar a circunstância ‘a
serviço’ (Assinatura não identificada – 17.01.1957).

O amigo Célio, datando a carta na mesma semana da carta acima, isto é, em


23.01.1957 informa que Dr. Júlio havia-lhe dito que o Presidente Juscelino
Kubitschek havia feito de tudo para a vinda de Murilo Rubião ao Brasil, mas o
problema das verbas está de ‘lascar’, aponta Célio. Porém, nesta mesma carta,
Célio imprime a felicidade de Murilo em Madrid, por motivo de seu relacionamento
com uma senhorita chamada Pilar:

A maior ‘bomba’ entretanto, foi-me dada ontem pelo dr. Julio no


Rio: contou-me ele que a d. Sara havia recebido carta sua, dizendo
que estava noivo e que não queria mais vir ao Brasil. Estava muito
feliz. Aliás, também o Sérvulo contou-me algo sobre isto, falando
sobre uma senhorita Pilar. Muito bem, velho Rubião. Meus parabéns.
(Célio – 23.01.1957).

Dona Sarah, esposa do então presidente Juscelino Kubitschek, faz uma


declaração por um lado brincalhona e, por outro lado importante, que merece
consideração no que diz respeito à vida de Murilo Rubião, conforme demonstra a
carta acima. Que existia alguma mulher na vida de Murilo neste momento não há
dúvidas, mas pensar que, por estar feliz com essa mulher, Murilo não queria vir mais
ao Brasil, acredito que a primeira-dama diz o contrário do que se quer dar a
entender.
Murilo Rubião, segundo a carta de seu amigo Paulo [Meira Camacho Crespo],
queria realmente vir ao Brasil. O problema que encontravam é que aparentemente
Murilo não tinha motivo com relação ao serviço para estar no Brasil. Portanto, para o
mineiro voltar ao seu país deveria se responsabilizar pelas suas próprias despesas.
Paulo, em 26.01.1957 destaca que:
[...] há meses já tinha dado à sua secretária, o nome da Maria
Antonieta e da Maria Eugênia, para que ele mandasse fornecer a
requisição de passagens por via aérea para Madrid. Mas, disse-me,
também o Dr. Falcão que recebera do Catete um pedido para V. vir
aqui ao Brasil e que ele não se incomoda que V. venha, que ele
autoriza a sua viagem se esta for feita à sua custa [...] ele não tem
motivos para V. vir ao Brasil e que, assim, não pode chamar V. aqui
ao Rio, agora, e portanto o ministério não pode fornecer a sua
passagem.
Perguntou-me porque V. queria vir ao Brasil e eu disse-lhe
que não sabia, mas, que talvez fosse para V. fazer a sua viagem de
regresso à Espanha em companhia de sua mãe e de sua irmã.
(Paulo [Meira Camacho Crespo] – 26.01.1957).

Ainda no final da carta, Paulo salienta que se Murilo disser-lhe o motivo pelo
qual ele deve alegar para que o amigo possa passar uns dias no Brasil, ele
telefonará ao Sette. E lembra ao Murilo que se for alegado o motivo de saúde, este
poderá telefonar ao Dr. Falcão, solicitando a sua vinda.
Murilo Rubião se via subordinado ao problema de verbas, sempre esperando
a solicitação de uma ordem. Ele, se quisesse estar no Brasil, deveria arcar com
todos os custos. Um remetente, de assinatura não identificada, escreve na mesma
data da carta acima, sobre o pagamento não só da passagem de Murilo Rubião
como também de Maria Antonieta e Maria Eugênia:

Com referencia ao desejo de vir ao Brasil, já lhe mandei um


telegrama ha varios dias, autorizando a viagem que, neste caso,
seria sem onus para o Governo [...] já encaminhei ofício á Direção do
Orçamento, autorizando o pagamento de sua passagem relativa á
viagem para assumir o seu pôsto e mais, agora, para sua mãe e
irmã. (Assinatura não identificada - 26.01.1957).

Célio e Sérvulo deixam claro a pendência da viagem de Murilo Rubião nestas


cartas: Expliquei-lhe [ao Jorge Ibrahim] que a sua viagem estava ainda pendente.
(Célio – 28.01.57). Quanto á sua vinda agora depende ainda de um outro despacho
de JK (Sérvulo – 05.02.1957).
Pelas palavras de Henriqueta Lisboa, em 5.02.195[7], Murilo já estava no
Brasil. Ela exclama: Imagino a alegria de sua mãe e de Maria Helena com a sua
visita! Sendo assim, é importante observar que Murilo não esperou mais um
despacho de JK. Conforme Sérvulo havia dito se ainda dependia de outro despacho
para a vinda de Murilo Rubião, ele provavelmente voltou ao Brasil arcando com suas
despesas.
Vários amigos já faziam referência da estada de Murilo no Brasil em 1957:
Chegando aqui tive a ótima notícia de que você deve vir breve ao Rio. Quando?
(Maria Helena – [s.d.]); Fiquei satisfeita de ver que V. virá aqui em Abril (Vera-
10.02.1957). Desejando-lhe uma ótima estada no nosso querido Brasil, abraço
muito afetuosamente o eminente amigo. (Aires Moraes de Azevedo –13.02.1957 –
Pasta: “Correspondências Madrid”).
Pilar, em carta datada de 24.02.1957, aponta a informação de que Murilo teve
necessidade de voltar ao Brasil e que ficaria por lá dois meses: Mi estimado amigo:
he sabido por Felix Athayde que tuvo usted necessidad de marcharse a Brasil y que
no volverá hasta el mês de abril. O vocábulo necessidade demonstra toda a pressa
de Murilo sobre aquilo que não poderia mais evitar, isto é, seu regresso ao Brasil.
Em 1958, os amigos também se alegram com as notícias de que Murilo
regressaria novamente ao Brasil: Foi realmente, muito agradável a boa notícia de
sua vinda ao Brasil, no mês de abril (Walter – 14.01.1958 – Pasta:
“Correspondências Madrid”); Soube que você deverá estar aqui dia 24 e muito me
alegrei (Sérvulo –14.03.1958); Já deves, creio, estar de malas prontas. Desde logo,
apronta o corpo para calor e chuvas [RJ] (Sérgio –1.04.1958).
Numa nota do jornal “Última Hora”, do Rio de Janeiro, em 24.04.1958, diz o
seguinte: Está no Rio o senhor Murilo Rubião, que é o chefe de Escritório Comercial
do Brasil em Madrid. Veio o escritor Rubião para o lançamento de seu novo livro,
“Os Dragões”, que será editado pelo senhor Simeão (Ministério da Educação) Leal.
Pacheco, em 13.05.1958, tranqüiliza o chefe Murilo Rubião sobre o
andamento do trabalho no Escritório enquanto este está no Brasil:

E quanto ao seu regresso [Madrid] fique tranqüilo. Não se


afobe, que as coisas, mercê de Deus, estão caminhando dentro do
ritmo normal. Você é um chefe que merece tudo de seus auxiliares, e
por conseguinte não há sabotagem nem problemas insolúveis.
Aproveite, mate as saudades, e descanse!
“Tou” é com inveja do feijão preto, da farofa, do torrêsmo, da
couve à mineira, que você deve estar papando nessa encantadora
metrópole.
2.3. Cobrança literária

Muitos amigos do contista, sentindo o seu desânimo para com a elaboração


de novos contos e/ou até mesmo com a reescrita, cobram-lhe produção literária. A
cobrança dos amigos a respeito do próximo livro perpassa por todos os quatro anos
em que Murilo esteve em Madrid: [...] logo que possa, escreva, para enriquecer a
nossa literatura com seu estilo pessoal e inimitável (Paulo – 15.07.1956). Estimo que
você esteja trabalhando nalgum livro novo e nos traga uma surprêsa... (Calazans –
27.11.1956 – Pasta: “Correspondências Madrid”).
João Cabral de Melo Neto, em 16.01.1957, pergunta-lhe: Por que V. não
propõe ao Sabino uma edição de seus contos completos? É mais do que hora de
fazê-la. Se V. não quiser tomar a iniciativa, escreva-me que escreverei aos três,
como idéia minha (João Cabral – 16.01.1957 – Pasta: “Correspondência: Escritores,
Suplemento e diversos). E neste mesmo mês, em 23.01.1957, Célio dá a notícia: O
seu livro já está no prelo e eu ouví o Celso, que está no lugar do Simeão Leal,
mandando paralisar outros serviços para vêr se vem à luz – mais rapidamente –
estes dragões (Célio – 23.01.1957).
Mais tarde, Célio alerta Murilo para que ele não perca o contato no meio
jornalístico. Ele acredita que para Murilo não ficar muito afastado das pessoas que lá
estão, deve escrever de vez em quando para o jornal. E ao final, pergunta-lhe sobre
o novo livro que ainda não saiu: Os Dragões. A preocupação de Célio é pertinente,
pois Murilo Rubião tinha parado de publicar e quiçá de produzir:

Murilo, creio que você deveria escrever, de vez em quando,


alguma cousa para os jornais daquí [Belo Horizonte], a fim de não
perder o contacto em Belo Horizonte. A sua ausência é muito longa e
o contacto pela imprensa tem o objetivo de não afasta-lo da nossa
gente. Quando voltar, não estará muito longe de nós. Como vai o
novo livro? ‘Os Dragões’ não apareceram até hoje. O que houve?
(Célio – 30.05.1957).
Dois meses depois do pedido feito por Célio, Sérvulo escreve a Murilo
dizendo que Marcelo Tavares [...] Manda pedir [...] umas colaborações. Contos
inéditos e algumas fotos e curiosidades da espanha. (Sérvulo – 11.07.1957).
Novamente, em novembro de 1957, Célio comunica-lhe o andamento da
próxima publicação:

[...] tenho uma bôa notícia para você: estive ontem na Livraria
Itatiaia, a fim de comunicar ao Edson Moreira que estive com o prof.
J. Carlos Lisboa, ao qual pedí para conversar com o José Renato
Santos Pereira do Instituto Nacional do livro, para que comprasse
500 volumes da 2ª edição do EX-MÁGICO. Disse-me o Edson que o
José Renato topou a parada, tendo mesmo falado com êle sobre o
assunto. Posso garantir-lhe que sairá, em breve, a segunda edição,
possivelmente até o fim do ano. Será o próximo lançamento da
Itatiaia. Quanto ao livro do Rio nada pude fazer ainda. Sei que OS
DRAGÕES deveria estar lançado antes de sua vinda e até hoje
nada. Peço instruções suas para provocar um pronunciamento do
Celso Cunha, do José Renato ou de qualquer outra pessoa (Célio –
11.11.1957).

Em novembro ainda o livro não havia saído. Sendo assim, Célio, em uma
carta de novembro de 1957, afirma que o Edson Moreira declarou-me que o “Ex-
Mágico” estava em marcha, mas não houve notícia ainda. Preciso de material para
fazer alguma propaganda para os jornais, inclusive foto sua (Célio – 25.11.1957).
Em 1957 o livro não foi publicado e seu amigo Célio declara em uma carta
sem data, mas que possivelmente fora escrita entre 1.02.1958 a 6.02.1958, que
Edson Moreira espera publicar a 2ª edição do livro “O Ex-Mágico” até meados deste
ano. Informa ainda que, na edição de um livro lançado naquela data já constava a
propaganda do livro de Murilo e acrescenta que soube que o Celso Cunha está lhe
preparando uma surpresa com relação à edição do livro Os Dragões.
Em 1958, um amigo, parecendo cansado de tanto esperar pelos inéditos de
Murilo e nenhuma resposta obter, chega a exigir um livro; ele diz ao contista da
obrigação que ele tem de escrever por ser um escritor. Sérgio compara a falta que
sente de uma produção de Murilo com uma terra seca:

Tens de escrever. És escritor. Tens de escrever muito. És um


escritor. Deves-me um livro, muitos livros, tôdas as tuas
possibilidades até o último dos teus limites. Deves-me uma síntese
que sempre começa. E eu te exijo como uma grande terra sêca,
sempre sêca, apesar das tempestades. E eu bato palmas para ti e as
raízes batem palmas para mim enquanto termina o primeiro ato
duma peça repetida num palco sem bastidores. (Sérgio – 02.01.1958
– Pasta: “Correspondências Madrid”).

Outro amigo pede para que o contista aproveite suas horas de lazer para
escrever: Porque você não aproveita suas horas de lazer e envia alguma
colaboração para o nosso ‘Diário de Minas’. Seria um prêmio para os nossos leitores
e um prazer para todos os seus amigos da cidade. (Milton – 15.10.1958 – Pasta:
“Correspondências Madrid”).
Otto Lara Resende é imperativo com Murilo em uma carta: Mande-me seus
contos, trocaremos chumbo. (Otto – 14.07.1957). João Cabral de Melo Neto,
também de forma imperativa diz: Mande novos contos. Ando precisando de
fabuloso. (João Cabral – 18.10.1957). É curiosa a maneira com que João Cabral lhe
exige novos contos. Ele diz precisar do “fabuloso”. Sente falta da literatura tão
singular do amigo.
Pacheco, José Carlos e Otto Lara Resende querem saber se o amigo está
publicando alguma coisa. Como uma forma de animar ou até mesmo desanimar o
amigo, eles dizem estar em total atividade literária. Pacheco salienta: Recebi carta
do meu editor prometendo o livro para dentro em breve. E o seu? (Pacheco –
13.05.1958 – Pasta: “Correspondência Madrid”) José Carlos pede-lhe novidades
Mande novidades sôbre o que escreve você aí. (José Carlos – 13.10.1958– Pasta:
“Correspondência Madrid”). E ao final do ano de 1958, Otto interroga-lhe: Como vai
de literatura? Não escreveu outros contos? Eu estou em plena atividade. (Otto –
18.12.1958).
Otto que, esbanjava sua facilidade para produzir, cobrava do amigo Murilo
Rubião novos contos. Como o contista respondeu-lhe que escrevia pouco, Otto
sentiu o desalento de Murilo e como modo de encorajá-lo faz-lhe elogios, na carta
que se segue: Quanto a escrever pouco, não importa. Ninguém se realiza pelo
número de livros ou de páginas. Eu invejo os sóbrios, como você. O que importa é
dar o recado, o mais breve possível, com o menor número de palavras. (Otto – 29.
01.1959).
Em 1959, ainda o livro não havia saído. Felix questiona-lhe para saber
quando sairá: Você que tem feito? Quando sai seu livro? Tem escrito? (Felix –
13.02.1959 – Pasta: “Correspondência Madrid”).
Assim, passados três anos de sua residência em Madrid, Fernando Sabino
lhe escreve pedindo notícias sobre o seu próximo livro e se coloca a disposição dele
para servir de mediador junto à editora:

Todos os amigos aqui me perguntam sobre você e pedem


notícias de seu próximo livro. Creio que convem você botar as
manguinhas de fora e apressar a publicação. Por que não entra daí
mesmo em combinação com a Itatiaia, que publicou agora o livro do
Castelo com grande sucesso (ele já deve ter mandado a você,
conforme me disse). Se quiser, posso servir de intermediário – e
francamente acredito que valeria a pena. Como você pretende voltar
no princípio do ano que vem com sua imensa bagagem de canivetes
e encomendas de Papai Noel, convem que já vá mandando de uma
vez parte da bagagem literária para ter livro pronto quando chegar.
Interrompa um instante esse labor cotidiano de jogar paciência e de
ficar sonhando com as empadinhas do Trianon e meta os peitos na
literatura, que é o que você pode fazer de melhor (Fernando Sabino
– 14.09.1959 – Pasta: “Correspondência Fernando Sabino”).

Sabendo que Trianon é um dos bares de Belo Horizonte, localizado na rua


Bahia e freqüentado por Murilo antes dele ir morar em Madrid – sobre o qual Sabino
faz menção às empadinhas sonhadas por Murilo, usando estas empadas como
metáfora de saudade que Murilo devia estar sentindo, acredito que este desejo
veemente é produzido pelo exilado por causa da saudade da sua terra.
Humberto Werneck, em seu livro O desatino da rapaziada, descreve este
exato momento nas palavras de Fernando Sabino, quando numa conversa em
Madrid, em 1958, com o contista Murilo Rubião se lembra de que este, vivendo
então longe de seu país, evocou, com emoção mais do que gastronômica, as
famosas empadinhas do Trianon - “seus olhos”, conta Sabino, “brilhavam como à
lembrança de uma namorada que ele também houvesse saboreado naquele tempo”
(WERNECK, 1992, p. 36).
É importante ressaltar que, apesar do incentivo e cobrança dos amigos para a
publicação do próximo livro de Murilo Rubião, durante o período em que ele esteve
morando em Madrid, o livro Os Dragões não foi publicado. Este só veio a ser
publicado cinco anos depois que Murilo já estava de volta ao Brasil, isto é, só em
1965.

2.4. De volta ao Brasil

Em fevereiro de 1959 iniciam-se as especulações a respeito da viagem


definitiva de Murilo Rubião para o Brasil. Uma amiga diz que ficou satisfeita em
saber que ele estará no Brasil em maio: Fiquei satisfeita de saber que estará
conosco em Maio. É definitivo? Ou somente de férias? (Ninice – 2.02.1959 – Pasta:
“Correspondências femininas”), Outro diz que ele estranhará [algo] muito quando
voltar, mas não explica o quê. Talvez a cidade, a temperatura do tempo etc., outro
pergunta o porquê da viagem tão repentina ao Brasil e questiona a possibilidade de
fechamento dos Escritórios.
Neste mesmo mês, o amigo Lessa diz que aguarda o contista em Belo
Horizonte, no mês de junho: [...] aguardando o prazer de revê-lo em junho, nesta
Belo Horizonte sempre pacata [...] (Lessa – 13.02.1959 – “Correspondências
Madrid”). Mais tarde, em uma carta cujo remetente não foi possível identificar,
observo que Lessa é informado de que Murilo chegaria ao Brasil em março, assim
diz a carta: Soube, pelo Lessa, de sua vinda fins deste Mês, notícia que muito me
alegrou (Assinatura não identificada – 13.02.1959). Outro amigo brinca: Então estás
com um pé ai e outro cá. (Sérgio –17.02.1959).
E enquanto um diz que espera Murilo para meados de março, outros dizem
estar satisfeitos com a notícia da chegada de Murilo para fins de março: Ficamos
satisfeitos em saber que virá mais cêdo, isto é, em fins de março. (Assinatura não
identificada – 26.02. [1959]); Estamos aguardando com ansiedade a sua chegada, a
12 de março. Espero que você possa parar um pouco no Rio (apesar do calor que
está fazendo) (Assinatura não identificada – 26.02. [1959]).
Uma carta registra que, em junho, Murilo já estava de volta a Madrid: Estimo
que tenha encontrado sua Madrid com os mesmos e magníficos encantos. [...]
Notícias dos amigos, são boas [...] e outros, como eu, saudosos de sua presença,
esperançosa de uma volta definitiva. (Assinatura não identificada – 22.06.1959) Em
julho, uma outra carta já anuncia que o contista já pensava em seu regresso
definitivo: Chegou sua carta de 21 e com ela, as boas notícias de que o
prezadíssimo chefe e amigo já pensa no regresso definitivo. Graças a Deus que o
panorama belorizontino vai ser melhorado e enfeitado com sua presença.
(Assinatura não identificada – 22.06.1959).
Notícias dadas por Murilo ou passadas e repassadas de amigo em amigo, às
vezes, poderiam chegar incorretas, mas também acredito que algumas vezes
poderia ser planejada uma viagem e esta não acontecer no dia, ou até mês
planejado e anunciado com tamanha antecedência aos amigos.
Outro exemplo disso é o que observei quando o amigo Amaral lhe escreve,
em setembro de 1959 dizendo que a notícia do regresso de Murilo, em janeiro é
ótima, só assim poderemos matar a saudade (Amaral – 29.09.1959). E a amiga
Maria Helena, em janeiro de 1960, diz que não havia lhe escrito antes porque tinha
esperança de tê-lo aqui entre nós no Natal, [...] pois várias pessoas me disseram q.
você viria p. o fim do ano. [...] Que você volte para o Brasil e que tudo corra como
você deseja (Maria Helena – 04.01.1960).
Murilo Rubião esteve novamente no Brasil em 1959. No dia 2.03.1959, o
poeta João Cabral de Melo Neto avisa ao amigo que não poderia levá-lo ao
aeroporto e manifestava seus votos de boa viagem e boa permanência no Rio e em
Belo Horizonte. Outras cartas que evidenciam a estada de Murilo Rubião no Brasil
podem ser vistas numa de assinatura não identificada, mas que pelo contexto foi
escrita, em 25.3.59, por algum colega do Escritório Comercial, em Madrid e outra
escrita pelo escritor Murilo Mendes.
Assim diz a primeira carta: Lamentamos que o seu justo descanço (sic) seja
alterado pela presente. Aqui estamos [Madrid], eu e os colegas, saudosos de sua
presença (Assinatura não identificada – 25.03.1959). No mês seguinte, abril de
1959, Murilo Mendes escreve-lhe: Soube também que v. havia partido para o Brasil,
e que ficaria tempos no Rio, tempo em Minas (Murilo Mendes – 22.04.1959 – Pasta:
“Correspondência: Escritores, Suplemento e diversos”)
Verifico, portanto, que Murilo, apesar das dificuldades que encontrava para
voltar ao Brasil, quando podia voltava e matava as saudades da terra. Acredito,
entretanto, que ele sentia não haver mais a liberdade de ir e vir quando desejasse, o
que lhe causava certa angústia. Ele gostava de Madrid e deixava isso bem claro
para seus amigos, mas também sentia falta do seu chão mineiro.
O mineiro, relembrando os anos passados fora do Brasil, em entrevista, de
1982, desabafa dizendo que sofreu, apesar de ter sido bem recebido, bem tratado.
Ele nunca tinha estado antes na posição de um estrangeiro. E para ele a
característica da mineiridade foi a mais abalada.
Kristeva, em seu texto “Tocata e fuga para o estrangeiro”, do livro
Estrangeiros para nós mesmos, toma como hipótese a destruição do individualismo
moderno, isto é, talvez seja a partir do instante em que o cidadão-indivíduo percebe
suas contradições e suas estranhezas que este se volta a pensar, não em acolher o
estrangeiro num sistema que o invalida, mas a viver junto com esses estrangeiros
que todos nós reconhecemos ser.
Dessa forma, ela acredita que para a estranheza tornar-se mais leve não se
deveria fixá-la ou coisificá-la e, ainda, para se fugir da antipatia e do sofrimento
deveria conciliar as diferenças que ela fixa e multiplica.
Outra questão importante marcada no texto de Kristeva é o fato de existirem
ou não estrangeiros felizes. Segundo ela, a princípio a diferença do rosto (olhos,
lábios, faces, pele etc.) o destaca e o faz presente. Esta diferença pode ao mesmo
tempo nos atrair e repelir, pode-se amá-lo ou odiá-lo, por isso a expressão do
estrangeiro assinala que ele está “a mais” (KRISTEVA, 1994, p.11). No entanto,
estrangeiro nutre a felicidade do desenraizamento, a felicidade de não pertencer a
determinado país e poder usufruir da liberdade de viver sem residência fixa.
Entretanto, essa felicidade é por vezes, diminuída, enfraquecida, ou melhor,
como a autora diz, é uma felicidade cabisbaixa, de uma discrição medrosa, apesar
de sua intrusão penetrante, pois o estrangeiro continua a se sentir ameaçado pelo
território de outrora, tragado pela lembrança de uma felicidade ou de um desastre –
sempre excessivos (Op. cit., p. 12).
Sendo assim, voltando à questão de ser possível ser estrangeiro e ser feliz,
Kristeva observa o limite frágil existente entre fuga e origem. Para ela, essa
felicidade estranha do estrangeiro é a de sustentar essa eternidade em fuga ou esse
transitório perpétuo (Ibidem).
A memória do estrangeiro poderia remontar a mágoa que ele próprio
desconhece de que foi ele quem escolheu partir, no entanto, o desafio não o deixa
lamentar-se. Ele:
[...] sente uma certa admiração para com os que o acolheram,
pois em geral acredita serem eles superiores, seja material, política
ou socialmente. Ao mesmo tempo não deixa de julgá-los um pouco
limitados, cegos. Pois os seus anfitriões desdenhosos não possuem
a distância que ele possui, para se ver e para vê-los. O estrangeiro
fortifica-se com esse intervalo que o separa dos outros e de si
mesmo (Op. cit., p. 14).

No entanto, Kristeva afirma que o estrangeiro habita em nós: ele é a face


oculta da nossa identidade, o espaço que arruína a nossa morada, o tempo em que
se afundam o entendimento e a simpatia (Op. cit., p. 9). Sendo assim, conforme a
autora, ao nos conscientizarmos de nossa diferença, o estrangeiro começa em nós e
termina ao nos reconhecermos todos estrangeiros.
Com a separação de Murilo de seu país, ele, ao querer voltar, sente uma
profunda melancolia. E isso agrava, ainda mais, o seu sofrimento. Desse modo, ele
deixa o que ele pode fazer de melhor, que é a literatura, para segundo plano.
João Cabral de Melo Neto, lucidamente verificando que a separação do
mineiro de sua Belo Horizonte foi um golpe fatal para a sua produção literária,
ressalta a esperança que tem de que esta cidade tenha lhe devolvido o gosto de
escrever e, sobretudo, de publicar13. Observando, pois, a condição em que Murilo se
encontrava, isto é, de sentimento de exílio, em Madrid, João Cabral espera, agora,
em 1960, que o chão mineiro possa ter devolvido a ele a vontade de escrever, pois
naquela cidade, quando esteve de certa forma exilado, solitário, infeliz, o mineiro
não publicou nenhum conto.
A solidão toma conta não só da vida do contista como também de seus
personagens. A literatura de Murilo Rubião está impregnada do sentimento de
solidão. Isso é um fator preponderante em seus contos.
Com o propósito de expor melhor a obra do contista, abordarei, portanto, no
próximo capítulo, alguns estudos sobre a literatura fantástica, na qual a obra de

13
Esta informação foi retirada de uma carta, sem data, escrita por João Cabral de Melo Neto a Murilo
Rubião. É encontrada no Acervo do contista no arquivo 1, gaveta 2, pasta 38. Pelo o que está
exposto na correspondência, esta foi escrita logo depois que o mineiro voltou da Espanha para o
Brasil, em 1960.
Murilo se insere, não apenas para conhecer um pouco mais sobre a obra dele como
também para fazer uma leitura de sua obra e, principalmente, do conto “Teleco, O
Coelhinho”, o único conto no qual ele escreveu enquanto viveu em Madrid.

Capítulo 3: A literatura solitária de Murilo Rubião

Apesar de a crítica literária sempre apontar a dívida literária de Murilo Rubião


com Kafka, a preferência pelo fantástico, segundo o próprio autor, foi herança da
infância, das intermináveis leituras de contos de fadas, do ”Dom Quixote”, da
“História Sagrada” e das “Mil e uma Noites” (RUBIÃO, 1982, p. 3).

De acordo com Vera Lúcia Andrade (1985), o escritor mineiro declarou que conhecera a obra
do escritor tcheco somente quando já havia escrito seus três primeiros livros. E ainda afirma que só
leu a obra completa de Kafka quando trabalhou na Embaixada Brasileira na Espanha, entre 1956 e
1960.
É importante pensar, portanto, o que os outros escritores, desta mesma época ou até um
pouco antes, estavam produzindo enquanto Murilo escrevia contos fantásticos.
Fábio Lucas, em seu livro O caráter social da literatura brasileira, no último
capítulo, intitulado “Ficção brasileira contemporânea”, salienta a situação do conto
brasileiro, afirmando que a valorização do conto no Brasil aconteceu de certa forma
depois da Segunda Guerra Mundial. Isso ocorreu devido à crise do romance,
manifestada em todo o mundo no após-guerra (LUCAS, 1976, p.122). Os
ficcionistas, segundo Lucas:

[...] preferem, modernamente, situações dramáticas de curta


duração e psicológicas adaptadas às contingências do momento de
intensidade emocional. Além do mais, aprimorou-se o gosto das
soluções no plano verbal; a arte da ficção se tornou mais “literária”
(Ibidem).
Para Lucas, Guimarães Rosa, Clarice Lispector e Murilo Rubião, dentre outros
ficcionistas, renovaram, nessa mesma época, a tradição literária brasileira. A
inovação artística não se limita apenas à mudança de ponto de vista em relação à
sociedade, ao indivíduo, à natureza e às situações dramáticas da vida (Op. cit., p.
105), mas também com relação à mudança de ponto de vista em relação à realidade
que se cria com a expressão literária.

Contistas por excelência, Lucas destaca Murilo Rubião e Breno Accioly. O


início da renovação do conto brasileiro pode ser marcado com a obra O Ex-Mágico
de Murilo Rubião, publicada em 1947, afirma o crítico (Op. cit., p. 40). Ninguém
entendia a arte deste contista. Não era para menos, pois a arte de Murilo Rubião era
inaugural. O contista era um caso de originalidade e, por isso, desorientava a todos.
Um ano antes do lançamento de O Ex-Mágico, Guimarães Rosa publicara Sagarana
e Clarice Lispector publicara O Lustre.

Antonio Candido, no texto “Literatura e cultura de 1900 a 1945” de seu livro


Literatura e sociedade, traça uma síntese do movimento literário deste período. Para
o autor, no século XIX (1836-1870) o Romantismo e no século XX (1922-1945) o
Modernismo representaram dois momentos decisivos na literatura brasileira. Sendo
assim, ele discute o Romantismo, o Naturalismo, o Simbolismo, até chegar ao
Modernismo. O que vai interessar, especialmente, neste trabalho, são os anos 1940
em diante, época em que Murilo Rubião estava produzindo, mesmo que
timidamente, seus contos insólitos.

Segundo Candido, depois de 1940 ou até mesmo um pouco antes, eram


perceptíveis elementos que constituíam um novo período na literatura, pois a partir
de 1940, ao lado dos escritores que corroboravam para produzir uma literatura
universalmente valiosa, isto é, por meio de uma literatura que integrasse os
problemas do momento através de um rígido compromisso ao local, houve rejeição
do local considerado apenas pitoresco e extraliterário; e um novo anseio
generalizador, procurando fazer da expressão literária um problema de inteligência
formal e de pesquisa interior (CANDIDO, 2000, p. 116).
Durante essa fase, o Modernismo diminui a força no que tange o regionalismo,
o folclórico, o libertino, o populista, manifestando maior preocupação com a forma ou
esforço anti-sectário no conteúdo (Ibidem). Para Candido:

[...] é o momento em que os próceres dos dois decênios


publicam algumas das suas melhores produções (Fogo Morto, de
José Lins do Rego e Terra do sem-fim, de Jorge Amado, por
exemplo, ambos de 1943; Sentimento do mundo e Rosa do povo, de
Carlos Drummond de Andrade, em 1940 e 1946) [...] Em poesia, as
melhores vozes ainda nos vêm de antes, com a de Henriqueta
Lisboa (Flor da morte, 1949) ou Vinícius de Morais (Poemas, sonetos
e baladas, 1946), para não citar Murilo Mendes e Carlos Drummond
de Andrade, cujos primeiros livros são de 1930, ou Manuel Bandeira,
pré-modernista e modernista da primeira hora [...] No romance, é
significativo o êxito de um veterano, José Geraldo Vieira, cuja obra é
revalorizada depois da publicação, em 1943, de A quadragésima
porta [...] Não menos significativo, o de Clarice Lispector (Perto do
coração selvagem, 1944; O lustre, 1946) (Op. cit, p. 116-117).

No final da década de 40, a literatura brasileira ganha algo realmente novo,


isto é, os contos de Murilo Rubião. No Brasil não existia uma tradição fantástica
quando o contista, desde o seu primeiro livro, mostrou sua singularidade dentro da
literatura brasileira.
É verdade que naquela época ainda não se imaginava o “realismo mágico”
que, no final dos anos 60, através de Jorge Luís Borges, Júlio Cortazar e Gabriel
García Márquez, ficaria sendo o selo da literatura latino-americana, conforme frisa
Humberto Werneck (WERNECK, 1987, p.12).
Jorge Schwartz, em seu texto intitulado “O Fantástico em Murilo Rubião”14,
destaca a situação de Murilo na história das letras brasileiras. O crítico,
considerando o escritor Murilo como pioneiro na narrativa fantástica na literatura
brasileira, mostra que a obra do contista aparece de forma insólita, assim como a
temática dos seus contos, desengajada de qualquer movimento literário no Brasil
(SCHWARTZ, 1974, p. 7) no que se refere aos aspectos vanguardistas do ponto de
vista geográfico temporal.

14
Este texto fora publicado, primeiramente, na Revista Planeta em 25 de setembro de 1974. Em 19
de outubro de 1974, quase um mês depois, foi publicado no Suplemento Literário do Minas Gerais.
Segundo Schwartz, o fantástico em Murilo Rubião está no cotidiano e não há
rupturas no decorrer da narrativa ou provocação de suspense no leitor, pois
acontecimentos referencialmente antagônicos e inconciliáveis, conciliam-se
tranquilamente pela organização da linguagem. Dragões, coelhos e cangurus falam,
mas não há mais o clássico “enigma” a ser desvendado no final (Ibidem).
É importante notar que, em 1987, no Suplemento Literário do Minas Gerais,
no especial comemorativo de 40 anos do livro O Ex-Mágico (Especial 1, 2 e 3),
vários críticos discutiram a nova tendência da literatura fantástica aduzida na obra do
mineiro Murilo Rubião.
Rui Mourão, abrindo o Especial 1, afirma que Murilo, desde seu primeiro livro,
lançado em 1947, não se parece com ninguém que veio antes (MOURÃO, 1987,
p.1). Jorge Schwartz declara que a total ausência de uma tradição narrativa
fantástica no Brasil cria um impasse quanto à definição do gênero no momento em
que ele nasce das mãos de Murilo Rubião (SCHWARTZ, 1987, p. 6).
Humberto Werneck, seguindo o mesmo pensamento, sustenta a idéia de que
desde o primeiro livro Murilo chamou a atenção da crítica, por sua extraordinária
singularidade dentro da literatura brasileira (WERNECK, 1987, p.12). Werneck, para
realçar ainda mais a singularidade de Murilo Rubião, cita, primeiramente, as palavras
de Fábio Lucas quando faz uma observação curiosa: “A ficção de Murilo não tinha
qualquer conexão com o que se fala no Brasil”. “Era mesmo uma aventura solitária”
(Ibidem) correndo, pois, risco de não dar certo. Em seguida, Werneck lembra as
palavras de Eliane Zagury, quando fala que o mineiro, “escreveu adiantado e
publicou escondido – contradições que já são um lugar-comum dos grandes
escritores” (ibidem).
Álvaro Lins explica que se a obra de Murilo Rubião não é composta de
originalidade absoluta no sentido universal, sem dúvida nenhuma no Brasil sua obra
significa uma novidade, pois Murilo Rubião não procurou forma fácil de expressão,
nem ficou a lidar com elementos já vistos e explorados. Buscou um caminho novo e
soluções próprias (LINS, 1987, p. 9).
No Especial 2, Carlos Vogt fala que a literatura brasileira conheceu o gênero
fantástico, tendo na solidão paciente do trabalho de Murilo um raro caso de
expressão maior (VOGT, 1987, p. 4).
Davi Arrigucci Jr., no Especial 3, tratando também da estréia de uma nova
tendência da literatura fantástica em Murilo, no panorama da literatura brasileira,
afirma que o contista rompe os padrões do realismo tradicional e só encontra
antecedentes ou parentesco fora de nosso âmbito literário, com a obra de Kafka e
dos pós-kafkianos (ARRIGUCCI JR., 1987, p. 2).
Arrigucci Jr. explica que a literatura fantástica, no Brasil, nunca sustentou
tradição antes de Murilo, pois nos séculos XIX e XX, encontram-se apenas
narrativas mais ou menos insólitas dos românticos, uma vez que caíam sempre nas
margens do real. Assim sendo, Murilo Rubião foi o primeiro a tomar impulso no jogo
da fantasia, aqui no Brasil. Abaixo, Arrigucci Jr. discorre:

Uma razão externa dessa singularidade pode ser percebida


facilmente, [...] no contexto brasileiro, a Literatura Fantástica sempre
foi rara. A tradição dominante do realismo demonstrou, entre nós,
desde as origens, a preferência pela ficção de vôo curto, lastreada na
observação e no documento, avessa ao livre jogo da imaginação. E
toda vez que se inclinou para o pólo da fantasia, esta sempre foi
corrigida pelo costeio do real. Neste caso, em geral toda expansão
imaginária tende coincidir com o momento da ilusão, logo trazida ao
chão pela ironia realista. Embora a Literatura Fantástica não se
oponha necessariamente ao realismo, como se verifica ao longo do
desenvolvimento desse gênero, a tendência, em nosso meio, não foi
de certo para incentivá-la. Assim, nossa ficção do século XIX e do
começo do século XX serve mal como antecedente de Murilo, ainda
que o explique por outros ângulos. Narrativas fantásticas, estranhas
ou vagamente insólitas dos românticos, de Machado de Assis, de
Aluísio Azevedo, de Afonso Arinos, de Monteiro Lobato e outros não
chegam a constituir uma tradição forte do gênero, capaz de sustentar
uma explicação para as peculiaridades do fantástico em nosso Autor
(ARRIGUCCI, 1987, p. 1).

Segundo Arrigucci, com o Modernismo houve uma abertura maior para quem
quisesse arriscar-se no imaginário. Com isto tornou-se possível uma investigação do
supra-real como Murilo realiza em seus contos algum tempo depois. Porém, as
preocupações específicas, reveladas nas primeiras obras modernistas, já estão
distantes do universo muriliano e ajudam pouco a entendê-lo (Ibidem), conforme
frisa Arrigucci Jr.
Somente da década de 30 para frente o quadro sofre uma modificação e,
assim, surgem novidades. Arrigucci Jr., preferindo falar em afinidades literárias, cita
dois escritores mais perto de Murilo Rubião, que foram marcados pelo insólito e se
formaram sob o estilo do Modernismo: Cornélio Penna e Aníbal Machado.
De fato, Murilo Rubião esteve por bastante tempo sozinho no que se refere ao
gênero escolhido por ele. Deleuze e Guattari, no livro Kafka: por uma literatura
menor, discutem o que é uma literatura menor, num capítulo de mesmo título. Já no
início do texto os autores apontam que uma literatura menor não é a de uma língua
menor, mas antes a que uma minoria faz em uma língua maior (DELEUZE e
GUATTARI, 1977, p. 25).
De acordo com eles, “menor” não classifica mais certas literaturas, mas as
condições que as caracterizam pela inovação, pela originalidade, pela possibilidade
de renovar os padrões estabelecidos de toda a literatura no interior daquela a que
atribuímos qualidade de grande, ou seja, daquela que se firmou.
Acredito que Murilo Rubião foi um escritor que ficou à margem do que estava
em voga na década de 40, como analisado por diversos críticos mencionados acima.
Isto é, a literatura de Murilo era inaugural.
Murilo Rubião era solitário em seu estilo literário. Ninguém antes, no Brasil, havia se
enveredado pelos caminhos do fantástico. Pode-se dizer que seus contos estavam exilados numa
época em que não se produzia tal coisa. Sendo assim, era tido como estranha (como estrangeira?) a
sua obra.
Dessa forma, concordo com Deleuze e Guatari, quando dizem que se o escritor está à
margem ou afastado de sua frágil comunidade, essa situação o coloca ainda mais em condição de
exprimir uma outra comunidade potencial, de forjar os meios de uma outra consciência e de uma
outra sensibilidade (Op.cit., p. 27).
A obra de Murilo Rubião, por estar distante, isolada de toda a produção da época, causou
enorme estranheza a todos, quando o escritor escolhe um gênero que ainda não era conhecido no
Brasil. O que causa estranheza é a literatura fantástica de Murilo, isto é, a novidade. Desse modo,
antes mesmo da leitura da obra de Murilo, discorrerei a seguir sobre o gênero em que a obra do
contista está inserida.
O estruturalista Tzvetan Todorov, em sua obra intitulada Introdução à
Literatura Fantástica, discursa sobre o fantástico sob uma perspectiva tradicional,
diferente do fantástico encontrado na obra de Murilo Rubião. Porém, é importante
ressaltar este estudo para perceber como a literatura de Murilo Rubião se difere da
literatura fantástica do século XIX, discutida pela professora Vera Lúcia Andrade, em
sua tese de doutorado, intitulada Marbre: une lecture du fantastique chez Pieyre de
Mandiarques, onde ela traz importantes informações sobre o histórico da Literatura
Fantástica.
Apesar de aparecerem elementos fantásticos na literatura desde a Idade
Média, a Literatura Fantástica, segundo Andrade, nasceu no século XIX. Já Todorov
afirma que o fantástico apresentou-se de forma sistemática por volta do final do
século XVIII, com o autor Cazotte, no livro Le diable amoureux.
Conforme Andrade, temas que mais tarde fizeram parte do domínio fantástico
encontram-se nos anos 1580 a 1670 na literatura barroca. Esta se definia por uma
temática da metamorfose, da dualidade, do duplo. Além disso, o macabro e o sinistro
acompanhavam o cenário. Dessa forma, a literatura barroca apresentava uma
constante confusão entre os domínios do sonho e do real.
O romance gótico também pode ser considerado um dos precursores do
fantástico, pois se apoiava em cenários de pavor: nas ruínas desoladas, nos
castelos mal-assombrados, nos enigmas angustiantes etc. Todavia, no romance
gótico tudo se explica por artifícios engenhosos (ANDRADE, 1985, p. 16).
Mais tarde, conforme Andrade, em 1820, Maturin e Nodier estabeleceram
outra categoria: o frenético, no qual se prolongava o cenário mórbido do romance
gótico para um desencadeamento do horrível, isto é, houve o aumento de seres
monstruosos, dos personagens híbridos, das mutações inconcebíveis se produzindo.
Segundo Andrade, apesar destes precursores, a Literatura Fantástica, na
França, só nasce, efetivamente, em 1830. Tal fato está ligado, por um lado, à
história do Romantismo em geral e, por outro lado, ao começo da época cientificista
e positivista. Para a autora, o fantástico procura e deve chegar a alterar nosso
mundo, mundo este submisso a uma causalidade rigorosa (Op. cit, p. 20).
Andrade cita Roger Caillois, um importante crítico da Literatura Fantástica,
para salientar a quebra que o sobrenatural opera num mundo estável. Conforme o
autor, o sobrenatural surge como a ruptura da coerência universal devido a uma
agressão interdita, ameaçante que rompe a estabilidade de um mundo coerente
cujas leis até então eram tidas como rigorosas e imutáveis (Apud. ANDRADE, 1985,
p. 20).
É importante ressaltar também o estudo do estruturalista Todorov. Em sua
obra, o autor focaliza o aspecto formal da relação do fantástico com os gêneros
vizinhos, o estranho ou o maravilhoso. Para ele, o fantástico está no meio, ele só
ocorre na incerteza entre uma e outra possível solução, pois se o leitor optar por
uma ou outra escolha de explicação para os acontecimentos entrará em um gênero
vizinho, ou seja, o estranho ou o maravilhoso.
Mais adiante, Todorov aponta a implicação do fantástico na integração do
leitor ao universo das personagens. O leitor, portanto, é quem definirá o fantástico
pela percepção ambígua acerca dos acontecimentos narrados. Sendo assim,
conforme afirma Todorov, a hesitação do leitor é pois a primeira condição do
fantástico (TODOROV, 1992, p. 37).
Um ponto importante que resume o espírito do fantástico, segundo Todorov, é
quando se chega quase a acreditar, pois é a hesitação que dá vida ao fantástico.
Quem hesita tanto pode ser o personagem quanto o leitor que é posto em integração
com o mundo dos personagens. Para Todorov, há um fenômeno estranho que se
pode explicar de duas maneiras, por meio de causas de tipo natural e sobrenatural.
A possibilidade de se hesitar entre os dois criou o efeito fantástico15. (Op. cit, p. 31).
A respeito do efeito produzido no leitor, Jorge Schwartz contesta o método
proposto por Todorov, dizendo que sua crítica é de caráter eminentemente
axiomático: deve existir a dúvida na leitura da narrativa fantástica? Sem tensão, não
há conto, mas a ausência da dúvida elimina o fantástico? (SCHWARTZ, 1981, p.
68).
Segundo Schwartz, o modo narrativo de Murilo Rubião é contrário à teoria do
fantástico articulada por Todorov, onde a dúvida é assumida como condição sine
qua non para definir o gênero narrativo em questão (Ibidem).
No terceiro capítulo do livro, o estruturalista afirma que o fantástico dura
apenas o tempo de uma hesitação e esta é comum ao leitor e à personagem. Para
diferenciá-lo do gênero estranho, o autor diz que neste o leitor ou a personagem
decide que as leis da realidade permanecem intactas (TODOROV, 1992, p. 48) e o
contrário disso acontece no gênero maravilhoso, isto é, quando se admitem novas

15
O pensamento supracitado pertence a Louis Vax, em sua obra L’art et la littérature fantastiques,
quando ele explicitou a ambigüidade na obra The turn of the screw, de Henry James e declarou que
o fantástico ideal se mantém na hesitação.
leis da natureza, pelas quais o fenômeno pode ser explicado (Op. cit., p. 48). O
fantástico existe se estiver ligado à ficção e ao sentido literal.
Outra importante observação de Todorov é com relação às funções do
fantástico na obra, tais como: efeito de medo ou horror sobre o leitor; o suspense e
função tautológica, quer dizer, admite-se descrever um universo fantástico sem que
este tenha qualquer realidade fora da linguagem.
O último capítulo do livro, que é conclusivo, tem como assunto a literatura e o
fantástico. Neste, Todorov não mais pergunta “o que é o fantástico?”, mas sim “por
que o fantástico?” Ele explica que a primeira interrogação traz a preocupação com a
estrutura do gênero, já a segunda tem como propósito as suas funções.
Com relação à estrutura do gênero, Todorov afirma que o fantástico
fundamenta-se na hesitação do leitor; o leitor identifica-se a um personagem e hesita
quanto à natureza de um acontecimento estranho; a hesitação pode ou não ser
resolvida e o fantástico exige certo tipo de leitura.
Já com relação às funções do fantástico, Todorov se firma na observação
feita por Peter Penzoldt que diz: Para muitos autores, o sobrenatural não era senão
um pretexto para descrever coisas que não teriam ousado mencionar em termos
realistas (Apud. TODOROV, 1992, p. 167).
O sobrenatural também era pretexto para franquear certos limites inacessíveis
(temas proibidos, tais como: homossexualismo, o incesto, o amor a vários, a
necrofilia, a sensualidade excessiva) pela censura, tanto a institucionalizada quanto
a da psique do autor. Ainda, o sobrenatural era usado para tratar de temas tabus ou
loucuras; para evitar as condenações sociais, os crimes, as drogas; subtrair do texto
a ação da lei e com esta mesma transgredi-la. Para Todorov, o fantástico é mais do
que um simples pretexto, é um meio de combate contra uma e outra censura
(Ibidem).
A produção literária de Murilo Rubião se encontra inserida no gênero
fantástico. E isto causava inquietação ao público não só na década de 40 como
ainda na década de 80, pois em uma entrevista intitulada “Rubião, pirotécnico da
palavra” publicada no jornal Alternativa, Giselle Dupin e Francisco de Morais Mendes
queriam saber se o Realismo Fantástico de Murilo Rubião era uma opção política.
Segundo o jornal, a resposta do contista é de que ele acha que o Fantástico
pode perfeitamente ser utilizado como uma metáfora política. Como qualquer outro
tipo de literatura, desde que o escritor esteja engajado no contexto social (RUBIÃO
apud DUPIN e MENDES, 1981, [s/p]).
Para Murilo, a presença do social aparece em grande parte de sua literatura,
uma vez que sobre o livro O Convidado, Murilo afirma que dois contos são
extremamente políticos, a saber: “Botão de Rosa” e “A Fila”. E ainda diz o contista
que no livro O Pirotécnico Zacarias, o conto “A Cidade” é a contestação do Estado
Novo. Murilo Rubião vivenciou esta situação e sentiu-se afetado por ela, uma vez
que à época trabalhava em jornal sob censura, o que acabava aparecendo em seus
contos.
Entretanto, sua opção pelo fantástico não foi motivada pela censura. Num
depoimento consciente no que tange a sua opção por este tipo de literatura, Murilo
Rubião afirma:

O Fantástico de maneira alguma, é um tipo de literatura de


escape, para driblar a censura. Como a literatura feita com seriedade
não é panfletária, então, o que tem de contestação às vezes é mais
sutil. Às vezes é preciso uma segunda leitura para se perceber. E já
começa que a censura não entende nenhum livro, nem aqui nem em
outros lugares (Ibidem).

Voltando às funções dentro do próprio interior da obra, Todorov, em seu livro,


discorre sobre três: 1) a função pragmática: o sobrenatural emociona, assusta ou
mantém em suspense o leitor; 2) a função semântica: o sobrenatural constitui sua
própria manifestação: é uma autodefinição; e 3) a função sintática, que aparece no
desenvolvimento da narrativa.
Já nas últimas páginas, Todorov se interroga não mais a respeito da função
do sobrenatural, mas sobre a reação que este suscita. Daí, ele se indaga: Por que a
literatura fantástica não existe mais? (TODOROV, 1992, p. 175). Em outro momento
ele se pergunta: Em que se transformou a narrativa sobrenatural no século XX? (Op.
cit, p. 177).
Com base na obra A metamorfose, de Franz Kafka, Todorov acredita que aí
se inicia um novo gênero. Gênero este que ele desconhece. Ele afirma que se
abordarmos esta narrativa com as categorias anteriormente elaboradas, vemos que
ela se distingue fortemente das histórias fantásticas tradicionais (Op. cit, p. 179).
Para Todorov, na narrativa kafkiana a hesitação não é mais possível como
anteriormente (no século XIX) foi representada no interior do texto:

A narrativa fantástica partia de uma situação perfeitamente


natural para alcançar o sobrenatural, “A Metamorfose” parte do
acontecimento sobrenatural para dar-lhe, no curso da narrativa, uma
aparência cada vez mais natural, e o final da história é o mais
distante possível do sobrenatural. Qualquer hesitação torna-se de
imediato inútil: ela servia para preparar a percepção do
acontecimento inaudito, caracterizava a passagem do natural ao
sobrenatural (Ibidem).

Sobre as diferenças existentes entre a obra fantástica tradicional e a


moderna, a autora Vera Lúcia Andrade explica:

Nas obras fantásticas tradicionais, o elemento sobrenatural


intervém no curso normal dos acontecimentos e provoca uma
ruptura; um “suspens” [...]. Pelo contrário, na narrativa fantástica
moderna, os elementos sobrenaturais não intervém mais, esta não
interfere na ordem natural do fato narrado. O fantástico, o misterioso
e o curso natural dos acontecimentos convivem pacificamente na
linguagem organizada da narrativa (ANDRADE, 1985, p. 22)

A ausência de hesitação diante de um fato sobrenatural é característica


também da narrativa de Murilo Rubião. Segundo Jorge Schwartz, por meio da
linearidade e coerência do sistema discursivo da ficção, este estabelece o status
necessário e suficiente para que o leitor dê credibilidade à narrativa (SCHWARTZ,
1981, p. 59). Como exemplo, Schwartz aborda a narrativa do conto “Teleco, o
Coelhinho”:

O fato da personagem não questionar a presença do coelhinho


faz com que nós também o aceitemos no ato da leitura. Esta
integração é feita graças à extraordinária força dos dados miméticos
que configuram o discurso, e a fusão fantástico/cotidiano é imediata,
não havendo lugar para surpresas, dúvidas ou desconfianças (Op.
cit, p. 60).
Daí a modernidade da obra de Murilo Rubião. Sua narrativa se diferencia da
narrativa tradicional, estudada por Todorov. Quanto à sua familiaridade com a obra
de Kafka, o próprio Murilo, como dito anteriormente, declarou que só veio a conhecê-
la mais tarde, portanto acredito que Murilo tirou de sua solidão inata o insólito que
trouxe para a obra escrita.

A obra de Murilo: metáfora de sua solidão

Como foi visto na primeira parte deste capítulo, a literatura de Murilo Rubião
surgiu como uma produção solitária, e permaneceu por algumas décadas à margem.
E isso se deu pelo fato de o contista escrever algo novo. Murilo renovou os padrões
estabelecidos da época.
É curioso perceber também que, como foi discutido no primeiro capítulo, o
próprio Murilo cultivava o sentimento de solidão, pois sentia-se bem mesmo isolado.
Este era o jeito reservado de viver do escritor Murilo Rubião. Seus depoimentos
acerca deste sentimento foram ressaltados, por mim, nas entrevistas concedidas por
ele.
Solitária não só a produção literária de Murilo, em meio ao que estava sendo
produzido no momento, como a própria maneira de viver deste escritor. E este
sentimento se estende até as suas personagens. Assim sendo, pretendo investigar o
sentimento de solidão das personagens na obra do contista para ter uma idéia mais
abrangente daquele sentimento que, manifestado intensamente durante a vida do
homem Murilo Rubião, é articulado, por ele, na criação de seus personagens.
Desse modo, antes mesmo de fazer uma leitura do conto “Teleco, O
Coelhinho” (1965) que, como já foi dito, foi o único concluído em terra estrangeira
(Madrid 1956-1960) e trazido em sua bagagem de volta ao Brasil, ressalto que é
pertinente fazer uma leitura de alguns outros contos de Murilo Rubião, uma vez que,
em muitos deles, são abordados temas que se referem ao isolamento do homem, a
perdas, ao sofrimento, a ausências etc. Saliento, portanto, que os comentários a
respeito de sua obra como um todo não terão como preocupação uma leitura
minuciosa de cada conto, salvo o conto “Teleco, O Coelhinho”.
A seguir, é interessante observar os elementos utilizados por Murilo para
tratar da sensação ou da situação de quem vive afastado do mundo ou isolado em
meio a um grupo social.
Murilo Rubião, em entrevista ao Diário de Minas, em 1953, diz que para fazer
literatura não importa se o indivíduo seja triste ou alegre e tampouco é preciso casar-
se ou ser celibatário, pois as criaturas plenamente felizes e ajustadas à vida podem
ser escritores, e a literatura espelhará o seu estado psíquico.
A professora de literatura e crítica, Maria Luiza Ramos, dando continuidade
ao tema tão vasto, pergunta, em entrevista, ao escritor se ele tem por hábito fazer
projeção da própria personalidade em seus personagens. Murilo Rubião, certo de
que há muito de seu sofrimento em seus personagens, adverte, porém, que ele não
faz autobiografia:

Se bem que ponha muito do meu sofrimento, não chego a fazer


autobiografia. Deixo passagens de minha vida aqui e ali, mas
substituo a realidade aparente pela realidade artística. Deformo a
realidade, de maneira a criar uma outra, inteiramente nova. Isto,
aliás, faço com todos os personagens, baseados que são no real
(RUBIÃO apud RAMOS, 1953, [s/p]).

Murilo Rubião escreveu muitos contos que têm como essência a solidão, tais
como: “O homem do boné cinzento” (1947), sobre um solteirão que vive sozinho e
que vai desaparecendo aos poucos; “O pirotécnico Zacarias” (1947) caracterizado
como um pobre invólucro humano, que vive na ambígua situação de estar e não
estar; “A cidade” (1947), em que a personagem principal fica isolada num trem vazio,
“A flor de vidro” (1953), em que o herói é separado da jovem por quem está
enamorado e é condenado a irreparável solidão; “A noiva da casa azul” (1965) em
que o narrador-personagem necessita da solidão para refazer-se do impacto sofrido
por acontecimentos tão desnorteantes; “Os comensais” (1974), tendo como última
frase do conto: Estava só na sala imensa. Há outros exemplos na obra de Murilo.
No conto “O Ex-Mágico”, este mágico deixa de sê-lo quando, em busca da
morte, escuta de um homem triste que ser funcionário público era suicidar-se aos
poucos (RUBIÃO, 1999, p. 11). A partir daí começa a trabalhar numa Secretaria de
Estado. Arrepende-se, pois não consegue morrer conforme esperava e pior,
aumentam suas aflições, uma vez que, no novo emprego, teria que ocultar seu
sentimento de repugnância, de aversão, de repulsa pelos homens:

Quando era mágico, pouco lidava com os homens – o palco me


distanciava deles. Agora, obrigado a constante contato com meus
semelhantes, necessitava compreendê-los, disfarçar a náusea que
me causavam (Op. cit., p. 12).

O ex-mágico declara a sua pouca vontade de se aproximar dos homens.


Sentia-se melhor quando mantinha distância deles. Porém, neste novo emprego era
obrigado a relutar contra a antipatia que sentia no contato com os outros. Foi
perdendo seus dons sem conseguir abandonar, segundo ele, a pior das ocupações.
Hoje ele se sente obrigado a andar por lugares solitários, uma vez que falta-lhe o
amor de sua companheira de trabalho e também falta-lhe a presença de amigos. O
ex-mágico, homem solitário, que não gostava de manter contato com as pessoas,
sente-se arrependido, ao final do conto.
Em “A Noiva da Casa Azul” (1965), o narrador, ao ser interpelado por um
agente que se convidou a fazer o passeio com ele, mais que depressa recusa o
oferecimento, pois necessitava da solidão a fim de refazer-[se] do impacto sofrido
por acontecimentos tão desnorteantes (Op. cit., p. 54). O narrador, irritado porque
sua namorada Dalila lhe havia enviado uma carta dizendo que na véspera de partir
do Rio dançara algumas vezes com o ex-noivo (Op. cit., p. 51), foi passar as férias
em sua casa de campo, na cidade de Juparassu.
Na última parte do conto, o narrador descreve os momentos que passara com
Dalila na Casa Azul e que hoje são apenas lembranças. O narrador só encontra o
vazio e o silêncio e por isso perde o juízo e corre, ao final do conto, alucinado,
desorientado:

Descolorida e quieta a Casa Azul está na minha frente.


Caminho por entre os seus destroços. A escadinha de tijolos
semidestruída. Aqui nos beijamos. Beijamo-nos no alpendre, cheio
de trepadeiras, cadeiras de balanço, onde, por longas horas,
ficávamos assentados. Depois do alpendre esburacado, o corredor.
Dalila me veio fortemente. Subo a custo os degraus apodrecidos da
escada de madeira. Chego ao quarto dela: teias de aranha. Vazio,
vazio, meu Deus! Grito: Dalila, Dalila! Nada. Corro aos outros
quartos. Todos vazios. Só teias de aranha, as janelas saindo das
paredes, o assoalho apodrecendo.
Desço. Grito mais: Dalila! Grito desesperado: Dalila, minha
querida! O silêncio, um silêncio brutal responde ao meu apelo. Volto
ao quarto dela: parece que Dalila está lá e não a vejo. O seu corpo
miúdo, os olhos meigos, os cabelos dourados. Abraça-me e não sinto
os seus braços.
A noite já estava aparecendo por entre o teto fendido. Grito
ainda: Dalila, meu amor! Corta-me a agonia. Corro desvairado (Op.
cit., p. 56).

No conto “A Cidade” (1947), a personagem Cariba era o único passageiro do


trem. Ele quis saber se constituía motivo para tanta negligência o fato de ir vazia a
composição (Op. cit., p. 57). Solitário dentro de um trem, Cariba queria chegar a uma
cidade maior. Não conseguiu porque o trem permaneceu indefinidamente na
antepenúltima estação (Ibidem). Ali, Cariba encontrou um lugarejo rodeado de vaga
tristeza. Caminhava sozinho em uma cidade que desconhecia e não encontrava
ninguém. Do alto da montanha, Cariba encontra a cidade que tinha como destino:

As janelas e portas das casas estavam fechadas, mas os


jardins pareciam ter sido regados na véspera. Experimentou bater
em alguns dos chalés e não o atenderam. Caminhou um pouco mais
e, do topo da montanha, avistou a cidade, tão grande quanto a que
buscava. Vinte mil habitantes, soube depois” (Op. cit., p. 58).

Em “A Flor de Vidro” (1953), as personagens Eronides e Marialice formam um


casal apaixonado. Eronides espera Marialice na estação, ansiosamente. Eles se
encontram e se beijam. Um tempo depois, Marialice é levada à estação e deixa o
local. O herói é separado da jovem por quem está enamorado e na volta da estação
Eronides fica cego, pois um galho cegou-lhe a vista (Op. cit., p. 132) e foi condenado
a irreparável solidão (Ibidem).
No conto “A Lua” (1953) O narrador nada fazia senão vigiava passos de Cris
(p. 133). Ele gostava de seguir o Cris, mas achava monótono segui-lo sempre pelos
mesmos caminhos, pois ele não entrava em nenhum edifício, não conversava e nem
cumprimentava ninguém (Op. cit., p. 134). Cris caminhava sozinho. Ele não
mantinha contato com outras pessoas.
No conto “Os Dragões” (1965), a personagem chamada João era o mais
popular dos dragões que haviam chegado à cidade. Diferente das outras
personagens criadas por Murilo Rubião, João vivia rodeado de amigos (Op. cit., p.
141). No entanto, era uma amizade interesseira. João foi convidado a trabalhar em
um circo, mas não aceitou. Sozinho num mundo que não lhe pertencia, João
desaparece daquela cidade.
Em “O Convidado” (1974) José Alferes recebera um convite para uma festa.
Esta acontecia num salão fartamente iluminado e repleto de pessoas conversando,
rindo, enquanto os garçons serviram bebidas (Op. cit., p. 217). Ninguém [nenhum
convidado] da festa tratava José Alferes a distância ou com hostilidade:

Pelo contrário, procuravam cercá-lo de atenções, insistindo


que se juntasse às alegres rodas, formadas de senhoras e
cavalheiros excessivamente corteses. Mas logo ele se retraía e se
afastava ante a impossibilidade de acompanhar os diálogos (Op. cit.,
p. 217).

Em “A Armadilha” (1965), Alexandre Saldanha Ribeiro segue andando por


uma escada de um prédio carregando uma mala. Para no décimo andar:

Já no décimo pavimento, meteu-se por um longo corredor,


onde a poeira e detritos emprestavam desagradável aspecto aos
ladrilhos. Todas as salas encontravam-se fechadas e delas não
escapava qualquer ruído que indicasse presença humana (Op. cit., p.
153).

Neste lugar de aspecto desabitado, como se há muito não fosse utilizado, um


homem de cabelos grisalhos e de semblante sereno aponta-lhe um revólver. Este
era o solitário ocupante (Op. cit., p. 154) do prédio. Alexandre fica preso no prédio
com este homem. Ele tenta sair, mas é inútil. Ninguém ouvirá seus gritos, ninguém o
acudirá, pois ninguém mais vem a este prédio. Despedi os empregados, despejei os
inquilinos (Op. cit., p. 157) diz o homem de cabelos grisalhos.
Em “A Fila” (1974), a personagem Pererico enfrenta uma enorme fila, para
tentar falar com o gerente da companhia da fábrica. Não conversava com ninguém,
isolado no seu lugar (Op. cit., p. 200), Pererico sentia-se mal ao pensar que
permaneceria indefinidamente naquele lugar (Ibidem). Passados quase seis meses
na fila, Pererico não conseguiu falar com o gerente. Este havia morrido.
Em “Os Comensais” (1974), Jadon não fazia parte do grupo no refeitório.
Sentia-se isolado. Achava que sua presença era desagradável para todos. Tentava
chegar à intimidade daqueles cavalheiros sem manifestar irritação ante o isolamento
a que o constrangiam, conjeturava se eles não acabariam por se tornar mais
expansivos (Op. cit., p. 253). Porém, nada conseguia e o silêncio desagradava-lhe
muito. Num outro momento, ele encontra uma ex-namorada, neste mesmo refeitório,
e a acolhe de forma calorosa, mas Hebe [sua ex-namorada] parecia refugiar-se na
mesma solidão dos outros (Op. cit., p. 258). Ela também o trata com indiferença. O
narrador afirma que Jadon estava só na sala imensa (Op. cit., p. 263) ainda que à
sua volta houvesse muitas pessoas.
Murilo, em entrevistas, afirmara que optou por não se casar e não ter filhos.
Alguns de seus personagens se apresentam confusos e solitários numa vida a dois.
É curioso observar como estes aspectos aparecem na obra de Murilo no que se
refere ao matrimônio. Cito, abaixo, alguns contos que têm como problema o
relacionamento de casais, que fazem menção ao casamento e aos filhos.
No conto “Mariazinha” (1965), a personagem de mesmo nome se casaria [e]
o seu sedutor seria enforcado na torre da igreja (Op. cit., p. 43). O narrador,
correndo o risco de ser enforcado em praça pública, por ter sido o possível sedutor
de Mariazinha e insatisfeito com o que acontecera, tomou a decisão de não se casar
e suicidou-se.
Em “Petúnia” (1974), a personagem Éolo não tinha planos para o casamento,
porém sua mãe pensava de outro modo (p. 180). Um dia, a mãe de Éolo arrastou
pelas mãos uma moça em direção do filho e disse: - É ela. [...] O rubor subiu-lhe a
face, ele que de ordinário mostrava-se seguro de si ou indiferente no trato com as
mulheres (Op. cit., p. 181). Rapidamente se casam e têm três filhas. Um tempo
depois as filhas e a mulher de Éolo morrem e ele fica sozinho e sem conseguir
dormir.
No conto “A casa do girassol vermelho” (1947), Belsie, mulher de Xixiu, é
quem fica sem o companheiro. Ela perde seu marido num confronto entre ele e um
fazendeiro forte e rude chamado Simeão, que já está morto e enterrado. Belsie, não
se conformava:

A face marcada por intenso sofrimento, os lábios moles,


chamava pelo marido:  Volta, Xixiu. Volta.
Voltávamos cansados, as fisionomias tensas. A ausência de
Xixiu, uma pesada ausência , nos esmagava. (Op. cit., p. 22).

Em “Aglaia” (1974), o casal aceita o casamento, mas não queria ter filhos.
Colebra, marido de Aglaia, pensava que nenhum filho nasceria para deformar aquele
corpo (Op. cit., p. 189).
Personagens que não conseguem declarar seus sentimentos à amada e
acabam perdendo-a aparecem nitidamente em dois contos: em “Elisa” (1965), o
narrador por falta de coragem adiava a sua primeira declaração de amor. Cordélia, a
irmã do narrador, sutilmente mostrava ao irmão que ele não deveria ocultar a sua
paixão por Elisa. Porém, ele não conseguiu. Elisa partiu. O narrador, angustiado,
mas com esperança de que Elisa regressasse, ficou a espera dela na mesma casa.
Em “Bruma (A estrela vermelha)” (1965), o narrador se percebe apaixonado
por Bruma, mas não lhe confessa o seu sentimento. Tenta, no entanto, separá-la de
seu irmão Og:

Ao certificar-me, mais tarde, de que há muito uma paixão me


rondava, já me encontrava tolhido por sentimentos contraditórios, e
nenhum impulso generoso poderia levar-me a confessar um amor
que se turvara ao contato do rancor. Em vez de atrair Bruma,
conforme aconselhava minha mãe, agarrei-me à idéia de separá-los
(Op. cit., p. 121).

Um cenário, nos contos de Murilo, que representa um esconderijo daquele


que quer escapar a todo custo das relações humanas é a serra. Esta aparece nos
contos de Murilo Rubião como um lugar de refúgio, de fuga, de afastamento.
É interessante observar, no conto “O Ex-Mágico” (1947), que com a crescente
popularidade do mágico, ele se encontrava em uma situação cruciante: seus gestos
involuntários provocavam mágicas que ele próprio desconhecia, deixando-o
enfastiado do ofício. Desse modo, ele tenta mutilar as mãos e não consegue, tenta
suicídio e também não consegue. Frustrado por isso, afasta-se da zona urbana e
busca a serra.
Para o mágico, a serra neste momento era um lugar de isolamento, de
sossego, para não mais dar explicações às mulheres, crianças, guardas e outros
curiosos que faziam escândalos ao ver que o mágico, por exemplo, ao amarrar o
cordão do seu sapato, de suas calças deslizavam cobras (Op. cit., p. 9).
A serra é um espaço recorrente no conto “Alfredo” (1947). Neste, o narrador
espera que a fera, que vivia na serra, abandonasse o seu refúgio (Op. cit., p. 65). A
fera era seu irmão Alfredo que na sua fuga, fora demasiado longe, tentando isolar-
se, escapar aos homens, ao passo que eu [narrador] apenas buscara no vale uma
serenidade impossível de ser encontrada (Op. cit., p. 68). O narrador, no alto da
serra com seu irmão Alfredo, observa pela última vez o povoado, sob a névoa da
garoa que caía. Perdera mais uma jornada ao procurar nas montanhas refúgio
contra as náuseas do passado (Op. cit., p. 69). Mesmo sendo um lugar afastado,
tranqüilo, as personagens não conseguem se ver livre de seus problemas interiores.
A solidão de alguns personagens é perceptível no que diz respeito ao lugar
onde moram. Algumas personagens moram em hotéis. No conto “Epidólia” (1974), a
personagem que dá nome ao conto fica vários dias sem sair do hotel (Op. cit., p.
171); em “O Convidado” (1974), o círculo de relações [de José Alferes] não excedia
o corpo de funcionários do hotel, onde se encontrava hospedado havia quatro
meses (Op. cit., p. 211) e em “Botão-de-Rosa” (1974), a personagem de mesmo
nome, ao voltar para o hotel onde ficava hospedado depois de ter sido acusado de
estupro, a recepção não foi melhor. O hoteleiro e os hóspedes, que antes o tratavam
com acentuada simpatia, passaram a evitá-lo (Op. cit., p. 226).
Em “Aglaia” (1974), diferentemente dos contos mencionados acima, a
personagem, apesar de morar num apartamento de hotel, não aparece sozinha.
Colebra chega embriagado na recepção do hotel onde se hospedava, amparando-se
no ombro de uma moça morena. O recepcionista do hotel observou que Colebra
estava mais embriagado do que nas outras noites (Op. cit., p. 187). Tempo depois,
Colebra e Aglaia se casam e, após a cansativa cerimônia nupcial e uma viagem
aérea, os dois olhavam o mar da janela do hotel (Op. cit., p. 188).
Outras personagens aparecem como moradores de casa ou apartamento,
mas ainda assim são indivíduos solitários. No conto “O homem do boné cinzento”
(1947), a personagem Anatólio, um solteirão, aluga uma casa muito grande para
morar sozinho e em “O bloqueio” (1974), Gérion é o único inquilino do prédio onde
morava.
Como se pode ver, várias personagens da obra de Murilo são criaturas que
buscam viver sozinhas, seja no alto de uma serra ou montanha, seja num hotel ou
numa casa espaçosa. O sentimento de solidão é por vezes manifestado de maneira
contrária quando as personagens não evitam manter qualquer vínculo conjugal entre
um homem ou uma mulher. Eles nunca conseguem viver juntos e felizes, pois são
seres angustiados com a situação de uma vida a dois.
Em algumas personagens, a solidão se revela em obstáculos que encontram
quando não conseguem, por exemplo, declarar sua paixão a(o) outra(o) e, com isso,
são inevitavelmente condenados a viverem desacompanhados.
Vale ressaltar que o conto “Teleco, O Coelhinho” (1965) também traz em sua
essência a solidão. Essa personagem foi desenvolvida e acabada num momento em
que Murilo Rubião estava realmente em uma situação de sentimento de exílio. E o
conto “Teleco, o coelhinho” foi declarado muitas vezes pelo escritor ser o seu conto
preferido.
Tendo em vista que durante os quatro anos em que Murilo morou na
Espanha, que é o período de sua vida que ressalto neste estudo, ele escreveu
apenas este conto, neste capítulo farei uma leitura do conto mencionado, com o
intuito de discutir a inadequação da personagem Teleco vista como seu exílio no
mundo dos homens.
Entendendo, pois, o exílio como solidão do estrangeiro, como sua
marginalização e negação a um papel que a sociedade lhe atribuiu, em
contrapartida, a própria terra como lugar onde o homem conhece a suposta
felicidade, Teleco, personagem do conto de Murilo Rubião, vive o exílio dentro dele.
Segundo Lucas, as personagens capitais de Murilo:

[...] não se apóiam na ilusão social de que o ser humano, de


obstáculo em obstáculo, caminha para a liberdade.
Daí o conteúdo dos contos estar impregnado do estudo da
solidão, da incomunicabilidade, da destinação dramática dos
desejos, e do prazer inatingível (LUCAS, 1987, p. 11).

É importante lembrar que, segundo Humberto Werneck, este conto já havia


sido rascunhado muito tempo antes no Rio de Janeiro. No entanto, Murilo só chegou
a concluí-lo durante o período em que passou fora do país.
Pelo que diz Renard Perez, durante este período, quando pela primeira vez
Murilo Rubião saiu do Brasil, ele em sua mineirice sofreu a ausência de seu
ambiente. Desanimado com a Literatura, pensava em não escrever mais.
Entretanto, nesta época, Murilo Rubião deu vida a um coelhinho chamado Teleco.
Este conto foi publicado juntamente com mais outros dezenove contos no livro
Os Dragões e outros contos em 1965; segundo Carvalho, a reunião destes vinte
contos têm como conclusão um grito lírico de amargura e pessimismo, de derrota e
sofrimento, ante a impossibilidade de fuga à monótona rotina da vida (CARVALHO,
1987, p. 10).
Murilo declarou, em entrevista concedida a J. A. de Granville Ponce, que a
personagem Teleco é a reinvenção do mito de Proteu (RUBIÃO, 1992, p. 5).
Segundo a mitologia, Proteu é um deus do mar que tem como tarefa conduzir as
focas e outros animais marinhos que pertencem a Posídon. Possui o dom da
metamorfose, pois se transforma em qualquer coisa que deseja, como animais ou
até em fogo ou água e tem o conhecimento do passado, do presente e do futuro.
Mas não é fácil abordá-lo, e ele se recusa a todos que vêm consultá-lo.

Proteu é apresentado na Odisseia como um deus do mar a


quem fora confiada a tarefa de apascentar as focas e os outros
animais marinhos pertencentes a Posídon. Passava a maior parte do
tempo na ilha de Faro, não muito longe da embocadura do Nilo.
Possuía o dom da metamorfose, podendo converter-se em tudo o
que desejasse: não apenas num animal, mas até num elemento
como a água ou o fogo. Esta faculdade era-lhe particularmente útil,
quando queria furtar-se às questões daqueles que o consultavam,
pois possuía também o dom da profecia, mas recusava-se contudo a
informar os mortais que o interrogavam. A conselho da deusa
marinha Idótea, filha de Proteu, Menelau foi consultar o deus. E
embora este se tenha transformado sucessivamente em leão, em
serpente, em pantera, num enorme javali, em água e numa árvore,
Menelau não o deixou escapar, de tal modo, que por fim, vencido, o
velho falou (GRIMAL, 2000, p. 398).

A metamorfose, para os antigos, era um dos mais importantes processos


divinos, ou seja, apenas os deuses podiam metamorfosear a si próprios e aos
outros. Os deuses metamorfoseavam-se ou para atingir seus desígnios (Zeus e suas
amantes), ou por piedade (Níobe), ou punição (os piratas de Dioniso) ou, ainda,
como um sinal para os homens (RIBEIRO, 2006, p. 1). A etimologia da palavra
metamorfose vem do grego metamórphósis, que no dicionário Houaiss quer dizer
'transformação, metamorfose' que significa mudança completa de forma, natureza ou
de estrutura; transformação, transmutação.
No conto, Teleco é um coelho que se metamorfoseia em diversos outros
animais até conseguir se transformar em um homem. Dessa maneira, o coelho
parece ser um estrangeiro no mundo dos humanos. Sendo assim, tenta agradá-los a
todo momento. Ele sente admiração para com todos os homens que o acolheram.
Porém se recusa a representar um único papel perante a sociedade.
Em sua dissertação de mestrado, Márcio C. de Sá salienta que o exemplo
máximo da metamorfose para Todorov se dá quando a personalidade tende a
multiplicar-se ou fraturar-se com o choque entre o eu e o mundo exterior (SÁ, 2003,
p. 48). No conto “Teleco, O Coelhinho”, é importante frisar que Murilo Rubião aponta
para o problema da pluralidade do sujeito e, por conseguinte, põe em dúvida a
possibilidade da identidade da personagem protagonista.
Stuart Hall, em seu livro Identidade cultural na pós-modernidade, distingue
três diferentes concepções de identidade. A saber: do sujeito do Iluminismo, que é
uma concepção individualista, ou seja, o sujeito é um indivíduo totalmente centrado
e unificado; do sujeito sociológico, cuja identidade é formada na ‘interação’ entre o
eu e a sociedade, revelando, assim, a crescente complexidade do mundo moderno;
e do sujeito pós-moderno, que não tem identidade fixa, essencial ou permanente.
Hall aponta que a identidade nessa concepção torna-se uma "celebração móvel":
formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos
representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam (HALL, 2001,
p. 13).
Hall acredita que as velhas identidades que por muito tempo firmaram o
mundo social, estão se enfraquecendo e com isso, despontando novas identidades e
fragmentando o indivíduo moderno que, até então, era visto como sujeito unificado.
Saliento que, segundo o crítico:

O sujeito assume identidades diferentes em diferentes


momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um "eu"
coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando
em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão
sendo continuamente deslocadas. Se sentimos que temos uma
identidade unificada desde o nascimento até a morte é apenas
porque construímos uma cômoda estória sobre nós mesmos ou uma
confortadora "narrativa do eu" (veja Hall, 1990). A identidade
plenamente identificada, completa, segura e coerente é uma fantasia.
Ao invés disso, à medida em que os sistemas de significação e
representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma
multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis,
com cada uma das quais poderíamos nos identificar - ao menos
temporariamente (Ibidem).

É fantasia, segundo Hall, uma identidade completamente estável, uma


identidade única. No conto “Teleco, o coelhinho” pode-se ver a pluralidade de
identidades. A personagem Teleco é um exemplo de que não há um sujeito
unificado, no que tange a identidade. Ele tem dentro de si várias identidades
contraditórias. Desse modo, a partir destas considerações, iniciarei a leitura do
conto.
O narrador, em primeira pessoa, conta a história de um coelhinho que um dia
fôra morar em sua casa. A narrativa inicia-se com um diálogo do coelhinho
chamado Teleco com o narrador-personagem, e isso se dá em frente ao mar. Já de
início o coelho declara o seu desejo de identificação com o homem que contempla o
mar:

 Moço, me dá um cigarro?
A voz era sumida, quase um sussurro. Permaneci na mesma
posição em que me encontrava, frente ao mar, absorvido com
ridículas lembranças.
O importuno pedinte insistia:
 Moço, oh! moço! Moço, me dá um cigarro?
Ainda com os olhos fixos na praia, resmunguei:
 Vá embora, moleque, senão chamo a polícia.
 Está bem, moço. Não se zangue. E, por favor, saia da
minha frente, que eu também gosto de ver o mar (RUBIÃO, 1999, p.
143).

O coelhinho comporta-se como homem ao pedir o cigarro. O homem [o


narrador] que se encontrava sozinho e pensativo com ridículas lembranças, acredita
ser aquele um moleque pedinte que o importuna insistentemente, dando ainda mais
credibilidade à imagem que o coelho queria passar. Ainda neste mesmo trecho, vejo
que o coelho, ao desafiar o narrador para que ele saia da sua frente dizendo que
também gosta de ver o mar, fica nítida outra tentativa de Teleco de afirmar-se
homem.
Teleco, mesmo sendo um estranho, não se apresenta como tal no mundo dos
homens. Pelo contrário, sendo um coelho, isto é, diferente do ser humano, ele tenta
não parecer diferente deles. Conversa com um homem que está contemplando o
mar e, naturalmente, lhe pede um cigarro. O coelho, ao pedir um cigarro, causa a
princípio a este homem, que é o narrador-personagem da história, uma reação de
estranhamento, mas depois o coelho consegue comovê-lo pelo seu jeito cortês de
ser.
Com isso, o narrador-personagem entrega-lhe o cigarro e, a partir daí,
conversam como se fossem velhos amigos. Teleco conta-lhe acontecimentos
extraordinários, aventuras tamanhas (RUBIÃO, 1999, p. 144) demonstrando por isso
ter mais idade do que realmente aparentava (ibidem). Desse modo, Teleco tenta
impressionar o homem, como se fosse numa conversa de igual para igual, isto é,
como se ele, que é um coelho, não apresentasse diferença de qualidade ou valor em
relação a uma pessoa humana.
O animal é personificado. O ser humano não se assusta por ser um animal que
lhe dirige a palavra, apenas estranha o comportamento deste. Em concordância com
Pinheiro, ressalto que Murilo Rubião apresenta sempre o fantástico acompanhado
por uma motivação realista que formará o contraponto do conto e permitirá ao seu
autor manter o controle das fases pelas quais perpassam o narrador e a
personagem Teleco (PINHEIRO, 2001, p. 38).
Teleco não tinha morada certa, e a rua era seu pouso habitual (RUBIÃO, 1999,
p. 144); talvez por isso tinha olhos mansos e tristes. Com compaixão, o narrador-
personagem convida-o a morar com ele, pois sua casa era grande e morava sozinho
(Ibidem). É interessante observar que o narrador-personagem é uma pessoa que
vive só, numa casa onde tem espaço para outras pessoas, mas que seu convite
deixa claro seu desejo de tentar conviver com o estranho.
Por não ter uma origem, um lugar fixo para onde possa voltar, ou seja, uma
casa, o coelho se vê vitima de sentimentos de tristeza. A sua sorte começa a mudar
depois que ao conversar com um ser humano encontra nele um amigo com quem
aceita morar.
Mas antes mesmo de começar a dividir a mesma casa com o narrador-
personagem, ou seja, o mesmo espaço que antes era morada apenas do ser
humano, o coelho, para se proteger, anuncia o seu problema de identidade, ao
tentar convencer o narrador-personagem que a versatilidade é o seu fraco. Isto é,
Teleco mostra-lhe que está sempre propenso a mudanças. Ora ele pode ser uma
girafa, ora pode ser uma cobra ou um pombo. Desconfiado das intenções do
narrador-personagem, ele indaga-lhe:

 Por acaso, o senhor gosta de carne de coelho?


Não esperou pela resposta:
 Se gosta, pode procurar outro, porque a versatilidade é meu fraco.
Dizendo isto, transformou-se numa girafa.
 À noite – prosseguiu – serei cobra ou pombo. Não lhe importará a
companhia de alguém tão instável? (Ibidem).

A partir deste momento podem-se perceber as várias metamorfoses de Teleco.


Além dele mudar de um lugar para outro, seja região, residência, ou até país, porém
sem nunca declarar o nome do espaço em que se insere, ele imita as atitudes dos
humanos e também se transforma em qualquer outro tipo de animal. E isso
acontece de acordo com o que o próprio coelho deseja.
Stuart Hall, em seu livro já citado, trata da questão do sujeito fragmentado,
composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes
contraditórias ou não-resolvidas (HALL, 2001, p. 12). É interessante observar a
fragmentação da personagem Teleco, quando exibe identidades distintas em
diferentes momentos, que vão sendo deslocadas à medida que ele se identifica, por
um momento, com cada uma delas.
Tendo como propósito copiar as atitudes dos humanos e passá-las por
verdadeiras, Teleco se transforma naquilo que é mais conveniente no momento.
Para garantir o seu sossego no novo lar, já que tem o receio do dono da casa gostar
de carne de coelho, é mais vantajoso para Teleco mostrar a sua instabilidade,
transformando-se em outros animais.
Em outra ocasião, Teleco metamorfoseia-se em vários bichos pelo simples
desejo de ajudar o próximo:

Gostava de ser gentil com crianças e velhos, divertindo-os com


hábeis malabarismos ou prestando-lhes ajuda. O mesmo cavalo que,
pela manhã, galopava com a gurizada, à tardinha, em lento
caminhar, conduzia anciãos ou inválidos às suas casas (Idem).

Teleco se preocupava em tratar bem aqueles que o acolheram, por isso se


transformava conforme a necessidade: ou para ajudar o próximo, ou ser gentil, ou
diverti-los.
Todavia, pelo agiota e suas irmãs tinha antipatia. Transformava-se em leão
para amedrontá-los. Outras vezes, Teleco surgia transmudado em ave que as
possuía todas e de espécie inteiramente desconhecida ou de raça já extinta (Op. cit.,
p. 146). O narrador-personagem exclamava dizendo que não existia tal pássaro,
mas Teleco respondia-lhe que seria sem graça e cansativo se disfarçar apenas em
animais já conhecidos.
Assim como o coelho que se multiplica a todo o momento, com intuito de se
adaptar ao ambiente onde está inserido, o estrangeiro de que Kristeva fala em seu
texto também é marcado por diferentes máscaras para conseguir se adaptar:

Passando uma fronteira (... ou duas), o estrangeiro transformou


as suas inquietações em foco de resistência, em cidadela de vida [...]
Sem lar, [...] propaga o paradoxo do comediante: multiplicando as
máscaras e os “falsos selfs”, ele jamais é inteiramente verdadeiro
nem inteiramente falso, sabendo adaptar aos afetos e aos desafetos
as antenas superficiais de um coração de basalto (KRISTEVA, 1994,
p. 16).
Nesse sentido, saliento na personagem Teleco um exílio mais difícil que um
exílio imposto, um exílio que o deixa perturbado, sentindo-se estrangeiro em todo o
lugar, pois Teleco não reconhece a si próprio no outro. As marcas de seu corpo
estão à mostra afirmando para ele e para os outros a sua diferença.
Com a identidade desdobrada de Teleco, devido à sua instabilidade, acontece
o primeiro atrito entre ele e o narrador-personagem. Este, ao chegar a casa, depois
de um dia difícil, encontra dois estranhos, uma jovem mulher e um mofino canguru
(RUBIÃO, 1999, p. 146), em sua sala de visitas, sentados no sofá e de mãos dadas.
O narrador, aborrecido por ver a sua casa invadida por estranhos, pergunta à jovem
o que ela pretendia fazer com aquele animal horroroso. No mesmo instante, o
canguru afirmou ser Teleco.
É interessante observar que Teleco, ao transformar-se em canguru, tentou uma
aproximação maior do ser humano, porém não conseguiu o reconhecimento do
narrador, pois este não o viu como um humano. O narrador direcionou a pergunta
para a jovem, pois somente ela poderia explicar tal situação, uma vez que era um
diálogo entre duas pessoas: o narrador e a jovem, e não entre o narrador e um
animal/canguru. A pluralidade de Teleco, que a princípio poderia facilitar o seu
contato com o outro, marca a figura de um ser isolado, de um ser exilado.
Teleco, esforçando-se para se parecer com os humanos, deixa de se
transformar em animais, aleatoriamente (girafa, cavalo, leão, tigre, porco-do-mato,
pulga, bode, ave desconhecida ou de raça já extinta, canguru e perereca), passando
a se transformar simplesmente em homem, tendo como único fim ser visto como tal.
Acreditando serem os homens superiores à condição dele, o coelho se
autodenomina Antônio Barbosa, isto é, passa a ser um sujeito, e Teresa, uma linda
mulher, o acompanha para fortificar ainda mais a sua condição de homem. A busca
de humanizar-se sublinha o desejo do coelho de superar a indiferença e o desprezo
dos homens.
Voltando ao texto de Kristeva, faço uma relação do conto com o pensamento
de que assim como o estrangeiro, com diferentes identidades do seu eu e da sua
diáspora, Teleco é um estrangeiro que procura desesperadamente uma outra
identidade, multiplicando-se em diversos outros animais até chegar a ser homem.
Teleco não se satisfaz na figura de um coelho. Ele acredita que, para ter o
reconhecimento do outro, a sua única opção é transformar-se num deles. Vejo este
reconhecimento, que o coelho tanto procura, de aproximação com o ser humano,
como uma tentativa de aproximação física em dois sentidos: de parecer fisicamente
com uma pessoa humana e de obter o contato físico com a mesma. Isso demonstra
o isolamento do coelho no meio em que tenta se inserir.
Teleco, como é diferente, não consegue se comunicar com os humanos e por
isso ele acaba se tornando um estranho para ele mesmo. Teleco sofre um processo
de alienação, pois para ele o importante é o outro naquele meio e não ele próprio.
Ele não quer entender que existem diferenças. Seu comportamento de
metamorfosear-se sem parar é a prova de que o coelho quer encontrar uma
linguagem, um aspecto, que o faça identificar-se com o mundo que está à sua volta.
Esta busca desesperada faz-me pensar no sentimento de solidão da
personagem que, sendo de uma outra espécie e por isso deslocado do seu mundo,
uma vez que vive num mundo que não é seu, sente-se como um intruso e por isso
desprezado e solitário.
Conforme Salvelina da Silva, em seu texto “Solidão e exílio: a questão do outro”
um dos caminhos, por certo o mais complexo, o mais labiríntico e o que mais rápida
e diretamente leva ao fracasso, é a procura do outro (SILVA, 2000, p. 86). Ao optar
por ficar entre os humanos, Teleco perde sua forma de coelho e também perde seu
jeito polido de ser. Não satisfeito, apenas, com um novo lugar para morar, Teleco
procura uma identificação mais direta com o narrador-personagem. Sendo assim, se
apresenta com uma nova identidade, como num passe de mágica. O coelho afirma e
acredita que ele se torna homem, na figura de um canguru.
O narrador, dando gargalhadas do ridículo que o seu amigo Teleco acabara de
afirmar e irritado com a insistência de Teleco em afirmar-se homem, expulsa-o de
casa quando este acredita ter tomado a forma humana. Para ganhar mais tempo na
casa do narrador e também como forma de identificar-se melhor com o ser humano,
Barbosa pediu para que não o expulsasse de casa, pelo menos enquanto procurava
emprego (RUBIÃO, 1999, p. 148).
Teleco (agora Barbosa) buscava na figura de canguru a aproximação com o
homem. Todavia, sua frustração acontece, uma vez que a aproximação só foi
assimilada por meio dos vícios humanos, pois Teleco (agora, Barbosa) começa a ter
hábitos horríveis:

Amiúde cuspia no chão e raramente tomava banho, não


obstante a extrema vaidade que o impelia a ficar horas e horas
diante do espelho. Utilizava-se do meu aparelho de barbear, da
minha escova de dentes e pouco serviu comprar-lhe esses objetos,
pois continuou a usar os meus e os dele. Se me queixava do abuso,
desculpava-se, alegando distração (Ibidem)

Nessa transformação há (des)velada crítica do autor ao ser humano, que se


corrompe, degradando-se no convívio social e ainda, depois de ter sido
caleidoscópio de identidades, se fixa em uma que o estraga, passando a ser um
folgado, usando objetos alheios, falando mentiras, e também faltando-lhe boas
maneiras ao fazer as refeições.
O encanto que o narrador-personagem tinha por Teleco começa a se
transformar em repulsa, pois um coelho que se transforma em canguru não poderia
se auto-intitular homem. O narrador-personagem descreve a atual aparência de seu
hóspede: [...] a sua figura tosca me repugnava. A pele era gordurosa, os membros
curtos, a alma dissimulada (Ibidem). Ele sente saudades do amigo coelhinho
cinzento e meigo, que costumava se transformar em outros animais (Op cit., p. 149),
entretanto, Teleco nega a sua forma anterior: Voltar a ser coelho? Nunca fui bicho.
Nem sei de quem você fala (Ibidem).
O narrador-personagem não o aceitava, não o enxergava como um homem,
entretanto as atitudes, ações e reações do coelho eram semelhantes às dos
homens. Todavia, o narrador-personagem aceitava a presença incômoda do coelho,
uma vez que estava encantado por Teresa, conforme confessa: meu amor por
Teresa oscilava por entre pensamentos sombrios, e tinha pouca esperança de ser
correspondido. Mesmo na incerteza, decidi propor-lhe casamento (Op. cit., p. 149).
O narrador-personagem se apaixona pela mulher de Barbosa, antes um
coelhinho, que frequentemente transformava-se em outro animal; depois de muitas
brigas, por causa de ciúmes e pela tentativa frustrada de noivado, enxota-os de sua
casa. Também, Teleco era reconhecido pela sua namorada como um homem e isso
aumentava os ciúmes no narrador-personagem, pois as atitudes e comportamentos
do coelho eram realmente os mesmos de um ser humano, mas seu corpo (físico)
não. O narrador tenta chamar a atenção de Tereza dizendo ser tolice de Teleco
querer nos impor sua falsa condição humana (Ibidem); ela, pensando em obter
vantagem com a companhia de Antonio Barbosa (ex-coelho), responde de forma
convicta: - Ele se chama Barbosa e é um homem (Idem).
Porém, Tereza confirmava que Teleco era homem por simples interesse de
explorar as habilidades dele. Assim Tereza encerra o diálogo com o narrador: A sua
proposta é menos generosa do que você imagina. Ele [Teleco] vale muito mais
(Idem).
Um tempo depois, Teresa desapareceu. Teleco relembra de maneira reticente:
- Havia muitas cores... o circo... ela estava linda... foi horrível... (Op. cit., p. 151).
Depois do desaparecimento de Teresa, Teleco volta à casa do narrador,
transformando-se continuamente em vários animais, pequenos como um rato e
enormes como um hipopótamo, ficando pelos cantos a tremer; deixa de ser homem
(Barbosa) e volta à sua inconstância anterior.
É significativo notar que para Teleco afirmar-se homem era preciso que os
outros o reconhecessem como tal. Mas não era totalmente possível receber esse
reconhecimento apenas comportando-se como um ser humano. Era preciso deixar a
forma de um canguru e adquirir a forma humana.
Não conseguindo esta aparência depois de muitas tentativas, Teleco
transforma-se apenas em pequenos animais, até que um dia fixa-se na forma de um
pequeno carneiro: Por fim, já menos intranqüilo, limitava as suas transformações a
pequenos animais, até que se fixou na forma de um carneirinho, a balir tristemente.
Colhi-o nas mãos e senti que seu corpo ardia em febre, transpirava (Op. cit., p. 152).
Doente e triste, o carneirinho ardia em febre e o narrador-personagem sentia o
corpo do animal transpirando, ao segurá-lo em seus braços. Com o retorno de
Teleco, como forma de remissão, o narrador-personagem pôde sentir novamente o
carinho que possuía pelo amigo, antes de Teresa aparecer na vida dos dois. Mas já
era tarde demais, pois a frustração de Teleco termina de forma trágica: não
conseguindo identificar-se com os outros seres humanos, ao final da história, morre
transformado em uma criança desamparada:

Na última noite, apenas estremecia de leve e, aos poucos, se


aquietou. Cansado pela longa vigília, cerrei os olhos e adormeci. Ao
acordar, percebi que uma coisa se transformara nos meus braços.
No meu colo estava uma criança encardida, sem dentes. Morta
(Ibidem).

Vera Lúcia Andrade e Wander Melo Miranda assinalam que o desejo do animal
de reconhecer-se numa imagem humana fixa e estável, que dê fim à sua oscilação
entre ser e não ser, resulta na morte que se faz visível na metamorfose derradeira
(Cf. ANDRADE e MIRANDA, 1987, p.12).
Ainda nesse mesmo sentido, Schwartz afirma que as metamorfoses de Teleco
nada mais são do que tentativas frustradas de adequação ao mundo; que a última
das transformações seja a de uma ‘criança encardida, sem dentes. Morta’
(SCHWARTZ, 1987, p. 7). Por não conseguir desempenhar o papel em questão
sofre a frustração de não se transformar em um humano.
O tema da metamorfose, que foi introduzido no conto “O Ex-Mágico”, continua
aparecendo em outros contos. As transformações seguidas de ‘Teleco, o Coelhinho’,
revelam, conforme Schwartz, uma tentativa vã de adaptação a um mundo onde não
há mais lugar para valores como a pureza e a inocência (SCHWARTZ, 1982, p. 43).
Para Schwartz, o clima lúdico do conto é conveniente para mascarar questões
profundas da existência humana.
Fazendo uma relação do conto com a situação vivida pelo escritor durante a
produção dessa narrativa, acredito que a inadequação do coelhinho no universo
humano remete à inadequação de Murilo Rubião fora de seu ambiente, de seu país.
Murilo Rubião disse em entrevista a Mirian Chrystus, publicada no Suplemento
Literário do Minas Gerais (1987), que a essência permanece intocada16; sua
identidade, no entanto, foi alterada, uma vez que ele passou pelo sentimento de
exílio, quando esteve longe de seu ambiente, isto é, num lugar também que não era
o seu.
Mas ainda mais forte, percebo que Teleco, diferentemente de Murilo Rubião,
que cultivava o sentimento de solidão desde a sua infância, não queria conservar

16
Na entrevista, esta foi a primeira resposta do escritor, quando a entrevistadora abriu a seguinte
questão: Será que nós mudamos muito com a vida? Ou será que permanecemos os mesmos, na
essência?
este sentimento, pelo contrário, tentava a todo custo se aproximar do outro, a todo
momento.
O coelhinho é condenado à morte por ser um desterrado. Suas tentativas foram
em vão no que se refere à sua integração no mundo que não é seu. Ele é um
peregrino no mundo. Suas transformações são um meio para achar resposta de
identificação. Sua forma de reagir à solidão, por ser diferente, de minoria e
desprezado, é tentando uma aproximação com os homens: falando a língua deles,
fumando um cigarro, vestindo-se como eles, isto é, tendo os mesmos hábitos e
costumes e até tentando a mesma aparência física deles.
Teleco não consegue administrar o mosaico de identidades em que ele se
transmuta ao tentar se adequar no mundo dos humanos, ou seja, se adequar num
mundo que não é o seu. Desse modo, ao final do conto o coelho não suporta a sua
última transformação e morre.
A solidão que esteve sempre presente na vida de Murilo Rubião, vejo de forma
sutil sentida pelo narrador-personagem do conto “Teleco, O Coelhinho”, quando o
narrador-personagem afirma morar sozinho numa casa tão espaçosa. A casa grande
dá idéia de maior solidão, de estar sempre esperando que seja preenchida, pelo
grande espaço que possui. Assim, o narrador-personagem leva um companheiro
para morar com ele nesta casa. Outro fator que demonstra a solidão do narrador-
personagem é o fato de ele não conseguir o amor de Teresa. Sente-se rejeitado,
pois a mulher prefere ficar ao lado de um animal a ficar ao lado dele, que é homem.
O conto, de certa forma, reflete o que se observa ao longo dos anos no caráter
de Murilo: o sentimento de solidão, a vida solitária num espaço geográfico só seu (a
casa do narrador, o apartamento da Serra), a falta de conexão permanente com o
sexo oposto, a generosidade de sentimentos para com os outros seres, a
aproximação com os outros desde que não haja identificação muito próxima.
Teleco, apesar de se mostrar resistente à solidão, também a sente, uma vez
que não encontra a si próprio, pois quer ser o outro. E nessa busca de ser o outro, o
sujeito Teleco se torna plural, isto é, ele é composto de diferentes identidades,
tornando-se, pois, um sujeito fragmentado.
Considerações finais

Partindo de um depoimento do escritor Murilo Rubião, encontrado em uma


entrevista, organizada pelo professor Jorge Schwartz, na busca de subsídios para
este o que me chamou a atenção foi o fato de ele relembrar uma fase de sua vida
que passou fora de seu país. Ele falava do período de 1956 a 1960, época em que
morou em Madrid. O contista, revelando que sofreu a sensação de exílio à época,
disse que até então não sabia o que era ser estrangeiro e que naqueles anos
escrevera apenas um conto, “Teleco, O Coelhinho”.
Minha idéia inicial era fazer um estudo deste conto, examinando as
circunstâncias sob as quais Murilo havia vivido em Madrid naquele período, e que
dificuldades ele havia enfrentado que o teriam levado a trabalhar apenas um conto
durante quatro anos, sendo que, ao voltar ao Brasil depois deste período, ainda
levaria alguns anos para finalmente publicar o conto em uma nova antologia.
Para realizar o estudo de sua vida nesse período, achei que o melhor
caminho seria me aprofundar em seu acervo, mantido na Biblioteca Central da
UFMG da mesma forma como havia sido organizado por ele mesmo, e que continha
não só sua biblioteca mas também sua extensa correspondência, recortes de jornal
e todas as outras memorablia que haviam sido organizadas por ele.
Iniciei minha pesquisa no acervo buscando documentos que faziam
referência somente àquela época, incluindo-se aí a correspondência etiquetada
como “Correspondências Madrid”, após cuja consulta faria uma leitura do conto
mencionado, tentando perceber se existia algum reflexo do sentimento de exílio na
sua produção de época. Supunha que as correspondências trocadas entre o escritor
e seus correspondentes dariam conta do sentimento manifestado por Murilo, e talvez
servissem de subsídio para um estudo da questão do exílio no conto “Teleco, o
Coelhinho”.
No início, estava convencida de que estes documentos, pela quantidade
coletada, seriam peças-chave da pesquisa, mas com o desenrolar desta, observei
que apenas aquelas cartas não davam conta de perceber o homem e escritor Murilo
naquele período. Poderia ser porque as cartas a que eu tive acesso eram apenas as
recebidas por ele e não as escritas pelo próprio punho do homem que eu desejava
estudar? Pensei que estava então esbarrando num problema para o
desenvolvimento da pesquisa. Como trabalhar o sentimento de exílio do escritor com
textos escritos por outrem?
Encontrei esta resposta lendo cada uma das cartas. Fui percebendo como
que, apesar de o material analisado ter sido apenas a correspondência escrita pelo
outro, ou seja, aquelas recebidas por Murilo e não aquelas escritas pelo mesmo, a
voz de Murilo apareceu implícita em todas as cartas-respostas. As respostas às
cartas de Murilo deixavam marcas de sua voz angustiada.
É interessante ressaltar que, ao procurar no acervo as correspondências
arquivadas pelo escritor, encontrei em seus guardados algumas cartas da escritora
Henriqueta Lisboa, que fica localizado, também, no Acervo dos Escritores Mineiros.
Sendo assim, verifiquei, no inventário dessa poetiza, suas correspondências
pessoais, com a intenção de encontrar algumas cartas de Murilo. Encontrei apenas
dois cartões postais que Murilo enviou a Henriqueta: um datado de 30 de março de
1972 e o outro de 12 de dezembro de 1984. Nenhum destes documentos foi
utilizado nesta pesquisa, uma vez que não datavam do período proposto neste
trabalho.
Somente no acervo do contista Murilo, coletei o material para minha pesquisa.
Dessa forma, não tive acesso às cartas escritas por ele e sim às cartas recebidas.
Nessas correspondências passivas, a voz de Murilo se fazia presente, uma vez que
o assunto do seu correspondente era o próprio Murilo, seja dando força ao mineiro
para agüentar esperar mais um pouco para a sua vinda ao Brasil, quando se
mostrava ansioso, seja animando-o para continuar a produzir textos literários,
quando ele se mostrava desanimado, seja para consolá-lo, quando se sentia
entediado e solitário.
Mas ainda assim senti falta da voz explícita do escritor nas correspondências.
E acreditando que o leitor também poderia criar uma expectativa no que se referia às
correspondências do contista aqui tratado, procurei validar este estudo com algumas
entrevistas, onde a voz do contista estava explícita.
Dessa forma, recorri aos depoimentos do escritor em entrevistas. Por não
haver grande número destes documentos, li todos os recortes de entrevistas
guardadas pelo escritor.
As entrevistas foram analisadas estrategicamente no primeiro capítulo, com
intuito de dar um panorama geral do homem Murilo Rubião para, ao segundo
capítulo, as correspondências passivas completarem os depoimentos do próprio
escritor.
Uma das entrevistas, de maneira especial, chamou-me a atenção desde o
início, porque no começo desta o escritor relembra sua infância e deixa registrados
seus sentimentos de sua época de criança, onde fala de sua sensação de cultivo à
solidão desde a infância.
Percebi também que não só nesta entrevista, mas em muitas delas, havia
uma grande ocorrência de depoimentos no que se referia ao cultivo da solidão do
escritor até sua fase madura. Assim, a pesquisa foi tomando outro rumo, pois o
sentimento de exílio reclamado pelo contista que eu antes pensara pertencer à
época em que ele declarou ter se sentido pela primeira vez um estrangeiro foi se
revelando como um sentimento de solidão cultivado pelo próprio escritor desde
criança.
Como observado nas entrevistas, o mais recorrente no que se referia a
pessoa de Murilo era sua fixação pela solidão. “O solitário da serra” era seu apelido.
Morava mais afastado e sozinho. Na sua casa ele mantinha apenas uma empregada
que, conforme Murilo, era muito discreta, jamais impondo a sua presença. Sendo
assim, Murilo conseguia tê-la por perto. Não lhe agradava compromissos com
atividades e horários. Nem para as refeições. Murilo não queria voltar para a casa só
porque estava na hora do almoço. Ele sempre primou pela liberdade de ir e vir, sem
determinar horas. Em uma carta de Rachel, uma ex-namorada de Murilo, esta deixa
claro que ele também tinha horror ao compromisso com uma mulher, pois ela afirma
que Murilo havia fugido dela por isso.
Murilo Rubião, assim que saiu da casa de seus pais, tomou gosto por uma
vida mais reservada. Sentia-se mais livre para fazer o que queria e era ele quem
estipulava os horários para suas atividades diárias. Murilo sentia-se feliz por estar
só. Retomando as palavras de Schopenhauer, penso que Murilo buscava a paz na
solidão, ele escolhia a solidão, diferentemente da perspectiva adotada por Octavio
Paz, que diz que não escolhemos a solidão, pois ela nos acontece, quando
nascemos e morremos. Daí, tentamos, no decorrer da vida, suprimi-la.
Murilo tentava suprimi-la quando a solidão acontecia sem que ele desejasse.
Dessa forma, saía de casa quando a solidão apertava, “catando” os amigos. E
quando desejava se recolher, procurava na solidão o seu sossego.
No decorrer de minhas buscas e leituras, comecei a perceber que a solidão
era algo bom e por isso escolhida pelo contista, e passei a observar o período em
que Murilo sentiu-se um estrangeiro, um solitário em terra estranha, a partir das
correspondências passivas.
Assim, quando li as primeiras cartas, fui surpreendida com a alegria ibérica do
mineiro, uma vez que no depoimento concedido anos mais tarde em entrevista, ele
afirmara ter tido pela primeira vez a sensação de ser um estrangeiro.
Totalizando quatrocentas e noventa e seis correspondências consultadas, no
acervo do escritor Murilo Rubião, pude perceber que nenhuma vez Murilo reclama
por sentir-se como um estrangeiro, pelo contrário, conforme as cartas de seus
correspondentes, Murilo se mostra muito adaptado e feliz em Madrid, logo nos
primeiros meses fora do Brasil. Mas em algumas cartas os amigos deste mineiro
registraram a saudade reclamada por ele. Apesar de todo conforto e de sua rápida
adaptação em terra estrangeira, Murilo não escondia, pouco depois de sua chegada,
sua impaciência em rever os amigos e de voltar ao Brasil.
Pelas correspondências de seus parentes e amigos, observei que, no que se
refere às suas viagens ao Brasil enquanto adido cultural na Espanha, o contista
ficava à mercê das determinações do governo brasileiro, pois se quisesse vir ao
Brasil tinha que esperar ser chamado a serviço ou senão esperar ordens de
terceiros, no que se referia à sua licença para se ausentar do serviço e,
principalmente, ao dinheiro para as passagens.
Por essa dependência, e não podendo ou não querendo fazer suas viagens
ao Brasil por sua conta, ele passava meses a fio em seu posto em Madrid, apenas
sonhando em fazer uma viagem de férias para ver familiares e amigos. Neste
período, a solidão não era sempre escolhida por ele, mas sim imposta pelas
circunstâncias de seu trabalho. Murilo Rubião experimentava um isolamento
diferente daquele vivido antes deste período, pois experimentava pela primeira vez o
que era se sentir só e estrangeiro. Ele, neste momento, ficava, de certa forma,
impedido de rever as pessoas quando e onde quisesse. É sobre esse sentimento
que ele, anos mais tarde, se refere quando, na entrevista organizada por Jorge
Schwartz, deixa explícito seu sofrimento sentido àquela época porque até então não
sabia o que era ser um estrangeiro, e para ele, sendo um mineiro, em terras
estranhas, era muito mais trágico.
Nas cartas, seus amigos se mostravam preocupados, e porque não dizer
curiosos, para saber como o mineiro estava se sentindo num país estranho.
Sabendo que Murilo estava “sofrendo a distância nostálgica”, “angústia em noites
terríveis de tédio”, “sentindo-se abandonado pelos amigos” e “deprimido”, muitos
correspondentes se preocupam com a solidão de Murilo em terra estrangeira.
Seu amigo Otto Lara Resende, no entanto, não se mostra tão preocupado,
uma vez que já o conhecia bem, a ponto de dizer que supunha que a melancolia e o
recolhimento que estava sentindo não eram por motivo especial, mas o seu estado
normal melancólico e recolhido de sempre. Este mesmo amigo afirma que ficaria
satisfeito de ter Murilo como “companheiro de exílio” em Madrid e fica preocupado
apenas com a possível permanência do amigo nessa cidade, pois se tal
acontecesse, ela sabia que Murilo sentiria muita saudade de Belo Horizonte. Otto diz
estar ciente de que a permanência de Murilo em Madrid já estava garantida por lei
no Congresso.
Murilo, durante os quatro anos que morou na Espanha, voltou ao Brasil pelo
menos duas vezes, no ano 1957 e 1959, de acordo com as correspondências
consultadas. Durante uma boa temporada de regresso ao Brasil, Murilo invejava
seus correspondentes por tamanha felicidade de estar de volta a Belo Horizonte. E,
durante o tempo em que residiu em Madrid, Murilo era visitado por vários amigos
brasileiros. Sua mãe e irmã também estiveram por lá. Segundo as correspondências,
Murilo teve a companhia de sua mãe, em Madrid, por mais de um ano.
A solidão foi por vezes explicada pelo escritor como um sentimento
conseqüente de sua dedicação à literatura. Ele se subordinava a ela porque senão
ela o abandonaria. É importante lembrar que a solidão de Murilo sempre teve como
escorredouro a literatura, seja no tempo em que era criança, quando se refugiava
num canto para fazer suas leituras ou ainda na fase madura, quando lia
compulsivamente ou mais tarde quando produzia sua própria ficção.
O isolamento cultivado pelo contista durante a sua vida toda sempre foi
considerado por ele como algo bom, exceto quando, já mais maduro, se lembrou do
tempo em que partiu de sua terra natal para viver quatro anos em Madrid. Murilo
lembra-se desses anos com o sentimento de um exilado, um estrangeiro, um
solitário, apesar de ter vivido bem, ter feito amigos, ter tido namorada, ter
aproveitado o que o outro país lhe oferecia.
Quando foi para Espanha, Murilo já pensava em não escrever mais. De fato,
durante aquele período trabalhou em apenas um conto, como já foi dito, conto esse
que já havia sido rascunhado quando morou no Rio de Janeiro: “Teleco, O
Coelhinho”. Apesar das cobranças de seus correspondentes acerca da produção
literária do contista e principalmente de uma nova publicação, nada aconteceu em
sua vida de escritor, nem novos escritos e nem novas publicações. Somente cinco
anos depois que já se encontrava no Brasil foi que saiu o livro Os Dragões, que
incluía o conto aqui citado.
A princípio, neste momento do trabalho, a idéia era fazer apenas uma leitura
do conto “Teleco, O Coelhinho”; no entanto, ao levantar o material da crítica sobre o
gênero fantástico e em especial sobre a obra de Murilo Rubião, e diante de todas as
descobertas feitas em relação ao sentimento de solidão que o escritor nutriu em toda
a sua vida, percebi que toda a crítica apontava para essa solidão na obra do
contista. Em primeiro lugar, a própria obra de Murilo, em sua essência, por estar
inaugurando um gênero, apresenta uma forma insólita no âmbito nacional – sua
produção não estava inserida em nenhum gênero, pois até então o gênero
fantástico, no qual sua obra foi inserida, era incomum. Ao publicar seus primeiros
contos, Murilo já se destacava como um solitário na literatura brasileira.
Sua produção literária, desde o começo de sua carreira, não foi tarefa fácil.
Não havia uma tradição fantástica no Brasil. Seu mestre, Mário de Andrade, também
não sentiu total certeza em afirmar o que o iniciante produzia. Isto é compreensível
uma vez que, do ponto de vista geográfico temporal, a obra de Murilo apareceu de
maneira incomum. A temática dos contos, assim como sua narrativa, era
desengajada de qualquer movimento literário no Brasil.
Sendo assim, Murilo Rubião foi pioneiro na narrativa fantástica na literatura
brasileira. Como observou Rui Mourão, ele não se parecia com ninguém que tinha
vindo antes. E Fábio Lucas foi categórico ao afirmar que a literatura de Murilo foi
uma aventura solitária. De fato, a produção de Murilo não tem parentesco no âmbito
nacional. Nasceu solitária e permaneceu por muitos anos dessa forma.
Em segundo lugar, percebi que todos os contos de Murilo lidam com questões
de solidão, de diversas formas e em variadas circunstâncias. Assim, achei por bem
fazer uma leitura geral da obra de Murilo antes de aprofundar-me na leitura do único
conto que ele escreveu durante aquele período que me propus a pesquisar. Os
pequenos trechos destacados no capítulo 3, quando examino as instâncias de
solidão apresentadas em seus contos, reiteram, em minha opinião, a questão da
obra solitária de Murilo, não só na forma quanto no conteúdo.
Investigando um período específico da vida do contista, quando ele se sentiu
como um exilado, solitário, descobri que a solidão o acompanhou desde a infância
até a sua fase madura e, muito mais, descobri que esta solidão é extensiva aos seus
personagens e que a sua escolha pelo gênero fantástico, apesar de dar lugar de um
pioneiro ao contista, valeu-lhe a demora no reconhecimento como grande escritor.
Ele passou muitos anos sem ser reconhecido como tal, uma vez que a sua obra
estava desengajada das outras produções da época, quer dizer, a sua produção
também esteve por tempos solitária no meio literário. Sua solidão está refletida em
sua obra.
Assim, acredito que Murilo Rubião foi solitário também em sua produção
literária, pois apenas ele escrevia contos fantásticos no Brasil. Ninguém entendia a
sua arte. Não era para menos, pois ninguém ainda tinha escrito coisa parecida. Ele
foi o precursor do realismo fantástico entre nós.
Murilo era um torturado pela necessidade da escrita – sentia-se confuso no
começo de sua carreira literária. Em 1939, como repórter no jornal Folha de Minas,
ele começou a se corresponder com o escritor Mário de Andrade, mestre respeitado,
que se mostrou atento às angústias do iniciante, no que se referia a literatura.
Mesmo sem saber ao certo lidar com o tipo de literatura que Murilo criava, o
modernista não ignorou a sua produção. Porém, antes mesmo de Murilo partir para a
publicação de seu primeiro livro, o seu mestre o abandona, ao falecer em 1945.
Assim Murilo se vê solitário novamente em meio às idéias confusas que se
amontoavam dentro dele.
O estar só, afastado, reduzido à solidão, não é característica apenas do
homem Murilo, em um período específico. Esta característica perpassa por
diferentes momentos na sua vida como também na vida de seus personagens.
Murilo escreveu não só um conto que têm como essência a solidão, mas durante
toda a sua carreira de escritor deixou marcas de isolamento, solidão, ausência etc.
em seus personagens.
Daí a analogia da solidão destas personagens com a solidão do escritor.
Pude perceber, após minhas extensivas leituras a respeito do autor, que, conforme
ele próprio havia declarado, em seus contos há passagens de sua vida, quer dizer,
muito de seu sofrimento é transferido para seus contos, mas estes, conforme o
contista, não podem ser considerados autobiográficos, pois as passagens de sua
vida, que são a realidade aparente, são substituídas pela realidade artística.
Não entendendo como autobiografia, Murilo fez de sua obra metáfora de sua
solidão. Ele sempre viveu como exilado. Fechado em si mesmo, destacava seu
isolamento no que se referia ao seu íntimo, isto é, sempre declarava gostar da
solidão. Ao criar, transferia sua solidão para seus personagens. Estes são cercados
pela solidão, vazio e silêncio. Caminham sozinhos, por lugares tristes. Têm medo de
aproximação com o outro; alguns deles, quando conseguem uma aproximação,
terminam a narrativa em infortúnio conjugal.
Murilo declarou, na entrevista a Miriam Chrystus, que desde criança percebia
que era diferente das outras crianças por gostar de cultivar a solidão. E quando
adulto, produzia um tipo de literatura diferente naquela conhecia pelo público. Assim
como o próprio escritor acreditava que ele era diferente das outras crianças, uma
vez que, em determinado momento, se isolava dos outros com a companhia apenas
de um livro, acredito que sua literatura também marcava seu isolamento quando
adulto no mundo das letras, pois ele fazia algo diferente do que era publicado na
época. Assim, o curioso é que a sua produção literária também aparece solitária.
Mas o que é realmente surpreendente é o paradoxo que o envolve, pois ele
foi uma pessoa exilada, no sentido de cultivar a solidão por todo lugar onde passou;
no entanto, por onde passou encontrou o seu lugar. Segundo ele, em Madrid
encontrou seu lugar para fazer suas leituras. Este foi o lado positivo durante os
quatro anos que morou lá, conforme afirma.
Ali, Murilo conseguiu escrever apenas um conto, talvez por ter sofrido a
ausência de Minas, como foi observado por Fernando Sabino e João Cabral de Melo
Neto. No entanto, ressalto que o contista não tinha o hábito de apresentar textos
inéditos com muita freqüência. Pelo contrário, passava mais tempo reelaborando
textos já publicados até a exaustão, com uma única preocupação: buscar a clareza
para a intriga do conto fluir naturalmente. A insistência de Murilo em estar
constantemente burilando a linguagem e a estrutura de contos escritos
anteriormente vão ser também marca do trabalho solitário que o contista
desenvolveu. Na verdade, a literatura já é, em si, uma tarefa solitária.
Murilo declarou, em sua maturidade, que não sabia, até ir morar em Madrid, o
que era ser estrangeiro. Durante 1956 a 1960 sofreu tal experiência. E neste
período, deu vida a uma personagem chamada Teleco. Teleco, o coelho, sentindo-
se exilado no universo humano, deixou perdida pelo caminho sua identidade. As
suas transformações oriundas de suas inquietações esgotam-se aos poucos em
solidão e angústias.
O vazio que a personagem alimenta na busca de ser o outro, mutila seu
desejo pessoal de ter o outro por perto. Por causa das excessivas metamorfoses do
coelho, com o propósito de parecer homem e viver como tal no meio deles, o próprio
coelho se afasta cada vez mais do contato com o ser humano. Ele não consegue
viver no mundo que idealizou como o seu. Desejava estar no meio dos homens, mas
esteve sempre a sua margem para depois desaparecer. Dessa forma, de tanto se
preocupar em ser o outro e não ele mesmo, o coelho teve um final trágico. O coelho
solitário chegou e, mesmo com todos os seus esforços, solitário permaneceu, pois
não conseguiu se adaptar, não conseguiu se socializar.
Apesar de todos os esforços da personagem Teleco para se aproximar das
pessoas, tentando conviver numa mesma casa com um ser humano e se
relacionando com uma mulher, ele não conseguiu sentir-se pertencente ao grupo
social. É importante dizer que, ao contrário dele, Murilo sempre foi uma pessoa
sociável, mesmo parecendo algumas vezes não sê-lo, como no exemplo citado em
que Murilo relembra seus tempos de criança quando se refugiava num canto com
um livro na mão, já com suas angústias e seus pensamentos. Saliento, portanto, que
o isolamento de Murilo é interiorizado. Quando criança, por exemplo, jogava futebol
na rua com outras crianças e quando adulto, freqüentava o Bar Trianon, recebia
amigos em sua casa, como um perfeito anfitrião, correspondia-se com um número
grande de pessoas e a sua profissão exigia contato direto com o público, seja
quando trabalhou no jornal Folha de Minas, seja quando trabalhou como chefe no
Escritório de Propaganda e Expansão Comercial do Brasil em Madrid. Como foi
visto, Murilo não evitava contato com outras pessoas, o que ele não queria era
deixar de ter um tempo para isolar-se quando desejasse.
Percebi, ao ler os diversos depoimentos, cartas, entrevistas, que Murilo
Rubião não era um homem infeliz, ou deslocado, ou isolado. Percebi apenas uma
ênfase na solidão, na solteirice, na liberdade do homem em fazer suas refeições,
onde e quando quisesse, sem amarras a família, a empregada ou mesmo amigos.
Murilo não era um ermitão nem tampouco um misógino – gostava do contato com
outras pessoas, homens e mulheres, apenas era em seu íntimo um solitário.
Acredito que Murilo, apesar de não ter se queixado muitas vezes ou por não
ter se lamentado com um número maior de amigos, sofreu de fato o exílio geográfico
quando em Madrid, pois o sentimento foi declarado por ele, de maneira explícita, em
entrevistas, anos depois. Acredito que talvez pelo distanciamento daquela época
com a atual (quando concedeu a entrevista), Murilo se sentiu mais à vontade para
fazer tal revelação.
Não notei amargura em Murilo pela sua vida solitária. Mas, como ele mesmo
disse, ele transforma a realidade aparente em realidade artística, e na sua produção
encontrei essa ênfase no protagonista solitário.
Sua solidão é exteriorizada em sua obra. Solidão que só ele sabe que tem.
Essa diferença ele não fala para ninguém, a não ser quando deixa estampada em
sua obra. Quando menino ele já sabia de sua diferença, mas não a demonstrava
para os companheiros. Brincava de futebol com amigos e depois se isolava.
Quando começou a escrever e publicar, sua solidão ficou mais perceptível e ficou
ainda mais explícita quando o próprio escritor começou a declarar em entrevistas o
seu gosto pelo recolhimento, isolamento.
É interessante observar a vivência de Murilo Rubião durante sua experiência
de morar fora do seu país, a voz magoada de quem, ao encontrar-se distante de seu
chão de origem, onde permanentemente se vê em espaço que não lhe pertence,
espaço de outrem, sente fortemente a solidão.
Quando voltou de Madrid, Murilo vendeu o carro que trouxe de lá e comprou
um sítio, na cidade de Lavras, onde lia, escrevia, descansava e fazia jardinagem,
sem nenhum compromisso de tempo ou qualquer trabalho, pois nesta época Murilo
tinha cinco dias de folga por semana por causa do plantão na Imprensa. O contista
preferiu novamente o isolamento.
Sair de seu país poderia ter sido tarefa fácil uma vez que sempre cultivou o
sentimento de solidão, sempre preferiu o isolamento. Porém, sofreu. Sofreu a
saudade de sua terra. Ele preferia o isolamento, mas dentro do seu espaço, do lugar
onde ele escolheu para ficar sozinho. Para Edward Said, o exílio não é uma questão
de escolha, quer dizer, nascemos com ele ou ele nos acontece. E Octavio Paz diz o
mesmo quando se refere à solidão, ou seja, também não a escolhemos, ela nos
acontece.
Caminhar sozinho no mundo parece ser o destino de algumas pessoas e,
certamente, penso que esse era o caso de Murilo Rubião, e ele capitalizou essa
circunstância tanto na sua vida quanto na vida de seus personagens. O exílio para
Murilo, não pode ser resumido em apenas um conceito geográfico, pois exílio para
ele é antes de tudo um velho sentimento de estranheza que o acompanha desde a
infância. O exílio é sua própria solidão cultivada desde menino.
Enfim, o presente trabalho, iniciado a partir de uma atração pelo conto
“Teleco, o coelhinho”, fez um percurso pela vida e a obra de Murilo Rubião, com
ênfase no período em que ele morou em Madrid, destacando o sentimento de
solidão, de exílio, que não só o próprio autor marcou em suas entrevistas, mas que
repetidamente seus críticos exaltam em sua obra. Obra esta que apresenta a solidão
refletida do autor marcada nas personagens pela necessidade do isolamento, da
ausência, da solidão inevitável das personagens.

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