Você está na página 1de 14

Perguntas frequentes e erros comuns- 0!.


Rodrigo Carlos Silva de Lima

rodrigo.uff.math@gmail.com

1
Sumário

1 Perguntas frequentes e erros comuns- 0! 3


1.1 0! = 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
1.2 Fatorial, extensão por meio de recorrência . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
1.2.1 Fatorial não definido para inteiros negativos . . . . . . . . . . . . 4
1.2.2 Produto Sobre O Conjunto Vazio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.2.3 Conceito de Não Multiplicar ou Multiplicar 0 Vezes. . . . . . . . 8
1.3 Fatorial, definição recursiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
1.4 Definição de fatorial para números reais, usando função gamma . . . . 11

2
Capı́tulo 1

Perguntas frequentes e erros


comuns- 0!

Esse texto ainda não se encontra na sua versão final, sendo, por enquanto, cons-
tituı́do apenas de anotações informais. Sugestões para melhoria do texto, correções
da parte matemática ou gramatical eu agradeceria que fossem enviadas para meu
Email rodrigo.uff.math@gmail.com.

1.1 0! = 1

1.2 Fatorial, extensão por meio de recorrência

m Definição 1 (Definição por produtório). Podemos definir n! com n ∈ N, n > 0


por meio do produtório
Y
n
n! := k.
k=1

3
CAPÍTULO 1. PERGUNTAS FREQUENTES E ERROS COMUNS- 0! 4

Y
1
Da definição anterior temos que 1! = (k) = 1. Com isso podemos verificar que
k=1

n!
z }| {
Y
n+1 Yn
(n + 1)! = (k) = (n + 1). (k) = (n + 1).n!.
k=1 k=1

Obtemos então a recorrência (n + 1)! = (n + 1).n! com a condição inicial 1! = 1. A


extensão para n = 0, pode ser feita de uma única maneira por meio da recorrência
e condição inicial obtidas.
Obtivemos a recorrência

1 se n = 1.
n! =
(n − 1)!.n se n > 1, n ∈ N.
Fazendo a extensão da recorrência para n > 0 podemos deduzir que 0! = 1 pois
usando a identidade n! = (n − 1)!.n, com n = 1, obtemos

1! = 0!.1 ⇒ 0! = 1,
|{z}
=1

portanto segue que 0! = 1. Por outro lado poderı́amos tomar 0! = 1 como condição
inicial no lugar de 1! = 1.
Deduzir que 0! = 1 depende de qual das equivalentes definições de fatorial ado-
tamos. Para alguns pode-se considerar mais natural adotar 1! = 1 como definição
e deduzir 0! = 1 por uso da recorrência, pois 1! = 1 também pode ser obtido pela
expressão do fatorial como produtório,

n! = n . . . 2.1,

e naturalmente daı́ temos 1! = 1. Para n = 0 o conceito do produtório acima teria


que ser estendido, nesse caso temos o conceito de produto vazio, que ainda não é
tão difundido nos textos de Matemática em português atualmente.

1.2.1 Fatorial não definido para inteiros negativos


Se sabemos a recorrência do fatorial (n + 1)! = (n + 1).n! e uma condição inicial,
por exemplo 1! = 1, podemos deduzir que 0! = 1 pois tomando n = 0 na recorrência
CAPÍTULO 1. PERGUNTAS FREQUENTES E ERROS COMUNS- 0! 5

1
z}|{
acima temos que 1! = 1.0!, daı́ 0! = 1. Porém não podemos estender a definição
para todo inteiros negativos por meio da recorrência, pois, supondo que (−1)! esteja
definido como número real, tem-se que, tomando n = −1 na recorrência

(0)! = 0.(−1)! = 0

daı́ 0! = 0 e 0! = 1 o que é absurdo . Por não podermos definir o fatorial de maneira


uniforme para inteiros negativos, vamos deixar o fatorial indefinido para tais valores.
Vamos responder alguns comentários sobre o tema.

• Comentário: Temos que 0! = 1, aplicando a recorrência para fatoriais n! =


n(n − 1)! , tomando n = 0, teremos que 0! = 0(−1)!, ou seja, (−1)! é um número
que multiplicado por 0 dá 1.

• Resposta: Com isso concluı́mos apenas que (−1)! não pode estar definido em
R ( ou mesmo nos complexos) de maneira que se respeite a recorrência do
fatorial n! = n(n − 1)! para valor inteiros negativos, pois para todo número
real x, tem-se 0.x = 0. Se desejamos definir (−1)! de forma que a recorrência
do fatorial seja válida, é necessário então considerar um conjunto diferente de
R onde haveria um elemento (−1)! não real, e então definir uma operação de
multiplicação × nesse conjunto de tal forma que com essa nova operação se
tenha
(−1)!.0 = 0,

mas tal operação não poderia ter as mesmas operações que um corpo como R
ou C, pois nesses conjuntos se tem 0.x = 0∀ x.

1.2.2 Produto Sobre o Conjunto Vazio

m Definição 2. Um conjunto A é finito, quando ele é vazio ou quando existe


uma bijeção f entre o conjunto In = {1, 2, . . . , n} = {x ∈ N|1 ≤ x ≤ n}, f : In → A.

m Definição 3 (Partição em conjuntos ). Seja A um conjunto , dizemos que


CAPÍTULO 1. PERGUNTAS FREQUENTES E ERROS COMUNS- 0! 6

uma decomposição de A = B ∪ C com B ∩ C = ∅ é uma Partição de A.

Se tomarmos B = A e C = ∅ , temos B ∪ ∅ = A e B ∩ ∅ = ∅, logo é uma Partição de


A, essa Partição é chamada de Partição trivial.

m Definição 4 (Produto sobre conjuntos finitos). Sejam A um conjunto finito,


f : A → R, uma função que associa elementos de A (quando esse possui elementos)
em R(Poderia ser outro conjunto onde tem-se com o produto um grupo abeliano),
se A é vazio definimos
Y
f(k) = 1
k∈A
Y
f(k) = 1.
k∈ ∅

Se A possui 1 elemento a1 , definimos

Y
f(k) = f(a1 ).
k∈A

Se A possui mais de um elemento, tomamos uma Partição de A = B ∪ C e


definimos
Y Y Y Y
f(k) = f(k) = f(k). f(k)
k∈A k∈ B∪C k∈B k∈C

Se tomarmos a Partição trivial, temos

Y Y Y Y Y Y
f(k) = f(k) = f(k). f(k) = 1. f(k) = f(k)
k∈A k∈ A∪∅ k∈∅ k∈A k∈A k∈A

Vamos considerar agora o caso do produtório sobre um conjunto finito A que


tenha mais de um elemento, seja esse número de elementos n + 2 vamos tomar um
elemento qualquer ak em A, tomando como o conjunto B o conjunto que contém
apenas esse elemento e como conjunto C o conjunto A sem esse elemento, isto é
B = {ak } e C = A − {ak }, a interseção desses conjuntos é vazia e sua união é o
conjunto A, A − {ak } ∩ {ak } = ∅ e A − {ak } ∪ {ak } = A, o conjunto C possui n + 1
elementos, escrevemos então
Y Y Y Y Y Y
f(k) = f(k). f(k) = f(k). f(k) = [ f(k)].f(ak )
k∈A k∈C k∈B k∈A−{ak } k∈{ak } k∈A−{ak }
CAPÍTULO 1. PERGUNTAS FREQUENTES E ERROS COMUNS- 0! 7

podemos continuar esse processo até que o conjunto tenha apenas 1 elemento onde
aplicamos a definição do produtório sobre conjunto unitário,

m Definição 5. Seja In o conjunto de números naturais de 1 até n, In = {1 ≤


k ≤ n, k ∈ N}, e a função f definida nesse conjunto com valores no conjunto R,
definimos
Y
n Y
f(k) := f(k)
k=1 k∈ In

O número n é chamado limite superior e 1 de limite inferior. Se n = 0 o conjunto


é vazio, logo temos
Y
0
f(k) = 1.
k=1

Além disso temos a propriedade de abertura de limite superior que vamos usar
a seguir
Y
n+1 Yn
f(k) = [ f(k)].f(n + 1)
k=1 k=1

esta propriedade é válida, pois tomamos a seguinte Partição do conjunto

A = {k ∈ N|1 ≤ k ≤ n + 1} = {k ∈ N|1 ≤ k ≤ n} ∪ {n + 1}.

Podemos definir
Y
n
x = xn
k=1
caso n = 0, temos o produto sobre conjunto vazio, que foi definido como 1, pois o
limite superior é menor que o inferior
Y
0
x = 1 = x0
k=1

, isto sendo válido para qualquer x em especial para x = 0


Y
0
0 = 1 = 00 .
k=1

Essa definição também serve para o fatorial


Y
n Y
0
n! = (k) ⇒ 0! = (k) = 1.
k=1 k=1
CAPÍTULO 1. PERGUNTAS FREQUENTES E ERROS COMUNS- 0! 8

Observamos um possı́vel problema na extensão do produto vazio

Y
n Y
n−1
f(k) = f(n) = f(n) f(k)
k=n k=n

Y
n Y
n−1
se f(n) = 0 então f(k) = 0 ,a princı́pio f(k) poderia ser qualquer valor,
k=n k=n
Y
n−1
inclusive 1 como estamos definindo, e caso f(n) 6= 0, implicaria f(k) = 1. Dito
k=n
Y
n−1
isso, vamos manter a definição f(k) = 1 independente de f e vamos tentar dar
k=n
uma ideia intuiva disso de outra maneira.

1.2.3 Conceito de Não Multiplicar ou Multiplicar 0 Vezes.

Y
n
Z Exemplo 1. Considere y = b. f(k).
k=1

• Se n = 1, multiplicamos b por f(1), temos uma operação de multiplicação.

• Se n = 2 multiplicamos b por f(1) e depois o resultado por f(2), temos duas


operações de multiplicação.

• Em geral, com n > 0, temos n operações de multiplicão, de b com f(1), f(2), · · · , f(n).

• Tentamos estender esse conceito para n = 0, onde terı́amos 0-multiplicações,


vamos interpretar tal conceito como tomar o número b e não multiplicar b
, por qualquer que seja o número, isto é, mantemos o número b inalterado,
o que equivale a multiplicar o número por 1, pois 1 é o elemento neutro da
multiplicação .

Com isso damos uma ideia intuitiva de

Y
0
f(k) = 1.
k=1
CAPÍTULO 1. PERGUNTAS FREQUENTES E ERROS COMUNS- 0! 9

Essa é a interpretação que damos ao produto vazio, a ideia de não multiplicar,


ou multiplicar ‘‘0 vezes"é equivalente a multiplicar o número por 1 o que não
altera o resultado, pois é o elemento neutro da multiplicação .

1.3 Fatorial, definição recursiva


Nesta seção definimos o fatorial por meio da recorrência e obtemos propriedades
dele por meio dela.

m Definição 6 (Fatorial-Definição Recursiva.). Dado n ∈ N, podemos definir


n! ( lê-se n fatorial), da seguinte maneira recursiva

0! = 1

(n + 1)! = (n + 1).(n)! n ∈ N.

$ Corolário 1. 1! = 1 pois 1! = 1.(0)! = 1.1 = 1 .

b Propriedade 1.
Y
n
n! = k
k=1
para todo n natural.

ê Demonstração. Aqui iremos usar o conceito de produto vazio.


Vamos provar por indução sobre n. Para n = 0 tem-se

Y
0
0! = 1 = k=1
k=1

pois o produto com limite superior 0 é um produto vazio, que por definição é 1 .
Agora considerando a igualdade válida para n
Y
n
n! = k
k=1
CAPÍTULO 1. PERGUNTAS FREQUENTES E ERROS COMUNS- 0! 10

vamos provar para n + 1


Y
n+1
(n + 1)! = k
k=1
temos que
Y
n+1 Y
n
k = (n + 1) k = (n + 1).n! = (n + 1)! .
k=1 k=1

O fatorial também poderia ser definido através do produtório

Y
n
n! := k.
k=1

as definições recursiva e por produtório são equivalentes porém a relação (n + 1)! =


(n + 1).(n)! sem uma condição inicial não define completamente o fatorial, pois
poderı́amos ter uma sequência f(n) que satisfaz f(n + 1) = (n + 1)f(n) porém f(0) =
a 6= 1, então devemos dar uma condição inicial, seja ela 0! = 1, 1! = 1. A definição
por produtório implica que 0! = 1 pois temos o produtório sobre conjunto vazio que
é 1 por definição
Y
0
0! = k = 1.
k=1

b Propriedade 2. A definição recursiva e por produtório são equivalentes.

ê Demonstração. Já provamos que a definição recursiva implica o produtório,


agora vamos provar que a definição por produtório implica a definição recursiva.
Definindo
Y
n
n! := k
k=1

Y
0
para todo n natural, tem-se 0! = k=1 e
k=1

Y
n+1 Yn
(n + 1)! = k=( k)(n + 1) = n!(n + 1)
k=1 k=1

logo vale a condição inicial e a recorrência dada para o fatorial, então as definições
são equivalentes.
CAPÍTULO 1. PERGUNTAS FREQUENTES E ERROS COMUNS- 0! 11

O sı́mbolo n! foi introduzido em 1808 por Christian Kramp de Strasburgo (1760 −


1820), que o escolheu para contornar a dificuldades gráficas verificadas com um
sı́mbolo previamente usado. Uma notação antiga de fatorial é bn e não mais usada,
que pode ser encontrada por exemplo no livro A Treatise on the Calculus of Finite
Differences do autor George Boole de 1860.

1.4 Definição de fatorial para números reais, usando

função gamma
Podemos definir uma função fatorial para valores reais, usando uma representação
por integral, conhecida como função gamma, com essa definição por integral esten-
demos a definição dos naturais para um subconjunto de valores reais, a definição
pode ser feita como segue

m Definição 7 (Função fatorial). Podemos definir a função o fatorial Π(x) por


meio da integral
Z∞
Π(x) := tx e−t dt.
0

b Propriedade 3. Vamos mostrar que Π(n) = n! para n natural.

Observamos que a função fatorial é escolhida como a integral acima pois ela
interpola os valores do fatorial para todo n natural, a princı́pio não usamos a função
fatorial para determinar qual seria o valor de 0!, se a função fatorial não tivesse a
propriedade Π(0) = 1 não usarı́amos tal função, como extensão do fatorial.
ê Demonstração. Por indução
Z∞ Z∞
0 −t
Π(0) = t e dt = e−t dt
0 0

du
fazendo uma substituição de variáveis u = −t, = −1, du = −dt, −du = dt, a
dt
CAPÍTULO 1. PERGUNTAS FREQUENTES E ERROS COMUNS- 0! 12

integral fica Z ∞ ∞
1

− e du = −e = −e = − t = 1
u

−t u
e 0 0
logo Π(0) = 1 = 0!. Tomando a Hipótese para n
Z∞
Π(n) = n! = tn e−t dt
0

vamos provar para n + 1


Z∞
Π(n + 1) = tn+1 e−t dt = (n + 1)!
0

lembrando a fórmula de integração por partes

[f(t).g(t)] 0 = f 0 (t).g(t) + f(t).g 0 (t)

integrando em ambos os lados


Z Z Z
[f(t).g(t)] dt = f (t).g(t)dt + f(t).g 0 (t)dt
0 0

pelo teorema fundamental do cálculo


Z Z
f(t).g (t)dt = [f(t).g(t)] − f 0 (t).g(t)dt
0

tomando f(t) = tn+1 implica f 0 (t) = (n + 1).tn e g(t) = −e−t implica g 0 (t) = e−t ,
então Z Z
n+1 n+1
t . − e ] − (n + 1).tn . − e−t dt
−t
.e dt = [t −t

Z Z
n+1 −t n+1 −t
t .e dt = −[t .e ] + (n + 1). tn .e−t dt
Z Z
n+1 −t tn+1 .
t .e dt = −[ t ] + (n + 1). tn .e−t dt
e
aplicando os limites
Z∞ ∞ Z∞
n+1 −t tn+1 .
t .e dt = −[ t ] + (n + 1). tn .e−t dt
0 e 0 0

logo Z∞ Z∞
n+1
.e dt = (n + 1).
t −t
tn .e−t dt
0 0

tn+1 .
pois o termo que estava fora da integral [ t ] quando t tende ao infinito o termo
e 0
tende a zero pois o denominador cresce mais rápido, e quando t = 0 anula o termo,
temos então Z∞
tn+1 .e−t dt = (n + 1).n! pela hipótese
0
CAPÍTULO 1. PERGUNTAS FREQUENTES E ERROS COMUNS- 0! 13

logo Z∞
tn+1 .e−t dt = (n + 1)!
0

pela definição de (n + 1)!

$ Corolário 2. Para reais temos a mesma propriedade Π(x + 1) = (x + 1)Π(x)


tomando f(t) = tx+1 implica f 0 (t) = (x + 1).tx e g(t) = −e−t implica g 0 (t) = e−t ,
então
Z Z
x+1 x+1
t −t
. − e ] − (x + 1).tx . − e−t dt
.e dt = [t −t

Z Z
x+1 −t x+1 −t
t .e dt = −[t .e ] + (x + 1). tx .e−t dt
Z Z
x+1 tx+1 .
t .e dt = −[ t ] + (x + 1). tx .e−t dt
−t
e
aplicando os limites
Z∞ ∞ Z∞
x+1 tx+1 .
t .e dt = −[ t ] + (x + 1).
−t
tx .e−t dt
0 e 0 0

logo
Z∞ Z∞
x+1
t .e dt = (x + 1).
−t
tx .e−t dt
0 0

Fica definido então x! para valores reais de x aos quais a integral esta bem
definida
Z∞
x! = tx .e−t dt
0

com a regra válida


Π(x + 1) = (x + 1).Π(x)

m Definição 8 (Função gamma). A função gamma pode ser definida como


Z∞
Γ (x) = Π(x − 1) = tx−1 .e−t dt.
0

Você também pode gostar