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Anjos planetários e o mundo sublunar: Trithemius,

astrologia e política nos séculos XV e XVI1


Planetary angels and the sublunary world: Trithemius, astrology and politics in the
15th and 16th Centuries
Los ángeles planetarios y el mundo sublunar: Trithemius, astrología y política
en los siglos XV y XVI
Francisco de Paula Souza de Mendonça Júnior*

Este artigo se debruçará sobre as re-


Resumo lações entre esoterismo2 e política na tran-
Discutiremos as relações entre esote- sição do século XV para o século XVI, na
rismo e política na transição do século Alemanha de Maximiliano I (1459-1519),
XV para o século XVI, na Alemanha de imperador do Sacro Império Romano-Ger-
Maximiliano I (1459-1519), imperador
mânico. Dando continuidade a uma reflexão
do Sacro Império Romano-Germânico.
iniciada em nossa dissertação de mestrado e
Analisaremos a obra do abade alemão
Johannes Trithemius (1462-1512) De aprofundada em nossa tese de doutoramen-
septem secunda Deis id est intelligentiis to, voltamo-nos uma vez mais às obras do
sive spiritibus orbes post deum moventibus abade alemão Johannes Trithemius (1462-
(1568), produto dos seus anos finais de 1512), mais especificamente à sua De septem
vida. Ao analisar tal fonte, investigare- secunda Deis id est intelligentiis sive spiritibus
mos a relação que o abade fez entre o orbes post deum moventibus (Sobre as cau-
reino supralunar e o reino sublunar, ou sas segundas ou inteligências, espíritos por
seja, como ele pensava a dinâmica en-
meio dos quais Deus move o mundo) (1568),
tre ideias esotéricas e práticas políticas,
após já carregar a pecha de demonoma-
go há alguns anos. Dessa forma, acredi- *
Doutor (2014) em História e Culturas Políticas pela
tamos contribuir para ampliar o olhar Universidade Federal de Minas Gerais, com rea-
sobre o complexo cenário das relações lização de estágio sanduíche na Université Paris-
políticas no período marcado pela pas- -Est Créteil. Professor adjunto do Departamento de
História da Universidade Federal de Santa Maria
sagem do regimen medieval para a Razão (UFSM), fundador e diretor do grupo Virtù - Gru-
de Estado. po de História Medieval e Renascentista. E-mail:
kirijy@gmail.com
Palavras-chave: Esoterismo. Política. Se-
gredo. Recebido em 18.07.2018 - Aprovado em 17.09.2018
http://dx.doi.org/10.5335/hdtv.19n.1.8399

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obra resultante dos seus derradeiros anos de manismo alemão, como Conrad Celtis (1459-
vida. Ao analisar tal fonte, investigaremos a 1508) e Johannes Reuchlin (1455-1522). Em
relação que o abade fez ao fim da vida entre razão de uma das viagens de retorno à ci-
o reino supralunar e o reino sublunar, em dade natal, Johannes Heidenberg visitou o
outras palavras, como ele pensava a relação mosteiro beneditino de St. Martin, na cida-
entre ideias esotéricas e práticas políticas, de alemã de Sponheim. Quando partiu do
após já carregar a pecha de demonomago há mosteiro, foi surpreendido por uma grande
alguns anos. Dessa forma, acreditamos que nevasca e obrigado a retornar ao mosteiro
podemos contribuir para ampliar o olhar em busca de abrigo. Considerando aquilo
sobre o complexo cenário das relações polí- um sinal divino e também muito seduzido
ticas no período marcado pela passagem do por aquele estilo de vida, optou por ficar no
regimen animarum3 medieval para a Razão de mosteiro e adotar o nome de Johannes Tri-
Estado. themius em homenagem à sua cidade natal.
Por se tratar de uma personagem his- Em menos de um ano no mosteiro, foi
tórica pouco conhecida e a fim de fornecer eleito abade, iniciando-se um dos períodos
meios para que nossa proposta fique o mais mais ricos de sua vida. Além de recuperar o
clara possível, acreditamos que uma breve mosteiro e se dedicar ao movimento de re-
biografia do abade Trithemius será de gran- novação monástica, Trithemius se entregou
de valia. Em 1462, no vale do rio Mosela, febrilmente às tarefas de não apenas restau-
na cidade de Trithenheim, nasceu Johannes rar, como também ampliar a biblioteca de St.
Zeller de Heidenberg. Muito jovem, Johan- Martin. Amparado pela Regra de São Bento,
nes se viu órfão de pai (BRANN, 1999, p. 5), o abade investiu vinte e cinco anos de sua
circunstância que faria com entrasse em sua vida para transformar tal biblioteca em pon-
vida o seu padrasto, de nome Zell ou Cell, to de referência não apenas em terras ale-
com o qual não teria boa relação. O conví- mãs, contando com aproximadamente dois
vio entre padrasto e enteado foi marcado mil livros por volta de 1505 (BRANN, 1999,
por conflitos surgidos do desejo de Johannes p. 6). Graças ao seu apreço demasiado pela
de instruir-se, o que era visto como investi- biblioteca, obrigando os monges a trabalhar
mento inútil por seu padrasto (COULIANO, pesadamente no scriptorium, e aos seus es-
1987, p. 164). forços por reformar tais monges, a insatisfa-
Foi graças a um tio paterno, de nome ção de seus subalternos foi tamanha que ele
Peter Heidenberg, que Johannes obteve o teve que abandonar St. Martin e sua biblio-
suporte e os recursos financeiros para buscar teca em 1505. Sob a proteção de Joaquim de
pelo conhecimento que tanto ansiava. As- Brandenburgo (1484-1535), eleitor-margrave
sim, ele passou boa parte de sua juventude do Palatinado, Trithemius obteve a posição
realizando uma peregrinatio academica, visi- de abade do monastério de St. Jacob, em
tando grandes centros difusores de saber na Würzburg, onde permaneceria até 1516, ano
Holanda e na Alemanha, bem como criando de sua morte.
laços com grandes figuras do vindouro hu-

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Trithemius foi uma figura múltipla. visita aparenta ter sido muito proveitosa,
Ele não só reuniu em si o exortador da refor- uma vez que, após esse momento, o abade
ma monástica, como também foi uma refe- produziu diversas obras, como Antipalus
rência em se tratando de matérias esotéricas. Maleficiorum e De septem secunda Deis id est
Além de escrever obras como a Steganogra- intelligentiis sive spiritibus orbes post deum
phie (1621), um método criptográfico para moventibus. Enquanto a primeira exortava
se comunicar em segredo a longa distância Joaquim de Brandemburgo a combater a
por meio de espíritos, ele foi mentor do jo- “praga da bruxaria que havia infestado as
vem Cornelius Agrippa von Nettesheim terras germânicas”, a segunda tinha caráter
(1486-1535), que submeteu à autoridade de abertamente esotérico. De septem secunda... é
Trithemius a obra De Occulta Philosophia, um esforço por compreender de que forma o
um dos mais conhecidos tratados de magia governo dos anjos planetários influenciaria
da época. Trithemius foi também leitura de o governo dos homens. Trithemius (1568, p.
cabeceira, literalmente, de John Dee (1527- 3-4), provavelmente influenciado por Hep-
c.1608), célebre mago da corte elisabetha- tameron, de Pietro d’Abano (c. 1257-1316),
na. Somado a esse caldeirão, temos ainda o acreditava que cada planeta possuía um
Trithemius próximo a homens poderosos, anjo pelo qual exercia sua influência no uni-
como o imperador do Sacro Império Roma- verso, sendo que cada governo planetário
no-Germânico Maximiliano I, e a boa parte duraria exatos trezentos e cinquenta e qua-
de seus eleitores palatinos, como o já citado tro anos e quatro meses, repetindo-se o ciclo
Joaquim de Brandenburgo. Uma figura tão após todos os anjos planetários terem gover-
complexa atraiu amizades influentes, como nado a criação. Tal ideia já se fazia presente
a do referido imperador germânico e a do em obras anteriores, como Steganographie e
célebre bispo francês Germain de Ganay (?- Polygraphia,4 mas foi em De septem secunda...
1520), mas também inimizades ferrenhas, que ele explorou tal ideia ao limite.
como a de Picard Charles Bouelles ou Bovi- Essa obra foi um esforço de recensea-
lius (c.1470-c.1530), cuja acusação de demo- mento por parte do abade, no intuito de ave-
nomagia acompanhou Trithemius além da riguar como cada um dos governos angéli-
tumba, através da História. cos que haviam tido lugar até o ano de 1508
Neste trabalho, focamos a produção tinham influenciado a trajetória humana e,
dos anos finais de Trithemius, quando ele além disso, como tais governos poderiam
já carregava consigo a acusação de demono- influenciar os caminhos futuros da humani-
magia, mas também os favores de homens dade. Assim, cada fase da trajetória humana
poderosos. Apesar de estar separado de sua na terra guardaria características oriundas
amada biblioteca de Sponheim, o ano de da influência exercida por cada anjo planetá-
1508 foi bem produtivo para o abade. Nesse rio em seu respectivo momento. Trithemius
ano, Trithemius fez uma de suas duas últi- (1568, p. 4-5) começou essa síntese por Satur-
mas visitas à biblioteca que havia ajudado no. Sob o domínio deste astro, exercido por
a construir no monastério de St. Martin. Tal meio de seu anjo Orifiel, os homens se tor-

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naram agricultores, caçadores e fundadores O próximo governo planetário de que
de cidades, também rudes, silvestres, tristes tratou Trithemius (1568, p. 8-10) foi o de
e simples. Além disso, mantiveram-se por Mercúrio e seu anjo Raphael. Este perío-
toda a vida incultos e guiados unicamente do guardou um momento de virada para a
pelos anseios da carne.5 Ao fim dos seus tre- humanidade, uma vez que foi quando a li-
zentos e cinquenta e quatro anos, quatro me- teratura teria surgido. Trithemius afirmou
ses, quatro dias e quatro horas, o governo de que as primeiras letras teriam sido criadas
Saturno e Orifiel foi substituído pelo gover- a partir da observação de plantas, árvores e
no de Vênus e de seu anjo Anael. Sob essa animais, possibilitando assim que alcanças-
influência, os homens se tornaram cultiva- sem sua grande diversidade, além de per-
dores e construtores de casas. Também du- mitirem que o mundo se “ornasse de mais
rante esse período, floresceram diversas ar- civilidade”. Patrono dos poetas, Mercúrio,
tes manuais, como a tecelagem e o lanifício. por meio de Raphael, ainda esconderia em
Os homens sob a atuação de Anael se torna- suas fábulas promessas secretas. Essa ideia
ram mais submissos à carne e à volúpia e, remete diretamente à concepção de segredo
por isso, resolveram tomar “belas esposas”, presente no pensamento de Trithemius, em
com as quais tiveram muitos filhos. Nesse que a comunicação escrita é capaz de ocul-
mesmo período, criaram jogos, cantigas, o tar segredos em seu bojo. A criação das le-
canto e a cítara, o que mostrava também ou- tras e da literatura marcaria também o fim
tra forma de apego à carne, de acordo com do domínio da carne e da volúpia sobre os
Trithemius.6 O terceiro planeta a governar homens.8 O abade viveria sobre o governo
foi Júpiter, também conhecido como Jove, planetário regido por Marte e seu anjo Sa-
e seu anjo Zachariel. Sob essa influência, os mael ou, melhor, durante o terceiro período
homens se tornaram “inquietos de desejo” e de governo de Samael. No primeiro, havia
mais dedicados à caça. Nesse período, come- ocorrido o Dilúvio, no Anno Mundi de 1656
çaram a construir tendas e a se adornar com (TRITHEMIUS, 1568, p. 11); no segundo,
vestimentas variadas. Durante o reinado houve a ruína de Tróia (TRITHEMIUS, 1658,
de Júpiter, Trithemius afirma que teria sido p. 23); assim surgia no horizonte a sombra
maior o prejuízo para o reino de Deus, ocor- da tragédia, porque, conforme Trithemius,
rendo uma maior divisão entre os homens “sob o seu governo os homens imitaram a
bons e os homens maus, entre aqueles que se natureza de Marte” (TRITHEMIUS, 1568,
voltam para Deus e aqueles que estão presos p. 11, tradução nossa),9 ou seja, deveriam se
ao mundo e à carne. A morte de Adão teria tornar violentos e belicosos. Apontemos que
ocorrido nesse momento, como marca des- o abade alemão havia composto, anos antes,
sa crise, conectando a história bíblica com a uma genealogia ligando os Habsburgos aos
história dos governos dos anjos planetários,7 troianos.10 Conforme Trithemius, no ano de
além de nos ajudar a dimensionar a proximi- 1508, restavam ainda dezessete anos da in-
dade das duas histórias contadas pelo aba- fluência de Marte para afligir o reinado de
de, a do mundo e a da humanidade. Maximiliano I; e um dos objetivos de seu

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De Septem Secunda... foi instruir o imperador Criador, ao atuar a influência de seu planeta
dos perigos representados pelas influências sobre o mundo criado. Como discute Bruce
astrais, numa concepção de que a história é Gordon (2006), durante o Renascimento do
mestra da vida, logo, o passado prepararia século XV, a imagem do anjo cristão é relida
para enfrentar o presente e, mesmo, o futu- de acordo com as influências que retorna-
ro, por meio de seu exemplo. Assim, per- vam ao Ocidente. O anjo foi reinterpretado à
mitir-se-ia a Maximiliano I fugir do nefas- luz dessa redescoberta do hermetismo, tor-
to destino que Samael havia reservado aos nando-se um anjo daimônico, na medida em
seus supostos antepassados troianos. que passava a ser entendido como responsá-
Esses governos planetários ocorriam vel por atuar o spiritus de cada planeta nas
pela atuação do spiritus de cada planeta, por complexas relações de simpatia e antipatia
meio de seu respectivo anjo. Essa ideia re- que regeriam a criação divina. E, no caso es-
monta ao hermetismo egípcio, reabilitado pecificamente tratado este estudo, o por vir
na Europa pela tradução que Marsílio Fici- da aventura humana na Terra.
no (1433-1499) fez do Corpus Hermeticum, a O que pesquisas anteriores citadas
mando de Cósimo de Médicis (1389-1464). apontaram é que essa concepção de um
De acordo com tal concepção, o Deus Cria- mundo construído em camadas, entre as
dor primeiro engendrou os sete planetas, quais estariam ocultas frações da mensagem
cada um deles dotado de qualidades espe- do Criador, influenciou a compreensão de
cíficas. A criação do resto do Cosmos foi diversos sujeitos acerca da linguagem, es-
realizada por tais planetas, agindo suas tando entre eles o abade Trithemius. Sob a
qualidades específicas sobre os seres inferio- influência da redescoberta dos hieróglifos
res, conforme a vontade do Criador. Assim, egípcios (LEMONNIER, 1997, p. 145), criou-
todo o Cosmos estaria interligado por rela- -se no Rinascimento a ideia de que a lingua-
ções de simpatia e antipatia, de acordo com gem poderia carregar em seu bojo um sig-
o grau de influência que sofreram de cada nificado distinto daquele aparente em sua
um desses planetas. A influência planetária superfície, tal qual seu congênere do Egito.
seria realizada por uma substância chamada Essa concepção ficaria mais explícita em ci-
spiritus, um tipo de matéria espiritual que se fra ou zipheris, sobre a qual disse Giambattis-
faria presente por todo o universo, estando ta Della Porta:
este submerso nela. Ainda de acordo com a
Se percorrermos a maioria dos nossos mo-
tradução hermetista, cada planeta teria uma numentos, nós talvez formemos alguma
entidade espiritual que, mais do que refletir conclusão, nós devemos dizer que estes
as qualidades de tal esfera celestial, exerceria sinais secretos são nada mais que nota-
ções por meio das quais nós garantimos o
sua influência supralunar no mundo sublu- segredo ou a brevidade em transmitir al-
nar. Tal ente é o daimon, ser que Hermes guma coisa para aqueles que estão familia-
Trismegisto descreve como nem bom, nem rizados com nosso método, e àqueles que
nós desejamos [que] saibam a matéria em
ruim, tendo como único objeto de sua exis-
mãos (1563, p. 1, tradução nossa).11
tência servir à vontade soberana do Deus

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Sendo a cifra compreendida como uma da vida”, Trithemius buscou compreender
atualização do hieróglifo egípcio, nada mais como a relação simpática entre o mundo
adequado que fossem criadas e manejadas supralunar e o mundo sublunar afetou os
pelos iniciados nos segredos que regeriam caminhos políticos da humanidade. Contu-
a natureza, a rede simpática que entrelaça- do, o abade foi além, uma vez que conside-
va os mundos supraunar e sublunar. Sendo rava possível antecipar tendências políticas
assim, como teriam feito na antiguidade os futuras por meio da correta leitura das in-
sacerdotes da religião egípcia, os magi do fluências que atuariam sobre o mundo dos
Renascimento foram os responsáveis, dire- homens, tendo em vista a sucessão correlata
ta ou indiretamente, pela confecção das lin- dos governos planetários. Dessa forma, ele
guagens cifradas de seu tempo. Conforme assumia o risco de ser acusado de heresia
Della Porta, os “Magi inventaram e molda- (COULIANO, 1987, p. 174), acusação que
ram certos caracteres para salvar seu conhe- recaia em quem tentasse predizer o futuro
cimento do uso ou da leitura da ralé, como pelo comércio com entidades espirituais.
qualquer leitor pode ver por si mesmo em Contravenção grave aos olhos da Igreja,
Honório Tebano e outros” (1563, p. 3-4, tra- uma vez que o conhecimento do futuro esta-
dução nossa).12 Tem-se assim a concepção ria reservado apenas ao próprio Deus.
de que a linguagem possui uma qualidade
oculta – o Segredo13 –, sendo ela capaz de
separar os seres humanos entre sabedores e Considerações finais
ignorantes ou, mais adequadamente, entre
Acerca do terceiro período pelo qual
“aqueles que podem saber” e “aqueles que
não podem saber”, construindo uma hierar- Samael governaria o mundo por meio de
quia a partir da posse de um dado conjunto sua influência, Trithemius afirmou:
de informações. Trithemius teve como uma Marte em primeiro lugar no governo de
das suas maiores preocupações criar meca- Samael predisse o dilúvio, em seu segun-
nismos para salvaguardar os Segredos dos do retorno, a destruição de Tróia: em seu
terceiro até o fim do mesmo [período] será
seus amigos poderosos daqueles que ele encontrado grande carência de Unidade: a
julgava ser “aqueles que não podem saber”. partir de assuntos precedentes pode ser jul-
Assim, fez em Steganographie e Polygraphia. gado o que vai ou deve ter sucesso futuro.
Esta terceira Revolução de Marte não será
Contudo, em De Septem Secunda..., ele se en- consumada sem Profecia e a instituição de
tregou a um esforço distinto em relação ao alguma nova Religião, a partir deste ano
mesmo campo, o âmbito do Segredo. Não de Cristo de 1508, aqui ainda permanece
até o fim do governo de Samael 17 anos em
pretendia mais cobrir de Sigilo os Segredos
que signos e figuras serão dados, preven-
que julgava merecedores de tal esforço, mas do os inícios do mal. Para no ano de Cristo
retirar os véus de Sigilo que cobriam o futu- de 1525, as cruzes eram vistas nas vestes
ro de Maximiliano I. dos homens pelo espaço de dez anos antes,
o que já passou mostra seus efeitos: mas
O esforço do abade em esmiuçar as daqui a 13 anos sendo justamente convo-
relações entre os governos planetários e os cados, entregarás o teu lugar ao ignorante,
governos humanos comtemplava passa- tu deves reviver de novo muito maior para
mim, depois dos Destinos no terceiro; a
do, presente e futuro. Partindo claramen- menos que seja lícito te obscurecer em uma
te da premissa de que a “História é mestra nuvem (1568, p. 59, tradução nossa).14

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Mais do que o passado e do que o fu- O abade alemão dedicou boa parte da
turo, acreditamos que o grande interesse de sua vida a domar algo que considerava fun-
Trithemius ao compor tal obra estava no damental à ação dos homens que ocupavam
presente. De septem secunda... foi dedicado posição de destaque no palco político. De
ao próprio imperador Maximiliano I, im- acordo com o sonho profético que os biógra-
portante figura do cenário político europeu fos atribuem a vida de Trithemius, que pos-
daquele momento, em cuja corte o abade sui moldura de lenda (COULIANO, 1987, p.
possuía considerável trânsito. Desde Ste- 164-165), o abade desde sempre considerava
ganographie, Trithemius buscou ofertar ins- conhecimento uma forma de poder sobre a
trumentos pelos quais o imperador e seus Fortuna. Buscou por todas as formas saber
príncipes palatinos pudessem, mais do que de tudo que fosse possível saber. Suas técni-
exercer, assegurar a posse de seu poder. Se cas de comunicação secreta, cuja origem está
em obras como Steganographie e Polygraphia firmemente posta na concepção de Segredo
Trithemius buscou instrumentalizar o segre- oriunda do esoterismo, ou seja, de uma rea-
do como ferramenta de ação política, acredi- lidade construída em camadas entre as quais
tamos que em De septem secunda... ele buscou se inseria a mensagem divina, buscavam ga-
ofertar a Maximiliano I uma forma de ver rantir que esse bem tão precioso – o conhe-
por meio dos segredos que geririam as ações cimento – fosse acessível apenas “àqueles
humanas. Ao construir uma interpretação que podem saber”, salvaguardando-os dos
histórica de como as potências planetárias perigos oferecidos por “aqueles que não po-
atuaram, atuam e atuarão sobre os governos dem saber”. A postura adotada por sujeitos
humanos, Trithemius buscava oferecer ao como Trithemius e Giambattista Della Porta
imperador a vantagem de poder antever os intentava criar um espaço de ação política
próximos movimentos de seus adversários, por meio de ações de Sigilo em torno do Se-
ao saber sob que influência tomariam suas gredo. Enquanto os véus do Sigilo envolves-
decisões. Para Trithemius, Maximiliano I
sem o Segredo, o sujeito criava um espaço
deveria ter em mãos todas as armas possí-
em que estava abrigado da volubilidade do
veis, uma vez que regeria o seu império sob
humor de quem lhe confiou tais segredos e a
a égide de Samael. Os governos de Samael, o
partir dos quais poderia negociar com quem
anjo planetário de Marte, foram sinônimos,
desejava esse conhecimento interdito. Estar
até então, de transformações absolutas para
de posse de informações indisponíveis aos
a humanidade. De tragédias naturais à ruí-
demais colocava esses sujeitos numa posi-
na de impérios, tudo acontecia sob o bater
ção de salvaguarda em relação aos caprichos
das asas de Samael. Contudo, se o impera-
da Fortuna. Por esse mesmo motivo, as téc-
dor soubesse de antemão que rumos a hu-
nicas de comunicação secreta ofertadas por
manidade tomaria, nada poderia lhe pegar
Trithemius e outros indivíduos eram, via de
despreparado. O véu de Segredo que cobria
regra, direcionadas ao princeps, sujeito que
o futuro seria rasgado, enchendo o monarca tinha profundo interesse em proteger seus
germânico de poder. O acaso não teria, as- segredos dos olhos e ouvidos de seus adver-
sim, poder sobre ele.

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sários, na mesma medida em que desejava dos feitos do passado, para se capacitar a
conhecer aquilo que seus oponentes manti- atuar na política.
nham oculto. Dessa forma, possuir os véus Contudo, em De Septem Secunda..., Tri-
que lançavam Sigilo sobre o Segredo prin- themius propôs algo diferente e mais ousa-
cipesco dava um poder imenso a homens do. Para o abade, não bastava para o bom
como o abade Trithemius. exercício principesco possuir o conhecimen-
Tais comportamentos são incompatí- to acerca de seu tempo aliado ao domínio da
veis com o projeto político medieval do Re- História: era preciso ser capaz de compreen-
gimen Animarum, que via no poder um meio der de que maneira o futuro seria construí-
– e não um fim em si mesmo – para obter do. O abade ofereceu a Maximiliano I uma
a garantia da salvação espiritual da Cristan- forma de se preparar para o potencialmente
dade. Essa preocupação em lançar Sigilo so- terrível governo de Samael. A Trithemius
bre aquilo que não se quer publicizado, ou pouco interessava que o imperador caísse
seja, hierarquizar os homens entre “aqueles em desgraça, haja vista que gozava das be-
nesses de integrar os círculos imperiais e do
que podem saber” e “aqueles que não po-
palatinado. Portanto, ele possuía grande in-
dem saber” surge na transformação do po-
teresse em municiar Maximiliano I com as
der de meio para fim em si mesmo, algo que
ferramentas necessárias para que este sobre-
pode e deve ser conquistado e tratado como
vivesse à ação do spiritus de Marte. Se em
parte de um patrimônio pessoal. Francesco
Steganographie e Polygraphia Trithemius bus-
Guicciardini (1483-1540), em suas obras Del
cou meios de fornecer Sigilo ao Segredo de
modo di ordinare il governo popolare e Dialogo
seus preferidos nas cortes alemãs, agora ele
del regimento di Firenze, foi o primeiro autor a
ofertava uma forma de retirar os véus de Si-
introduzir e discorrer sobre a expressão “Ra-
gilo que cobriam o futuro. Ao procurar des-
zão de Estado”. Para Guicciardini, a arte de lindar as relações de simpatia que guiavam
governar um Estado derivaria de maneira as decisões políticas da Europa, tanto no seu
considerável da arte de comandar uma casa tempo como nos tempos ainda por vir, Tri-
e da arte do comércio em geral. Tanto a arte themius buscou oferecer a virtù necessária
do Estado como a do comércio envolveriam para que Maximiliano I e os príncipes pala-
uma compreensão acurada dos humores e tinos dominassem a Fortuna pelos cabelos, o
das paixões dos homens, valendo-se de tal que garantiria que o abade permaneceria de-
conhecimento para ampliar a riqueza, no vidamente respaldado por amigos podero-
caso do comércio, e o poder, no caso do Es- sos. Mais uma vez se faria absoluta a máxi-
tado. Guicciardini dizia que tal arte era um ma que Trithemius apresentou em sua carta
talento para fazer as melhores escolhas no em resposta a Cornelius Agrippa: “"Ainda
momento apropriado, a partir de um conhe- eu aconselho que você observe esta regra,
cimento profundo dos homens. Podemos que você comunique segredos vulgares para
complementar tal percepção com o conselho amigos vulgares, mas segredos importantes
de Nicolau Maquiavel de aliar a experiência apenas para amigos importantes. Dê feno
dos tempos modernos com o conhecimento ao boi, e açúcar para um papagaio apenas”

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(AGRIPPA VON NETTESHEIM, 1550, não lligentiis sive spiritibus orbes post deum mo-
paginado, tradução nossa).15 ventibus (1568), producto de sus últimos
años de la vida. Al analizar tal fuente,
investigaremos la relación que el abad
Abstract hizo entre el reino supralunar y el reino
sublunar, o sea, como él pensaba la di-
We will discuss the relations between
námica entre ideas esotéricas y prácticas
esotericism and politics in the transi-
políticas, después de cargar la acusación
tion from the Fifteenth to the Sixteenth
de demonomago hace algunos años. De
century, in the Germany of Maximilian
esta forma, pretendemos contribuir para
I (1459-1519), emperor of the Holy Ro-
ampliar la mirada sobre el complejo es-
man Empire. We will look at the work of
cenario de las relaciones políticas en el
the German abbot Johannes Trithemius
período marcado por la pasage del regi-
(1462-1512) called De septem secunda Deis
men medieval a la Razón de Estado.
id est intelligentiis sive spiritibus orbes post
deum moventibus (1568), product of his fi-
Palabras clave: Esoterismo. Política. Se-
nal years of life. In analyzing this source,
creto.
we will investigate the relationship that
the Abbot made between the supralunar
realm and the sublunary realm, that is, Fontes primárias
how he thought the dynamics between
esoteric ideas and political practices, DELLA PORTA, Giambattista. De Furtivis Lite-
after already carrying the accusation of rarum Notis vulgo De Ziferis – Libri III. Neapoli:
demonomagus some years ago. In this Apud Ioa Mariam Scotum, 1563.
way, we believe that we contribute to AGRIPPA VON NETTESHEIM, Heinrich Cor-
broaden the view on the complex sce- nelius. De occulta philosphia, Libri III. Lugduni:
nario of political relations in the period apud Godefridum & Marcellu, fratres, 1550.
marked by the passage from the medie- TRITHEMIUS, Johannes. De septem secunda
val regimen to the Reason of State. Deis id est intelligentiis sive spiritibus orbes post
deum moventibus. Coloniae: Apud Ioannem Bir-
Keywords: Esotericism. Politics. Secret. ckmannun, 1568.
TRITHEMIUS, Johannes. Steganographie: Ars
Resumen per occultam Scripturam animi sui voluntatem
absentibus aperiendi certu, 4to, Darmst. 1621.
Discutiremos las relaciones entre esote-
rismo y política en la transición del si- Notas
glo XV al siglo XVI, en la Alemania de
Maximiliano I (1459-1519), emperador 1
Texto baseado em comunicação apresentada no
del Sacro Imperio Romano Germánico. XII Encontro Internacional de Estudos Medievais
e III Seminário Internacional sobre Hagiografia
En el caso del abad alemán Johannes Tri- Medieval, realizado entre 04 e 06 de julho de
themius (1462-1512), se analizará la obra 2017, na Universidade Federal do Rio Grande do
llamada De septem secunda Deis id est inte- Sul, em Porto Alegre.

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2
Entendemos esoterismo, enquanto categoria aca- do seu médico – no caso o rei –, bem como por
dêmica, a partir da formulação teórica de Antoi- uma ação não violenta que busca controlar e do-
ne Faivre em sua obra clássica O esoterismo, de mar a vida afetiva e moral dos homens, a fim de
1994. Conforme Faivre (1994, p. 13-24), o esote- conduzi-los à perfeição espiritual, portanto, aos
rismo surge como campo possível no momento portões dos céus.
em que as “causas segundas” se emancipam da 4
Para uma análise mais detalhada dessas obras,
metafísica, ou seja, quando as ciências da natu- ver: Mendonça Júnior (2009, 2014).
reza se separam da teologia, por volta do sécu- 5
“Primus Angelus, siue Spiritus Saturni uoca-
lo XII. Esse esoterismo teria seu corpus histórico tur Orifiel, cui Deus mundum a principio creatio-
formado por três “rios” principais, sendo eles a nis gubernandum commisit, coepitque regimen
alquimia, a magia e a astrologia, temperadas por illius. 15 die mensis Martii, Anno mundi primo,
uma aritmosofia; encorpados por afluentes, como & durauit annis 354, Mensibus quatuor. Orifiel
a cabala cristã, o hermetismo neoalexandrino e a autem nomen est officii, non naturae, spiritui ra-
ideia de uma filosofia perennis. Faivre avança afir- tione actionis attributum, sub cuius regimine ho-
mando que esse conjunto de práticas, representa- mines fuerunt rudes, & agresti more bestiarum in
ções e discursos, para dialogarmos com as cate- solitudine commorantes. Quod mea non indiget
gorias apresentadas por Chartier (2002), somente probatione, cum ex textu Geneseos omnibus sit
seria identificável havendo a presença de quatro manifestum” (TRITHEMIUS, 1568, p. 4-5).
“características intrínsecas”, que poderiam – ou 6
“Secundus mundi gubernator est Anael, spi-
não – ser acompanhadas de duas “características ritus Veneris, qui post Orifielem regere coepit
secundárias”. As qualidades intrínsecas são: Cor- sui influxum planetae, Anno mundi 354, Mense
respondência (o universo seria completamente quarto, hoc est, 24 die mensis Iunii, et mundum
interligado por uma rede de correspondências gubernauit annis 354, Mensibus quatuor, usque
formando um emaranhado de relações simpáti- ad Annum Orbis conditi 780, ut calculanti patet,
cas), Natureza Viva (formada por uma multipli- aetatem. Sub huius regimine Anaelis homines
cidade de camadas, a Natureza poderia ser lida coeperunt esse ultiores, domusque constituere &
e manuseada como um livro, dando-lhe opera- urbes, Artes inuenire manuales, opus texttrinum,
tividade), Imaginação e Mediações (a primeira lanifitium, hisque similia, carnis quoque uolup-
corresponderia a um órgão da alma que criaria tatibus per amplius indulgere, uxoresque sibi
as segundas, instrumentos necessários para atuar pulchras assumere, DEVM obliuisci, et a naturali
nas relações simpáticas que moveriam a Nature- simplicitate in multis recedere, ludosque can-
za), Experiência de Transmutação (cooperação tilenas inuenire, cithara canere, et quicquid ad
entre conhecimento e maginação ativa sobre as Veneris pertinet rationem et cultum excogitare,
redes simpáticas constituintes da Natureza). As durauitque ista in hominibus lasciuia uitae ad
secundárias são a Práxis da Concordância (é a Diluuium, sumens argumentum prauitatis suae”
busca por estabelecer os pontos comuns entre as (TRITHEMIUS, 1568, p. 5-6).
diversas tradições esotéricas) e a Transmissão (o 7
“(Tertius Zachariel Angelus Iouis mundum coe-
conhecimento esotérico só poderia ser transmiti- pit gubernare, Anno ceationis Coeli et terre, 708,
do por um mestre a um discípulo, proporcionan- Mense, 8, hoc est, 26, die Mensis Octobris, et
do a este um segundo nascimento). gubernauit mundum annis 354, Mensibus qua-
3
O Regimen Animarum é descrito por Michel Senel- tuor, usque ad Annos conditi orbis 1063, inclu-
lart (2006, p. 22-32) como um regimen (governo) siue. Sub cuius moderatione homines primum
que não deveria ser encarado em termos de po- sibi Dominum in alterutrum usurpare coeperunt
tência, mas de escatologia. Foi, por muito tempo, uenationes exercere, tentoria facere, & corpora
encarado como um auxiliar menor da missão pri- uariis inchumentis exornare, factaque est magna
mordialmente eclesiástica da manutenção da or- inter bonos malosque diuisio, bonis inuocanti-
dem e da disciplina dos corpos. Logo, a ideia de bus DEVM, sicut Enoch, quem transtulit Domi-
Regimen, no medievo, foi a de governo das almas, nus) malis autem post carnis illecebras discur-
de acordo com as normas morais impostas pela rentibus. Coeperunt etiam homines sub huius
Igreja. Regimen tem, então, um sentido polissêmi- Zacharielis regimine magis ciuiliter uiuere, leges-
co: espiritual, moral, pedagógico e técnico. Por- que pati maiorum, mansuescere a feritate priori,
tanto, o Regimen Animarum pode ser entendido sub eius quoque Ducatu Adam primus homo
como uma espécie de “medicina das almas”, em fuit mortuus cunctae posteritati relimquens tes-
que se busca curar o doente por meio do exemplo tamentum necessario moriendi. Varie denique

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hoc tempore ad inuentiones hominum et artes sequência, de Mennel. Stabiu vasculhou os do-
emerserunt, sicuti historiographi clarius expres- cumentos de Trithemius e encontrou um texto
serunt” (TRITHEMIUS, 1568, p. 7-8). atribuído a Hunibald, cuja veracidade poderia
8
“Quartus mundi rector fuit Raphael, spiritus facilmente ser questionada, conforme ele mesmo
Mercurii qui coepit Anno creationis Coeli et Ter- afirmou a Maximiliano I. A obra de Mennel só foi
re 1063, Februarii die, 24, & prefuit Annis 354, publicado após se livrar da influência do abade
Mensibus 4, et durauit eius dominium usque ad Trithemius, dois anos após a morte deste (VAN
Annos Mundi 1417, & Mensem Quartum. His- DYKE, 1995, p. 23-26).
se temporibus Scribaria primo fuit inuenta, et 11
“Has igitur furtivas literas si maiorum nostrorum
literae primo admodum seu formam arborum, monumenta percurrentibus, licebit quicquam
atque plantarum excogitate, quae tamen postea animo coniectare, nil aliud, nisi notas esse dice-
cum tempore et cultiorem sumpsere ornatum, et mus, quibus vel occulte vel breviter aliquid rei
caracterum faciem as suum gentes arbitrium mu- gnaris, quibus rem exploratam volumus, mani-
tauerunt. Musicalium quoque instrumentorum festamus”.
usus sub regimen huius Raphaelis multiplicari 12
“Quosdam sibi etiam Magos characteres effinxis-
coepit, & mercantiarum primum fuit commu- se, & reperisse vidimus, quibus suam scientiam
tation per homines adinuenta. Nauigandi quo- ab usu et vulgarium lectione vendicarent, ut
que rudis audatia his temporibus primo fuit pre quisque in Honorio Thebano & aliis videre pote-
sumptu, et alia id genus multa” (TRITHEMIUS, rit”.
1568, p. 8-10). 13
Dialogando com a produção historiográfica es-
9
“Sub cuius regimine Martis naturam homines pecífica, como a obra de Karma Lochrie (1999),
fuerunt imitati”. e considerando a especificidade da língua por-
10
Por volta do começo do século XVI, o imperador tuguesa, adotamos a seguinte definição para o
Maximiliano I promoveu um amplo esforço para conjunto conceitual formado por Segredo, Sigilo
que se fosse feita uma genealogia sua e de sua e Secretismo. Segredo é aquilo que se deseja man-
família, os Habsburgos. Para tanto, não poupou ter em sigilo; Sigilo, os esforços para se manter
esforços, empregando vários homens, e vascu- tal elemento secreto; e Secretismo, a qualidade de
lhou mosteiros e bibliotecas em busca de infor- algo ou alguém em manifestar ou exercer o Sigilo
mações que pudessem funcionar como suporte (MENDONÇA JÚNIOR, 2014, p. 57-58).
dessa genealogia. Jacob Mennel entregou os seis 14
“In Samaele Mars primo praedixit diluuium,
volumes de Die Fürstliche Chronik Kaiser Maximi- Troianum secundo excidium in tertio erit circa
lian’s Gennant Geburtspiegel, nos quais afirmava finem magnum unitatis detrimentum. Ex praece-
que os francos descendiam dos troianos pela par- dentibus enim iudicentur futura quae sequntur.
te de Hector, abrindo assim a possibilidade de os Non consumabitur Martis haec tertia Reuolutio
Habsburgos descenderem dos troianos. Contu- sine prophetia, et nouae alicuius institutuinis
do, os estudiosos que viviam na corte de Maxi- religionis. Ab hinc anno christianorum 1508, res-
miliano I questionaram alguns dados fornecidos tant anni usque ad finem gubernamenti Samaelis
por Mennel, como a ligação entre Hector e Clóvis 17, in quibus dabuntur significantes initium ma-
dos Francos. Mennel, por sua vez, disse ter reti- lorum figure. Anno enim Christianorum 1525,
rado tal informação da genealogia dos Habsbur- cruces in uestimentis hominum uisae ante decen-
gos que teria sido redigida pelo abade Johannes nium quod praeteriit suum ostendent effectum,
Trithemius. Nessa obra, Trithemius afirmava ter sed 13 ab hinc Iure citatus locum dabis nescienti,
tido acesso a um documento de autoria de um maior post fata resurges mihi in tertio nisi licet
tal Hunibald, plagiarista de um sujeito de nome nebula tegas”.
Wastaldus, que teria sido redigido à época dos 15
“Unu~hoc tame~ te monemus custo dire prae-
francos, falando da descendência destes dos ceptu~, ut uulgaria uulgaribus, altiora uero &
troianos, bem como da migração dos remanes- arcana altioribus atque secretis tantum cõmuni-
centes de Tróia para terras francas. A partir deste ces amicis. Da foenu~boui, saccaru~psittaco tan-
texto, Trithemius conseguiu ligar Maximiliano I tum…”.
inclusive a Noé (BORCHARDT, 1986, p. 33). A
mando do imperador, Stabiu procurou atestar
a veracidade da obra de Trithemius e, por con-

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nes Trithemius (1462-1516) entre o magus e o
secretarium do princeps. 2009. 197 f. Dissertação
(Mestrado em História e Culturas Políticas) –

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