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Procuradoria-Geral de Justiça

CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO

SIMP Nº. 000319-117/2020


SUSCITANTE: 2ª PJ DE DIREITOS CONSTITUCIONAIS FUNDAMENTAIS E DOS
DIREITOS HUMANOS DE BELÉM
SUSCITADO (A): 2ª PJ DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DE BELÉM

I – RELATÓRIO:

Trata-se de CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÕES suscitado pela 2ª


Promotora de Justiça de Direitos Constitucionais Fundamentais e dos Direitos Humanos de
Belém, em exercício (Dra. Fabia de Melo-Fournier), nos autos da Notícia de Fato nº.
000319-117/2020, que lhe foram remetidos eletronicamente após decisão declinatória
proferida pela 2ª Promotora de Justiça da Infância e Juventude de Belém (Dra. Ioná Silva de
Sousa Nunes).

Das informações constantes do SIMP, extrai-se que a notícia de fato teve origem a
partir do protocolo de petição pela Associação Paraense de Síndrome de Willians e outras
doenças raras – APSW e ODR. No expediente, a Associação dá ciência de processos
administrativos e judiciais de pacientes portadores de Epidermólise Bolhosa que tramitam
junto a SESPA e, requer providências ministeriais, quanto a garantia de tratamento
especializado aos portadores da doença.

Segue informando que, apesar de alguns desses pacientes já serem


acompanhados judicialmente pela associação, a dificuldade de se buscar medicações,
profissionais capacitados para atendimentos, é inimaginável, sendo que alguns desses
pacientes já aguardam mais de 300 (trezentos) dias para receber tratamento adequado,
mesmo com ordem judicial.

Além disso, a Associação citou três casos de pacientes que tiveram o processo
licitatório para compra de medicamentos abertos pelo Poder Público, mas sem conclusão.
Por esta razão requereu:
1- “Acompanhamento desta Promotoria na dispensação de materiais e
insumos adequados para o tratamento tópico dos pacientes portadores de
Epidermólise Bolhosa, conforme recomendação médica e acompanhamento
familiar. Importante asseverar que até o presente momento, os medicamentos
prescritos pelos médicos competentes, estão amparados pela CONITEC –
COMISSÃO NACIONAL DE INCORPORAÇÃO DE TECNOLOGIAS NO SISTEMA
ÚNICO DE SAÚDE (...);
2- Seja disponibilizada equipe multidisciplinar (Dentistas, Ortopedistas,
Psicológos, dentre outros...) para o tratamento e acompanhamento terapêutico e
clínico desses pacientes, conforme relação de profissionais da área da saúde acima
explanados, conforme recomendação da CONITEC, Associação e ONG’s
espalhadas por todo Brasil;

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3- Realização de exames e perícias para detecção de recém-nascido do


acometimento de EB, nos casos em que se mostrem presentes os sintomas
característicos;
4- Orientação aos pais e cuidadores quanto ao correto uso dos materiais e
insumos dispensados. É importante explanar que para tal situação, deve ser
disponibilizado profissional com prática acentuada para que possa transmitir os
ensinamentos corretos;
5- Acompanhamento in loco e urgente dos procedimentos licitatórios já em
curso para conclusão no menor lapso temporal possível, bem como ajuizamento de
Ação Civil Pública, para garantir o tratamento destas crianças se assim o titular
desta promotoria entender pertinente;
6- Ajuizamento de Ação Civil Pública para garantir o atendimento destas
crianças Epidermólise Bolhosa, se pertinente. (...)”. (grifo nosso)

A notícia foi distribuída à Promotoria de Justiça suscitada, que empreendeu


diversas diligências, contudo, em seguida, declinou da atribuição para dar prosseguimento
ao feito em favor da 2ª Promotoria de Justiça de Direitos Constitucionais Fundamentais e
dos Direitos Humanos de Belém nos seguintes termos:

“A considerar que os pacientes da referida doença, in casu, não são apenas


criança e, segundo as informações apuradas, trata-se de questão envolvendo
políticas públicas estaduais direcionadas a totalidade de pacientes tendo em vista a
ausência de fornecimento do medicamento necessário aos portadores da
enfermidade residentes no Estado do Pará, não se restringindo a eventos pontuais
envolvendo crianças e adolescentes, constatando-se, portanto, que a presente
demanda é de atribuição do 2º e 3º Promotor de Justiça de Direitos Constitucionais
Fundamentais e Direitos Humanos, nos termos do inciso II do art. 24 da Resolução
nº 020/2013: (...)
Verifica-se, portanto, que ao 1º, 2º e 3º cargos da Promotoria de Justiça da Infância
e Juventude é mais restrita, ou seja, cabe a defesa de uma grande gama de direitos
das crianças e adolescentes podendo englobar a saúde nesses casos pontuais,
enquanto que a 2ª e 3ª Promotoria de Justiça de Direitos Constitucionais
Fundamentais e Direitos Humanos incumbe a defesa do direito à saúde como
política pública.
Ressalte-se que, no decorrer das diligências tomadas para solucionar o conflito, a
presente promotoria deparou-se com a realidade da ASSOCIAÇÃO PARAENSE DE
SÍNDROME DE WILLIAMS E OUTRAS DOENÇAS RARAS – APSW&ODR e,
constatou que a demanda não versava exclusivamente sobre crianças e
adolescentes, mas, também, adultos que enfrentam as mesmas dificuldades
frente as atuais políticas públicas de saúde e tem como objetivo criar um
protocolo de ação para atender todos os pacientes com esta patologia. Assim,
segundo o relato dos responsáveis pela associação, o problema é enfrentado por
todos os pacientes de Epidermólise Bolhosa, que dependem do Sistema Único de
Saúde no Estado do Pará e padecem perante a negligência do ente público
estadual que não vem fornecendo os medicamentos necessários.
Importante destacar que, quando há uma promotoria especializada, a sua atribuição
precisa ser respeitada sob pena de infringir o princípio do promotor natural. Desta
forma, com lastro nos argumentos expendidos, declino da atribuição para atuar
nesta demanda em prol da 2ª ou 3ª Promotoria de Justiça de Direitos
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Constitucionais Fundamentais e Humanos e determino o encaminhamento dos


autos, para que sejam tomadas as medidas que se entenderem cabíveis”. (grifo
nosso)

O feito foi então redistribuído à 2ª Promotora de Justiça de Direitos Constitucionais


Fundamentais e dos Direitos Humanos de Belém, em exercício, que suscitou este conflito
negativo de atribuição, sob o fundamento, em síntese, de que: a Epidermólise Bolhosa
acomete majoritariamente crianças na primeira infância, correspondendo os recém-nascidos
a 99% dos casos, conforme ressaltou a associação noticiante, e que por isso resta nítida a
atribuição da 2ª PJIJ de Belém, nos termos do art. 26 da Resolução nº. 020/2013-CPJ.

Ressaltou, ainda, que no âmbito do SUS, foi aprovado o Protocolo Clínico e


Diretrizes Terapêuticas (PCDT) - Epidermólise Bolhosa Hereditária e Adquirida em 2020 que
aduz que o tratamento deve ser iniciado nos primeiros meses de vida e realizado
precipuamente durante a infância, onde deverá ocorrer o acompanhamento multidisciplinar,
o que justifica que a rede de atendimento a que a associação interessada pretende seja
voltada quase em sua totalidade a crianças e possíveis adolescentes.

Ao final, refutou o argumento de que a PJ da Infância e Juventude somente seria


responsável pelas “situações pontuais” envolvendo crianças, e que em se tratando de
política pública competiria à 2ª PJDCF/DH, uma vez que a referida resolução não restringiu
a atuação da PJIJ a demandas individuais, mas a todo e qualquer feito que envolva o direito
à saúde de crianças e adolescentes.

Por conseguinte, vieram os autos a esta Procuradoria-Geral de Justiça para


manifestação.

É o relatório.

II – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA:

A controvérsia estabelecida nos autos cinge-se em definir se o feito é de atribuição,


a priori, da 2ª PJ de Direitos Constitucionais Fundamentais e Direitos Humanos de Belém,
ou da 2ª PJ da Infância e Juventude de Belém, para prosseguir nos autos da notícia de fato
nº.000319-117/2020, cujo objeto visa garantir atendimento especializado e
fornecimento de medicamentos às pessoas portadoras de Epidermólise Bolhosa, no
Estado do Pará, além do acompanhamento de procedimentos licitatórios já
deflagrados pelo Poder Público.

Para a adequada análise do conflito negativo de atribuições, seguem trechos da


Resolução nº. 020/2013-CPJ (que dispõe sobre a estrutura das Promotorias de Justiça de
Terceira Entrância e as atribuições dos cargos de Promotor de Justiça que as integram e dá
outras providências):

“Art. 24. As Promotorias de Justiça de Direitos Humanos compõem-se de quatro cargos


de Promotor de Justiça, cujos membros possuem atribuições nos processos e
procedimentos judiciais e extrajudiciais, cabendo:
(...)
II - ao 2º e 4º Promotor de Justiça, a garantia do direito fundamental à saúde;
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(...)

“Art. 26. As Promotorias de Justiça da Infância e Juventude compõem-se de dez cargos


de Promotor de Justiça, cujos membros possuem atribuições nos processos e
procedimentos judiciais e extrajudiciais relativos à garantia dos direitos individuais
indisponíveis, difusos e coletivos da criança e do adolescente, em conformidade com o
art. 98 da Lei nº 8.069, 13 de julho de 1990, todos incumbidos da articulação com os
Conselhos Estadual e Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, Conselhos
Tutelares e demais conselhos específicos de cada área de atuação, ressalvadas as
atribuições das Promotorias de Justiça Distritais, cabendo:
I - ao 1º, 2º e 3º Promotor de Justiça, atuar na área protetiva em defesa dos direitos
fundamentais da criança e do adolescente, na forma do art. 227, da Constituição Federal,
e do art. 4º, da Lei nº 8.069, de 1990, inclusive os relacionados à saúde.
(...)
Parágrafo único. Fica ressalvada a atuação autônoma ou concorrente dos 1º, 2º e 3º
Promotores de Justiça da Infância e Juventude e dos 2º e 4º Promotores de Justiça de
Direitos Humanos, nos processos e procedimentos judiciais e extrajudiciais
relacionados à defesa do direito fundamental à saúde das crianças e adolescentes”.

Da análise dos autos, bem como do teor dos referidos dispositivos da Resolução nº.
020/2013-CPJ, verifica-se que tanto a 2ª Promotoria de Justiça de Direitos Constitucionais
Fundamentais e Direitos Humanos de Belém como a 2ª Promotoria de Justiça da Infância e
Juventude de Belém possuem atribuição para atuar, de forma autônoma ou concorrente, no
que diz respeito aos procedimentos relacionados à defesa do direito fundamental à
saúde de crianças e adolescentes.

Entretanto, da análise do expediente protocolado pela Associação Paraense de


Síndrome de Willians e outras doenças raras – APSW e ODR, percebe-se que a atuação
ministerial provocada dar-se-á no âmbito do acompanhamento de políticas públicas de
saúde envolvendo todos os portadores de Epidermólise Bolhosa (desde o seu
nascimento até a fase adulta, já que, por enquanto, é uma doença sem cura), inclusive, no
acompanhamento de processos licitatórios já deflagrados pelo Poder Público e sem
êxito, conforme informações prestadas pela Associação.

No caso, não obstante a associação mencionar o atendimento das medidas às


crianças, isso porque, esta doença, na maioria dos casos, se inicia desde a fase de recém-
nascido, ela não pediu providências que se destinem ao atendimento exclusivo de crianças
e adolescentes, mas, nitidamente, submeteu à avaliação do órgão ministerial para
implementação de protocolos de atendimento, garantia de insumos e medicamentos em
geral, intervenção junto ao Poder Público para medidas cabíveis quanto ao extenso lapso
temporal decorrido desde a deflagração de licitações para aquisição desses medicamentos,
aos casos em que o usuário (seja criança, adolescente ou adulto) do Sistema Único de
Saúde necessite de assistência.

Logo, na hipótese em análise, o elemento central noticiado pela associação é a


notícia de omissão do Poder Público na prestação de serviços de saúde pública aos
portadores de Epidermólise Bolhosa.

A saúde é, portanto, direito de todos e dever do Estado, sendo certo que a


responsabilidade pela prestação dos serviços é dos entes federados, que devem atuar
conjuntamente em regime de colaboração e cooperação.
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A discussão girará em torno de problemas tais como: saber como são fornecidos
medicamentos e insumos a pacientes diagnosticados com Epidermólise Bolhosa, se há
profissionais capacitados para prestação do serviço, se as rotinas adotadas são adequadas,
quais protocolos adotados para atendimentos dos pacientes e seus familiares, os motivos da
demora no atendimento de demandas judicializadas e processos licitatórios deflagrados e,
de outro lado, quais as medidas a adotar para o aprimoramento do serviço. Todos esses são
aspectos que encontram perfeita inserção na temática de atuação do órgão ministerial com
atribuição na área da saúde.

Com a devida vênia ao entendimento diverso, externado pela suscitante, em que


pese a doença, na maioria dos casos, se desencadear na fase infanto-juvenil, como bem a
D. Promotora de Justiça ressaltou é uma doença sem cura, logo, em todos os casos se
estenderá também na fase adulta, não se restringindo somente às crianças e adolescentes
os tratamentos requeridos pela associação noticiante. Tanto o é, que dentre os casos
apontados pela associação extrai-se o atendimento a um adulto também.

É bem verdade que, muitas vezes, no curso das apurações, são coletadas
informações que sugerem a ocorrência de casos específicos a garantir o direito à saúde à
criança e adolescente específico, mas ainda que isso venha a ocorrer nada impede uma
atuação, inclusive, conjunta de ambas Promotorias de Justiça em discussão.

Se a única questão envolvesse a garantia de insumos e medicamentos às crianças


e adolescentes acometidos de Epidermólise Bolhosa, não haveria dúvida de que a
atribuição caberia à 2ª PJIJ de Belém.

Porém, se há outra questão envolvida como, no caso dos autos, o


acompanhamento de processos licitatórios e políticas públicas relacionadas a todos os
portadores de tal doença, nada impedirá que o órgão ministerial que atue em Promotoria
especializada na área da saúde acompanhe o caso e, posteriormente proponha demanda
judicial em face do Poder Público, se for o caso.

Por todo o exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o,


com fundamento no art. 10, X, da Lei nº 8.625/1993 c/c com o art. 18, X, da LC Estadual nº
057/2006, declarando caber ao órgão ministerial suscitante, 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA
DE DIREITOS CONSTITUCIONAIS FUNDAMENTAIS E DIREITOS HUMANOS DE
BELÉM, a atribuição para oficiar na notícia de fato.

Cientifique-se a 2ª PJIJ de Belém da presente decisão.

Belém/PA, 12 de agosto de 2021.


CESAR BECHARA NADER Assinado de forma digital por
CESAR BECHARA NADER MATTAR
MATTAR JUNIOR:28192052249
JUNIOR:28192052249 Dados: 2021.08.16 09:31:16 -03'00'

César Bechara Nader Mattar Jr


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