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FERNANDES, Mayã. A magia das imagens técnicas na criação de novas narrativas. Revista Ano I: En
saio, 2020. ISSN 2675-5599. Disponível em: https://medium.com/ano-i-ensaio/a-magia-das-imagens-t
%C3%A9cnicas-na-cria%C3%A7%C3%A3o-de-novas-narrativas-25a6a636841c
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Este ensaio surge a partir de reflexões filosóficas resultantes do curso de Filosofia da
Fotografia I, lecionado em maio de 2020. Em uma das aulas realizamos a leitura de duas
imagens. A primeira era utilizada como panfleto convocatório de um determinado
grupo político e a segunda uma pintura que busca questionar a sedução e o poder de
magia das imagens técnicas. A análise de ambas imagens foi praticada com base nas
obras Ensaio sobre fotografia (1998) e Universo das imagens técnicas (2008) de Vilém
Flusser.
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M.M.D.C. Você tem um dever a cumprir, consulte a sua consciência! (1932).
A narrativa por trás do cartaz remonta às práticas adotadas pela organização civil
paramilitar criada em São Paulo em 1932. A imagem em tom panfletário surge como
reação às medidas autoritárias tomadas pelo presidente Getúlio Vargas em 1932, ao
anular a constituição de 1891 que limitava seus poderes de decisão sobre os
governadores dos estados. Sem a vigência dessa constituição, Vargas passou a nomear os
cargos dos governadores, inserindo seus aliados políticos para obter controle político,
social e econômico sobre os estados. Essa medida desagradou a oligarquia paulista, que
incitou grupos de civis e militares para reagir de modo armado contra o governo. Assim,
o grupo M.M.D.C., passou a realizar convocatórias para que a população se unisse e
lutasse ativamente no confronto. A chamada culminou na Revolução Constitucionalista,
que eclodiu no mesmo ano.
Com o auxílio da Liga das Senhoras Católicas, a organização [M.M.D.C] criou serviços
de alistamento, de instrução, de abastecimento, de concentração e de alojamento de
voluntários, bem como de assistência às suas famílias. Desenvolveu também serviços
técnicos de organização e controle. Além de atuar nesses diferentes setores, o M.M.D.C.
promoveu as chamadas “caravanas de propaganda cívica”, que incluíam a pregação
diária nas ruas e a divulgação de cartazes e de filmes¹.
Essa imagem foi reproduzida e distribuída em São Paulo. “Você tem um dever a cumprir,
consulte a sua consciência!”. o apelo da mensagem é coercitivo e embasa-se em um molde
propagandístico perpetuado na história, sendo evidente a apropriação das artes para
alcançar os cidadãos paulistanos. Essas “pregações” são feitas em paralelo com a própria
propaganda política praticada por países como Estados Unidos, ao solicitar que a
população aprovasse e participasse ativamente das investidas imperialistas.
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Em outros ensaios² comentei sobre a expressão máxima das imagens técnicas serem as
fotografias. Elas são, sem dúvidas, o ápice dos procedimentos técnicos para a criação de
imagens. Contudo, não podemos esquecer que uma imagem técnica pode ser toda
representação efetuada por meio de intervenções mecânicas, que buscam diminuir a
atuação das pessoas no processo de materialização. Assim, podemos citar os jornais e
revistas como o resultado do entrelaçamento da imagem com o texto, sendo meio de
fácil compartilhamento de informações.
Assim, a proliferação das imagens técnicas diluiu a magia presente nas imagens
tradicionais, como a pintura, que serviam de culto, vinculando-se aos rituais. Sabe-se
que para Flusser a imagem possui uma magia responsável pelo elo entre as pessoas e o
mundo. Flusser comenta que no período pré-histórico as imagens serviam de mapas
para ler o mundo⁴. Porém, com o tempo, as pessoas passam a não mais utilizar a função
imagética como um guia para o conhecimento, mas idolatram as imagens como
possuindo uma finalidade em si mesma. Parece-me que a idolatria, conforme o filósofo
pontua, levou as imagens ao limite de sua função, desdobrando-se em novas utilidades.
Para Flusser, com o nascimento da escrita, temos o texto e a criação de conceitos
disputando espaço com as imagens, e em seu limite podemos ver a escrita imagética
como o entrelaçamento contínuo entre imagem e texto. Esse período é chamado de
histórico, por possuir características lineares, opondo-se à leitura circular das imagens.
Seria banal dizermos que as fake news que observamos hoje em nosso cotidiano
nasceram a partir de um projeto político da contemporaneidade e do advento da
internet. Declaradamente falaciosas, certas imagens adotadas pela propaganda possuem
em si a capacidade de cativar o espectador. O lastro histórico da função das imagens não
só continua em nosso tempo, como é uma concorrente do poder mágico das imagens
produzidas pelos aparelhos. Esse poder dos aparelhos não só mimetiza a magia da
tradição, como insere nessas imagens códigos camuflados que são enganosos.
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Por mais que existam diferenças técnicas entre imagens e as imagens técnicas, é difícil
desvincular de ambas o poder de magia. Retornando à imagem “Você tem um dever a
cumprir, consulte a sua consciência!”, compreendo que sua estética está relacionada a
uma utilização da arte para fins políticos e econômicos. O cartaz em específico,
representa a imagem do “Tio Sam”.
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James Flagg, Eu Quero Você para o Exército dos EUA (1917)
A utilização da propaganda pelos E.U.A não é uma prática nova. A imagem do “Tio Sam”
(1870) é um exemplo de como as imagens são utilizadas para manipular uma
determinada população. A personificação estadunidense do “Tio Sam”, que décadas
depois ganhou os dizeres “”I Want You for U.S. Army” (“Eu Quero Você para o Exército
dos EUA”) (1917), tornou-se o símbolo do recrutamento dos soldados americanos para a
primeira guerra mundial e garantiu o apoio incondicional da população que passou a
simpatizar com a necessidade imperialista de expansão de territórios, sendo essa
dedicação superior à própria noção da vida. Em outras palavras, as pessoas
voluntariamente colocam-se em situações de risco e ignoram a destruição praticada na
guerra. Tudo em nome do patriotismo.
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Flusser explica que vivemos em um período pós-industrial, em que não sabemos mais se
as câmeras são nossos equipamentos que auxiliam no trabalho ou no lazer, ou se somos
funcionários dessas câmeras, que trabalham para seus programadores — funcionários
que constroem novas programações de acordo com instruções superiores, realizando
testes no aparelho para que ele possa atualizar-se. Contudo, a contradição que se impõe
é que não sabemos mais se desejamos, agimos e logo, vivemos, de acordo com as
indicações e programações realizadas pela máquinas.
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A outra imagem que mostrei para os meus alunos é uma pintura , realizada a partir do
cartaz político mostrado neste ensaio.
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Anace Lima. Acuse-os do que você faz (2020). Acrílica sobre tela.
A imagem destacada é uma pintura da artista Anace Lima⁵. A imagem “Acuse-os do que
você faz”, é uma apropriação do cartaz de convocação do M.M.D.C. e busca distorcer a
sua convocatória. Aqui, as pessoas não são mais responsabilizadas pela situação atual e
cooptadas a realizar a luta armada. A saída proposta pela arte é de que a população
indique os verdadeiros culpados pelos seus atos.
Dado nosso contexto atual, não temos dúvida de que o movimento político e ideológico
da pintura da artista nos leva a questionar a situação atual do nosso país. O fundo sem a
bandeira denuncia o patriotismo e a desresponsabilização dos grupos políticos sobre
seus filiados. Aqui, a prática acusatória não é mais um apelo para própria consciência,
mas a expurgação da culpa, a responsabilização de quem agencia indivíduos em busca
de seus imbróglios políticos.
A mensagem é literal e direta. A função da imagem é servir como um mapa para ler o
mundo. Quem olha para a imagem “Acuse-os do que você faz” não consegue alienar-se
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no loop das imagens técnicas. O rastro que a artista imprime sobre a imagem quebra a
sedução. A correção da figura que pode ser interpretada como um erro, ou o movimento
incompleto do quadro, permite-nos questionar a imagem. Contudo, o elo estabelecido
entre a representação e o momento político atual, força-nos a rever a conjuntura atual
do nosso país.
O fator mágico dessa pintura faz sentido para mim e acredito que para uma grande
parcela que não é condizente com as práticas do governo atual e que foi
responsabilizada pelos erros dos outros. Essa magia presente na imagem que é
inacabada propositalmente, projeta-se em nossa mente e necessita de reflexão. Aqui,
não existe o tempo do instantâneo, nem a ação impensada sob a prática coercitiva. A
reflexão surge a partir do olhar que levamos para a imagem em conjunto com nossos
conhecimentos adquiridos, que requerem a criação de novos conceitos.
Por fim, o poder de sedução das imagens técnicas pode, inclusive, fazer-nos recuar
diante da pintura, que pode possuir o olhar aguçado que consegue diferenciar uma
imagem da outra. Essas artistas rompem não só com a lógica dos programas, como
também rasgam as imagens técnicas, distorcem as funcionalidades dos aparelhos,
enquadram novos olhares e zombam dos processos de captura de subjetividade
realizadas pelos movimentos imperialistas. É na prática dessas artistas que conseguimos
ver e questionar o mundo atual para criar possibilidades de existência das imagens e da
própria narrativa.
Notas
⁴ FLUSSER, Vilém. Ensaio sobre a fotografia: para uma filosofia da técnica. Lisboa:
Relógio d’agua editores, 1998, p. 30.
⁵ Para ver mais sobre o trabalho da artista, acesse o seu site pessoal disponível em:
www.anacelima.com.br /
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